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Artigo publicado

na edição 18

s e t e m b r o e o u t o b r o d e 2 0 11
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:: artigo

Cálculo do estoque
de segurança
as suas diferentes abordagens

Francielly Hedler Staudt


Mestranda em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Santa Catarina. Formada em Engenhtaria de Produção Elétrica pela mesma universidade e membro
sênior do grupo de estudos logísticos da UFSC.Tem experiência na área de engenharia de produção, com ênfase em planejamento, projeto e controle de sistemas de
produção.
franhedler@gmail.com

Por meio das diversas opções que o consumidor Com exceção das empresas que trabalham sob pedi-
possui para realizar suas compras, quem quiser sobre- dos (make to order), todas as outras possuem estoque
viver precisa ser competitivo através da satisfação dos de produtos acabados para absorver uma variação não
clientes (SCHWITZKY, 2001). prevista da demanda ou no suprimento de mercadorias.
Imagine uma situação utópica em que uma empresa Por este motivo, a quantidade que deve ser mantida em
reduziu a zero seu lead time entre a compra, a manufa- estoque tem grande importância para a empresa man-
tura e a entrega. Em outras palavras, logo que o cliente ter o nível de serviço ao cliente desejado.
encomendou um item – qualquer item –, o produto foi Os cálculos conhecidos de gestão de estoques por
produzido e entregue imediatamente. Em tal situação, meio da revisão periódica ou ponto de pedido utilizam a
não haveria necessidade de previsão nem de estoque e, variabilidade e média do histórico da demanda para en-
ao mesmo tempo, seria possível oferecer maior varieda- contrar os níveis de estoques ideais. Contudo, diversos
de ao cliente (CHRISTOPHER, 2007). tipos de demanda possuem tendência, variação cíclica
Como as empresas estão inseridas em um contexto ou sazonal. Estes fatores não conseguem ser captados
no qual ocorrem atrasos na entrega da matéria-prima, pelas fórmulas usuais, o que pode gerar um “stockout”
quebra de máquinas e falta de informações sobre a de- (falta de produtos) ou um excesso de estoques nos al-
manda, dentre outras coisas, muitas considerações pre- moxarifados. No caso de excesso, o armazém pode ter
cisam ser feitas na prática. problemas de espaço além de aumentar consideravel-
A partir delas surge a necessidade de um “fôlego” mente o valor do capital imobilizado.
para evitar perda de clientes por falta de produtos. Por estas questões, existem dois métodos para calcu-
Como todos os problemas ocorrem de forma impre- lar o estoque de segurança. O mais tradicional utilizado
vista, os estoques se apresentam como uma ótima op- na logística é o sistema de demanda, (DS), que calcula
ção para absorver esta variabilidade e manter o nível o estoque de segurança a partir da variabilidade da de-
de serviço.
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Os dois principais métodos de gestão de estoques disseminados
na literatura são ponto de pedido e revisão periódica. Em ambas
concepções, o estoque de segurança tem o importante papel de
compensar as incertezas na demanda e tempo de ressuprimento.
Porém, pouco se trata dos diferentes métodos para calcular
o estoque de segurança. Portanto, o trabalho apresenta duas
abordagens para o seu cálculo: sistema de demanda (DS) e sistema
de previsão (FS).

Q= 2AD (2)
manda; e o sistema de previsão, (FS), que depende da iC
variabilidade dos erros de previsão de demanda. Em que:
A previsão de demanda é um fator essencial para A = custo do pedido
todas as empresas. Seu planejamento estratégico está D = taxa de demanda
baseado em algum modelo de previsão, que pode ser C = preço de compra unitário
uma simples média até métodos sofisticados de pacotes i = taxa de manutenção dos estoques
computacionais. Todas as áreas da empresa são afetadas A demanda durante o lead time é a multiplicação da
pelas previsões, direta ou indiretamente. Departamen- taxa de demanda diária pelo número médio de dias do
tos de produção e compras, por exemplo, precisam an- ressuprimento. Portanto, o estoque de segurança é utili-
tever as vendas em famílias de produtos para programar zado somente em casos em que a demanda ou o tempo
a fabricação dos itens no período seguinte. de ressuprimento tiveram uma variabilidade maior do
Dentro deste contexto, o trabalho apresenta os prin- que a esperada.
cipais modelos de gestão de estoques existentes e as
diferentes abordagens para o cálculo do estoque de se- Revisão periódica
gurança. Primeiramente, descreve-se sobre o modelo de O modelo de revisão periódica avalia o nível de es-
gestão de estoque, ponto de pedido e revisão periódica. toque em períodos constantes de tempo. Devido a va-
A seguir, relatam-se os dois principais métodos para o riabilidade da demanda, o tamanho dos lotes não é fixo,
cálculo do estoque de segurança, o DS – baseado na uma vez que em cada revisão é ressuprida a diferença
demanda, e o FS – baseado nos erros da previsão de entre o nível de reposição fixo (estoque máximo) e a
demanda, considerando as vantagens e desvantagens de posição de estoque efetiva. A equação 3 dimensiona o
cada um. nível de reposição (NR):

Métodos de controle de estoques NR= D*(IR+TR)+ES (3)
Ponto de pedido Em que:
No modelo ponto de pedido, a empresa realiza um D = taxa de demanda
pedido quando ainda há estoque suficiente para atender TR = tempo de ressuprimento
a demanda no período de ressuprimento. A quantia a IR = intervalo de revisão para colocação do pedido
ser requisitada é sempre a mesma e pode ser descrita ES = estoque de segurança
pela fórmula do lote econômico de compra. As fórmulas O tamanho do lote (Q) a ser pedido ao final de cada
1 e 2 apresentam o ponto de pedido e a quantidade a IR é a diferença entre NR e a posição de estoque (PE).
ser obtida. Normalmente define-se a PE no instante do pedido
PP+ DDLT + ES (1) como a soma do estoque disponível (ED) com os pe-
Em que: didos pendentes colocados e não recebidos (PPCNR),
PP = ponto de pedido menos o consumo esperado no tempo de resposta
DDLT = demanda durante o lead time (D*TR) (WANKE, 2003). As equações 4 e 5 apresen-
ES = estoque de segurança tam estes conceitos:

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PE=ED+PPCNR-D*TR (4) -padrão da demanda no tempo de resposta menor. A
Q=NR-PE (5) demonstração desta formulação pode ser encontrada
em Wanke (2003), conforme indicado na bibliografia.
Avaliando os dois métodos, observa-se que o esto-
que de segurança é comum aos dois modelos. Por este ES= Zα μTR*σ2D+μ2D*σ2TR (6)
motivo, a próxima seção demonstrará as duas formas de
calcular este parâmetro. ES= Zα (μTR*σD)2+(μD*σTR)2 +σ2D*σ2TR (7)

Estoque de segurança Em que:


O estoque de segurança tem a fun- Zα – nível de atendimento
ção de compensar variações do tempo O estoque de segu- µTR – tempo médio de ressu-
de atendimento (tempo de ressupri-
mento), as variações da demanda e rança tem a função de
primento
µD – demanda média
os desvios da previsão em relação à compensar variações do σD – desvio-padrão da deman-
demanda. Com o suprimento da de- tempo de atendimento da
manda pelos estoques, anula-se qual-
quer problema que surgir durante o
(tempo de ressupri- σTR – desvio-padrão do tempo
de ressuprimento
tempo de ressuprimento que poderia mento), as variações da O nível de serviço Zα a ser
comprometer algum prazo de entrega demanda e os desvios praticado por uma empresa é
aos clientes. da previsão em relação uma decisão que envolve custos
Os dois métodos mais utilizados de capital imobilizado. Figueiredo
para calcular o estoque de segurança à demanda. e Netto (2001) relatam que a
são baseados no sistema de demanda grande vantagem de expressar o
(sigla DS – também denominado reativo) e no siste- nível de serviço desta forma ocorre devido às tabelas
ma de previsão (sigla FS – também denominado ativo). já existentes da probabilidade de faltar estoque medido
O método reativo quantifica o estoque de segurança a em números de desvios padrão em relação à média da
partir da variabilidade da demanda, já o método ativo, amostra de dados. Os autores comentam ainda que a
pela variabilidade dos erros de previsão de demanda. tabela foi originalmente desenvolvida por Brown (1967)
e os valores nela contidos foram obtidos a partir da
Sistema de Demanda – DS premissa de que a demanda e os erros de sua previ-
No modelo DS a previsão implícita para cada período são apresentam uma distribuição normal. Embora tal
é a demanda média. Como resultado, o desvio-padrão premissa pareça atender à maioria dos casos práticos,
da demanda equivale ao desvio-padrão da “previsão” de é ressalvado que, quando tal não ocorrer, os valores ta-
erros. O FS é mais complexo e caro de implementar belados poderiam ser recalculados para a distribuição
que o DS, mas potencialmente mais eficiente, pois re- acertada, sem prejuízo para a especificação funcional do
quer a estimação do erro de previsão, o que é obtido cálculo do estoque de segurança, válida para qualquer
usando aproximações baseadas, por exemplo, na teoria distribuição da demanda e dos erros de sua estimativa.
de regressão ou análise de séries temporais, para pre- Para que a base de dados possua características de
ver a demanda para cada período futuro (FIGUEIREDO; uma distribuição normal padrão, as probabilidades acima
NETTO, 2001). e abaixo da média devem ser iguais, ou seja, µ=0 e σ=1.
Para a formulação do método DS, será considerado Porém, na maioria das situações, a média é diferente de
o caso onde ocorre variabilidade da demanda e do tem- zero, o que desloca a curva de distribuição. Assim, De-
po de ressuprimento simultaneamente. Wanke (2003) vore (2006) apresenta na equação 8 o cálculo de Zα se
apresenta duas fórmulas para o cálculo do estoque de a demanda x tem distribuição normal com média µ e
segurança. A primeira delas (equação 6) é mais conser- desvio-padrão σ:
vadora, o que resulta em maior estoque de segurança.
Este resultado avalia a demanda e o tempo de resposta Zα= x-μ (8)
como duas variáveis independentes. A segunda equa- σ
ção, equação 7, entretanto, considera que podem existir
compensações na variabilidade da demanda diária du- Sistema de Previsão – FS
rante o tempo de resposta, implicando em um desvio- Conforme exposto, no modelo DS, utiliza-se o desvio

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padrão da variação da demanda durante um período de surgiram decisões de compra baseadas diretamente em
tempo para calcular o estoque de segurança. O modelo previsões, nas quais se compra o estritamente necessá-
FS, por sua vez, calcula o estoque de segurança a partir rio para atender as necessidades (SANTORO; FREIRE,
das diferenças entre previsão e demanda. 2008).
Contudo, todas as previsões estão propensas a erro; Portanto, para a avaliação das demandas com suas
quanto mais distante do horizonte de previsão, maior respectivas características, faz-se necessária a utilização
será o erro, sendo que ele aumenta mais do que pro- do método ativo. Para sua implantação, necessita-se de
porcionalmente (CHRISTOPHER, 2007). um histórico da demanda do produto que pode variar
Entretanto, Junior (2007) destaca que a previsão de de acordo com o método de previsão a ser aplicado. A
demanda é um dos principais fatores que contribui para partir do histórico, aplicam-se os métodos de previsão
a eficiência na cadeia produtiva das em-
presas. Ela é fundamental para o plane-
Todas as previ- de demanda. Posteriormente, avalia-se o
desempenho de cada modelo pela men-
jamento da demanda e, por extensão, sões estão propen- suração dos erros conforme a equação
para o início do processo de suprimento. sas a erro; quanto 9.
n
Neste sentido, quanto maior a acuracida- mais distante do ς (xixm2 )2
de da previsão de demanda menor serão σD= i=1 (9)
os impactos no nível de atendimento e horizonte de pre- n21
custos da cadeia de suprimentos. O não- visão, maior será o Em que:
-atendimento destas condições aumenta erro. xi – valor de determinada diferença
os custos do produto e afeta a lucrativi- entre previsão de demanda e demanda
dade do negócio. xm – média das diferenças entre previsão de deman-
Como consequência natural de considerar demandas da e demanda
com tendências, sazonalidades e saltos, e a filosofia JIT, n – número de períodos analisados

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Posteriormente, os parâmetros ponto de pedido, lote sões dos autores, destaca-se que o modelo ativo só não
de compra e nível de reposição podem ser calculados superou os reativos na demanda constante. Portanto, a
conforme exposto na seção 2. O estoque de seguran- possibilidade de prever, mesmo que com desvios, gera
ça para o sistema ponto de pedido é apresentado pela uma vantagem competitiva dificilmente superada pelos
equação 10 e para o sistema de revisão periódica pela modelos reativos.
equação 11:
ES= Zα *σD * TR (10) Considerações finais
O estoque tornou-se um mal necessário nas em-
ES= Zα *σD * IR+TR (11) presas. Isto porque através dele consegue-se absorver
variações na demanda e no suprimento de mercadorias
O valor do desvio-padrão da demanda provém da garantindo o nível de serviço desejado ao cliente. Em
equação 9, e o intervalo entre revisões (IR) e o tempo contrapartida, um nível de estoques mal dimensionado
de ressuprimento (TR) são conhecidos. O cálculo de Z acarreta prejuízos para a empresa visto que estoques
é realizado através da equação 8. constituem capital imobilizado.
Schwitzky (2001) avalia que quando a produção é re- Por este motivo, torna-se imprescindível quantificar
alizada em função de previsões de demanda, recomen- adequadamente os estoques da companhia. O artigo
da-se calcular o desvio-padrão das diferenças entre pre- demonstrou os métodos de gestão de estoques mais
visão e demanda para o dimensionamento do estoque difundidos no meio logístico. Inserido nestes modelos, o
de segurança. Isto se justifica em duas situações: estoque de segurança tem a função específica de absor-
• Quando a variação da demanda é pequena e os ver variações não previstas na demanda e no tempo de
erros de previsão são grandes – o estoque de segu- ressuprimento.
rança dimensionado pelo desvio-padrão da variação da Os dois principais métodos de mensuração do esto-
demanda (método reativo) não consegue garantir um que de segurança foram descritos. O primeiro, (DS), o
nível de atendimento escolhido. mais utilizado, calcula o desvio-padrão da demanda con-
• Quando a variação da demanda é grande e os er- siderando que a previsão de demanda futura é a média
ros de previsão são pequenos – o estoque de segu- do histórico. O segundo modelo, (FS), avalia o histórico
rança dimensionado pelo desvio-padrão da variação da de demanda com métodos de previsão mais apurados
demanda resulta num estoque de segurança muito além como séries temporais ou regressão linear. A partir dos
do necessário para garantir um nível de atendimento erros de previsão, o estoque de segurança é calculado.
previamente escolhido. Diversos autores avaliaram as duas metodologias con-
Depois de obter a acuracidade de cada método cluindo que o modelo de previsão de demanda oferece
de previsão através da equação 9, pode-se realizar um o mesmo nível de serviço com menores quantidades de
comparativo da acuracidade de previsão de demanda estoque de segurança.
versus nível de estoque de produtos acabados para con-
cluir o melhor método de gestão a adotar. Referências
CHRISTOPHER, M. Logística e gerenciamento da cadeia de supri-
Figueiredo e Netto (2001) descrevem os resultados mentos: criando redes que agregam valor. 2. ed. São Paulo:Thomson
dos estudos de Zin & Marmorstein (1990) em que si- Learning, 2007.
DEVORE, J. L. Probabilidade e estatística: para engenharia e ciências.
mulações indicaram que o método de previsão (FS), São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006.
embora menos utilizado na literatura da área de logís- FIGUEIREDO, E. D.; NETTO, M. A. C. Modelo de centralização de
estoques para a logística de suprimento da exploração e produção
tica, resulta em aproximadamente 15% menos estoque da Petrobras. Pesquisa Operacional, v. 21, n.2, p.137-158, julho a
de segurança para assegurar o mesmo nível de serviço dezembro de 2001.
JUNIOR, A. M. Análise de métodos de previsão de demanda basea-
ao cliente que o modelo de demanda (DS). dos em séries temporais em uma empresa do setor de perfumes
Santoro e Freire (2008) compararam o desempenho e cosméticos. 2007. Dissertação (mestrado em Engenharia de
Produção e Sistemas) – Programa de pós-graduação em Engenharia
dos métodos de estoque ativo e reativo. Os modelos de Produção e Sistemas, PUC, Curitiba.
ativos utilizam previsão de demanda para tomada de de- SANTORO, M. C.; FREIRE, G. Análise comparativa entre modelos de
estoque. Produção, v. 18, n.1, p.089-098, janeiro a abril de 2008.
cisões, e os reativos não utilizam. A proposta do trabalho SCHWITZKY, M. Acuracidade dos métodos de previsão e a sua
foi verificar se o desempenho dos modelos ativos supe- relação com o dimensionamento dos estoques de produtos acaba-
dos. 2001. Dissertação (mestrado em Engenharia de Produção)
ra os reativos mesmo com baixa previsibilidade de de- – Programa de pós-graduação em Engenharia de Produção, UFSC,
manda. Realizaram-se simulações com diversos padrões Florianópolis.
WANKE, P. Gestão de estoques na cadeia de suprimento: decisões e
de demanda: constante, com tendência, com sazonali- modelos quantitativos. São Paulo: Atlas, 2003.
dade, com tendência e sazonalidade. Dentre as conclu- *
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