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Resistência à mudança: uma revisão crítica

RESISTÊNCIA À
MUDANÇA: uma
revisão crítica
José Mauro da Costa Hernandez
Administrador de Empresas pela FEA-USP, Mestre em Administração de Empresas pela FEA-USP
e Doutorando em Administração de Empresas pela FGV-EAESP.
E-mail: jmhernandez@fgvsp.br

Miguel P. Caldas
Administrador de Empresas pela UNB, Mestre e Doutor em Administração de Empresas pela FGV-EAESP,
Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da FGV-EAESP e Consultor de Empresas.
E-mail: mcaldas@fgvsp.br

RESUMO ABSTRACT
Ao implementar mudanças ou inovações, as organizações, muitas vezes, When implementing changes and innovations, organizations often have to
têm de enfrentar resistências internas. Por ser a resistência à mudança deal with resistance to change. Maybe because few subjects pertaining to
um dos tópicos mais estudados no campo organizacional, temos sido organizational transformation are so broadly and consistently covered in
induzidos a crer que sabemos tudo a seu respeito. Se sabemos tanto, por the popular literature, we may have been induced to believe we must know
que a resistência ainda é uma das principais barreiras à transformação all about it. If we know so much, why resistance is still a major barrier to
organizacional? Neste artigo, tentamos responder a essa indagação ques- organizational transformation, and why so many change agents still strive
tionando os modelos predominantes de resistência e pondo em dúvida os to overcome it? In this article, we attempt to respond this question by
pressupostos das diversas “receitas” recomendadas para lidar com a re- questioning the predominant models of resistance and the assumptions of
sistência. Nossa proposição é que tais “receitas” não são de grande ajuda the several “recipe-oriented” approaches to deal with resistance in
porque estão embasadas em um modelo de resistência construído sob organizations. Our understanding is that such “recipes” are not particularly
diversos pressupostos discutíveis, segundo os quais a resistência é: a) helpful because they use a model of resistance to change that was built
uma circunstância inevitável; b) nociva à organização; c) um comporta- upon several questionable assumptions, according to which resistance is
mento natural dos seres humanos; d) um comportamento exibido exclusi- a) a “natural”, inevitable fact; b) malignant to the organization; c) employee-
vamente por empregados; e) um fenômeno massificado. Usando contra- driven; and d) collective. Based on counter-assumptions to each of these
pressupostos para cada uma dessas premissas clássicas e utilizando a widespread premises and on Psychology of Perception, a new Model of
Psicologia da Percepção, o estudo propõe um novo Modelo de Resistên- Individual Resistance to Change is proposed. The model represents the
cia Individual à Mudança. Esse modelo de sete estágios procura repre- individual’s perceptual process during organizational change, from exposure
sentar o processo de percepção individual durante a mudança organiza- to stimuli until behavior adoption. The seven-stage model culminates in
cional, desde a exposição ao estímulo até a adoção de um dado compor- four possible outcomes: resistance, resistance overcoming, indecision, or
tamento. Implicações para a teoria e a prática, limitações do modelo e change adoption. Implications for theory and practice, limitations of the
sugestões para pesquisa futura são também apresentadas. model and suggestions for future development are presented.

PALAVRAS-CHAVE
Resistência à mudança, mudança organizacional, percepção, cognição, organização.

KEY WORDS
Resistance to change, organizational change, perception, cognition, organization.

RAE Paulo,
São • v. 41v. 41
• n.• 2n.• 2Abr./Jun.
• p. 31-45
2001 RAE - Revista de Administração de Empresas • Abr./Jun. 2001 31
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INTRODUÇÃO portamentos resistentes adotados por empregados des-


contentes que podem impedir ou ameaçar o esforço
A mudança organizacional tornou-se uma das prin- de transformação. A consistência em conteúdo e dis-
cipais atividades para empresas e instituições em todo curso de todas essas abordagens de receituários é tão
o mundo. Embora as organizações costumassem mu- significativa que pode levar-nos a uma conclusão pe-
dar esporadicamente, quando necessidades reais e ur- rigosa: a de que tal consistência seja evidência de um
gentes assim o exigiam, hoje em dia, elas tendem a fenômeno bem estudado e cuidadosamente mapeado.
provocar a sua transformação incessantemente. Or- Em outras palavras, podemos ser tentados a pensar
ganizações mudam para fazer face à crescente com- que sabemos tudo a seu respeito ou que, se nós pes-
petitividade, cumprir novas leis ou regulamentações, soalmente não sabemos tudo sobre resistência, alguém
introduzir novas tecnologias ou atender a variações há de saber.
nas preferências de consumidores ou de parceiros. No entanto uma pergunta permanece: se sabemos
Ainda que tanta prática já devesse ter levado à per- tanto (sobre como preveni-la ou superá-la), por que
feição, a verdade é que a maioria das organizações a resistência à mudança ainda é considerada uma
ainda luta para conduzir transformações de forma das principais barreiras à transformação organi-
efetiva. zacional bem-sucedida?
A resposta mais provável é
que, do ponto de vista cientí-
Tanto a literatura acadêmica quanto a gerencial tendem fico e a despeito de todas as
“receitas”, nós, na verdade,
a apontar a resistência à mudança – isto é, qualquer não sabemos muita coisa so-
bre o que é a resistência à mu-
conduta que objetiva manter o status quo em dança, suas causas, quando é
mais provável que aconteça, o
face da pressão para modificá-lo – como uma das efeito que pode (ou não) pro-
duzir em esforços de transfor-
principais barreiras à mudança bem-sucedida. mação ou os métodos que po-
dem existir para lidar com ela.
Após ter sido, por tantos anos,
Se os processos de mudança não têm sido comple- vastamente analisada e comentada em pesquisas aca-
tos fracassos, também é verdade que poucos têm sido dêmicas, estudos recentes sugerem que ainda há mui-
sucessos estrondosos (Kotter, 1995); a grande maio- to a ser feito para entendermos apropriadamente o fe-
ria situa-se entre esses dois extremos, e as conseqüên- nômeno da resistência à mudança (Dent e Goldberg,
cias são visíveis: perda de tempo, energia e dinheiro, 1999; Coghlan, 1993; Agócs, 1997). O presente arti-
danos à motivação de gerentes e empregados, etc. go procura contribuir para a compreensão desse fe-
Tanto a literatura acadêmica quanto a gerencial ten- nômeno ao introduzir uma abordagem individual –
dem a apontar a resistência à mudança – isto é, qual- em vez da abordagem massificada, atualmente pre-
quer conduta que objetiva manter o status quo em face dominante – da resistência à mudança. Temos notado
da pressão para modificá-lo (Zaltman e Duncan, 1977) que, antes de iniciar esforços de mudança, poucos
– como uma das principais barreiras à mudança bem- agentes de mudança ou consultores avaliam meticu-
sucedida (Kurtz e Duncan, 1998; Coghlan, 1993). En- losamente quem poderia resistir à iniciativa de trans-
tretanto o único resultado concreto tem sido a propo- formação específica e por quais motivos. Levando
sição de inúmeras “receitas” para se superar a resis- em conta a diversidade de comportamentos que os in-
tência, freqüentemente empoeirando nas estantes de divíduos podem assumir, uma avaliação precisa pode
executivos e – com um pouco menos de intensidade – não ser intuitiva nem óbvia.
na de acadêmicos. Uma das principais causas da ausência desse tipo
De fato, parece não haver escassez de “receitas” de avaliação é a adoção de uma série de pressupostos
no mercado dirigidas a tratar e superar a resistência à (sem maior sustentação) sobre a resistência à mudan-
mudança (para uma revisão, ver Kotter e Schlesinger, ça que sobrevive na maioria dos receituários mais di-
1979). Rotuladas sob o nome de “estratégias”, geral- fundidos na literatura gerencial – e, às vezes, acadê-
mente preconizam – sem grande variação de uma para mica – sobre o assunto. Este estudo revê tais pressu-
outra ou ao longo do tempo – listas de cinco a dez postos e, baseado, por um lado, em contrapressupos-
regras “para viagem”, desenhadas para superar com- tos e, por outro, na Psicologia da Percepção, deriva

32 ©2001, RAE - Revista de Administração de Empresas/FGV/EAESP,


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• Abr./Jun.
Paulo, Brasil.
2001
Resistência à mudança: uma revisão crítica

um Modelo de Resistência Individual à Mudança, de Lewin, a resistência individual poderia ser dife-
usando o indivíduo como nível de análise. A hipóte- rente da resistência grupal, dependendo do valor so-
se básica do modelo é que a resistência à mudança é cial dado aos padrões de comportamento no grupo.
um dos possíveis comportamentos que indivíduos Em 1948, Coch e French Jr. publicaram o primeiro
podem adotar como resultante da sua percepção so- estudo empírico sobre “resistência à mudança” no
bre a mudança. campo organizacional. Esse estudo influenciou gran-
O artigo está estruturado da seguinte forma: a se- de parte da literatura que se seguiu (Burke, 1987). O
ção dois apresenta um breve sumário sobre como a tema continuou a despertar interesse principalmente
resistência à mudança tem sido comumente descrita nas décadas de 50 e 60 (Zander, 1950; Lawrence,
na literatura gerencial, concentrando-se particular- 1954; Watson, 1969, 1971) e podemos afirmar que
mente em seus pressupostos tácitos e derivando con- essa foi a época mais fértil da discussão sobre o as-
trapressupostos sobre o fenômeno de resistência à sunto. Nas duas décadas que se seguiram, o tema foi
mudança; a seção três propõe, a partir dos contrapres- vastamente (não necessariamente de forma apropria-
supostos, um Modelo de Resistência Individual à Mu- da) reproduzido na mídia gerencial, em geral, pelas
dança; a seção quatro discute as implicações teóricas mesmas linhas traçadas pelo estudo de Coch e French
e práticas do estudo para intervenções de mudança Jr. Depois do relativo silêncio das décadas de 70 e
organizacional, e a seção final sumariza o artigo e 80, apenas recentemente a questão da resistência à
aponta direções para futuras pesquisas. mudança tem sido estudada novamente como um ob-
jeto de pesquisa científica (para uma revisão, ver, por
“RESISTÊNCIA À MUDANÇA” exemplo, Dent e Goldberg, 1999).
EM ANÁLISE ORGANIZACIONAL
“Resistência à mudança” hoje
Fundamentos conceituais da Quando se revisa a literatura acadêmica sobre mu-
idéia de “resistência à mudança” dança organizacional, dois aspectos parecem bem cla-
A expressão “resistência à mudança” geralmente ros. Primeiro, parece que registramos como uma ver-
é creditada a Kurt Lewin (1947). Para ele, as organi- dade universal as proposições clássicas – frouxamen-
zações poderiam ser consideradas processos em equi- te modeladas e praticamente não testadas – que fo-
líbrio quase-estacionário, ou seja, a organização se- ram rascunhadas no final da década de 40 e difundi-
ria um sistema sujeito a um conjunto de forças opos- das como bom senso gerencial nas décadas que se
tas, mas de mesma intensidade que mantêm o sistema seguiram; segundo, aprendemos, por algum motivo,
em equilíbrio ao longo do tempo. Esses processos não a considerar a resistência à mudança como um fenô-
estariam em equilíbrio constante, porém mostrariam meno natural (Kurtz e Duncan, 1998; Coghlan, 1993)
flutuações ao redor de um determinado nível. As mu- e inevitável, pronto a surgir durante a implementação
danças ocorreriam quando uma das forças superasse de mudanças ou inovações em organizações.
a outra em intensidade, deslocando o equilíbrio para Por exemplo, a resistência à mudança foi citada
um novo patamar. Assim, a resistência à mudança se- como um dos fatores que prejudicaram processos de
ria o resultado da tendência de um indivíduo ou de implantação da Gerência de Qualidade Total (Liu,
um grupo a se opor às forças sociais que objetivam 1998; Braver, 1995; Miller e Cangemi, 1993), TQI
conduzir o sistema para um novo patamar de equilí- (Total Quality Improvement) (Holpp, 1989) e Reen-
brio (Lewin, 1947, 1951). genharia (Boyle, 1995). A resistência também foi con-
Lewin acreditava que tanto o indivíduo quanto o siderada uma barreira em processos de automação e
grupo poderiam ser considerados “pontos de aplica- adoção de computadores no ambiente de trabalho (La
ção” das forças sociais. Segundo ele, o padrão de com- Plante, 1991; Joshi, 1991; Poe e Viator, 1990) e em pro-
portamento do indivíduo poderia ser diferente do pa- cessos de mudança organizacional (Hazan, 1998;
drão de comportamento do grupo ao qual ele perten- Kurtz e Duncan, 1998).
ce, sendo que essa diferença seria permitida ou enco- Ao lado da popularização da noção de resistência
rajada em culturas diferentes e em graus diferentes. à mudança como uma das principais barreiras na im-
De forma geral, no entanto, o grupo tenderia a exigir plantação de processos de mudança e de inovações,
a uniformidade de comportamento dos seus elemen- foram disseminadas inúmeras “receitas” de como
tos e, quando o indivíduo mostrasse um padrão de superá-la tanto pela mídia gerencial quanto pela lite-
comportamento diferente do padrão de comportamen- ratura acadêmica. Embora utilizando diferentes ter-
to do grupo, ele correria o risco de ser ridicularizado minologias, diversos autores têm sugerido várias es-
ou até mesmo excluído do grupo. No modelo original tratégias genéricas para se lidar com a resistência às

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mudanças (Iskatt e Liebowitz, 1996; Boyle, 1995; Poe go de uma década, Kotter descobriu que a resistência
e Viator, 1990). De uma forma ou de outra, todas es- era rara e que os empregados freqüentemente enten-
sas receitas podem ser resumidas nas seis estratégias diam a nova visão e queriam contribuir para seu al-
genéricas apontadas por Kotter e Schlesinger (1979) cance. De acordo com ele, quando a resistência acon-
para se superar a resistência à mudança: a) educação tece, ela reside comumente na mente do indivíduo e,
e comunicação; b) participação e envolvimento; c) quando tais impedimentos de fato existem, o obstá-
facilitação e suporte; d) negociação e acordo; e) ma- culo pode estar na estrutura organizacional, em um
nipulação e cooperação e f) coerção explícita e/ou sistema de recompensa baseado em desempenho que
implícita. força as pessoas a escolherem entre a nova visão e
seus próprios interesses ou – até pior – em gerentes
Uma crítica aos modelos correntes de “resistência que se recusam a mudar e que demandam de seus su-
à mudança” e aos seus pressupostos bordinados coisas que são totalmente incompatíveis
Já argumentamos neste estudo que, apesar da abun- com todo o esforço de mudança. Esses resultados le-
dância de “receitas” para lidar com a resistência à mu- vam-nos a formular o seguinte contrapressuposto:
dança sugeridas pela literatura gerencial e acadêmica, Contrapressuposto nº 1a: A resistência à mudança
elas ainda falham em prevenir a ocorrência de resis- é rara e deverá ocorrer somente na presença de cir-
tência e tampouco têm obtido sucesso expressivo em cunstâncias excepcionais.
superá-la. Também sugerimos que isso pode dever-se Em segundo lugar, esse pressuposto foi também
ao fato de que tal literatura está baseada em a) teorias questionado por argumentos como aquele apresenta-
que foram elaboradas no final dos anos 40 e que foram do por Dent e Goldberg (1999) que sugeriram que os
pouco modeladas ou testadas desde então e b) alguns agentes da mudança (gerentes, consultores, etc.), ao
pressupostos tácitos (embutidos ou derivados dessas considerarem a resistência à mudança como um fenô-
teorias) que deveriam ser cuidadosamente revistos. meno natural e que deve ser superado, incluirão tal
Obviamente, conjuntos distintos de pressupostos circunstância em seu planejamento e criarão formas
teriam gerado diferentes teorias, e, como é bem sabi- de minimizá-la. Assim, serão tentados a disfarçá-la
do, para todo pressuposto, podemos inferir (por opo- ou escondê-la ou, ainda, a tomar todas as iniciativas
sição) um ou mais contrapressupostos. Acreditamos para superá-la. Agindo dessa maneira, de acordo com
que é possível propor um modelo de resistência indi- Dent e Goldberg, os agentes da mudança acabam pro-
vidual à mudança com base na crítica dos modelos vocando o desastre: as mesmas ferramentas que de-
tradicionais sobre o assunto, na revisão de seus dis- veriam servir para evitar a resistência ou pelo menos
cutíveis pressupostos e na proposição de contrapres- reduzir os seus efeitos acabam contribuindo, irreme-
supostos que deles podemos inferir (ver Quadro 1). diavelmente, para o seu aparecimento. Desse modo, a
No restante dessa subseção, iremos propor contrapres- resistência passa, até certo ponto, a ser uma espécie
supostos que podem ser utilizados para desenhar no- de profecia auto-realizadora, levando ao segundo con-
vas teorias e modelos, dentro e além das fronteiras trapressuposto:
deste estudo. Contrapressuposto nº 1b: Ao procurar evitar ou
prevenir a resistência, os agentes da mudança aca-
Pressuposto nº 1: A resistência à mudança é um “fato bam contribuindo para a sua ocorrência ou agra-
da vida” e algo que inexoravelmente irá ocorrer du- vamento.
rante processos de transformação. E, em terceiro lugar, esse pressuposto tem sido
O primeiro pressuposto – e provavelmente o me- questionado por teóricos e estudos que discutem o
nos questionado – nos modelos predominantes de re- poder nas organizações (Burke, 1987; Agócs, 1997) e
sistência à mudança é o de que a resistência é um “fe- que têm defendido que, ao serem manipulados por
nômeno natural” (Zander, 1950; Coghlan, 1993) e, por agendas gerencialistas, os modelos predominantes
conseguinte, há de ocorrer durante a implantação de podem ter sido usados como desculpa ou disfarce pe-
toda transformação ou inovação. No entanto, em anos los detentores de poder e/ou pelos agentes de mudan-
recentes, esse pressuposto tem sido posto em dúvida. ça, em prol de seus próprios interesses, durante pro-
Em primeiro lugar, essa premissa tem sido questiona- cessos de transformação.
da por estudos em mudança organizacional que têm Contrapressuposto nº 1c: A resistência é um com-
indicado que a resistência não é um fenômeno tão fre- portamento definido pelos detentores de poder
qüente quanto se possa imaginar (Kotter, 1995). Me- quando são desafiados em seus privilégios ou po-
diante o estudo de mais de uma centena de organiza- sições.
ções de diferentes tamanhos e nacionalidades ao lon- Nesse sentido, a resistência à mudança poderia ser

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Resistência à mudança: uma revisão crítica

interpretada não como um fato da vida organizacio- Pressuposto nº 3: Os seres humanos são naturalmen-
nal, mas como um padrão de comportamento adotado te resistentes a mudanças.
pelos detentores de poder ou pelos agentes de mu- O terceiro pressuposto presente em modelos pre-
dança quando desafiados em sua autoridade, privilé- dominantes de resistência à mudança é aquele que
gios ou status quo (Agócs, 1997; Smith, 1982). sugere que a resistência é de alguma forma inata à
natureza humana. A “lógica” desse pressuposto é a
Pressuposto nº 2: A resistência à mudança é nociva seguinte: a mudança é uma ameaça a um equilíbrio
à organização. preexistente e, portanto, provocaria incerteza. Assim,
A literatura gerencial também tende a enfatizar o os indivíduos “naturalmente” resistiriam à ameaça por
lado negativo da resistência: ela é freqüentemente meio da adoção de comportamentos resistentes, da
apontada como uma das maiores barreiras a proces- mesma forma que o corpo reage a intrusos produzin-
sos bem-sucedidos de transformação organizacional, do defesas naturais. Não obstante, há evidências em
bem como à introdução de inovações na empresa mo- contrário. Watson (1969), por exemplo, argumentou
derna (para uma revisão desse tipo de afirmação, ver que a concepção de que os organismos são natural-
Dent e Goldberg, 1999). Por
conseguinte, a resistência pas-
sou a ser considerada um fenô- Temos notado que, antes de iniciar esforços de mudança,
meno a ser obstruído ou supe-
rado assim que emergir. Entre- poucos agentes de mudança ou consultores avaliam
tanto esse pressuposto clara-
mente desconsidera que a resis- meticulosamente quem poderia resistir à iniciativa
tência à mudança pode, de fato,
constituir um fenômeno saudá- de transformação específica e por quais motivos.
vel e positivo. Conceitualmente,
a resistência será um fenômeno
salutar quando a mudança, de um ponto de vista re- mente complacentes a menos que tenham sido pertur-
lativamente objetivo, trouxer prejuízos ao ambien- bados por estímulos intrusivos teve de ser revista em
te, ainda que esse não seja o objetivo do agente da função de evidências contraditórias, que mostram que
mudança (Zaltman e Duncan, 1977). Assim, a resis- os seres humanos anseiam por estímulo. Para corro-
tência à mudança será salutar quando pressionar os borar sua hipótese, o autor cita W. I. Thomas, segun-
agentes da mudança a serem mais cuidadosos ou a do o qual o “desejo por novas experiências” é um
modificarem a natureza da mudança a fim de torná- dos quatro mais básicos desejos do comportamento
la mais compatível com o ambiente ou mesmo quan- do ser humano. Watson também menciona dois estu-
do os indivíduos resistirem às situações opressivas dos clássicos que mostraram que esse desejo por no-
(Agócs, 1997). Tudo isso nos leva ao seguinte con- vas experiências é uma parte fundamental da maioria
trapressuposto: dos seres vivos, inclusive humanos. Derivamos, as-
Contrapressuposto nº 2a: A resistência é um fenô- sim, o seguinte contrapressuposto:
meno saudável e positivo. Contrapressuposto nº 3a: Seres humanos anseiam
Também não podemos ser ingênuos a ponto de por mudança, e tal necessidade comumente sobre-
afirmar que o agente da mudança sempre tem razão. põe-se ao medo do desconhecido.
Ainda que a resistência à mudança tenha sido consi-
derada o principal fator responsável pelos fracassos Pressuposto nº 4: Os empregados são os atores or-
em diversos processos de implantação de reengenha- ganizacionais que têm maior probabilidade de re-
ria, TQM, automação, downsizing e até mesmo na sistirem à mudança.
introdução de novos produtos, parece-nos que essa O conceito de resistência à mudança na literatura
afirmação (do caráter maligno da resistência) pode gerencial também tende a assumir que o papel do ge-
visar muito mais proteger a decisão daqueles que se rente ou do agente de mudança é introduzir ou im-
dispuseram a aplicar o remédio certo para o doente plementar a mudança, enquanto o papel dos empre-
errado do que fazer uma real avaliação das razões gados é resistir a tal mudança. Dent e Goldberg (1999)
do fracasso. lembram-nos de que esse pressuposto é bastante dis-
Contrapressuposto nº 2b: A resistência é utiliza- tinto do conceito original de resistência à mudança
da como uma desculpa para justificar processos de introduzido por Kurt Lewin nos anos 40. Como já
mudança mal desenhados ou malsucedidos. mencionamos, para Kurt Lewin, a resistência à mu-

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dança é um fenômeno sistêmico e, dessa forma, po- fenômeno individual como grupal – a resistência vai
deria ocorrer tanto com empregados quanto com ge- variar de um indivíduo para o outro em função de
rentes. Isso nos leva ao seguinte: fatores pessoais e situacionais.
Contrapressuposto nº 4a (derivado da proposição O princípio aqui é que a realidade para um indi-
original de Kurt Lewin): A resistência à mudança é víduo pode ser entendida não somente como um
um comportamento que pode ser exibido tanto por fenômeno social e sociopsicológico (Tajfel, 1982;
gerentes quanto por empregados. Goffman, 1968) mas também (e em grande extensão)
A despeito do conceito original, a difusão da ver- como uma experiência pessoal, isto é, para um ser
são gerencialista da teoria de resistência à mudança humano, a realidade é, em grande medida, aquilo que
parece ter creditado a resistência exclusivamente a ele(a) percebe como real.
empregados, em geral, considerados os culpados pelo Neste artigo, defendemos que não é possível derivar
fracasso na implementação das mudanças. Mais uma um modelo completo sobre a resistência à mudança ape-
vez, o estudo de Coch e French Jr. (1948) – que afir- nas com base nesses pressupostos questionáveis. Se a
mava que eram os indivíduos menos qualificados e resistência é ainda vista como uma grande barreira à mu-
de menor escalão que tenderiam a resistir a mudan- dança, isso ocorre justamente porque o modelo predo-
minante é inadequado para captar a sua
complexidade e, conseqüentemente, in-
Para aqueles que acreditam em resistência capaz de ajudar o desenvolvimento de es-
tratégias coerentes para se prevenir ou se
uniforme à mudança, os indivíduos teriam a lidar com a resistência.
Com a crítica a esses pressupostos
tendência a adotar comportamentos resistentes clássicos, várias possibilidades para pes-
quisa abrem-se àqueles interessados em
similares como resposta às mudanças. colaborar na construção de um modelo
abrangente de resistência à mudança.
ças introduzidas pelos seus superiores – pode ter ori- Na seção seguinte, procuraremos contribuir para tal
ginado um mito gerencial que foi tomado como ver- esforço, propondo um Modelo de Resistência Indivi-
dade inquestionável ao longo dos anos. Conseqüen- dual à Mudança, usando, por um lado, a Psicologia
temente, a questão da mudança passou a ser tratada da Percepção e, por outro, os contrapressupostos an-
como uma batalha a ser travada entre empregados e tes apresentados.
gerentes ou seus consultores. Outros autores têm re-
centemente se juntado à crítica a esse pressuposto de EM BUSCA DE UM MODELO DE
que “a culpa é dos funcionários”. Spreitzer e Quinn RESISTÊNCIA INDIVIDUAL À MUDANÇA
(1996), por exemplo, mostraram que gerentes de ní-
vel médio de uma organização que passava por pro- Nesta seção, apresentamos a proposta de um novo
cesso de mudança culpavam seus superiores hierár- modelo de resistência às mudanças orientado para o
quicos por resistir ao esforço de mudança. indivíduo, em contraposição ao modelo massificante
hoje em vigor. Inicialmente, discutiremos o processo
Pressuposto nº 5: A resistência à mudança é um fe- de percepção, base do modelo escolhido a ser apre-
nômeno massificado. sentado neste artigo e, em seguida, apresentaremos
Por fim, o último grande pressuposto nos modelos os vários elementos e estágios do modelo proposto.
predominantes de resistência à mudança é o de que
os indivíduos resistem homogeneamente. De fato, na A dinâmica da percepção: um caminho para se
maioria das vezes, relatos gerenciais sobre o assunto entender a resistência individual à mudança?
desconsideram diferenças individuais: as pessoas em Mencionamos, na seção anterior, que os modelos
organizações são representadas como um corpo ho- prevalecentes de resistência à mudança tendem a con-
mogêneo que demonstra ou que supera a resistência siderar que os indivíduos resistem de forma homogê-
como um agregado. No entanto, para Watson (1969) nea. Essa hipótese desconsidera o fato de que, na mai-
e outros autores, a resistência não é uniforme e varia or parte das vezes, os indivíduos percebem os objetos
de indivíduo para indivíduo de acordo com a fase do e os acontecimentos de forma pessoal e distinta e, as-
processo de mudança. Isso nos levaria ao último con- sim, seria de se esperar que as suas reações individu-
trapressuposto: ais seguissem o mesmo padrão. Para aqueles que acre-
Contrapressuposto nº 5a: A resistência é tanto um ditam em resistência uniforme à mudança, os indiví-

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Resistência à mudança: uma revisão crítica

duos teriam a tendência a adotar comportamentos re- de estar de acordo, seria uma extensão natural dos con-
sistentes similares como resposta às mudanças. ceitos originalmente propostos por Lewin, segundo o
Entretanto essa noção de resistência uniforme não qual o indivíduo é um dos “pontos de aplicação” das
é compatível com o conceito amplamente aceito de forças sociais e, portanto, um dos atores sociais que
que a realidade também deve ser entendida como um poderia exibir padrões de comportamento resistente.
fenômeno pessoal, baseado nas necessidades, dese- E é nesse ponto que a percepção individual entra em
jos, valores e experiências individuais. Assim, a rea- cena.
lidade para cada indivíduo corresponderia à sua per- Percepção foi definida como o processo pelo qual
cepção individual daquilo que existe ou acontece ao um indivíduo seleciona, organiza e interpreta os estí-
seu redor, e, conseqüentemente, suas ações e reações mulos com o objetivo de formar representações sig-
estariam baseadas na realidade percebida, e não, ne- nificativas e coerentes da realidade (Schiffman e
cessariamente, na realidade objetiva dos fatos e acon- Kanuk, 1991).
tecimentos. Teoricamente, o primeiro estágio do processo de
De acordo com o nosso ponto de vista, os mode- percepção consiste na seleção dos estímulos. A idéia
los predominantes de resistência deveriam ser com- é a de que os indivíduos tendem a buscar as mensa-
plementados ou totalmente substituídos por novos gens de forma seletiva, isto é, eles buscam as mensa-
modelos e teorias. Sugerimos que um desses modelos gens que tenham um conteúdo agradável e rejeitam
poderia concentrar-se nas percepções individuais da aquelas com conteúdo ameaçador. Pelas mesmas ra-
mudança. Tal modelo também deveria representar, zões, os indivíduos tenderiam a prestar mais atenção
adequadamente, os fatores que podem despertar ou às informações que preenchem as suas necessidades
inibir a adoção individual de comportamentos resis- e desprezar ou, até mesmo bloquear, a sua percepção
tentes. Estamos convencidos de que esse modelo, além de informações consideradas irrelevantes. É o proces-

Quadro 1 – Pressupostos clássicos sobre resistência à mudança e possíveis contrapressupostos

Pressupostos Contrapressupostos

n A resistência à mudança é um “fato da vida” e deve n A resistência é escassa/somente acontecerá em


acontecer durante qualquer intervenção circunstâncias excepcionais.
organizacional. n Ao tentar preveni-la, os agentes de mudança acabam
contribuindo para sua ocorrência ou agravamento.
n A resistência é um comportamento alardeado pelos
detentores de poder e pelos agentes de mudança
quando são desafiados em seus privilégios ou
ações.

n A resistência à mudança é maléfica aos esforços de n A resistência é um fenômeno saudável e contributivo.


mudança organizacional. n A resistência é usada como uma desculpa para
processos de mudança fracassados ou
inadequadamente desenhados.

n Os seres humanos são naturalmente resistentes à n Os seres humanos resistem à perda, mas desejam a
mudança. mudança: tal necessidade tipicamente se sobrepõe
ao medo do desconhecido.

n Os empregados são os atores organizacionais com n A resistência – quando ocorre – pode acontecer
maior probabilidade de resistir à mudança. entre os gestores, agentes de mudança E
empregados (derivado da proposição original
de Lewin).

n A resistência à mudança é um fenômeno grupal/ n A resistência é tanto individual quanto coletiva – a


coletivo. resistência vai variar de uma pessoa para outra, em
função de muitos fatores situacionais e de
percepção.

RAE • v. 41 • n. 2 • Abr./Jun. 2001 37


Organizações

so de seleção de estímulos que explicaria porque um O processo de percepção também depende da quan-
indivíduo pode não perceber que o status quo pode tidade e da qualidade dos estímulos interiores e exte-
ser inadequado (Watson, 1971) ou que um indivíduo riores. Os estímulos exteriores são proporcionados
pode não ser capaz de “ver” problemas que deveriam pelo ambiente e detectados pelos sentidos. Como os
ser resolvidos ou, mesmo após a identificação do pro- indivíduos estão constantemente expostos a uma gran-
blema, pode não ser capaz de “enxergar” as possíveis de quantidade de estímulos provenientes do ambien-
soluções (Zaltman e Duncan, 1977). Experimentos te, eles acabam por desenvolver mecanismos de defe-
clássicos nessa área do conhecimento realizados com sa para não ficarem completamente desorientados.
o objetivo de provocar mudanças nas atitudes dos in- Esse mecanismo de defesa é representado pelos estí-
divíduos revelaram que estes podem não ouvir clara- mulos interiores, que emergem na forma de predispo-
mente, não se lembrar ou mesmo distorcer informa- sições, tais como expectativas, motivos e lições apren-
ções quando não concordam com o seu conteúdo didas, todas baseadas em experiências anteriores. A
cognitivo (Levine e Murphy, 1943). combinação desses dois tipos de estímulos, interiores
e exteriores, proporciona aos indi-
víduos representações distintas e
As variáveis individuais e situacionais são tão ou individuais da realidade.
Quando aplicada ao estudo da
mais importantes que o processo de percepção em resistência às mudanças organiza-
cionais, essa linha de pensamento
si mesmo, uma vez que, em condições de mudança é bastante útil para entendermos
por que, dados dois indivíduos, na
organizacional, essas variáveis moderam todos os presença das mesmas condições de
mudança, cada um deles terá per-
estágios do processo de percepção da mudança, cepções bastante distintas. Embo-
ra possam compartilhar da mesma
influenciando a maneira como cada indivíduo realidade objetiva, duas pessoas
nunca terão compartilhado as mes-
cria a sua própria representação da realidade. mas experiências, desejos, neces-
sidades e expectativas.
O segundo estágio da dinâmica da percepção cor-
responde à organização dos estímulos. A crença é a O Modelo de Resistência Individual à Mudança
de que os indivíduos organizam, regularmente, os es- A tentativa de explicar a resistência às mudanças
tímulos em categorias que são recuperadas como um ou inovações por meio do processo de percepção não
todo, uma vez que, se cada indivíduo percebesse cada é nova. Bagozzi e Lee (1999), baseados na Psicolo-
estímulo como sendo único, ele não poderia se lem- gia da Ação, propuseram um modelo analítico que pre-
brar de mais do que uma mínima fração do que geral- tende explicar a resistência e aceitação dos consumi-
mente percebe (Smith e Medin, 1981). Obviamente, dores às inovações introduzidas por fabricantes de pro-
diferentes indivíduos costumam organizar os estímu- dutos de consumo. Considerando que a resistência às
los de diferentes formas e esse fato também é bastan- inovações é um caso especial de resistência às mu-
te relevante para se compreender as situações de mu- danças, como os autores afirmam, iremos adaptar e
dança organizacional. Por exemplo, Zaltman e Duncan complementar seu modelo para ilustrar o processo de
(1977) descrevem dois casos em que os agentes da percepção de mudanças e inovações organizacionais.
mudança e os seus clientes concordavam sobre a na- Nosso modelo amplia e complementa o modelo
tureza do problema, mas não compartilhavam a mes- de Bagozzi e Lee em pelo menos duas dimensões
ma percepção sobre como o problema deveria ser re- críticas. Em primeiro lugar, utilizando-nos de refe-
solvido. rências recentes da teoria da percepção, principal-
O terceiro e último estágio, a interpretação per- mente aquelas originadas no estudo da Teoria da
ceptual, também tem uma natureza individual, uma Categorização (por exemplo, Hartman et al., 1990),
vez que depende das expectativas dos indivíduos ori- adicionamos um estágio inicial de processamento de
ginadas de suas experiências anteriores, do número informações. Em segundo lugar, incluímos também
de interpretações possíveis que eles podem antever e o efeito moderador das variáveis individuais e situ-
dos seus interesses no momento da percepção acionais ao modelo (apesar de Bagozzi e Lee terem
(Schiffman e Kanuk, 1991). reconhecido a importância do efeito das variáveis in-

38 RAE • v. 41 • n. 2 • Abr./Jun. 2001


Resistência à mudança: uma revisão crítica

dividuais sobre o processo de aceitação e resistên- sistência (ver Figura 1). Vamos concentrar-nos, par-
cia dos consumidores às inovações, eles não as in- ticularmente, no papel das variáveis individuais e si-
cluíram explicitamente em seu modelo, preferindo tuacionais, tentando ilustrar a discussão com resulta-
concentrar-se nos estágios de processamento das in- dos de estudos que analisaram a relevância desses
formações). fatores em processos de mudanças organizacionais
Em nossa opinião, as variáveis individuais e si- (para mais detalhes sobre cada um dos estágios, veja
tuacionais são tão ou mais importantes que o pro- Bagozzi e Lee (1999) e Hartman et al. (1990)).
cesso de percepção em si mesmo, uma vez que, em
condições de mudança organizacional, essas variá- Estágios
veis moderam todos os estágios do processo de per- O primeiro estágio (1. Exposição à Mudança ou
cepção da mudança, influenciando a maneira como Inovação) é caracterizado pelo contato inicial do in-
cada indivíduo cria a sua própria representação da divíduo com a intenção da mudança ou com informa-
realidade. ções sobre ela. Tais intenções ou informações podem
De forma geral, nosso modelo de resistência indi- ser transmitidas pelos agentes da mudança por inter-
vidual às mudanças compreende uma série de sete es- médio dos canais formais e informais da organização
tágios que podem resultar em quatro tipos diferentes (“radiocorredor”). Estudos anteriores (por exemplo,
de resultados: a) adoção espontânea da mudança; b) Greenhalgh e Rosenblatt, 1984) concentraram-se na
decisão para se superar a resistência à mudança; c) importância desse estágio na percepção das mudan-
adoção de um comportamento resistente; d) indeci- ças e em seus resultados como a insegurança no tra-
são. No restante desta seção, discutiremos brevemen- balho e a adoção de comportamentos resistentes. A
te cada um dos estágios do modelo individual de re- natureza desses estímulos freqüentemente é ambígua,

Figura 1 – Modelo de Resistência Individual à Mudança


Exposição à mudança Processamento Resposta Processamento Aceitação e resistência
ou inovação inicial inicial estendido emocionais Integração Conclusão

Adoção de
comportamento
resistente
Conhecimento, Baixa Percepção da Emoções
• Ativo
expectativas, consistência mudança como positivas
• Passivo
atitudes e Baixa motivação oportunidade Alegria/orgulho/
comportamentos para esperança/amor/
processamento carinho
estendido

Decisão para
Consistência Coleta de
Exposição à Integração das superar a
moderada informações
mudança ou Processamento Processo informações resistência
Alta motivação adicionais e
inovação inicial cognitivo e tendência
para processamento
organizacional
processamento estendido à ação
estendido

Indecisão
Alta
Atributos da consistência Emoções
mudança ou Baixa motivação Percepção negativas
inovação e para da mudança Frustração/raiva/
conseqüências processamento como ansiedade/
da adoção estendido ameaça medo/tristeza/
Experimentação
culpa/vergonha
ou adoção

Características individuais Características situacionais


(Dogmatismo, empatia, motivação, criatividade, aversão (Cultura organizacional, solidariedade grupal, conflitos
ao risco, dependência, valores culturais, expertise e grupais, valores do grupo, estrutura organizacional –
conformidade, por exemplo) hierarquia, processo decisório, canais de comunicação,
divisão do trabalho, etc. – e estrutura de poder, por exemplo)

RAE • v. 41 • n. 2 • Abr./Jun. 2001 39


Organizações

uma vez que eles dependem não apenas das condi- a forma como um indivíduo lidou com um problema
ções objetivas do ambiente mas também da relação pela primeira vez pode estabelecer um padrão de com-
existente entre o indivíduo e o seu ambiente. Por es- portamento no futuro (Watson, 1969).
ses motivos, é razoável supor que os mesmos estímu- Quando a resistência tem uma natureza ativa, o
los serão percebidos de formas distintas por indiví- indivíduo tentará de todas as formas possíveis evitar
duos diferentes compartilhando o mesmo ambiente que a organização mude ou inove, podendo adotar,
organizacional, dando espaço à formação de diversas como conseqüência, diferentes comportamentos: pro-
interpretações. testo, sabotagem ou enfrentamento. O comportamen-
Uma vez estimulado interior ou exteriormente, du- to do indivíduo que tem uma rejeição inicial passiva,
rante o segundo estágio (2. Processamento Inicial), o por sua vez, é diferente: ele pode simplesmente deci-
indivíduo irá comparar os atributos percebidos da mu- dir por ignorar as mudanças ou agir como se nada
dança com as conseqüências previstas e com as suas tivesse acontecido.
expectativas, atitudes e comportamentos adotados no O segundo resultado possível desse estágio é a per-
passado. O resultado desse processo de comparação é cepção de alta consistência: esse tipo de resposta
crítico para se determinar se, no próximo estágio (3. ocorre quando o indivíduo rapidamente conclui, após
Resposta Inicial), o indivíduo apresentará uma acei- o processamento inicial, que os atributos da mudança
tação inicial ou uma rejeição inicial, que, por sua vez, e suas conseqüências são aceitáveis ou fazem senti-
pode ter natureza ativa ou passiva. Três são os resul- do. Nesse caso, o indivíduo vai-se mostrar disposto a
tados possíveis desse processo: percepção de baixa aceitar a mudança ou inovação prontamente e não sen-
consistência, moderada consistência ou alta consis- tirá a necessidade de aprofundar a avaliação da sua
tência. proposta.
O indivíduo irá exibir rejeição inicial em situações Por fim, o terceiro resultado possível desse está-
de baixa consistência, isto é, quando os atributos da gio, a consistência moderada, ocorre quando o indi-
mudança proposta e as conseqüências previstas da sua víduo percebe que os atributos da mudança e suas con-
adoção não puderem ser conciliados com o seu co- seqüências são parcialmente aceitáveis. Esse é o caso
nhecimento ou não fizerem sentido quando compara- mais freqüente, no qual o indivíduo vai-se sentir esti-
dos às suas atitudes e comportamentos adotados no mulado a buscar novas informações sobre a mudança
passado. Nessa situação, é provável que ele não se proposta, iniciando-se, assim, o estágio de processa-
sinta estimulado a continuar a avaliação da proposta mento estendido. O modelo prevê explicitamente que,
de mudança, decidindo-se por rejeitá-la. Essa rejei- ainda que o indivíduo tenha percebido haver alta ou
ção inicial pode ter natureza ativa ou passiva. baixa consistência durante o estágio inicial, ele pode
Várias razões justificam a adoção de um compor- entrar na fase de processamento estendido, influenci-
tamento inicial de rejeição de natureza ativa. Por ado pelas variáveis individuais (Childers et al., 1985)
exemplo, Maurer (1997) indicou a inclinação que as ou situacionais (Belk, 1975). Estudos anteriores mos-
pessoas têm a resistir às idéias que elas acreditem que traram que pessoas podem ser influenciadas a esten-
possam causar-lhes algum mal; Abbasi e Holman der sua avaliação do processo de mudança, a despeito
(1993) propõem que as pessoas são avessas ao risco da sua propensão inicial em contrário, em função de
e tenderão a rejeitar mesmo as alternativas conside- fatores como envolvimento (Hartman et al., 1990),
radas aceitáveis ou atrativas; Kotter e Schlesinger aversão ao risco (Zaltman e Duncan, 1977), dogma-
(1979) enumeraram quatro razões típicas para as tismo (Rogers e Shoemaker, 1971) e insegurança
pessoas resistirem à mudança nesse estágio: a) de- (Watson, 1969).
sejo de não perder algo considerado valioso; b) Durante o quarto estágio do processo (4. Proces-
incompreensão sobre as razões da mudança e suas samento Estendido), o indivíduo irá avaliar, mais cui-
implicações; c) crença de que a mudança não faz sen- dadosamente, os atributos da mudança proposta, ten-
tido para a organização; d) baixa tolerância à mu- tando reconciliar as inconsistências encontradas en-
dança. tre esses atributos e o seu conhecimento com o obje-
Uma das causas mais comuns para a ocorrên- tivo de diminuir a sua dissonância. Naturalmente, esse
cia da rejeição inicial de natureza passiva é o hábito estágio tem um ciclo mais longo do que o estágio de
(Watson,1969), ou seja, a tendência que os indivídu- processamento inicial, não apenas porque a busca de
os têm a responder aos estímulos da mesma forma informações adicionais demora mais, mas também
como sempre o fizeram. O segundo fator que pode porque o processo cognitivo do indivíduo tende a ser
levar à rejeição passiva da mudança é a persistência mais lento. O resultado dessa avaliação é a percepção
na manutenção de comportamentos anteriores, isto é, da mudança como oportunidade, ameaça ou, em al-

40 RAE • v. 41 • n. 2 • Abr./Jun. 2001


Resistência à mudança: uma revisão crítica

guns casos, oportunidade e ameaça ao mesmo tempo. da mudança, a reavaliar a percepção da mudança como
No decorrer do próximo estágio (5. Aceitação e Re- oportunidade ou como ameaça e, portanto, a reavaliar
sistência Emocionais), formam-se as emoções, esta- o seu comportamento em relação ao esforço da mu-
dos mentais que surgem como resultado de compara- dança.
ções conscientes e inconscientes, geralmente de na-
tureza automática, entre a situação real e a situação O papel dos moderadores
almejada. Caso a mudança proposta tenha sido perce- individuais e situacionais
bida como oportunidade, as emoções resultantes são Quando falamos em variáveis ou moderadores in-
positivas e podem incluir amor, carinho, orgulho, paz, dividuais, referimo-nos àquelas características dos in-
etc. A resistência emocional, por sua vez, é o resulta- divíduos que influenciam seu processo cognitivo. A
do da formação de emoções negativas, tais como literatura sobre o assunto geralmente inclui entre es-
medo, angústia, tristeza, raiva, culpa, vergonha, etc. sas variáveis não apenas atributos da personalidade
Sem dúvida alguma, o processo cognitivo individual como dogmatismo, empatia, falta de habilidade em
influencia a formação dessas emoções e a adoção cor- lidar com abstrações ou com a ambigüidade, fatalis-
respondente de comportamentos de resistência ou mo, motivação, criatividade, aversão ao risco, depen-
aceitação (Bagozzi e Lee, 1999).
Durante o sexto estágio (6. In-
tegração) do modelo, o indivíduo Tão importante quanto a análise das causas da
tentará integrar todas as emoções
e respostas cognitivas geradas no resistência, particularmente para a mudança
estágio anterior. Como resultado
desse processo, durante o sétimo organizacional, é a identificação dos grupos e
estágio (7. Conclusão), o modelo
prevê que o indivíduo pode ado- indivíduos que terão maior inclinação a resistir
tar quatro diferentes possibilida-
des de comportamentos: a) resis- à mudança e das razões desse comportamento.
tência; b) decisão de superar a
resistência; c) indecisão; d) adoção
(ou teste) da mudança. dência, auto-estima, insegurança e resiliência (Rogers
A decisão de adotar a mudança ou ao menos testá- e Shoemaker, 1971; Zaltman e Duncan, 1977; Watson,
la parece clara. A decisão de superar a resistência, 1969; Conner, 1993; Rosenblatt e Ruvio, 1996), mas
por sua vez, surgirá quando, apesar da propensão do também valores culturais, crenças, etnocentrismo cul-
indivíduo a resistir à mudança, ele não se sentir con- tural, conformidade e imperativos para o comprome-
fortável com tal decisão, seja porque ele ache que o timento (Zaltman e Duncan, 1977; Watson, 1969).
ímpeto para resistir se origina em medos irracionais, A literatura sobre mudança organizacional e ino-
seja porque o grupo o está pressionando a manter a vação explorou, profundamente, algumas dessas va-
conformidade. O comportamento resistente aparece- riáveis e seu relacionamento com o processo de ava-
rá quando o indivíduo se sentir confortável com tal liação de mudanças e adoção de comportamentos en-
situação, a despeito de todos os estímulos interiores e quanto outras ficaram completamente inexploradas.
exteriores para que ele aceite a mudança ou mesmo Por exemplo, o dogmatismo, isto é, a propensão a re-
quando o grupo o pressiona a resistir. A indecisão sur- jeitar novas idéias, é, freqüentemente, citado na lite-
girá quando o indivíduo não for capaz de integrar to- ratura como uma das barreiras potenciais às iniciati-
das as informações e as respostas cognitivas e emoci- vas às mudanças. Sabemos que os indivíduos com-
onais a que ele foi exposto, quando a decisão for muito partilham graus diferentes de dogmatismo, sendo ra-
complexa ou, ainda, quando a capacidade cognitiva zoável supor que indivíduos exibindo maior grau de
individual for insuficiente para lidar com o conflito. dogmatismo têm uma tendência maior a adotar com-
Naturalmente, o modelo tem uma natureza cíclica: portamentos resistentes. Assim, ainda que os atribu-
em qualquer ponto durante o processo de percepção, tos de uma determinada iniciativa de mudança façam
o indivíduo pode ser confrontado com novos estímu- sentido para um indivíduo dogmático, devemos espe-
los interiores e exteriores (por exemplo, novas infor- rar que a sua tendência a adotar um comportamento
mações, novas emoções, novas pressões do grupo, resistente seja maior do que a daqueles indivíduos que
etc.). Estímulos diferentes, por sua vez, o levariam a compartilham a mesma opinião sobre os atributos da
reavaliar os atributos e as conseqüências potenciais mudança, mas que não apresentam um grau tão ele-

RAE • v. 41 • n. 2 • Abr./Jun. 2001 41


Organizações

vado de dogmatismo. De acordo com Rogers (1962), do que indivíduos pertencentes a organizações com
o grau de dogmatismo é uma das explicações para o uma cultura menos progressista. No entanto, mesmo
fato de que uma inovação pode ser atrativa para os em organizações com culturas que valorizam a ino-
inovadores e, ao mesmo tempo, ser alvo da resistên- vação, é possível encontrar indivíduos que resistirão
cia dos indivíduos mais conservadores. às mudanças como uma forma de desafiar a cultura
Outro fator também comumente citado na literatu- em si mesma ou como forma de se destacar politica-
ra como barreira às mudanças é o medo do desconhe- mente.
cido (Dent e Goldberg, 1999). Entretanto, se assumir- A dinâmica intergrupal também é um dos mode-
mos que todos os indivíduos irão resistir da mesma radores situacionais bem explorados na literatura (Tajfel,
forma à iniciativa de automação de uma filial de 1982; Brown e Williams, 1984; Kramer, 1993). Por
uma instituição financeira pelo medo do desconheci- exemplo, em uma organização onde exista conflito de
do que tal iniciativa poderia representar, estaríamos interesses entre determinados grupos, é de se esperar
desconsiderando diversas diferenças individuais. Por que os membros de um desses grupos estejam mais
exemplo, alguns indivíduos em particular dessa filial inclinados a resistir às mudanças propostas por um
poderiam ser experts em automação e, provavelmen- grupo rival do que se a proposta tivesse partido de
te, sentiriam-se aliviados com a mudança, uma vez grupos aliados.
que suas tarefas seriam facilitadas; o gerente dessa
filial poderia não se sentir de forma alguma afetado DISCUSSÃO
por essa mudança considerando-se que ele está pres-
tes a se aposentar; outros poderiam ver na mudança O Modelo de Resistência Individual à Mudança
uma oportunidade para autodesenvolvimento e, even- apresentado neste estudo pretende revisitar e esten-
tualmente, uma oportunidade para conseguir melho- der as propostas feitas pelos primeiros teóricos que
res empregos no futuro. As possibilidades são abso- se debruçaram sobre o fenômeno da resistência às mu-
lutamente infinitas. danças em ambientes organizacionais. Acreditamos
O outro grupo de fatores que moderam o proces- que o nosso modelo oferece uma contribuição signi-
so de percepção e avaliação das mudanças é o de ficativa para o desenvolvimento da pesquisa e prática
variáveis situacionais. Esses fatores referem-se aos no campo da resistência às mudanças organizacionais.
estímulos proporcionados pelo ambiente no qual o Nesta seção, apontaremos algumas dessas contribui-
indivíduo está inserido; mais especificamente, eles ções e as principais limitações do modelo.
geralmente são provenientes do grupo a que o indi-
víduo pertence ou da organização propriamente dita, Contribuições teóricas e práticas
por meio dos seus canais formais e informais de co- Este estudo oferece pelo menos duas contribuições
municação. teóricas significativas. Em primeiro lugar, relembra-
Em relação a esses moderadores situacionais, es- nos que talvez se saiba muito menos sobre resistência
tudos anteriores mostraram que fatores tais como a às mudanças organizacionais – o que é, quando e por
cultura organizacional, solidariedade grupal, cren- que ela ocorre, quais as suas conseqüências e como
ças compartilhadas, existência de conflitos internos, lidar com ela – do que teóricos e práticos pensam que
necessidade de conformidade, comprometimento da sabem. O artigo recorda-nos desse fato por intermé-
alta gerência com o processo de mudança, inércia dio da revisão e do questionamento dos cinco pressu-
organizacional, tipo de poder existente na organi- postos geralmente aceitos a respeito da resistência à
zação e na estrutura organizacional (hierarquia, mudança e que foram assumidos como verdade por
processo decisório, canais de comunicação, divisão gerentes e teóricos desde o surgimento dos primeiros
do trabalho, etc.) podem exercer influência sobre a estudos empíricos a respeito no final dos anos 40.
percepção individual e influenciar a adoção de com- Como mencionamos anteriormente, nos primeiros
portamentos resistentes (Watson, 1969; Zaltman e estudos sobre o tema, os autores freqüentemente con-
Duncan, 1977). sideravam a resistência como um fenômeno grupal ou
A cultura de uma organização, por exemplo, pode individual (por exemplo, Lewin, 1951; Watson, 1969);
ter entronizado valores nos membros da organização como uma circunstância não necessariamente a ser su-
que influenciarão sua forma de perceber processos de perada, mas como uma pista de que existiam proble-
mudança. Para ilustrar esse ponto, é de se supor que mas reais, estes, sim, a serem resolvidos (Lawrence,
em uma organização cuja cultura valorize a inovação, 1954); ou como um evento não necessariamente
os seus membros sintam-se menos inclinados a resis- n o civo e, eventualmente, até mesmo saudável
tir a processos de mudança que introduzam inovações (Lawrence, 1954; Watson, 1969).

42 RAE • v. 41 • n. 2 • Abr./Jun. 2001


Resistência à mudança: uma revisão crítica

Por estranhas razões, entretanto, depois que alguns nizacional, é a identificação dos grupos e indivíduos
estudos gerencialistas – muito difundidos, mas não que terão maior inclinação a resistir à mudança e das
necessariamente rigorosamente testados – surgiram no razões desse comportamento.
início da década de 50, o fenômeno da resistência à
mudança passou a ser considerado resolvido e com- Limitações
preendido. Discussões sucessivas e artigos recomen- Naturalmente, como qualquer proposição inicial,
dando “receitas” aos praticantes das mudanças orga- o modelo aqui apresentado tem diversas limitações
nizacionais surgidos em anos recentes continuaram re- que deveriam ser complementadas ou corrigidas em
forçando os mesmos pontos e reproduzindo as mes- futuros desenvolvimentos.
mas hipóteses a um tal ponto que
esse modelo clássico atingiu um
status de “verdade absoluta”. A re- Ainda que tanta prática já devesse ter levado
visão dessas hipóteses e as críticas
elaboradas neste estudo são um à perfeição, a verdade é que a maioria
convite para a exploração de um
novo caminho de pesquisa sobre as das organizações ainda luta para conduzir
razões, as situações e as formas em
que a resistência se manifesta. transformações de forma efetiva.
Em segundo lugar, este artigo
utiliza-se de alguns contrapressu-
postos às premissas clássicas e da Psicologia da Per- Por exemplo, ele não tem por objetivo explicar e
cepção para propor um novo Modelo de Resistência prever todas as dimensões envolvidas no complexo
Individual à Mudança, tomando como unidade de aná- fenômeno que é a resistência às mudanças, concen-
lise o indivíduo. Além de seu valor inerente como um trando-se apenas na dimensão da percepção indivi-
modelo descritivo e potencialmente preditivo, acre- dual. Apesar disso, é nossa crença que, entre outras
ditamos que o uso de teorias recentes sobre a percep- dimensões do fenômeno da resistência (institucional,
ção e o foco na dimensão individual do fenômeno da cultural, organizacional, etc.), a percepção individu-
resistência à mudança é uma contribuição estimulan- al apresentada aqui seja um caminho crítico em dire-
te a esse campo de estudo. ção a uma compreensão maior e mais rica de por que
Nosso estudo também é um convite aos agentes pessoas ou organizações podem resistir a mudanças.
de mudança e aos praticantes a repensar a aborda- Em relação às limitações do modelo, é importante
gem que considera a resistência como um proble- ressaltar que ele foi inspirado em outros modelos tais
ma em si mesmo. Ao compartilharem a hipótese ge- como o de Bagozzi e Lee (1999), desenvolvido espe-
ralmente aceita de que a resistência deve ser iden- cificamente para se analisar a adoção de comporta-
tificada e superada, os agentes da mudança descon- mentos resistentes de consumidores à vista de inova-
sideram a possibilidade (presente na teoria desde ções propostas por fabricantes de produtos de consu-
Lawrence, 1954) de que a resistência pode ser um mo. Embora nosso modelo tenha sido extensamente
sinal de que existe uma situação problemática an- revisado e complementado, incluindo-se aí a adição
terior à sua ocorrência e que ela não é o problema. das variáveis individuais e situacionais e muitos ou-
Portanto, esse estudo relembra aos praticantes de tros elementos da literatura da mudança organizacio-
que eles deveriam se concentrar mais na identifi- nal, a inspiração ainda está lá. O bom senso nos diz
cação das causas da resistência do que no seu com- que as inovações de marketing compreendem uma
bate. categoria de estímulos muito mais concreta do que
Por fim, o modelo proposto também pode ser uma aqueles apresentados às organizações e seus empre-
ferramenta útil para uma análise sobre as possíveis gados durante mudanças organizacionais. Apesar da
causas da resistência à mudança que seja centrada no existência de indicativos de que o processo de per-
indivíduo; afinal, o estudo nos relembra de que a in- cepção seja semelhante e de que as adaptações do
vestigação de causas gerais e massificantes é insufi- nosso modelo foram meticulosas, não existem evidên-
ciente, já que tentamos demonstrar (e acreditamos ter cias empíricas que suportem completamente o uso
tido sucesso nessa tarefa) que indivíduos diferentes dessa analogia.
reagirão de formas distintas aos mesmos estímulos. Nesse sentido, a Teoria da Categorização, utiliza-
Portanto, tão importante quanto a análise das causas da extensivamente para explicar a percepção de no-
da resistência, particularmente para a mudança orga- vos conceitos em diversas disciplinas, tais como Edu-

RAE • v. 41 • n. 2 • Abr./Jun. 2001 43


Organizações

cação (Rosch, 1973) e Psicologia (Smith e Nelson, final da década de 40 e, desde então, assumidas como
1984), poderia servir como um quadro de análise con- verdadeiras pelo senso comum gerencial. Esses pres-
ceitual bastante apropriado para complementar esse supostos, cada vez mais contestados nos dias de hoje,
modelo. Embora a Teoria da Categorização tenha sido tanto por teóricos quanto por praticantes, retratam a
utilizada inicialmente na literatura cognitiva na iden- resistência como a) um fato natural e inevitável; b)
tificação de conceitos e na percepção de objetos, de algo nocivo às organizações e às iniciativas de mu-
acordo com Cohen e Basu (1987), sua utilização na dança; c) algo que ocorre apenas entre empregados e
pesquisa social tem-se tornado cada vez mais freqüen- d) um fenômeno massificando (isto é, organizações
te. Por exemplo, ela foi utilizada para explicar como são retratadas como corpos indistintos inclinados a
os indivíduos formam suas impressões sobre outros resistir à mudança).
indivíduos (Cantor e Mischel, 1979) e para descrever Este estudo critica, estruturadamente, esses pres-
como selecionam comportamentos em determinadas supostos e apresenta alguns contrapressupostos que
situações (Wyer e Srull, 1981). acreditamos que também deveriam passar a ser utili-
Outra limitação do modelo relaciona-se à nature- zados na geração de novos modelos e teorias operaci-
za ainda inexplorada dos mecanismos cognitivos uti- onais sobre quando, como e por que ocorre a resis-
lizados por indivíduos quando confrontados com mu- tência à mudança.
danças. No modelo de Bagozzi e Lee (1999), emo- Baseados nesses contrapressupostos e em concei-
ções emergem como resultado de uma comparação tos contemporâneos da Psicologia da Percepção, apre-
automática entre os estados atual e desejado pelo sentamos um novo Modelo de Resistência Individual à
indivíduo. Outros modelos cognitivos (Cohen e Basu, Mudança, utilizando o indivíduo como unidade de aná-
1987) podem adaptar-se melhor ao modelo individu- lise. Esse modelo representa o processo perceptual in-
al de resistência à mudança. dividual em situações de mudança organizacional, com-
Finalmente, o modelo ressalta a importância dos preendendo uma série de sete estágios desde a exposi-
moderadores individuais e situacionais, mas não de- ção aos estímulos apresentados pelo ambiente até a
senvolve profundamente seu relacionamento com o adoção de um comportamento, cujos resultados possí-
processo de percepção de mudanças. Esse fato se veis são: a) adoção de um comportamento resistente;
deve ao limitado número de estudos teóricos corre- b) decisão para superar a resistência; c) indecisão; d)
lacionando essas variáveis. Embora tenhamos revis- adoção espontânea da mudança. O modelo também in-
to uma grande variedade de estudos empíricos com clui, explicitamente, a presença de dois conjuntos de
esse objetivo, novos estudos deveriam ser realiza- variáveis (individuais e situacionais) que podem exer-
dos para se verificar, consistentemente, que variá- cer influência sobre o processo de percepção.
veis têm maior probabilidade de exercer influência Acreditamos que o modelo apresentado aqui pode ser
sobre o processo de percepção individual durante uma ferramenta útil para agentes de mudança conscien-
mudanças organizacionais. tes das limitações dos modelos clássicos e que estejam
buscando formas mais eficientes para lidar com o fenô-
CONCLUSÃO meno da resistência à mudança nas organizações. Esta-
mos convencidos de que tal modelo pode contribuir, sig-
Este artigo revê e examina os modelos e teorias nificativamente, na avaliação da propensão individual a
predominantes sobre a resistência às mudanças orga- adotar comportamentos resistentes, bem como na pre-
nizacionais e conclui que a) as “receitas” por eles re- venção e na superação da resistência em processos de
comendadas não têm sido eficientes nem na preven- intervenção. Nosso objetivo é o de que, ao utilizar o
ção nem na superação da resistência à mudança orga- modelo e identificar as razões pelas quais os indivíduos
nizacional e b) a origem desse problema reside nos resistem, os agentes de mudança possam desenvolver
pressupostos inadequadamente testados que tais mo- estratégias melhores e mais adequadas a cada circuns-
delos herdaram das propostas clássicas sugeridas no tância específica. m

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NOTA

Versões preliminares deste artigo foram apresentadas no anual de 2000 da Academy of Management (MC Division/
Enanpad 2000 (área de Recursos Humanos) e na reunião ODC Division).

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