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[43] Tema 2

Fazendo Sociologia

Ciência
Definição prática

Método de obtenção de conhecimento válido e confiável sobre o mundo com base em


teorias testadas em relação às provas coletadas.

Origens do conceito

O conceito de ciência surgiu como uma descrição do conhecimento, mas, no século XIV na
Europa, o termo ciência ou “filosofia natural” era usado de uma forma mais limitada para
descrever o conhecimento que era anotado por escrito ou registrado. Durante a “revolução
científica” do século XVII, da qual fizeram parte muitos avanços como a descoberta de Newton
da força da gravidade, a ciência passou a ser compreendida como um método de investigação.
No século XIX, o termo passou a ser usado apenas em relação ao mundo físico e às disciplinas
que o estudavam, entre elas Astronomia, Física e Química. Ao final daquele século, debates na
área da filosofia da ciência se concentravam em quais tipos de métodos eram “científicos”, em
como o conhecimento científico poderia ser confirmado como verdadeiro e, por fim, se os temas
sociais que[44] começavam a surgir poderiam corresponder aos tipos de comprovações
produzidos nas ciências naturais.
No século XX, diversas escolas do positivismo defendiam os méritos relativos de dedução ou
indução e verificação ou falsificação como princípios aos quais todas as ciências, não só as
disciplinas da ciência natural, deveriam aderir. Contudo, os sociólogos aos poucos começaram a
ver a sua disciplina como científica, mas de uma maneira diferente das ciências naturais, com
base nas ações intencionais dos humanos e na reflexividade que existe entre sociedade e
conhecimento sociológico. Hoje a Sociologia está dividida entre os que continuam a se enxergar

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como cientistas da sociedade e os que ficam mais satisfeitos com a ideia de que se envolvem
com os estudos sociais, considerando obsoletas as questões de status e método científico.

Significado e interpretação

É possível dizer que a principal questão para a Sociologia desde o positivismo de Auguste
Comte é se Sociologia é ou não é ciência. Como a disciplina se relaciona com outras ciências
reconhecidas como Astronomia, Física, Química e Biologia? E afinal o que as torna tão
inquestionavelmente “científicas”? A ciência é quase sempre descrita como o uso de métodos
sistemáticos de investigação empírica, a análise de dados, o pensamento teórico e a avaliação
lógica de argumentos com o intuito de desenvolver um bloco de conhecimento sobre
determinado tema. Segundo essa definição, a Sociologia é uma disciplina científica porque
envolve métodos sistemáticos de investigação empírica, a análise de dados e a avaliação de
teorias à luz de comprovações e argumentação lógica. Entretanto, um número cada vez maior de
sociólogos sente certo mal-estar em tratar a sua disciplina como científica e pode se sentir mais
confortável posicionando-a mais perto das humanidades do que das ciências naturais.
Estudar seres humanos é obviamente diferente em alguns aspectos de observar eventos no
mundo natural, portanto talvez Sociologia e ciências naturais jamais possam ser consideradas
idênticas. Ao contrário dos objetos naturais, os humanos são seres de consciência própria que
[45] conferem sentido e propósito ao que fazem. Não é possível descrever a vida social com
exatidão a menos que antes compreendamos os conceitos que as pessoas aplicam em seu próprio
comportamento. Descrever uma morte como “suicídio” significa conhecer o que a pessoa em
questão pretendia quando morreu, e isso envolve reconstruir o sentido associado à ação da
pessoa. Entender o comportamento de sapos não envolve esse tipo de reconstrução de raciocínio
complexo. O fato de não podermos estudar os seres humanos exatamente da mesma forma que
objetos da natureza é, em alguns aspectos, uma vantagem. Os sociólogos se beneficiam por
poder fazer perguntas diretamente àqueles que estudam – outros seres humanos – e obter
respostas que são capazes de entender. Essa oportunidade de conversar com os participantes de
estudos de pesquisa e confirmar determinada interpretação significa que as descobertas
sociológicas são, pelo menos potencialmente, ainda mais confiáveis (diferentes pesquisadores
chegariam aos mesmos resultados) e válidas (a pesquisa na verdade mede aquilo a que se
propõe) do que as obtidas nas ciências naturais. Max Weber via esses ganhos como cruciais para
a atribuição de status científico à Sociologia. Ainda que seus métodos sejam necessariamente
diferentes, não são menos sistemáticos, rigorosos e embasados teoricamente do que os de
qualquer outra ciência.
Entretanto, em outros aspectos, a Sociologia cria dificuldades pelas quais os cientistas

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naturais não passam. As pessoas que sabem que suas atividades estão sendo inspecionadas podem
não se comportar da mesma forma como normalmente o fazem. Podem, consciente ou
inconscientemente, mostrar a si mesmas de modo diferente de suas atitudes usuais. Podem até
tentar “ajudar” o pesquisador dando as respostas que acham que o pesquisador quer ouvir. Isso é
muitas vezes citado como o problema da reflexividade. O conhecimento sociológico é filtrado de
volta para a sociedade e se torna parte do mesmo contexto social que está sendo estudado,
possivelmente alterando esse contexto social. A reflexividade social não possui correspondente
nas ciências naturais, o que significa que, se é uma ciência, a Sociologia não pode simplesmente
adotar os mesmos métodos que a ciência natural, mas deve desenvolver seus próprios métodos
“adequados ao objeto”.

[46] Aspectos controversos

Um dos problemas fundamentais com a ideia de que a Sociologia deve ser científica é que
ela pressupõe um consenso sobre o que constitui ciência. Embora isso costumasse significar
simplesmente olhar aquilo que as ciências naturais fazem, isso não mais procede. Muitos estudos
importantes feitos por historiadores da ciência fizeram cair por terra a certeza que havia em
relação à ciência. Thomas Kuhn (1970) estudou os avanços na ciência – revoluções científicas –
que poderíamos esperar que ocorressem como resultado do acúmulo de conhecimento durante
longos períodos. Na verdade, Kuhn via a ciência natural funcionando por meio de “paradigmas”
– formas de fazer ciência baseadas em determinadas teorias. A ciência “normal” consistia
basicamente em testar o paradigma e repetir o teste de forma contínua, o que não levava a
grandes progressos. Os momentos de descobertas aconteciam quando alguém ia além do
paradigma para solucionar alguma averiguação anômala que então levava a um novo
paradigma.
Outro golpe no tipo ideal de ciência teve origem nos estudos históricos dos métodos
científicos realizados por Paul Fey erabend (1975). Segundo ele, muitas descobertas
revolucionárias na ciência nada tinham a ver com método científico. Na verdade, ocorreram por
meio de mera tentativa e erro ou até por erros e acasos que simplesmente não têm como serem
ensinados. A conclusão de Fey erabend foi que há apenas um único princípio importante de
método científico – “vale tudo”. Apenas pelo incentivo ao desvio do modelo científico a inovação
pôde ser assegurada. Ater-se rigidamente a um método não passava de uma receita à estagnação
e ausência de progresso. Portanto, após muitas décadas tentando descobrir como a Sociologia
poderia copiar os métodos das ciências naturais, na década de 1980 esse exercício não parecia
mais valer a pena.

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Relevância contínua

A ciência ainda é vista por muitos como uma forma superior de conhecimento comparada
ao conhecimento teórico ou ideias lógicas, [47] embora a base dessa superioridade possa estar
na conscientização dos sucessos práticos da ciência e não em uma compreensão disseminada do
método científico. Mesmo os sociólogos que não veem sua disciplina como científica em geral
enxergam seus próprios estudos como sistemáticos e metodologicamente rigorosos, o que seria a
melhor forma de produzir um conhecimento que corresponda à realidade. Por exemplo, na
previdência social, na saúde e no governo existe uma forte tendência em relação à “realização
de políticas baseadas em comprovações”, o que sugere que alguns dos princípios do trabalho
científico continuam a embasar as políticas públicas. Os sociólogos também precisam considerar
seriamente questões mais prosaicas, como demandas de órgãos de financiamento, que exigem
comprovação clara de rigor científico e inovação antes de financiar pesquisas. Além disso, o
desenvolvimento do realismo crítico e a sua adoção em muitos estudos recentes testemunham o
desejo de muitos sociólogos preservarem suas credenciais científicas em uma era “pós-
positivista”.

Referências e leitura complementar

BENTON, T.; CRAIB, I. Philosophy of Social Science: The Philosophical Foundations of Social
Thought. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2001.
CHALMERS, A. F. What is this Thing Called Science? 3.ed. Maidenhead: Open University Press,
1999.
[Ed. Bras.: O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 2003.]
FEYERABEND, P. Against Method. London: New Left Books, 1975.
[Ed. Bras.: Contra o método. 2.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.]
FULLER, S. Science. Buckingham: Open University Press, 1998.
KUHN, T. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1970.
[Ed. Bras.: A estrutura das revoluções científicas. 9.ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.]

[48] Construcionismo social

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