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DESCRIÇÃO

O trabalho como categoria social, as características do trabalho assalariado, as cooperativas, a precarização da vida do trabalhador, e o socialismo e o trabalho associado.

PROPÓSITO
Conhecer a relação entre trabalho e remuneração e analisar as diferentes formas de organização do trabalho contribuirá para elaborar opiniões, tomar posicionamentos e fazer
escolhas firmes e seguras dentro do mundo do trabalho.

PREPARAÇÃO
Levando em conta a riqueza e as múltiplas possibilidades de análise do tema, é importante ter à mão um bom dicionário de Teoria Política ou mesmo de Filosofia. Sugerimos o
Dicionário de Política, de Bobbio, Matteucci e Pasquino, e o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano, ambos disponíveis virtualmente.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Identificar as transformações do mundo do trabalho com as modificações da dinâmica do capitalismo e seus impactos na organização social

MÓDULO 2

Distinguir o trabalho assalariado das formas associadas de trabalho, conhecendo suas especificidades e como interferem na organização dos trabalhadores e das empresas

INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil (1988) indica no seu art. 6º, entre outras coisas, que o trabalho é um dos direitos sociais do brasileiro. A maioria das pessoas –
homens, mulheres e até mesmo crianças – passa parte de seus dias, e até mesmo da vida, trabalhando.

Mas, afinal, o que é trabalho? O que ele significa? Com este estudo você poderá responder a essas perguntas e conhecer melhor outros aspectos do trabalho humano.

MÓDULO 1
 Identificar as transformações do mundo do trabalho com as modificações da dinâmica do capitalismo e seus impactos na organização social

APRESENTAÇÃO
Observe a imagem a seguir:
Fonte: Pikist.com

Você pode ver trabalhadores (consegue identificar quantos?) executando serviços diversos na construção de um edifício. Eles estão concentrados em suas tarefas que, embora
possam ser individualizadas e especializadas, têm um objetivo comum. Contudo, a imagem mostra os trabalhadores confundindo-se com os próprios materiais com os quais
trabalham, quase como máquinas ou coisas, que não são “sociais” nem “sociáveis”.

Vamos entender melhor o conceito de trabalho partindo de sua origem e das perspectivas de três importantes pensadores que estudaram o tema e deixaram reflexões que ainda
influenciam a nossa sociedade nos dias atuais: Max Weber (1864-1920), Karl Marx (1818-1883) e Émile Durkheim (1858-1917).

TRABALHO: A LONGA TRAJETÓRIA DE CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO


Trabalho é uma atividade eminentemente humana, na qual as pessoas transformam a natureza, utilizando a inteligência e a força física, para produzir bens e serviços. O trabalho
diferencia o ser humano de outros animais que não planejam sua existência e não podem modificá-la, apenas adaptar-se ao meio. Pelo trabalho, os seres humanos produzem
conhecimento, tecnologia, inovação, criam e transformam, de modo consciente, o mundo em que vivem, modificando continuamente os aspectos culturais, sociais, econômicos e
políticos.

É através do trabalho que se tem acesso aos bens básicos necessários à subsistência, como também aos bens tecnológicos e culturais. Contudo, o trabalho é mais do que a
produção de bens, é um importante meio de formação de vínculos sociais, para além dos familiares, em que o ser humano pode exercitar sentimentos que se constituam em práticas
de solidariedade, companheirismo e cooperação. Para muitos, o trabalho é o único espaço de convivência social.

Fonte: Shutterstock.com

A palavra trabalho tem origem no latim tripalium , que se refere a um instrumento utilizado no plantio de lavoura nas sociedades antigas. Historicamente, o trabalho intelectual ou que
despendia menor força física sempre foi mais valorizado do que o trabalho braçal, considerado atividade de escravos na Grécia Antiga. Foram os romanos que primeiramente
associaram os escravos a objetos de trabalho, qualificando-os como instrumentum vocalis , coisificando a pessoa humana.

 SAIBA MAIS

Na Roma Antiga, escravos e animais de carga eram classificados na mesma categoria dos instrumentos destinados a cultivar a terra. A diferença era que os escravos pertenciam ao
gênero vocale – falantes – e os bois, ao gênero semivocale , com voz parcial, isto é, emitem sons, mas não falam. No Direito romano, a condição de coisa (res ), estabelecida para
o gado e os demais animais de carga, era a mesma do escravo. O Direito romano legislava sobre os animais domésticos, que, tais como os escravos, pertenciam a um dono. A
escravidão, portanto, embora tenha sido um gênero de trabalho, era também uma condição degradante da pessoa humana reduzida à condição de animal.

Na Antiguidade, trabalho era uma atividade majoritariamente desempenhada por escravos ou pessoas pobres, tornando-se sinônimo de perda da liberdade, uma vez que a palavra
estava associada ao esforço físico, à humilhação e ao sofrimento. Por isso, em fins do século VI, tripalium passou a ser também o nome dado a um instrumento de tortura usado no
Império Romano.

Na Idade Média, o conceito de trabalho estava ligado à condição social das pessoas, visto que a sociedade estava dividida entre os bellatores , os oratores e os laboratores ,
sendo os primeiros a classe dos cavaleiros, isto é, a alta nobreza que se responsabilizava por comandar as guerras, conquistas e defender o território; os seguintes oravam, eram os
religiosos e o clero; e os últimos, a grande massa de gente das cidades e dos campos, trabalhavam.
Fonte: Wikimedia commons/Domínio Público
 A ilustração da Idade Média A Construção da Torre de Babel (1240) ilustra as formas de trabalho da época.

A Igreja valorizava o ato de contemplação e a elevação espiritual em detrimento às atividades braçais, consideradas mundanas e apegadas aos bens terrenos. Com o declínio da
Idade Média e a consequente retomada da urbanização e do comércio, o trabalho se diversificou, mas também aumentou, fazendo com que fosse comparado, metaforicamente, com
o suplício ou a tortura.

Com o desenvolvimento do capitalismo, o trabalho sofreu inúmeras e profundas transformações, especialmente com o impacto do protestantismo. Segundo o sociólogo Max Weber, a
igreja protestante, por pregar a salvação a partir de uma vida módica e dedicada ao trabalho, teve papel fundamental no convencimento dos trabalhadores a aceitarem as condições
de exploração a que estavam submetidos. Isso incluía a negação dos prazeres “terrenos”, o luxo, o ócio e a preguiça – enfim, não desperdiçar o tempo com comportamentos que não
favorecessem o acúmulo de bens e o aperfeiçoamento da alma. Essa associação entre o trabalho e a salvação da alma ele chama de “espírito do capitalismo”. Embora condenasse o
luxo, a riqueza não exteriorizada era sinal da salvação. Aí reside o conceito de Weber de “ética protestante” que se verifica com o acúmulo de bens, e não para o consumo e os gastos
supérfluos. Max Weber considera que a “ética protestante” foi o fator cultural de maior impacto para o desenvolvimento do capitalismo.

Fonte: Wikipedia Commons/Domínio público


 Max Weber em 1918.

 SAIBA MAIS

Max Weber foi intelectual, jurista e economista alemão, considerado um dos fundadores da Sociologia, além de ter influenciado os estudos nas áreas da Economia, da Filosofia, do
Direito, da Ciência Política e da Administração. Suas principais obras dedicam-se ao estudo do capitalismo e do chamado processo de racionalização e desencantamento do mundo.

Aprofundemos um pouco mais a relação entre a “ética protestante” e o “espírito do capitalismo” a partir do pensamento de Max Weber.
Posteriormente, entre os séculos XVIII e XIX, a ideologia capitalista passa a inculcar nos trabalhadores a ideia do trabalho como forma de realização pessoal e social, mesmo que
estivessem submetidos a duras formas de exploração e opressão. Mas foi a partir de meados do século XIX que o capitalismo se intensificou, aumentando o ritmo de produção dos
mais variados bens, demandando, consequentemente, maior esforço humano no trabalho. Essa é uma das características da sociedade de consumo que se funda na produção
acelerada dos bens, na ampliação da concorrência e na precarização das relações trabalhistas. Práticas como terceirizações, contratos temporários ou atividades informais chegaram
no século XXI com um verniz de liberdade para o trabalhador e maior possibilidade de controle de seu tempo e remuneração, mas teve como resultados concretos o aumento das
incertezas e as inconstâncias no mundo do trabalho.

A palavra “trabalho”, portanto, é entendida como toda atividade profissional, remunerada ou não, produtiva ou criativa, exercida para determinado fim, cujo sentido é oriundo de uma
historicidade, isto é, está em consonância com a época, a cultura, o modo de se relacionar e de compreender o mundo de cada sujeito e do grupo do qual fez e faz parte.

O SER SOCIAL

Fonte: Dencey/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0


 Georg Lukács em 1952.

Georg Lukács (2013), filósofo e historiador húngaro de vertente marxista, via o trabalho como o “complexo concreto de sociabilidade como forma de ser”, ou seja, uma “célula
geratriz” ou uma categoria ontológica, que faz parte da natureza humana. Isso não significa que ele entendia que a vida social estava limitada ao trabalho, mas sim que toda a
multiplicidade de expressões humanas se funda no trabalho como atividade originária.

GEORG LUKÁCS (1885-1971)

Segundo filho de um próspero dirigente da principal instituição bancária da Hungria, desde jovem recusou, forte e decididamente, seu próprio universo burguês. Em vez dos
negócios, dedicou-se ao estudo das artes e da literatura, revelando um talento notável para a crítica. Entusiasmado com a Revolução de Outubro, em 1918 ingressou no Partido
Comunista da Hungria, iniciando sua longa e atribulada trajetória política inscrita na prática e na teoria revolucionária que haveria de desenvolver.

Fonte: Instituto Lukács

Para Lukács, o trabalho é o ponto de partida para tornar-se “homem do homem”, senhor de si, uma vez que o trabalho é o veículo para a autocriação do homem como sujeito
histórico. Como ser biológico, ele é um produto do desenvolvimento natural, mas o trabalho o leva a um novo ser: o ser social.

Portanto, o trabalho é o vínculo material entre o ser humano e a natureza, assinalando a passagem do ser meramente biológico (que sobrevive e se adapta às circunstâncias da
natureza) ao ser social (que cria e transforma intencionalmente a natureza).

Para Karl Marx, o que diferencia o trabalho do homem do de outros animais é a capacidade de dar significado à natureza por meio de uma atividade planejada e consciente. Para o
filósofo, é pelo trabalho que o homem transforma a si e à natureza, e, ao transformá-la, de acordo com suas necessidades, imprime em tudo que o cerca a sua marca. No trabalho, o
homem “defronta-se com a natureza como uma de suas forças, numa dupla transformação entre o homem e a natureza. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo [...], a fim
de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (MARX, 2011). Na medida em que atua sobre a natureza e a modifica, o ser humano também
modifica a si próprio. Assim, ao transformar a natureza, o homem não só cria ou produz bens, mas modifica a sua própria condição.

Ao longo de toda a história, o trabalho foi determinante para a vida humana, tanto individual como coletiva. A humanidade se estruturou histórica e politicamente, quase em sua
totalidade, em função do conceito de trabalho. Separar o trabalho da existência das pessoas é muito difícil, senão impossível, diante da importância e do impacto que o trabalho nelas
provoca.
Fonte: Margalob/Wikimedia commons/Domínio Público
 Pirâmide do Sistema Capitalista , cartaz publicado pela IWW (Industrial Workers of the World) em 1911.

A visão ontológica de trabalho em Marx se opõe à perspectiva capitalista, pois nesse modelo econômico o ser humano é limitado ou impedido de exteriorizar a sua natureza, uma vez
que os frutos de seu trabalho lhes são retirados.

Por exemplo, o trabalhador da indústria de automóveis, que no final do dia volta para casa de transporte coletivo, sucateado, lotado e caro; ou o trabalhador da construção civil que
mora em condições precárias ou de aluguel.

A maneira como a sociedade do capital se organiza resulta na fragmentação do trabalhador, retirando dele a sua capacidade de se sentir parte de sua produção, caracterizando o
trabalho como um agente da alienação.

ALIENAÇÃO

A alienação (do alemão Entfremdung , que também pode ser traduzido por “afastamento”) exprime sobretudo a ideia de algo que está separado de outra coisa ou que é
estranho a essa coisa: estou alienado de mim, na medida em que não posso compreender ou aceitar a mim mesmo; o pensamento está alienado da realidade, pois a reflete de
forma inadequada; estou alienado de meus desejos, uma vez que eles não são autenticamente meus, sendo antes impostos a mim do exterior; estou alienado dos resultados
dos meus trabalhos porque estes se tornam mercadorias; e posso estar alienado de minha sociedade, pois, em vez de fazer parte de uma unidade social que a constrói, me
sinto controlado por ela.

Fonte: Sérgio Biagi Gregório

Os versos de “Cidadão”, música de Zé Ramalho, ajudam a entender esse contexto de expropriação imposto ao trabalhador:

Tá vendo aquele edifício, moço?


Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz, desconfiado
Tu 'tá aí admirado
Ou 'tá querendo roubar?

A análise de Karl Marx (2011) sobre a alienação do trabalhador aprofunda o olhar sobre a percepção que o trabalhador tem de si próprio e da riqueza produzida, sempre como riqueza
alheia, do capitalista. Embora a força de trabalho seja a condição para a produção dos bens e o trabalhador gaste a sua vida com o trabalho, ele não usufrui da riqueza produzida.
Quando o trabalhador fabrica uma mercadoria na condição de explorado, ele também se torna uma, reduzindo-se à condição de instrumento que gera a riqueza de outros homens.
Quanto maior for seu esforço em produzir mercadorias das quais não se beneficia, mais o trabalhador se coisifica.

O SER COISIFICADO
Fonte: Hohum/Wikimedia commons/Domínio Público
 Linha de produção da Ford em 1913.

Se a alienação do trabalho é considerada por Marx o princípio de todas as outras alienações, a sociedade burguesa é a origem do trabalho alienado, uma vez que se fundamenta na
propriedade privada que nega ao trabalhador o acesso aos bens que produz ou a participação nos lucros. Em virtude disso, as relações humanas se transformam em relação entre
coisas, entre mercadorias: o trabalhador se desumaniza e se transforma em uma mercadoria, barata, que produz outra mercadoria, de maior valor, gerando riqueza para poucos.


O TRABALHADOR TORNA-SE TANTO MAIS POBRE QUANTO MAIS RIQUEZA PRODUZ, QUANTO MAIS A
SUA PRODUÇÃO AUMENTA EM PODER E EXTENSÃO. O TRABALHADOR TORNA-SE UMA MERCADORIA
TANTO MAIS BARATA QUANTO MAIOR NÚMERO DE BENS PRODUZ. COM A VALORIZAÇÃO DO MUNDO
DAS COISAS, AUMENTA EM PROPORÇÃO DIRETA A DESVALORIZAÇÃO DO MUNDO DOS HOMENS. O
TRABALHO NÃO PRODUZ APENAS MERCADORIA; PRODUZ-SE TAMBÉM A SI MESMO E AO
TRABALHADOR COMO UMA MERCADORIA, E JUSTAMENTE NA MESMA PROPORÇÃO COM QUE
PRODUZ BENS.

(MARX, 2012)

Algumas vezes o trabalho é interpretado como um elemento que promove a satisfação e a autorrealização. Outras abordagens, porém, atribuem conotações negativas ao trabalho,
representado como maldição, castigo, jugo, estigma, coerção, esforço e penalidade – consequências de quem vive para trabalhar. Soma-se a essas percepções aquela que entende o
trabalho como mero veículo para a sobrevivência material.

Para Marx (1983), o trabalho no capitalismo deixa de formar o sujeito humano/social e passa a alienar, pois o produto (bens e serviços produzidos) e o próprio processo de produção
(trabalho) se tornam estranhos à realidade do trabalhador.

O capitalismo modifica a visão de liberdade do homem à medida que ele precisa vender sua força de trabalho para sua sobrevivência, dissociando o trabalho do homem que o realiza.
O trabalhador subordinado ao capital não tem mais controle do produto nem do processo de seu trabalho, centralizados nas mãos do capitalista. Assim, na sociedade capitalista, o
trabalho passa a ser visto como meio pelo qual uma parte da sociedade sobrevive e a outra parte acumula bens. O trabalho é o meio que permite adquirir os produtos dos demais,
dado que ninguém consome o que produz. Por conseguinte, a função do trabalho e dos seus produtos passa a ser um meio para obter produtos dos outros, gerando uma
interdependência em que ninguém consome o que produz e todos dependem da produção de todos.

Para Marx (2012), quando o trabalho e os bens resultantes dele deixam de ser um objeto que pertence ao trabalhador, isso indica que ele se tornou um servo de seu objeto: “O auge
dessa servidão é que somente como trabalhador ele pode se manter como sujeito e apenas como sujeito ele é trabalhador”.

No mundo globalizado e capitalista, onde as relações de poder e dominação não são explícitas, o que prevalece é a ideologia liberal, e o trabalho é visto e tratado sob essa ótica, em
que predomina a ética individualista e a competitividade, impondo ritmos alucinantes no mundo do trabalho, submetendo os trabalhadores à ameaça constante da demissão e à
insegurança em relação à permanência no emprego. Esse modo de relações de trabalho visa “garantir” a submissão do trabalhador a essas condições, inculcando nele o desejo de
vencer e obter sucesso, que o leva a uma dedicação extra sem limites, que se estende para além dos muros das organizações (ANTUNES, 2000). Tal situação cria uma insegurança
psicossocial que acentua o medo de perder o emprego, aumentando o estresse e corroendo o caráter. No entanto, esses mesmos sentimentos fragilizam as relações sociais entre os
companheiros de trabalho e em outras instituições – como a família. Talvez essa seja a causa de cada vez mais trabalhadores estarem propensos ao estresse e aos riscos
psicossociais do trabalho, por sentirem o risco do desemprego, mesmo trabalhando (SENNETT, 2009).

O SER SOLIDÁRIO
Fonte: M. Armando/Wikimedia commons/Domínio Público
 Émile Durkheim em 1918.

Para o filósofo e sociólogo Émile Durkheim, o trabalho é um fato social presente em todos os tipos de sociedade e se impõe sobre todos os indivíduos, independentemente da
própria vontade. Durkheim escreveu a sua principal e mais conhecida obra, Da divisão social do trabalho , em 1893, na qual argumenta, ao contrário das análises críticas de Marx e
Weber, que a divisão social do trabalho promove a coesão social e, por isso, deve ser preservada. O trabalho, portanto, em vez de concentrar a atenção na produtividade, seria um
caminho para que os indivíduos criassem vínculos e formassem um grupo coeso.

ÉMILE DURKHEIM

Émile Durkheim é considerado um dos pais da Sociologia moderna. Foi graças à atuação sistemática desse pensador que a Sociologia penetrou nas universidades e garantiu o
status de disciplina acadêmica. Fundador da escola francesa de Sociologia, acreditava que a sociedade é regida por leis, e uma ciência que dela se ocupe deve chegar à
formulação de grandes generalizações que as explique. Considerava a Sociologia a ciência das instituições, cuja missão era reconstruir uma moral que respondesse às
exigências do espírito científico da época.

Fonte: Secretaria da Educação do Paraná

O processo de especialização de funções no mundo do trabalho, como mostra o trecho da obra de Durkheim, torna os indivíduos interdependentes. Porém, a depender da
intensidade dessa especialização, a sociedade desenvolveria dois tipos de solidariedade: mecânica e orgânica.

A solidariedade mecânica é típica de sociedades pré-capitalistas, onde há pouca divisão do trabalho e, consequentemente, pouca importância nas relações. Nessas sociedades, os
indivíduos se reconhecem e se identificam por culturas e tradições em comum que exercem grande influência sobre a coesão social.


NUMA CIDADE, PODEM COEXISTIR DIFERENTES PROFISSÕES SEM SE PREJUDICAREM MUTUAMENTE,
PORQUE ELAS PERSEGUEM OBJETIVOS DIFERENTES. O SOLDADO PROCURA A GLÓRIA MILITAR, O
SACERDOTE A AUTORIDADE MORAL, O HOMEM DE ESTADO O PODER, O INDUSTRIAL A RIQUEZA, O
CIENTISTA O RENOME CIENTÍFICO; CADA UM DELES PODE ASSIM ATINGIR O SEU FIM, SEM IMPEDIR
OS OUTROS DE ATINGIREM O SEU. TUDO SE PASSA DO MESMO MODO QUANDO AS FUNÇÕES ESTÃO
MENOS AFASTADAS UMAS DAS OUTRAS. O MÉDICO OCULISTA NÃO FAZ CONCORRÊNCIA AO QUE
TRATA AS DOENÇAS MENTAIS, NEM O SAPATEIRO AO CHAPELEIRO, NEM O PEDREIRO AO
MARCENEIRO, NEM O FÍSICO AO QUÍMICO ETC. COMO PRESTAM SERVIÇOS DIFERENTES, PODEM
PRESTÁ-LOS PARALELAMENTE.

(DURKHEIM, 1999)

O desenvolvimento do capitalismo, no qual a industrialização e a urbanização ganham espaço, marca o processo de especialização do trabalho e de diferenciação social. Esses
fatores, segundo Durkheim, são responsáveis pelo declínio da solidariedade mecânica e o surgimento de uma nova solidariedade, denominada de orgânica.

A solidariedade orgânica, portanto, é uma marca da sociedade capitalista e parte da percepção de que os indivíduos são diferentes. É caracterizada pelo alto grau de divisão do
trabalho e uma maior heterogeneidade cultural.

Observe a síntese da teoria de Durkheim sobre a divisão do trabalho no fluxograma a seguir.


Imagem: Alex Andrade Costa

A análise de Durkheim sobre a sociedade e o trabalho visa entender a coesão social ou a sua ausência. Para isso, ele utiliza dois conceitos: o da solidariedade e da anomia.

A solidariedade se evidencia na interação de cada indivíduo na divisão do trabalho. Já a anomia é a manifestação da desintegração social gerada pela industrialização, provocando
diferenciação social – ricos e pobres, citadinos e camponeses, centro e periferia etc.

A anomia é uma característica do mundo moderno, evidenciado pelas crises e pelo ritmo de trabalho contínuo e monótono. Nesse mundo, as relações do capital e do trabalho não
produzem solidariedade, reduzindo o homem ao papel de máquina. Desse modo, a anomia pode levar a crises que desestruturam as relações sociais, como o suicídio e a
criminalidade.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. (PREFEITURA MUNICIPAL DE BETIM - INSTITUTO AOCP - 2020 - ADAPTADA)


COMPREENDER AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E SEUS IMPACTOS NA VIDA DOS TRABALHADORES É ESSENCIAL NA
ATUAÇÃO DE UM SOCIÓLOGO. A RESPEITO DAS DIFERENTES INTERPRETAÇÕES SOCIOLÓGICAS SOBRE ESSE TEMA, ASSINALE A
ALTERNATIVA CORRETA.

A) As inovações no sistema de organização do trabalho diminuíram o nível de rotatividade dos trabalhadores e estimularam a qualificação educacional e profissional dos operários.
Esse contexto apresentou um novo passo para as relações entre empregadores e empregados no século XX, proporcionando aumento do poder econômico das famílias.

B) A ética protestante e o espírito do capitalismo , de Max Weber, constitui-se como um importante estudo sobre como o protestantismo (fator religioso) foi a principal causa do
capitalismo ocidental. Essa afirmação é pautada na ideia de que o comportamento do protestante, de acordo com a teologia calvinista, deveria ser de estímulo ao trabalho
profissionalizado e de busca pela riqueza.

C) Para Marx, a economia é fundamentada pelas relações de trabalho, sendo por meio do trabalho que o homem transforma a natureza e reproduz a sua existência.

D) Segundo Émile Durkheim, as sociedades modernas estão enquadradas teoricamente no tipo de solidariedade mecânica, caracterizando-se por alto grau de divisão do trabalho,
maior diferenciação cultural, especialização das funções entre os indivíduos e enfraquecimento da consciência coletiva.

E) Os novos modelos de liberalização econômica, especialmente pela terceirização, acarretaram melhorias na vida do trabalhador, fortalecimento dos sindicatos e seguridade
trabalhista.

2. (CONSULPLAN - 2018 - SEDUC - PA - ADAPTADA)


“A NOÇÃO DE ALIENAÇÃO É FUNDAMENTAL NO PENSAMENTO MARXISTA, POIS APRESENTA O ESTADO PSICOSSOCIAL PRIMORDIAL AO
QUAL O INDIVÍDUO É SUBMETIDO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA. ALÉM DISSO, MARX NÃO VÊ NO TRABALHO UMA EXPRESSÃO
QUALQUER DA VIDA. PARA MARX, O TRABALHO TEM UMA LOCALIZAÇÃO ESPECIAL, ATÉ MESMO PRIVILEGIADA, POR SER A
EXTERIORIZAÇÃO DO SER. POR SER A OBJETIFICAÇÃO DA ESSÊNCIA HUMANA, POR SER O PROCESSO DE COLOCAR PARA FORA A
MAIS PURA HUMANIDADE, O ESFORÇO MATERIAL DA TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO E A SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES.”

A) É a constatação básica de que o trabalhador está alienado em relação ao produto de seu trabalho que gera a revolta de classe, cerne da revolução em massa.

B) Construir as próprias ferramentas é exercer uma dominação impossível a qualquer outro animal, o que já elimina para o homem a possibilidade de total alienação.

C) Uma das formas de reconhecer a alienação é quando, no fim do processo de trabalho, o produto feito se transforma em algo estranho, independente do ser que o produziu.

D) É o estranhamento em não se reconhecer num produto a essência da pobreza e da alienação gerada pela substituição progressiva e inexorável do homem pela máquina.

E) A alienação se concretiza quando o trabalhador deixa de participar dos sindicatos e da luta por seus direitos por não se ver representado nos líderes sindicais.

GABARITO

1. (Prefeitura Municipal de Betim - Instituto AOCP - 2020 - ADAPTADA)


Compreender as transformações no mundo do trabalho e seus impactos na vida dos trabalhadores é essencial na atuação de um sociólogo. A respeito das diferentes
interpretações sociológicas sobre esse tema, assinale a alternativa correta.

A alternativa "C " está correta.

Para Marx, o trabalho é a principal característica humana pela capacidade que se tem de transformar a natureza e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio por meio desse trabalho
e da natureza ao seu serviço. Contudo, nem sempre as relações de trabalho garantem dignidade ao ser humano, que pode ser tratado como uma “coisa” geradora de riqueza e bem-
estar a outrem.
2. (CONSULPLAN - 2018 - SEDUC - PA - ADAPTADA)
“A noção de alienação é fundamental no pensamento marxista, pois apresenta o estado psicossocial primordial ao qual o indivíduo é submetido no modo de produção
capitalista. Além disso, Marx não vê no trabalho uma expressão qualquer da vida. Para Marx, o trabalho tem uma localização especial, até mesmo privilegiada, por ser a
exteriorização do ser. Por ser a objetificação da essência humana, por ser o processo de colocar para fora a mais pura humanidade, o esforço material da transformação
do mundo e a satisfação das necessidades.”

A alternativa "D " está correta.

Marx explica que o trabalho pode ser emancipatório, quando possibilita ao trabalhador usufruir das transformações que ele faz na natureza. Contudo, também pode alienar o
trabalhador, por diversas circunstâncias, como quando, movido pelo medo do desemprego ou da concorrência, ele se sujeita a ritmos e formas de trabalho opressores contra si e
contra seus companheiros. A alienação, para Marx, ainda ocorre quando o trabalhador é alijado da possibilidade de usufruir dos bens e serviços que produz.

MÓDULO 2
 Distinguir o trabalho assalariado das formas associadas de trabalho, conhecendo suas especificidades e como interferem na organização dos trabalhadores e das
empresas

APRESENTAÇÃO
Preste atenção no gráfico a seguir.

Fonte: Thiago Fagundes/Agência Câmara/Ipeadata


 Reajuste do salário mínimo e inflação do ano anterior - 02/09/2020.

Os dados do gráfico comparam o aumento do salário mínimo e a inflação no Brasil nos últimos vinte anos.

Por esses dados, percebe-se que entre 2001 e 2015 houve uma política formal do governo de valorização do salário mínimo. Contudo, a partir de 2016, o que se verifica é uma
redução dos aumentos que mal cobrem a inflação. Para 2021, por exemplo, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviada pelo governo à Câmara de Deputados, previa a
correção do salário mínimo apenas pela inflação, concedendo um aumento de R$ 22 aos atuais R$ 1.045. Após revisão, seu valor em âmbito nacional (exceto para as Unidades da
Federação que possuem valor próprio), a partir de 01/01/2021, passou a ser R$1.100,00.

Contudo, o que é salário e como ele se estrutura no mundo do trabalho? Quais são as outras formas possíveis de remuneração, além do salário? Vamos entender melhor a seguir.

TRABALHO E ASSALARIAMENTO
É quase um consenso entre os historiadores que a palavra salário vem da Antiguidade, quando se usava o sal como expressão de valor para as relações de trabalho.

No Direito brasileiro, o salário é conceituado como “o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em decorrência da relação de emprego”
(DELGADO, 2005). Segundo a teoria da contraprestatividade, o salário é a contraprestação do trabalho na troca que o empregado faz com o empregador, fornecendo a sua atividade
e dele recebendo a remuneração correspondente.

Mas nem sempre o trabalho foi remunerado! Nem todas as formas de trabalho pressupõem o recebimento de salário.

Durante a Idade Média, com o crescimento das cidades na Europa, as relações econômicas se modificaram. Se antes estavam centradas no campo e os trabalhadores usavam suas
próprias produções como forma de pagamento de serviços, a vida urbana fez renascer o uso do dinheiro, que se tornou o principal mecanismo de remuneração de serviços para
pessoas livres.

Na Idade Moderna, a produção era de caráter familiar e o artesão, proprietário dos meios de produção (oficina e ferramentas), realizava todas as etapas, pois não havia divisão do
trabalho ou especialização. Em muitos casos, os artesões recebiam ajudantes em sua oficina, que, no entanto, não eram assalariados, atuando como aprendizes de um ofício até
abrirem sua própria oficina.
Fonte: PKM/Wikimedia commons/Domínio Público
 Representação de uma sapataria do século XVI.

O aprendiz recebia como pagamento o próprio aprendizado, mas também poderia receber alimento ou, eventualmente, algum dinheiro. Quando o aprendiz não conseguia abrir seu
próprio negócio, podia continuar com o seu mestre na condição de “jornaleiro” (diarista), recebendo um salário.

As corporações de ofício – antecessoras dos atuais sindicatos – surgiram como instituições que reuniam trabalhadores de determinada categoria em defesa de interesses comuns –
entre eles, a defesa do salário justo.

Fonte: CsDix/Wikimedia commons/Domínio Público


 Ilustração publicada no jornal Solidariedade dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW) em 30 de junho de 1917.

No século XIX, com a Revolução Industrial, os primeiros sindicatos se organizaram e com eles as lutas contra a exploração e em defesa da dignidade do trabalhador, em especial
sobre a remuneração, pauta que ainda é central nos sindicatos e nas associações contemporâneas.

É preciso lembrar, porém, que os regimes de trabalho forçado, servidão e escravidão, tanto na Antiguidade como na contemporaneidade, são marcados por diversos tipos de violência
física, moral e psicológica que desumanizam o trabalhador, colocando-o na condição de coisa ou objeto móvel, negando a essas pessoas a remuneração justa pelo esforço
despendido na geração de riquezas para os outros – o Estado ou as pessoas.

LEIS TRABALHISTAS E O SALÁRIO NO BRASIL

Fonte: Dantadd/Wikimedia commons/Domínio Público


 Imagem do ex-presidente Getúlio Vargas em 1930. Em seu primeiro período de governo, Vargas criou o Ministério do Trabalho e instituiu a legislação trabalhista.

No Brasil, a discussão sobre o salário mínimo se deu na década de 1930, passando a vigorar a partir de 1º de maio de 1940. Três anos depois, em 1943, a Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) definiu, no art. 76, o conceito do salário mínimo como a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao
trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia de serviço e capaz de satisfazer as necessidades básicas de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

De acordo com o art. 459 da CLT, o período de pagamento do salário não pode ser superior a um mês, e o trabalhador deve recebê-lo até o quinto dia útil do mês subsequente ao
vencido. A legislação também é clara no sentido de definir que os salários serão pagos em dinheiro, não havendo nenhuma outra possibilidade de meio, instrumento ou bem que
ocupe esse lugar. A lei também estabelece o direito a receber um salário adicional a cada ano: o décimo terceiro salário é uma gratificação equivalente a um salário mensal, pago em
até duas prestações. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, portanto, garante um salário mínimo nacional que atenda às necessidades básicas de vida dos
trabalhadores e suas famílias, com reajustes periódicos para manter o poder de compra das pessoas.

A Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, conhecida como Reforma Trabalhista, criou inúmeras mudanças para a CLT. No que se refere ao salário mínimo, a reforma abre a
possibilidade de um trabalhador receber menos que o salário mínimo. Isso só pode acontecer se o empregado trabalhar menos de oito horas diárias.

A Lei da Reforma Trabalhista trouxe também uma mudança para a composição do salário. Anteriormente, o art. 457 da CLT determinava que gratificações, percentuais, diárias e
outras formas de remuneração variável e acessória integravam o salário. Agora, estabelece que essas remunerações acessórias e variáveis não compõem salário e, por isso, são
excluídas do montante sobre o qual incidem os tributos e as contribuições previdenciárias.

Segundo a CLT, o vínculo empregatício é caracterizado no contrato de trabalho por quatro condições:

PESSOALIDADE

O contrato é individual e intransferível, sem possibilidade de o contratado colocar eventualmente, ou de modo permanente, um substituto em seu lugar.

SUBORDINAÇÃO

O contratado é subordinado ao contratante, dentro dos limites da lei e no período de trabalho, ou seja, está a serviço do contratante, ao dispor dele.

HABITUALIDADE

No período do contrato, o vínculo de trabalho é permanente, não eventual, com frequência previamente determinada no contrato.

ONEROSIDADE

Indica que o contratante deve remunerar o contratado pelo serviço prestado. Ou seja, é empregada aquela pessoa (física) que se submete a trabalhar como subordinado para alguém
(pessoa física ou jurídica) em troca de salário fixo, com frequência predefinida e que trabalha de maneira contínua, não eventual.

O trabalho assalariado, próprio do vínculo empregatício, induz à competição entre a classe trabalhadora frente ao mercado de trabalho (contratantes), levando os trabalhadores
desempregados a se qualificar, capacitar e “reciclar” (termo que revela o caráter coisificado dos trabalhadores no modo capitalista de produção) para que possam competir na venda
de sua força de trabalho nos processos seletivos (cada dia mais individualizados), bem como leva os trabalhadores empregados a competir com os colegas e intensificar seu trabalho,
trabalhando além do período contratado (muitas vezes em casa, sem horas extras remuneradas) etc., tão somente pela sua manutenção na empresa contratante.

FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO
Nas últimas décadas, o mundo do trabalho tem enfrentado diversas crises que levaram a novas formas de relações de trabalho e, consequentemente, de remuneração. Na maioria
das vezes, o sistema capitalista enxerga no salário do trabalhador o motivo das crises e busca formas de resolver a situação para que garanta seus lucros. Quase sempre o incentivo
à flexibilização do trabalho é uma maneira de as empresas enfrentarem a competitividade numa economia internacionalizada, em que a palavra de ordem é a redução de custos. O
capital, normalmente, vai em busca de regiões periféricas do planeta onde os mercados estão desregulados, com baixos encargos sociais e mão de obra barata, levando a um
enxugamento de despesas, como se observa em países da Ásia, como a China, na Índia e na América do Sul. Com a flexibilização, as grandes empresas concentram suas atividades
no produto principal e terceirizam as atividades consideradas secundárias, subcontratando empresas. Uma empresa de refrigerantes, por exemplo, se dedica apenas à produção da
bebida, enquanto a fabricação de vasilhames (garrafas e latas) e a distribuição ao consumidor são terceirizadas.

Outra forma de trabalho terceirizado são as cooperativas de trabalho que surgem de modo induzido e supervisionado pelas empresas, instituindo o trabalho do tipo “associado”,
caracterizado pela inexistência dos direitos trabalhistas. Mesmo a empresa “supervisora” não detém responsabilidade sobre a mão de obra. O trabalho associado em cooperativas,
não raro, visa diminuir os gastos com a gestão da força de trabalho, mantendo, contudo, o controle da produção.

No Brasil, as cooperativas ganharam força a partir das políticas neoliberais implantadas no governo Fernando Collor, no início dos anos 1990, e levadas adiante no governo Fernando
Henrique Cardoso, com a privatização de empresas estatais, a reestruturação empresarial provocada pela abertura do mercado nacional a produtos importados, o aumento da
competitividade, o estabelecimento de políticas de demissão voluntária de empregados e as demissões decorrentes da eliminação de postos de trabalho e da busca de enxugamento
de custos.

O ideal da cooperativa encarna a flexibilidade das relações de trabalho evidenciada pela ausência de contratos e pela responsabilização do trabalhador. Sem salário fixo, em tese o
trabalhador se envolveria mais no trabalho, como maneira de garantir melhores ganhos. Contudo, o próprio Estado é falho no acompanhamento das cooperativas. A inexistência da
fiscalização do governo e o fim de incentivos fiscais e de políticas estatais para as cooperativas progressivamente reduziram os atrativos dessa forma de organização do trabalho para
as empresas.

A organização em cooperativas não está limitada ao setor fabril ou agrícola, onde é mais comum, mas alcança outros setores, inclusive de trabalhadores qualificados, como é o caso
de cooperativas de médicos e de professores. Especificamente neste último grupo, detentor de baixos salários, tanto na iniciativa privada quanto na rede pública, quando esses
profissionais integram cooperativas, chegam a ganhar três vezes mais por hora/aula, renunciando, porém, a todos os direitos trabalhistas.

No entanto, há formas de trabalho associado em cooperativas ou empresas denominadas de autogestionárias, aquelas organizadas e/ou assessoradas por organizações não
governamentais (ONGs) e sindicatos a partir da ocupação de fábricas em situação de falência onde os trabalhadores assumem o comando. Nesse tipo de atividade, os trabalhadores
precisam participar ativamente da gestão da empresa, tornando-se uma possibilidade diante do iminente desemprego motivado pela falência, mas também se constituindo uma
alternativa ao capitalismo ao reconstruir ideais do socialismo utópico.
Agora, vamos destacar a importância, as dificuldades e possibilidades das cooperativas, no âmbito da realidade brasileira.

SOCIALISMO E COOPERATIVISMO
Foi a partir das transformações econômicas e sociais impostas pela Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, especialmente sobre o trabalhador das indústrias e os mineradores,
que os primeiros socialistas desenvolveram o conceito de cooperativismo como “um ideal alternativo ao individualismo (o cooperativismo) e uma organização alternativa à empresa
capitalista (a cooperativa)” (COSTA apud PINHO, 1966). Esses pioneiros do socialismo, também chamados de socialistas utópicos, reivindicavam uma sociedade igualitária entre os
indivíduos, embora concebessem que a mesma sociedade poderia conservar diferenças na esfera econômica.

Robert Owen era membro da burguesia inglesa, dono de uma indústria têxtil onde começou a aplicar algumas mudanças nas relações de trabalho: reduziu a jornada de trabalho,
implantou escolas para os filhos dos trabalhadores, construiu vilas operárias e concedeu aumento de salários regularmente. Essas iniciativas o levaram ao socialismo associacionista
e cooperativista que originou o cooperativismo.

Fonte: Dcoetzee/Wikimedia commons/Domínio Público


 Retrato de Robert Owen, William Henry
Brooke, 1834.

ROBERT OWEN (1771-1858)

Foi um fabricante galês que se tornou reformador, um dos mais influentes defensores do socialismo utópico no início do século XIX. Suas fábricas de New Lanark, em
Lanarkshire, Escócia, com seus programas de bem-estar social e industrial, tornaram-se um local de peregrinação para estadistas e reformadores sociais. Ele também
patrocinou ou incentivou muitas comunidades experimentais “utópicas”, incluindo os Estados Unidos.

Fonte: Encyclopedia Britannica

Nos anos de 1830, Owen utilizou a “teoria do valor do trabalho”, desenvolvida pelos pais do liberalismo, Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), que tratava do direito
do trabalhador ao usufruto do seu trabalho, para criar um sistema em que cada produto tinha o seu valor definido conforme as horas de trabalho necessárias para a sua produção. O
dinheiro do pagamento pelo trabalho seria substituído por vales correspondentes ao número de horas trabalhadas que poderiam ser usados entre os trabalhadores, de acordo com
suas necessidades.
Owen defendia a substituição da sociedade individualista por uma sociedade fundada sobre os pilares da associação, em que a concentração de riquezas e de poder se
transformasse em acesso à saúde, à educação e à moradia. Robert Owen considerava que o cooperativismo seria capaz de fazer com que os pobres, desempregados e miseráveis
pudessem obter modos de melhorar suas vidas e conseguir se inserir na sociedade.

Fonte: Robbot/Wikimedia commons/Domínio Público


 Retrato de Charles Fourier, Hans F. Helmolt, 1901.

O comerciante francês Charles Fourier também é considerado um teórico socialista da linha utópica. Ele criticava a sociedade industrial e defendia a criação de associações para os
operários e a organização deles em cooperativas. Na sociedade idealizada por Fourier, o trabalho seria livre e os indivíduos se tornariam cooperados de maneira espontânea, sendo
que cada um trabalharia naquilo que fosse mais satisfatório, ao mesmo tempo que ajudava seus companheiros de trabalho a também satisfazer suas necessidades.

CHARLES FOURIER

François-Marie-Charles Fourier (1772-1837) foi um dos mais significativos representantes do socialismo utópico. Abandonando os estudos aos 17 anos, serviu no exército
durante a Revolução Francesa, empregando-se como balconista mais tarde. Escreveu, em seguida, o seu primeiro grande trabalho, Théorie des quatres mouvements et des
destinées générales (1808), em que considera a existência de uma ordem social natural. Desenvolveu depois a sua teoria no Traité de l'association domestique agricole
(1822). Autor de uma obra que se constitui como um projeto de reforma social muito ambicioso e sistemático, sua doutrina antecipou, em vários aspetos, o socialismo marxista e
a Psicanálise.

Fonte: Infopédia

Segundo Fourier, a sociedade seria regida pelos princípios da liberdade e da vida compartilhada, e todos, sem nenhuma distinção social, deveriam ter acesso à cultura, à educação e
às artes. A organização dessa sociedade se daria em grupos denominados falanges, que compartilhariam o mesmo espaço de trabalho, lazer e moradia, chamados de “falanstérios”,
edifícios onde os trabalhos e a convivência seriam voltados para produzir uma vida harmônica. Fourier chegou a criar vilas com essas características, mas que fracassaram em pouco
tempo.

Enquanto Owen e Fourier são identificados com uma visão utópica do socialismo, o filósofo Karl Marx é conhecido pela idealização de um socialismo real, também chamado de
científico. Para Marx, as cooperativas seriam a oportunidade para a sociedade romper com o capitalismo a partir de uma alternativa que se apresentava contrária à exclusão dos
operários e da apropriação indevida de sua mão de obra excedente. Marx também é contrário à interferência do Estado no cooperativismo, com subvenções ou regulamentação, uma
vez que, geridas pelos próprios operários, as cooperativas atuariam na emancipação de toda a classe operária. A partir do cooperativismo, toda a sociedade alcançaria o socialismo,
ou seja, Marx entende que o cooperativismo poderia ir além do aspecto econômico, abrangendo também a política.


[..] O FUTURO NOS RESERVA UMA VITÓRIA AINDA MAIOR DA ECONOMIA POLÍTICA DOS
PROPRIETÁRIOS. REFERIMO‐NOS AO MOVIMENTO COOPERATIVO, PRINCIPALMENTE ÀS FÁBRICAS
COOPERATIVAS LEVANTADAS PELOS ESFORÇOS DESAJUDADOS DE ALGUNS OPERÁRIOS AUDAZES
[...]. PELA AÇÃO, AO INVÉS DE PÔR PALAVRAS, DEMONSTRA QUE A PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA E
DE ACORDO COM OS PRECEITOS DA CIÊNCIA MODERNA PODE SER REALIZADA SEM A EXISTÊNCIA DE
UMA CLASSE DE PATRÕES QUE UTILIZA O TRABALHO DA CLASSE DOS ASSALARIADOS; QUE, PARA
PRODUZIR, OS MEIOS DE TRABALHO NÃO PRECISAM SER MONOPOLIZADOS, SERVINDO COMO UM
MEIO DE DOMINAÇÃO E DE EXPLORAÇÃO CONTRA O PRÓPRIO OPERÁRIO; E QUE, ASSIM COMO O
TRABALHO ESCRAVO, ASSIM COMO O TRABALHO SERVIL, O TRABALHO ASSALARIADO É APENAS
UMA FORMA TRANSITÓRIA E INFERIOR, DESTINADA A DESAPARECER DIANTE DO TRABALHO
ASSOCIADO QUE CUMPRE A SUA TAREFA COM GOSTO, ENTUSIASMO E ALEGRIA.
(MARX, 1983)

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. (2016 - AOCP - CISAMUSEP - PR - ADAPTADA)


DE ACORDO COM O DISPOSTO NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, CONSIDERA-SE EMPREGADO A:

A) Pessoa jurídica que prestar serviços de natureza eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário ou outra espécie de remuneração.

B) Pessoa física ou jurídica que prestar serviços de natureza eventual a empregador, ainda que sem dependência deste e mediante qualquer forma de remuneração.

C) Pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, ainda que sem a dependência deste e independentemente de salário ou remuneração.

D) Pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

E) Pessoa física ou jurídica que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante qualquer tipo de remuneração.

2. (ADAPTADO)
A ORGANIZAÇÃO COLETIVA E A COOPERAÇÃO FORAM FUNDAMENTAIS DESDE O INÍCIO DA HISTÓRIA HUMANA, POSSIBILITANDO O
DESENVOLVIMENTO DE CIVILIZAÇÕES E A OCUPAÇÃO DE TODAS AS REGIÕES DA TERRA. A COOPERAÇÃO TAMBÉM FOI E AINDA É
IMPORTANTE NA FORMAÇÃO E ESTRUTURA DAS SOCIEDADES MAIS RECENTES.

COM BASE NESSE CONTEXTO, LEIA ATENTAMENTE AS AFIRMATIVAS A SEGUIR.

O ESTABELECIMENTO DE RELAÇÕES DE COOPERAÇÃO POSSIBILITOU, AO HOMEM PRIMITIVO, CONSTRUIR E UTILIZAR ABRIGOS,


PROTEGER-SE DO ATAQUE DE PREDADORES E OBTER ALIMENTOS.

O TRABALHO COOPERATIVO APRESENTA UMA GRANDE IMPORTÂNCIA, COM BASE NA AJUDA MÚTUA E NO COMPARTILHAMENTO
DE OBJETIVOS COMUNS, COM MUITOS EXEMPLOS DESDE A ANTIGUIDADE.

O SURGIMENTO DE MODOS DE COOPERAÇÃO MODERNOS, COMO O COOPERATIVISMO E O ASSOCIATIVISMO, ESTÁ RELACIONADO


À MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA, NA DÉCADA DE 1970.

UMA RELAÇÃO MUITO PRÓXIMA PODE SER IDENTIFICADA ENTRE O COOPERATIVISMO E O ASSOCIATIVISMO, SENDO REFLEXO DOS
PRINCÍPIOS E DOS VALORES COMUNS ENTRE ESSAS DUAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO COLETIVA.

DAS AFIRMATIVAS ACIMA, SOMENTE:

A) IV é falsa.

B) III é falsa.

C) II é falsa.

D) I é falsa.

E) I e III são falsas.

GABARITO

1. (2016 - AOCP - CISAMUSEP - PR - ADAPTADA)


De acordo com o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, considera-se empregado a:

A alternativa "D " está correta.

Para existir vínculo empregatício, é preciso haver um contrato pessoal entre patrão (empregador) e contratado, devendo este permanecer ao dispor daquele no período (horário)
estabelecido em contrato. Além disso, deve haver um vínculo permanente, não eventual, que resulte na remuneração do contratado pelo serviço prestado.

2. (ADAPTADO)
A organização coletiva e a cooperação foram fundamentais desde o início da história humana, possibilitando o desenvolvimento de civilizações e a ocupação de todas as
regiões da Terra. A cooperação também foi e ainda é importante na formação e estrutura das sociedades mais recentes.

Com base nesse contexto, leia atentamente as afirmativas a seguir.

O estabelecimento de relações de cooperação possibilitou, ao homem primitivo, construir e utilizar abrigos, proteger-se do ataque de predadores e obter alimentos.

O trabalho cooperativo apresenta uma grande importância, com base na ajuda mútua e no compartilhamento de objetivos comuns, com muitos exemplos desde a
Antiguidade.

O surgimento de modos de cooperação modernos, como o cooperativismo e o associativismo, está relacionado à modernização da agricultura, na década de 1970.
Uma relação muito próxima pode ser identificada entre o cooperativismo e o associativismo, sendo reflexo dos princípios e dos valores comuns entre essas duas
formas de organização coletiva.

Das afirmativas acima, somente:

A alternativa "B " está correta.

O trabalho cooperativo existiu antes da institucionalização das cooperativas que, como empresas coletivas de trabalho e lucro compartilhado, surgiram como resposta às demandas
do capitalismo industrial. As formas associadas de trabalho são consideradas por muitos socialistas, como Karl Marx, um dos princípios de um modo de produção justo e que oferece
dignidade e solidariedade entre seus membros.

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho se caracteriza como uma categoria eminentemente humana, por se originar da criatividade que produz os bens necessários à subsistência e às suas mais variadas
necessidades, o que torna o homem um ser social.

Entendemos, por outro lado, que o trabalho pode se tornar fonte de alienação quando, sob a exploração do capitalismo, o trabalhador não reflete sobre a sua condição e gasta toda a
sua vida sem se perceber como sujeito. Tal ideia, como vimos, coisifica o trabalhador, que se comporta tal qual uma máquina.

As perspectivas de Weber, Marx e Durkheim sobre o trabalho, embora apresentem divergências de abordagens, partem do princípio de que o ser humano ocupa a centralidade no
mundo do trabalho.

Além do trabalho assalariado e da legislação trabalhista do Brasil, que rege a política salarial, estudamos outras formas de trabalho, como o trabalho associado e cooperativo. Embora
tenha origem no socialismo, fundamentado em ideais de solidariedade e companheirismo, o trabalho cooperativo também pode impactar o aumento da precarização da vida do
trabalhador, quando o capitalismo se apropria das cooperativas como maneira de baixar seus encargos e aumentar seus lucros.

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.

DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 4 ed. São Paulo: LTR, 2005.

DURKHEIM, É. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2013. v. II.

MARX, K.; ENGELS, F. Obras escolhidas. Lisboa: Edição Avante, 1983. Tomo II.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. 28. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. Livro I, v. 1.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2012.

PINHO, D. B. A doutrina cooperativa nos regimes capitalistas e socialistas. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1966.

SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2009.

EXPLORE+
Que tal aprender um pouco mais sobre o tema com um filme bacana? Veja as dicas a seguir.

A fábrica do nada

Entre o ensaio e o musical, A fábrica de nada é um filme de Pedro Pinho que conta a história de um grupo de operários que tenta salvaguardar seus postos de trabalho e evitar o
encerramento de uma fábrica a partir de um sistema de autogestão coletiva. Quando percebem que a administração está roubando máquinas e matérias-primas, os trabalhadores
decidem se organizar para impedir o deslocamento da produção. Como forma de retaliação, enquanto ocorrem as negociações para as demissões, eles são obrigados pelos patrões
a permanecer nos seus postos, sem nada que fazer.

Indústria americana

Primeiro filme produzido pela Higher Ground, companhia criada por Michelle e Barack Obama, é uma inversão de valores no sonho norte-americano. Por três anos (entre 2015 e
2017), os diretores Julia Reichert e Steven Bognar filmaram a reabertura da planta de uma fábrica em Ohio que havia sido fechada, em 2008, com a falência da General Motors (GM)
– símbolo da cultura norte-americana. Uma empresa chinesa compra as antigas instalações da GM e inaugura uma filial da Fuyao, indústria de vidros automotivos. Nesse processo,
traz centenas de funcionários chineses para “acompanhar” os trabalhadores norte-americanos, que veem seus direitos trabalhistas totalmente negados.

CONTEUDISTA
Alex Andrade Costa

 CURRÍCULO LATTES

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