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EU (lat. Ego; in. /, Self; fr. Moi; ai. Ich; it. Io). Este pronome, com que o homem se
designa a si mesmo, passou a ser objeto de investigação filosófica a partir do momento
em que a referência do homem a si mesmo, como reflexão sobre si ou consciência, foi
assumida como definição do homem. Foi isso que aconteceu com Descartes, que foi o
primeiro a formular em termos explícitos o problema do eu. "O que sou eu então?",
perguntava Descartes. "Uma coisa que pensa. Mas o que é uma coisa que pensa? É uma
coisa que duvida, concebe, afirma, nega, quer ou não quer, imagina e sente. Certamente
não é pouco que todas essas coisas pertençam à minha natureza. Mas por que não lhe
pertenceriam?... É de per si evidente que sou eu quem duvida, entende e deseja, e que não
é preciso acrescentar nada para explicá-lo" (Méd., II). Como se vê, aqui o problema do
eu é imediatamente acompanhado pela sua solução: o eu é consciência, relação consigo
mesmo, subjetividade. Esta é a primeira das interpretações historicamente dadas do eu.
Podem ser enumeradas as outras interpretações seguintes: eu como autoconsciência; eu
como unidade; eu como relação. (p. 388)
inter-relação pode ser mais ou menos firme e romper-se. Foi sob o ângulo da "doença
mortal" do eu, a desesperação, que Kierkegaard definiu o eu como "relação que se
relaciona consigo mesma". O homem é uma síntese de alma e corpo, de infinito e finito,
de liberdade e necessidade, etc. Síntese é inter-relação, e a reversão dessa inter-relação,
ou seja, a relação da relação consigo mesma, é o eu do homem (Die Kmnkheit zum Tode,
1849, cap. I). Kierkegaard acrescentava que precisamente por relacionar-se consigo
mesmo, o eu é relacionar-se com outro: com o mundo, com os outros homens e com Deus.
É nesta segunda inter-relação que por vezes os filósofos contemporâneos insistem.
Santayana dizia: "Quando digo eu, esse termo sugere um homem, um entre os muitos que
vivem em um mundo que está em conflito com o seu pensamento, mas que o domina"
(Scepticism and Animal Faith, 1923, ed. 1955, p.22). De um ponto de vista diferente,
Scheler chega a um conceito análogo do eu: "À palavra eu está associada a alusão ao tu,
por um lado, e a um mundo externo, por outro. Deus, p. ex., pode ser uma pessoa, mas
não um eu, já que para ele não há tu nem mundo externo" (Formalismus, etc, p. 405). É
precisamente da inter-relação que Heidegger lança mão para definir o eu. "A assunção
'Eu penso alguma coisa' não pode ser adequadamente determinada se o 'alguma coisa'
ficar indeterminado. Se, porém, o 'alguma coisa' for entendido como ente intramundano,
então trará em si, não expressa, a pressuposição do mundo. E é justamente esse o
fenômeno que determina a constituição do ser do eu, quando pelo menos ele deve poder
ser algo, como em 'Eu penso alguma coisa'. Dizer eu refere-se ao ente que eu sou enquanto
sou-no-mundo" (Sein undZeit, § 64). De forma só aparentemente paradoxal, Sartre
afirmava, num ensaio de 1937, que "o eu não está, nem formal nem materialmente, na
consciência; está fora, no mundo. É um ser do mundo, assim como o eu de um outro"
(Rechercbes Philosophiques, 1936-37; trad in., The Transcendence of the Ego, Nova
York, 1958, p. 32). No mesmo sentido, afirma Merleau-Ponty: "A primeira verdade é,
sem dúvida, 'eu penso', mas sob a condição de que com isso se entenda 'eu sou para mim
mesmo' sendo no mundo" (Phenoménologie de Ia perception, 1945, p. 466). Considerado
em sua relação com o mundo, o eu às vezes é determinado a partir do seu caráter ativo,
da sua capacidade de iniciativa, do seu poder projetante ou antecipador. Dewey diz:
"Dizer de modo significante 'Eu penso, creio, desejo', em vez de dizer somente 'Pensa-se,
crê-se, deseja-se', significa aceitar e afirmar responsabilidades e expressar pretensões.
Não significa que o eu é a origem ou o autor do pensamento ou da afirmação nem que é
sua sede exclusiva. Significa que o eu, como organização concentrada de energias,
identifica-se (no sentido de aceitar as conseqüências) com uma crença ou sentimento de
origem exterior e independente" (Experience and Nature, p. 233). São exatamente esses
caracteres que constituem hoje o esquema geral para o estudo experimental da
personalidade, que é um dos principais objetos da psicologia. O eu só se distingue da
personalidade (que é a organização dos modos como o indivíduo inteligente projeta seus
comportamentos no mundo) por ser a parte da personalidade conhecida pelo indivíduo
interessado e à qual, portanto, ele faz referência ao dizer "eu". A personalidade, por outro
lado, é mais vasta: inclui também as zonas escuras ou de penumbra, as esferas de
ignorância mais ou menos voluntária ou involuntária, que caracterizam o projeto total das
relações do indivíduo com o mundo (v. PERSONALIDADE). (p. 390)