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1- Introdução
O caso objeto de avaliação apresenta elementos de conexão com mais do que uma
ordem jurídica europeia. Colocando-se a questão de qual é o tribunal competente para
decidir em matéria de divórcio – o húngaro ou o francês – num caso em que as partes
têm nacionalidade francesa e húngara.
Desde logo, o âmbito temporal suscitou dúvidas. Isto porque Hadadi apresentou o
pedido de divórcio na Hungria, no tribunal de Pest, num momento em que o
Regulamento nº 2201/2003 ainda não era aplicável. Contudo, entendeu-se serem
aplicáveis as disposições transitórias, que constam do artigo 64º do Regulamento nº
2201/2003, mais especificamente o nº4 do artigo, relativo a decisões de divórcio
proferidas antes da data de aplicação do Regulamento nº 2201/2003, mas após a data
de entrada em vigor do Regulamento (CE) nº 1347/2000.
Cada parte defende a sua solução para o caso. Soluções estas que foram, por fim,
colocadas enquanto questões ao Tribunal de Justiça, para decisão a título prejudicial,
ao abrigo do mecanismo que, nos dias de hoje, se encontra no artigo 267º TFUE
(antigo artigo 234º TCE).
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2- Apreciação Jurídica
As partes discutem qual dos tribunais é competente para julgar a ação, e tal discussão
levou a interpretações diferentes do artigo 3º nº1 alínea b) do Regulamento.
Independentemente das vantagens que qualquer uma das partes possa ter em a ação ser
julgada em determinado tribunal (tal como os custos e a proximidade ao tribunal
competente para julgar a ação), o problema que aqui se coloca é uma omissão. O
regulamento 2201/2003 é omisso quanto à situação dos cônjuges terem dupla
nacionalidade.
O critério da nacionalidade mais efetiva foi sustentado por C.M. Mesko, e caso fosse
este o adotado na decisão, só o tribunal do Estado-Membro da nacionalidade mais efetiva
é que seria competente, nos termos do artigo 3º nº1 alínea b). E por sua vez, os Estados-
Membros da nacionalidade menos efetiva seriam então incompetentes.
Tal tese, a ser tida em consideração, levaria a que o tribunal húngaro tivesse de se
declarar incompetente para julgar a ação (Artigo 17º do Regulamento 2201/2003). Isto
porque a matéria de facto joga claramente a favor de C.M. Mesko, desde logo porque
ambos os cônjuges se encontravam domiciliados, há mais de 20 anos, na França.
É apresentada uma outra solução para o caso, por parte de Hadadi, que é a seguida pelo
Tribunal de Justiça na resposta às questões prejudiciais. A possibilidade de as duas
nacionalidades comuns constituírem fundamento para a competência de duas
jurisdições hierarquicamente equiparadas. Tal tese, por sua vez, levaria a que o
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tribunal onde o processo fosse intentado em segundo lugar tivesse de se declarar
incompetente para julgar a ação (Artigo 19º nº3 do Regulamento 2201/2003).
Será, portanto, dúbio, que qualquer Estado possa, assim que seja conveniente, remeter
para o seu direito interno de modo a preencher lacunas na lei.
Uma outra crítica à tese da nacionalidade efetiva, será o facto de esta introduzir um
conceito indeterminado na lei. Se o principal objetivo dos regulamentos que regem a
competência internacional é harmonizar o direito aplicável aos Estados da União, pode
colocar-se a questão de se a introdução de um conceito indeterminado (nacionalidade
efetiva), que frequentemente teria que ser alvo de fiscalização, não levaria a incertezas e
mais burocracia na aplicação do direito da União, tornando-o inviável e juridicamente
incerto.
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Quanto à solução que veio a ser seguida pelo TJ, defendida por Hadadi, esta sustenta-
se sobretudo na segurança jurídica e na aplicação uniforme dos regulamentos que regem
a competência internacional dos tribunais para julgar as ações.
Todavia, há que se questionar se a segurança jurídica aqui alegada não é, apesar de tudo,
vaga. Isto porque o que está em causa é a previsibilidade das condutas dos Estados, que
sem dúvida fica assegurada se todos os Estados aplicarem o mesmo direito. Contudo, da
mesma forma que um particular não deve poder se confrontado pelas imposições de um
Estado, que se sobrepõem ao direito da União, não será de se esperar que se acautele a
previsibilidade das condutas das partes?
C.M. Mesko vê-se confrontada com um processo que terá o seu desenvolvimento na
Hungria, país em que, nem Mesko nem Hadadi se encontravam domiciliados há mais de
20 anos. O facto de as partes se encontrarem domiciliadas em França há mais de 20 anos
leva a que a cognoscibilidade da ordem jurídica deste país seja maior do que da ordem
jurídica húngara.
Do ponto de vista do direito substancial, um dos factos que C.M. Mesko considerou
inadequado (o mais gravoso, por sinal) é o “forum shopping” levar a uma corrida aos
tribunais, que por sua vez não acautela devidamente os direitos dos particulares. Partindo
C.M. Mesko do princípio que o seu marido requereu o divórcio na Húngria com o objetivo
de se subtrair às consequências de um divórcio com fundamento em violação culposa de
deveres conjugais, para além da “fuga” à moldura em que seriam enquadrados os anos de
maltratos que C.M. Mesko sofreu por parte do marido.
4- Posição Adotada
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solução de Hadadi, que vem a ser seguida pelo TJ) e assegurar que ao divórcio em causa
fossem aditadas as consequências da violação culposa de deveres conjugais que o direito
francês assegura (moldura esta pretendida por C.M. Mesko).
O artigo 3º nº1 do Regulamento 2201/2003 não faz qualquer tipo de remissão, nem para
uma ordem jurídica individualmente considerada, nem para conceitos vagos tal como
“nacionalidade mais efetiva”, que levariam a uma crescente fiscalização e
impraticabilidade do direito que consta dos regulamentos, por este se tornar inseguro e
sujeito a interpretações extensivas por parte dos Estados que compõem a União. Tudo o
que se pretende evitar é, portanto, uma atividade criativa indesejável.
Ao contrário do que foi alegado pela defesa de C.M. Mesko, não há necessidade de
subtrair opções a quem tem mais do que uma nacionalidade, pelo que Hadadi podia, como
veio a ser reiterado pelo TJ, ter colocado a ação tanto na Hungria como em França.
Concluo, após esta análise, que a solução proposta pela defesa de Laszlo Hadadi, que
foi confirmada como a mais acertada pelo TJ, é a única que pode acautelar, com juízo de
razoabilidade, o caso concreto em causa.
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