Você está na página 1de 2

O corrente semestre da UFPB tem sido marcado por denúncias de violência

machista. Uma estudante foi assediada sexualmente no CCTA em julho. Poucos dias
depois, estudantes do CT realizaram trote ostentando placas com os dizeres “miss
estupra”. Em agosto, um procedimento administrativo foi aberto contra o estudante de
matemática, acusado de assediar e perseguir mulheres pelos corredores e até mesmo
fora da universidade.

Esses casos ocorreram no campus I da UFPB, mas as denúncias de assédio


sexual pulverizam-se Brasil afora. Estatísticas do anuário do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública apontam que o número estimado de mulheres que sofreram estupro,
ou tentativas de estupro, gira em torno de 100 mil ao ano. Recentemente, foi a vez do
pastor e deputado federal Marco Feliciano ser denunciado por uma jovem de seu
partido. Ainda comenta-se sobre o estupro coletivo de mais de 30 homens contra uma
adolescente no Rio de Janeiro. A violência foi gravada pelos próprios agressores e
amplamente divulgada nas redes sociais, acompanhada dos mais grotescos comentários
que a reduziam a um mero objeto.
Nem as imagens da jovem ensaguentada foram capazes de desvencilhar uma
das principais características dos crimes sexuais: a revitimização da denunciante. O
delegado que conduzia as investigações do caso chegou a indagar se a mesma gostava
de praticar sexo com vários homens. A violência institucional cria critérios para que a
mulher possa ser vítima além de ter sofrido a agressão. São critérios que inspecionam
seu modo de vida, principalmente sua sexualidade, o que dificulta a denúncia dessa
violência.
Esse cenário assustador consiste no que as feministas chamam de cultura do
estupro, a prática socialmente enraizada e institucionalmente legitimada de violentar a
liberdade sexual das mulheres enquanto grupo. A cultura do estupro manifesta-se para além
dos crimes sexuais e está presente no cotidiano, desde “cantadas” invasivas nas ruas aos
adesivos de automóveis que circularam em 2015, simulando Dilma Roussef de pernas
abertas penetrada por uma bomba de gasolina.
Persiste o entendimento de que o corpo das mulheres é disponível aos homens
a despeito do seu desejo e que a sexualidade é território do masculino. Por tal lógica, o
corpo da mulher não é o espaço do prazer, mas sim o da procriação. Ser mãe constitui o
ápice da realização pessoal que uma mulher pode encontrar, enquanto as realizações no
mundo do trabalho e da política são as máximas masculinas.
Os crimes sexuais desdobram-se para além da violência que atinge diretamente
as sobreviventes, funcionando como política de controle das mulheres enquanto grupo
social. Controla-se desde a forma de se comportar e se vestir até a escolha de caminhos,
horários e companhias, embaraçando seu direito de ir e vir, responsabilizando-as pelo
dever de evitar a violência. Nunca se apontando a única causa dos estupros:
estupradores. Essa política de controle emana uma mensagem a todas as mulheres de
que o espaço público não é seu por direito, seu trânsito é limitado, vigiado e passível de
punição.
Quer-se a todo custo impor as mulheres que seu lugar de destaque é o de “bela,
recatada e do lar”. Que sua vida seja movida pela busca de um padrão inalcançável de
beleza, que sua sexualidade seja passiva e a esfera doméstica o seu espaço de
excelência. O lugar de primeira dama e não o de presidenta. No entanto, os movimentos
feministas e de mulheres estão em plena primavera, florescem e espalham raízes por
todo o território nacional. No início de junho, milhares de mulheres foram às ruas
protestar contra a cultura do estupro nos atos denominados “Por todas elas”, deixando
seu recado: “mexeu com uma, mexeu com todas”.

Você também pode gostar