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IV.

Suponha que

Chocados com a destruição dos budas de Bamiyan pelos taliban,

no Afeganistão, em 2001, a Assembleia Geral das Nações Unidas


adoptou, sem votação, uma resolução que, não apenas

condenava veementemente a destruição de património artístico,


mas também impunha aos Estados a obrigação de tipificarem

esse comportamento como crime e consequentemente punirem


os autores materiais ou morais de tais actos.

Neste enquadramento responda às seguintes questões:

a. Explique se, neste enquadramento de facto, a inacção

subsequente de um Estado poderia configurar uma violação do


direito internacional. (8 valores)

Para que a inacção configure um incumprimento terá de violar

alguma regra internacional. No caso, apenas está em questão a


resolução das NU que impunha aos Estados a obrigação de

tipificarem esse comportamento como crime.


Importa, todavia, conferir se dessa resolução resultaram

obrigações jurídicas para os Estados.

As resoluções da AG das NU não têm carácter vinculativo (art.


11.º CNU). Donde, as eventuais obrigações apenas poderiam

existir se a Resolução formasse costume, o que parece não


poder ocorrer (concl. 12/1).

Não obstante, a conduta relativa às resoluções aprovadas por

organizações internacionais constitui um meio de prova da


aceitação da convicção da obrigatoriedade (concl. 10.º/2).

No caso, tratando-se de uma resolução na qual não se sentiu


sequer a necessidade de a submeter à votação, poderíamos

considerar que existe um claro indício dessa convicção da


obrigatoriedade.

Todavia, a existência de um costume supõe ainda a verificação

da existência de uma prática geral. E sobre essa prática o


enunciado nada diz, pelo que se terá de considerar que não

existiu.

Poderemos apenas ponderar a hipótese de se tratar de um


costume selvagem – que se terá formado sem prática (um dos
casos em que a obrigatoriedade antecede a prática), assente

apenas na assinalável convergência dos Estados em volta da


regra (cr. Lições.., pp. 126 ss. e nota 206).

Assim, se considerarmos ter-se formado um costume selvagem,

a inacção de um Estado poderia configurar uma violação do


direito internacional.

b. Admita que o conteúdo da resolução formou um costume


que conflituava pontualmente com a CRP. Explique se esse

conflito prejudicava a aplicação da regra consuetudinária na


nossa ordem interna. (4 valores)

Havendo um costume, a sua aplicação na ordem interna

portuguesa está prevista no art.º. 8.º/1 CRP (integra o conceito


de direito geral ou comum).

Verificando-se um conflito entre o direito internacional geral ou

comum e o direito constitucional português, a doutrina vem


defendendo a prevalência daquele (Lições…, pp.96 ss.), pelo que
a aplicação da regra consuetudinária não deveria ser
prejudicada.

Suponha agora que a AGNU entendia desencadear um processo

de codificação do costume em causa.

No articulado da convenção estabelecia-se expressamente que a

vinculação decorria da ratificação.

O Estado A assinou e ratificou, mas não se considerava ainda

vinculado já que o seu direito interno impunha como condição


da vinculação a existência de um parecer favorável do tribunal

constitucional.

c. Face ao direito internacional aplicável, estará o Estado A


vinculado? Justifique (4 valores)

Os Estados são livres para determinarem o procedimento

necessário á sua vinculação internacional (cf. Lições… pp. 165 e


191).

Todavia, quando esse procedimento divergir daquele que esteja


previsto no texto convencional, devem informar os demais

Estados, aquando da assinatura, garantindo assim os efeitos


pretendidos.
No caso, não tendo A efectuado esse aviso, deve cumprir a
convenção em causa.

No caso, tratando-se da codificação de uma regra

consuetudinária, A sempre estaria vinculado a ela, nessa


qualidade (excepto se houvesse protestado durante a sua

formação)

d. Suponha ainda que a constituição de um dado Estado


reconhece a vigência do costume, mas sujeita o direito

convencional a uma transformação, como requisito para a sua


aplicabilidade. Classifique fundamentadamente este mecanismo.

(4 valores)

Os regimes que combinam mecanismos de transformação e de


receção – como é o caso, já que a referida constituição recebe o

costume mas condiciona a vigência do direito convencional a


uma transformação – são normalmente designados por

mecanismos ou cláusulas de recepção semi-plena (cf. Lições…,


p. 76).

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