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Direito Internacional Público

Exame de recurso
2023.07.04 - 15h00 - GRELHA DE CORRECÇÃO
[Tópicos daquilo que, na prova, deve ser explicado e fundamentado pelos alunos]

Suponha que 40 estados africanos negociaram e assinaram uma convenção que criava uma
organização internacional que deveria coordenar um programa comum de luta contra a desertificação,
a qual seria financiada por 0,1% do PIB de cada Estado, prevendo ainda, entre outras garantias, que os
funcionários circulassem livremente pelos respectivos territórios.
Neste enquadramento e tendo presentes as alterações que serão indicadas para as questões
subsequentes, responda justificadamente às seguintes questões:
1. Classifique esta convenção segundo os principais critérios estudados;
A convenção em causa configuraria, no plano material, um atratado constituição (por criar uma OI, - cf. 161.º i) CRP), no
plano formal de um tratado bmultilateral geral (já que apesar de, na sua origem ter apenas Estados africanos, não se
restringir a estes, presumindo-se, portanto, uma vocação universal), centre Estados, presumivelmente dsolene
(assumindo-se que a vinculação exigisse a ratificação).
Suponha que um Estado africano não membro da referida organização internacional, vinha
questionar a validade da convenção, alegando que esta violava uma regra consuetudinária estabelecida
no continente africano desde o final da II Guerra mundial, segundo a qual a assunção de obrigações
internacionais permanentes apenas ocorre com a ratificação pelos respectivos Chefes de Estados. Em
resposta, alguns dos Estados parte admitem a existência dessa prática, mas não lhe reconhecem obri-
gatoriedade, pelo que negam a existência de um costume.
2. Está verificada a existência dos requisitos necessários para a invocada regra
consuetudinária?
Parece verificado o aelemento material (o uso ou prática) – na medida em que esta é reconhecida por alguns e não é
questionada por qualquer dos Estados – mas, quanto ao belemento psicológico (a convicção da obrigatoriedade), esta
não é reconhecida. Uma vez que a existência de um costume supõe a verificação de ambos os elementos, teremos de
concluir que este não existiria.
3. A quem caberia a demonstração desses requisitos?
aA demonstração dos factos que provem a verificação dos elementos cabe primariamente ao Estado que afirme a
existência desses elementos, nos termos da regra geral (do ónus) da prova. bAlguma doutrina chegou a pretender que
relativamente ao elemento psicológico haveria uma inversão do ónus da prova (cabendo, portanto, ao Estado que
afirmasse a inexistência do costume demonstrar não haver convicção da obrigatoriedade), mas o TIJ, tem mantido a
exigência da prova do elemento enquanto requisito da existência do costume (muito embora possa facilitar a
demonstração).
4. Podia a convenção referida alterar a regra consuetudinária invocada?
As fontes de DIP não têm qualquer hierarquia entre si pelo que - maxime os costumes e as convenções - podem revogar-
se ou alterar-se livremente. Assim sendo, a convenção poderia alterar a regra consuetudinária para efeitos da regulação
das relações entre os Estados partes.
5. Pode um estado não membro invocar o vício?
O vício invocado apresentava uma dupla natureza. Por um lado, pretendia-se que resultasse da contrariedade de um
costume existente, o que lhe conferiria uma natureza internacional, mas, porque essa contrariedade nem existia e mesmo
que existisse não geraria qualquer nulidade, nesses termos não haveria sequer vício. Por outro lado, por envolver a
suposta violação de uma regra relativa à competência para os Estados se vincularem (o que é sempre matéria de direito
interno), constituiria uma eventual nulidade irregularidade formal, à qual se aplica o regime do art. 46.º CV69. Tratar-
se-ia de uma nulidade relativa que apenas pode ser invocada pelo Estado cujo consentimento tenha sido afectado - o
que deixa de fora qualquer Estado não membro.
Suponha ainda que, a dada altura, a China solicita a adesão à convenção. A maioria esmagadora dos
Estados não apenas dá o seu assentimento como aplaude essa possibilidade. Um dos Estados-membros,
envolvido numa disputa comercial com este Estado opõe-se e três outros Estados-membros não
querendo hostilizar este, não se pronunciam.
6. Nestas circunstâncias, a China adere?
Não havendo qualquer referência no texto do tratado ou em acordo posterior entre os Estados-membros, a adesão
depende do acordo de todos os Estados - 15.º c) CV69 -, o qual não se verifica, dada a oposição do tal Estado envolvido
numa disputa comercial com a China.
7. Caso Portugal pretendesse ser parte nesta convenção, qual seria a intervenção do Presi-
dente da República no processo?
Tratar-se-ia de um tratado solene já que a participação de Portugal em OI implica esse procedimento (161.º i) 1.ª parte
CRP). Assim sendo, o PR poderia suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade (278.º/1) e, na medida em que
politicamente concordasse com o teor do tratado, deveria ratificá-lo (135.º b).
8. Suponha que a aprovação da convenção foi efectuada pelo governo português. Tal facto
permitia ao governo seguinte invocar uma nulidade?
No caso a competência de aprovação caberia à AR (161.º i) pelo que a sua prática pelo Governo constituiria uma
irregularidade formal, à qual teremos de aplicar o regime do art 46.º CV69. Assim, o governo português apenas poderia
invocar uma nulidade se demostrasse aque a regra violada era de importância fundamental (o que pode admitir-se no
plano sistemático já que se trata de uma norma constitucional – o referido art. 161.º CRP – e até no plano material, já
que o valor protegido – a separação dos poderes – estará em causa) e ainda bque essa violação era manifesta. Ora, neste
acaso já não parece que essa violação fosse manifestamente evidente para os demais Estados-membros, pelo que, à
falta deste requisito, o vício, muito embora existente, não era invocável. Acresce que a própria constituição refere que a
inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação
das suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte
(277.º), ou seja, admite que um vício formal não impeça o cumprimento da convenção.
9. Verificando-se uma nulidade relativa à vinculação portuguesa, podia o nosso país
reclamar o valor das contribuições entretanto entregues?
Qualquer nulidade tem como efeito a aretroactividade (art. 69.º CV69) o que implica reconstituir a situação que existiria
se não tivesse sido aplicada a norma ou convenção nula. Donde qualquer contribuição teria sido indevida. Todavia, a
bprotecção dos actos de boa-fé – prevista no n.º 2 do mesmo art. 69.º - tornaria irrepetíveis as contribuições entregues

e gastas.

Suponha finalmente que três dos estados parte, ameaçados de ataques terroristas, celebravam uma
outra convenção em matéria de segurança interna, a qual impunha como condição à entrada nos
respectivos territórios, a apresentação de visto válido.
10. Como poderiam reagir os restantes Estados-membros, face a este acordo que
contrariava expressamente as obrigações impostas no primeiro?
Tratar-se-ia de um conflito de normas convencionais. Se os três (ou algum) dos Estados em causa entendessem cumprir
a segunda convenção, isso implicaria o incumprimento da primeira, autorizando os demais EM a aexigir a modificação
do tratado, a bsuspender o cumprimento em relação a estes e a cexigir eventual reparação dos danos (art. 30.º/5, 41.º e
60.ºCV69).

Duração da prova: 2 horas


Valor das questões: 2 valores por alínea
Podem ser consultadas quaisquer publicações. Os eventuais textos normativos fotocopiados terão de estar agrupados num
maço agrafado. Está interdita a circulação dos mesmos.
A ordem das respostas pode ser alterada, mas as respostas não podem ser seccionadas ou completadas através de textos que
não sejam devidamente integrados na resposta.

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