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Lógica

Uma história de 358 anos


Pedro Galvão

Fermat’s Enigma: The Epic Quest to Solve the World’s Greatest


Mathematical Problem
de Simon Singh
Nova Iorque: Anchor Books, 1998, 315 pp.

No final do Verão de 1994, depois de oito anos de trabalho intenso, o


matemático Andrew Wiles estava disposto a admitir a derrota. O último
teorema de Fermat parecia ter ficado uma vez mais por demonstrar. No
ano anterior, Wiles apresentara à comunidade científica a sua
demonstração, um resultado brilhante de sete anos de investigação
solitária que fornecera à matemática novas técnicas e estratégias para
abordar problemas. Mas havia um erro nessa demonstração. De início
tinha parecido um erro menor, mas foi resistindo a todas as tentativas de
correcção à medida que os meses passavam. Resignado, Wiles
procurava compreender as razões da sua derrota. Teve então “essa
incrível revelação”. Subitamente, entendeu que se conciliasse duas
teorias que antes só abordara isoladamente, o problema ficaria resolvido.
E assim conseguiu demonstrar o teorema de Fermat.

Este foi o final feliz de uma história intrincada, uma longa história de 358
anos que Simon Singh nos dá a conhecer em “A Solução do Último
Teorema de Fermat”. Na verdade, Singh ocupa-se de um período ainda
maior, pois acompanha a história da matemática desde Pitágoras, mas o
enigma central do livro surgiu apenas com Pierre Fermat no século XVII.
Fermat tinha uma tendência irritante para não divulgar o seu trabalho.
Como muitos matemáticos do seu tempo, gostava de manter secretas as
demonstrações que realizava. Numa margem do seu exemplar da
“Aritmética” de Diofanto, escreveu uma afirmação que o celebrizou:
“Tenho uma demonstração maravilhosa desta proposição que esta
margem é demasiado estreita para conter.” Dessa demonstração não
ficaram quaisquer vestígios e a proposição em causa tornou-se conhecida
por “último teorema de Fermat”. O teorema que Fermat alegou ter
demonstrado é muito simples. Ele diz-nos apenas que a equação xn + yn
= zn não tem soluções com números inteiros quando n é maior do que 2.
Quando n é igual a 2 isso não acontece, como podemos ver através do
exemplo 32 + 42 = 52. Mas, disse Fermat, se n for maior do que 2, não
encontraremos no conjunto infinito dos números inteiros uma única
solução para a equação indicada. Como se pode saber tal coisa? Esse foi
o grande problema que gerações de matemáticos enfrentaram sem
sucesso. Realizaram-se alguns avanços notáveis que produziram novas
técnicas e instrumentos matemáticos, mas quem tentou demonstrar o
teorema de Fermat em toda a sua generalidade acabou por fracassar. Há
cerca de 20 anos, no entanto, deu-se um desenvolvimento inesperado.
Demonstrou-se que, se uma importante conjectura apresentada por dois
matemáticos japoneses fosse verdadeira, o teorema de Fermat também
seria verdadeiro. O desafio de Wiles foi assim o de demonstrar essa
conjectura e ao fazê-lo conseguiu validar não só o teorema de Fermat,
mas toda a matemática que nele se apoiava.

Com o livro de Singh, não podemos esperar compreender em


profundidade a demonstração de Wiles. Só um décimo dos especialistas
em teoria dos números consegue compreendê-la plenamente. No entanto,
com um mínimo de recursos técnicos, Singh envolve-nos nas principais
estratégias, dificuldades e surpresas que estiveram presentes nas
tentativas de resolver o enigma de Fermat. Desta maneira, familiariza o
leitor com formas de raciocínio importantes, como a redução ao absurdo e
a indução matemática, e deixa também bem clara a especificidade do
conhecimento matemático. Para além disso, o livro apresenta uma grande
diversidade temática, pois Singh, sem nunca perder de vista o tema
principal, realiza inúmeras incursões interessantes que afastam a
possibilidade de a leitura de tornar enfadonha. A propósito do contributo
de Sophie Germain, por exemplo, considera-se o lugar das mulheres na
história da matemática e as dificuldades que estas encontraram, e a
propósito de Turing somos conduzidos aos métodos de decifração de
códigos durante a Segunda Guerra Mundial. O último capítulo, que incide
em grande parte na controvérsia sobre o uso de computadores na
realização de demonstrações, conclui o livro com a mesma frescura das
primeiras páginas.

Pedro Galvão

Publicado originalmente no jornal Público

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