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Gracino, Junior Paulo - Dos Interesses Weberianos Dos Sociologos Da Religiao PDF
Gracino, Junior Paulo - Dos Interesses Weberianos Dos Sociologos Da Religiao PDF
Resumo
O objetivo central deste texto é mapear a influência da sociologia weberiana na pro-
dução intelectual sobre o fenômeno religioso no Brasil. Mais especificamente, busca-
remos compreender de que forma a prédica weberiana que estabelece a “afinidade”
do protestantismo pietista com o “desencantamento” das imagens religiosas do mundo
e a modernidade capitalista foi apropriada pela Sociologia da Religião, na tentativa de
compreender o crescimento do pentecostalismo no Brasil. Assim, rastrearemos a
produção sociológica, buscando estabelecer um paralelo entre as representações da
sociedade e da cultura brasileiras presentes na forma como os pesquisadores recor-
tam e analisam o fenômeno pentecostal. Concentraremos nossas atenções nos traba-
lhos que seguem a linha teórica traçada por Cândido Procópio de Camargo, que
podemos expressar esquematicamente da seguinte forma: conversão, ruptura com o
passado tradicional (aqui representada pela pertença impensada a uma religião –
catolicismo), desencantamento das crenças, que levaria à individuação e à ação raci-
onal e, finalmente, a modernização da sociedade brasileira. Vemos, portanto, que a
reflexão procopiana e a de seus seguidores insere-se em um quadro intelectual mais
amplo, que remonta à década de 1930, preocupado com as razões do atraso brasilei-
ro e suas possibilidades de superação.
Palavras-chave
Palavras-chave: Max Weber; Pentecostalismo; Desencantamento; Secularização; Mo-
dernização.
*
Artigo recebido em 28 de outubro de 2008 e aprovado para publicação em 24 de novembro de 2008.
**
Doutorando em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPCIS-UERJ), e-mail:
paulogracino@hotmail.com
1
Analisando trabalhos apresentados nos últimos dez anos nas reuniões anuais da Anpocs (1985-1996),
Paula Monteiro nos oferece a seguinte proporção referente à divisão das temáticas de estudos: 49% tratam
do catolicismo, 30% das religiões afro e apenas 15% dos protestantes (pentecostais ou não) (MONTEIRO,
1999, p. 331. acréscimos nossos).
Dito isso, não nos cabe aqui percorrer todos os caminhos e trilhas da
sociologia weberiana, nem mesmo remontar todos os pontos de suas propo-
sições sobre a religião – o que seria uma tarefa deveras hercúlea para as pre-
tensões deste texto – mas trata-se de perseguir tão-somente algumas pegadas
que apontam para a relação entre as imagens religiosas do mundo e a possibi-
lidade de inovação e ruptura com o modo de vida tradicional, uma vez que
essa ideia e suas nuances parecem ter dado a tônica da discussão em torno do
crescimento pentecostal no Brasil.
É consenso entre a maioria dos estudiosos que um dos principais proje-
tos da sociologia de Max Weber, senão o principal, seria entender a sociedade
moderna ocidental no que ela tem de específico: o Estado moderno racional,
regido por uma constituição, baseado no princípio da representação e o modo
de produção capitalista, fundado na mão-de-obra livre e regido pelas leis de
mercado (DOMINGUES, 2003; MARIZ, 2003, por exemplo). Em várias pas-
sagens, o próprio Weber destaca o fato de que somente na civilização ociden-
tal a racionalidade parece ter deixado marcas de si em todos os campos, das
ciências ao direito, da arte à música. Seja em seu pouco lido2 “A cidade – a
2
Segundo José Maurício Domingues, o texto “A cidade -– a dominação não legítima” (1991) tem contado
com pouca atenção, a despeito de ser um texto muito importante para se compreender o processo de
racionalização ocidental na obra de Weber. Porém, segundo o próprio Domingues, a cidade ocidental
medieval apresenta-se como um caso aberrante frente à tipologia weberiana, primeiro porque sua raciona-
lização não é fruto direto do processo de desencantamento, depois porque não se enquadra em nenhuma
das três “formas de dominação” estabelecidas por Weber: tradicional, carismática e racional-legal. Para
maiores detalhes, ver o texto de Domingues (1998).
dominação não legítima” (1991), no qual Weber traça o “tipo ideal” de cida-
de como sendo a cidade ocidental medieval (em oposição à oriental), na qual
se teria desenvolvido uma racionalidade típica que rompeu com a dominação
tradicional, em sua variante feudal (DOMINGUES, 2003); ou no bastante lido
A ética protestante e o espírito do capitalismo (1983), Weber se pergunta
sobre a especificidade do desenvolvimento do Ocidente: “Qual combinação
de fatores a que se pode atribuir o fato de na civilização ocidental, e somente
na civilização ocidental haverem aparecido fenômenos culturais dotados
(como queremos crer) de um desenvolvimento universal em seu valor e sig-
nificação” (WEBER, 1983, p. 11).
Em resposta a essa indagação, Weber sugeriu a relação entre cristianismo
e a gênese da modernidade ocidental, especificamente a afinidade entre pro-
testantismo, em sua versão puritana ascética, e o “espírito do capitalismo”,
como um dos motes para o sucesso do capitalismo. Para o autor, esse triunfo
depende em parte da disposição dos indivíduos em adotar certos tipos de con-
duta racional (WEBER, 1983). No entanto, como adverte Weber em vários
momentos da Ética protestante (1983, 2004),3 essa propensão não se dá de
forma natural, espontânea, sendo preciso uma poderosa força, no caso uma
grande força de ordem religiosa, para quebrar com o tradicionalismo, ancora-
do em uma concepção naturalista e mágica do mundo, tornando possível o
processo de racionalização social. Como podemos ver nestas passagens:
O adversário com o qual teve de lutar o “espírito” do capitalismo [no sentido de um
determinado estilo de vida regido por normas e folhado a “ética”] foi em primeiro
lugar [e continuou sendo] aquela espécie de sensibilidade e de comportamento que se
pode chamar de tradicionalismo. (...) Eis um exemplo justamente daquela atitude que
deve ser chamada de “tradicionalismo”: o ser humano não quer por “natureza” ga-
nhar dinheiro e sempre mais dinheiro, mas simplesmente viver, viver do modo como
está habituado a viver e ganhar o necessário para tanto. (WEBER, 2004, p. 51-53)
3
Utilizo aqui as edições de 1983 e 2004. A primeira por já ter fichamentos de partes importantes, a outra pela
melhor qualidade e clareza da tradução; portanto, podem ser encontradas citações nas duas edições.
da racionalidade moderna, mas talvez sua forma mais aguda. Weber escrutina
a história das diferentes civilizações e encontra na concepção de deus das reli-
giões do Oriente Médio, mais especificamente no judaísmo, as origens do
que vai chamar de “desencantamento do mundo”, ou seja, o processo gradual
de eliminação da magia como técnica de salvação (WEBER, 1991). Segundo
Souza (1998), Weber se referia aos profetas éticos do judaísmo antigo como
os primeiros homens que haviam logrado se libertar do “jardim mágico” em
que toda a religiosidade primitiva se inseria. Assim, a junção em uma religião
de três elementos peculiares, como transcendentalização, historicidade e raci-
onalização ética, formava para Weber o leitmotiv do processo de racionaliza-
ção do mundo ocidental.
Vejamos como se articula a contribuição da religião para a modernidade
ocidental, mesmo que de forma um tanto esquemática. Conforme já observa-
mos, Weber situa no judaísmo antigo o processo seminal de racionalização do
Ocidente. Esse ethos racionalizante é transmitido ao cristianismo que, para We-
ber, é uma síntese entre judaísmo e cultura greco-latina. Segundo Martelli (1995),
ainda que Weber considere em algumas passagens o cristianismo enquanto um
refluxo no processo de desencantamento do mundo, principalmente em sua ver-
são latina, não o toma como um simples retorno ao mágico, mas somente uma
racionalização moderada. Nesse sentido, o catolicismo ainda permite ligar o mito
à vida cotidiana, legitimando as normas sociais de uma comunidade, permitin-
do, assim, embora lentamente e de maneira não linear, transformá-las por meio
da racionalização ética (MARTELLI, 1995). Martelli ainda adverte-nos sobre um
ponto muito importante para Weber, qual seja o caráter escatológico do catolicis-
mo, pois, ao manter a consciência de que a história tem um fim e uma finalidade,
contribuiu para formar o modo de pensar do homem ocidental.
Já no âmbito econômico, Weber sempre viu com reservas a possibilida-
de de contribuição do cristianismo católico para a acumulação capitalista do
tipo moderno, colocando-se mesmo, em vários momentos, em franca oposi-
ção a essa hipótese. Para Weber, a moral católica sempre considerou o dinhei-
ro como um meio de adquirir outros bens necessários à vida e nunca como
um fim em si mesmo.
Só que, segundo ele [Tomás de Aquino], o trabalho é necessário apenas naturali ratione
{por razão natural} para a manutenção da vida do indivíduo e da coletividade. Na falta
desse fim, cessa também a validade do preceito. (...) a forma de “produtividade” supre-
ma dos monges consistia exclusivamente na multiplicação do thesaurus ecclesiae [tesou-
ro da Igreja]. (WEBER, 2004, p. 145)
4
Não passamos ao largo, aqui, do fato de que se trata de uma linhagem de orientação, pois Camargo foi
orientador de Pierucci, que foi orientador de Mariano.
migrada e ainda não integrada à vida nas grandes cidades era o grande alvo do
proselitismo pentecostal. Nesse sentido, ele acredita ser o pentecostalismo um
“mecanismo transitório” de ajustamento social, que integraria o indivíduo à
sociedade – notamos que aqui ele se afasta de Weber, para tornar a encontrá-lo
logo a seguir. Para Procópio, o pentecostalismo promoveria um assentamento
do sujeito na cidade, ajudando-o a romper laços tradicionais, internalizando
valores modernos e estimulando a educação formal. Não é difícil prever que
todo esse processo desemboca num inerente abandono da visão mágica e sacral
do mundo, integrando, portanto, o sujeito à sociedade moderna.
Segundo Pierucci e Prandi (1996), Procópio vê a conversão como um
processo de ruptura consciente do indivíduo com os valores de sua religião
anterior. O ato de assumir voluntariamente e conscientemente essa nova visão
de mundo, ou seja, os novos valores do credo que se abraçou, leva o indivíduo
a racionalizar suas condutas religiosas, provocando uma ruptura com o ethos
tradicional, motivando sua autopercepção como agente, em poucas palavras,
transformando a pessoa, no sentido antropológico, no indivíduo sociológico.
Dessa forma, como observa Mariano (2001), no quadro intelectual we-
beriano, seguido por Procópio Camargo (1973), racionalismo e moderni-
dade mantêm íntima conexão, sendo o racionalismo uma precondição para
a modernidade. Assim, a expansão pentecostal romperia com o tradiciona-
lismo, racionalizaria a ação religiosa e a modernizaria. Mariano ainda des-
taca que o quadro teórico pintado por Camargo guarda uma elevada
coerência lógica na associação que faz do pentecostalismo com a moderni-
dade (MARIANO, 2001).
Não obstante a observação de Mariano, com a qual concordamos, há um
problema empírico, desses que vez por outra acossam muitos dos sociólogos
(ou todos?) que, esquecendo-se do seu oficio, tentam fazer exercícios de “fu-
turologia”, como Marx e, por que não, Procópio. Na tese de Procópio, o
pentecostalismo estava marcado para morrer no final da grande narrativa de
modernização da sociedade brasileira, pois continha o gene de sua própria
destruição – desencantamento do mundo. Assim, quando os “resíduos agrá-
rios” fossem assimilados pela sociedade moderna, com a ajuda do próprio
pentecostalismo, ele se autodestruiria. Porém, não é a isso que estamos assis-
tindo nos últimos dois decênios. Vemos, isso sim, uma curva de migração
campo-cidade em franco declínio e de adesão ao pentecostalismo em uma
subida vertiginosa.
religião no espaço público é cada vez maior. Segundo Pierucci (1996, 1998 e
2006), a maior visibilidade da religião nos dias que correm não significa ne-
cessariamente sua maior importância para a organização geral do quadro de
referência da sociedade. Segundo Pierucci (1996), quanto mais o “fortaleci-
mento” da religião em nossa sociedade depender do aumento da oferta de
religiões no mercado religioso ao alcance dos indivíduos, tanto mais a socie-
dade avançará, não na direção do reencantamento, mas da dessacralização.
Nesse sentido, Pierucci vê, no crescimento de religiões soteriológicas, na con-
versão a essas religiões, um processo de ruptura com o passado, como bem
demonstrou em seu artigo “A religião como solvente” (2006):
Para esse tipo de religião, está claro, qualquer acento posto na identidade étnica
compartilhada, qualquer resquício de compromisso com um determinado povo ou
população, qualquer apego cultural cívico particularista torna-se um empecilho no
mínimo desconfortável e, no limite, inconcebível, localismo sem sentido para o uni-
versalismo da graça (ou pelo menos da glória) divina. (...) Max Weber o percebe
privilegiadamente não como algo que consolida o passado, o herdado e o adscrito,
consagrando-os por dentro e para dentro, mas como algo que os conflagra por
dentro, aberto que é para fora e para o futuro, para a invenção de uma vida comu-
nitária nova, buscada, experimentada e escolhida pelo “indivíduo-agora individua-
do” que se disponibilizou a deixar-se levar por um chamado, um convite, um anúncio,
vou dizer: por uma interpelação, na qual se reconhece e então se converte. Eis uma
forma de religião especialmente disruptiva, efetivamente destrutiva. (PIERUCCI,
2006, p. 121-122)
5
Certamente, tanto Pierucci quanto Mariano guardam reservas quanto à tese procopiana de que a adesão
religiosa ao pentecostalismo pudesse levar à modernização. Porém, ambos acreditariam que essa adesão
seria um passo a mais no processo de perda da referência religiosa do mundo.
Considerações finais
Como qualquer empreendimento humano, a ciência parece ser fruto tanto
do tempo histórico em que está inserido o pesquisador, quanto dos achados
empíricos sobre os quais erguem seus paradigmas, não sendo diferente com
as ciências sociais e, portanto, com as teorias que se ocuparam do fenômeno
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Ver: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u133308.shtml
Abstract
The main purpose of this text is to map the influence of Weberian sociology on the
intellectual production of the religious phenomenon in Brazil. Specifically, it endeavors
to understand how the Weberian proposition, which establishes the “affinity” of pietist
Protestantism with the “disenchantment” of religious images in the capitalist world and
modernity, was appropriated by the Sociology of Religion in an attempt to understand
the growth of Pentecostalism in Brazil. Thus, we review the sociological production,
seeking to establish a parallel between representations of Brazilian society and culture
evident in the way researchers consider and analyze the Pentecostal phenomenon. We
focus our attention on the works that follow Cândido Procópio de Camargo’s theory,
which can be expressed schematically as: conversion, breaking with the traditional past
(represented here by belonging thoughtlessly to a religion - Catholicism); disenchant-
ment of beliefs, which would lead to individuation and rational action; and, finally, the
modernization of Brazilian society. The conclusion points out that Camargo’s thought
and that of his followers are inserted into a broader intellectual framework, which dates
back to the 1930s and is concerned with the reasons behind Brazilian underdevelopment
and the chances of overcoming it.
Key words
words: Max Weber; Pentecostalism; Disenchantment; Secularization; Modernization.
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