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O DEPÓSITO JUDICIAL COMO GARANTIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: ANÁLISE

DO ART. 151, II, DO CTN

Denise Lucena Cavalcante


Procuradora da Fazenda Nacional, Professora de Direito Tributário e
Financeiro da UFC, Doutoranda pela PUC/SP

Em matéria tributária é permitido ao


contribuinte depositar judicialmente o crédito que pretende
discutir, obtendo assim, a suspensão da exigibilidade do mesmo
nos moldes do art. 151, do Código Tributário Nacional, hoje com a
seguinte redação:

Art. 151. Suspendem a exigibilidade do


crédito tributário:
I – a moratória;
II – o depósito do montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos
termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado
de segurança;
V – a concessão de medida liminar ou de
tutela antecipada, em outras espécies de ação
judicial;
VI – o parcelamento.1

Observa-se que nem todas as formas de


suspensão da exigibilidade do crédito tributário têm a finalidade
de questioná-lo, como a moratória e o parcelamento, que visam,
tão-somente, elastecer o prazo de pagamento do tributo devido.

1
Os incisos V e VI foram incluídos neste artigo pela Lei Complementar n. 104, de 10/01/2001.

1
As demais formas previstas no artigo supra
citado, questionam a existência do próprio crédito tributário,
buscando os benefícios da suspensão da sua exigibilidade,
enquanto discutem a existência do vínculo jurídico obrigacional
entre Fisco e contribuinte.2

O depósito judicial do montante integral do


tributo é uma das formas de discutir a existência crédito
tributário, evitando os encargos da inadimplência.

O contribuinte ao fazer o depósito


voluntariamente, provoca a atividade jurisdicional preventiva do
Estado.

Quando ciente do depósito, o juiz utiliza seu


poder geral de tutela, resguardando os direitos do contribuinte
de usufruir os benefícios da suspensão da exigibilidade do
crédito, bem como, os direitos da Fazenda Pública, que no caso de
decisão ao seu favor, não necessita ingressar com outro processo
(execução fiscal) para efetivar o comando contido na sentença.3

O depósito estabelece uma relação de garantia


entre as partes, que terão a certeza que ao final da lide o
Judiciário autorizará o levantamento por quem de direito.

Não sendo o depósito obrigatório e nem a


única forma de suspensão da exigibilidade do crédito, uma vez
efetivado, o contribuinte deve estar ciente da indisponibilidade
dos recursos depositados, não podendo levantá-los antes do

2
“O depósito não é o pagamento, é garantia que se dá ao sujeito credor da obrigação tributária, num procedimento
administrativo ou em ação judicial, no sentido de que, decidido o feito, se o depositando sucumbe, o valor
depositado é levantado pelo credor, extinguindo-se, dessa forma, a obrigação.” (Amaro, Luciano. CURSO DE
DIREITO TRIBUTÁRIO, 5a ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2000, p. 361).
3
O Prof. Hugo de Brito Machado afirma: “O depósito é ato do contribuinte que, por haver ingressado em juízo para
impugnar a cobrança do tributo, coloca o valor correspondente à disposição do juízo, para garantir a efetividade da
decisão que porventura a final venha a ser proferida a favor da Fazenda Pública na ação correspondente.” (“Depósito
Judicial e Lançamento por Homologação”, Revista Dialética, n 49, outubro/99, p. 53).

2
trânsito em julgado, pois, se assim fosse permitido, haveria uma
ruptura desta relação de garantia.

Neste sentido, bem explica Bernardo Ribeiro


de Moraes:

“Ao lado da obrigação tributária, com o


depósito do valor integral do crédito
tributário, surge uma nova relação jurídica,
com condições próprias de existência mas a
ela unida pelo destino do valor patrimonial
da prestação que contém, dando estabilidade
ao direito do credor. Essa relação jurídica
destina-se a assegurar o cumprimento da
obrigação da obrigação tributária, sendo
4
denominada relação de garantia.”

Sendo o depósito judicial uma garantia, e não


pagamento ou consignação do valor devido, cabe ao Poder
Judiciário, como depositário, exercer sua tutela, resguardando
esta nova relação, até decisão final transitada em julgado.

A garantia5 é vista aqui como uma associação


baseada no princípio triádico da interpretação, existindo o que é
garantido (o montante integral do crédito tributário); o
garantidor (o contribuinte) e o beneficiário (quem ao final for
declarado como tal).

4
“Compêndio de Direito Tributário”, 3a ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 413.
5
Concepção adotada com fulcro na definição de Nicola Abbagnano in “Dicionário de Filosofia”, 2a ed., Ed. Martns
Fontes, São Paulo, 1999, p. 478.

3
Garantia, por conceito, significa a obrigação
que uma pessoa tem perante a outra de indenizar pelo dano
sofrido, ou de assegurar o gozo de uma coisa ou de um direito.6

Tal qual no Direito Privado, esta garantia é


o meio legal do credor de se resguardar contra a insolvência do
devedor, e este, de não sofrer os encargos e prejuízos da mora.

No processo tributário, o depósito judicial,


com a finalidade de discutir o crédito tributário, é ato
voluntário, podendo o contribuinte garantir ou não a relação
processual.7

Por ser ato voluntário do contribuinte,


resultando de determinação legal (art. 151, II, CTN), não tem
natureza contratual.8

A natureza não contratual do depósito em


questão, justifica-se na ausência de um dos requisitos
indispensáveis para a caracterização dos contratos que é o acordo
de vontades, tendo em vista que não há a necessidade de anuência

6
Conceito extraído do “Dicionário Jurídico”, Org. Deoclesiano Tonieri Guimarães, 4a ed, Ed. Rideel, São Paulo,
2000, p. 85.
7
Ressaltamos a questão da conveniência do contribuinte, que tem a possibilidade de ajuizar ação anulatória de débito
fiscal sem o respectivo depósito, assumindo, contudo, as conseqüências da não suspensão da exigibilidade do crédito
tributário, conforme determina o art. 38, da Lei 6.830/80. A Súmula 247 do extinto TFR – Tribunal Federal de
Recursos - também assim já afirmava: “Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito
de que cuida o art. 38, da Lei n. 6.830/80”.
8
Com a devida vênia, não concordamos com a posição do Prof. Hugo Machado quando afirma que o depósito
judicial tem natureza contratual: “(...) Não depósito, porque este em sentido próprio, é um contrato. Contrato que
tem por objeto uma coisa – no caso uma quantia em dinheiro.” (in “Extinção dos Depósitos na Garantia do
Juízo”, Revista Dialética, n.41, p. 13).
Porém, o fato de considerarmos o depósito judicial, decorrente do art. 151, II, do CTN, sem natureza contratual,
não significa que não tenham outros depósitos decorrentes de contratos. Os depósitos podem surgir por vários
motivos, quer sejam contratuais, extracontratuais ou mesmo forçados.
Neste sentido define De Plácido e Silva: “DEPÓSITO – derivado do latim “ depositum”, de “deponere” (na ação
de consignar ou confiar), em sentido lato quer significar todo ato pelo qual se entrega a uma pessoa qualquer
espécie de bem ou valor, ou se lhe confia a guarda determinada pessoa, para que consigo a conserve, até que lhe
seja pedida a restituição ou entrega. Neste conceito, o depósito entende-se ato, porque se refere a toda e qualquer
entrega, voluntária ou necessária, em virtude da qual ficará a coisa ou a pessoa sob guarda ou custódia de
outrem. E tanto define o depósito resultante de contrato, como o que se faz por determinação legal, ou o que se
promove para livrar-se de encargos ou obrigações” ( “Vocabulário Jurídico” , 17a ed., Atualizadores Nagib Slabi
Filho e Geraldo Magela Alves, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2000, p..253).

4
da Fazenda Pública, que se limita a averigüar a integralidade dos
valores depositados.

Analisado no âmbito contábil, encontramos


observação interessante de José Wilson Ferreira Sobrinho, que
define o depósito judicial como um negócio jurídico pendente:

“ Negócio jurídico pendente é aquele que se


encontra diferido relativamente à disposição
física. Em linguagem contábil: ativo diferido
ou ativo a realizar.
(...) O depósito judicial apenas
momentaneamente – enquanto não houver solução
da controvérsia – padecerá de
indisponibilidade econômica. Isso é o que
caracteriza o negócio jurídico pendente. A
titularidade jurídica, todavia, pertencerá ao
depositante, o que constitui fato gerador do
9
Imposto de Renda Pessoa Jurídica.”

O DEPÓSITO JUDICIAL E O PRINCÍPIO DA


SEGURANÇA JURÍDICA

O princípio da segurança jurídica, visto como


a segurança através do Direito, visa isolar o objeto de interesse
das partes (o valor depositado) enquanto durar a lide, garantindo
a estabilidade da relação jurídica.

9
“Transferência de Depósitos Judiciais e Extra-judiciais para o Tesouro Nacional” in “DIREITO
TRIBUTÁRIO – TEMAS PONTUAIS”, Ed. Forense, Rio de Janeiro , 2001, p. 158.

5
No caso do depósito judicial há uma previsão
de uma conseqüência jurídica durante o período da efetivação do
depósito e ao término da questão pendente, devendo os valores
reverterem para quem de direito, conforme determinado pelo Poder
Judiciário.

A liberação dos valores depositados, ou sua


conversão em renda, antes da definitividade da ação, gera a
instabilidade da relação processual.

Por isso, é imperioso que as partes estejam


cientes da nova relação que se instaura com o depósito judicial,
onde ambas devem se submeter as obrigações e restrições dali
decorrentes, especificamente, a indisponibilidade dos valores por
parte do depositante e a impossibilidade de cobrança e não
caracterização da mora por parte do Fisco.

É preciso entender a seguridade jurídica no


seu significado mais amplo, instrumentalizando a garantia de
interesses.10

Portanto, se autorizado o levantamento do


depósito, antes do trânsito em julgado da ação, além da quebra da
relação jurídica, haveria uma violação ao princípio da segurança
jurídica, que seria argüida no interesse do crédito público que
estava, até então, com sua exigibilidade suspensa, propiciando
ao contribuinte o usufruto dos benefícios daquela suspensão.

10
Em relação a segurança jurídica, destacamos um trecho da brilhante obra do Prof. Cesar Garcia Novoa, da
Universidade de Santiago de Compostela: “Pero la seguridad que deriva de la existencia del Estado no puede
localizarse sólo en su condición de poder público componedor de conflictos. El Estado, que adquiere su máxima
expresión en tanto juridificación del poder público, expresa también la seguridad a través de su función de
garantía. Por ello, la seguridade en el Estado no podrá ser outra cosa que la seguridad mediante la positividad del
Derecho: seguridad, por una parte, previa al conflicto, entendida como la existencia de instrumentos tuteladores de
intereses individuales. Y seguridad, por otra parte, en tanto componedora y armonizadora de tales intereses cuando
los mismos colisionen en eventuales conflictos.” (“El concepto de Seguridad Juridica”, Marcail Pons, Ediciones
Jurídicas y Sociales, S.A., Madrid, 2000, p.23).

6
É preciso ressaltar que a voluntariedade é
característica do ato de depositar. Uma vez feito o depósito,
surge uma nova relação e não há mais que se falar em
voluntariedade no ato de levantar o depósito.

Realizado o depósito o contribuinte se


submete a esta nova relação, que lhe dá benefícios e também ônus
e obrigações, tais como, aguardar o final da lide.

Se liberado o depósito, ante a mera


solicitação do contribuinte, estaria descaracterizada a função
cautelar, pois a cobrança posterior pela Fazenda Pública, se
fosse o caso, mesmo com os encargos moratórios, não evitaria a
lesão irreparável sofrida pelo Estado, que teria o crédito
indisponível por todo o tempo em que houvesse o interesse da
parte depositante, além do que, neste lapso de tempo geraria uma
injusta situação em relação aos demais contribuintes que estavam
em dia suas obrigações fiscais, violando, assim, o princípio da
isonomia.

Se assim ocorresse, o depósito judicial, tal


qual as demais garantias creditícias, perderiam sua finalidade
precípua que é a segurança do crédito.

Por oportuno, tomamos emprestada a expressão


do Prof. Sacha Calmon Navarro Coelho que afirma com veemência que
“não se pode ficar a brincar de fazer e retirar depósitos
judiciários”, esclarecendo ainda:

“ Aqui não importa discutir ser ou não


voluntário o depósito. Qualquer que seja sua
gênese , se integral, o depósito suspende a
exigibilidade do crédito tributário e

7
transfere para o Judiciário o controle da
tributação.

Portanto, com a devida vênia,


entendemos que os depósitos feitos em juízo
não podem ser unilateralmente retirados. Eles
suspendem a exigibilidade do crédito, e as
decisões judiciais definitivas que declaram a
existência do dever de pagar ou que validam
os atos de exigência do crédito tributário
11
respaldam a sua conversão em renda.”

Em relação a questão ora tratada, a


jurisprudência tem se inclinado conforme nosso entendimento,
porém não é unânime.12

Destacamos as que corroboram nossa posição,


conforme exemplo abaixo:

" AFRMM - CRÉDITO - SUSPENSÃO -


EXIGIBILIDADE - DEPÓSITO - LEVANTAMENTO -
SENTENÇA - TRÂNSITO EM JULGADO. O depósito
efetuado para suspender a exigibilidade do
crédito tributário é feito também em garantia
da Fazenda e só pode ser levantado após
sentença final transitada em julgado, se

11
“A Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário”, Revista Dialética n. 43, Ed. Dialética, São Paulo,
1999, p.146.
12
Em sentido contrário: RESP 177684/SP DATA:01/08, Relator Min. PAULO GALLOTTI , 2a TURMA
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AFRMM. DEPÓSITO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO. LEVANTAMENTO. POSSIBILIDADE. 1. Extinto o processo sem
exame do mérito, cabível o levantamento, pelo contribuinte, do valor depositado com o objetivo de suspender a
exigibilidade do crédito tributário. 2. Recurso especial não conhecido. Também no mesmo sentido RESP 177940-SP
(STJ).

8
favorável ao contribuinte. Se o desembaraço
aduaneiro de mercadorias ocorreu sem o
recolhimento do AFRMM, em razão de liminar
deferindo o pedido de depósito da
importância correspondente a esta exação,
caso extinto o processo, fica sem efeito a
liminar, não autorizando o levantamento do
depósito que deve ser convertido em renda da
União. Recurso provido." Acórdão RESP
227958/SP ; RECURSO ESPECIAL (1999/0076309-2)
- DJ 07/02/2000, p.128, Relator Min. GARCIA
VIEIRA, Data da Decisão 18/11/1999 ,Orgão
Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA. No mesmo RESP
267587/SP; DJ 27/11/2000.

No mesmo diapasão, há jurisprudência de


outros Tribunais, constituindo, inclusive, matéria sumulada pelo
Colendo TRF 4ª Região, a exemplo do que revelam as transcrições
abaixo:

"TRIBUTÁRIO - DEPÓSITO - LEVANTAMENTO.


O contribuinte, ao optar pelo depósito,
ofereceu uma garantia ao Fisco, de acordo com
a previsão legal. Por isto, nenhuma outra
providência foi tomada, razão porque somente
com a concordância da Fazenda, sob pena de
quebra do princípio da igualdade de
tratamento da parte, o dinheiro poderá ser
levantado ou substituído por outra garantia,
por mais idônea que seja." (AgRg no Agravo
der Instrumento n. 93.01.23539-0-DF, Rel.

9
Juiz Fernando Gonçalves, TRF - 1ª Região, 3ª
T., DJU 28.02.94, p. 6445).

" O depósito judicial destinado a suspender


a exigibilidade do crédito tributário somente
poderá ser levantado, ou convertido em renda,
após o trânsito em julgado da
sentença."(Súmula n. 18-TRF 4ª Região - DJU
06.12.93, p. 53411).

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

Os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade são de fundamental importância na aplicação do
Direito e satisfação da Justiça.

A razoabilidade contrapõe-se a racionalidade,


diante da insuficiência de seus critérios, permitindo soluções
que não seriam possíveis no estrito campo do formalismo, e
auxiliando na fundamentando das “decisões jurídicas razoáveis”.

Adotamos aqui a definição de Manuel Atienza que


assim define a “decisão jurídica razoável” :

“(...) una decisión jurídica es razonable en


sentido estricto si, y sólo si, 1) se toma en
situaciones em que no se podría , o no seria
aceptable, adoptar una decisión estrictamente
racional; 2) logra un equilibrio óptimo entre las
distintas exigencias que se plantean en la
decisión, y 3) obtiene un máximo de consenso. La
definición en cuestión y el análisis que la
precede deberían valorarse más o menos

10
positivamente, en la medida en que hayan
alcanzado los dos siguientes objetivos: 1)
ofrecer una reconstrucción de la noción de lo
razonable en el Derecho (en el campo de análisis
delimitado) que suponga una síntesis – y no una
simple amalgama – de los diversos elementos
que ordinariamente se conectam con la idea, y 2)
proponer una noción de lo razonable que no pueda
usarse simplemente para justificar, en calidad de
tal, prácticamente cualquier solución que pueda
adoptarse ante un caso difícil o trágico, sino
que contenga una cierta potencialidad critíca,
esto es, que pueda utilizarse como como un
criterio, o un esquema de criterio, que permita
justificar que una determinada interpretación o
decisión es preferible (está más justificada)
que otra.”13

Evidente que o razoável é característica inerente


do próprio Direito, tendo assim definido Chaim Perelman14 que
todas as decisões jurídicas devem ser razoáveis. Este é o sentido
amplo do conceito de razoabilidade.

Nos interessa aqui tratar do sentido estrito deste


conceito para justificar e fundamentar coerentemente a decisão
jurídica de manter os depósitos judiciais até o trânsito em
julgado da lide que questiona o crédito fiscal, proporcionando o
equilíbrio da relação processual.

13
“SOBRE LO RAZONABLE EN EL DERECHO”, Revista Española de Derecho Constitucional, Año 9, núm. 27,
Septiembre-Diciembre, 1989, pp. 108/109.
14
Na obra clássica “ÉTICA E DIREITO’’ (Trad. de Maria Ermantina Galvão, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2000,
p. 429) Chaim Perelman afirma: “(...) o desarrazoado não pode ser admitido em direito, o que torna fútil qualquer
tentativa de reduzir o direito a um formalismo ou positivismo jurídico. (...) O que é essencial é que, num Estado de
direito, quando um poder legítimo ou um direito qualquer é submetido ao controle judiciário, ele poderá ser
censurado se for exercido de forma desarrazoada, portanto, inaceitável.”

11
Na pretensão de liberação dos depósitos judiciais,
existe um conflito de valores e de interesses, onde de um lado
está o contribuinte alegando seu direito de propriedade, e de
outro o Fisco, alegando o interesse público decorrente do
crédito fiscal: exigências que se contrapõe.

O equilíbrio é alcançado quando o juiz decide pela


manutenção do depósito garantindo a propriedade do contribuinte
(com restrições) e a garantia do crédito fiscal (também com
restrições). Isto se adequa ao conceito de razoável.

A liberação do depósito ou a conversão em renda


para o Fisco, se antecipadamente, desatende o equilíbrio da
relação.

As decisões jurídicas devem orientar-se de acordo


com o equilíbrio e não com compromissos que implicam em
15
interesses (econômicos, sociais, políticos, etc).

A manutenção do depósito judicial até o trânsito


em julgado da ação é, sem dúvida, apesar das restrições para
ambos as partes, a medida menos lesiva, atendendo também o
princípio da proporcionalidade, onde o juiz faz uso de
instrumentos de ponderação e contrapeso valorativo na resolução
do caso concreto.16

15
Manuel Atienza trata com propriedade este tema: “La segunda consideración se basa en la distinción que puede
trazarse entre equilibrio y compromiso, y la configuración de los órganos de decisión jurídicos (por lo menos, de
las instancias jurídicas clásicas) como órganos que deben orientarse de acuerdo con el primero y no con el
segundo de estos conceptos. (...) Para que exista un compromiso basta con que las partes que intervienen en el
mismo o los afectados por él lo acepten como el mejo resultado (o el menos malo) para ellos; en el equilibrio se
necesita que el resultado sea además correcto: no sólo el mejor, sino, de alguna manera, bueno. Por ello también,
mientras que el compromiso puede vincularse con un consenso de tipo fáctico, el equilibrio requiere un consenso
de tipo ideal o racional.” (Ob. Cit., p. 102).
16
O Prof. Willis Santiago Guerra Filho define o princípio da proporcionalidade como o “princípio dos princípios,
explicando em seu livro: “A idéia de proporcionalidade revela-se não só como um importante – o mais importante,
como já propusemos aqui e em seguida reafirmaremos – princípio jurídico fundamental, mas também um
verdadeiro “topos” argumentativo, ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral,
de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do Direito em seus diversos ramos, como
também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir

12
Se decidido de forma contrária, vê-se de perto o
desequilíbrio das outras decisões possíveis, por exemplo:

1) Se autorizado o levantamento do depósito pelo requerente:


prejuízo do interesse público que perde a garantia do crédito
fiscal em discussão, tendo que ajuizar futura ação de cobrança
– execução fiscal (caso a ação seja improcedente);

2) Se autorizada a conversão em renda para a Fazenda – prejuízo do


interesse do particular que terá que ajuizar futura ação de
cobrança – repetição de indébito (caso a ação seja procedente).

A manutenção do depósito sob tutela do Poder


Judiciário é a decisão menos lesiva aos interesses em questão,
onde há restrições para as partes na mesma proporção: o
particular, que tem seu patrimônio indisponível, e o Fisco, que
tem a exigibilidade do crédito suspenso.

ASPECTOS PROCESSUAIS DO DEPÓSITO

Entendemos que o depósito, cuja finalidade


seja suspender a exigibilidade do crédito tributário, dispensa
processo judicial específico, podendo ser efetivado diretamente
no banco competente e comunicado nos autos que discutirá a sua
certeza e liquidez.

Porém, ainda é comum a prática de ajuizar


ação cautelar ou ação preparatória de depósito, conforme admite o
Superior Tribunal de Justiça.17

determinado objetivo.” (“PROCESSO CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS”, Celso Bastos


Editor, São Paulo, 1999, p.72).
17
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR E AÇÃO DECLARATÓRIA. POSSIBILIDADE. DEPÓSITO
VIA CAUTELAR. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS CONCESSIVOS. 1. Ação declaratória pode ser antecedida
de cautelar preparatória. 2. A jurisprudência da Corte é firme em admitir o depósito via cautelar se presentes os

13
Quando o depósito judicial é feito através do
procedimento cautelar, o Código de Processo Civil define, no art.
806, o prazo de 30 dias para ajuizar a ação principal, onde será
discutido a questão de mérito.

Este prazo é peremptório, portanto, se não


proposta ação principal, no prazo legal, a ação cautelar perde
sua eficácia. Isto implica na perda da eficácia da ação e não a
perda dos efeitos decorrentes da ação cautelar. A relação já foi
formada e surgem conseqüências para as partes.

José Frederico Marques expôe com clareza em


seu “Manual de Direito Processual Civil”:

“No art. 806 vem imposto ônus processual ao


autor, visto que se lhe determina que
proponha a ação principal em até 30 dias. É
que, desatendida essa determinação legal,
fica perempto o processo cautelar (art. 808,
I, CPC).
Além disso, o descumprimento do ônus
pode dar causa também, à reparação do dano,
se prejuízo sofrer a parte contrária com o
requerimento da medida cautelar (art. 811,
III, CPC).
De concluir, portanto, que o art. 806
impõe, simultaneamente, ônus e obrigação a
quem requerer processo cautelar
18
preparatório.”

pressupostos concessivos. 3.Recurso não conhecido. Por unanimidade, não conhecer do recurso. (RESP 42084/SP;
DJ , 01/02/1999, Rel. Min. Adhemar Maciel).
18
“Manual de Direito Processual Civil”, Ed. Milennium, 2a ed., Vol. IV, atualizado por Vilson Rodrigues
Alves, Campinas/SP, 2000, pp. 515/516.

14
Portanto, não ajuizada a ação principal, o
depósito que visava a suspensão da exigibilidade do crédito
poderá ser convertido em renda do Fisco.

Tal medida justifica-se nos princípios da


razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista que o
contribuinte usufruiu dos benefícios da suspensão do crédito até
então.

Da mesma forma, também não cabe o


levantamento dos depósitos quando extinta a ação sem julgamento
do mérito, como por exemplo, se o Poder Judiciário entender a
inadequação da via mandamental para determinado pleito.

Muitas vezes, até o trânsito em julgado da


sentença, que pode ocorrer após muitos anos, fica o requerente
usufruindo dos benefícios da suspensão da exigibilidade do
respectivo crédito.

Irrazoável, pois, que após anos, julgada a


ação extinta, o contribuinte levante o depósito sob o mero
argumento de que ficaria suscetível à cobrança executiva e suas
respectivas conseqüências.19

19
Com a devida vênia, não podemos compartilhar de decisões que permitem o levantamento do depósito, sob a
equivocada argumentação de que a voluntariedade assim o permitiria: “Tenho que assiste razão à impetrante,
contudo, no que diz respeito ao levantamento dos depósitos judiciais em razão de sua voluntariedade. Com efeito,
a sentença de primeira instância, que havia concedido a segurança, foi objeto de Apelação junto ao Eg. TRF da
5 a Região. No julgamento do recurso, aquele Tribunal, acompanhando o voto do Eminente Juiz Relator, Dr.
Ridalvo Costa, resolveu extinguir o processo sem exame do mérito, por não ser adequada a via do mandado de
segurança. Ademais, verifico que os depósitos judiciais efetivados pela impetrante foram voluntários, de forma a
suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, II, do CTN. Nestas condições, a extinção do
processo sem exame do mérito nenhuma conseqüência traz para a disponibilidade dos referidos depósitos,
descabendo-se falar em conversão dos mesmos em favor da Fazenda Nacional. 6. É evidente que a impetrante,
sabendo-se em débito para com a Fazenda Nacional, estará se sujeitando aos percalços de futura e certa
execução fiscal, posto que não procedeu ao recolhimento integral do FINSOCIAL, nos moldes instituídos pelo
Decreto-Lei n. 1.940/82, conforme atesta a certidão positiva, com efeitos de negativa, de fls. 147. 7. Ante o
exposto, acolho o pedido da impetrante para levantamento dos depósitos judiciais efetivados (...).” (Processo
90.0025315-9 – 2a Vara – JF/CE). Grifos nossos.

15
Destarte, é imperioso que o Poder Judiciário
cumpra efetivamente seu poder de tutela das relações processuais,
não permitindo o desequilíbrio processual.

Há ainda o caso onde o depósito é feito antes


do lançamento, implicando na própria constituição do crédito
20
tributário.

Já no caso em que ajuizada a ação principal,


e sendo esta indeferida por vícios formais, há jurisprudência
afirmando que mesmo com o indeferimento da ação principal, a ação
cautelar continuaria produzindo seus efeitos no que diz respeito
a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.21

Porém, preferimos insistir na concepção de


que o depósito existe por si só, não sendo necessário sequer
provimentos cautelares. Afinal, o que garante a suspensão da
exigibilidade do crédito não é a ação cautelar, mas, sim, o
próprio montante depositado.

Neste caso específico, a ação foi ajuizada em 1990 e o trânsito em julgado no ano 2000. Portanto, durante
exatamente 10 anos, a requerente ficou com seu crédito suspenso. Ao final, mesmo admitindo que parte do
FINSOCIAL é devido, ainda assim, autoriza o Poder Judiciário o levantamento deste percentual devido ao Fisco. Eis
um exemplo claro de decisões “desproporcionais e irrazoáveis”.
20
Partimos da premissa que embora o lançamento seja ato privativo da autoridade administrativa, a constituição do
crédito não o é . O lançamento não é a única forma de constituir o crédito tributário e isto se aplica ao presente caso,
onde há o depósito judicial de tributos ainda não lançados. Este depósito corresponde ao início do procedimento de
constituição do crédito, evitando, inclusive, a alegativa posterior de decadência. A doutrina dominante ainda adota
como dogma a concepção de que o lançamento seja a única forma de constituição do crédito.
21
Reis Friede trata desta questão na seu livro “DEPÓSITOS JUDICIAIS – ASPECTOS FISCAIS E
TRIBUTÁRIOS”, Ed. Forense Universitária, 1a ed., 1994 - citando a decisão da 3a Turma, do TRF da 1a Região,
DJU de 20.08.92, Relator Juiz Vicente Leal: “Processo Civil. Medida Cautelar de Depósito. Deferimento.
Extinção da Ação Principal. Inobstante o princípio de que o acessório segue o principal, a extinção da ação
declaratória principal, por indeferimento da inicial, não acarreta a extinção de medida cautelar de depósito,
requerida para fins de suspensão da exigibilidade de crédito tributário. Apelação provida. Ac. unânime.”

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