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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


COMARCA DE SÃO PAULO
FORO CENTRAL - FAZENDA PÚBLICA/ACIDENTES
14ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA
Viaduto Dona Paulina,80, 11º andar - Sala 1109, Centro - CEP 01501-020, Fone: 32422333
R2043, São Paulo-SP - E-mail: sp14faz@tj.sp.gov.br

SENTENÇA

Processo nº: 053.10.002757-4 - Mandado de Segurança


Impetrante: AGNELO QUEIROZ RIBEIRO
Impetrado: Diretor do Departamento Estadual de Transito - Detran /SP

Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0002757-56.2010.8.26.0053 e o código 1H00000019K33.
CONCLUSÃO

Em 13 de julho de 2010, faço estes autos conclusos ao(à) Juiz(ª) de Direito Dr.(ª): Fernão Borba
Franco

Vistos.

Segue sentença.

São Paulo, 13 de julho de 2010

Este documento foi assinado digitalmente por FERNAO BORBA FRANCO.


Fernão Borba Franco
Juiz de Direito
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Processo nº: 053.10.002757-4 - Mandado de Segurança


Impetrante: AGNELO QUEIROZ RIBEIRO
Impetrado: Diretor do Departamento Estadual de Transito - Detran /SP

Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0002757-56.2010.8.26.0053 e o código 1H00000019K33.
AGNELO QUEIROZ RIBEIRO impetrou este mandado de segurança contra

Este documento foi assinado digitalmente por FERNAO BORBA FRANCO.


ato do Diretor do Departamento Estadual de Transito - Detran /SP, alegando que foi
indevidamente autuado, por suposta embriaguez, sendo constatado em exame clínico posterior
não ter ingerido bebidas alcoólicas. Pretende anular a autuação.
Deferida a liminar, vieram as informações da autoridade impetrada, que arguiu
carência de ação por falta de liquidez e certeza do direito alegado. No mérito, sustenta que
caracterizada a infração, por existirem outras provas da embriaguez detectada. O MP recusou
parecer.
É o relatório.
Passo a fundamentar.
Rejeito a preliminar, pois os fatos necessários ao julgamento estão
devidamente comprovados, como se verá a seguir.
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No mérito, a demanda é procedente.


O artigo 165 do CBT proíbe "Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer
outra substância psicoativa que determine dependência", sendo possível apurar o fato da
embriaguez na forma do artigo 277 (art. 165, parágrafo único), que elenca para tanto testes de
alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em

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aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado; seu parágrafo 2º estabelece
que, no caso de recusa do condutor a realizar os testes, exame ou perícia, a infração poderá ser
caracterizada por outras provas, acerca dos 'notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor
apresentados pelo condutor'..
Anote-se, em primeiro lugar, que a infração é 'dirigir sob a influência de álcool
ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência'. A norma é de ser
interpretada em seu sentido finalístico, ou seja, pretende impedir a direção de veículo automotor
sob a influência de alguma substância que a torne perigosa. A esse respeito, Arnaldo Rizzardo
salienta, embora com base na redação anterior desses dispositivos, mas suficientemente similar,
que "atualmente, não importa mais o teor ou a quantidade de álcool encontrada no sangue. Desde
que constatada a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica, caracteriza-se a infração. Como se percebe do dispositivo, o
condutor deve dirigir sob a influência do álcool ou substância entorpecente. Diferente é a hipótese
de se encontrar a existência de álcool ou substância entorpecente. Não havendo a influência, não
se caracteriza a infração. Todavia, cabe ater-se ao art. 276, que tem como alcoolizado o indivíduo
que se acha com concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Em decorrência, a

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mera constatação de álcool no sangue não importa em caracterizar a forma prevista no art. 165;
se, porém, o teor alcoólico chega a seis decigramas, ou ultrapasse essa quantidade, ocorre a
infração" (Comentários ao CTB, 6ª ed., p. 391).
Então, o que importa não é a presença de álcool, ou sua ingestão; não é o uso
de substância psicoativa que cause dependência; é o fato de que essa ingestão ou uso influenciem
na direção do veículo.
E é claro que isso é correto. Caso contrário, pela interpretação dessa péssima
norma todos os motoristas tabagistas seriam infratores, pois dirigem sob a influência de
substância – nicotina – psicoativa, que causa dependência! E muitas vezes dirigem em pleno uso
dessa substância, o que aumentaria o escândalo!
O sentido da norma, portanto, não está na utilização de substância, legal ou
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ilegal, por motoristas, mas em sua influência na condução do veículo automotor. É esse o
conteúdo da proibição, com a observação, já mencionada, de que se presumia essa influência se a
concentração de álcool no sangue for superior a determinado limite.
O verbo foi colocado no passado de forma proposital, pois também o artigo
276 do CTB foi modificado, e agora dele consta que 'Qualquer concentração de álcool por litro de

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sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código'.
Assim, a presunção, no caso de álcool, qualquer que seja sua concentração por
litro de sangue, é absoluta, e pode ser determinada por qualquer dos exames previstos no art. 277,
inclusive exames clínicos.
A regra atual é draconiana. Estúpida, no sentido de excessiva e no sentido de
não ser inteligente.
Excessiva, porque impede um consumo reduzido e saudável de álcool pelo
motorista, e não inteligente, porque o consumo excessivo se detectaria pela presença de uma
determinada, e razoável, concentração de sangue no organismo (e não 'no sangue', o que pode,
dependendo da interpretação que se tornar vitoriosa, inutilizar o exame de concentração alveolar),
ou pelas evidências de condução anormal do veículo.
Entretanto, embora criticável a norma, legem habemus, e deve ser aplicada. Só
que, não sendo inteligente a regra, deve ser aplicada inteligentemente, no mínimo, a fim de se ter
como caracterizada a infração ainda que seja difícil determinar a existência de álcool no sangue.
Não foi o que ocorreu no caso dos autos.

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Como consta do Boletim de Ocorrência lavrado na ocasião, os policiais que
detiveram o impetrante narraram, como elementos que levariam à caracterização do ato, que o
condutor 'aparentava sinais de ter ingerido bebida alcoólica, tais como exalava odor alcoólico,
olhos vermelhos e rubor facial'; nesse próprio ato o impetrante sustentou que recusou o exame,
não havia ingerido bebida alcoólica e nem apresentava sinais de embriaguez (fls. 10/11).
Note-se que nenhuma palavra há a respeito do outro elemento capaz de
caracterizar a infração, ou seja, a descrição de como a condução estaria alterada pela ingestão de
álcool. O único fundamento foi o fato da ingestão de álcool, e as declarações dos policiais nesse
sentido não podem ser tidas como absolutas, pois a tanto não chega a chamada presunção de
veracidade dos atos administrativos. Ao contrário, a presunção vigora apenas até eventual
impugnação aos fatos a que diz respeito, e essa impugnação foi feita de imediato.
A condução alterada poderia ser constatada até pela inquirição de testemunhas,
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mas não a ingestão de álcool, a não ser em casos evidentes. Suponhamos que o impetrante
estivesse saindo de um clube, onde por acidente alguém derramou uísque, ou cachaça, em sua
camisa. Ele não teria consumido álcool, mas – suponhamos – fumou maconha e ingeriu ecstasy.
Apresentaria odor alcoólico, olhos vermelhos e rubor nas faces (aliás, essa mistura esquisita só
caracterizaria a infração se houvesse direção alterada). Ou não consumiu drogas, mas seus olhos

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estavam irritados e estava com calor. Mesmo resultado. As observações dos policiais, portanto,
ainda que presumida, equivocadamente, sua veracidade, não levam a um resultado
suficientemente seguro, para caracterizar a infração.
E esse resultado, insuficientemente seguro, torna-se manifestamente inseguro
quando se verifica que, submetido a exame clínico no mesmo dia, o impetrante não apresentou
qualquer sinal de embriaguez; especificamente, seu hálito e sua face não eram característicos, e
sua pupila reagia normalmente, de modo que o cheiro, o rubor e os olhos vermelhos deviam ser
devidos a outras causas.
Ora, o impetrante foi submetido a exame, previsto em lei, para atestar eventual
embriaguez, o que não foi constatado. O fato de se ter recusado a utilizar o aparelho de
concentração alveolar (bafômetro), ou mesmo exame de sangue, não caracteriza a infração. Logo,
não se pode ter como cometida essa infração.
Pode-se argumentar que conduzir veículo automotor embriagado é
extremamente perigoso. Claro que é. Como o fato de conduzir veículo em ruas esburacadas, mal
conservadas e mal sinalizadas. Como o fato de conduzir veículo em excesso de velocidade, ou de

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conduzir veículos com manutenção e estado de conservação precários e assim por diante.
Também andar a pé embriagado é perigoso (o risco de atropelamento é
realmente elevado). Ou de bicicleta. No mínimo, há o risco de alcoolismo, com todas as doenças
daí decorrentes. Além disso, pode-se dizer que o hábito de fumar é perigosíssimo, pois causa
câncer, enfisema e mau hálito, entre outros males. E o consumo excessivo de açúcar? Causa
diabetes, obesidade, cáries etc.
Ou seja, não é por ser perigosa a atitude que se deve tentar prover o Estado de
poderes repressivos em excesso, atentando contra a razoabilidade; é uma questão de grau, de
determinar o quanto de intervenção pode haver em um Estado Democrático de Direito.
Por isso, inviável interpretação draconiana da norma, rigorosa, em exame; os
limites anteriores eram mais razoáveis, mais facilmente detectáveis e nem por isso menos
eficazes. O que havia, na verdade, era nenhuma fiscalização. Reduzir limites, impedir atividades
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em princípio lícitas, dotar de poderes extremos os órgãos fiscalizatórios é, além de um


determinado limite, incompatível com o Estado acima descrito.
Assim, correta determinação do princípio da legalidade dos atos
administrativos deve ser feita, retirando-se dos agentes poderes incompatíveis com o Estado
Democrático de Direito, porque incontrastáveis na prática. Em síntese, deve ser devidamente

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comprovada a ocorrência dos fatos que justificam a prática do ato administrativo sancionatório, o
que não ocorreu no caso em exame. Consequentemente, a autuação é de ser anulada porque não
há prova da ingestão de álcool.
Pelo exposto, e pelo mais que dos autos consta, decido, para julgar procedente
o pedido e anular o auto de infração impugnado. Custas pela impetrada. Não há condenação em
honorários.
PRI.

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