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Liturgia II: Sacramentos

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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

I. Introdução
Durante o rito litúrgico do sacramento da eucaristia, logo nos ritos iniciais, todos
somos convidados à participarmos da celebração dos “santos mistérios”. Nesse contexto,
a SC ensina que “Os sacramentos estão ordenados à santificação dos homens, à
edificação do Corpo de Cristo e, enfim, a prestar culto a Deus; como sinais, têm também
a função de instruir. Não só supõem a fé, mas também a alimentam, fortificam e exprimem
por meio de palavras e coisas, razão pela qual se chamam sacramentos da fé. Conferem
a graça, a cuja frutuosa recepção a celebração dos mesmos òptimamente dispõe os fiéis,
bem como a honrar a Deus do modo devido e a praticar a caridade. Por este motivo,
interessa muito que os fiéis compreendam facilmente os sinais sacramentais e recebam
com a maior frequência possível os sacramentos que foram instituídos para alimentar a
vida cristã” (SC 59). Ora, na liturgia cristã, Deus se faz presença na história humana de
uma maneira inaudita, nunca antes vista ou experimentada, pois ela é a história da
salvação em exercício, de tal modo que os fatos passados são feitos de novo presentes
para a nossa participação. Essa presença ritual de Cristo é manifestada no sacramento da
eucaristia, nos sacramentos em geral, palavra bíblica proclamada e na oração comunitária.
Mas, qual o significado destes conceitos e a sua relação com os sacramentos da
Igreja como hoje os conhecemos? O termo mistério (do grego “mysterion”) deriva do
verbo “myein”, cujo significado era “calar”, “silenciar”. Já no âmbito dos cultos
mistéricos do Imprério Romano, os iniciados aperfeiçoavam-se pela aquisição de uma
sabedoria oculta. Nesse contexto, as características cúlticas e o acesso ao conhecimento
das divindades restringiam-se aos poucos indivíduos considerados “iluminados”. Com
São Paulo essa mentalidade ganha um novo significado. Agora, há a compreensão de que
a ação salvífica de Deus foi progressivamente anunciada aos homens, sem
particularizações e exclusões e com objetivos universalistas. Essa ideia é expressada na
teologia paulina também com o emprego do conceito de “mistério”. Nesse novo contexto,
o termo MISTÉRIO é interpretado como o plano salvífico de Deus, revelado
progressivamente na história humana e manifestado plenamente na pessoa de Cristo.
Essas características são evidenciadas nos seguintes textos: 1 Cor 2,7; Ef 3,3-5.10; Cl
1,27; Ef 1,9. Nestas passagens, São Paulo corrobora a tese da livre iniciativa divina em
revelar seu plano de salvação e a universalização da fé, através da história e, na
plenitude dos tempos, por meio de Cristo, sua máxima manifestação.
Nos Padres da Igreja, o conceito de Mistério continua em pleno uso, mas adquire
outros novos significados. Agora, seu emprego refere-se aos feitos salvíficos da Redenção
Cristã, às pessoas, às coisas e aos acontecimentos do AT, considerados figuras de Cristo
e de sua obra (leitura tipológica da Escritura), mas também às verdades da fé cristã e,
particularmente, aos ritos sagrados do cristianismo. Assim, nos primeiros séculos do
cristianismo o termo mistério era usado para designar: a) a plano salvífico concebido por
Deus desde toda eternidade; b) a ação salvífica de Cristo, que começou a revelar este
plano; c) a celebração dessa obra salvífica no culto sagrado; d) os símbolos do AT que
prefiguravam o Cristo Salvador; e) as verdades da fé ligadas a essa ação salvífica do
Senhor. Quando, na Idade Média, operou-se a passagem do termo mysterion, originado
no grego para o emprego do termo latino sacramentum (que remonta originalmente aos
ritos de consagração consolidados por meio de juramentos) os significados deles, no
âmbito da liturgia, ficam, individualmente, mais precisos. Agora, sacramentum passa a
significar os sete ritos sagrados, ao passo que mysterion é utilizado com referência às
ações salvíficas de Cristo e às grandes verdades da fé. Essa mentalidade perdurou até o
advento do Concílio Vaticano II.
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II. A economia sacramental

“O Pai, por Cristo e no Espírito, santifica a Igreja e, por ela, o mundo; mundo
e Igreja por sua vez, por Cristo e no Espírito, dão glória ao Pai” (Puebla 917). Sim, o
mundo carrega em si uma mensagem. Esta mensagem está escrita em todas as coisas que
formam o mundo e o homem, que é muito mais que mero manipulador do mundo, é o ser
capaz de ler essa mensagem do mundo: no efêmero, pode ler o Permanente; no temporal,
o Eterno; no mundo, Deus. Então, o efêmero se transfigura em sinal da presença do
Permanente; o temporal em símbolo da realidade do Eterno; o mundo em grande
sacramento de Deus.

“O homem é um ser sacramental; no nível religioso, exprime suas relações com


Deus num conjunto de sinais e símbolos; Deus, igualmente, os utiliza quando se
comunica com os homens. Toda a criação é, de certa forma, sacramento de Deus,
porque no-lo revela” (Puebla 920). Quando aprendemos a ler e interpretar a realidade,
então vemos emergir a sua sacramentalidade, pois todo o real não é outra coisa senão um
sinal de uma outra realidade, isto é, da realidade última e fundante de todos as coisas, de
Deus. De fato, o mundo, as coisas e os homens são portadores das marcas da salvação e
do mistério de Deus.

“Cristo “é imagem de Deus invisível” (Cl 1,15). Como tal, é o sacramento


primordial e radical do Pai: “aquele que me viu, viu o Pai” (Jo 14,9) (Puebla 921). Ora,
esta sacramentalidade universal chegou a sua máxima densidade e manifestação em Jesus
Cristo, com sua ascenção aos céus, passou para a Igreja, se concretiza nas várias situações
da vida e funda a estrutura sacramental, centrada especialmente nos sete sacramentos. “A
Igreja é, por sua vez, sacramento de Cristo para comunicar aos homens a vida nova.
Os sete sacramentos da Igreja concretizam e atualizam esta realidade sacramental para
as diversas situações da vida” (Puebla 922).

“Por isso, não basta recebê-los de forma passiva, mas sim inserindo-nos
vitalmente na comunhão eclesial. Pelos sacramentos Cristo continua, mediante a ação
da Igreja, a encontrar-se com os homens e salvá-los. A celebração eucarística, centro
da sacramentalidade da Igreja e presença mais plena de Cristo no meio da
humanidade, é o centro e ponto culminante de toda a vida sacramental” (Puebla 923).
Convém, entretanto observar que o Batismo, a Crisma, a Eucaristia, a Penitência, a
Unçãos dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio não absorvem toda essa riqueza
sacramental. O mesmo deve ser afirmado em relação a manifestação da Graça Divina.
Esta não se amarra, de modo exclusivo, aos sete sacramentos, uma vez que, de certa
forma, tudo pode ser veículo de sua manifestação.

III. Economia Sacramental e História

Ora, o cristianismo tem uma pré-história. A este respeito, por exemplo, o Concílio
Vaticano II considera que a Igreja foi “prefigurada já desde o princípio do mundo e
admiràvelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança” (LG 2)
e, portanto, não surge de “improviso” na história. Nesse sentido, assim como é importante
recorrer aos antecedentes do cristianismo para a sua maior compreensão, faz parte do
processo de aprofundamento dos nossos sacramentos, o igual conhecimento dos daqueles
que não são cristãos e que constituem sua pré história. Neste aspecto, este nosso estudo
introdutório sobre estes sinais reveladores de uma realidade sagrada se desenvolverá da
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seguinte maneira: 1) Os sinais sagrados primitivos; 2) Os sinais sagrados do judaísmo;


e 3) Os sinais sagrados cristãos.

1) Os principais sinais sagrados primitivos

a) O ser humano: as primeiras páginas da Escritura afirmam que o ser humano foi
criado “à imagem e semelhança de Deus” (cf. Gn 1, 26). É, pois um, sinal e deve,
portanto, representar Deus no mundo. Com efeito, é aquele ao qual são concedidos
os mesmo atributos divinos: a imortalidade, a santidade, a espiritualidade, o
domínio sobre o mundo. Ele deve fazer no mundo aquilo que Deus faz, de tal
modo que as intervenções divinas sejam repercutidas na história. A razão
fundamental porque o ser humano não pode ser morto reside nesta sua
constituição essencial (cf. Gn 9,6).

b) O sacrifício: o primeiro sacrifício encontrado na Escritura é o apresentado por


Caim e Abel (cf. Gn 4,3-8). Interpretado como meio seguro para se experimentar
a comunhão com Deus, torna-se seu sinal e manifesta-se pela oferta dos dons e
pelo diálogo estabelecido entre Deus e os homens.

c) O arco-íris: aparece depois do Dilúvio (cf Gn 9,11-17), simultaneamente, como


um sinal dado para lembrança de Deus e dos seres humanos do perpétuo perdão,
de uma aliança e da salvação que Deus operou e que deverá sempre operar. Ora,
toda vez que o arco-íris aparecer, Deus se lembrará que nãdeve destruir os homens
e o mundo.

d) Os ritos religiosos (apresentados como “sinal”): o culto idolátrico aos falecidos


e o culto aos soberanos têm origem na confecção de imagens para suprir a sua
ausência. Nesse sentido (cf. Sb14, 15-17), o ídolo é apresentado como um
sinal/meio, cuja função é a de criar uma presença, ao qual reveste-se naturalmente
das características de uma presença divina.

2) Os sinais sagrados do judaísmo

a) A circuncisão: sua origem é pré-abraâmica e, na cultura mediterrânea, constituía


um rito de iniciação puberal com o qual o rapaz era agregado responsavelmente
ao “clã”. No AT verifica-se uma evolução teológica. Primeiro a circuncisão torna-
se sinal da pertença ao “Povo de Deus” (cf. Gn 17, 6-13); depois, torna-se sinal
daqueles que circuncidam o coração e tomam parte na “Aliança com Deus” (cf.
Dt 10, 12-19); e, por fim, configura um verdadeiro sinal do “compromisso de total
amor de Deus” da parte do seu povo (cf. Dt 30,6; Jr 4,4; 6,10).

b) A Páscoa: sua exata concepção é de ordem litúrgica no contexto do judaísmo,


entendida como aquele rito sacrifical realizado num determinado dia do ano. Em
sua origem (anterior ao judaísmo) é uma “festa naturalístico-astral”, como um
rito primaveril: é a festa da primeira lua do primeiro mês do ano; entre os povos
nômades celebrada com o “cordeiro” e, entre os povos sedentários, com a oferta
do primeiro pão, “o pão de cevada” (o primeiro cereal que se colhe na Palestina).
No contexto do Êxodo, a Páscoa se torna o símbolo fundamental daquela
libertação que é o elemento-base do judaísmo (cf. Ex 12,14; 13,8-9) e, portanto,
configura uma efetiva síntese da história da salvação, uma vez que a libertação é
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o ponto de partida para a concretização progressiva, sempre posterior, da própria


libertação e o começo da conversão e da consagração do povo ao serviço de Deus.
Assim, seu significado pode ser apresentado da seguinte forma: a) a Páscoa é a
“passagem” do Senhor (cf. Ex 12,26); b) a Páscoa é a referência para o tempo
da verdadeira aliança (cf. Ex 12, 42); c) a Páscoa é o memorial da redenção e o
sinal da aliança, que funda a unidade religiosa do judaísmo e, posteriormente, se
torna o momento da sua reconstrução (ver 2Cro 30; 35); d) a Páscoa é o sinal da
reconstrução da unidade religiosa depois do Exílio, sinal da reconstrução do
Templo, no qual é o primeiro rito celebrado (cf. Esd 6,19); e) a Páscoa está, ainda,
toda orientada para uma nova aliança, que será estabelecida como sinal da
libertação final messiânica (cf. Is 30,29; Jr 31,32-33; Os 2,17)

c) A Tenda – o Templo (dois sinais da presença de Deus): a ideia da presença de


Deus conquista seu primeiro grandioso momeno na história do Êxodo e a teofania
no Sinal revela um fato até então inaudito, isto é, de que Deus está próximo do
povo, de que ele há tempos o visita e do qual quer fazer o seu povo, de modo que
ele seja o seu Deus, no sentido de que este povo pode, e deve, adorá-lo, mas,
principalmente, no sentido de que ele está no meio do povo. A Tenda e, depois, o
Templo manifestam que essa presença, para ser verdadeiramente tal, deve tornar-
se mais imediata.

 A Tenda: segundo o texto bíblico, é Deus mesmo quem dá a ordem de que se faça
um santuário para que ele habite no meio do povo (cf. Ex 25,8) e assim nasce o
tabernáculo-tenda, que será chamada “tenda do encontro ou da reunião” (cf. Ex
29,43-45; 33, 7.39.40; 40,2.3.7) e servirá de sinal perene da aliança, uma vez que
manifesta a prontidão de Deus em caminhar com seu povo;

 Da Tenda ao Templo: depois da sedimentação na terra e da estabilização da


monarquia em Israel, Davi manifesta o desejo de edificar um templo para Deus
(cf. 2Sm 7,5ss) e com Salomão ele é efetivamente construído na Cidade Santa de
Jerusalém (cf. 1Rs 8,27; 9,3; 2Cro 5,1; 6,18);

 O Templo: é um sinal da presença de Deus, é sua “casa”, seu “palácio” e sua


“residência eterna” (cf. 1Rs 8,12);

 Materialização do “templo-sinal”: os judeus se esquecem que o templo é apenas


um sinal da presença de Deus, que aponta para uma visão espiritual do culto, e
fazem dele um valor absoluto (ver Jr 7,4-10.12-15; 26,1-9), acabando por fazer
falir o verdadeiro objetivo do templo de Jerusalém.

3) Os sinais sagrados cristãos

a) Os “sinais-realidade”: os sacramentos da Igreja são os sinais do NT; estes, por


sua vez, concretizam, cumprem e realizam tudo aquilo que fora prometido no AT
(cf. Cl 2,17) e, nesse sentido, devem ser considerados como sinais de um
acontecimento, uma vez que em todos eles está implicada uma realidade da qual
são portadores.
b) O “sinal-Cristo”: dentre os “sinais-realidade” do NT, o primeiro e fundamental
sinal é o Cristo em si mesmo, enquanto sacramento da realidade eterna, que é a
relação de amor de Deus ao ser humano (cf. Is 7,11-14; Lc 2,10-12; Jo 6,28; Cl
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1,27; Ef 3,3.9). Ele, de fato, é o sinal no qual se revela a realidade acontecida da


salvação.

c) Os “sinais” de Cristo:

 Cristo é aquilo que faz (relação no plano do sinal): Jo 6,26-28;

 As obras de Jesus são sinais de Cristo (o significado supera o fato prodigioso


em si): Jo 2,11 - Formulação teológica dos milagres: as obras de Cristo explicam
a ação divina e revelam uma vontade de salvação. O Ev. Jo vê, já em ação nas
obras-sinais de Jesus, os sacramentos da Igreja.

 Obras de Cristo: Jo 5,20.36; 6,29; 7,3.21; 9,3ss; 10, 25.32.37ss; 14,10ss; 17,4;

 Obras do Pai, ou juntas, suas e do Pai: Jo 4,34; 5,36; 9,3ss; 10,32; 14,10; 17,4.

d) Cristo, sacramento primordial: síntese da salvação, Cristo é o sacramento


fontal, o sacramento do qual todos os sacramentos descendem. Ele é o sinal
realizado por Deus como síntes de toda a salvação, ele é a própria salvação.

IV. Alguns conceitos importantes

1) Os sacramentos da nova Lei foram instituídos por Cristo e são em número de sete, a
saber: o Batismo, a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a
Ordem e o Matrimônio (CIC 1210).

 Instituição explícita: Batismo, Eucaristia e Penitência; Instituição implícita:


demais sacramentos.

2) Os sete sacramentos tocam todas as etapas e momentos importantes da vida do


cristão (CIC 1210).
 Número dos sacramentos: definido no séc. XII (Pedro Lombardo: 1160 e Sto.
Tomás de Aquino: 1274) e confirmado nos Concílios de Lyon (1274), Florença
(1439) e Trento (1547).

3) Os sacramentos outorgam nascimento e crescimento, cura e missão à vida de fé dos


cristãos. Há aqui uma certa semelhança entre as etapas da vida natural e as da vida
espiritual (CIC 1210).
 Estrutura: a) matéria – elemento indeterminado (coisas e ações sensíveis); b)
forma – elemento determinante (palavras consecratórias);
 Modo de operar: a) “ex opere operato” (por efeito da própria obra) – o
sacramento é canal da graça por efeito do próprio rito, e não por efeito das
virtudes do ministro, pois é o Cristo o ministro principal; b) “A graça não tira a
natureza, mas a supõe e a aperfeiçoa” (cf. Santo Tomás de Aquino, Summa
Theologiae, I, 1, 8 ad 2, etc.).
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V. Os sete sacramentos

Embora manifestada, especificamente, segundo a diferença de cada “sinal


sacramental”, os sacramentos possuem uma realidade sacramental comum, uma vez que
significam e atuam o Mistério de Cristo nos seres humanos. Essa realidade sacramental é
a revelação e a atuação concretas do amor de Deus, que se manifestou em Cristo e por
meio de Cristo, e que atua nos seres humanos segundo três momentos fundamentais, como
efeitos de sua encarnação, paixão, morte e ressurreição: a) o ser humano é refeito à
imagem de Deus: a morte de Cristo anuncia e determina a morte da humanidade ao pecado
e o seu renascimento; b) ser humano recebe o Espírito para viver a vida divina: essa morte
acontece sob um impulso , sob uma inspiração do Espírito Santo; c) o ser humano se une
a Deus num culto perfeito e verdadeiro: o culto cristão é feito de amor e obediência a
Deus, mais do que de ações externas. Todavia, deve-se sempre considerar que, é na
ressurreição que o homem Jesus, “nascido de uma mulher, nascido sob a Lei” (Gl 4,4),
definitivamente “revelou-se Filho de Deus pela força do Espírito Santo” (Rm 1,4) e,
portanto, nesse sentido, também é necessário considerar que o evento morte-ressurreição
de Cristo constitui o momento condensador, polarizador, de todo o Mistério de Cristo.
Assim, é sempre a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo que age em cada um dos sete
sacramentos.

Os sacramentos da Iniciação Cristã conferem a dimensão total de Cristo e, tendo


como ponto de partida o mistério de sua morte e ressurreição, são essenciais para a
salvação. O Batismo ocorre para que sejamos refeitos filhos de Deus, sua imagem e
semelhança; a Confirmação ocorre para que recebamos o Espírito Santo; e a Eucaristia é
celebrada para que ofereçamos a Deus o “culto perfeito” que Cristo mesmo lhe ofereceu
em sua morte, ocorrida no Espírito Santo. Entendido o termo “iniciação” no sentido de
consagração, Batismo Crisma e Eucaristia são os “sacramentos de consagração”, isto é,
de inserção no Mistério de Cristo e, por meio deste, no Mistério da Igreja, que é o “Cristo
total”. Com efeito:

 Pelo Batismo, todos se tornam filhos de Deus e passam a formar a realidade da


Igreja;

 Pela Confirmação, a nova realidade da Igreja se torna comunidade atenta à ação


orientadora do Espírito Santo;

 Pela Eucaristia, a Igreja é constituída corpo de Cristo, ou seja, Crfisto vivo nos
seres humanos, os quais nele e para ele rendem a Deus o próprio culto espiritual
perfeito na aceitação de sua vontade.

Os demais sacramentos são configurações particulares mais ou menos


necessárias1 que completama imagem de Cristo, segundo um determinado aspecto. Estes
dizem respeito a momentos particulares da vida, nos quais o Senhor intervém ou quer
intervir.

 A Penitência é o sacramento no qual se aceita a missão de Cristo, enviado a curar


e sanar; consiste na acusação dos pecados e na entrega do nosso arrependimento
nas mãos de Cristo (fato psicológico, pessoal, da nossa vontade de voltar atrás e

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Concílio de Trento, Sessão VII, Decretum De Sacramentis, Cân 4; DS 1604
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de deixar o pecado), que o sanciona e aceita a nossa “Penitência”, a torna efetiva,


cura o nosso estado de pecado e nos faz voltar àquela condição experimentada
pela iniciação cristã (fato objetivo, manifestação da graça). De fato, é a retomada
da “iniciação”, uma vez que, por meio desse sacramento, são restaurados os danos
sofridos por causa do pecado, no Batismo, na Crisma e na Eucaristia e nos é
restituída a santidade;

 A Ordem é o sacramento que nos coloca em comunicação com Cristo “cabeça”


da nova humanidade. O sacramento da Ordem não é o sacramento do “sacerdócio”
(já que todos somos sacerdotes em virtude do Batismo), mas indica o estar em
posição de “ordem” em relação aquela comunidade. Receber o sacramento da
Ordem quer dizer ser “cabeça” na Igreja quanto ao governo (comando), ao
ensinamento (instrução) e ao culto (eucaristia).

 O Matrimônio é o sacramento que coloca o crente diante do Cristo enquanto


representante do amor de Deus pelos seres humanos, apresentando-nos em Cristo
o amante e o esposo da humanidade (cf. Tt 2,11; 1Jo 4,9). O amor natural se torna
sinal do amor que Cristo traz à humanidade e, por isso, redimensionado por um
aperfeiçoamento sobrenatural. É a relação Cristo-Igreja que torna-se aparente na
relação homem-mulher. Cristo morreu para santificar e purifiar sua Igreja, e é isso
que o esposo deve fazer pela esposa. A Igreja aceita fazer do amor de Deus o
ponto central de sua existência e viver nele e para ele; a esposadeve buscar ter
essa maneira de se relacionar com seu marido. Ambos devem reproduzir na
fidelidade, no sacrifício, no dom de si, o amor de Cristo.

 A Unção dos Enfermos é o sacramento que nos põe em contato com Cristo, que
aceita o sofrimento e a morte em expiação do pecado. O momento da morte ou do
sofrimento, pelo qual todos passaremos, se torna para o cristão não uma pena, ou
castigo, mas uma verdadeira expiação do pecado. É o sacramento do ingresso no
sofrimento de Cristo, de união à morte de Cristo, a fim de que o nosso sofrimento
e a nossa morte, inseridos no sofrimento e na morte de Cristo, se tornem elementos
da redenção do nosso corpo mortal e de santificação para toda a Igreja.

VI. Os sacramentos da Iniciação Cristã

“Iniciação” é um termo muito genérico e amplamente conhecido tanto na história


das religiões como também nos ambientes não propriamente religiosos, e que implica em
algumas significativas consequências e exigências para aqueles que dele participam. Seu
significado é o de introdução, do latim initia, que deriva de in-iter (ingresso no caminho,
início) e tarduz palavra grega mysteria. Foi utilizado com muita frequência pelos Padres
latinos (p.ex: Tertuliano e Sto. Ambrósio – séc. IV) e, na história sacramental e litúrgica,
é reservado, de modo específico, aos primeiros três sacramentos, administrados juntos
por séculos e que cumprem e constituem a consagração cristã universal: Batismo,
Confirmação e Eucaristia2. Este catecumenato, “em uso na Igreja desde tempos
antiquíssimos, adaptado em nossos dias ao trabalho missionário em muitas regiões, por
toda a parte se pedia a sua restauração. Por isso o Concílio Vaticano II decretou que ele
fosse restaurado e revisto, adaptando-o às tradições locais”3. O RICA não consta só da

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A ordem em que os nomeamos – Batismo, Confirmação e Eucaristia – é a ordem original dos sacramentos.
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RICA, nº 2
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celebração dos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia, mas também de


todos os ritos do catecumenato e é apresentado com as seguintes características:

a) Tem como destinatários “aqueles adultos que, depois de terem escutado o


anúncio do mistério de Cristo, movidos pelo Espírito Santo que lhes abre o
coração, consciente e livremente buscam o Deus vivo e tomam o caminho da fé e
da conversão. Mediante os ritos que o integram, vão sendo espiritualmente
ajudados na sua preparação para, na devida altura, receberem com fruto os
próprios sacramentos”4.
b) “Faz-se à maneira de uma caminhada progressiva, dentro da comunidade dos
fiéis. Esta, juntamente com os catecúmenos, medita no valor do mistério pascal e
renova a sua própria conversão; e deste modo, com o seu exemplo, leva-os a
seguirem generosamente o Espírito Santo”5.
c) “Nesta caminhada, além de um tempo de procura e amadurecimento, há vários
«degraus» ou «passos», pelos quais o catecúmeno, ao caminhar, como que passa
uma porta ou sobe um degrau”6.

Os degraus conduzem a «tempos» de procura e de amadurecimento ou são por


eles preparados7:

a) o primeiro tempo, que da parte do catecúmeno exige uma procura, é destinado à


evangelização por parte da Igreja e ao pré-catecumenato, e conclui-se pela
entrada na «ordem dos catecúmenos»;
b) o segundo tempo, que começa com esta entrada na ordem dos catecúmenos, e
pode durar vários anos, é consagrado à catequese e aos ritos a ela anexos, e
termina no dia da eleição;
c) o terceiro tempo, mais breve, que habitualmente coincide com a preparação para
as solenidades pascais e para os sacramentos, é destinado à purificação e à
iluminação;
d) o último tempo, que se prolonga por todo o tempo pascal, é destinado à
mistagogia, isto é, por um lado à recolha da experiência e dos frutos da vida cristã
e, por outro, à entrada no convívio da comunidade dos fiéis, estabelecendo com
ela relações profundas.

1. O Batismo

O termo “batismo” deriva do grego “bapto”, “baptizo”, cujo significado é o de


“emergir, afogar, afundar” (seu significado também pode derivar para “lavar, purificar,
destruir”). Sua manifestação ritual não é exclusividade do cristianismo. Temos notícias
de que banhos e abluções, tendo a água como elemento comum, nos diversos ritos
mistagógicos das mais diferentes religiões. No judaísmo, existiam dois tipos de ritos de
purificação, que constituem, de certa forma, o ambiente no qual se inserem o batismo de
João no Jordão e, ainda, o Batismo cristão, uma vez que valorizam o simbolismo da água
a partir de uma visão messiânica, que se manifesta pelos efeitos da renovação da vida e
pela infusão do Espírito de Deus:

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RICA, nº 1
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RICA, nº 4
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RICA, nº 6
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RICA, nº 7
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a) A purificação prescrita ao judeu que havia contraído impurezas legais8, agindo


contra a Lei da Pureza (Lv 11-16);
b) A purificação prevista como iniciação9 tanto “ao judaísmo” (batismo dos
prosélitos), como “à comunidade dos filhos da Aliança” (purificação de Qumrã).
No entanto, apenas do Batismo cristão pode-se afirmar que possui um caráter
sacramental (relação promessa-fato).

Sobre a existência de um Batismo na Igreja, sempre houve unanimidade devido à


absoluta clareza das fontes, que testemunham o seu uso constante: At 2,38.41; 8,12-
13.16.36-38; 9,18; 10,47-48; 19,5; 22,16; 1Cor 1,13-17; Rm 6,3-4; Gl 3,27; Ef 5,26; Cl
2,12; 1Pd 3,21. A questão de sua instituição por Cristo sempre foi aceita pela Igreja, tanto
que nunca se fez necessário um pronunciamento magisterial a respeito. De fato, é Cristo
mesmo quem promulga e dá o sentido teológico do Batismo quando:

a) Ao batizar-se no Jordão - Cumpre as profecias messiânicas do AT; Cumpre o


Mistério da Salvação (lugar Páscoa do povo para a Terra Prometida, vivida numa
perspectiva profética: cf. Is 42,1); Revela o Mistério da Santíssima Trindade pela
teofania declarativa da sua divindade: Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22; Jo
1,29-34; At 1,22; 10,37-38;
b) Relaciona o Mistério de sua Paixão e Morte com o Batismo: Mc 10,39; Lc 12,50
c) Descreve-o como condição para a salvação: Jo 3,1-10;
d) Reúne os discípulos, dando-lhes o Batismo: Jo 3,22; 4,1;
e) Promete aos apóstolos um próximo Batismo no Espírito: At 1,5;
f) Ordena aos apóstolos, depois da ressurreição, que batizem para a salvação: Mc
6,16; Mt 28,18-19.

Os sinais sacramentais do Batismo

O Batismo cristão, cujo rito primitivo e fundamental consistia na imersão/emersão


da água acompanhado de uma oração, foi enriquecido de muitos elementos que criaram
um complexo de ritos secundários ao redor do rito principal. Dentre estes, destacam-se o
“rito das renúncias” (que explicita a conversão), o “rito do éffeta” (que, pela abertura
dos ouvidos e da boca, indica a graça de escutar e responder a Deus), os “ritos da entrega
do Credo e do Pai Nosso” (que significam a aceitação da fé e a possibilidade-dever de
orar), o “rito da veste branca” (que evidencia a vida nova em Cristo) e o “rito da vela
acesa” (que indica a luz em que caminha o discípulo de Cristo). Todavia, vamos analisar
apenas seu rito fundamental, isto é, os componentes da água e da fórmula de oração.

O uso da água no Batismo cristão é atestado tanto pelo significado do termo


(imersão na água), quanto pelos testemunhos do NT (cf. At 8,36; 10,47; 22,16) e o modo
de servir-se dela admitia variações circunstanciais, conforme ensina a Didaqué10,

8
Ver, por exemplo: a) Na Tradição bíblica: Lv 11,44; 19,2; 21,8; Is 1,15-16; Ez 36,23-27; b) Na Tradição
Rabínica: Mc 7,1-5; Mt 15,1-2;
9
Sobre o batismo de prosélitos: Zc 12,48; 20,10; Lv 17,8-15; 24,16-22;Nm 15,15)
10
A Didaqué (Διδαχń) é um documento antiquíssimo, que remonta à primeiríssima geração da Igreja. É
anterior a alguns livros da própria Bíblia Sagrada, tendo sido escrito provavelmente antes do Evangelho de
S. João, do Apocalipse e de algumas das epístolas. "Didaqué" é uma palavra grega que significa "instrução"
ou "doutrina", e a obra era conhecida como "A Instrução dos Doze Apóstolos", – o que lembra muito o que
diz o livro de Atos (2,42) sobre "o ensinamento dos Apóstolos" e constitui um verdadeiro catecismo dos
primeiros cristãos.
Liturgia II: Sacramentos
10
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

podendo ser por imersão na água parada ou corrente, por infusão 11, ou por aspersão12.
Todavia, pelo paralelismo entre o nosso Batismo e a sepultura/ressurreição de Cristo, a
imersão é certamente a forma considerada normal por Paulo (Rm 6,3-4; Cl 2,12) e sua
manutenção, atestada na tradição litúrgica da Igreja, perdurou até os séc. XIV-XV,
quando iniciou-se a emancipação do rito por infusão. Os novos ritos batismais, originados
a partir da reforma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II, preveem tanto o rito de
imersão quanto o de infusão. Já a fórmula batismal, prevista em Mt 28,19, aparece nos
documentos mais antigos e compreendeu, desde o início, a menção à Trindade, conforme
os testemunhos da Didaqué13 (séc I), de Tertuliano14 (séc II), de Hipólito15 (séc III) e de
Santo Ambrósio16 (séc IV), por exemplo.

Este duplo componente sacramental – imersão na água e confissão/invocação do


Pai, do Filho e do Espírirto Santo – exprime a dimensão salvífica ritual do Batismo
cristão. A imersão na água significa nossa purificação do pecado (At 2,38), nossa
participação na morte e ressurreição de Cristo (Jo 19,34; Rm 6,3-11), o novo nascimento
em Cristo (Jo 3,3-8) e a remissão dos pecados (At 2,38); a referência à Trindade explicita
a própria profissão de fé do batizando e constitui uma invocação sobre ele, sintetiza toda
a revelação divina (como no batismo de Cristo), anuncia e cria a realidade do ser humano
novo, livre do pecado (Rm 6,6-12), filho de Deus (Rm 8,29), revestido de Cristo (Gl 3,27)
e transformado pelo Espírito Santo (Rm 6,4)

2. A Confirmação

O rito, reformado segundo os princípios da Vaticano II e publicado em 1971,


prevê que a Confirmação “seja feita costumeiramente no interior da celebração
eucarística a fim de que seja melhor evidenciada a sua conexão com o conjunto da
iniciação cristã, que encontra o seu cume na comunhão eucarística, na qual todos os
confirmados participam justamente com o objetivo de tornar perfeita a sua iniciação

11
“No que diz respeito ao batismo, batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo em água corrente.
Se não tens água corrente, batiza em outra água; se não puderes em água fria, faze-o em água quente. Na
falta de uma e outra, derrama três vezes água sobre a cabeça em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo.” (Did VII)
12
São Cipriano de Cartago (Epístola 69) se declara favorável pelo menos no caso de doença ou epidemia.
Agostinho (De baptismo contra Donatistas) segue essa recomendação e Santo Tomás de Aquino também
admite essa possibilidade.
13
Idem 6.
14
“Foi imposta a lei e dada a forma quando foi dito: “Ide e batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo”. Para tornar confiante a nossa esperança, basta a enumeração dos nomes divinos (...), porque sob
o tríplice nome é colocada a afirmação da fé e é garantida a promessa da salvação” (De baptismo 13)
15
“Quando o que é batizado tiver descido na água, aquele que batiza lhe dirá, impondo-lhe a mão: “Crês
em Deus Pai Todo-poderoso?” e aquele que é batizado dirá, por sua vez: “Creio”. E então (aquele que
batiza), tendo a mão posta sobre sua cabeça, o batizará uma vez. E depois dirá: “Crês em Jesus Cristo,
Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo da Virgem Maria, foi crucificado sob Pôncio Pilatos, morreu
e ressuscitou ao terceiro dia vivo dentre os mortos, subiu aos céus e está sentado à direita do Pai; que virá
julgar os vivos e os mortos?” e quando (o que é batizado) tiver dito: “Creio”, será batizado pela segunda
vez. Novamente (o que batiza) dirá: “Crês no Espírito Santo, na Santa Igreja?” O que é batizado dirá:
“Creio”, e assim será batizado pela terceira vez” (Tradição Apostólica 21)
16
“Foste interrogado: crês em Deus Pai onipotente? Respondeste: Creio. E foste imerso, isto é foste
sepultado. De novo foste interrogado: crês em nosso Senhor Jesus Cristo e na sua cruz? Disseste: Creio.
E foste imerso, isto é, foste sepultado com Cristo. Pela terceira vez foste interrogado: crês no Espírito
Santo? Disseste: Creio. E, pela terceira vez, foste imerso” (De sacramentis 2)
Liturgia II: Sacramentos
11
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

cristã”17. Apesar de inserir-se como elemento central na iniciação cristã e, por isso
mesmo, participar de toda a importância e de todo o significado que ela tem na edificação
do novo ser humano em Cristo, o sacramento da Confirmação enfrentou dificuldades para
afirmar o seu valor no interior da Igreja no plano da práxis litúrgico-pastoral e no plano
da teologia devido à toda problemática que envolve a história de seu rito. De fato, mesmo
que a instituição do sacramento possua o status de uma definição dogmática, não se pode
negar que nem sempre houve unanimidade a este respeito. Nesse sentido, podemos citar
os seguintes exemplos:

 O valor sacramental: negado na época da Reforma Protestante no que se refere à


comunicação da graça e à sua relação com o Batismo, do qual algumas vezes
apareceu como uma especificação e um apêndice, e do qual ferquentemente se
teve dificuldades para distinguí-lo, não obstante a manifestação tridenina que o
define como um outro sacramento, diferente e distinto do Batismo;
 O rito sacramental: é conhecida a diversidade que sempre houve entre o Oriente
e o Ocidente e, na própria Igreja Latina, entre Antiguidade e épocas posteriores;
 O ministro do sacramento: no Oriente sempre foi, de direito, o presbítero, e no
Ocidente, pelo contrário sá o bispo;
 A práxis pastoral do sacramento: existência de discussões e discordâncias a
respeito da idade e da ordem adequadas para a sua administração.

O sacramento no novo Ritual Romano

O rito desenvolve-se depois do Evangelho, na seguinte sequência:

 Apresentação dos confirmandos ao bispo e o seu chamado nominal (RC 21);


 Alocução-homilia mistagógica do bispo (RC 22);
 Renovação das promessas e da profissão de fé batismais (RC 23);
 Imposição das mãos (RC 24-25);
 Crismação (RC 26-27);
 Oração Universal (RC 30-31), seguida da celebração normal da rito da eucaristia;

Algumas informações importantes sobre o rito:

 “Se os confirmandos são crianças que ainda não receberam a Eucaristia, nem vão
ser admitidas à Primeira Comunhão nessa ação litúrgica, ou se circunstâncias
especiais a aconselharem, a Confirmação será conferida fora da missa. Todas as
vezes que a Confirmação for administrada fora da missa será precedida de uma
celebração da Palavra de Deus” (RC 13);
 O sacramento da Confirmação é conferido por meio da unção do crisma sobre a
fronte, unção que se faz com a imposição da mão, acompanhada das palavras:
recebe o sinal (marca) do dom do Espírito Santo;
 A imposição das mãos feita pelo bispo, acompanhada pela oração de invocação,
não pertence à validade do sacramento, mas deve ser realizada em vista da
integridade do rito e para dar uma maior compreensão sobre o sacramento;

17
PONTIFICAL ROMANO renovado por decreto do Concílio Vaticano II e promulgado pelo Papa Paulo
VI. Ritual da Confirmação. São Paulo, Paulus, 1998. Doravante esse documento será citado com a sigla
RC.
Liturgia II: Sacramentos
12
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

 Este conjunto ritual tem um duplo significado: a imposição das mãos antes da
crismação reproduz o gesto bíblico com o qual se invoca o Espírito Santo, ao passo
que a unção com o crisma e as palavras que a ele se referem exprimem o efeito do
dom do Espírito Santo; ou seja: o batizado, marcado pela mão do bispo, recebe o
caráter indelével e o dom do Espírito.

A História do Rito da Confirmação

Nos três primeiros séculos da Igreja, o Rito da Confirmação era tão unido às
cerimônias conclusivas do Batismo que se torna uma tarefa exigente sua distinção como
um outro sacramento. De qualquer forma, justamente porque toda a antiga tradição
patrística atribui a estes ritos pós-batismais a prerrogativa da oferta do dom sacramental
do Espírito Santo aos neófitos é que eles podem ser considerados como a forma primitiva
daquilo que atualmente é chamado de sacramento da Confirmação. No Ocidente, onde o
ministro é o bispo, a crismação ou unção e a imposição das mãos, embora em ordem e
em modos diferentes, podem ser encontrados em todas as liturgias latinas desde as
origens; já nas liturgias orientais, cujo ministro é o presbítero, em geral, aparecem como
seu rito de Confirmação só a crismação (liturgia bizantina, armênia ortodoxa e siro-
antioquena), só a imposição das mãos (liturgia caldeia-nestoriana), ou a crismação e a
imposição das mãos (liturgia copta e etíope).

O rito romano documentado mais antigo é aquele apresentado pela Tradição


Apostólica de Hipólito, na primeira metade do séc. III. Nela, depois da descrição da
ablução batismal, pode ser lido o seguinte:

“Depois de subir da água, será ungido com o óleo santificado pelo presbítero,
que dirá: "Unjo-te com o óleo santo em nome de Jesus Cristo". Após isto, cada
um se enxugará e se vestirá, entrando, a seguir, na igreja. Impondo as mãos sobre
eles, o bispo fará a invocação, dizendo: "Senhor Deus, que os tornaste dignos de
merecer a remissão dos pecados pelo banho da regeneração, torna-os dignos de
ser repletos do Espírito Santo; lança sobre eles a tua graça para que te sirvam
conforme a tua vontade, pois a ti são a glória, ao Pai, ao Filho e com o Espírito
Santo na Santa Igreja, pelos séculos dos séculos. Amém".

Após isto, derramará o óleo santo nas mãos e dirá, colocando as mãos sobre a
sua cabeça: "Eu te unjo com o óleo santo, no Senhor Pai todo-poderoso e em
Jesus Cristo e no Espírito Santo". Marcando-o na fronte com o sinal da cruz,
oferecer-lhe-á o ósculo, dizendo: "O Senhor esteja contigo". O que foi marcado
responderá: "E com o teu Espírito". Assim deve proceder com cada um. Em
seguida, rezarão com todo o povo, não podendo rezar com os fiéis enquanto não
atingirem tudo isso. Após a oração, oferecerão o ósculo da paz.”18

Desse trecho da Tradição Apostólica pode ser deduzido o seguinte:

1. Que o rito de séc. III foi conservado praticamente idêntico em seus elementos até
os nossos dias. De fato, a primeira das duas unções às quais aqui se faz referência
foi conservada como “unção pós-batismal”, como pode ser verificado no nº 224
do RICA. A segunda “unção”, acompanhada da imposição das mãos e da oração

18
HIPÓLITO, Tradição apostólica 21. Ed Bras: Tradição Apostólica. Petrópolis. Vozes, 1981
Liturgia II: Sacramentos
13
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

de invocação do Espírito Santo, representa o rito da Confirmação em sua atual


maneira de administração.
2. Que essa segunda “unção”, juntamente com a “imposição das mãos e oração de
invocação do Espírito Santo”, constituía, em relação ao Batismo, um rito à parte
com significado e valor próprios desde então, também pode ser evidenciado pelo
fato de ser atribuído como próprio e reservado ao bispo.
3. Que a “imposição das mãos e oração de invocação do Espírito Santo” são os ritos
característicos da Confirmação, enquanto sacramento que doa o Espírito Santo.
4. Que para estabelecer o significado da Confirmação deve ser evidenciada a
conclusão com a qual Tradição Apostólica encerra a descrição do rito: “Em
seguida, rezarão com todo o povo, não podendo rezar com os fiéis enquanto não
atingirem tudo isso”.

O antigo rito da Tradição Apostólica ficou substancialmente conservado nos


séculos seguintes, mas, posteriormente, se passou a dar maior ênfase ao gesto da unção
com crisma do que ao da imposição das mãos. No séc. XII, por exemplo, a fórmula que
acompanhava a crismação – “eu te assinalo com o sinal da cruz e te confirmo com o
crisma da salvação, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” – mesmo tendo a
vantagem de sublinhar a unção, na realidade não exprimia de nenhum modo a relação
desta com o dom do Espírito Santo, objeto do sacramento. Por isso, por ocasião da
reforma do Rito da Confirmação proposta pelo Concílio Vaticano II, o papa Paulo VI
promulgou, no ano de 1971, a Constituição Apostólica Divinae Consortium Naturae, com
a qual intervém para determinar aquilo que é essencial ao se conferir o sacramento, seja
quanto ao rito, seja quanto à formula. Assim, mediante uma acurada busca das suas fontes
bíblicas do NT, particularmente aquelas relativa ao Pentecostes, a fim de situar
adequadamente o sacramento no conjunto da iniciação cristã, procede com o exame da
história do rito no Oriente e no Ocidente, e elabora as seguintes conclusões:

1. É fato que o Rito da Confirmação, desde os seus primórdios, conheceu, tanto no


Oriente como no Ocidente, um diversificado pluralismo litúrgico-celebrativo, em
que acentua-se mais a crismação ou a imposição das mãos, porém, este sempre
significou o dom sacramental do Espírito Santo;
2. Em relação à fórmula sacramental de comunicação do Espírito Santo verificou-se
que no Oriente, já por volta dos séc IV-V, aparecem as palavras “sinal do dom do
Espírito Santo”, que ainda estão em uso na liturgia bizantina, e que no Ocidente,
devido as incertezas sobre a fórmula sacramental, somente no séc XII, esta
encontrou nas palavras “eu te assinalo com o sinal da cruz e te confirmo com o
crisma...” sua forma definitiva;
3. No Oriente e no Ocidente, durante a administração da Confirmação, foi dada a
preferência à crismação, reconhecendo-lhe o papel que no uso apostólico era
desempenhado pela imposição das mãos, por isso, o Papa Paulo VI define a sua
manutenção e o reconhecimento de seu valor, visto que é muito adequada para
significar a unção do Espírito Santo;
4. Na definição da fórmula do sacramento, optou-se pela utilização das palavras
presentes no rito bizantino, visto que exprimem o dom do Espírito Santo e
recordam a sua efusão em Pentecostes. Portanto, o Papa Paulo VI define que,
desde então, na Igreja latina, o sacramento da Confirmação é conferido pela unção
do crisma na fronte, feita com a imposição das mãos e pelas palavras “recebe, por
este sinal, o Espírirto Santo, o dom de Deus” (RC 14);
Liturgia II: Sacramentos
14
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

5. No entanto, dado que o rito também comporta uma “imposição das mãos” sobre
os candidatos, a ser realizada antes da crismação, declara-se que esta deve ser
mantida porque contribui para a integridade do sacramento e porque lhe dá uma
maior compreensão.

A instituição, o ministro e os efeitos da Confirmação

O tema da instituição do sacramento por parte de Cristo, dos apóstolos ou de


algum concílio sempre ocasionou uma profunda disparidade de opiniões, e a própria
Igreja jamais se pronunciou de forma explícita a este respeito. Os textos de At 8,4-17, At
19,1-7 e Hb 6,1-3 frequentemente são utilizados nas tentativa de se demonstrar a
existência já nos tempos apostólicos de um rito particular, diferente do Batismo, que mais
tarde foi chamado de Confirmação, no qual comunicava-se o Espírito Santo pela
imposição das mãos.

Santo Tomás de Aquino, por exemplo, considera que “Cristo instituiu esse
sacramento não o conferindo, mas prometendo-o”, segundo o testemunho de Jo 16,7:
‘se eu não for, não virá a vós o Consolador; mas se eu for, o enviarei a vós’. Com efeito,
nesse sacramento se dá a plenitude do Espírito Santo, que não devia ser dado antes da
ressurreição e ascenção de Cristo, segundo Jo 7,39: ‘o Espírito não tinha ainda sido dado
porque Jesus não tinha ainda sido glorificado’19; e o Concílio de Trento, por sua vez,
define que “todos os sacramentos foram instituídos por Cristo”. A Constituição
Apostólica de Paulo VI, limita-se a dizer que a tradição católica reconheceu, naquele
gesto da imposição das mãos, a origem do Sacramento da Confirmação, que perpetua de
algum modo na Igreja, desde os tempos apostólicos, a graça de Pentecostes (RC 11).

Partindo dos mais antigos testemunhos referentes à Confirmação, nota-se que no


Ocidente o ministro do sacramento normalmente é o bispo. Isso encontra-se claramente
atestado já na primeira metado do séc. III, em relação a Roma, pela Tradição Apostólica
de Hipólito e pelo papa Cornélio e na África, por Cipriano. No entanto, em caso de
necessidade ou ausência do bispo, poderia o presbítero, depois do Batismo, conferir o
sacramento20. Ainda hoje na Igreja latina o bispo é considerado o ministro próprio e
originário deste sacramento. No Oriente, o poder de conferir a Confirmação passa de
forma estável do bispo para o presbítero a partir do séc. IV.

No que está relacionado aos efeitos do Sacramento da Confirmação, temos as


seguintes proposições:

1. No Magistério

a) Lumen Gentium – “com o sacramento da confirmação os fiéis já são mais


perfeitamente unidos à Igreja e enriquecidos por uma força especial do
Espírito Santo”21

19
Summa Theol. III, 72, 1
20
Um aspecto interessante, é que comumente essas fontes (cf. Cipriano, Jerônimo, Inocêncio I) citam o
texto de At 8,4-17 para justificar a práxis litúrgica do Sacramento da Confirmação, como um rito distinto
do Batismo.
21
LG 11
Liturgia II: Sacramentos
15
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

b) Ad Gentes – “todos os cristãos [...] devem manifestar com sua vida [...] a
virtude do Espírito Santo, pelo qual foram revigorados na Confirmação”22
c) Divinae Consortium Naturae – “aqueles que foram regenerados no Batismo
recebem como dom inefável o próprio Espírirto Santo, pelo qual são dotados
de uma força especial (LG 11) e, marcados com o caráter do mesmo
sacramento, são agregados mais perfeitamente à Igreja” (LG 11).
d) Ritual da Confirmação – a Confirmação é o rito com o qual se “confere” e
se “comunica” o Espírito Santo23;

2. Na Liturgia

a) O sacramento da Confirmação tem como sua propriedade específica o fato de


ser aquele no qual acontece “o dom do Espírito Santo”;
b) No rito latino que vigorou até a reforma do Vaticano II rezava-se assim para
invocar o Espírito Santo: “Venha sobre vós o Espírito Santo” – “Ó Deus, que
destes aos apóstolos o Espírito Santo [...), fazei que o mesmo Espírito Santo,
vindo agora sobre estes, os torne, habitando neles, templo da sua glória”.
c) O Ritual da Confirmação atual insiste numa efusão do Espírito Santo como
um dom pessoal, realizado pela unção crismal e pela imposição das mãos;

3. Na Teologia

a) Fausto de Riez, bispo. Séc V – “O Espírito Santo na fonte batismal nos dá


uma inocência, mas depois, na Confirmação, nos dá um aumento de graça,
no sentido de que, depois de nos ter regenerado no Batismo, somos equipados
para a batalha [...]. A Confirmação arma e equipa todos aqueles que devem
enfrentar os combates e as lutas deste mundo”24;
b) Rabano Mauro, séc. XI – “O Espírito Santo desce sobre o ser humano para
dar-lhe coragem de levar sem medo e sem tremor o nome de Cristo diante dos
reis e das potências do mundo, e de pregá-lo em plena liberdade”25;
c) Santo Tomás de Aquino, séc XIII – A confirmação é o sacramento que dá a
plenitude da graça [...] e é, por assim dizer, um crescimento espiritual,
ordenado a promover o ser humano a uma perfeita idade espiritual”26;
d) Paulo VI, papa. Séc XX – “Na Confirmação acontece uma comunicação da
própria pessoa do Espírito Santo, visto que ela desempenha o seu papel de
sacramento que assimila e incorpora os fiéis a Cristo, a fim de que sejam
fortificados de modo especial para ser testemunhas, propagadores e
defensores da fé”27.
e) Salvatore Marsili, abade. Séc XX – “O Sacramento da Confirmação, como
os outros sacramentos de iniciação, é essencialmente um sinal do Mistério de
Cristo e deve ser em nós, com efeito, revelação e participação da salvação
que se realizou em Cristo e do modo como esta realização aconteceu. Nela, o
Espírito Santo é dado pelas mesmas razões pelas quais veio sobre Cristo”28.

22
AG 11
23
RC 10 e 12
24
Homilia de Pentecostes (cf. texto em PL 7, 1119)
25
RABANO MAURO, De cleric. Instit. 30; PL 107,314
26
ST III, 72; 72, 1, a2
27
RC 10
28
Salvatore, Marsili. Sinais do Mistério de Cristo. 1ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2009.
Liturgia II: Sacramentos
16
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

A teologia do Sacramento da Confirmação

No AT, a presença e a ação do Espírito Santo sempre são apresentadas como um


fato individual, temporal e transitório.

 Ele é o princípio vital infundido no ser humano para permitir-lhe falar com Deus,
fazê-lo um ser vivo na santidade e torná-lo semelhante a Deus, (Gn 2,7);
 Com o pecado, o homem é reduzido ser “carne”(Gn 6,3);
 Guia e sustento do povo, é infundido sobre suas cabeça (Jz 3,9-10,12.15; Nm
11,17.25.26.29; 1Sm 16,13-14), fala pelos profetas (1Rs 18,12; 2Rs 2,16; Ez 2,2;
3,12-14);

O AT conhece uma promessa de Deus, que anuncia uma efusão de seu Espírito.

 O Espírito prometido a um descendente de Davi repousará permanentemente,


sobre ele (Is 11,1-3; 41,1; 61,1-3), fará dele o servo e eleito de Deus e o
consagrará com a unção (Is 42,1) e lhe permitirá operar a salvação definitiva
para o resto de Israel (Is 11,11) e para todos os povos (Is 11,10), pois anunciará
o ano da redenção do Senhor ((Is 61,1-3; cf. Is 42,6);
 O Espírito prometido ao povo Messiânico (Is 44,3; Jl 3,1) será sinal e fonte de
renovação interior (Is 32,15-20; 44,3-4) e de pertença definitiva a Deus e ao seu
povo (Is 44,5). Trata-se, de fato, da efusão do alto (Is 32,15) que, infundindo um
espírito novo dentro do homem (Ez 11,19; 36,26-27), fará com que eles se tornem
estavelmente não só povo de Deus (Ez 11,20; 36,29), mas também profetas (Jl
3,1).

O NT relata o cumprimento da promessa ao testemunhar a revelação da missão do


Espírito Santo.

 Cumprimento em Cristo: os Ev. Sinóticos anunciam tanto implícita (Mt 3,16-


17; par), como explicitamente (Mt 12,17-21; Lc 4,17-21) e o Ev. Jo insinua que a
presença do Espírito Santo influencia toda a atividade de Jesus (Jo 1,33). Ora,
Jesus aparece “cheio do Espírito Santo” (Lc 4,1), e é por ele acompanhado no
deserto (Mt 4,1; par), na pregação (Lc 4,14), na luta contra o demônio (Mt 12,28;
par), na oração (Lc 10,21), ao fazer de sua morte um sacrifício (Hb 9,14), na
ressurreição (Rm 1,4).
 Cumprimento no povo messiânico: com João Batista já nos deparamos com o
anúncio do “Batismo no Espírito Santo e no fogo” (Mc 3,11) sobre o povo e que
deverá ocorrer da parte do Pai (Jo 14,16-17.26), por meio de Cristo – que possui
o Espírito e que, por sua vez, convida a beber da sua fonte (Jo 7,37-39) quando
ele for glorificado (Jo 14,16-17.26; 15,26; 16,7.13-15; Lc 24,49; At 1,4-5). As
palavras de Cristo fixam o sentido e o valor de Pentecostes (At 2,38-39);
 Razão última da história da salvação: Deus estabeleceu que Cristo reconduza o
Espírito ao mundo pelo mistério de sua Encarnação e, particularmente, por sua
Paixão e Morte, quando “deu/transmitiu/entregou o seu Espírito” (cf. Jo 19,30).
Pentecostes aparece assim como o fim último da economia trinitária, pois permitiu
“a descida do Espírito Santo sobre a Igreja” (Nicolas Cabasilas).
 Promessa-síntese de todas as promessas do Pai: Cristo veio a fim de doar o
Espírito Santo, que resume tudo aquilo que Deus quer dar ou devolver ao ser
Liturgia II: Sacramentos
17
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

humano, isto é, a vida que já lhe infundira na criação e que novamente lhe
comunica no Mistério de Cristo, nova criação.
 O Pentecostes e a realização do Mistério Pascal: Pentecostes celebrava, 50 dias
depois da Páscoa (Êxodo do Egito), a constituição de Israel como “povo
sacerdotal de Deus” (Shavuot: Festa das Semanas - Dt 16,16). Por isso mesmo,
ao realizar o dom do Espírito Santo, foi interpretado como o momento no qual
Deus passa a ter o seu novo povo no discípulos de Cristo.
 A Confirmação e o dom da pessoa do Espírito Santo: os padres da Igreja já
afirmavam que a ação do Espírito no Batismo difere do dom do Espírito que
ocorre na Confirmação. Interpretando a obra redentora de Cristo como um
suceder-se de fatos conexos entre si, eles ensinam que o Batismo, unindo-nos a
Cristo, imagem do Pai, nos reforma à imagem de Deus, ao passo que a
Confirmação é acrescentada como elemento perfectivo e comunica ao ser humano
renascido como filho de Deus o seu Espírito, para que seja participação na sua
vida divina. Nesse sentido, “o Crisma depois da oração de invocação é um dom
de Cristo, dom efetivo do Espírito Santo pela presença de sua própria divindade”
(Cirilo de Jerusalém, bispo – séc. IV)

3. A Eucaristia

A Missa entrou no mundo, foi instituída, com a Última Ceia de Cristo, quando
ele, “na noite da traição, tomou o pão nas suas santas e veneráveis mãos e, levantando
os olhos para o céu, deu graças, abençoou-o, partiu-o e o deu aos seus discípulos: ‘tomai
e comei todos vós, porque este é o meu corpo’. A seguir, depois de ter ceado, tomou nas
suas santas e veneréveis mãos também este maravilhoso cálice e, depois, de ter dado
graças, abençoou-o e o deu aos seus discípulos dizendo: ‘tomai e bebei todos vós, porque
este é o cálice do meu sangue, (que é sangue) da nova e eterna Aliança – mistério da fé
– que é derramado por vós e por todos, para a remissão dos pecados. Toda vez que
fizerdes isso, o fareis em memória de mim’”.

Nesse sentido, em função de todo o processo de evolução histórica porque passou


a sua celebração litúrgica, nossa tarefa será a de tentar descobrir no rito atual sua forma
primitiva no momento da sua instituição, mostrando assim que, mesmo evoluindo, o rito
não deixou de ser aquele que Cristo quis. A Igreja sempre foi convicta da presença real
de Cristo na Eucaristia (isto é, em corpo, sangue, alma e divindade), que já pode ser
verificada desde o período neotestamentário e fica claramente evidenciada naquelas
práticas litúrgicas que a ele se sucedem, que deram corpo as grandes linhas do desenrolar
da celebração eucarística e que permaneceram as mesmas até aos nossos dias, em todas
as grandes famílias litúrgicas. A vida dos primeiros cristãos tinha como centro a Páscoa,
celebrada semanalmente no “domingo” e também anualmente no “Grande Domingo”.
Período de formação: época Apostólica (séc. I)

No séc. I, a Eucaristia, chamada de "Fração, Partilha do Pão" (Lc 24,30-35; 1


Cor 10,16; At 2,42.46; 20,7.11; 27,35) ou "Ceia do Senhor" (1 Cor 11,20-33) possui as
seguintes características:

 É celebrada junto com uma refeição, especialmente nas comunidades de origem


judaica e não comportava necessariamente um ritual de leituras e cantos, que
normalmente ainda era feito no templo e nas sinagogas;
Liturgia II: Sacramentos
18
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

 Nas comunidades de cristãos gentios, passou muito cedo a ser acompanhada por
um ritual de leituras, sermões e orações;
 Já era considerado um rito religioso próprio, que distinguia os primeiros cristãos
(em sua grande maioria oriundos do judaísmo) do restante dos judeus;
 Nos dá indícios de uma primeira celebração pascal, realizada em âmbito familiar
(At 2,46; 20,7), no qual, como sabemos por São Paulo, se "partia o pão" e se
"abençoava o vinho" (1 Cor 10,16; 11,23);
 Sua periodicidade era, muito provavelmente, semanal, sendo realizada aos
domingos, conforme nos indicam os textos de At 20,7 e da Did XIV;
 Ocorria durante uma "eucaristia" (1 Cor 11,24; MT 26,27; Mc 14,20; Lc 22,19.19;
At 27,35), isto é, numa oração de agradecimento a Deus pela revelação de seu
amor aos homens (criação-redenção) e, embora essa fórmula de agradecimento
derivasse do uso judaico cotidiano (berakah), os cristãos dele se serviam -
incluindo na mesma a narração da última ceia e as palavras de Cristo - não nas
suas refeições rotineiras, mas unicamente na refeição ritual;
 Seu sentido ritual apresentava-se, já desde a era apostólica, da seguinte forma:

1. Memorial: o rito cria uma presença salvífica do Senhor (Lc 24,1-35; Jo 20,20
e 24,29); a ceia do Senhor e a proclamação e a memória da morte do Senhor, que
se tornou presente no rito. Na fração do pão se dá a presença da Paixão, Morte e
Ressurreição de Jesus Cristo;
2. Sacrifical: já a Didaqué (escrito que data de fins do séc. I de nossa era e,
portanto, bem próximo do Novo Testamento) vai ensinar que os fiéis “reúnam-se
no dia do Senhor para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os
pecados, para que o sacrifício de vocês seja puro” (Did XIV).;
3. Eclesial: é das palavras do Apóstolo Paulo que vai emergir a eclesialidade deste
rito; “embora muitos, somos um só corpo, pois todos participamos deste único
pão”(1Cor 10,17).

Outros testemunhos: Didaché IX – X. XIV (Séc. I)

Capítulo IX

1 No que concerne à Eucaristia, celebrai-a da seguinte maneira:

2 Primeiro sobre o Cálice, dizendo: Nós vos bendizemos (agradecemos), nosso Pai, pela
santa vinha de Davi, vosso servo, que vós nos revelastes por Jesus, vosso Servo; a Vós, a
Glória pelos séculos! Amém.

3 Sobre o Pão a ser quebrado: Nós vos bendizemos (agradecemos), nosso Pai, pela Vida e
pelo Conhecimento que nos revelastes por Jesus, vosso Servo; a Vós, a Glória pelos séculos!
Amém.
4 Da mesma maneira como este Pão quebrado primeiro fora semeado sobre as colinas e
depois recolhido para tornar-se um, assim das extremidades da Terra seja unida a Vós vossa
Igreja em vosso Reino; pois vossa é a Glória e o Poder pelos séculos! Amém.

5 Ninguém coma nem beba de vossa Eucaristia, se não estiver batizado em Nome do Senhor.
Pois a respeito dela disse o Senhor: "Não deis as coisas santas aos cães!".

Capítulo X

1 Mas depois de saciados, bendizei (agradecei) da seguinte maneira:


Liturgia II: Sacramentos
19
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

2 Nós vos bendizemos (agradecemos), Pai Santo, por vosso Santo Nome, que fizestes habitar
em nossos corações, e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelastes por Jesus,
vosso Servo; a Vós, a Glória pelos séculos. Amém.

3 Vós, Senhor Todo-poderoso, criastes todas as coisas para a Glória de Vosso nome e, para
o gozo deste alimento e a bebida aos filhos dos homens, a fim de que eles vos bendigam; mas
a nós deste uma Comida e uma Bebida espirituais para a vida eterna por Jesus, vosso Servo.

4 Por tudo vos agradecemos, pois sois poderoso; a Vós, a Glória pelos séculos. Amém.

5 Lembrai-vos, Senhor, de vossa Igreja, para livrá-la de todo o mal e aperfeiçoá-la no vosso
Amor; reuni esta Igreja santificada dos quatro ventos no vosso Reino que lhe preparaste, pois
vosso é o Poder e a Glória pelos séculos. Amém.

6 Venha vossa Graça e passe este mundo! Amém. Hosana à Casa de Davi [Cf Mt 21,15].
Venha aquele que é santo! Aquele que não é (santo) faça penitência: Maranatá! [Cf 1Cor
16,22; Ap 22,20] Amém.

7 Deixai os profetas bendizer à vontade.

Capítulo XIV

1 Reuni-vos no dia do Senhor (Domingo) para a Fração do Pão e agradecei (celebrai a


Eucaristia), depois de haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja
puro.

2 Mas todo aquele que vive em discórdia com o outro, não se junte a vós antes de se ter se
reconciliado, a fim de que vosso Sacrifício não seja profanado [Cf Mt 5,23-25].

3 Com efeito, deste Sacrifício disse o Senhor: "Em todo o lugar e em todo o tempo se me
oferece um Sacrifício puro, porque sou o Grande Rei – diz o Senhor – e o meu Nome é
admirável entre todos os povos" [Cf Mal 1,11-14].

Período de formação: época Patrística (Séc. II-III)

S. Justino, Mártir (Séc II - 155 – Imperador Antonino Pio)

Apologia I, 65:

“No dia 'do Sol', como é chamado, reúnem-se num mesmo lugar os habitantes, quer das
cidades, quer dos campos. Lêem-se, na medida em que o tempo o permite, ora os comentários
dos Apóstolos, ora os escritos dos Profetas. Depois, quando o leitor terminou, o que preside
toma a palavra para aconselhar e exortar à imitação de tão sublimes ensinamentos. Nós,
depois de havermos batizados ao que creu e se uniu a nós, o conduzimos aos chamados
irmãos, ali onde estão reunidos, para rezar fervorosamente as orações comuns por nós
mesmos, pelo que acaba de ser iluminado e por todos os outros espalhados pelo mundo...
Acabadas as preces, saudamo-nos mutuamente com o ósculo da paz. Em seguida, ao que
preside entre os irmãos são apresentados pão e uma taça de água e de vinho. Quando o
presidente os recebe, louva e glorifica ao Pai do universo pelo nome do seu Filho e pelo
Espírito Santo, e pronuncia uma longa ação de graças, por haver-nos concedido esses dons,
que d’Ele nos vem. E quando o presidente conclui as orações e a ação de graças, todo o povo
presente aclama, dizendo: “Amém”. “Amém” seignifica, em Hebraico, “assim seja”. E uma
vez que o presidente deu grças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam diáconos
distribuem a todos os que estão presentes pão, vinho e água 'eucaristizados' e levam (também)
aos ausentes“.
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

“Este alimento se chama entre nós Eucaristia; da qual a ninguém é lícito participar , senão
ao que crê que nossa doutrina é verdadeira , e que foi purificado com o banho que concede
o perdão dos pecados e a regeneração, e que vive como Cristo ensinou. Porque essas coisas
não as tomamos como um pão comum ou bebida ordinária, mas que assim como Jesus Cristo,
nosso Salvador, feito carne por virtude do Verbo de Deus, teve carne e sangue pela nossa
salvação, assim ensinou-nos que, por virtude da oração ao Verbo que Deus procede, o
alimento sobre o qual foi dita a ação de graças – alimento do qual, por transformação, se
nutrem nosso sangue e nossa carne – é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado.
Pois os apóstolos, nas recordações por eles compostas, chamadas Evangelhos, nos
transmitiram que assim lhes havia sido mandado, quando Jesus, tendo tomado o pão e dado
graças, disse: “Fazei isto em memória de mim; isto é o meu corpo” (Lc 22,19; 1Cor 11,24),
e que, tendo do mesmo modo tomado o cálice e dado graças, disse: “Isto é o meu sangue”
(Mt 26,27); e que só a eles lhes deu parte”

Santo Ireneu (Bispo de Lyon – Séc III)

Adversus Haereses 4, 17, 5

“Cristo tomou o pão, que é algo da criação, e deu graças, dizendo: “Isto é o meu corpo”. E,
da mesma maneira, afirmou que o cálice, que é desta nossa criação terrena, era seu sangue.
E ensinou a nova oblação do Novo Testamento, a qual, recebendo-a dos Apóstolos, a Igreja
oferece em todo o mundo a Deus.”

Texto atribuído a Hipólito, bispo de Roma – Séc. III

Traditio Apostolica, 4

“Os diáconos ofereçam (ao bispo ordenado) a oblação, e ele, impondo as mãos sobre ela
com todos os Presbíteros, dando graças, diga: “O Senhor esteja convosco”. E todos digam:
“E com o teu espírito”. “Corações ao alto”. “Já o temos elevado ao Senhor”. “Demos graças
ao Senhor”. “Isto é digno e justo”. E continue assim: “Nós te damos graças, ó Deus, por
meio do teu amado Filho Jesus Cristo, que nos enviastes nos últimos tempos como salvador
e redentor nosso, e como anunciador de tua vontade. Ele é teu Verbo inseparável, por quem
fizestes todas as coisas e no qual te comprouveste. Tu o enviaste do céu ao seio de uma virgem
e, tendo sido concebido, se encarnou e se mostrou como teu Filho, nascido do espírito Santo
e da Virgem. Ele, cumprindo a tua vontade e conquistando para ti um povo santo, estendeu
seus braços, padecendo para livrar do sofrimento os que creram em ti. Tendo se entregado
voluntariamente a paixão para destruir a morte, romper as cadeias do Demônio, humilhar o
inferno, iluminar os justos e manifestar a ressurreição, mostrando o pão e dando-te graças,
disse: “Tomai, comei. Isto é o meu corpo, que será dado por vós.” Do mesmo modo, tomou
o cálice, dizendo: “Isto é o meu sangue, derramado por vós. Quando fazeis isto, fazei-o em
minha memória”. Recordando, pois, sua morte e ressurreição, nós te oferecemos este pão e
este cálice, dando-te graças porque nos tornastes dignos de estar em tua presença e de servir-
te como sacerdotes. E (agora) te pedimos que envies o teu Espírito Santo sobre a oferta da
santa Igreja, congregando na unidade todos os santos que desta (oferta) participam, para
que sejam cheios do Espírirto Santo para poder confirmar a fé na verdade, e assim possamos
te louvar e glorificar por meio do teu Filho Jesus Cristo, o qual é glória e honra a ti, Pai e
Filho com o Espírito Santo, na tua santa Igreja, agora e nos séculos dos século. Amém!”

Traditio Apostolica, 21

“Todas estas coisas o bispos as explicará aos que recebem (pela primeira vez) a comunhão.
Quando parte o pão, ao apresentar cada pedaço, dirá: ‘o pão do céu em Cristo Jesus’. E o
que recebe responderá: ‘Amém’. Se não há presbiteros suficientes para oferecer os cálices,
intervenham os diáconos, atentos a observar perfeitamente a ordem; o primeiro segure o
cálice da água; o segundo, o do leite, e o terceiro o do vinho. Os comungantes tomem de cada
um dos cálices.”
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Traditio Apostolica, 22

“Aos domingos, se é possível, o Bispos distribuirá de sua própria mão (a comunhão) a


todo povo, enquanto que os diáconos e os presbíteros partirão o pão. Logo o diácono
oferecerá a Eucarista e a patena ao sacerdote ; este as receberá , as tomará em suas
mãos para logo distribuí-las ao povo. Nos demais dias , se comungará seguindo as
orientações do bispo.”

Traditio Apostolica, 37

“Todos os tenham o cuidado de tomar a Eucaristia antes que comam qualquer outro
alimento...E cuide-se que não a tome um infiel, nem um rato nem outro animal, e de que
ninguém a profane, nem a derrame, nem a perca. Sendo o corpo de Cristo, que será
comido pelos fiéis, não deve ser menosprezado.”

Traditio Apostolica, 38

“Também no cálice bendito no Nome do Senhor se recebe como sangue de Cristo. Por
isso, nada deve ser derramado...se tu o menosprezas, serás tão reponsável do sangue
derramado como aquele que não valoriza o preço pelo qual foi adquirido.”

Orígenes (Séc. III)

Sobre o Exodo, 13, 3

“Conheceis vós, os que costumais assistir aos divinos mistérios, como quando recebeis o
corpo do Senhor, o guardais com toda cautela e veneração, para que não se percanem um
pouco dele, nem desapareça algo do dom consagrado. Pois seríeis réus, se se perdesse algo
dele por negligência. E se empregais, com razão, tanata cautela para conservar seu Corpo,
como julgais coisa menos ímpia ter descuidado sua Palavra que seu Corpo?

São Cipriano de Cartago (Séc. III).

Carta 63, 14

“Se Cristo Jesus, Senhor e nosso Deus, é sumo sacerdote de Deus Pai, e o primeiro que se
ofereceu em sacrifício ao Pai, e presecreveu que se fizesse isto em memória de Si, não há
dúvida que cumpre o ofício de Cristo aquele sacerdote que reproduz o que Cristo fez, e então
oferece na Igreja a Deus Pai o sacrifício verdadeiro e pleno, quando ofereceu aquilo que
Cristo mesmo ofereceu”

Carta 63, 14

“E já que fazemos menção de sua paixão em todos os sacrifícios, pois a paixão do Senhor é
o sacrifício que oferecemos, não devemos fazer outra coisa senão o que Ele fez”

Carta 12,2 cf 37,1; 39,3

“A Eucaristia, portanto, consiste em oferecer a oblação e o sacrifício”

Carta 57,3

“Todos os dias celebramos o sacrifício de Deus”


Liturgia II: Sacramentos
22
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

De oratione dominica 4

“Quando nos reunimos com os irmãos e celebramos os divinos sacrifícios com o sacerdote
de Deus, não proferimos nossas orações com palavras descompassadas, nem lançamos em
torrentes de palavreados a petição que devemos confiar a Deus com toda modéstia.”

Carta 5,2

“A comunhão é a melhor preparação para o martírio, e por isso deve ser levada aos
confessores que no cárcere se dispõem a confessar a sua fé”

Carta 58,1

“Aproxima-se uma luta mais feroz e dura, para a qual se devem preparar os soldados de
Cristo com uma fé incorrupta e uma virtude fortíssima, considerando que para isso bebam
todos os dias o cálice do sangue de Cristo, para poderem derramar, eles mesmos, o sangue
por Cristo”

Carta 15,1 cf 16,2; 17,2

“Não devem ser recebidos (na Eucaristia) os que não estão reconciliados e em paz com a
Igreja, nem fizeram penitência, nem receberam a imposição das mãos do bispo ou do clero”

Eusébio de Cesaréia (Séc IV).

Demonst. Evang. 140,2

“Nós ensinamos que, em vez dos antigos sacrifícios e holocaustos, foi oferecida a Deus a
vinda na carne de Cristo e o corpo a Ele adequado. E esta é a boa nova que se anuncia a sua
Igreja, como um grande mistério. Nós temos recebido o mandato de celebrar na mesa
(eucarística) a memória deste sacrifício por meio dos símbolos do seu corpo e do seu sangue
salvador, segundo a instituição do Novo Testamento. E assim todas estas coisas preditas por
inspiração divina desde os tempos antigos, celebram-se atualmente em todas as nações,
graças aos ensinamentos evangélicos de nosso Salvador...Sacrificamos, por conseguinte, ao
Deus supremo um sacrifício de louvor; sacrificamos um sacrifício inspirado por Deus,
venberado e sagrado; sacrificamos de um modo novo, segundo o Novo Testamento, o
“sacrifício puro”

Demonst. Evang. 1, 10

“Por conseguinte, não só sacrificamos, mas também queimamos incenso. Umas vezes,
celebrando a memória do grande sacrifício, segundo os mistérios que nos foram confiados
por Ele, e oferecendo a Deus, por meio de piedosos hinos e orações, a ação de graças
(Eucaristia) pela nossa salvação; outras vezes, submetendo-nos por completo a Ele e
consagrando-nos em corpo e alma ao seu sacerdote, o Verbo mesmo”

Demonst. Evang. 5,3

“Quanto ao sacrifício eucarístico, da mesma maneira que nosso Salvador e Senhor em


pessoa, o primeiro, depois todos os sacerdotes procedentes dele, cumprindo o espiritual
ministério sacerdotal, segundo os ritos eclesiásticos, por todas as nações expressam com o
pão e o vinho os mistérios de seu corpo e de seu sangue salvador”

Santo Atanásio de Alexandria (Séc. IV)


Liturgia II: Sacramentos
23
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Carta 1, 9

“Nós não estamos mais em tempos de sombras, e agora não ijmolamos um cordeiro material,
mas aquele verdadeiro cordeiro que foi imolado, nosso Senhor Jesus Cristo, o que foi
conduzido ao matadouro como uma ovelha, sem que dissesse uma palavra diante do algoz
(cf. Is 53,7), purificando-nos assim com o seu precioso sangue, que fala muito mais que o de
Abel”

Carta 5,1

“Nós nos alimentamos com o pão da vida, e deleitamos sempre nossa alma com seu precioso
sangue, como se fosse uma fonte. E, com efeito, sempre estamos abrasados de sede. E Ele
mesmo está presente nos que têm sede, e por sua benignidade chama à festa aqueles que têrm
entranhas sedentas: “se alguém tem sede, venha a mim e beba”

Nesse contexto, verificamos as seguintes características no Rito da Missa:

 Possui, basicamente, duas partes distintas: uma parte didática (com leituras do
AT e NT, homilia, oração universal e rito da paz) e um rito eucarístico
(apresentação das ofertas, oração eucarística feita pelo presidente da
celebração, dirigida ao Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo e concluída com o
amém dos fiéis, seguida da comunhão);
 Acontece aos domingos, dia da ressurreição do Senhor, sendo uma reunião única
para todos;

Tertuliano, entre o final do séc II e começo do séc III, acrescenta alguns pontos
novos ao nosso conhecimento da Missa:

 É celebrada nos stationum dies, em reuniões noturnas, por ocasião de funerais


e nos aniverários dos defuntos29;
 A comunhão é recebida nas mãos;
 É concluída com a aclamação do povo, que diz Amém.

Pela Tradição Apostólica de Hipólito de Roma – séc. III, sabemos que:

 As ofertas eram apresentadas pelo diácono e sobre ela ofertas eram impostas as
mãos do bispo e dos presbíteros presentes;
 A Eucaristia (Prefácio) começava com o diálogo: “Dominus vobiscum [...];
Sursum corda [...]; Gratias agamus Domino”. O pão partido era distribuído
dizendo-se: “Panis caelestis in Christo Iesu” e se respondia: “Amen”;
 Existia uma fórmula completa de oração eucarística, ainda endereçada ao Pai,
mas com um caráter fortemente cristológico, pois concentrava-se no Mistério da
encarnação-paixão de Cristo; que celebrava a eucaristia (e sua instituição) como
uma manifestação da Paixão do Senhor; que compreendia o memorial como o
mecanismo pelo qual a Igreja se conecta a Cristo; cuja epíclese é a invocação do
Espírito Santo sobre a oferta da Igreja; e onde a doxologia final, com a qual se dá
glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, acontece na santa Igreja.

29
Com o fim das perseguições, os mártires da fé se tornam objeto de atenção especial e de veneração. Por
volta da metade do séc. II, a comunidade de Esmirna na Ásia Menor já celebra a memória anual do seu
Bispo o mártir Policarpo
Liturgia II: Sacramentos
24
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Período de formação: época Patrística (Séc. IV-V)

O começo do séc. IV é o tempo de pluralismo litúrgico. Com a expansão da fé


pelos confins do império romano a celebração litúrgica tende a evoluir e os ritos
multiplicaram-se, conservando as características originais, mas distinguindo-se em
função da língua e região. Tais diferenciações não pouparam a Missa e, uma vez que a
evangelização difundiu-se em cidades importantes, que se tornaram centros de irradiação
da fé cristã, seus grupos ou famílias litúrgicas, que diferenciam-se pela posição e
quantidade das orações, podem ser assim esquematizados:
Antioqueno,
Siríaco ocidental Maronita, Bizantino
Russo e Armênio
Antioqueno (Siríaco)
Nestoriano, Caldeu e
Siríaco oriental Malabar (Índia-
Malabar)
Grupo Oriental

Copta

Alexandrino

Etíope

Romano

Africano

Ambrosiano

Aquileiês
Grupo Ocidental (Patriarquino)

Hispânico
(visigótico - depois:
mozarábico)

Galicano

céltico
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

A Missa romana do séc. IV ao VI

A Missa romana pertence ao grupo litúrgico ocidental e constitui o seu momento


mais alto, seja em si mesmo, seja porque influenciou notavelmente as demais liturgias
latinas. As fontes das antigas liturgias ocidentais estão sobretudo nos livros chamados
sacramentários (que contém as fórmulas do celebrante), nos lecionários-evangeliários
(para as leituras) e, pelo menos no que se refere à liturgia romana, nas Ordines romani
(Livros cerimoniais). No séc. IV ocorre a mudança da língua litúrgica, em Roma, com o
papa Dâmaso (366-384), do grego para o latim; criam-se novos formulários litúrgicos nas
partes variáveis da Missa devido ao desenvolvimento do Ano litúrgico e dos seus
diferentes tempos e festas (Natal-Epifania, Ascenção, Quaresma e Advento, Festas de N.
Sra. e dos Santos – mártires e confessores); alguns formulários conseguem uma certa
fixação; e alguns começam a se ocupar da atividade literária litúrgica, seja para a
composição, seja para a correção de material a ser utilizado nos ritos oficiais da Igreja.

Período de estabilização: a Missa romana nos séc. VII-VIII

As graduais transformações litúrgicas levaram a um novo cenário em relação à


Missa que, nesse contexto, pode ser apresentado da seguinte forma:

Parte I Parte II
Canto de Entrada Oferta (com canto e oração sobre as oferendas)
Oração de Intercessão Oração eucarística (Prefácio-Santo-Cânon)
1ª Oração: Leitura dos “profetas” – canto Fração do pão
2º Oração: Leitura dos “apóstolos” – canto Beijo da paz
Evangelho – Homilia Comunhão (com canto)
Envio dos catecúmenos Oração depois da comunhão
Oração sobre o povo

O emprego termo “Missa” no sentido atual, para se referir a toda celebração


eucarística, aparece com certeza pela primeira vez com São Leão Magno e sua origem é
resultado da contração latina da palavra missio, no sentido de enviar ou despedir e foi
muito utilizada por Egéria, Santo Agostinho, Cassiano e São Bento; este último, sugere
que se despeçam as pessoas (missae sunt ou missae fiant) depois das orações. O que
aconteceu, em síntese é que a última palavra que fechava a ação litúrgica deu o nome a
todo o rito (o rito latino atual, por exemplo, termina com a despedida ite Missa est).

A Missa romana do séc. VIII até a Idade Média

Salvo algumas pequenas modificações, o quadro da Missa dos séc. VII-VIII fica
praticamente sem variações em sua composição. Os livros vão sendo acrescidos de novas
fórmulas, mas já modeladas sobre um tipo literário tradicional. A oração eucarística, que
se distingue claramente em duas partes, das quase uma se chamará “Prefácio” e a outra
“Cânon” (ou seja, segundo uma norma fixa), fica, nesta segunda parte, definitivamente
codificada e veneravelmente conservada. Desenvolve-se, então, a partir daí, um
verdadeiro acúmulo de movimentos, cerimônias e personagens, que passou a cobrir
aquela simplicidade primitiva e apresenta algo de grandioso e solene, cuja inspiração é,
sem dúvida, a cultura da corte do império romano (passada do imperador para o papa e
para o bispo), e foi intensificado especialmente na Idade Média, em muito, devido à
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

influência franco-germânica: por exemplo, uso e movimento de candelabros, do incenso,


da troca de vestes ou do modo de vestí-las e, apesar dos livros litúrgicos já gozarem de
certa autoridade, outro aspecto numa certa multiplicação das orações, muitas de caráter
privado. Assim, a Missa Medieval desemboca na reforma litúrgica tridentina, salvo
poucas variações, com muitas reproduções daquilo que já era praticado.

A teologia litúrgica da Missa

A Missa é uma realidade litúrgica, ou seja, é celebração do acontecimento da


salvação por excelência, por meio do qual, os seres humanos são postos em condição de
pretar um verdadeiro a Deus (cf. Jo 4,23,-24). Nesse sentido, a fé da Igreja, expressa em
Trento, diz-no que a Missa é simultaneamente:

a) a continuação (repetição ritual) daquilo que Cristo fez na Última Ceia;


b) a perpetuação (presença ritual) do sacrifício da Cruz.

É no ambiente espiritual da ceia judaica que Cristo celebra sua última Páscoa e
institui a Missa e, segundo evangelhos, este fato teve uma extraordinária importância em
sua vida (cf. Lc 22, 15 “desejei ardentemente...”). Foi nela que Cristo inseriu o novo
significado pascal da libertação verdadeira e definitiva. Em outras palavras: aquela era
a última Páscoa de Jesus, mas não só a dele. A Páscoa judaica acabou, pois cede agora o
seu lugar à nova Páscoa, celebrada não mais com os sinais do sangue do cordeiro e dos
pães ázimos, mas com o Corpo (Jo 19,36; 1Cor 5,7; 1Pd 1,13-21) e o Sangue de Cristo
(Mt 26,28; Mc 14,24; Lc 22,20; 1Cor 11,25), sinais da Nova e Eterna Aliança, já
anunciada desde o AT (cf. Jr 31,31). A novidade da aliança de Cristo não está somente
na ordem temporal. Esta, de fato, é “nova”, porque é “diferente” da primeira; é “melhor”
do que a primeira (Hb 7,22) porque fundamenta-se sobre promessas mais elevadas (Hb
8,6) e foi sancionada num sangue realmente imaculado (Hb 8,7); é a “segunda” (Hb 8,7)
e ao mesmo tempo “eterna”, , porque não está sujeita ao envelhecimento (Hb 8,13); “tem
Jesus por mediador” (Hb 8,6; 9,15; 12,24) no lugar de Moisés (Hb 9,19; Gl 3,19); é o
“cumprimento da primeira aliança”; e une o próprio Cristo ao novo povo de Deus. Isto
foi o que Cristo fez na sua Última Ceia Pascal. A Eucaristia é a última e perene Páscoa
de Cristo, ou seja, a redenção total.

4. A Penitência

O Sacramento da Penitência segue imediatamente os sacramentos da iniciação e


indica que aquela atitude fundamental do ser humano religioso de distanciamento do mal
e de conversão a Deus é assumida e elevada por meio de um sinal sagrado para ser um
momento da obra da salvação realizada pelo próprio Cristo. Ora, o estudo do fenômeno
religioso humano nos informa que em todos os povos sempre existiram ritos de expiação,
cuja finalidade básica era a recuperação do estado de amizade entre os homens e a
divindade, perdido por causa da violação de um tabu ou de um preceito moral30. No AT,
quando o sentido de pecado é compreendido a partir do distanciamento de Deus,
esquecimento de sua aliança e não observância de sua palavra, principalmente por
influência da contínua atividade profética, como pode ser verificado em Jl 1,13-15+2,12-

30
Esse estado de inimizade era percebido pelo surgimento do mal (dor, perseguição, desastres físicos,
econômicos, morte), visto que a violação de um tabu provoca o desencadeamento de forças maléficas das
quais o tabu protegia tanto o indivíduo como a comunidade. Este mal poderia, assim, ser expurgado por
práticas penitenciais, pela confissão de pecados e pela oferta de sacrifícios.
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

19; Am 4,4-12; Is 63,7-64,8; Esd 9,5-15; Dn 3,25-45; e, particularmente, em Ne 9-1031,


já encontramos alguns traços de uma verdadeira liturgia penitencial, que deveria ser
realizada anualmente no Yom kippur, dia da expiação (cf. Lv 16; 23,26-32; At 27,9. Nesse
sentido, por implicar num processo de penitência-conversão, realizado através da
confissão dos pecados ( Mt 3,5; Mc 1,5) e do retorno a Deus (Lc 1,16-17), também deve
ser considerado um rito penitencial o Batismo de João no Jordão (Mt 3,11; Mc 1,4; Lc
3,3; At 13,24; 19,4).

Nos evangelhos, ainda sem grandes traços de liturgias penitenciais, embora já se


possa entrever certo processo por causa do pecado em Mt 16,15-18, verificamos que Jesus
inicia sua missão retomando o binômio profético da penitência-conversão (Mt 4,1-17; Mc
1,14-15), que consiste essencialmente na atitude de conversão, que apenas manifestada
traz consigo o perdão, que é simplesmente dado, pois ele veio para “chamar os pecadores
à conversão e à remissão dos pecados” (Mt 9,13; Mc 2,17; Lc 5,32). Essa missão é dada
por Jesus aos seus discípulos (Mt 6,12; Lc 24,47; At 20,21; 26,20) e, a eles, fica ligado o
dever-poder cristão de perdoar os pecados (Mt 9,6-8; Jo 20,21-23). Em At 2,38 vemos,
finalmente, que a conversão-perdão dos pecados ficou vinculada, desde a Igreja
Apostólica, a uma verdadeira e própria liturgia penitencial. Nesse contexto, a remissão
dos pecados é precedida por uma confissão, é acompanhada pela oração (Tg 5,15-16), é
seguida de uma imposição de mãos (1 Tm 5,20-22) e acontece em nome/pelo poder de
Cristo (1 Cor 5,4).

O desenvolvimento histórico do sacramento da Penitência

a) Primeiro período: do séc II ao séc VI

Os primeiros testemunhos explícitos conhecidos noticiam um contexto de grande


polêmica e de tendências restritivas quanto ao uso, à celebração e à administração do
Sacramento da Penitência, principalmente devido às preocupações da Igreja em relação
às recaídas no pecado. Assim, no início do séc II, O pastor de Hermas sinaliza para a
possibilidade de ser conceder, depois do Batismo, uma nova Penitência, mas por uma só
vez32. Tertuliano, por exemplo, sustenta no De puditia que “certamente a Igreja pode,
mas não deve remitir todos os pecados”, e sobretudo não deve remitir os pecados da
idolatria, homicídio e adultério (=pecado sexual de qualquer tipo), por que esse era o trio
que, segundo alguns, os apóstolos teriam indicado como o conjunto de coisas que impede
a qualquer um de ser cristão (cf. At 15,28-29). Todavia, a Igreja jamais aceitou
oficialmente qualquer distinção entre pecados remissíveis e irremissíveis.

A partir dos escritos de Tertuliano, Orígenes, Cipriano, Agostinho, Ambrósio e


outros, podemos verificar que a Penitência Canônica se articulava em três momentos nos
séc II e III:

a) Confissão do pecado, secreta, ao bispo ou ao presbítero encarregado. Assim a


pessoa era admitida entre os penitentes, que juntamente com os catecúmenos e os

31
Em Ne 9 verificamos a presença dos típicos sinais penitenciais do AT: jejum, vestes de saco, cabeças
cobertas de cinza, separação entre judeus e estrangeiros, leitura da Lei do Senhor, confissão dos pecados,
apelo ao perdão e proclamação de um compromisso de fidelidade futura.
32
Essa linha desembocará num rigorismo extremo, com a proibição da Penitência para determinados
pecados na práxis eclesial precedente ligada aquelas correntes espirituais montanistas, por exemplo.
Liturgia II: Sacramentos
28
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

fiéis formavam as três classes das quais era composta a Igreja de então; aos
penitentes era proibido, enquanto não houvessem cumprido a Penitência,
participar da Eucaristia e unir sua voz à dos fiéis na oração comum. Assistiam à
essa oração, aliás, ficando num lugar separado dos demais fiéis e perto da entrada.
b) Obras penitenciais, que consistiam principalmente em prolongados jejuns e na
proibição de comer carne e beber vinho; vestes simples (sacos), orações de
joelhos, pedidos de orações dos outros durante a liturgia.
c) Reconciliação ou paz. Era o rito no qual, com a imposição das mãos do bispo e
de todo o clero presente, ocorria a remissão dos pecados e a readmissão pública
no interior da assembleia daquele que até então estavam à margem dela33.

Nesse período, a Penitência é sempre e somente requerida para as culpas graves,


públicas ou ocultas34, pode ser feita uma só vez na vida e é estendida longamente (às
vezes até o fim da vida) a critério do bispo. No séc IV, os concílios de Elvira (Espanha,
305) e de Arles (França, 314) já fixam a duração da Penitência para determinados
pecados; por exemplo, um fato de adultério: cinco anos de penitência; uma delação não
grave: cinco anos; mas se esta tiver como consequência a morte ou o exílio do acusado,
a pessoa não é readmitida à “comunhão” nem mesmo no fim da vida. Os penitentes, além
disso, estavam sujeitos a particulares interditos ou proibições, seja durante a Penitência,
seja depois de ocorrida a reconciliação. De fato eram proibidos de comercializar, de
assumir cargos públicos, de serem admitidos às ordens sacras, de casar (no caso de
celibatários), etc. Tratava-se de uma espécie de morte civil, à qual se podia fugir apenas
abraçando o monaquismo, e que visava manter elevada a vida cristã.

b) Segundo período: do séc VII ao séc XII

No séc VI, quando provavelmente a antiga forma rigorista caiu em desuso em


muitas dioceses na França e Inglaterra, começa a se manifestar uma verdadeira virada
penitencial. Note-se que, pouco depois, num Sínodo francês, em 644, os bispos
unanimemente concordam que “aos penitentes deve ser dada a Penitência toda vez que
fizerem a confissão”. Também temos notícias, já nessa época, que alguns bispos dão a
reconciliação logo depois da confissão, sem a imposição daquelas rigorosas penitências
antigas e de claros sinais da evolução do sacramento para a forma privada atual, como
demonstra, por exemplo, o surgimento dos Livros penitenciais, isto é, listas de pecados e
suas penas correspondentes (em geral, consistindo na observância de jejuns a pão e água
num certo número de dias, semanas, meses ou até anos)35. É desse período que se começa
estabelecer a obrigatoriedade da confissão, primeiro por três vezes ao ano para que se
possa fazer a comunhão (no Natal, na Páscoa e em Pentecostes) e, a partir do IV Concílio
de Latrão, em 1215, impõe-se como obrigação de consciência fazer a confissão uma vez
ao ano.

c) Terceiro período: do séc XIII à época pós-tridentina

33 A partir do séc IV o rito da reconciliação passou a ser realizado na manhã da Quinta Feira Santa, de
modo que, junto com os fiéis, pudessem celebrar a Páscoa tanto os cristão novos (batizados) como os
cristãos renovados (penitentes).
34
Se por um lado a Igreja nunca aceitou a distinção entre pecados remissíveis e irremissíveis, por outro ela
sempre reconheceu a diferença entre culpas graves pecados quotidianos e, consequentemente, também
conheceu uma Penitência comum ou quotidiana, que consiste em fazer todo tipo de boas obras e a
Penitência extraordinária, laboriosa, pelas culpas graves.
35
Deve-se considerar que, durante algum tempo, ainda vigorou certa submissão dos pecadores públicos-
notórios a Penitência pública, segundo o sistema antigo.
Liturgia II: Sacramentos
29
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Em grande parte influenciada pelo pensamento de Santo Tomás de Aquino, para


quem a confissão exige a absolvição e a absolvição pressupõe a confissão, o Concílio
de Trento procurou construir um corpo doutrinal exato sobre o pensamento eclesial a este
repeito. Nesse sentido, sua doutrina pode ser sintetizada da seguinte forma:

 A Penitência-conversão sempre foi necessária ao ser humano e foi elevada a


condição de sacramento por instituição de Cristo, conforme se pode deduzir de Jo
20,22ss;
 O sacramento é composto de partes distintas: os atos do penitente (contrição,
confissão e satisfação) e as palavras do ministro, que diz “eu te absolvo...”
 A confissão, que consiste na acusação íntegra de todos os pecados mortais e das
circunstâncias que podem mudar a espécie do pecado, deve ser considerada
necessária a todos os que pecaram depois do batismo e implícita na instituição
do sacramento da Penitência, é dever imposto aos fiéis e corresponde ao poder
das chaves com o qual Cristo tornou seus vigários os sacerdotes, para que
pronunciassem a sentença de dissolução ou de retenção dos pecados;
 A absolvição dos pecados confessados, quando dada por quem pode dá-la, ou
seja, os bispos e sacerdotes, em virtude do “poder de ligar e desligar e de remitir
ou reter” os pecados (cf. Jo 20,23), alcança efetivamente o seu efeito, isto é, a
remissão sacramental dos pecados;
 A satisfação imposta ao penitente tem o duplo objetivo da aceitação de uma pena
(sofrimento-dor) e para aumentar a cautela e a vigilância dos pecadores no futuro
(cura);

No período posterior a situação se mantém praticamente inalterada.

d) Quarto período: a reforma litúrgica do Vaticano II

A diminuição da frequência à confissão em todas as camadas dos fiéis e um


generalizado embaraço quanto à sua utilidade, sinalizavam uma significativa crise em
torno do sacramento da Penitência. Esta foi a razão pela qual o Concílio estabeleceu que
fosse providenciada um reforma, tanto no plano do sinal como no plano do conteúdo e do
significado do sacramento36. Esta reforma articula-se a partir do “espírito do rito” , seu
sentido eclesial e seu valor celebrativo, e desemboca em novas possibilidades de sua
estruturação, pois apresenta três formas distintas de celebração.

 Sentido eclesial da Penitência: na Escritura, a Penitência é apresentada como


atitude fundamental e necessária da Igreja, expressada na sua vida e celebrada na
sua liturgia como procura constante de purificação. Assim, enquanto a conversão
se expressa mediante a confissão feita pela Igreja, a remissão dos pecados é obtida
por meio da Igreja, remissão que é ao mesmo tempo reconciliação com Deus e
com a Igreja;
 Valor celebrativo da Penitência: a Penitência é uma ação de culto comunitária,
por isso, exige a comunidade exprima e realidade penitencial que leva consigo ao
longo de toda sua caminhada, mas, particularmente, nos chamados “tempos
fortes” do Ano Litúrgico (Advento-Natal, Quaresma-Pácoa-Pentecostes), devido

36
Sejam revistos o rito e as fórmulas da Penitência, de forma que estes exprimam claramente a natureza e
o efeito do sacramento” (SC 72).
Liturgia II: Sacramentos
30
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

a expressiva articulação entre gestos (movimento de retorno) e palavras (Palavra


de Deus e resposta de oração: diálogo);

 Estruturação do Rito: são apresentados os ritos de reconciliação de penitentes


individuais, de mais de um penitente com confissão e absolvição individual e de
mais de um penitente com confissão e absolvição geral. Outro aspecto
importante é a introdução da Palavra de Deus na celebração do sacramento e nas
celebrações penitenciais, com o objetivo de recordar e inculcar ao pecador que
nele e ao seu redor se desenvolve uma história de salvação, na qual Deus opera
com seu amor pelo ser humano e da qual o pecador tentou, com o seu pecado, se
separar, seguindo sua própria história.

A Teologia do Sacramento da Penitência

a) O nome do Sacramento

O nome que se procurou manter e generalizar no uso é aquele mais antigo e mais
expressivo: Sacramento da Penitência. O termo Penitência provém do Latim e, nos
primeiros autores cristãos aparece como uma tradução do grego metànoia, que significa
propriamente mudança radical na conduta de vida, ou seja, uma conversão espiritual de
ânimo, de pensamento e de atitude interior, que signifique o efetivo distanciamento do
mal e do pecado e realize um consequente retorno a Deus.

b) O que é a Penitência

No AT, enquanto pecado é sempre apresentado como um abandono, uma traição


e uma rebelião contra Deus, a Penitência realiza a busca pelo Deus da Aliança (cf. Dt
4,29; 1 Cr 16,11; Sl 68,33; 104,4; Os 10,12; Is 55,6; Dn 3,41), se exprime pela conjugação
entre o jejum (cf. Ex 34,28; Dt 9,9; Dn 9,3; 10,2; 1 Sm 7,6; 2 Sm 12,16), a oração pública
a Deus (cf. Jr 14,12; Esd 8,21.23; Ne 1,4) e a confissão dos pecados (1 Sm 7,6; Ne 9,1),
e é considerada válida pelos profetas somente quando é sinal da interior conversão a Deus,
sobretudo, quando manifesta um comportamento com justiça e amor em relação aos
outros (Is 58, 1-10; Zc 7,5-6; Jl 2,13). Po isso, a Penitência deve sempre ser entendida
como um reencontro conosco mesmos, uma vez que, através dela, é reparada aquela
situação de ruptura com a eleição e a escolha que Deus fez em relação a nós. No NT,
Jesus sublinha a importância que ele atribui à Penitência e à conversão, quando submete-
se ao Batismo no Jordão, retoma pessoalmente sua pregação depois que João foi preso
(Mc 1,14-15), anuncia-a como premissa indispensável para a adesão ao Evangelho (Mt
12,4; Mt 11,20-24; 18,3-5.10-14) e não só chama os pecadores à conversão (Lc 5,32),
mas remite-lhes os pecados em vista da fé com a qual o buscam os que dele se aproximam
(Lc 5,20). Tudo isso explica como era vontade do Senhor que à conversão do pecador se
seguisse a remissão dos pecados.

c) O Ministério da Reconciliação

A ação de Cristo é sacramental, porque a realidade da salvação e reconciliação


chega ao ser humano através do sinal daquela humanidade de Cristo, na qual Deus
reconciliou consigo os seres humanos: sua a encarnação, morte e ressurreição criaram
no mundo uma situação de novidade absoluta (cf. Hb 10,14), uma vez que, por Cristo,
com Cristo e em Cristo, o Pai remitiu todo o pecado do mundo, sem limite de tempo e
Liturgia II: Sacramentos
31
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

espaço. Assim, quando Cristo envia os seus discípulos da mesma forma e com a mesma
missão com que o Pai o enviou (Jo 20,21), ele lhes confia o ministério e a palavra da
reconciliação (2 Cor 5,18): “ a quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem
os retiverdes, ficarão retidos” (Jo 20,23). Trata-se de um ministério, isto é, um fruto de
um carisma do Espírito Santo (cf. Jo 20,22; 1 Cor 12,4-5), exercido e aplicado, “em
nome e pelo poder de Cristo” (2 Cor 5,20; 1 Cor 5,4), no sacramento do Batismo e, nesse
caso, no sacramento da Penitência.

d) A Instituição do Sacramento da Penitência

A Tradição da Igreja sempre foi unânime ao considerar a origem do sacramento


da Penitência na própria pessoa de Cristo (cf. Mt 18,18; Jo 20,23).

5. A Unção dos Enfermos

“Pela santa Unção dos Enfermos e pela oração dos presbíteros, toda a Igreja
encomenda os doentes ao Senhor, sofredor e glorificado, para que os alivie e os salve:
mais ainda, exorta-os a que, associando-se livremente à paixão e morte de Cristo,
concorram para o bem do povo de Deus”37.

Os seus fundamentos na economia da salvação

A doença na vida humana

A doença e o sofrimento estiveram sempre entre os problemas mais graves que


afligem a vida humana. Na doença, o homem experimenta a sua incapacidade, os seus
limites, a sua finitude. Qualquer enfermidade pode fazer-nos entrever a morte. A doença
pode levar à angústia, ao fechar-se em si mesmo e até, por vezes, ao desespero e à revolta
contra Deus. Mas também pode tornar uma pessoa mais amadurecida, ajudá-la a discernir,
na sua vida, o que não é essencial para se voltar para o que o é. Muitas vezes, a doença
leva à busca de Deus, a um regresso a Ele.

O doente perante Deus

O homem do Antigo Testamento vive a doença à face de Deus. É diante de Deus


que desafoga o seu lamento pela doença que lhe sobreveio e é d’Ele. Senhor da vida e da
morte, que implora a cura. A doença torna-se caminho de conversão e o perdão de Deus
dá início à cura. Israel faz a experiência de que a doença está, de modo misterioso, ligada
ao pecado e ao mal, e de que a fidelidade a Deus em conformidade com a sua Lei restitui
a vida: «porque Eu, o Senhor, é que sou o teu médico» (Ex 15, 26). O profeta entrevê que
o sofrimento pode ter também um sentido redentor pelos pecados dos outros. Finalmente,
Isaías anuncia que Deus fará vir para Sião um tempo em que perdoará todas as faltas e
curará todas as doenças .
Cristo-médico

A compaixão de Cristo para com os doentes e as suas numerosas curas de


enfermos de toda a espécie são um sinal claro de que «Deus visitou o seu povo» e de que
o Reino de Deus está próximo. Jesus tem poder não somente para curar, mas também para

37
Catecismo da Igreja Católica, 1499
Liturgia II: Sacramentos
32
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

perdoar os pecados: veio curar o homem na sua totalidade, alma e corpo: é o médico de
que os doentes precisam. A sua compaixão para com todos os que sofrem vai ao ponto de
identificar-Se com eles: «Estive doente e visitastes-Me» (Mt 25, 36). O seu amor de
predilecção para com os enfermos não cessou, ao longo dos séculos, de despertar a
atenção particular dos cristãos para aqueles que sofrem no corpo ou na alma. Ele está na
origem de incansáveis esforços para os aliviar.

Frequentemente, Jesus pede aos doentes que acreditem. Serve-se de sinais para
curar: saliva e imposição das mãos, lodo e lavagem. Por seu lado, os doentes procuram
tocar-Lhe, «porque saía d’Ele uma força que a todos curava» (Lc 6, 19). Por isso, nos
sacramentos, Cristo continua a «tocar-nos» para nos curar.

Comovido por tanto sofrimento, Cristo não só Se deixa tocar pelos doentes, como
também faz suas as misérias deles: «Tomou sobre Si as nossas enfermidades e carregou
com as nossas doenças» (Mt 8, 17). Ele não curou todos os doentes. As curas que fazia
eram sinais da vinda do Reino de Deus. Anunciavam uma cura mais radical: a vitória
sobre o pecado e sobre a morte, mediante a sua Páscoa. Na cruz, Cristo tomou sobre Si
todo o peso do mal e tirou «o pecado do mundo» (Jo 1, 29), do qual a doença não é mais
que uma consequência. Pela sua paixão e morte na cruz. Cristo deu novo sentido ao
sofrimento: desde então este pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão
redentora.

Curai os enfermos

Cristo convida os discípulos a seguirem-no, tomando a sua cruz. Seguindo-O, eles


adquirem uma nova visão da doença e dos doentes. Jesus associa-os à sua vida pobre e
servidora. Fá-los participar no seu ministério de compaixão e de cura: E eles «partiram e
pregaram que era preciso cada um arrepender-se. Expulsavam muitos demônios, ungiam
com óleo numerosos doentes, e curavam-nos» (Mc 6, 12-13).

O Senhor ressuscitado renova esta missão («em Meu nome… hão-de impor as
mãos aos doentes, e estes ficarão curados»: Mc 16, 1 7-18) e confirma-a por meio dos
sinais que a Igreja realiza invocando o seu nome. Estes sinais manifestam de modo
especial, que Jesus é verdadeiramente «Deus que salva».

O Espírito Santo confere a alguns o carisma especial de poderem curar para


manifestar a força da graça do Ressuscitado. Todavia, nem as orações mais fervorosas
obtêm sempre a cura de todas as doenças. Assim, São Paulo deve aprender do Senhor que
«a minha graça te basta: pois na fraqueza é que a minha força atua plenamente» (2 Cor
12, 9), e que os sofrimentos a suportar podem ter como sentido que «eu complete na
minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo, que é a Igreja» (Cl
1, 24).

«Curai os enfermos!» (Mt 10, 8). A Igreja recebeu este encargo do Senhor e
procura cumpri-lo, tanto pelos cuidados que dispensa aos doentes, como pela oração de
intercessão com que os acompanha. Ela “crê na presença vivificante de Cristo, médico
das almas e dos corpos, presença que age particularmente através dos sacramentos e de
modo muito especial da Eucaristia, pão que dá a vida eterna e cuja ligação com a saúde
corporal é insinuada por São Paulo.
Liturgia II: Sacramentos
33
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Entretanto, a Igreja dos Apóstolos conhece um rito próprio em favor dos enfermos,
atestado por São Tiago: “Alguém de vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja
para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará
o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Ts;
5, 14-15). A Tradição reconheceu neste rito um dos sete sacramentos da Igreja.

Um sacramento dos enfermos

A Igreja crê e confessa que, entre os sete sacramentos, há um, especialmente


destinado a reconfortar os que se encontram sob a provação da doença: a Unção dos
enfermos: “Esta santa unção dos enfermos foi instituída por Cristo nosso Senhor como
sacramento do Novo Testamento, verdadeira e propriamente dito, insinuado por São
Marcos, mas recomendado aos fiéis e promulgado por São Tiago, apóstolo e irmão do
Senhor”.

Na tradição litúrgica, tanto no Oriente como no Ocidente, temos, desde os tempos


antigos, testemunhos de unções de doentes praticadas com óleo benzido. No decorrer dos
séculos, a Unção dos enfermos começou a ser conferida cada vez mais exclusivamente
aos que estavam prestes a morrer. Por causa disso, fora-lhe dado o nome de «Extrema-
Unção». Porém, apesar dessa evolução, a liturgia nunca deixou de pedir ao Senhor pelo
doente, para que recuperasse a saúde, se tal fosse conveniente para a sua salvação

Até o século IX os documentos da Igreja não apresentam um rito da Unção dos


Enfermos, apenas as fórmulas da bênção óleo que era aplicado aos doentes de todos os
tipos, não apenas no caso de moléstias graves. Isto era feito nas casas até por leigos.

A Tradição Apostólica de Hipólito de Roma (215) traz um relato:

“Assim como, santificando este óleo, com o qual ungiste reis, sacerdotes e profetas,
concedes ó Deus, a santidade aos que são com ele ungidos e aos que o recebem assim
proporcione ele consolo aos que o provam, e saúde aos que dele se servem”38.

Nota-se que o óleo usado para a unção ou para alimento, podendo ser aplicado
pelo próprio doente.

Um texto muito interessante de S. Cesário, bispo de Arles, do ano 503, dizia:

“Quando vem uma doença, o enfermo recebe Corpo e o Sangue de Cristo. Humildemente
peça o óleo bento dos sacerdotes, e unja o seu corpo para que nele se realize o que está
escrito… (Tg 5,14s). Vedes, irmãos, que aquele que na enfermidade vai à igreja,
merecerá receber a saúde do corpo e obter o perdão dos pecados. Visto que podemos
encontrar na Igreja esses dois bens, como é possível que homens infelizes causem a si
mesmo mal imenso, recorrendo aos magos, aos feiticeiros e aos adivinhos?”39

São Beda, presbítero (735), comentando Mc 6, 12s, observa:

38
Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, 18
39
Cesário, bispo de Arles, sermão 13
Liturgia II: Sacramentos
34
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

“Deste texto deduz-se com evidência que o costume, da Santa Igreja, de ungir os
possessos ou qualquer outro doente com óleo consagrado pela bênção do Bispo foi-nos
entregue pelos Apóstolos ”40.

Em outra passagem afirma:

“A atual praxe da Igreja quer que os enfermos sejam ungidos com óleo consagrado e que
sejam curados pela oração que acompanha a unção. E não só aos sacerdotes, mas, como
escreve o Papa Inocêncio, também a todos os cristãos é lícito fazer uso do mesmo óleo,
realizando, eles ou os seus caros, uma unção quando a doença os molesta. Todavia só
ao Bispo é permitido benzer tal óleo”41.

No século VII, a bênção do óleo dos enfermos era reservada ao Bispo na quinta
feira santa e, a partir do século IX, apareceram os primeiros rituais da Unção dos
Enfermos; a administração do sacramento passou a ser feita só pelo clero; a Unção foi
sendo considerada uma graça de preparação para a morte, sendo mais valorizados os
efeitos espirituais. O Concílio de Trento, em 1551, enfrentando a objeção dos
protestantes, ratificou a veracidade do sacramento, afirmando que foi instituído por Jesus
Cristo. No ano de 1972, na sequência do II Concílio do Vaticano, se estabeleceu que, a
partir de então, se observasse o seguinte no rito romano: “O sacramento da Unção dos
Enfermos é conferido aos que se encontram enfermos com a vida em perigo, ungindo-os
na fronte e nas mãos com óleo de oliveira ou, segundo as circunstância, com outro óleo
de origem vegetal, devidamente benzido, proferindo uma só vez, as palavras: “Por esta
santa unção e pela sua infinita misericórdia o Senhor venha em teu auxílio com a graça
do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua bondade,
alivie os teus sofrimentos”42.

Os Santos Padres e a Unção dos Enfermos

A unção dos enfermos (chamada antigamente de “Extrema-Unção”) é, desde o


princípio, um dos sete sacramentos da Igreja, como provam os textos patrísticos abaixo.

Tertuliano:

“Porque eles com bastante entusiasmo ensinavam, discutiam, determinavam o


exorcismo, para realizar curas… que podia ser até mesmo o batismo”43

Hipólito de Roma:

“Ó Deus que santificastes este óleo, concedendo a todos os que são ungidos e por ele
recebem a santificação, como quando ungistes os reis, sacerdotes e profetas, assim
concedei que ele possa dar fortaleza a todos os que dele se valem e saúde a todos o que
o usam”44

Orígenes:

40
PL 92,188
41
PL 93,39s
42
Constituição Apostólica Sacram Unctionem Infirmorum
43
Prescrições 49; 200 d.C..
44
Tradição Apostólica 5,2; 215 d.C..
Liturgia II: Sacramentos
35
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

“Além disso, aqueles que estão também com setenta anos, se bem que arduamente e
sofridamente… Nesse caso deve ser realizado o que também o Apóstolo Tiago diz: ‘Se,
pois, alguém está enfermo, que chame o presbítero da Igreja para impor as mãos sobre
ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o enfermo, e se ele
está em pecados, esses lhe serão perdoados.”45

Afrate, o Persa:

“Sobre o sacramento da vida, pelo qual (=batismo) os sacerdotes cristãos (na


ordenação), reis e profetas se tornam perfeitos; ele ilumina a escuridão (na
confirmação), unge os enfermos, e por seu privado sacramento restaura os penitentes”46

João Crisóstomo:

“Porque não somente no tempo da conversão, mas depois também, eles têm autoridade
para perdoar os pecados. ‘Está alguém doente entre vós?’ está dito – ‘que chame os mais
velhos da Igreja, e que esses orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E
a prece da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará: e se ele cometeu pecados, esses
lhe serão perdoados” 47

Atanásio:

“O enfermo considerava uma calamidade mais terrível do que a própria doença… (se
permitisse) que as mãos dos arianos fossem colocadas sobre sua cabeça” 48

Serapião de Thuis:

“Este óleo… para boa graça e remissão dos pecados, para uma medicina de vida e
salvação, para saúde e bem estar da alma, corpo ,espírito, para a perfeita consolidação”
49

Efraim:

“Rezavam sobre ele; um soprava sobre ele, outro confirmava”50

Ambrósio:

“Por que, então, impondes as mãos e acreditais que isso tenha efeito de bênção, se acaso
alguma pessoa enferma se recupera? Por que assumis que alguém possa ser purificado
por vós da sujeira do demônio? Por que batizais se os pecados não podem ser remidos
pelo homem? Se o batismo é seguramente a remissão de todos os pecados, que diferença
faz se o sacerdote diz que esse poder é dado a eles na penitência ou no batismo? Em
ambos o mistério é um” 51

Papa Inocêncio:
45
Homilia sobre os Levíticos 2,4; 244 d.C.
46
Tratados 23,3; 345 d.C..
47
Sobre o Sacerdócio 3,6; 386 d.C.
48
Epístola Encíclica; 341 d.C..
49
Anáfora 29,1; 350 d.C.
50
Homilia 46; 373 d.C.
51
A Penitência I, 8,36; 390 d.C.
Liturgia II: Sacramentos
36
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

“Se alguma parte de teu corpo está sofrendo… recorda-te também das Escrituras
Inspiradas: ‘Alguém entre vós está doente? Chama o presbítero da Igreja e deixa-o orar
sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e
o Senhor o soerguerá, e se ele está em pecados, esses serão perdoados”. 52

“Na epístola do santo Apóstolo Tiago… – ‘Se alguém entre vós está doente, chama os
sacerdotes…’ – não há dúvida de que o ungido deve ser interpretado ou compreendido
como enfermo da fé, que pode ser ungido com o santo óleo do crisma… é uma espécie de
sacramento” 53

César de Arles:

“Que aquele que está doente receba o Corpo e Sangue de Cristo; que humildemente e
com fé peça aos presbíteros a unção abençoada, para ungir seu corpo, de modo que o
que foi escrito possa lhe ser frutuoso: ‘Está alguém entre vós enfermo? Que lhe tragam
os presbíteros, que esses orem sobre ele, ungindo-o com óleo; e a prece da fé salvará o
enfermo, o Senhor o reerguerá; e se estiver em pecados, esses lhes serão perdoados'” 54

Cassiodoro:

“Deve-se chamar um padre que, pela prece da fé e a unção do santo óleo que comunica,
salvará aquele que está doente [por causa de um grande ferimento ou por uma doença]”
55

Quem recebe e quem administra este sacramento?

Em caso de grave enfermidade...

A Unção dos Enfermos não é sacramento só dos que estão prestes a morrer. Por
isso, o tempo oportuno para a receber é certamente quando o fiel começa, por doença ou
por velhice, a estar em perigo de morte. Se um doente que recebeu a Unção recupera a
saúde, pode, em caso de nova enfermidade grave, receber outra vez este sacramento. No
decurso da mesma doença, este sacramento pode ser repetido se o mal se agrava. É
conveniente receber a Unção dos Enfermos antes duma operação cirúrgica importante. E
o mesmo se diga a respeito das pessoas de idade, cuja fragilidade se acentua.

...chame os presbíteros da Igreja

Só os sacerdotes (bispos e presbíteros) são ministros da Unção dos Enfermos. É


dever dos pastores instruir os fiéis acerca dos benefícios deste sacramento. Que os fiéis
animem os enfermos chamarem o sacerdote para receberem este sacramento. E que os
doentes se preparem para o receber com boas disposições, com a ajuda do seu pastor e de
toda a comunidade eclesial, convidada a rodear, de um modo muito especial, os doentes,
com as suas orações e atenções fraternas.

Como se celebra este sacramento?

52
Cirilo de Alexandria, Culto e Adoração 6; 412 d.C
53
A Decêncio 25,8,11; 416 d.C.
54
Sermões 13, 3; 542 d.C.
55
Complicações; 570 d.C.
Liturgia II: Sacramentos
37
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Como todos os sacramentos, a Unção dos Enfermos é uma celebração litúrgica e


comunitária quer tenha lugar no seio da família, quer no hospital ou na igreja, para um só
doente ou para um grupo deles. É muito conveniente que seja celebrada durante a
Eucaristia, memorial da Páscoa do Senhor. Se as circunstâncias a tal convidarem, a
celebração do sacramento pode ser precedida pelo sacramento da Penitência e seguida
pelo da Eucaristia. Enquanto sacramento da Páscoa de Cristo, a Eucaristia deveria ser
sempre o último sacramento da peregrinação terrestre, o «viático» da «passagem» para a
vida eterna. Palavra e sacramento formam um todo inseparável. A liturgia da Palavra,
precedida dum acto penitenciai, abre a celebração. As palavras de Cristo e o testemunho
dos Apóstolos despertam a fé do doente e da comunidade, para pedir ao Senhor a força
do seu Espírito. A celebração do sacramento compreende principalmente os seguintes
elementos: «Os presbíteros da Igreja» impõem em silêncio – as mãos sobre os enfermos;
rezam por eles na fé da Igreja; é a epiclese própria deste sacramento; então, conferem a
unção com óleo, benzido, se possível, pelo bispo. Estes atos litúrgicos indicam a graça
que este sacramento confere aos doentes.

Os efeitos da celebração deste sacramento

Um dom particular do Espírito Santo. A primeira graça deste sacramento é uma


graça de reconforto, de paz e de coragem para vencer as dificuldades próprias do estado
de doença grave ou da fragilidade da velhice. Esta graça é um dom do Espírito Santo, que
renova a confiança e a fé em Deus, e dá força contra as tentações do Maligno,
especialmente a tentação do desânimo e da angústia da morte. Esta assistência do Senhor
pela força do seu Espírito visa levar o doente à cura da alma, mas também à do corpo, se
tal for a vontade de Deus. Além disso, “se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados”
(Tg 5, 15).

A união à paixão de Cristo. Pela graça deste sacramento, o enfermo recebe a força
e o dom de se unir mais intimamente à paixão de Cristo: ele é, de certo modo, consagrado
para produzir frutos pela configuração com a paixão redentora do Salvador. O sofrimento,
sequela do pecado original, recebe um sentido novo: transforma-se em participação na
obra salvífica de Jesus.

Uma graça eclesial. Os doentes que recebem este sacramento, «associando-se


livremente à paixão e morte de Cristo, concorrem para o bem do povo de Deus». Ao
celebrar este sacramento, a Igreja, na comunhão dos santos, intercede pelo bem do doente.
E o doente, por seu lado, pela graça deste sacramento, contribui para a santificação da
Igreja e para o bem de todos os homens, pelos quais a Igreja sofre e se oferece, por Cristo,
a Deus Pai.

Uma preparação para a última passagem. Se o sacramento da Unção dos


Enfermos é concedido a todos os que sofrem de doenças e enfermidades graves, com mais
forte razão o é aos que estão prestes a deixar esta vida («in exitu vitae constituti): de modo
que também foi chamado «sacramentum exeuntium – sacramento dos que partem». A
Unção dos Enfermos completa a nossa conformação com a morte e ressurreição de Cristo,
tal como o Baptismo a tinha começado. Leva à perfeição as unções santas que marcam
toda a vida cristã: a do Baptismo selara em nós a vida nova: a da Confirmação
robustecera-nos para o combate desta vida; esta última unção mune o fim da nossa vida
terrena como que de um sólido escudo em vista das últimas batalhas, antes da entrada na
Casa do Pai.
Liturgia II: Sacramentos
38
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

O Viático, último sacramento do cristão

Àqueles que vão deixar esta vida, a Igreja oferece-lhes, além da Unção dos
Enfermos, a Eucaristia como viático. Recebida neste momento de passagem para o Pai, a
comunhão do corpo ,e sangue de Cristo tem um significado e uma importância
particulares. É semente de vida eterna e força de ressurreição, segundo as palavras do
Senhor: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna: e Eu
ressuscitá-lo‑ei no último dia” (Jo 6, 54). Sacramento de Cristo morto e ressuscitado, a
Eucaristia é aqui sacramento da passagem da morte para a vida, deste mundo para o Pai.
Assim, do mesmo modo que os sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia
constituem uma unidade chamada “os sacramentos da iniciação cristã”, também pode
dizer-se que a Penitência, a Santa Unção e a Eucaristia, como viático, constituem, quando
a vida do cristão chega ao seu termo, os sacramentos que preparam a entrada na Pátria ou
os sacramentos com que termina a peregrinação.

6. O Matrimônio

A realidade matrimonial, na sua riqueza, pode apresentar-se recorrendo a vários


modelos56: é uma vocação, é comunhão, é aliança, é sacramento. Nenhum destes modelos
se pode absolutizar ou tomar isoladamente: são complementares e estão intimamente
inter-relacionados. Por outro lado, cada um destes modelos ajuda a aprofundar uma
dimensão do matrimónio e não podemos prescindir de nenhum deles.

O matrimónio como vocação. Ora, teologicamente, o matrimônio corresponde a


uma vocação específica na Igreja: os esposos são chamados por Deus e por Ele preparados
e fortalecidos para formar uma comunidade íntima de pessoas capazes de amar e servir.
Aliás, o matrimónio é a vocação mais comum e representa um caminho para a santidade.
Como vocação, trata-se de um processo constante, que dura toda a vida. Neste contexto,
a celebração do matrimónio funciona como o grande “rito de passagem”.

O matrimónio como comunhão. A comunhão só depois do Vaticano II, entrou


como conceito na teologia do matrimónio. Quando a Constituição GS (47-51) define o
matrimónio como “comunhão/comunidade de vida e de amor”, abre os horizontes da
teologia para a consideração do matrimónio como comunhão. Entender o matrimónio
como comunhão ou comunidade está em plena conformidade com a teologia dos relatos
dos primeiros capítulos do livro dos Génesis. Os esposos formam uma só carne (Gn 2,
24). Mas a comunhão não se limita aos esposos: são todos os membros da comunidade
familiar que formam a “comunidade de vida e de amor”. Uma comunidade dinâmica, que
sofre transformações com o nascimentos dos filhos, que acompanha o seu crescimento,
que os vê partir.

O matrimónio como aliança. Quando o amor fiel entre um homem e uma mulher
é vivido em entrega mútua e em partilha da própria intimidade, o matrimónio torna
presente o ideal bíblico da aliança. Inspirando-se no simbolismo nupcial, quer Paulo (Ef
5, 32), quer os Padres da Igreja partem do paradigma da aliança para a compreensão
teológica do matrimónio. A aliança implica um encontro inter-pessoal íntimo, seja entre
Deus e o seu povo, seja entre os esposos. O conceito bíblico de aliança é o mais importante
para uma teologia do matrimónio.
56
Cf. G. MARTÍNEZ, Los Sacramentos, signos de liberdad, (Lux Mundi 91) Sígueme, Salamanca 2009,
333-344
Liturgia II: Sacramentos
39
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Estes modelos – não são os únicos possíveis – põem em destaque sobretudo o


carácter estável e durável do matrimónio, que nunca pode ser concebido de forma pontual
(uma celebração). Com esta brevíssima apresentação destes modelos ou deste modos
complementares de olhar a rica realidade do matrimónio, pretende-se sublinhar que não
podemos reduzir-lo à dimensão celebrativa.

A evolução histórica do Matrimónio cristão57

O Matrimónio foi o último dos sacramentos a integrar o “setenário”. Nos


primeiros séculos da Igreja, não se pode falar de uma celebração cristã do Matrimónio.
Como diz a Epístola a Diogneto (século II), os cristãos “casam-se como toda a gente” (5,
6), adoptando os usos e costumes civis dos lugares onde habitavam. Têm o cuidado de
evitar todo e qualquer vestígio das religiões pagãs, mas seguem o estabelecido na
sociedade de que faziam parte. Ora, conhecemos como se realizava o casamento, nessa
época, em toda a bacia do Mediterrâneo. Segundo o direito romano, o essencial do
casamento era o consentimento mútuo dos esposos (consentimento dentro de certas
condições de idade, de concordância dos pais, de ausência de impedimentos por
parentesco ou estatuto civil). Tudo o resto, tinha carácter facultativo.

Não obstante este caráter secular, o Matrimónio não era visto como uma realidade
profana. Mesmo usando os ritos próprios da sociedade em que se inseriam, os cristãos
tinham consciência de que a sua fé em Cristo transformava também a sua vida
matrimonial. Significativa é a expressão usada por Tertuliano: casar-se “no Senhor” (Ad
uxorem, 2, 1, 1). Este mesmo autor afirma que o matrimónio “é unido pela Igreja,
confirmado pela oblação eucarística, selado pela bênção, anunciado pelos Anjos e
santificado pelo Pai” (Ad uxorem 2, 8, 6). O Batismo constituia a matriz básica do
Matrimónio cristão.

Os séculos IV e V viram nascer os primeiros rituais cristãos do Matrimónio, mas


essa celebração não só não era vinculativa, como não afetavam a validade do Matrimónio.
A influência do direito romano é evidenciada pelo relevo dado ao consentimento como
ato essencial do Matrimónio. Todos os outros elementos eram considerados secundários.
Depois do consentimento, os novos esposos recebiam a bênção nupcial (há testemunhos
desta bênção a partir do século V), a que se dava grande importância nesta época. A
bênção acompanhava a entrega do véu à noiva durante a Eucaristia. O véu era o símbolo
do novo estado da noiva. Na liturgia romana, este será o rito mais importante (já que o
consentimento, ato essencial, não se realizava na Igreja). No fundo, a Igreja reconhecia
os ritos familiares, considerava o consentimento o essencial do Matrimónio e tinha, como
único rito litúrgico próprio a entrega do véu e a oração de bênção.

A nível de reflexão teológica, foi determinante a doutrina de S. Agostinho, que


considera o matrimónio sacramentum num duplo sentido (de notar que Agostinho não
usa ainda o termo em sentido “técnico”): sacramentum porque “vínculo sagrado” entre
os esposos; e sacramentum enquanto “sinal sagrado” de uma realidade superior, na qual
faz participantes os esposos, isto é, a união de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 32). Ora, estes
dois sentidos de sacramentum são, em Agostinho inseparáveis: por ser “sinal sagrado”

57
Cf. Gianni COLOMBO, «Matrimónio», em D. SARTORE – A.M. TRIACCA (ed.), Dicionário de
Liturgia, Paulinas – Paulistas, São Paulo 1992, 710-711; J. EVENOU, «O Matrimónio», em A.-G.
MARTIMORT, A Igreja em oração. Iniciação à Liturgia 3. Os Sacramentos, Vozes, Petrópolis 1991, 168-
176.
Liturgia II: Sacramentos
40
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

(sacramentum-signum) é que o matrimónio é igualmente “vínculo sagrado”


(sacramentum-vinculum)58. O primeiro milénio cristão não tinha ainda a noção de
Matrimónio como sacramento, em sentido “técnico”, tal como nós o entendemos hoje.

A passagem do primeiro para o segundo milénio cristão assinala uma evolução


significativa na reflexão e prática eclesial no que dizia respeito ao matrimónio. Se o
primeiro milénio viu o Matrimónio sobretudo como mistério e aliança, o segundo milénio
vê-o sobretudo como contrato. Isto é, da síntese teológica de Agostinho, a posteridade
reteve sobretudo a noção de “sacramento – vínculo”. A linguagem torna-se
prevalentemente jurídica. Nos séculos IX-XI, período de anarquia e violência, o sacerdote
passou a assumir as formalidades do casamento: exige-se o caráter público do ato e o
consentimento tinha de fazer-se na presença do sacerdote, isto para garantir a liberdade
da mulher nesse ato. Para garantir o caráter público, exige-se que o casamento se realize,
não na casa da noiva, como até aí, mas in facie ecclesiae, diante da Igreja. Esta norma era
entendida em sentido físico: diante da porta da igreja, do lado de fora. Só depois os noivos
entravam na igreja, para a celebração eucarística e a bênção59. De notar que o
consentimento poderia consistir no simples “sim” à interpelação do sacerdote, ou poderia
ser pronunciado pelos noivos. Nos vários rituais posteriores, acrescenta-se a fórmula ego
conjungo vos (“eu vos caso”), dita pelo sacerdote no final do rito. Ora, a função do
sacerdote era, inicialmente, garantir a liberdade da noiva, isto é, do seu consentimento.
Com a inserção de tal fórmula, cria-se a ideia de que é o sacerdote que casa os noivos,
tanto mais que a fórmula era muito próxima, por exemplo, da do Batismo: ego baptizo te
[“eu te batizo”].

Teologicamente, foi nos séculos XII e XIII que se elaborou a reflexão sobre a
sacramentalidade do Matrimónio, muito marcada por concepções jurídicas. Será,
contudo, essa síntese a servir de base a toda a reflexão teológica posterior. O
consentimento mútuo dos esposos é claramente definido como o ato essencial do
sacramento, mas não sem grandes discussões. De fato, nos séculos XI e XII assiste-se a
uma acesa discussão entre teólogos e canonistas: os primeiros defendendo que era o
consentimento que era o elemento essencial do sacramento (influência do direito
romano); os segundos defendendo ser a consumação, isto é, o ato em que o matrimónio
se realizava (influência germano-franca). De fato, no direito romano era claro que era o
consentimento o ato mais importante. Porém, no direito germânico, era a consumação.
Acabou por prevalecer a posição dos teólogos, posição assumida pela magistério
eclesial60.

O Concílio de Trento imporá, pela primeira vez, sob pena de invalidade, a forma
canónica de celebração do Matrimónio: só era válido o Matrimónio celebrado diante do
pároco, ou daquele a quem o pároco desse a devida jurisdição (Decreto Tametsi, em
1563). Os matrimónios clandestinos e secretos, embora ilícitos, eram reconhecidos como
válidos o que provocava graves dificuldades. Assim, o Concílio resolveu dar solução ao
problema pastoral, impondo a forma canónica como necessária à validade do sacramento.

58
B. SESBOÜE, «La doctrina sacramental del Concilio de Trento V. El matrimonio», in Historia de los
dogmas 3. Los signos de la salvación, Sacretariado Trinitario, Salamanca 1996, 150.
59
Um exemplo é o que nos dá um dos mais antigos rituais do Matrimónio, do início do século XII: Ritual
do Matrimónio do Missal da Abadia de S. Melânio de Rennes em: J. Evenou, «O Matrimónio», 174; Rituali
nuziali del mondo latino occidentale, ed. L. Crociani, Cantagalli, Siena 2001, 145.
60
N. REALI, Scegliere di essere scelti. Riflessioni sul sacramento del matrimonio, Cantagalli, Siena 2008,
89-93.
Liturgia II: Sacramentos
41
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Teologicamente, o Concílio afirma que o Matrimónio é um sacramento (contra os ataques


dos reformadores) e refere que a graça específica deste sacramento tem como finalidade
aperfeiçoar o amor natural, confirmar a unidade indissolúvel e santificar os cônjuges. O
Ritual Romano, publicado em 1614 por determinação do Concílio, acentua ainda mais a
função do sacerdote. Será esse o ritual em uso até 1969. Contudo, é de assinalar que este
Ritual não anulou os costumes locais relacionados com a celebração deste sacramento. A
mesma atenção aos legítimos costumes locais aparecerá explicitamente no Vaticano II,
ao ordenar a revisão e reforma do ritual do Matrimónio.

O Concílio Vaticano II ordenou a revisão e reforma do ritual do Matrimónio, no


sentido de o enriquecer e valorizar, mas respeitando os usos e costumes locais,
salvaguardando o ato essencial, isto é, o consentimento dos esposos, diante do sacerdote
(SC 77). No rito de celebração, dá-se grande valor à Palavra de Deus e aponta-se a
celebração do Matrimónio dentro da Missa como o modo mais desejável de o celebrar
(SC 78). Mas o Concílio não se limitou a rever o rito de celebração deste sacramento:
abordou a questão da teologia do Matrimónio, renovando a reflexão, sobretudo nas
Constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes. Na teologia pre-conciliar, o
matrimónio era definido como um “contrato” consensual entre as partes (os esposos); esse
contrato tinha por objeto o direito ao corpo um do outro (ius in corpus) e tinha como
finalidades primárias a procriação e a educação da prole e como finalidade secundária a
mútua ajuda. Acrescentava-se que, por causa do pecado original, o matrimónio tinha
ainda como finalidade secundária ser remédio para a concupiscência. Esta concepção de
matrimónio, adotada quer pelo direito, quer pela teologia, era redutora porque encarava o
matrimónio principalmente pelo prisma da reprodução da espécie e porque ignorava o
elemento mais importante do matrimónio: o amor. O Concílio Vaticano II representou
um importante passo de renovação, ao definir o Matrimónio não tanto em termos
jurídicos, mas teológicos, como “comunidade de vida e de amor”. Voltaremos,
posteriormente, às afirmações conciliares.

O Matrimónio na história da salvação

A compreensão cristã do Matrimónio tem, necessariamente, de partir da Palavra


de Deus. Uma das novidades do Concílio Vaticano II na abordagem dos sacramentos, foi
o situá-los no contexto mais vasto da história da salvação. Nos textos bíblicos, que nos
transmitem essa história salvífica, encontramos o sentido do Matrimónio. “A Sagrada
Escritura começa pela criação do homem e da mulher, à imagem e semelhança de Deus,
e termina com a visão das «núpcias do Cordeiro» (Ap 19, 9). Do princípio ao fim, a
Escritura fala do matrimónio e do seu «mistério», da sua instituição e do sentido que Deus
lhe deu, da sua origem e da sua finalidade, das diversas realizações ao longo da história
da salvação, das dificuldades nascidas do pecado e da sua renovação «no Senhor» (1 Cor
7, 39), na Nova Aliança de Cristo e da Igreja” (Catecismo 1602).

Antigo Testamento. Os primeiros capítulos do Livro do Génesis (gen 1-3)


apresentam-nos o projeto inicial de Deus. O matrimónio é uma realidade da criação,
querida por Deus. Logo no primeiro capítulo, é-nos apresentada a criação do ser humano:
“Deus disse: «façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança (...)». Deus
criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e
mulher. Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a
terra...»” (Gn 1, 26-31). É o homem e a mulher, na sua diferença e complementaridade,
que são imagem e semelhança de Deus: a imagem e semelhança de Deus não se reflecte
Liturgia II: Sacramentos
42
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

apenas numa face, mas na sua complementaridade. A bênção que se segue refere-se, pois,
ao casal humano. O encontro e a união do homem e da mulher é algo querido por Deus,
“instituído” e santificado pelo próprio Criador (“Deus viu tudo o que tinha feito e era
muito bom”: Gn 1, 31). O próprio dom da vida, que brota dessa união dos esposos, é
considerado dom de Deus (cf. Gn 4, 1).

O segundo capítulo deste livro bíblico apresenta-nos um outro relato da criação.


Deus criou o homem, mas este está só. Daí a iniciativa de Deus de criar a mulher: “Não
é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele” (Gn 2, 18). A
plena realização do ser humano só acontece na relação (não na solidão). “Semelhante”
significa igual em dignidade, mas ao mesmo tempo, complementar, porque diferente. A
igual dignidade é reconhecida pelo próprio homem: “Esta é, realmente, osso dos meus
ossos e carne da minha carne” (Gn 2, 23). Daí que se enuncie aquela que é a vontade
divina: “O homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só
carne” (Gn 2, 24). A expressão “uma só carne” é notável, sublinhando que “o matrimónio
implica união de tal forma profunda e completa a ponto de comportar a fusão dos corpos
como sinal de comunhão e de dom total de si entre o homem e a mulher” 61. No entanto,
este projeto inicial de Deus é alterado pela realidade do pecado. Assim, o relato da queda
(Gn 3) indica que o pecado provoca a perda da harmonia não apenas com Deus, mas
também consigo mesmos e a nível da relação do próprio casal humano, como aparece
com clareza nas acusações mútuas que homem e mulher trocam entre si (Gn 3, 12). Estes
textos bíblicos permitem-nos destacar mais alguns aspectos importantes:

 A criação surge por separação e diferenciação. Diz-nos o texto que Deus


“separou” e fez/criou. Essa diferenciação manifesta-se igualmente na criação do
casal humano, homem e mulher, diferentes. É essa diferenciação que permite a
aliança e a relação. Deus faz algo diferente de si; não porque “tinha” de fazer, mas
por puro dom! Deus quer estabelecer connosco relação, aliança, comunhão.
 A comunhão entre os esposos é símbolo (“sacramento”) desse amor de Deus,
dessa sua vontade de relação e comunhão com a humanidade. Isto foi
particularmente intuido pelos profetas (Oseias, Jeremias, Ezequiel), que se servem
da experiência matrimonial para levar à compreensão do amor de Deus pelo seu
povo. Deus aparece como o esposo fiel, que com ternura sem medida tenta
conquistar o seu povo, Israel, a princípio infiel a esse amor imenso de Deus. O
mistério da Aliança de Deus com o seu povo exprime-se com uma linguagem
matrimonial de fidelidade, bondade, misericórdia, amor de predilecção, amor
constante, exclusivo e profundo, etc. Uma especial menção merece ainda o livro
do Cântico dos Cânticos, no qual “a Tradição sempre viu uma expressão única do
amor humano, enquanto reflexo do amor de Deus” (Catecismo 1611).
 Pelo Matrimónio, os esposos continuam no hoje a história da salvação, que é
história do amor de Deus pela humanidade e por cada ser humano. Como símbolo
dessa predileção de Deus, tornam o nosso tempo, história salvífica, irrupção de
Deus.

Todo o AT reflete esta visão do Matrimónio, presente nos primeiros capítulos da


Bíblia: por um lado, é visto como uma realidade boa, querida por Deus e por Ele

61
C. ROCCHETTA, Os sacramentos da fé. Ensaio de teologia bíblica sobre os sacramentos como
“maravilhas da salvação” no tempo da Igreja, Paulinas, São Paulo 1991, 417.
Liturgia II: Sacramentos
43
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

instituída; por outro lado, manifesta que, tendo o pecado introduzido graves
desequilíbrios na relação conjugal, este já não aparece em todo o seu esplendor.

“O anúncio do Novo Testamento sobre o matrimónio insere-se no contexto


veterotestamentário, mas supera-o radicalmente”62. Os Evangelhos não falam do
Matrimónio muitas vezes. Jesus aborda a questão do Matrimónio em algumas ocasiões.
“Na sua pregação, Jesus ensinou sem equívocos o sentido original da união do homem e
da mulher, tal como o Criador a quis no princípio” (Catecismo 1614), como se pode
verificar em Mt 19, 3-9 e Mc 10, 1-12. É a esta luz que Paulo, depois de ter citado Gn 2,
24, afirma: “Grande é este mistério; digo-o em relação a Cristo e à Igreja” (Ef 5, 32).
Paulo apresenta Jesus Cristo “o esposo” (2 Cor 11, 2; Ef 5, 21-23); aliás, o próprio Jesus
se designa-se assim a ele mesmo (Mt 9, 15; cf. Jo 3, 29). Jesus é, portanto, o esposo, que
a todos convida para o banquete das núpcias do Cordeiro (Ap 19, 7-9).

Para Paulo, a morte e ressurreição de Cristo inaugurou formas novas de relação:


entre marido e esposa, entre pais e filhos, entre senhores e escravos. Na Epístola aos
Efésios concretiza essa novidade de relação no casal. Ef 5, 21-33 é um texto fundamental
para a compreensão do Matrimónio como sacramento. Este texto de S. Paulo costuma
provocar algum incómodo, por causa da expressão “as mulheres submetam-se aos seus
maridos, porque o marido é a cabeça da mulher” (Ef 5, 22-23). O texto começa por falar
da “submissão” uns aos outros; fala, depois, da “submissão” da mulher ao marido; fala,
por fim, da “submissão” da Igreja a Cristo. Ora, o problema só existe quando se olha
exclusivamente para a segunda. Porque o que o texto diz é que os esposos se devem
“submeter” um ao outro e ambos a Cristo, como a Igreja se “submete” a Cristo. Portanto,
também o marido se deve “submeter” à esposa e aqui reside a novidade cristã das relações
conjugais. Não tem qualquer fundamento basear-se neste texto para justificar qualquer
estratificação social ou dentro do casal63. A “submissão”, no texto paulino, aparece como
expressão do amor, do dom de si ao outro.

Neste texto fundamental “apresentam-se as núpcias de dois batizados como


«símbolo» e, ao mesmo tempo, participação de graça nas núpcias entre Cristo e a
Igreja”64. O Matrimónio entre dois batizados é dom de Deus, que introduz na participação
no mistério de aliança que une Cristo à Igreja e a Igreja a Cristo. “O Matrimónio cristão
torna-se sinal eficaz, sacramento da aliança de Cristo com a Igreja. E uma vez que
significa e comunica a graça desta aliança, o Matrimónio entre batizados é um verdadeiro
sacramento da Nova Aliança” (Catecismo 1617). O Matrimónio é sacramento que faz
participar os esposos no mistério do grande amor de Cristo pela Igreja, amor que vai ao
extremo de entregar a vida por ela. O amor entre os esposos é chamado e ser,
precisamente, dessa grandeza. Há, neste texto, um aspecto muito interessante. Paulo
refere-se ao “grande mistério” e precisa que fala do amor de Cristo pela Igreja (Ef 5, 32).
O AT apresentava o matrimónio como revelação do grande amor de Deus pelo seu povo.
Paulo inverte, de certo modo, a perspectiva: parte de Cristo para afirmar que é o amor fiel
de Deus, que se revelou plenamente em Cristo e na sua entrega, que manifesta a grandeza
do matrimónio dos cristãos. O matrimónio é o lugar sacramental em que toma corpo este
amor de Deus. E aí reside a sua grandeza. No Ritual da Celebração do Matrimónio, são

62
ROCHETTA, Os sacramentos da fé, 421.
63
Cf. L.-M. CHAUVET, «Le Sacrement de Mariage», em COMMISSION ÉPISCOPALE DE LITURGIE,
Pastoral sacramentelle. Points de repère. Commentaires et guide de travail 1. Les Sacrements de
l’initiation chrétienne et le mariage (Liturgie 8), Cerf, Paris 1996, 198-204.
64
ROCHETTA, Os sacramentos da fé, 424.
Liturgia II: Sacramentos
44
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

sobretudo as orações de bênção dos esposos que fazem memória deste percurso pela
história da salvação. Tomemos como exemplo a primeira parte (anamnética) da segunda
oração de bênção nupcial:

“Pai santo, que formastes o homem à vossa imagem, homem e mulher os criastes,
para que, unidos no corpo e no espírito, cumpram a sua missão no mundo; Pai
santo, que, para revelar o desígnio do vosso amor, quisestes significar, no mútuo
amor entre os esposos, a aliança que firmastes com o vosso povo, e, chegada a
plenitude da nova aliança, manifestais, na união conjugal dos vosso fiéis, o
mistério nupcial de Cristo e da Igreja: estendei sobre estes vossos servos a vossa
mão protectora...” (Ritual da Celebração do Matrimónio, n.º 242).

A teologia do matrimónio cristão

Os documentos do Concílio Vaticano II65

É sobretudo na LG e na GS que se encontram as maiores novidades. Em LG 11


afirma-se: “os cônjuges cristãos, em virtude do sacramento do Matrimónio, com que
significam e participam o mistério da unidade do amor fecundo entre Cristo e a Igreja
(cfr. Ef. 5,32), auxiliam-se mútuamente para a santidade, pela vida conjugal e pela
procriação e educação dos filhos, e têm assim, no seu estado de vida e na sua ordem, um
dom próprio no Povo de Deus (cfr. 1 Cor. 7,7)”. Reconhecendo-se a função salvífica do
matrimónio e apresentando-o como caminho normal de santificação, deixa-se cair
definitivamente a ideia do matrimónio como remédio para a concupiscência. O
matrimónio não é já visto a partir do pecado (receber a ajuda de Deus para cumprir a
missão de procriar mas sem pecado), mas fundamentalmente a partir da relação entre
Cristo e a Igreja, razão pela qual se faz referência ao texto da carta aos Efésios. O
matrimónio é apresentado positivamente como âmbito no qual o amor dos esposos se
torna manifestação simbólica do amor de Cristo pela Igreja. Esta apresentação positiva
do matrimónio é reforçada pela afirmação de LG 34, onde a vida conjugal e familiar é
apresentada como sacrifício espiritual agradável a Deus oferecido pelos esposos em união
com Cristo.

Esta visão abre caminho a considerar a família como “pequena Igreja” ou “Igreja
doméstica” (LG 11), pois é no seio da família que os pais são, “pela palavra e pelo
exemplo (...), os primeiros arautos da fé para os seus filhos, ao serviço da vocação própria
de cada um e muito especialmente da vocação consagrada” (LG 11). É na família “que se
exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio batismal do pai de família, da mãe, dos filhos,
de todos os membros da família... O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e uma
escola de enriquecimento humano” (Catecismo 1657). A LG 35 sublinha precisamente
isso: a vida matrimonial e familiar é “um exercício e uma admirável escola de apostolado
dos leigos... Aí encontram os esposos a sua vocação própria, de serem um para o outro e
para os filhos as testemunhas da fé e do amor de Cristo”. Considerando a família como
“Igreja doméstica”, o Concílio faz derivar as características da vida conjugal e familiar
das próprias características da Igreja. As afirmações da LG são depois aprofundadas na
GS 47-52. Aí o matrimónio é caracterizado como “íntima comunidade da vida e do amor”
(GS 48) e o Concílio abandona o conceito de “contrato” para definir o matrimónio,
optando pela expressão “aliança matrimonial”. Elemento essencial do matrimónio é, pois,

65
Cf. REALI, Scegliere di essere scelti, 57-100.
Liturgia II: Sacramentos
45
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

o amor conjugal. Não o “amor” como conceito vago e indeterminado, mas amor-eleição
(dilectio), pelo qual “os cônjuges mutuamente se dão e recebem um ao outro” (GS 48), e
que encontra o seu fundamento no amor com que Cristo ama a Igreja:

“Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos, nascido


da fonte divina da caridade e constituído à imagem da sua própria união com a
Igreja. E assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança
de amor e fidelidade, assim agora o Salvador dos homens e esposo da Igreja vem
ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. E permanece
com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela, de igual
modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade. O
autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, e dirigido e enriquecido pela
força redentora de Cristo e pela acção salvadora da Igreja.” (GS 48)

Novidade do texto conciliar foi também o abandono da subordinação aos fins do


matrimónio: os fins do matrimónio são referidos (GS 50: “o matrimónio e o amor
conjugal ordenam-se por sua própria natureza à geração e educação da prole”), mas já são
eles que definem o matrimónio, mas sim o “amor conjugal”, pois “o matrimónio não foi
instituído só em ordem à procriação da prole” (GS 50).

A sacramentalidade do matrimónio

Não é possível encontrar na Escritura nenhuma palavra de instituição deste


sacramento por Cristo. Por isso, a concepção de matrimónio que o Novo testamento
apresenta só pode explicar-se pela novidade do próprio Cristo, na sua pessoa e na sua
mensagem. “A instituição por Cristo é por conseguinte primariamente uma instituição
pela sua própria natureza e pela sua obra redentora, que abarca e transforma o homem em
toda a sua natureza”66. A sacramentalidade do Matrimónio é afirmação definida pela
Igreja: o matrimónio é um dos sete sacramentos da nova Aliança. Mas não basta afirmar
que o matrimónio é um sacramento. Leão XIII afirma que foi Jesus Cristo que “elevou”
o matrimónio, instituição natural, à dignidade de sacramento e depois dele esta afirmação
tornou-se património comum da Igreja. O Vaticano II prolongou e aprofundou depois
algumas linhas desta sacramentalidade, bem como o Papa João Paulo II, na Exortação
Apostólica Familiaris Consortio (1981), n. 13.

A comunhão entre Deus e os homens encontra o seu definitivo cumprimento em


Jesus Cristo, o Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade, unindo-a a Si
como seu corpo. Ele revela a verdade originária do matrimónio, a verdade do «princípio»
e, libertando o homem da dureza do seu coração, torna-o capaz de a realizar inteiramente.
Esta revelação chega à sua definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz
à humanidade, assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo faz de si
mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a Igreja. Neste sacrifício descobre-se inteiramente
aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do homem e da mulher, desde a sua
criação; o matrimónio dos batizados torna-se assim o símbolo real da Nova e Eterna
Aliança, decretada no Sangue de Cristo. O Espírito, que o Senhor infunde, doa um
coração novo e torna o homem e a mulher capazes de se amarem, como Cristo nos amou.
O amor conjugal atinge aquela plenitude para a qual está interiormente ordenado: a

66
J. AUER, Los Sacramentos de la Iglesia, (Curso de Teología Dogmatica 7) Herder, Barcelona 19893,
284-285.
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

caridade conjugal, que é o modo próprio e específico com que os esposos participam e
são chamados a viver a mesma caridade de Cristo que se doa sobre a Cruz. [...]

Acolhendo e meditando fielmente a Palavra de Deus, a Igreja tem solenemente


ensinado e ensina que o matrimónio dos batizados é um dos sete sacramentos da Nova
Aliança. De fato, mediante o batismo, o homem e a mulher estão definitivamente
inseridos na Nova e Eterna Aliança, na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em
razão desta indestrutível inserção que a íntima comunidade de vida e de amor conjugal,
fundada pelo Criador, é elevada e assumida pela caridade nupcial de Cristo, sustentada e
enriquecida pela sua força redentora. Em virtude da sacramentalidade do seu matrimónio,
os esposos estão vinculados um ao outro da maneira mais profundamente indissolúvel. A
sua pertença recíproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma
relação de Cristo com a Igreja. Os esposos são portanto para a Igreja o chamamento
permanente daquilo que aconteceu sobre a Cruz; são um para o outro, e para os filhos,
testemunhas da salvação da qual o sacramento os faz participar. Deste acontecimento de
salvação, o matrimónio como cada sacramento, é memorial, atualização e profecia:
«Enquanto memorial, o sacramento dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes
obras de Deus e de as testemunhar aos filhos; enquanto atualização, dá-lhes a graça e o
dever de realizar no presente, um para com o outro e para com os filhos, as exigências
de um amor que perdoa e que redime; enquanto profecia dá-lhes a graça e o dever de
viver e de testemunhar a esperança do futuro encontro com Cristo». (João Paulo II,
Exortação Apostólica Familiaris Consortio, n. 13)

No matrimónio conjugam-se criação e salvação em Cristo. Porém, terá sempre de


se salvaguardar a novidade cristã, a sacramentalidade. Como sacramento, é sempre
atuação de Deus em Cristo no Espírito. “Não são os homens que pedem a Deus a sua
graça para a sua união vital, como Tobias; os homens, ao concluir esta aliança como
cristãos, recorrem àquele sinal da vida humana ao qual Deus prometeu em Cristo a sua
graça especial, a sua assistência especial”67. O texto de Ef 5, 21-33 é fundamental para
afirmar a sacramentalidade do matrimónio, já que nos diz que é no mistério de Cristo e
da Igreja que se funda o sacramento do matrimónio. Como afirma o Papa João Paulo II,
pelo matrimónio os esposos participam no mistério pascal de Cristo, mistério de salvação:

“Os esposos participam nele enquanto esposos, a dois como casal, a tal ponto
que o efeito primeiro e imediato do matrimónio (res et sacramentum) não é a
graça sacramental propriamente, mas o vínculo conjugal cristão, uma comunhão
a dois tipicamente cristã porque representa o mistério da Encarnação de Cristo
e o seu Mistério de Aliança. E o conteúdo da participação na vida de Cristo é
também específico: o amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram
todos os componentes da pessoa - chamada do corpo e do instinto, força do
sentimento e da afetividade, aspiração do espírito e da vontade - ; o amor
conjugal dirige-se a uma unidade profundamente pessoal, aquela que, para além
da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma; ele
exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se
à fecundidade. Numa palavra, trata-se de características normais do amor
conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e as
consolida, mas eleva-as a ponto de as tornar a expressão dos valores
propriamente cristãos” (Familiaris consortio, n. 13).

67
AUER, Los Sacramentos de la Iglesia, 287.
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

É da sacramentalidade do matrimónio que derivam as duas propriedades


essenciais do matrimónio cristão: a fidelidade (=absoluta monogamia simultanea) e a
fundamental indissolubilidade. Em relação a esta última, a sacramentalidade do
matrimónio é a única razão convincente para a sua manutenção68.

Dimensão trinitária

Ao abordar o Matrimónio na história da salvação, ficou já claro que o Matrimónio


corresponde ao projeto de Deus para a criação e que essa realidade foi assumida por
Cristo, que o elevou à dignidade de sacramento. Por isso, as orações da bênção nupcial,
na parte anamnética, destacam essa dupla referência fundamental. Mas as mesmas
orações destacam ainda a presença e ação do Espírito Santo no Matrimónio, na parte
epiclética. “Na epiclese deste sacramento, os esposos recebem o Espírito Santo como
comunhão do amor de Cristo e da Igreja. É Ele [Espírito Santo] o selo da aliança de
ambos, a nascente sempre oferecida do seu amor, a força pela qual se renovará a
fidelidade” (Catecismo 1624). Tomemos o exemplo a epiclese da primeira oração de
bênção nupcial: “Olhai benignamente para estes vossos servos, que, unindo-se pelo
vínculo do Matrimónio, esperam o auxílio da vossa bênção: enviai sobre eles a graça do
Espírito Santo para que, pelo vosso amor derramado em seus corações, permaneçam fiéis
na aliança conjugal...” (Ritual da Celebração do Matrimónio, n.º 74). A mesma invocação
do Espírito Santo se encontra nas duas outras orações de bênção (cf. Ritual da Celebração
do Matrimónio, n.º 242 e 244).

O tema da aliança atravessa todo o Ritual e aparece especialmente ligado ao tema


do mistério pascal de Cristo no segundo prefácio: “Vós firmastes a nova aliança com o
vosso povo, para que, pelo mistério redentor da morte e ressurreição de Cristo, se tornasse
participante da glória divina e com Ele herdeiro da glória celeste. Como sinal da
admirável riqueza espiritual desta aliança, estabelecestes o vínculo santo do matrimónio,
para que o sacramento nupcial nos revele o mistério inefável do vosso amor” (Ritual da
Celebração do Matrimónio, n.º 70, 2). Já o terceiro prefácio apresenta o Matrimónio
como consagração, por Deus, do amor dos esposos e, ao mesmo tempo, sinal expressivo
do amor de Deus pelos homens: “Na vossa bondade criastes o género humano e o
elevastes a tão grande dignidade, que na união nupcial do homem e da mulher imprimistes
a imagem viva do vosso amor. Por amor lhe destes a existência e o chamais
incessantemente à lei do amor, para que se torne participante do vosso amor eterno e,
neste mistério admirável, o sacramento que consagra o amor humano seja sinal e penhor
do vosso amor divino” (Ritual da Celebração do Matrimónio, n.º 70, 3). Os sacramentos
são sempre e primeiramente acção de Deus. Também aqui: na base está o amor que une
um homem e uma mulher, mas é Deus, pelo sacramento do Matrimónio, que consagra
esse amor, tornando-o participação no amor de Cristo pela Igreja.

A graça sacramental

“A graça própria do sacramento do Matrimónio destina-se a aperfeiçoar o amor


dos cônjuges e a fortalecer a sua unidade indissolúvel. Por meio desta graça, «eles
auxiliam-se mutuamente para chegarem à santidade pela vida conjugal e pela procriação
e educação dos filhos» (LG 11)” (Catecismo 1641). O Matrimónio é verdadeiro caminho

68
Cf. AUER, Los Sacramentos de la Iglesia, 304.
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

de santidade e santificação para os esposos cristãos: são chamados a ser santos, não apesar
de serem casados, mas precisamente enquanto marido e esposa, pai e mãe. A fonte desta
graça do Matrimónio é o próprio Cristo: “[Cristo] fica com eles, dá-lhes a coragem de O
seguirem tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se
perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro (cf. Gl 6, 2), de serem
«submissos um ao outro no temor de Cristo» (Ef 5, 21) e de se amarem com um amor
sobrenatural, delicado e profundo” (Catecismo 1642). Esta graça, que tem a sua fonte em
Cristo, destina-se a fortalecer os esposos para a vivência das exigências da vida
matrimonial: a indissolubilidade, a fidelidade e a fecundidade (cf. Catecismo 1643-1654).

Conclusão

O Matrimónio é vocação, é comunhão, é aliança, é sacramento. Mas é à luz da fé


que esta riqueza se manifesta. Falar do Matrimónio como sacramento cristão quando o
horizonte de fé está esbatido ou ausente torna-se extremamente difícil. Os bispos
franceses, tendo em conta esta dificuldade, lançavam uma proposta operativa69 a estes
agentes pastorais, com vários momentos:

1. acolher;
2. favorecer uma progressão de fé;
3. cuidar da celebração do sacramento;
4. acompanhar o casal depois da celebração.

Um vez que as motivações daqueles que que se apresentam com o pedido de


casamento católico nem sempre são as desejáveis, e a fé nem sempre é muito esclarecida,
importa, antes de mais acolher os jovens que se apresentam com o pedido deste
sacramento. Acolher para evangelizar! Importa perceber as motivações e os valores que
manifestam, para as “evangelizar”, propondo-lhes um itinerário de crescimento humano
e cristão. Importa ainda ajudar os nubentes na preparação da celebração deste sacramento.
É digno de referência que, no inquérito referido, 33% dos inquiridos apresentasse como
grande motivação para a celebração deste sacramento o fato de se tratar de um importante
“rito de passagem”: “uma cerimónia bonita e festiva, que consagra um momento
importante da vida”. Trata-se de um valor antropológico que, embora não seja suficiente
como motivação, não pode ser desprezado.

7. A Ordem

Para instalar em seus cargo de presidência os resposnáveis pelas comunidades


cristãs, a Igreja serviu-se desde os tempos apostólicos de um rito que chamamos
“ordenação” e que a teologia católica considera como um dos sete sacramentos.

O MINISTÉRIO PASTORAL NA HISTÓRIA

O Novo Testamento

69
COMMISSION ÉPISCOPALE DE LITURGIE, «Points de repère en pastoral sacramentelle», in Pastoral
sacramentelle. Points de repère. Commentaires et guide de travail 1. Les Sacrements de l’initiation
chrétienne et le mariage (Liturgie 8), Cerf, Paris 1996, 11-96 (especificamente sobre o Matrimónio, 81-
96).
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

A grande variedade de ministérios e funções no interior das comunidades cristãs,


conforme demonstra o NT, revela a existência de diferentes modelos institucionais
ligados a regiões geográficas e a momentos sucessivos de organização. Assim, seguindo
as necessidades da Igreja apostólica, temos o seguinte cenário:

a) Os Doze: sua eleição, que torna patente a vontade de Jesus de prolongar a sua
missão e sua obra no tempo da Igreja, responde a uma sua iniciativa pessoal, que
“chamou os que queria” (cf. Mc 3,13-14), associou-os estreitamente à sua pessoa
e ministério e enviou-os em missão com a sua autoridade para que, como
testemunhas de sua ressurreição, pregassem em sua nome o evangelho e
congregassem o novo Israel. A Tradição considerou os apóstolos como ponto de
referência obrigatório, raiz e fonte de todo o ministério na Igreja;
b) Apóstolos, profetas e doutores: grupo que, além dos “Doze” e dos “Setenta e
dois” tão próximos a eles, gozava de certa proeminência (cf. 1 Cor 12,28; Ef 2,20;
3,5; 4,11);
c) Evangelistas: se ocupavam de pregar o evangelho e em estabelecer novas
comunidades de crentes (cf. Ef 4,11; At 21,8; 2Tm 4,5).

Entre os que asseguram de maneira estável os serviços dentro das comunidades já


constituídas encontramos uma série de termos relacionados à sua direção e governo:

a) “Hégoumenos” (chefe, diretor): Hb 13,7.17.24; Lc 22,26;


b) “Proistamenos” (presidente): Rm 12,8; 1Ts 5,12;
c) “Presbyteros”70: At 11,30; 14,22; 16,2; 20,17; 21,28; 1Tm 4,4; 5,17.19; Tt 1,5;
Tg 5,14; 1Pd 5,1;
d) “Episkopos: At 20,28; Fl 1,1; 1Tm 3,1-7; Tt 1,7;
e) “Diakonos”: 1Tm 3,8-13; Fl 1,1.

Num sentido mais genérico, encontramos também:

a) “Poimen” (pastor): Ef 4,11; 1Pd 5,2-4; At 20,28;


b) “Kybernetes” (piloto): 1Cor 12,28;

E, ainda temos, em outra esfera de atuação, os “profetas” e os “didaskaloi” (cf.


Ef 4,11; At 13,1).

Existem poucas informações sobre a forma como esses ministérios eram


designados ou investidos. Nesse sentido, o NT atribui, em certas ocasiões, a Deus ou ao
Espírito o ato de estabelecer, chamar e designar esses ministros para algum ofício (cf. At
1,15-26; 13,2; 20,28; 1Cor 12,28) e apenas quatro passagens descrevem uma, ainda que
embrionária, “liturgia de ordenação”:

1. At 6,1-3 (os sete diáconos): eleição pela comunidade, imposição das mãos e
oração dos apóstolos;
2. At 13, 3-4 (missão de Paulo e Barnabé): jejum e oração, imposição das mãospor
profetas e doutores;
3. 1 Tm 4,14 e 2Tm 1,6: palavra profética e imposição das mãos que confere o
“carisma de Deus” de modo duradouro;
70
Os “presbíteros”, que às vezes são identificados com os “episkopoi” (cf. At 20,28), aparecem em Jeruslém
exercendo seu ministério colegialmente (ver At 15,2.4.6.22.23; 16,4)
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

A Igreja antiga

Na passagem entre os séc. I e II ocorreram alguns eventos de significativa


importância para o futuro eclesial: a consolidação da trilogia de ministérios estáveis –
bispo, presbíteros e diáconos – à frente das comunidades cristãs, o correlativo
desaparecimento dos demais ministérios, o aparecimento do episcopado monárquico71
e, para salvaguardar sua própria identidade, diante do perigo provocado pelos primeiros
cismas e heresias (por exemplo, da gnose e do montanismo), a partir de meados do séc.
II, temos também a afirmação da sucessão apostólica como a melhor garantia da
fidelidade da Igreja às origens apostólicas (Santo Ireneu e Tertuliano).

É também desse período uma primeira reflexão e aprofundamento sobre os


poderes próprios dos ministros da Igreja, a aplicação da terminologia sacerdotal aos
ministérios cristãos (Tertuliano, Traditio Apostolica, Didascalia Apostolorum, Orígenes
e São Cipriano), o nascimento de uma hierarquia – com uma série de ministérios abaixo
do diaconato (subdiácono, acólito, exorcista, leitor, ostiário), conforme testemunham
Hipólito e o papa Cornélio – e, já mais próximo do séc. III, por causa dos frequentes
intercâmbios entre as Igrejas e uma atividade conciliar, um reavivamento da consciência
da colegialidade dos bispos. A Traditio Apostolica (séc. III) conservou quase que um
primeiro ritual de ordenações: uma série e orações consecratórias, acompanhadas de
indicações rituais e disciplinares de extrema simplicidade. Já distingue bem as diferenças
entre a ordenação do bispo (eleito por todo o povo), do presbítero (ordenado para o
sacerdócio) e do diácono (ordenado para o serviço do bispo), de um lado, e a designação
para outros ministérios (confessores, viuvas, leitores, virgens, subdiáconos e pessoas com
a graça de curas), de outro.

Nos tratados, sermões e outros escritos dos séc. IV a VI – época de ouro da


literatura patrística – fica caracterizada a ação do Espírito na ordenação e na atividade
pastoral dos ministros, de tal modo que, os ministérios são interpretados como missão ao
serviço do projeto divino de salvação e somente são entendidos em sua vinculação estreita
com a comunidade local. Todavia, esse equilíbrio doutrinal logo seria perturbado por uma
série de fatores históricos:

a) as alianças entre e Igreja e o Estado (“cesaropapismo”);


b) transferências dos bispos e ordenações absolutas;
c) novo impulso ao clericalismo;
d) transferência do direito à designação-eleição dos ministros da comunidade para
outros ministros;
e) a multiplicação das igrejas urbanas, o nascimento das paróquias rurais, a
desagregação do presbitério, a concentração da atenção na função cultual, o
descuido com o ministério da palavra e a questão do poder necessário para a
presidência da eucaristia;
f) a reação às pretensões dos diáconos de serem iguais ou superiores aos presbíteros
e de presidir a eucaristia;
g) a afirmação, contra a heresia donatista, da eficácia do sacramento como valor
objetivo do ministério e sua independência da santidade pessoal do ministro;
h) a ordenação de monges cuja única função era a da celebração eucarística;

71
Das cartas de Santo Inácio de Antioquia emerge a imagem de uma Igreja bem estruturada, com centro de
unidade no bispo, em estreita colaboração com o colégio dos presbíteros e o grupo dos diáconos. Para ele,
e depois para Clemente de Alexandria e Orígenes, a hierarquia terrena é símbolo da hierarquia celestial.
Liturgia II: Sacramentos
51
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

i) a generalização do celibato e da vida comum entre os clérigos

A Idade Média

Entre os séc. VII e X, a atenção se foi concentrando exclusivamente nos poderes


cultuais dos ministros, mais concretamente no poder de celebrar a eucaristia, enquanto
que as outras funções, da Palavra e do governo , perderam-se de vista, fato que significou
um grande passo no processo de “sacerdotalização dos ministérios”. Com o advento da
Escolástica surge a preocupação com uma sistematização da doutrina dos ministérios:
define-se a ordem como uma transmissão de poderes, dá-se atenção especial à doutrina
do caráter e recupera-se – graças ao surgimento das ordens mendicantes – o ministério da
Palavra; porém, continuam as ordenações absolutas. A partir do séc X é possível verificar
a evolução nas ordenações através dos diferentes ritos que foram se sucedendo. Ora, na
verdade, foram poucas inovações; de modo geral, não fizeram mais do que sobrecarregar
o rito.

De Trento até o século XX

Levado por sua rejeição da concepção fortemente sacramental do ministro que


prevalecia em seu tempo, Lutero impugnou a doutrina católica dos ministérios. Apesar
de condenar os erros dos reformadores protestantes, a concepção do Concílio de Trento
padece das mesmas limitações escolásticas, ou seja, contemplava os ministérios a partir
da consideração do presbiterado e a partir do poder de consagrar, oferecer e administrar
o corpo e o sangue de Cristo e de perdoar os pecados. Depois de Trento, a teologia dos
ministérios, tal como se vê refletida nos manuais da época avança pouco, os ministérios
continuaram a ser definidos em termos de poderes sacramentais inerentes à pessoa, sem
conexão aparente com a comunidade; desenvolve-se uma literatura mística sentimental,
que muito exaltava a dignidade e os poderes (cultuais) dos sacerdotes, estabelecendo
comparações pouco felizes entre estes e os anjos e até a Virgem Maria. Diante dessa
teologia imobilista, a pesquisa histórica vinha colocando, desde o séc. XVI, as bases para
uma renovação em profundidade da teologia dos ministérios.

Em nossos dias

A renovação (bíblica, litúrgica, ecumênica e apostólica) contemporânea trouxe


horizontes mais amplos, que iluminaram, a concepção vigente, desde a escolástica, sobre
os ministérios. Dentro de uma eclesiologia renovada de comunhão foi mais fácil situá-los
no conjunto da missão de serviço da Igreja. A relação ministério-comunidade articulo-se
de maneira diferente daquela estabelecida no passado. Renunciou-se a definir o ministério
em termos de dignidade, categoria e poderes, e voltou-se à linguagem do NT e dos Padres,
que falam de serviço ou “diakonia”. A revalorização do sacerdócio comum dos batizados
e de suas reponsabilidades na vida da Igreja levou a propor e solucionar em termos novos
as relações ministério-laicato.

Também marcou um ponto importante neste caminho de renovação a redescoberta


da índole colegial do episcopado e do presbiterado. A figura do bispo, graças aos estudos
sobre o que significou o apostolado dos Doze, voltou a ocupar o lugar central que mais
de mil anos antes havia cedido em favor do presbítero. Resgatou-se o esquema tradicional
do “triplex munus”: “martyria”, “leitourgia”, “diakonia”; Por último, a recuperação da
mentalidadesimbólica levou a valorizar mais o pensamento teológico dos Padres e a
Liturgia II: Sacramentos
52
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

propor, como eles, a relação dos ministérios com Cristo em termos de símbolo, imagem
e sacramento: os ministros são representantes da pessoa e da obra de Cristo.

O Concílio Vaticano II apresenta os ministérios no contexto do mistério da Igreja,


dentro de uma concepção que a define a partir da consideração do único povo de Deus e
não de hierarquia (LG 32). Junto a esta referência eclesiológica está a referência
fundamental a Cristo cabeça, sacerdote, rei e profeta, de quem são sinal e sacramento os
ministros da Igreja em virtude de sua ordenação (LG 17. 21. 28; PO 2-3.5-6). Ao
apresentar a doutrina dos ministérios hierárquicos, tomou como ponto de partida o
episcopado, contemplado à luz da missão dos “Doze”. Afirmou a sacramentalidade da
consagração episcopal e declarou que dela tiram sua origem não só a função de santificar,
mas também a função de ensinar e reger (LG 21). Definiu a relação entre os presbíteros
e os bispos (LG 28; PO 7) e decretou que se poderia restaurar o diaconato como grau
próprio e permanente na hierarquia.

Reafirmou a doutrina da colegialidade dos bispos (LG 22-23; CD 4-6) e dos


presbíteros (LG 28; PO 8). Para descrever as funções das diferentes ordens, superando a
concepção cultual-sacerdotal, adotou o esquema da tríplice função: profética, litúrgica e
de governo, e abriu, assim, à atividade dos ministros da Igreja todo o amplo horizonte da
missão de Cristo mesmo e dos apóstolos. Abandonando a linguagem tradicional que se
exprimia em termos de dignidade e de poder, pela terminologia bíblica e patrística de
serviço ou “diakonia”, propiciou uma mudança notável de atitude e de mentalidade na
Igreja.

A TEOLOGIA DO SACRAMENTO DA ORDEM72

Porquê este nome de sacramento da Ordem?

A palavra Ordem, na antiguidade romana, designava corpos constituídos no


sentido civil, sobretudo o corpo dos que governavam, Ordinatio designa a integração num
ordo. Na Igreja existem corpos constituídos, que a Tradição, não sem fundamento na
Sagrada Escritura, designa, desde tempos antigos, com o nome de táxeis (em grego),
ordines (em latim): a liturgia fala assim do ordo episcoporum – ordem dos bispos –,do
ordo presbyterorum – ordem dos presbíteros – e do ordo diaconorum –ordem dos
diáconos. Há outros grupos que também recebem este nome de ordo: os catecúmenos, as
virgens, os esposos, as viúvas…

A integração num destes corpos da Igreja fazia-se através dum rito chamado
ordinatio, ato religioso e litúrgico que era uma consagração, uma bênção ou um
sacramento. Hoje, a palavra ordinatio é reservada ao ato sacramental que integra na ordem
dos bispos, dos presbíteros e dos diáconos, e que ultrapassa a simples eleição, designação,
delegação ou instituição pela comunidade, pois confere um dom do Espírito Santo que
permite o exercício dum «poder sagrado» (sacra potestas) que só pode vir do próprio
Cristo, pela sua Igreja. A ordenação também é chamada consecratio consagração –,
porque é um pôr à parte e uma investidura feita pelo próprio Cristo para a sua Igreja. A
imposição das mãos do bispo, com a oração consecratória, constituem o sinal visível desta
consagração.

72
Segue o esquema do Catecismo da Igreja Católica
Liturgia II: Sacramentos
53
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

O sacramento da Ordem na economia da salvação

O SACERDÓCIO DA ANTIGA ALIANÇA

O povo eleito foi constituído por Deus como «um reino de sacerdotes e uma nação
consagrada» (Ex 19, 6). Mas, dentro do povo de Israel, Deus escolheu uma das doze
tribos, a de Levi, segregada para o serviço litúrgico o próprio Deus é a sua parte na
herança. Um rito próprio consagrou as origens do sacerdócio da Antiga Aliança. Nela, os
sacerdotes são «constituídos em favor dos homens, nas coisas respeitantes a Deus, para
oferecer dons e sacrifícios pelos pecados». Instituído para anunciar a Palavra de Deus e
para restabelecer a comunhão com Deus pelos sacrifícios e a oração, aquele sacerdócio é,
no entanto, impotente para operar a salvação, precisando de repetir sem cessar os
sacrifícios, sem poder alcançar uma santificação definitiva a qual só o sacrifício de Cristo
havia de conseguir.

Apesar disso, no sacerdócio de Aarão e no serviço dos levitas, assim como na


instituição dos setenta «Anciãos», a liturgia da Igreja vê prefigurações do ministério
ordenado da Nova Aliança. Assim, no rito latino, a Igreja pede, na oração consecratória
da ordenação dos bispos: «Senhor Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo […] por vossa
palavra e vosso dom instituístes a Igreja com as suas normas fundamentais, eternamente
predestinastes a geração dos justos que havia de nascer de Abraão, estabelecestes
príncipes e sacerdotes, e não deixastes sem ministério o vosso santuário…».

Na ordenação dos presbíteros, a Igreja reza:

«Senhor, Pai santo, […] já na Antiga Aliança se desenvolveram funções


sagradas que eram sinais do sacramento novo. A Moisés e a Aarão, que
pusestes à frente do povo para o conduzirem e santificarem, associastes
como seus colaboradores outros homens também escolhidos por Vós. No
deserto, comunicastes o espírito de Moisés a setenta homens prudentes,
com o auxílio dos quais ele governou mais facilmente o vosso povo. Do
mesmo modo, as graças abundantes concedidas a Aarão. Vós as
transmitistes a seus filhos, a fim de não faltarem sacerdotes, segundo a
Lei, para oferecer os sacrifícios do templo, sombra dos bens futuros…».

E na oração consecratória para a ordenação dos diáconos, a Igreja confessa:

«Senhor, Pai santo, […] é o novo templo que se edifica quando


estabeleceis os três graus dos ministros sagrados para servirem ao vosso
nome, como já na primeira Aliança escolhestes os filhos de Levi, para o
serviço do templo antigo».

O SACERDÓCIO ÚNICO DE CRISTO

Todas as prefigurações do sacerdócio da Antiga Aliança encontram a sua


realização em Jesus Cristo, «único mediador entre Deus e os homens» (1 Tm 2, 5).
Melquisedec, «sacerdote do Deus Altíssimo» (Gn 14, 18), é considerado pela Tradição
cristã como uma prefiguração do sacerdócio de Cristo, único «Sumo-Sacerdote segundo
a ordem de Melquisedec» (Heb 5, l0; 6, 20), «santo, inocente, sem mancha» (Heb 7, 26),
Liturgia II: Sacramentos
54
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

que «com uma única oblação, tornou perfeitos para sempre os que foram santificados»
(Heb 10, 14), isto é, pelo único sacrifício da sua cruz.

O sacrifício redentor de Cristo é único, realizado uma vez por todas. E no entanto,
é tornado presente no sacrifício eucarístico da Igreja. O mesmo se diga do sacerdócio
único de Cristo, que é tornado presente pelo sacerdócio ministerial, sem diminuição da
unicidade do sacerdócio de Cristo: «e por isso, só Cristo é verdadeiro sacerdote, sendo os
outros seus ministros».

DUAS PARTICIPAÇÕES NO SACERDÓCIO ÚNICO DE CRISTO

Cristo, sumo sacerdote e único mediador, fez da Igreja «um reino de sacerdotes
para Deus seu Pai». Toda a comunidade dos crentes, como tal, é uma comunidade
sacerdotal. Os fiéis exercem o seu sacerdócio batismal através da participação, cada qual
segundo a sua vocação própria, na missão de Cristo, sacerdote, profeta e rei. É pelos
sacramentos do Batismo e da Confirmação que os fiéis são «consagrados para serem […]
um sacerdócio santo».

O sacerdócio ministerial ou hierárquico dos bispos e dos presbíteros e o sacerdócio


comum de todos os fiéis – embora «um e outro, cada qual segundo o seu modo próprio,
participem do único sacerdócio de Cristo» – são, no entanto, essencialmente diferentes
ainda que sendo «ordenados um para o outro». Em que sentido? Enquanto o sacerdócio
comum dos fiéis se realiza no desenvolvimento da vida batismal – vida de fé, esperança
e caridade, vida segundo o Espírito – o sacerdócio ministerial está ao serviço do
sacerdócio comum, ordena-se ao desenvolvimento da graça batismal de todos os cristãos.
É um dos meios pelos quais Cristo não cessa de construir e guiar a sua igreja. E é por isso
que é transmitido por um sacramento próprio, que é o sacramento da Ordem.

NA PESSOA DE CRISTO CABEÇA…

No serviço eclesial do ministro ordenado, é o próprio Cristo que está presente à


sua Igreja, como Cabeça do seu corpo, Pastor do seu rebanho, Sumo-Sacerdote do
sacrifício redentor, mestre da verdade. É o que a Igreja exprime quando diz que o padre,
em virtude do sacramento da Ordem, age in persona Christi Capitis – na pessoa de Cristo
Cabeça:

«É o mesmo Sacerdote, Jesus Cristo, de quem realmente o ministro faz as


vezes. Se realmente o ministro é assimilado ao Sumo-Sacerdote, em
virtude da consagração sacerdotal que recebeu, goza do direito de agir
pelo poder do próprio Cristo que representa ‘virtute ac persona ipsius
Christi’. Cristo é a fonte de todo o sacerdócio: pois o sacerdócio da
[antiga] lei era figura d’Ele, ao passo que o sacerdote da nova lei age na
pessoa d’Ele».

Pelo ministério ordenado, especialmente dos bispos e padres, a presença de Cristo


como cabeça da Igreja torna-se visível no meio da comunidade dos crentes. Segundo a
bela expressão de Santo Inácio de Antioquia, o bispo é týpos toû Patrós, como que a
imagem viva de Deus Pai.
Liturgia II: Sacramentos
55
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Esta presença de Cristo no seu ministro não deve ser entendida como se este
estivesse premunido contra todas as fraquezas humanas, contra o afã de domínio, contra
os erros, isto é, contra o pecado. A força do Espírito Santo não garante do mesmo modo
todos os atos do ministro. Enquanto que nos sacramentos esta garantia é dada, de maneira
que nem mesmo o pecado do ministro pode impedir o fruto da graça, há muitos outros
atos em que a condição humana do ministro deixa vestígios, que nem sempre são sinal de
fidelidade ao Evangelho e podem, por conseguinte, prejudicar a fecundidade apostólica
da Igreja.

Este sacerdócio é ministerial. «O encargo que o Senhor confiou aos pastores do


seu Povo é um verdadeiro serviço». Refere-se inteiramente a Cristo e aos homens.
Depende inteiramente de Cristo e do seu sacerdócio único, e foi instituído em favor dos
homens e da comunidade da Igreja. O sacramento da Ordem comunica «um poder
sagrado», que não é senão o de Cristo. O exercício desta autoridade deve, pois, regular-
se pelo modelo de Cristo, que por amor Se fez o último e servo de todos. «O Senhor disse
claramente que o cuidado dispensado ao seu rebanho seria uma prova de amor para com
Ele».

…«EM NOME DE TODA A IGREJA»

O sacerdócio ministerial não tem somente o encargo de representar Cristo. cabeça


da Igreja, perante a assembleia dos fiéis; age também em nome de toda a Igreja, quando
apresenta a Deus a oração da mesma Igreja e, sobretudo, quando oferece o sacrifício
eucarístico.

«Em nome de toda a Igreja» não quer dizer que os sacerdotes sejam os delegados
da comunidade. A oração e a oferenda da Igreja são inseparáveis da oração e da oferenda
de Cristo, sua cabeça. É sempre o culto de Cristo na e pela sua Igreja. É toda a Igreja,
corpo de Cristo, que ora e se oferece, «por Cristo, com Cristo, em Cristo», na unidade do
Espírito Santo, a Deus Pai. Todo o corpo, caput et memora – cabeça e membros –, ora e
oferece-se; e, por isso, aqueles que, no corpo, são de modo especial os ministros, chamam-
se ministros não apenas de Cristo, mas também da Igreja. É porque representa Cristo, que
o sacerdócio ministerial pode representar a Igreja.

Os três graus do sacramento da Ordem

«O ministério eclesiástico, instituído por Deus, é exercido em ordens diversas por


aqueles que, desde a antiguidade, são chamados bispos, presbíteros e diáconos». A
doutrina católica, expressa na liturgia, no Magistério e na prática constante da Igreja,
reconhece que existem dois graus de participação ministerial no sacerdócio de Cristo: o
episcopado e o presbiterado. O diaconado destina-se a ajudá-los e a servi-los. Por isso, o
termo «sacerdos» designa, no uso actual, os bispos e os presbíteros, mas não os diáconos.
Todavia, a doutrina católica ensina que os graus de participação sacerdotal (episcopado e
presbiterado) e o grau de serviço (diaconado), todos três são conferidos por um ato
sacramental chamado «ordenação», ou seja, pelo sacramento da Ordem.

«Reverenciem todos os diáconos como a Jesus Cristo e de igual modo o bispo que
é a imagem do Pai, e os presbíteros como o senado de Deus e como a assembleia dos
Apóstolos: sem eles, não se pode falar de Igreja».
Liturgia II: Sacramentos
56
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

A ORDENAÇÃO EPISCOPAL – PLENITUDE DO SACRAMENTO DA ORDEM

«Entre os vários ministérios, que na Igreja se exercem desde os primeiros tempos,


consta da Tradição que o principal é o daqueles que, constituídos no episcopado através
de uma sucessão que remonta às origens, são os transmissores da semente apostólica».

Para desempenhar a sua sublime missão, «os Apóstolos foram enriquecidos por
Cristo com uma efusão especial do Espírito Santo, que sobre eles desceu: e pela imposição
das mãos eles próprios transmitiram aos seus colaboradores este dom espiritual que foi
transmitido até aos nossos dias através da consagração episcopal».

O II Concílio do Vaticano «ensina que, pela consagração episcopal, se confere a


plenitude do sacramento do Ordens, à qual o costume litúrgico da Igreja e a voz dos santos
Padres chamam sumo sacerdócio e vértice [“summa”] do sagrado ministério».

«A consagração episcopal, juntamente com a função de santificar, confere


também as funções de ensinar e governar […] De fato, pela imposição das mãos e pelas
palavras da consagração, a graça do Espírito Santo é dada e é impresso o carácter sagrado,
de tal modo que os bispos fazem as vezes, de uma forma eminente e visível, do próprio
Cristo, Mestre, Pastor e Pontífice, e atuam em vez d’Ele [«in Eius persona agant»]». Por
isso, pelo Espírito Santo que lhes foi dado, os bispos foram constituídos verdadeiros e
autênticos mestres da fé, pontífices e pastores».

«É em virtude da consagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a


cabeça e os membros do colégio que alguém é constituído membro do corpo episcopal».O
carácter e a natureza colegial da ordem episcopal manifestam-se, entre outros modos, na
antiga prática da Igreja que exige, para a consagração dum novo bispo, a participação de
vários bispos. Para a ordenação legítima dum bispo requer-se, hoje, uma intervenção
especial do bispo de Roma, em virtude da sua qualidade de supremo vínculo visível da
comunhão das Igrejas particulares na Igreja una, e de garante da sua liberdade.

Cada bispo tem, como vigário de Cristo, o encargo pastoral da Igreja particular
que lhe foi confiada. Mas, ao mesmo tempo, partilha colegialmente com todos os seus
irmãos no episcopado a solicitude por todas as Igrejas: «Se cada bispo é pastor próprio
apenas da porção do rebanho que foi confiada aos seus cuidados, a sua qualidade de
legítimo sucessor dos Apóstolos, por instituição divina, torna-o solidariamente
responsável pela missão apostólica da Igreja».

Tudo o que acaba de ser dito explica porque é que a Eucaristia celebrada pelo
bispo tem uma significação muito especial como expressão da Igreja reunida em torno do
altar sob a presidência daquele que representa visivelmente Cristo, bom Pastor e Cabeça
da sua Igreja.

A ORDENAÇÃO DOS PRESBÍTEROS – COOPERADORES DOS BISPOS

«Cristo, a Quem o Pai santificou e enviou ao mundo, por meio dos seus Apóstolos
tornou os bispos, que são sucessores deles, participantes da sua consagração e missão; e
estes, por sua vez, transmitem legitimamente o múnus do seu ministério em grau diverso
e a diversos sujeitos na Igreja». O seu cargo ministerial foi transmitido em grau
subordinado aos presbíteros, para que, constituídos na Ordem do presbiterado, fossem
Liturgia II: Sacramentos
57
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

cooperadores da Ordem episcopal para o desempenho perfeito da missão apostólica


confiada por Cristo».

«O ofício dos presbíteros, enquanto unido à Ordem episcopal, participa da


autoridade com que o próprio Cristo edifica, santifica e governa o seu corpo. Por isso, o
sacerdócio dos presbíteros, embora pressuponha os sacramentos da iniciação cristã, é
conferido mediante um sacramento especial, em virtude do qual os presbíteros, mediante
a unção do Espírito Santo, ficam assinalados com um carácter particular e, dessa maneira,
configurados a Cristo-Sacerdote, de tal modo que possam agir em nome e na pessoa de
Cristo Cabeça».

«Os presbíteros, embora não possuam o pontificado supremo e dependam dos


bispos no exercício do próprio poder, todavia estão-lhes unidos na honra do sacerdócio;
e, por virtude do sacramento da Ordem, são consagrados, à imagem de Cristo, sumo e
eterno sacerdote, para pregar o Evangelho, ser pastores dos fiéis e celebrar o culto divino
como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento.

Em virtude do sacramento da Ordem, os sacerdotes participam das dimensões


universais da missão confiada por Cristo aos Apóstolos. O dom espiritual que receberam
na ordenação prepara-os, não para uma missão limitada e restrita, «mas sim para uma
missão de salvação de amplitude universal, “até aos confins da terra”», «dispostos, no seu
coração, a pregar o Evangelho em toda a parte».

«É no culto ou sinaxe eucarística que, por excelência exercem o seu múnus


sagrado: nela, agindo na pessoa de Cristo e proclamando o seu mistério, unem as preces
dos fiéis ao sacrifício da cabeça e, no sacrifício da Missa, tornam presente e aplicam, até
à vinda do Senhor, o único sacrifício do Novo Testamento, o de Cristo, o qual de uma vez
por todas se ofereceu ao Pai, como hóstia imaculada». É deste sacrifício único que todo
o seu ministério sacerdotal tira a própria força.

«Cooperadores esclarecidos da Ordem episcopal, sua ajuda e instrumento,


chamados para o serviço do povo de Deus, os presbíteros constituem com o seu bispo um
único presbyterium com diversas funções. Onde quer que se encontre uma comunidade
de fiéis, eles tornam de certo modo, presente o bispo, ao qual estão associados, de ânimo
fiel e generoso, e cujos encargos e solicitude assumem, segundo a própria medida,
traduzindo-os na prática do cuidado quotidiano dos fiéis». Os presbíteros só podem
exercer o seu ministério na dependência do bispo e em comunhão com ele. A promessa
de obediência, que fazem ao bispo no momento da ordenação, e o ósculo da paz dado
pelo bispo no final da liturgia de ordenação, significam que o bispo os considera seus
colaboradores, filhos, irmãos e amigos e que, em contrapartida, eles lhe devem amor e
obediência.

«Os presbíteros, elevados pela ordenação à Ordem do presbiterado, estão unidos


entre si numa íntima fraternidade sacramental. Especialmente na diocese, a cujo serviço,
sob o bispo respectivo, estão consagrados, formam um só presbitério». A unidade do
presbitério tem uma expressão litúrgica no costume segundo o qual, durante o rito da
ordenação presbiterial, os presbíteros impõem também eles as mãos, depois do bispo.

A ORDENAÇÃO DO DIÁCONOS – «EM VISTA DO SERVIÇO»


Liturgia II: Sacramentos
58
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

«No grau inferior da hierarquia estão os diáconos, aos quais foram impostas as
mãos, “não em vista do sacerdócio, mas do serviço”». Para a ordenação no diaconado, só
o bispo é que impõe as mãos, significando com isso que o diácono está especialmente
ligado ao bispo nos encargos próprios da sua « diaconia».

Os diáconos participam de modo especial na missão e na graça de Cristo. O


sacramento da Ordem marca-os com um selo («carácter») que ninguém pode fazer
desaparecer e que os configura com Cristo, que se fez «diácono», isto é, o servo de todos.
Entre outros serviços, pertence aos diáconos assistir o bispo e os sacerdotes na celebração
dos divinos mistérios, sobretudo da Eucaristia, distribuí-la, assistir ao Matrimônio e
abençoá-lo, proclamar o Evangelho e pregar, presidir aos funerais e consagrar-se aos
diversos serviços da caridade.

A partir do II Concílio do Vaticano, a Igreja latina restabeleceu o diaconado


«como grau próprio e permanente da hierarquia», enquanto as Igrejas do Oriente o tinham
sempre mantido. Este diaconado permanente, que pode ser conferido a homens casados,
constitui um enriquecimento importante para a missão da Igreja. Com efeito, é apropriado
e útil que homens, cumprindo na Igreja um ministério verdadeiramente diaconal, quer na
vida litúrgica e pastoral, quer nas obras sociais e caritativas, «sejam fortificados pela
imposição das mãos, transmitida desde os Apóstolos, e mais estreitamente ligados ao
altar, para que cumpram o seu ministério mais eficazmente por meio da graça sacramental
do diaconado».

A celebração deste sacramento

A celebração da ordenação dum bispo, de presbíteros ou de diáconos, dada a sua


importância na vida duma Igreja particular, requer o concurso do maior número possível
de fiéis. Terá lugar, de preferência, ao domingo e na Sé catedral, com solenidade
adequada à circunstância. As três ordenações – do bispo, do presbítero e do diácono –
seguem o mesmo esquema. O lugar próprio de sua celebração é dentro da liturgia
eucarística.

O rito essencial do sacramento da Ordem é constituído, para os três graus, pela


imposição das mãos, por parte do bispo, sobre a cabeça do ordinando, bem como pela
oração consecratória específica, que pede a Deus a efusão do Espírito Santo e dos seus
dons apropriados ao ministério para que é ordenado o candidato.

Como em todos os sacramentos, ritos anexos envolvem a celebração. Variando


muito nas diversas tradições litúrgicas, tem todos um traço comum: exprimem os
múltiplos aspectos da graça sacramental. Assim, os ritos iniciais, no rito latino – a
apresentação e a eleição do ordinando, a alocução do bispo, o interrogatório do ordinando,
as ladainhas dos santos – atestam que a escolha do candidato se fez em conformidade
com o costume da Igreja e preparam o ato solene da consagração depois da qual vários
ritos vêm exprimir e completar, de modo simbólico, o mistério realizado: para o bispo e
para o sacerdote, a unção com o santo crisma, sinal da unção especial do Espírito Santo,
que torna fecundo o seu ministério; entrega do livro dos Evangelhos do anel, da mitra e
do báculo ao bispo, em sinal da sua missão apostólica de anunciar a Palavra de Deus, da
sua fidelidade à Igreja, esposa de Cristo, do seu múnus de pastor do rebanho do Senhor:
para o presbítero, entrega da patena e do cálice, «a oferenda do povo santo» que ele é
Liturgia II: Sacramentos
59
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

chamado a apresentar a Deus; para o diácono, entrega do livro dos Evangelhos, pois acaba
de receber a missão de anunciar o Evangelho de Cristo.

Quem pode conferir este sacramento?

Foi Cristo quem escolheu os Apóstolos e lhes deu parte na sua missão e
autoridade. Depois de ter subido à direita do Pai, Cristo não abandona o seu rebanho,
antes continuamente o guarda por meio dos Apóstolos com a sua proteção e continua a
dirigi-lo através destes mesmos pastores que hoje prosseguem a sua obra. É pois Cristo
«quem dá», a uns serem apóstolos, a outros serem pastores. E continua agindo por meio
dos bispos.

Uma vez que o sacramento da Ordem é o sacramento do ministério apostólico,


pertence aos bispos, enquanto sucessores dos Apóstolos, transmitir «o dom espiritual»,
«a semente apostólica». Os bispos validamente ordenados, isto é, que estão na linha da
sucessão apostólica, conferem validamente os três graus do sacramento da Ordem.

Quem pode receber este sacramento?

«Só o varão (vir) baptizado pode receber validamente a sagrada ordenação». O


Senhor Jesus escolheu homens (viri) para formar o colégio dos Doze Apóstolos, e o
mesmo fizeram os Apóstolos quando escolheram os seus colaboradores para lhes
sucederem no desempenho do seu ministério. O Colégio dos bispos, a que os presbíteros
estão unidos no sacerdócio, torna presente e actualiza, até que Cristo volte, o Colégio dos
Doze. A Igreja reconhece-se vinculada por essa escolha feita pelo Senhor em pessoa. É
por isso que a ordenação das mulheres não é possível.

Ninguém tem direito a receber o sacramento da Ordem. Com efeito, ninguém pode
arrogar-se tal encargo. É-se chamado a ele por Deus. Aquele que julga reconhecer em si
sinais do chamamento divino ao ministério ordenado, deve submeter humildemente o seu
desejo à autoridade da Igreja, à qual incumbe a responsabilidade e o direito de chamar
alguém para receber as Ordens. Como toda e qualquer graça, este sacramento só pode ser
recebido como um dom imerecido.

Todos os ministros ordenados da Igreja latina, à excepção dos diáconos


permanentes, são normalmente escolhidos entre homens crentes que vivem celibatários e
têm vontade de guardar o celibato «por amor do Reino dos céus» (Mt 19, 12). Chamados
a consagrarem-se totalmente ao Senhor e às «suas coisas» dão-se por inteiro a Deus e aos
homens. O celibato é um sinal desta vida nova, para cujo serviço o ministro da Igreja é
consagrado: aceite de coração alegre, anuncia de modo radioso o Reino de Deus.

Nas Igrejas orientais vigora, desde há séculos, uma disciplina diferente: enquanto
os bispos são escolhidos unicamente entre os celibatários, homens casados podem ser
ordenados diáconos e presbíteros. Esta prática é, desde há muito tempo, considerada
legítima: estes sacerdotes exercem um ministério frutuoso nas suas comunidades. Mas,
por outro lado, o celibato dos sacerdotes é tido em muita honra nas Igrejas orientais e são
numerosos aqueles que livremente optam por ele, por amor do Reino de Deus. Tanto no
Oriente como no Ocidente, aquele que recebeu o sacramento da Ordem já não pode casar-
se.
Liturgia II: Sacramentos
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Evangelizador: Luis Carlos Pereira

Os efeitos do sacramento da Ordem

O CARÁCTER INDELÉVEL

Este sacramento configura o ordinando com Cristo por uma graça especial do
Espírito Santo, a fim de servir de instrumento de Cristo em favor da sua Igreja. Pela
ordenação, recebe-se a capacidade de agir como representante de Cristo, cabeça da Igreja.
na sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei.

Tal como no caso do Batismo e da Confirmação, esta participação na função de


Cristo é dada uma vez por todas. O sacramento da Ordem confere, também ele, um
carácter espiritual indelével, e não pode ser repetido nem conferido para um tempo
limitado.

Uma pessoa validamente ordenada pode, é certo, por graves motivos, ser
dispensada das obrigações e funções decorrentes da ordenação, ou ser proibido de as
exercer: mas já não pode voltar a ser leigo, no sentido estrito, porque o carácter impresso
pela ordenação fica para sempre. A vocação e a missão recebidas no dia da ordenação
marcam-no de modo permanente.

Uma vez que é Cristo, afinal, quem age e opera a salvação através do ministro
ordenado, a indignidade deste não impede Cristo de agir. Santo Agostinho di-lo numa
linguagem vigorosa:

«Quanto ao ministro orgulhoso, deve ser contado juntamente com o diabo.


E nem por isso se contamina o dom de Cristo: o que através de tal ministro
se comunica, conserva a sua pureza: o que passa por ele mantém-se
límpido e chega até à terra fértil. […] De fato, a virtude espiritual do
sacramento é semelhante à luz: os que devem ser iluminados recebem-na
na sua pureza, e ela, embora atravesse seres manchados, não se suja».

A GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO

A graça do Espírito Santo própria deste sacramento consiste numa configuração


com Cristo, Sacerdote, Mestre e Pastor, de quem o ordenado é constituído ministro.

Para o bispo, é, em primeiro lugar, uma graça de fortaleza («Spiritum principalem


–Espírito soberano», isto é, Espírito que faz chefes, pede a oração de consagração do
bispo, no rito latino): a graça de guiar e defender, com força e prudência, a sua Igreja,
como pai e pastor, com amor desinteressado para com todos e uma predileção pelos
pobres, os enfermos e os necessitados. Esta graça impele-o a anunciar o Evangelho a
todos, a ser o modelo do seu rebanho, a ir adiante dele no caminho da santificação,
identificando-se na Eucaristia com Cristo sacerdote e vítima, sem recear dar a vida pelas
suas ovelhas:

«Ó Pai, que conheceis os corações, concedei ao vosso servo, que


escolhestes para o episcopado, a graça de apascentar o vosso santo
rebanho e de exercer de modo irrepreensível, diante de Vós, o supremo
sacerdócio, servindo-Vos noite e dia: que ele torne propício o vosso rosto
e ofereça os dons da vossa santa Igreja: tenha, em virtude do Espírito do
Liturgia II: Sacramentos
61
Evangelizador: Luis Carlos Pereira

supremo sacerdócio, o poder de perdoar os pecados segundo o vosso


mandamento, distribua os cargos segundo a vossa ordem e desligue de
todo o vínculo pelo poder que Vós destes aos Apóstolos: que ele Vos
agrade pela sua doçura e coração puro, oferecendo-Vos um perfume
agradável, por vosso Filho Jesus Cristo…».

O dom espiritual, conferido pela ordenação presbiterial, está expresso nesta oração
própria do rito bizantino. O bispo, impondo as mãos, diz, entre outras coisas:

«Senhor, enchei do dom do Espírito Santo aquele que Vos dignastes elevar
ao grau de presbítero, para que seja digno de se manter irrepreensível
diante do vosso altar, de anunciar o Evangelho do vosso Reino, de
desempenhar o ministério da vossa Palavra de verdade, de Vos oferecer
dons e sacrifícios espirituais, de renovar o vosso povo pelo banho da
regeneração; de modo que, ele próprio, vá ao encontro do nosso grande
Deus e Salvador Jesus Cristo, vosso Unigênito, no dia da sua segunda
vinda, e receba da vossa imensa bondade a recompensa dum fiel
desempenho do seu ministério».

Quanto aos diáconos, «fortalecidos pela graça sacramental, servem o povo de


Deus na “diaconia” da liturgia, da palavra e da caridade, em comunhão com o bispo e o
seu presbitério».

Perante a grandeza da graça e do múnus sacerdotais, os santos doutores sentiram


o apelo urgente à conversão, a fim de corresponderem, por toda a sua vida, Àquele de
Quem o sacramento os constituiu ministros. É assim que São Gregário de Nazianzo, ainda
jovem presbítero. exclama:

«Temos de começar por nos purificar, antes de purificarmos os outros:


temos de ser instruídos, para podermos instruir: temos de nos tornar luz
para alumiar, de nos aproximar de Deus para podermos aproximar d’Ele
os outros, ser santificados para santificar, conduzir pela mão e aconselhar
com inteligência». «Eu sei de Quem somos ministros, a que nível nos
encontramos e para onde nos dirigimos. Conheço as alturas de Deus e a
fraqueza do homem, mas também a sua força». [Quem é, pois, o
sacerdote? Ele é] «o defensor da verdade, eleva-se com os anjos glorifica
com os arcanjos, faz subir ao altar do Alto as vítimas dos sacrifícios,
participa no sacerdócio de Cristo, remodela a criatura, restaura [nela] a
imagem [de Deus], recria-a para o mundo do Alto e, para dizer o que há
de mais sublime, é divinizado e diviniza».

E diz o santo Cura d’Ars:

«É o sacerdote quem continua a obra da redenção na terra»… «Se bem se


compreendesse o que o sacerdote é na terra, morrer-se-ia, não de medo,
mas de amor». […] «O sacerdócio é o amor do Coração de Jesus».

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