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O que é uma pesquisa conceitual? Uma forma de tentar responder a essa questão
consiste em, primeiramente, delimitar o objeto de estudo desse tipo de pesquisa.
Investigações conceituais sempre são relativas a uma teoria particular.
Entendo “teoria” como um corpo coerente de conhecimentos sobre um campo de
objetos, a teoria psicológica pode ser entendida como um conjunto de enunciados verbais
a respeito do campo psicológico.
Os enunciados verbais de uma teoria psicológica compõem uma trama conceitual
ou uma rede de conceitos que fornecem uma definição e explicação dos fenômenos
psicológicos.
Na medida em que a trama conceitual que compõe uma teoria é escrita, a teoria
psicológica pode ser considerada como um texto. Desse modo, a pesquisa conceitual pode
ser definida como uma interpretação da teoria ou do texto psicológico.
Para a construção dessa interpretação, a pesquisa conceitual pode assumir
diferentes níveis de análise da teoria ou texto psicológico.
Em um nível mais restrito, a investigação conceitual interroga e interpela a teoria
psicológica sondando os conceitos nucleares da teoria, seus significados e suas
gramáticas. Trata-se de fazer um escrutínio da teoria psicológica, explicitando as regras
que regulam o uso de conceitos da teoria em diferentes contextos.
A pesquisa conceitual pode partir para um nível de análise sistêmico, mostrando,
que em uma teoria, um dado conceito está associado a outras noções ou conceitos, e que
sua compreensão exige justamente a explicitação dessa rede de relações.
Ainda nesse nível de análise, o conceito pode ser investigado em diferentes textos
de um mesmo autor, dando visibilidade às suas eventuais mudanças e inflexões (isto é,
sua evolução).
Outro nível de análise conceitual seria interpelar os conceitos psicológicos com as
categorias da filosofia, dando relevo às afinidades filosóficas do núcleo conceitual de uma
teoria psicológica.
Isso permitiria filiar o texto psicológico a certos compromissos filosóficos, como
determinadas metafísicas epistemologias, teorias éticas, ideologias políticas, e assim por
diante (cf. exemplos pág. 44).
Mas o esclarecimento conceitual do texto também pode advir de uma análise
histórica dos conceitos, já que eles, e o próprio texto, estão situados em uma dada época
e cultura.
Nessa perspectiva, o conceito é contextualizado em um dado período histórico ou
em diferentes períodos.
Situar o núcleo conceitual do texto em sua moldura histórica significa também
acionar um exame das visões de mundo que vigoravam em uma dada época, sondando
uma gama de aspectos culturais: metafísicos, éticos, estéticos, etc.
Para tanto, a dimensão histórica da pesquisa conceitual faz perguntas contextuais
e procura respostas na história intelectual e cultural do texto.
Assim, a pesquisa conceitual, a depender de suas dimensões de análise, envolve
uma análise intertextual, na qual são examinadas as inter-relações entre texto psicológico,
pressupostos filosóficos e contexto histórico.
Esses diferentes níveis de análise mostram que, do ponto de vista da história,
filosofia e sociologia das ciências, a pesquisa conceitual pode assumir contornos mais
internalistas, quando se volta estritamente para uma análise do uso de um conceito, de
sua rede conceitual, ou de seus pressupostos filosóficos.
Mas quando abrange também a análise histórica dos conceitos, a pesquisa
conceitual pode acabar ofuscando os limites entre internalismo e externalismo.
Tende em vista as suas diferentes possibilidades de análise, uma pesquisa
conceitual exige do pesquisador uma série de habilidades.
Por exemplo, ela requer um relativo domínio da teoria psicológica que se quer
investigar. A depender do escopo da investigação proposta, pode ser demandando: I. o
estudo de um conceito em um único texto de um autor; II. a investigação e um conceito
em vários textos de um mesmo autor; III. o exame de dois ou mais conceitos em um ou
vários textos de um mesmo autor.
Em cada uma dessas propostas de estudo exige-se um grau de familiaridade
distinto com a teoria psicológica sob investigação. Em uma pesquisa ainda mais ampla,
na qual um ou mais conceitos seriam examinados em textos de diferentes autores, o
intérprete teria que dominar as teorias envolvidas nessa proposta de pesquisa.
Supondo ainda que algumas teorias psicológicas podem ser consideradas
científicas, é necessário conhecer as discussões basilares em ciência para situar
minimamente o núcleo conceitual em exame nesse âmbito.
Como a pesquisa conceitual também pode envolver uma intertextualidade, o
intérprete precisa não apenas exibir um razoável nível de domínio com respeito à teoria
psicológica de interesse, mas também ter uma formação mínima em filosofia e história
das ciências.
Já a análise histórica dos conceitos, pode mobilizar algumas técnicas de
investigação típicas do historiador, como o escrutínio de diferentes tipos de documentos.
A depender do nível de complexidade da investigação pretendida, o pesquisador
conceitual precisa, portanto, de uma formação plural, como cientista, filósofo e
historiador, de modo a propiciar um conhecimento suficiente para esclarecer os diferentes
sentidos dos conceitos do texto psicológico.
A origem de tal acepção remonta à atividade de exegese dos textos bíblicos, que
busca por um sentido verdadeiro e, portanto, único desses textos.
Pode-se dizer, então, que o texto é fechado, ou seja, há apenas um significado ou
itinerário possível, cabendo ao intérprete descobri-lo, trilhando o curso interpretativo
correto.
Uma pesquisa conceitual orientada por essa concepção de interpretação pressupõe
que o significado de um conceito está latente no texto, esperando que um intérprete
qualificado o traga à tona.
Esse modo de considerar a interpretação traz consigo ainda outra característica
clássica: a defesa da autoridade, que, nesse caso, é o intérprete qualificado para desvendar
o verdadeiro significado do texto.
Uma das críticas a essa concepção clássica de interpretação é que a descoberta do
significado originário da obra ou da intenção do autor, em relação aos leitores de seu
tempo, é praticamente impossível.
O leitor, ao interpretar um texto, o faz a partir de sua própria história de vida
pessoal e cultural, não podendo mais captar todas as condições que estavam presentes
quando da gênese do texto.
Mesmo que essa dificuldade possa ser contornada, por meio de um mapeamento
exaustivo de fontes bibliográficas e autobiográficas, ainda resta considerar a possibilidade
de que o texto não seja completamente fechado a interpretações diversas.
Mesmo que a intenção do autor possa ser considerada, tomando por base, por
exemplo, um relato autobiográfico, ainda assim é possível que o texto escape ao controle
do autor, abrindo caminhos interpretativos inicialmente imprevisíveis.
Outra objeção consiste na dificuldade de se tomar uma decisão quanto a quem
descobriu o verdadeiro significado do texto. Além disso, não se pode precisar o momento
exato em que se esgotaram as possibilidades de sentido de um texto.
Uma vez descoberto o sentido verdadeiro dos textos que compõem a obra de um
autor, interpretações ulteriores deveriam se reportar a essa interpretação canônica para
tratar dos mesmos textos, reiterando-a e jamais colocando-a em xeque.
Em suma, por mais que a pesquisa conceitual possa, genericamente, ser definida
como processo de interpretação de textos, a relação com o objeto de estudo ganha matizes
distintos a depender da concepção de interpretação que orienta a investigação.
Uma investigação conceitual precisa lidar com o texto do autor em sua língua
original. Isso porque nem sempre as traduções fazem justiça ao pensamento do autor.
Recomenda-se que a pesquisa conceitual lide com fontes primárias, no caso, o
texto do autor na sua língua. Resenhas, análises ou discussões elaboradas por
comentadores são fontes secundárias.
Se a leitura do texto na língua original do autor for realmente inviável, uma
alternativa seria buscar traduções comentadas e conhecer as recensões sobre as traduções
dos conceitos mais importantes do texto, mantendo sempre no horizonte suas limitações
para uma investigação conceitual.
O procedimento de seleção de textos de uma pesquisa conceitual depende também
do escopo da investigação. Por exemplo, se se trata de um único autor, do confronto entre
dois ou mais textos de um autor, da relação ente textos de diferentes autores, e assim por
diante.
Depende também do nível de análise pretendido: uso de um conceito, rede
conceitual, compromissos filosóficos, contexto histórico.
A despeito disso, a escolha das fontes sempre será orientada pelo problema de
pesquisa: que texto ou conjunto de textos poderiam conter as informações necessárias
para se alcançar o objetivo da pesquisa?
Em primeiro lugar, é preciso fazer um levantamento da(s) obra(s) do(s) autor(es)
do(s) texto(s) analisado(s). Essa informação pode ser encontrada consultando artigos
específicos, índices de obras completas, edições críticas e outras fontes que apresentam
uma lista dos trabalhos publicados pelo autor.
Como a elaboração de um projeto de pesquisa conceitual já supõe alguma
familiaridade com a obra do autor, a lista de trabalhos publicados pode ajudar a avaliar
se os textos inicialmente considerados para elaborar a pesquisa são suficientes e
adequados para os objetivos propostos.
Além disso, a lista de obras pode ser empregada para justificar a escolha de um
texto específico do autor, mostrando que se trata de um texto emblemático para um
período da obra, ou que marca uma transição importante, e assim por diante.
No caso se pesquisas conceituais que utilizarão um livro ou um conjunto de livros
de um mesmo autor, há um procedimento suplementar para a seleção dos textos. Trata-se
do uso de índice remisso ou index do livro.
Além de ser um recurso bastante útil para a seleção de textos em um livro, a busca
por conceitos em índices remissivos permite a construção de uma rede conceitual.
OBS: se nesta etapa for identificado que alguma tese que menciona conceitos ou
doutrinas que não foram listados na primeira etapa, volte a ela e tente defini-los.
C) ELABORAÇÃO DE ESQUEMAS
PASSO ÚNICO: faça um esquema geral do texto para evidenciar sua estrutura
conceitual. Isso pode ser feito na forma de tópicos ou de diagramas/fluxogramas com
setas, quadrados e outras figuras.
D) SÍNTESE INTERPRETATIVA
O objetivo dessa etapa é realizar uma síntese das relações conceituais construídas
ao longo das etapas anteriores. Trata-se de produzir um texto interpretativo pautando-se
principalmente nos esquemas elaborados na etapa c).
Se for necessário consultar a todo momento o texto original, talvez seja o caso de
refazer as etapas do procedimento. A ideia é que o pesquisador tenha familiaridade com
o texto sob investigação, sem, contudo, reproduzi-lo, no sentido de transcrever suas
partes.
Portanto, o texto deve ser escrito com linguagem e estilo próprios, discutindo o
texto original, valendo-se, quando for oportuno, de citações diretas, que podem ser
acessadas nos registros da primeira etapa do método.
Esse novo texto deve contemplar as lacunas, as afinidades filosóficas, bem como
outros elementos que foram identificados ao longo do procedimento.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS