Você está na página 1de 15

CASOS PRÁTICOS

I. Suponha que

Em 2009 é concluída no quadro da Organização das Nações Unidas uma


convenção que estabelecia o alargamento da zona económica exclusiva
para 300 milhas marítimas.

Aquando da negociação, os Estados A e B manifestaram a sua total


oposição ao alargamento, votando contra e recusando posteriormente a
sua vinculação.

Em 2014 o Estado X pretendendo evitar envolver-se numa disputa regional


relativa aos direitos de pesca impede o acesso de navios pesqueiros de A e
D na faixa entre as 200 e as 300 milhas marítimas, invocando o costume
formado nessa matéria a partir da regra convencional.

Ambos os Estados protestam

a. Por entenderem haver uma confusão entre regras convencionais e


consuetudinárias;

b. Por, em qualquer caso, não se considerem vinculados a qualquer regra


consuetudinária eventualmente formada, já que A sempre se opusera à
mesma e D (que acedera à independência apenas em 2012) não havia dado
o seu consentimento.

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


Qvid jvris?

Levantam-se, na presente hipótese prática, duas questões:

1) saber se a prática do levantamento dos meios utilizados nas


explorações subaquáticas configurava um costume, e

2) saber se (existindo esse costume) ele é oponível ao Estado em questão.

[1] Quanto à primeira questão, sabemos que para haver um costume tem
de conferir-se a existência dos seus dois elementos: a prática e a convicção
da obrigatoriedade (cf. concl. 2).

Não parece existirem dúvidas quanto à verificação da prática: ela vem


expressa nos parágrafos primeiro e segundo do enunciado.

A oposição soviética não afecta esta consideração, já que o


comportamento dos Estados não tem de ser unânime (cf. concl. 8.1). Essa
oposição teria apenas como consequência que, formando-se o costume,
este não seria aplicável ou oponível à União Soviética enquanto objector
persistente (durante a formação do costume) – cf. concl. 15

Quanto à convicção da obrigatoriedade, esta parece poder retirar-se da


decisão da AGNU (parece evidente que a discussão havida e a deliberação
tomada apenas faça sentido em relação a esta convicção, já que ninguém
questionava a existência da prática levada a cabo por todos menos a União
Soviética).

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


[Repare-se, no entanto, que não se trata de retirar a convicção da
obrigatoriedade do acto da AGNU (que, enquanto tal, não tem carácter
vinculativo e só acessoriamente serve para demonstrar a existência de um
costume) mas antes da posição esmagadora dos estados ao aprovarem a
resolução. – cf. segunda alternativa da concl. 6.2] Isto contraria a pretensão
do Estado quando se refere a uma liberalidade meramente vinculativa.
Assim sendo, devemos concluir que existe um costume.

[2] Quanto á segunda questão (saber se o costume se aplica ao Estado em


questão) importa, em primeiro lugar, conferir se o facto de este nunca ter
aceitado tal prática, o desobriga do costume.

Ora é pacífico o entendimento atual no sentido de que os Estados novos –


como é o caso – estão obrigados aos costumes entretanto formados, já que
o fundamento da obrigatoriedade do costume não radica no
consentimento (cf. ponto C da Lição VIII).

Dever-se-ia ponderar ainda se a o Estado em questão podia beneficiar da


objeção persistente da União Soviética.

A resposta tem de ser negativa: a objeção persistente de um Estado não


beneficia novos Estados (ignoramos, no caso, o facto de o Estado em
questão resultar de desagregação da União Soviética, o que nos levaria a
matéria ainda não considerada).

Concluímos, portanto, que [1] existe em costume e [2] esse costume


obrigava o Estado em questão.

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


II. Suponha que

Em 2014 foi aprovada, por unanimidade e aclamação, na Assembleia do


Conselho da Europa, uma Resolução que solenemente declarava banida a
pena de morte no continente.

Desde essa data nunca mais foi aplicada a dita sanção.

No corrente ano as autoridades da Polónia pretendem a aplicação da pena


de morte (que continua prevista na lei, por não ter ocorrido qualquer
alteração formal) num caso de grande impacto público.
A defesa do cidadão em causa invocou a resolução de 2014 para evitar tal
condenação, mas o governo polaco – cujo partido de apoio prometeu no
debate eleitoral de 2018, voltar a aplicar da pena de morte – impôs ao
Ministério Público que, nesse sentido, solicitasse essa aplicação, naquele
caso.

Em duas sentenças anteriores (de 2015 e 2016) os tribunais polacos haviam


considerado que a Resolução de 2015 formara costume, impedindo, por
isso, a aplicação da pena de morte prevista na lei.

Qvid jvris?

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


A existência de duas sentenças judiciais húngaras considerando a
existência de um costume era elemento de prova da existência do mesmo
(e dos respectivos elementos).

De facto, as decisões judiciais são um dos meios expressamente previstos


para a demonstração da prática (cf. proj.º conclusão 6, nº2 in fine) e da
convicção da obrigatoriedade (cf. proj.º conclusão 10, nº 2).

É certo que a prática deve ser geral (proj.º concl. 8). Sobre isso do
enunciado resulta apenas que a pena de morte não mais foi aplicada –
sendo certo que isso poderia ter acontecido (pelo menos na Hungria, em
duas ocasiões) o que parece indicar haver uma prática e não apenas uma
omissão.

É tb certo que uma resolução de uma O.I. ou de uma conferência


intergovernamental não é suscetível de criar uma regra consuetudinária de
per se, mas pode refletir uma norma consuetudinária – se estabelece
tratar-se de uma prática acompanhada da convicção da obrigatoriedade –
ou constituir um elemento de prova para estabelecer a sua existência ou
para contribuir para o seu desenvolvimento – cf- projº conclusão 12. Este
parece ser o enquadramento da situação descrita.

Pode ainda invocar-se o diminuto período de tempo decorrido (dois anos)


mas, sendo certo que não há período mínimo (ac TIJ de 20.02.1969,
Plataforma continental do Mar do Norte;
DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO
Também. proj.º concl. 8.º/2), a situação descrita poderia até configurar um
caso de costume selvagem ou instantâneo (com a opinio juris a anteceder a
prática) – que o TIJ se vem mostrando disposto a aceitar.
Subsiste também o problema da incompatibilidade com o direito interno
húngaro. Neste domínio é pacífico que os Estados (independentemente do
regime constitucional relativo à vigência do direito internacional na ordem
interna) estão obrigados a adequar o direito interno ao cumprimento das
suas obrigações internacionais, as quais podem decorrer de quaisquer
fontes, incluindo o direito consuetudinário.

Em conclusão, os dados constantes no enunciado indicam a existência de


uma regra consuetudinária (que tanto pode ter sido acolhida pela
resolução do Conselho da Europa como este acto pode ter contribuído
decisivamente para a sua formação) a qual obriga o Estado húngaro
enquanto direito internacional geral ou comum, devendo os tribunais
continuar a recusar-se a aplicar a pena de morte (tal como anteriormente
haviam feito).

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


III.

Suponha que 
Durante um período longo de tempo os Estados com capacidade de
explorarem recursos mineiros nos leitos marinhos assumiam a obrigação
de retirar todos os meios utilizados nessas explorações quando terminava a
atividade de prospeção ou mineração. 

O governo soviético, cuja posição sempre foi a inversa, defendeu a


legitimidade da mesma em diversas ocasiões. A questão gerou um
animado debate, a vários níveis, chegando à Assembleia Geral das Nações
Unidas, onde veio a ser aprovada por maioria esmagadora, uma resolução
favorecendo a prática que vinha sido desenvolvida. Os estados com
capacidade de exploração dos fundos marinhos continuaram, por isso, nos
anos subsequentes a obrigar-se ao levantamento dos materiais utilizados
na exploração.

Recentemente um novo Estado, resultante da desagregação da União


Soviética iniciou a exploração de fundos marinhos, não seguindo a prática
internacional na matéria. Apesar de alguns estados insistir haver um
costume, esse Estado manteve a sua posição, alegando nomeadamente que
nunca havia aceitado tal prática como legítima, que tal prática consistia
numa liberalidade não vinculativa (sem que existisse convicção da sua

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


obrigatoriedade) e recordou a oposição soviética para negar a existência
de um costume.

Qvid ivris? 

Levantam-se, na presente hipótese prática, duas questões:

1) saber se a prática do levantamento dos meios utilizados nas explorações


subaquáticas configurava um costume, e

2) saber se (existindo esse costume) ele é oponível ao Estado em questão.

[1] Quanto à primeira questão, sabemos que para haver um costume tem
de conferir-se a existência dos seus dois elementos: a prática e a convicção
da obrigatoriedade (cf. concl. 2).

Não parece existirem dúvidas quanto à verificação da prática: ela vem


expressa nos parágrafos primeiro e segundo do enunciado.

A oposição soviética não afecta esta consideração, já que o


comportamento dos Estados não tem de ser unânime (cf. concl. 8.1). Essa
oposição teria apenas como consequência que, formando-se o costume,
este não seria aplicável ou oponível à União Soviética enquanto objector
persistente (durante a formação do costume) – cf. concl. 15

Quanto à convicção da obrigatoriedade, esta parece poder retirar-se da


decisão da AGNU (parece evidente que a discussão havida e a deliberação
tomada apenas faça sentido em relação a esta convicção, já que ninguém

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


questionava a existência da prática levada a cabo por todos menos a União
Soviética).

[Repare-se, no entanto, que não se trata de retirar a convicção da


obrigatoriedade do acto da AGNU (que, enquanto tal, não tem carácter
vinculativo e só acessoriamente serve para demonstrar a existência de um
costume) mas antes da posição esmagadora dos estados ao aprovarem a
resolução. – cf. segunda alternativa da concl. 6.2]

Isto contraria a pretensão do Estado quando se refere a uma liberalidade


meramente vinculativa.

Assim sendo, devemos concluir que existe um costume.

[2] Quanto á segunda questão (saber se o costume se aplica ao Estado em


questão) importa, em primeiro lugar, conferir se o facto de este nunca ter
aceitado tal prática o desobriga do costume.

Ora é pacífico o entendimento actual no sentido de que os Estados novos –


como é o caso – estão obrigados aos costumes entretanto formados, já que
o fundamento da obrigatoriedade do costume não radica no
consentimento (cf. ponto C da Lição VIII).

Dever-se-ia ponderar ainda se a o Estado em questão podia beneficiar da


objecção persistente da União Soviética.

A resposta tem de ser negativa: a objecção persistente de um Estado não


beneficia novos Estados (ignoramos, no caso, o facto de o Estado em
questão resultar de desagregação da União Soviética, o que nos levaria a
matéria ainda não considerada).

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


Concluímos, portanto, que [1] existe em costume e [2] esse costume
obrigava o Estado em questão.

IV. Suponha que

Chocados com a destruição dos budas de Bamiyan

pelo taliban, no Afeganistão, em 2001, a Assembleia Geral das Nações


Unidas adoptou, sem votação, uma resolução que, não apenas condenava
veementemente a destruição de património artístico, mas também
impunha aos Estados a obrigação de tipificarem esse comportamento
como crime e consequentemente punirem os autores materiais ou morais
de tais actos.
Neste enquadramento responda às seguintes questões:

a. Explique se, neste enquadramento de facto, a inacção subsequente de


um Estado poderia configurar uma violação do direito internacional. (8
valores)

Para que a inação configure um incumprimento terá de violar alguma


regra internacional. No caso, apenas está em questão a resolução das NU
que

impunha aos Estados a obrigação de tipificarem esse comportamento


como crime.

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


Importa, todavia, conferir se dessa resolução resultaram obrigações
jurídicas para os Estados.

As resoluções da AG das NU não têm carácter vinculativo (art. 11.º CNU).


Donde, as eventuais obrigações apenas poderiam existir se a Resolução
formasse costume, o que parece não poder ocorrer (concl. 12/1).

Não obstante, a conduta relativa às resoluções aprovadas por organizações


internacionais constitui um meio de prova da aceitação da convicção da
obrigatoriedade (concl. 10.º/2).

No caso, tratando-se de uma resolução na qual não se sentiu sequer a


necessidade de a submeter à votação, poderíamos considerar que existe
um claro indício dessa convicção da obrigatoriedade.

Todavia, a existência de um costume supõe ainda a verificação da


existência de uma prática geral. E sobre essa prática o enunciado nada diz,
pelo que se terá de considerar que não existiu.

Poderemos apenas ponderar a hipótese de se tratar de um costume


selvagem – que se terá formado sem prática (um dos casos em que a
obrigatoriedade antecede a prática), assente apenas na assinalável
convergência dos Estados em volta da regra (cr. Lições.., pp. 126 ss. e nota
206).

Assim, se considerarmos ter-se formado um costume selvagem, a inacção


de um Estado poderia configurar uma violação do direito internacional.
DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO
b. Admita que o conteúdo da resolução formou um costume que
conflituava pontualmente com a CRP. Explique se esse conflito prejudicava
a aplicação da regra consuetudinária na nossa ordem interna. (4 valores)
Havendo um costume, a sua aplicação na ordem interna portuguesa está
prevista no art. 8.º/1 CRP (integra o conceito de direito geral ou comum).

Verificando-se um conflito entre o direito internacional geral ou comum e


o direito constitucional português, a doutrina vem defendendo a
prevalência daquele (Lições…, pp.96 ss.), pelo que a aplicação da regra
consuetudinária não deveria ser prejudicada.

Suponha agora que a AGNU entendia desencadear um processo de


codificação do costume em causa. No articulado da convenção estabelecia-
se expressamente que a vinculação decorria da ratificação.

O Estado A assinou e ratificou, mas não se considerava ainda vinculado já


que o seu direito interno impunha como condição da vinculação a
existência de um parecer favorável do tribunal constitucional.

c. Face ao direito internacional aplicável, estará o Estado A vinculado?


Justifique (4 valores)

Os Estados são livres para determinarem o procedimento necessário á sua


vinculação internacional (cf. Lições… pp. 165 e 191). Todavia, quando esse
procedimento divergir daquele que esteja previsto no texto convencional,
devem informar os demais Estados, aquando da assinatura, garantindo
assim os efeitos pretendidos. No caso, não tendo A efectuado esse aviso,
deve cumprir a convenção em causa.

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


No caso, tratando-se da codificação de uma regra consuetudinária, A
sempre estaria vinculado a ela, nessa qualidade (excepto se houvesse
protestado durante a sua formação)

d. Suponha ainda que a constituição de um dado Estado reconhece a


vigência do costume, mas sujeita o direito convencional a uma
transformação, como requisito para a sua aplicabilidade. Classifique
fundamentadamente este mecanismo. (4 valores)

Os regimes que combinam mecanismos de transformação e de receção –


como é o caso, já que a referida constituição recebe o costume mas
condiciona a vigência do direito convencional a uma transformação – são
normalmente designados por mecanismos ou cláusulas de receção
semiplena (cf. Lições…, p. 76).

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


V. Suponha que

Numa determinada região montanhosa, existiam 4 Estados (A, B, C e D)


sendo que deles, apenas um (A) tinha acesso ao mar. O abastecimento de
mercadorias de todos os Estados em causa fazia-se, desde há séculos, pelo
porto marítimo de A.

Em 2005 A e B assinaram uma convenção bilateral que codificava e


desenvolvia o costume relativo ao abastecimento de B através do porto e
território de A (eliminando definitivamente qualquer discriminação aos
cidadãos e empresas de B). Nesse ano, todavia, mudou o governo de A e o
novo executivo preferiu suspender o processo, impedindo a ratificação da
convenção. Não obstante, os termos convencionais foram sempre
cumpridos por A e B.

Em 2010 um outro governo de A introduziu pesadas taxas na utilização do


seu porto marítimo por estrangeiros, o que mereceu protesto da parte de
B, C e D, os quais, invocando o costume, pretendiam continuar a abastecer-
se através do dito porto, sem os encargos impostos.

A respondeu aos protestos explicando que B, C e D deveriam, isso sim,


agradecer a sua generosidade em facilitar durante muitos anos o
abastecimento sem exigir contrapartidas, mas que dessa liberalidade não
decorrera qualquer obrigação. E, por isso, no exercício dos seus poderes

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO


soberanos, era livre para impor, a partir dessa altura, naturais
contrapartidas.

Neste enquadramento, responda às seguintes questões:

a. Explique se, neste enquadramento de facto, A estava obrigado a manter


o regime ou, pelo contrário, podia introduzir as limitações anunciadas. Na
sua resposta explique se o regime relativo a B era diferente, face à
convenção celebrada em 2005. (10 valores)

b. Classifique a referida convenção de 2005 indicando a relevância prática


de cada uma das classificações atribuídas. (5 valores)

c. Indique os possíveis termos de um artigo constitucional (de um Estado


Z) que estabelecesse uma cláusula de recepção plena relativamente ao
costume e uma cláusula de recepção automática, relativamente aos
princípios gerais de direito. Justifique os termos propostos. (5 valores)

DIP – HELENA DE ALBUQUERQUE LAEZZA – U. LUSÍADA -PORTO

Você também pode gostar