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Parada do Orgulho LGBT de Brasília, em junho de 2017.

Foto:
Mídia NINJA
f t

✉ ⎕ A HOMOFOBIA PODE VIRAR


CRIME. E ISSO É UM TIRO NO
PÉ.
Bruna de Lara
14 de Fevereiro de 2019, 17h36

#H O MO FO BI A É C RI ME . #CriminalizaSTF.
#ÉCrimeSim. Durante a maior parte desta quarta e
desta quinta, o apoio às ações que pretendem
criminalizar a homofobia e estão sendo julgadas no
STF dominou o Twitter. Eu queria fazer parte da
mobilização. Depois de ver chegar à presidência
alguém que disse “se eu vir dois homens se beijando
na rua, vou bater”, ver a homofobia ganhar status de
violação inadmissível pareceria uma mensagem de
que nem tudo está perdido. Mas esse alívio se
transformaria rapidamente em desilusão.

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Eu sou bissexual e contra a criminalização. Acredite,


é duro escrever isso. Tudo que parte de mim quer é
deixar esse texto de lado, aderir ao otimismo e me
juntar ao movimento pela aprovação –
especialmente depois de ver Bolsonaro e Silas
Malafaia se posicionando, previsivelmente, de forma
contrária às ações. Mas esse não é um debate de
apenas dois lados, e o meu jamais será o deles. A
discussão não é simples assim. A LGBTfobia com que
essas figuras compactuam é um problema grave. Não
sou contra as ações por negar essa realidade. Sou
contra porque as propostas são ruins.

Que adianta criminalizar a homofobia em um


país que fala em "ideologia de gênero" e se
nega a discutir diversidade de gênero.

Criminalizar não resolve, aumento o


problema inclusive.

— Winnie, por causa da Winnie Mandela.


(@winniebueno) February 13, 2019

A maioria das manifestações que vi de apoio às ações


tinham como base a situação revoltante em que
vivem nossos LGBTs. O Brasil é o país que mais mata
pessoas por não serem hétero ou por não se
identificarem com o gênero que receberam ao
nascer. Mesmo quando não se chega a esse extremo,
a vida das pessoas LGBT é permeada por agressões
verbais – o presidente em exercício nos agraciou com
uma coleção delas –, psicológicas e, por vezes, físicas
e sexuais.

Sei por exemplo que, como bissexual, o subgrupo


mais invisibilizado da comunidade LGBT, estou
quatro vezes mais propensa a pensar em suicídio do
que os heterossexuais e duas vezes mais do que
lésbicas e gays, segundo reportagem da Vice. E, como
mulher bi, tenho 2,6 vezes mais chances de ser
estuprada do que minhas amigas hétero e 3,5 a mais
do que as lésbicas. Além disso, segundo um estudo da
revista Journal of Public Health, tenho 64% mais
chances de ter um distúrbio alimentar do que uma
lésbica, 37% a mais de me automutilar e 26% a mais
de ter depressão.
É um dado da realidade que ser LGBT no Brasil é
perigoso e algo precisa ser feito a respeito disso. Mas
vi poucas pessoas apoiando as ações em julgamento
por conta de seu mérito enquanto propostas. Vamos
lá: o Supremo Tribunal Federal está julgando duas
ações, uma proposta pelo PPS, o Partido Popular
Socialista e, a outra, pela ABLGT, a Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ,
Transgêneros e Intersexos . Elas são bem parecidas
e e, resumo, propõem três coisas: que a homofobia
seja entendida como crime de racismo; que o STF dê
ao Congresso um prazo para criar essa lei; ou que o
próprio tribunal crie essa lei de forma temporária,
até o Congresso legislar – opção que pode criar um
precedente perigoso, segundo a pesquisadora de
Direito Penal e Criminologia Luciana Boiteux.

Sou apoiadora da causa LGBTT mas questiono


a estratégia da criminalização do discurso de
ódio no STF. Não cabe ao judiciário tipificar
crime nem dar interpretação ampliada a uma
norma penal. Imaginem uma corte
bolsonarista o que faria com essa mesma
estratégia? +thread

— Luciana Boiteux (@luboiteux) February 13,


2019

Essa discussão eu deixo para ela. Meu problema com


a lei que se pretende criar é a seguinte: como o único
foco é na punição, ela será incapaz de prevenir a
homofobia, de acolher suas vítimas e de reeducar os
agressores. E, se a lei em que se baseia serve de
exemplo, ela será incapaz de fazer até mesmo a
única coisa que pretende (punir). Como já escrevi em
junho de 2018:

O último Levantamento Nacional de


Informações Penitenciárias do Departamento
Penitenciário Nacional, de 2016, é detalhado a
ponto de indicar que há sete pessoas presas no
país por genocídio. Já os crimes de racismo e
injúria racial – com penas equiparadas por
decisão do STF no último dia 4 – sequer
aparecem entre os tipos penais listados para
justificar as mais de 620 mil detenções de que
o relatório dá conta.

Eu sou uma mulher bissexual, preta e tenho


uma leitura de que criminalizações em países
conservadores e sem acúmulos relevantes
sobre as questões de gênero e sexualidade
servem apenas para criar um cenário de maior
punitividade e violência para quem é vítima
de opressões.

— Winnie, por causa da Winnie Mandela.


(@winniebueno) February 13, 2019

Não precisamos de uma lei que se proponha apenas


a colocar mais pessoas – pretas e pobres,
convenhamos – atrás das grades. Como escreveu a
historiadora Suzane Jardim, que estuda o
encarceramento em massa e também se posicionou
de forma contrária à aprovação das ações:

Em 2006, comemoramos a promulgação da Lei


Maria da Penha e, em 2014, celebramos a Lei
do Feminicídio. Estávamos, então, corrigindo
erros do nosso direito penal e fazendo uso
dele para proteger as vidas de mulheres. Meu
despertar se deu ao perceber que o que
chamamos de “erros do direito penal” são, na
verdade, parte do projeto político que o
estrutura – um projeto seletivo, pautado em
racismo e em elitismo, moldado a partir de
sujeitos dos quais o Estado quer se ver livre.

[…] O sistema penal é formado por escolhas


que se escondem atrás de uma máscara de
universalidade. Desde a formação da lei até
sua aplicação, existe um projeto em que se
define quais crimes são prioridade, quem são
os suspeitos ideais e as vítimas com as quais
não irão se importar.

A gente pode dar passos que não sejam


organizados em punição e cárcere? Alguns
passos como por exemplo combater a
homofobia nas escolas ? Alguns passos como
normas que obriguem o ensino para o
combate às lgbtfobias na escola por exemplo?

— Winnie, por causa da Winnie Mandela.


(@winniebueno) February 13, 2019

Aprovar uma lei que reforça o encarceramento como


solução para todos os problemas, ignorando o
racismo presente nesse sistema de punição, e que
não propõe nenhuma política pública é um erro. A
LGBTfobia está profundamente enraizada na cultura
brasileira. E cultura não se muda com prisão. Se
muda com conscientização, especialmente aquela
voltada às crianças e adolescentes – coisa que o
governo atual pretende expressamente proibir com
projetos como o Escola sem Partido. Lembremos que
a ministra Damares Alves foi uma das pioneiras na
mentira do “kit gay”, nome dado ao programa que
pretendia justamente debater diversidade sexual nas
escolas e prevenir a homofobia.

É verdade que aprovar a criminalização na “nova


era”, em que “menino veste azul e menina veste
rosa”; “quem ensina sexo pra criança é papai e
mamãe”; e “[o governo vai] combater a ideologia de
gênero”, seria algo muito simbólico. E que existe a
possibilidade de a criminalização inibir alguns
discursos de ódio, já que os homofóbicos teriam que
lidar com o fato de que seu preconceito não poderia
ser mais mascarado sob o rótulo de “opinião”.
Também concordo que dar nome às violências que
sofremos todos os dias é importante para dar
visibilidade a elas e aumentar o debate público.

Acreditem, o peso de todas essas possibilidades me


faz mais uma vez pensar se não devo deixar esse
texto de lado. Mas, aprovando uma lei deficiente
depois de décadas de luta, temo que possamos correr
o risco de levarmos muitas outras para aprovar uma
segunda, que de fato nos beneficie. E, lendo os tweets
espalhados por texto, firmo ainda mais minha
posição.

Você vai criminalizar conduta sem conseguir


aplicar educação de gênero e sexualidade, no
fim vai super lotar prisões ainda mais, sem
combater a raiz do problema. Pq como diz
Ângela Davis, as pessoas tiraram as cadeias
como depósito de problemas que não querem
lidar.

— blogueirinha da classe trabalhadora


(@andrezadelgado) February 13, 2019

A comunidade LGBT não merece a migalha ineficaz


que pretendem nos oferecer. Merece um texto à
altura da Lei Maria da Penha, considerada a terceira
melhor do mundo quando se trata de enfrentamento
à violência doméstica. E, para uma lei como essa sair
do papel, é preciso vontade política. Construir e
manter os centros de referência para mulheres, os
núcleos especializados de defensorias públicas,
promotorias e juizados, por exemplo, exige verba.
Alguém acredita que nosso Congresso seja capaz de
aprovar uma lei desse porte voltada aos LGBTs nessa
legislatura, depois de mais de 18 anos barrando
projetos muito menos ousados? Ou que governo vá
repassar recursos para a implementação de políticas
pró-LGBT?

Eu não. Mas, mesmo pessimista, não hesitaria em me


juntar ao movimento pela aprovação de um projeto
como esse. Já o que está sendo proposto no
momento, para mim – ou, talvez, para 99,9% de mim
– é um tiro no pé.


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