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QUESTÕES, CASOS E
MATERIAIS DE DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO
(2022-23)
I. Jurisprudência internacional
“Foi alegado, em nome dos proprietários do Prometheus, que o termo “direito”, tal
como aplicado a este sistema reconhecido de princípios e regras designado como direito
internacional, é uma expressão inexata, uma vez que não há, por outras palavras, uma tal
coisa como direito internacional; não pode existir tal direito vinculando todas as nações
na medida em que não há sanção para ele, o mesmo é dizer que que não existem meios
através dos quais a obediência a tal direito possa ser imposta a qualquer nação que lhe
recuse obedecer. Não acompanho esse argumento. Na minha opinião, uma regra pode ser
criada e tornar-se internacional, o que significa aplicar-se a todas as nações, pelo acordo
de todas as nações que a ela se vinculem, apesar de ser impossível impor a sua obediência
a qualquer uma das partes no acordo. A oposição de uma das nações a uma regra que
aceitou previamente não afasta a autoridade da regra, ainda que essa oposição não possa,
eventualmente, ser ultrapassada. Tal oposição apenas transforma em infratora a nação que
se opõe à regra à qual deu o seu consentimento; contudo, a regra, para a criação da qual
a nação que agora se opõe contribuiu, continua a existir. Poderia ser invocado que, se uma
certa pessoa ou conjunto de pessoas tivessem, num dado momento, o poder de resistir a
uma regra nacional, tal regra não existiria? A resposta a tal alegação seria a de que a regra
continua a existir, apesar de, naquele momento, não ser possível impor o seu
cumprimento”.
Questões:
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Questões, Casos e Materiais
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2) TPJI, caso do navio a vapor “Wimbledon”, Reino Unido, França, Itália, Japão
(Polónia interveniente) c. Alemanha, TPJI, Acórdão de 17 de agosto de 1923,
Col., 1923
in https://www.icj-cij.org/files/permanent-court-of-international-justice/serie_A/A_01/03_Wimbledon_Arret_08_1923.pdf
Nota: Nos termos de uma cláusula (art. 380) do Tratado de Paz de Versalhes, de 1919, “o Canal de Kiel
e os seus acessos serão sempre livres e abertos, em condições de perfeita igualdade, aos navios de guerra e
de comércio de todas as nações em paz com a Alemanha”.
O diferendo entre o RU, França, Itália e Japão, por um lado, e a Alemanha, por outro, resultou de a
Alemanha ter recusado a passagem naquele canal do navio a vapor “Wimbledon”. Por conseguinte, como
o Tribunal Permanente de Justiça Internacional declarou, “[a] questão que domina todo o litígio é a de saber
se as autoridades alemãs tinham o direito de recusar ao navio a vapor Wimbledon, nas condições e
circunstâncias em que o fizeram, o acesso e a passagem do canal de Kiel, a 21 de março de 1921” (Ac., p.
21).
O Tribunal explana, nos excertos seguintes, uma determinada conceção do direito internacional e das
obrigações internacionais.
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Questões:
a) Neste caso, e de acordo com o TPJI, qual a relação entre soberania e direito
internacional?
b) Segundo esta construção, o direito internacional é uma limitação à soberania dos
Estados? Justifique.
c) A capacidade convencional, isto é, o facto de os Estados soberanos, nomeadamente
através de tratados, criarem obrigações jurídico-internacionais, tem alguma relação com
a soberania?
Nota: Por acordo especial de 12 de outubro de 1926, os Governos de França e da Turquia submeteram
ao TPJI a apreciação de um diferendo sobre o exercício da jurisdição criminal, num caso que ocorreu após
a colisão em alto mar entre o navio a vapor de pavilhão francês “Lotus” e o navio a vapor de pavilhão turco
“Boz-Kourt”. Dessa colisão resultou a morte de oito cidadãos turcos. Ao chegar ao porto de Constantinopla
[hoje Istambul] as autoridades turcas detiveram e prenderam o capitão do navio francês, tendo sido
posteriormente acusado, julgado e condenado por tribunais turcos.
A França invocou que, à luz do artigo 15.º da Convenção de Lausanne de 24 de julho de 1923, seriam
os tribunais franceses a ter jurisdição exclusiva para instaurar um eventual procedimento criminal, relativo
à colisão dos navios em alto mar, contra um oficial de um navio francês. Nestes termos, a Turquia violou
as suas obrigações resultantes dos princípios e das normas internacionais aplicáveis.
Na sua decisão o Tribunal considerou que a Turquia não atuou em violação do direito internacional, e
que a referida disposição da Convenção de Lausanne não precludia a Turquia de exercer jurisdição neste
caso. Consequentemente, nenhuma indemnização foi atribuída à França.
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resposta fosse afirmativa – esses princípios. Não se trata, portanto, nos termos do acordo
especial, de especificar os princípios que autorizariam a Turquia a iniciar ações penais,
mas de formular os princípios que, eventualmente, pudessem ter sido violados por essas
ações.
Esta maneira de colocar a questão é também determinada pela própria natureza e
condições atuais do direito internacional.
O direito internacional regula as relações entre Estados independentes. As regras de
direito que vinculam os Estados, por conseguinte, procedem da vontade destes, vontade
manifestada através de convenções ou de usos aceites como consagrando princípios de
direito e estabelecidos tendo em vista regular a coexistência dessas comunidades
independentes, ou tendo em vista a prossecução de fins comuns. Por isso, as limitações à
independência dos Estados não se presumem.
Ora, a limitação primordial que o direito internacional impõe ao Estado é a de excluir
– exceto no caso de uma regra permissiva contrária – qualquer exercício do seu poder no
território de outro Estado. Nesse sentido, a jurisdição é, certamente, territorial; não poderá
ser exercida fora do território a não ser em virtude de uma regra permissiva que decorra
do direito internacional consuetudinário ou de uma convenção.
Mas daqui não decorre que o direito internacional proíba um Estado de exercer, no seu
próprio território, jurisdição em qualquer caso em que se trate de factos ocorridos no
estrangeiro e em que não se possa apoiar numa regra permissiva de direito internacional.
Esta tese só poderia ser sustentada se o direito internacional proibisse os Estados, de modo
geral, de atingirem através das suas leis, e de submeterem a jurisdição dos seus tribunais
pessoas, bens e atos fora do território e se, por derrogação a esta regra geral proibitiva,
autorizasse os Estados fazê-lo em casos especialmente determinados. Ora, tal não é,
certamente, o estado atual do direito internacional. Longe de proibir de um modo geral os
Estados de alargarem as suas leis e a sua jurisdição a pessoas, bens e atos fora do território,
deixa-lhes, a este respeito, uma ampla liberdade, que apenas é limitada, em alguns casos,
por regras proibitivas; para os outros casos, cada Estado conserva a liberdade de adotar
os princípios que considere melhores e mais convenientes.
É esta liberdade que o direito internacional deixa aos Estados, que explica a variedade
das regras que puderam adotar sem oposição ou protesto da parte dos outros Estados”
(Ac., pp. 18-20)
Questões:
a) A determinada altura, numa única frase, o TPJI define o direito internacional. Como?
Pensando nos critérios utilizados pela doutrina para definir o DI, e que estudamos, qual
desses critérios é usado pelo tribunal?
b) De acordo com TPJI, de onde procedem as regras de direito internacional?
c) Neste caso tem origem aquela que é muito frequentemente designada como a
“presunção Lotus”, de acordo com a qual se diria, de modo simplificado, “tudo que não
é proibido [aos Estados] é permitido”. Em que parte do excerto acima transcrito encontra
esta ideia? Nessas palavras do Tribunal, verifica-se, ainda assim, alguma limitação aos
Estados soberanos?
d) Parece-lhe que a “presunção Lotus” ainda hoje descreve, no essencial, o direito
internacional?
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In https://www.icj-cij.org/files/case-related/1/001-19490409-JUD-01-01-BI.pdf
Nota: O diferendo que opôs o Reino Unido à Albânia teve origem na explosão de minas, em 1946, no
Canal de Corfu, que provocaram danos em navios da marinha Britânica que aí se encontravam de passagem.
O Reino Unido acusou a Albânia de ter colocado as minas nas suas águas territoriais, após o Canal ter sido
limpo por draga-minas, não tendo informado os navios que aí navegavam da sua existência. Estando em
causa o exercício do direito de passagem inofensiva, aplicável mesmo em relação a navios de guerra, o
Reino Unido invocou a responsabilidade internacional da Albânia, reclamando a reparação dos danos
sofridos.
O Tribunal concluiu que apesar de não ter ficado provado que as minas foram colocadas pela Albânia,
esta não poderia deixar de saber da sua existência nas suas águas territoriais e tinha violado o dever avisar
os navios que navegavam no Canal de Corfu. Em consequência, decidiu pela responsabilidade da Albânia,
impondo o pagamento de uma indemnização ao Reino Unido a título de reparação pelos danos sofridos. A
seguir, podem ler-se excertos da declaração de voto do Juiz Alvarez, importante pelas considerações mais
gerais que tece a propósito do direito internacional.
(Col., 1949, p. 41) “O direito de interdependência social não opõe, como até agora se
fez, o direito à política; ao contrário, admite que existem relações estreitas entre ambos.
Os juristas imbuídos do direito tradicional consideraram o direito internacional como
tendo um caráter estritamente jurídico; apenas tomavam em consideração o direito puro,
excluindo totalmente a politica como alheia ao direito. Ora, o direito puro não existe: o
direito resulta da vida social e evolui com esta, quer dizer, é, em grande medida, o efeito
da prática, da política, sobretudo coletiva, dos Estados. Por conseguinte, não se deve (Col.
1949, p. 42) estabelecer um antagonismo entre o direito e a política: os dois elementos
devem interligar-se.
A política e a opinião pública exercem uma grande influência sobre o exercício dos
direitos dos Estados. Vários casos podem acontecer, alguns dos quais surgem no atual
litígio [entre a Albânia e o Reino Unido]:
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Para esta renovação, relativamente às matérias que dizem respeito ao litígio atual, o
Tribunal poderá inspirar-se nos dados seguintes, baseados no direito de interdependência
social:
1.º O Estado deve garantir, no seu território, a ordem indispensável para o
cumprimento das suas obrigações internacionais: de outro modo, incorre em
responsabilidade.
2.º O Estado deve exercer uma vigilância diligente sobre o seu território. Esta
vigilância não abrange as regiões desérticas; não é a mesma para as parcelas terrestres e
as parcelas marítima, aérea, etc..
Esta obrigação de vigilância varia consoante as condições geográficas e outras do país:
um Estado vigia algumas regiões mais do que outras, de acordo com os seus interesses.
Por outro lado, esta vigilância depende dos meios de que dispõe cada Estado. Na América,
esta questão é muito importante: os Estados Unidos e muitos países latinos não podem
vigiar de maneira eficaz a enorme extensão das suas costas. Como dispôs muito
justamente o art. 25 da Convenção XIII da Haia, de 1907, uma Potência não está obrigada
a exercer uma vigilância que vá para lá dos meios de que dispõe. O Estado que não exerce
esta vigilância, ou que é negligente no seu exercício, incorre em responsabilidade caso
sejam causados danos no seu território a outros Estados ou aos seus nacionais.
3.º Em consequência do anteriormente dito, considera-se que o Estado conheceu, ou
devia ter tido conhecimento, dos atos danosos cometidos nas regiões do seu território em
que existam autoridades locais; não é uma presunção, não é uma hipótese: é a
consequência da sua soberania. Se o referido Estado alegar que não teve conhecimento
desses atos, nomeadamente, devido a circunstâncias que a sua vigilância não podia
detetar, por exemplo, a ação de submarinos, etc., deve prová-lo: de outra forma, incorre
em responsabilidade.
4.º O Estado deve adotar medidas preventivas, tendo em vista impedir, no seu
território, a execução de atos danosos para outros Estados ou para os seus nacionais, e, se
tais atos foram cometidos, tem o dever de os reprimir e punir.
5.º O Estado deve esclarecer, imediatamente, as circunstâncias em que foi cometido,
no seu território, um ato ilícito ou danoso, nomeadamente, promovendo a realização de
uma investigação.
6.º Deve informar imediatamente os países interessados sobre a existência, no seu
território, de perigos de que tenha conhecimento, que pudessem causar-lhes danos e que
sejam obra de outros países; de outra forma, tornar-se-á cúmplice”.
Questões:
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Questões, Casos e Materiais
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II. Estudo de caso: a decisão de o Reino Unido adotar um ato legislativo que
viola o Acordo do Brexit
1. A situação:
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2. Documentos
Theresa May: O Governo do Reino Unido assinou o Acordo de Saída do qual é parte
integrante o Protocolo da Irlanda do Norte. Este Parlamento votou esse Acordo de Saída
para ser convertido em legislação do Reino Unido. O Governo está agora a alterar a
implementação daquele acordo. Tendo isto em conta, como pode o Governo garantir a
futuros parceiros internacionais que podem confiar no Reino Unido quanto ao
cumprimento das obrigações jurídicas consagradas em acordos que assina?
Brandon Lewis: Temos trabalhado com a UE num espírito de boa fé e as duas partes
continuam a trabalhar com esse espírito para implementar as medidas que garantam os
princípios fundamentais que estavam subjacentes ao Protocolo.
Claro que a nossa primeira prioridade continua a ser assegurar um acordo quanto ao
Protocolo a ser negociado pelo Comité Conjunto e no acordo mais amplo de comércio
livre, mas o Acordo de Saída e o Protocolo não são como qualquer outro tratado. Foram
escritos na assunção de que poderiam ser alcançados acordos posteriores entre nós e a UE
quanto aos detalhes (…) e continuamos a acreditar que isso é possível, mas, como
Governo responsável, não podemos permitir que os nossos empresários não tenham
quaisquer certezas a partir de janeiro. A realidade é que o projeto de lei do mercado
interno do RU e o projeto de lei financeira são as últimas oportunidades legislativas que
temos para dar às pessoas e aos negócios da Irlanda do Norte a confiança e a certeza de
que lhes iremos dar aquilo que acordámos no protocolo, que desenhámos no nosso
manifesto e que estabelecemos no Command Paper.
(…)
Simon Hoare: Neste momento, parece não haver certezas para os negócios na Irlanda
do Norte e não haver certeza quanto ao futuro, a longo prazo, do Acordo de Sexta-feira
Santa, uma vez que qualquer transporte de bens entre o norte e o sul terá de ter, em algum
momento e de alguma forma, um qualquer controlo. Além disso, (…) parece que não há
qualquer certeza quanto à continuidade do nosso país como país que mantém a sua palavra
e que se rege de acordo com o estado de direito e as suas obrigações internacionais. Que
garantias me pode dar (…) que o Governo compreende a gravidade destas questões?
Brandon Lewis: Nós, como país, defendemos o direito internacional e o sistema da
ordem internacional, e sempre o iremos fazer. Eu penso que os países em todo o mundo
o sabem. Estão também conscientes de que nós estamos nestas negociações com a UE. O
nosso foco é concluí-las de forma satisfatória e adequada de modo a alcançar um bom
resultado quanto a um acordo de comércio livre e bons resultados do Comité
especializado que está a trabalhar quanto à Irlanda do Norte. Devemos recordar que
respeitar o Acordo de Sexta-Feira Santa não é apenas sobre norte-sul; é também sobre
este-oeste e sobre a garantia de que não existem quaisquer fronteiras, norte-sul, este-oeste.
É por isso que assumimos o compromisso de acesso sem restrições e é isso que será
garantido através da lei do mercado interno do RU.
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Gary Sambrook: Este Governo foi eleito com base num manifesto que garantia que
a Irlanda do Norte iria, verdadeiramente, permanecer no território aduaneiro do RU e em
que era prometido que o direito da UE não seria obstáculo a outros elementos essenciais
para o Governo. (…) [C]oncorda que estas alterações simplesmente concretizam (…) esse
compromisso?
Brandon Lewis: (…) esse é um bom ponto. Delineámos muito claramente – não penso
que alguém tenha compreendido mal esse ponto – a nossa posição nas eleições gerais:
que iríamos garantir acesso sem restrições, que asseguraríamos às populações da Irlanda
do Norte e que continuaríamos a assegurar o acordo de Sexta-feira Santa. Isto é
exatamente aquilo que estamos focados em fazer. Estamos a fazê-lo através das
negociações, mas também queremos assegurar que estamos a adotar os passos razoáveis
para preparar janeiro no caso de ser necessário. Faremos isso na lei do mercado interno
do RU, responderemos aos compromissos assumidos no manifesto eleitoral.
(…)
Stephen Farry: Qualquer alteração unilateral ao tão necessário Protocolo
[Irlanda/Irlanda do Norte que faz parte do Acordo de Saída UE e RU] arrisca-se a pôr em
causa o Acordo de Sexta-feira Santa, arrisca-se a fazer regressar as fronteiras fechadas à
ilha da Irlanda e coloca os negócios da Irlanda do Norte numa posição jurídica muito
incerta. O Governo reconhece que, no caso de fazer aquelas alterações unilaterais e, em
especial, colocar em causa o Acordo, isso reduzirá as perspetivas de uma futura relação
com a UE? E, em particular, que haverá zero possibilidade de negociar um acordo de
comércio com os Estados Unidos sob uma administração Biden e com um Congresso
controlado pelos Democratas?
Brandon Lewis: Quanto à primeira parte da questão (…) é realmente o oposto –
estamos focados em alcançar um acordo através das negociações e do Comité Conjunto
especializado, de forma a garantir que somos capazes de acordar com detalhe questões
que sempre ali estiveram, como estabelecidas no protocolo, de modo a ser trabalhado pelo
Comité Conjunto. Aquilo que faremos com a lei do mercado interno do RU é dar clareza
aos negócios e pessoas da Irlanda do Norte quanto ao que acontece a 1 de janeiro se
aquelas negociações não forem concluídas de modo satisfatório. Digo-lhe, delicadamente,
que essa é a melhor maneira de dar segurança às pessoas da Irlanda do Norte.
(…)
Alistair Carmichael: Que autoridade temos para criticar a China por não assegurar a
sua parte do acordo ao abrigo da declaração conjunta de Hong Kong se somos
confrontados desta forma com a nossa abordagem às nossas próprias obrigações
convencionais relativamente à União Europeia?
Brandon Lewis: Como referi anteriormente, as questões específicas no Protocolo
foram sempre desenhadas para serem trabalhadas no Comité Conjunto. É certo que o
Governo está a adotar ações razoáveis, sensíveis e limitadas para que, caso o Comité
Conjunto e as negociações do acordo de saída para um acordo de comércio livre não
chegarem a um resultado satisfatório, as pessoas tenham certezas em janeiro.
(…)
Robert Neill: o Ministro afirmou que ele e o Governo estão comprometidos com o
estado de direito. Reconhece que a vinculação ao estado de direito não é negociável?
Tendo isso presente, poderá assegurar-nos que nada do que é proposto nesta legislação
viola, ou poderá potencialmente violar, obrigações de direito internacional ou acordo de
direito internacional com os quais nos comprometemos? (…)
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Brandon Lewis: Eu diria (…) que sim, viola o direito internacional de uma forma
muito específica e limitada. Estamos a conferir-nos o poder de não aplicar o conceito
jurídico comunitário do efeito direto, reconhecido pelo artigo 4, em determinadas
circunstâncias definidas de forma restritiva. Há precedentes claros a este propósito
relativamente ao Reino Unido e, na verdade, a outros países que necessitaram de
reconsiderar as suas obrigações internacionais devido à mudança de circunstâncias. (…)
Fleur Anderson: Com o Reino Unido no início de uma nova era e uma série de
negociações comerciais à nossa frente que afetarão a vida das pessoas (…) em todo o
país, que mensagem pensa o Secretário de Estado que dá sobre a nossa palavra o facto de
o Reino Unido estar disposto a violar o direito internacional, por vezes, a anular tratados
e a reescrever compromissos que subscrevemos há poucos meses?
Brandon Lewis: Tenho a certeza que (…) valorizará o facto de, como já disse,
existirem alguns precedentes em circunstâncias técnicas muito específicas. Países de todo
o mundo, incluindo alguns daqueles com os quais estamos a trabalhar para assegurar
acordos comerciais, alteram a sua posição em matéria de direito internacional, como referi
que vamos fazer nesta situação. À medida que as nossas negociações comerciais
começam e estão em curso, os países de todo o mundo vão olhar para o Reino Unido
como um país que é virado para o exterior e global, que acredita no comércio livre e que
quer fazê-lo em benefício das economias em todo o mundo e no Reino Unido. Quero
assegurar-me de que a Irlanda do Norte beneficia disso. As cláusulas que apresentarmos
amanhã no projeto de lei assegurarão que, independentemente de tudo o resto, a Irlanda
do Norte beneficiará desse tipo de acordos comerciais.
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In https://foreignaffairs.house.gov/_cache/files/e/5/e5331ef0-a823-45a1-ac1e-
ffbb61393fa6/A962A17A5293F062593E3B8DA20FC854.9-15-2020-ele-letter-to-pm-johnson-on-brexit-v.4.pdf
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É por estas razões que ficamos tão perturbados com as notícias sobre as iniciativas do
seu governo em pôr em causa o Protocolo da Irlanda do Norte do Acordo de Saída que, a
serem verdade, teriam consequências desastrosas para o Acordo de Sexta-feira Santa e o
processo de fronteira para manter a paz na ilha da Irlanda. Temos consciência dos desafios
que o seu país enfrenta com a aproximação do prazo do dia 15 de outubro para um acordo
negociado – mas a Irlanda dividida por uma fronteira fechada arrisca reacender velhas
tensões que ainda hoje permanecem e pôr em causa décadas de progresso que os Estados
Unidos, a República da Irlanda e o Reino Unido alcançaram juntos.
Finalmente, é necessário que enfatizemos como este assunto poderá afetar diretamente
as relações bilaterais EUA-RU mesmo para além do amplo apoio bipartidário ao povo da
Irlanda do Norte. Muitos, nos Estados Unidos e no Congresso, consideram que os temas
do Acordo de Sexta-feira Santa e um potencial de comércio livre entre EUA-RU estão
intrinsecamente ligados. Nesse sentido, apoiamos a posição claramente expressa pela
Presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, que este
mês reiterou que o Congresso dos Estados Unidos não apoiará qualquer acordo de
comércio livre entre os Estados Unidos e o Reino Unido se o Reino Unido falhar em
preservar aquilo que foi alcançado no Acordo de Sexta-feira Santa e no processo de paz
em sentido mais amplo. Se os planos noticiados forem adiante, será difícil considerar que
aquelas condições estão verificadas.
Com as questões suscitadas na presente carta, encorajamo-lo a abandonar todas e
quaisquer iniciativas juridicamente questionáveis e injustas que desprezem o Protocolo
da Irlanda do Norte do Acordo de Saída e a focar-se em garantir que as negociações do
Brexit não comprometem as décadas de progresso em trazer a paz para a Irlanda do Norte
e opções futuras para as relações bilaterais entre os nossos dois países. Muito obrigado
pela sua atenção quanto a este assunto e desejamos continuar a trabalhar consigo de modo
a cumprir as promessas do Acordo de Sexta-feira Santa.
Eliot L. Engel
Richard E. Neal
Willliam R. Keating
Peter T. King
“Não podemos permitir que o Acordo de Sexta Feira Santa, que trouxe paz à Irlanda
do Norte, se torne uma vítima do Brexit. Qualquer acordo comercial entre os EUA e o
RU deve estar dependente do respeito pelo Acordo e impedir o regresso de uma fronteira
fechada. Ponto.”
Questões:
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internacionais, nomeadamente com a EU, mas não só. Explique e identifique esses
argumentos.
c) Considere, agora, as declarações dos responsáveis da UE, nomeadamente a Presidente
da Comissão e o Vice-Presidente Maroš Šefčovič. Como justificaria as reações destes
representantes? Como se referiu, o projeto de lei foi, para já, aprovado na generalidade.
Suponha que aquela legislação é, depois de cumpridos todos os procedimentos internos,
finalmente promulgada. Qual crê vai ser a reação expectável da UE?
d) Tome em consideração que, como é frequentemente referido quer da parte do RU, quer
da UE, as negociações quanto aos termos definitivos das relações entre RU e UE ainda
estão a decorrer. Pensa que esta iniciativa legislativa e as reações da UE poderão ter
alguma influência naquelas negociações? O que nos diz isso sobre as relações entre direito
e poder?
e) Considerando a Carta escrita pelos quatro membros da Câmara dos Representantes ao
Primeiro Ministro Boris Johnson, e os argumentos invocados por Brandon Lewis no
Parlamento, nomeadamente aqueles que têm uma natureza “interna”, pode afirmar-se
que, para um Estado, as razões internas e as razões externas são dois planos
completamente distintos? O que é que isso nos diz sobre a sociedade internacional atual?
f) Olhando ao processo negocial, e à posição daqueles quatro membros do Congresso,
considera que aquela Carta tem como objetivo reforçar a posição da UE ou do RU?
Nota: A 5 de março de 2020, o Juízo de Recurso do Tribunal Penal Internacional (TPI) autorizou a
Procuradora Fatou Bensouda a abrir um inquérito para investigar eventuais crimes internacionais (crimes
contra a humanidade e crimes de guerra) cometidos no Afeganistão. Esta decisão veio reverter uma primeira
decisão do Juízo de Instrução II, tomada no ano anterior (12 de abril de 2019), que recusou a autorização
para a abertura desse mesmo inquérito.
A investigação a ser conduzida pela Procuradora incidirá sobre eventuais crimes internacionais
praticados durante o conflito armado por todas as partes envolvidas, o que implicará investigar não apenas
as condutas dos Talibã ou do Estado Islâmico, mas também as levadas a cabo pelo Exército Nacional
Afegão ou pelos militares das forças armadas ao serviço das missões da NATO, onde se inclui um grande
número de militares e civis norte-americanos.
Esta decisão de abertura do inquérito foi duramente criticada pelos Estados Unidos, que não ratificaram
o Estatuto de Roma que criou o TPI e, portanto, não são um Estado Parte do Tribunal, não reconhecendo a
sua legitimidade para julgar nacionais (militares ou civis) norte-americanos. Como reação a essa decisão,
numa resposta muito pouco habitual e já extremada, adotaram sanções contra a Procuradora Fatou
Bensouda e um outro dirigente do Tribunal.
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Os Estados Unidos são um firme defensor da justiça em todo o mundo, mas não são parte
no Estatuto de Roma que criou o TPI, nem alguma vez aceitamos a sua jurisdição sobre
o nosso pessoal. A imprudência do TPI levou-nos a este ponto, e o TPI não pode ser
autorizado a prosseguir com a sua perseguição politicamente motivada ao pessoal dos
EUA. As sanções e as restrições de vistos anunciadas hoje aplicam-se a indivíduos que
estiveram diretamente envolvidos nos esforços do TPI para investigar pessoal norte-
americanos sem o consentimento dos Estados Unidos ou apoiarem materialmente os
indivíduos que foram designados para tais ações.
Para esse fim e nos termos da Ordem Executiva (O.E.) 13828, os Estados Unidos
identificaram a Procuradora do TPI Fatou Bensouda, por estar diretamente envolvida no
esforço de investigação do pessoal dos EUA, e o Chefe da Divisão de Jurisdição,
Complementaridade e Cooperação, Phakiso Mochochoko, por ter materialmente apoiado
a Procuradora Bensouda. Quer Fatou Bensouda, quer Phakiso Mochochoko foram
adicionados à Lista dos Nacionais Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas, pelo
Gabinete de Controlo dos Bens Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos EUA.
Indivíduos e entidades que continuem a apoiar materialmente a Procuradora Bensouda e
o Sr. Mochochoko arriscam-se a ser objeto de sanções. Adicionalmente, de acordo com
o número 4 da O.E. 13928, os indivíduos identificados pela O.E. estão sujeitos a restrições
de visto e podem posteriormente ser considerados inelegíveis para um visto dos EUA. Na
prática, para os indivíduos sujeitos a estas “disposições”, a sua deslocação aos Estados
Unidos é restringida.
O anúncio de hoje reflete o compromisso Americano com a verdadeira justiça e
responsabilização. Dos julgamentos de Nuremberga e Tóquio após a Segunda Guerra
Mundial até aos mais recentes tribunais para a Jugoslávia, o Líbano e o Ruanda, os
Estados Unidos têm consistentemente defendido o bem e punido o mal, de acordo com o
direito internacional. Vamos continuar a fazê-lo. Não temos a intenção de permitir que as
atividades ilegais do TPI se tornem num obstáculo a esse objetivo.
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Questões, Casos e Materiais
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O Presidente Biden revogou hoje o Despacho executivo n.º 13928 sobre o “Bloqueio da
Propriedade de Certas Pessoas Associadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI)”, pondo
termo à ameaça e imposição de sanções económicas e de restrições quanto aos vistos
relacionadas com o Tribunal. Em consequência, foram levantadas as sanções impostas
pela anterior Administração à Procuradora do TPI, Fatou Bensouda (…). O Departamento
de Estado também extinguiu a política autónoma de 2019 sobre restrições quanto aos
vistos relativamente a certos agentes do Tribunal.
Continuamos a discordar profundamente das ações do TPI relacionadas com as situações
do Afeganistão e da Palestina. Continuamos a manter a nossa objeção de longa data aos
esforços do Tribunal em afirmar a sua jurisdição sobre pessoas de Estados não-Partes,
como os Estados Unidos e Israel. Acreditamos, no entanto, que as nossas preocupações
relativamente a estes casos podem ser melhor tratadas através de um compromisso com
todas as artes interessadas no processo do TPI do que através da imposição de sanções.
(…)
Parece-nos positivo que Estados Partes no Estatuto de Roma estejam a ponderar um
conjunto amplo reformas para ajudar o Tribunal para priorizar os seus recursos e realizar
a missão central de servir como tribunal de último recurso na punição de, e prevenção, de
crimes atrozes. Consideramos que esta reforma é um esforço que vale a pena.
A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de
uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;
A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da
pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das
nações, grandes e pequenas;
A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das
obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional;
A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais
amplo de liberdade,
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17 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) A Carta das Nações Unidas é adotada na sequência da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), considerando muitos que o respetivo Preâmbulo acentua, fortemente, a
internacionalização jurídica. Olhando para o texto acima, concorda?
b) No texto, que referências são feitas a entidades individuais e coletivas? Porquê, em seu
entender?
Artigo 53
Tratados incompatíveis com uma norma imperativa
de direito internacional geral (jus cogens)
É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma
norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos da presente Convenção,
uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceite e reconhecida
pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não
é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional
geral com a mesma natureza.
Artigo 64
Superveniência de uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens)
Se sobrevier uma nova norma imperativa de direito internacional, geral, qualquer tratado
existente que seja incompatível com essa norma torna-se nulo e cessa a sua vigência.
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18 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Capítulo III
Violações graves de normas imperativas de direito internacional geral
Artigo 40
Aplicação do presente Capítulo
1. O presente Capítulo é aplicável à responsabilidade internacional que resulta de
uma violação grave pelo Estado de uma obrigação decorrente de uma norma
imperativa de direito internacional geral.
2. A violação de uma tal obrigação é grave se implicar um incumprimento flagrante
ou sistemático da obrigação pelo Estado responsável.
Artigo 41
Consequências específicas de uma violação grave
de uma obrigação nos termos do presente Capítulo
1. Os Estados devem cooperar para pôr termo, por meios lícitos, a qualquer violação
grave no sentido do artigo 40.
2. Nenhum Estado deve reconhecer como lícita uma situação criada por uma
violação grave no sentido do artigo 40, nem prestar ajuda ou assistência na
manutenção dessa situação.
3. Este artigo não prejudica as demais consequências referidas na presente Parte, ou
outras consequências que possa implicar, segundo o direito internacional, uma
violação à qual se aplique o presente Capítulo.
(…)
Artigo 48
Invocação da responsabilidade por um outro Estado que não o Estado lesado
1. Qualquer outro Estado que não o Estado lesado tem o direito de invocar a
responsabilidade de outro Estado de acordo com o disposto no n.º 2, se
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19 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) Nos textos acima, faz-se referência, nem sempre idêntica, a conceitos que reforçam a
ideia de comunidade jurídica internacional. Em cada um dos excertos, identifique esses
conceitos, justificando a sua escolha.
b) Será defensável dizer-se que, nos exemplos acima, resulta razoavelmente clara a
existência de valores jurídicos comunitários e, em alguns casos, que não estão ao dispor
da “vontade” dos sujeitos internacionais? Apresente exemplos, justificando.
a) Arvid Pardo, Embaixador de Malta junto das Nações Unidas, AG, Primeiro
Comité, 1516.ª reunião, A/C.1/PV.1516, 1 de novembro de 1967 (excertos)
3. Por aquilo que disse esta manhã, penso ser claro não haver dúvidas de que a única
alternativa para podermos evitar a escalada de tensões se continuar a atual situação é a de
um regime internacional efetivo sobre o leito do mar e os fundos marinhos e oceânicos
para lá de uma jurisdição nacional claramente definida. (…) É, finalmente, a única
alternativa que dá garantias de que os recursos imensos no ou sob o leito do mar serão
explorados sem lesar ninguém e em benefício de todos.
4. Finalmente, um regime internacional devidamente estabelecido contém todos os
elementos necessários que deveriam torna-lo aceitável para todos nós: países ricos e
pobres, fortes e fracos, costeiros e sem litoral. Através de um regime internacional, todos
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20 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
terão a garantia de que pelo menos os fundos marinhos serão usados exclusivamente para
fins pacíficos e que haverá uma exploração ordenada dos seus recursos. (…)
10. (…) Defendemos de forma convicta que os seguintes princípios, entre outros, deverão
ser incorporados no tratado proposto:
a) O leito do mar e os fundos marinhos sob os oceanos para lá dos limites da jurisdição
nacional, tal como definidos nos tratados, não estão sujeitos a apropriação nacional por
qualquer forma.
b) O leito do mar e os fundos marinhos para lá dos limites da jurisdição nacional serão
usados, exclusivamente, para fins pacíficos.
c) A investigação científica no leito do mar e fundos marinhos, não diretamente
relacionada com a defesa, deverá ser permitida livremente e os seus resultados colocados
à disposição de todos.
d) Os recursos do leito do mar e fundos marinhos, para lá da jurisdição nacional, serão
explorados, primariamente, no interesse da Humanidade, tomando especialmente em
consideração as necessidades dos países pobres.
e) A exploração do leito do mar e dos fundos marinhos para lá dos limites da jurisdição
nacional será levada a cabo de uma maneira conforme com os princípios e objetivos da
Carta das Nações Unidas e de um modo que não cause obstáculo no alto mar ou ao
ambiente marinho.
(…)
12. Estes são os nossos objetivos a longo prazo. Compreendemos que não serão realizados
nem depressa nem de uma forma fácil. Esperamos, no entanto, que a Assembleia Geral
adote na sua presente sessão uma resolução que integre os conceitos seguintes:
13. Em primeiro lugar, o leito do mar e os fundos marinhos são património comum da
Humanidade e deverão ser usados e explorados com fins pacíficos e para benefício
exclusivo da Humanidade no seu conjunto. As necessidades dos países pobres, que
representam aquela parte da Humanidade que necessita de mais assistência, seriam
tomados em consideração de forma preferencial relativamente aos benefícios financeiros
que resultem da exploração comercial do leito do mar e dos fundos marinhos. (…)
Artigo 82º
Pagamentos e contribuições relativos ao aproveitamento da plataforma continental
além de 200 milhas marítimas
1. O Estado costeiro deve efetuar pagamentos ou contribuições em espécie relativos ao
aproveitamento dos recursos não vivos da plataforma continental além de 200 milhas
marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial.
2. Os pagamentos e contribuições devem ser efetuados anualmente em relação a toda a
produção de um sítio após os primeiros cinco anos de produção nesse sítio. No sexto ano,
a taxa de pagamento ou contribuição será de 1% do valor ou volume da produção no sítio.
A taxa deve aumentar em 1% em cada ano seguinte até ao décimo segundo ano, e daí por
diante deve ser mantida em 7%. A produção não deve incluir os recursos utilizados em
relação com o aproveitamento.
3. Um Estado em desenvolvimento que seja importador substancial de um recurso mineral
extraído da sua plataforma continental fica isento desses pagamentos ou contribuições em
relação a esse recurso mineral.
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21 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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Artigo 125.º
Direito de acesso ao mar e a partir do mar e liberdade
de trânsito
1. Os Estados sem litoral têm o direito de acesso ao mar e a partir do mar para exercerem
os direitos conferidos na presente convenção, incluindo os relativos à liberdade do alto
mar e ao património comum da Humanidade. Para tal fim, os Estados sem litoral gozam
de liberdade de trânsito através do território dos Estados de trânsito por todos os meios
de transporte.
Artigo 136.º
Património comum da Humanidade
A área e seus recursos são património comum da Humanidade.
Artigo 155.º
Conferência de revisão
(…)
2. A conferência de revisão deve igualmente assegurar a manutenção do princípio do
património comum da humanidade, do regime internacional para o aproveitamento
equitativo dos recursos da área em benefício de todos os países, especialmente dos
Estados em desenvolvimento, e da existência de uma Autoridade que organize, realize e
controle as atividades na área. (…)
Artigo 311.º
Relação com outras convenções e acordos internacionais
(…)
6. Os Estados partes convêm em que não podem ser feitas emendas ao princípio
fundamental relativo ao património comum da Humanidade estabelecido no artigo 136.º
e em que não serão partes em nenhum acordo que derrogue esse princípio.
Questões:
a) Considerando o discurso de Arvid Pardo, descreva por palavras suas o que será o
“património comum da humanidade”.
b) Identifique, nas normas selecionadas da Convenção das Nações Unidas sobre o direito
do Mar, concretizações da ideia de comunidade jurídica internacional, mas também de
recursos comunitários e, por isso, partilha desses mesmos recursos.
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22 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
B) Jurisprudência
1. TIJ, caso Barcelona Traction, Light and Power Company, Bélgica c. Espanha,
5 de fevereiro de 1970, Col. 1970, p. 32, par. 33
29. No entanto, Portugal adianta um argumento adicional para mostrar que o princípio
formulado pelo Tribunal no caso relativo ao Ouro Monetário retirado de Roma em 1943
não é aplicável no caso presente. Defende, com efeito, que os direitos que a Austrália
alegadamente violou eram direitos erga omnes e que, por conseguinte, Portugal podia
exigir-lhe, individualmente, que os respeitasse, independentemente de outro Estado ter,
ou não, agido de modo igualmente ilícito.
No entender do Tribunal, é indiscutível a asserção de Portugal de que o direito dos povos
à autodeterminação, tal como evoluiu a partir da Carta e da prática das Nações Unidas,
tem natureza erga omnes. O princípio de autodeterminação dos povos foi reconhecido
pela Carta das Nações Unidas e na jurisprudência do Tribunal (…); é um dos princípios
essenciais do direito internacional contemporâneo. No entanto, o Tribunal considera que
o caráter erga omnes de uma norma e a regra do consentimento à jurisdição são coisas
diferentes. Qualquer que seja a natureza das obrigações invocadas, o Tribunal não pode
pronunciar-se sobre a licitude do comportamento de um Estado quando a decisão a tomar
implica uma avaliação da licitude do comportamento de outro Estado que não é parte no
caso. Quando assim é, o Tribunal não pode agir, mesmo se o direito em questão é um
direito erga omnes.
180. Sendo o respeito pelo direito à autodeterminação uma obrigação erga omnes, todos
os Estados têm um interesse jurídico em que esse direito seja protegido (…). No entender
do Tribunal, enquanto cabe à Assembleia Geral pronunciar-se sobre as modalidades
necessárias à conclusão da descolonização da Maurícia, todos os Estados devem cooperar
com a Organização das Nações Unidas para a execução dessas modalidades.”
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23 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
4. Idem, loc. cit., pp.156 ss., Declaração de voto do Juíz Cançado Trindade
38. Uma atenção e cuidado crescentes foram dedicados ao direito dos povos e, em
particular, ao direito de autodeterminação como um direito inerente a todos os povos,
como um direito humano fundamental (...).
231. (...) [R]esoluções sucessivas da Assembleia Geral das NU têm dado uma notável
contribuição para o reconhecimento universal e para a consolidação do direito dos povos
à autodeterminação (...).
232. Numa perspetiva histórica, tal contribuição tem sido vista como das mais
significativas na história das Nações Unidas, levando a justiça aos povos à luz de
princípios e na prossecução do universalismo. As duas declarações contidas
respetivamente nas resoluções da Assembleia Geral 1514 (XV) de 1960, e 2625 (XXV)
de 1970, são da maior relevância, pela sua contribuição para o progressivo
desenvolvimento do direito internacional.
(…)
287. Isto leva-me à minha última linha de raciocínio. Os princípios fundamentais são,
com efeito, os alicerces da realização da própria justiça, e o pensamento jusnaturalista
sempre sublinhou a sua importância. O jus necessarium é então constituído por regras
que são justas, emanadas da recta ratio. Os princípios gerais do direito, compreendidos
pela consciência humana ao longo dos séculos, são então da maior relevância para a
interpretação, aplicação, e progressivo desenvolvimento do direito internacional.
288. O reconhecimento dos “princípios gerais do direito”, e a sua inclusão no elenco das
fontes “formais” de direito internacional previstas no Artigo 38 do Estatuto do Tribunal
da Haia (TIJ), são da maior importância, e requerem uma maior atenção por parte do
pensamento jurídico contemporâneo. Os acima referidos princípios gerais do direito
sempre estiveram presentes na busca da realização da justiça, na qual considerações
básicas de humanidade desempenham um papel de suma importância.
289. A postura básica de um tribunal internacional só pode ser principiste [assente em
princípios], sem fazer concessões indevidas ao voluntarismo do Estado. O positivismo
jurídico sempre tentou, em vão, minimizar o papel dos princípios gerais do direito, mas a
verdade é que, sem esses princípios, não existe de todo um sistema jurídico. Tais
princípios dão expressão à ideia de uma justiça objetiva, abrindo o caminho à aplicação
do direito internacional universal, o novo jus gentium do nosso tempo.
290. Tais princípios assumem uma grande importância, perante a crescente tragédia
contemporânea das pessoas deslocadas à força, ou migrantes indocumentados, em
situações de extrema vulnerabilidade, em diferentes partes do mundo. Tal contínua e
crescente tragédia humana mostra que as lições do passado parecem continuar largamente
esquecidas. Isto vem reforçar a relevância dos princípios e valores fundamentais, que já
norteiam a ação das Nações Unidas – em particular da sua Assembleia Geral, como já
demonstrado na presente declaração de voto – bem como da jurisprudência internacional
(sobretudo do TIDH [Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos]) sobre a matéria.
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24 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Conselho de Segurança 216 (1965) e 217 (1965), relativas à Rodésia do Sul; resolução
541 (1983), elativa a Chipre do Norte; e resolução 787 (1992), relativa à Republica
Srpska.
O Tribunal nota, no entanto, que em cada um destes casos o Conselho de Segurança estava
a decidir quanto à situação concreta, existente no momento em que essas declarações de
independência foram feitas; a ilegalidade associada às declarações de independência, por
conseguinte, não resultou da natureza unilateral dessas declarações, enquanto tal, mas do
facto de que eram, ou podiam ter sido, relacionadas com o recurso ilícito à força ou outras
violações graves de normas de direito internacional geral, em especial as de natureza
imperativa ( jus cogens).
155. A este respeito, o Tribunal observa que, entre as obrigações internacionais violadas
por Israel se incluem algumas obrigações erga omnes. (…) As obrigações erga omnes
violadas por Israel são a obrigação de respeitar o direito do povo palestiniano à
autodeterminação, assim como certas obrigações que lhe incumbem em virtude do direito
internacional humanitário.”
Nota: A 11 de novembro de 2019, a Gâmbia apresentou no TIJ uma Queixa contra Myanmar a propósito
da Aplicação da Convenção para a Prevenção e repressão do Crime de Genocídio.
Além da questão de fundo, a Gâmbia pediu também ao Tribunal que adotasse medidas provisórias urgentes
para a proteção dos Rohingya.
O excerto apresentado é do despacho relativo às medidas provisórias. O questão de fundo continua a ser
julgada no TIJ.
Um dos elementos apresentados como “prova” para sustentar os factos alegados pela Gâmbia é o seguinte:
Report of the independent international fact-finding mission on Myanmar, de setembro de 2018,
https://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/FFM-Myanmar/A_HRC_39_64.pdf.
“41. O Tribunal recorda que, no Parecer Consultivo sobre as Reservas à Convenção para
a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, observou que:
“[n]uma convenção como aquela, as Partes contratantes não têm interesses próprios; apenas têm, cada uma
e todas, um interesse comum, nomeadamente, alcançar os grandes propósitos que são a razão de ser da
convenção. Consequentemente, numa convenção deste tipo não se pode falar em vantagens ou
desvantagens individuais dos Estados, ou da manutenção de um equilíbrio contratual perfeito entre direitos
e deveres. Os grandes ideais que inspiram a Convenção implicam, fruto da vontade comum das Partes, o
fundamento e a medida de todas as suas normas” (TIJ,
Col., 1951, p. 23).
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25 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
que, se ocorrerem, os seus autores não gozem de impunidade. Esse interesse comum
implica que as obrigações em questão são devidas por qualquer Estado parte a todos os
demais Estados parte na Convenção. No seu Acórdão sobre as questões relacionadas com
a Obrigação de Perseguir e Extraditar (Bélgica c. Senegal), o Tribunal observou que as
normas relevantes da Convenção contra a Tortura eram “semelhantes” às da Convenção
do Genocídio. O Tribunal afirmou que aquelas normas criam “obrigações [que] podem
ser definidas como ‘obrigações erga omnes partes’ no sentido em que cada Estado parte
tem um interesse no seu cumprimento em qualquer caso concreto” (Acórdão, TIJ, Col.,
2012 (II), p. 449, par. 68). Consequentemente, qualquer Estado parte na Convenção do
Genocídio, e não apenas o Estado especialmente afetado, pode invocar a responsabilidade
de outro Estado parte tendo em vista apurar o alegado incumprimento das suas obrigações
erga omnes partes, e pôr fim a essas violações.
42. O Tribunal conclui que a Gâmbia tem legitimidade prima facie para lhe submeter a
questão contra Myanmar tendo por base as alegadas violações ao abrigo da Convenção
do Genocídio.”
Questões:
a) Em vários dos excertos apresentados, o Tribunal fala em obrigações erga omnes. Como
as definiria?
b) Quais as normas substantivas que, em cada caso, o Tribunal refere?
c) Recorde agora o artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (que
define normas ius cogens). Normas ius cogens e normas erga omnes são uma e a mesma
coisa?
d) Nos parágrafos 231 e 232 do excerto da declaração de voto do Juiz Cançado Trindade
é feita referência ao papel da AG das Nações Unidas no desenvolvimento, afirmação e
consolidação do princípio da autodeterminação dos povos. Recorde aquilo que estudou a
propósito da evolução histórica sobre este assunto em especial o papel da AG das Nações
Unidas (com mais Estados e mais diversos, consequência da descolonização) no processo
de universalização da sociedade e do direito internacional (em especial, págs. 66 a 74)
e) De acordo com o Juiz Cançado Trindade, qual o papel dos princípios gerais de direito
internacional? E qual a sua importância? A determinada a altura, fala do Positivismo e do
Iusnaturalismo. De que escola de pensamento se parece aproximar?
f) No despacho sobre as medidas provisórias decidido pelo TIJ a propósito da aplicação
da Convenção do Genocídio, desenvolve-se a natureza das normas e a razão de ser da
Convenção. Explicite, identificando excertos concretos daquela decisão e explicando-os,
em que é que a natureza erga omnes partes das normas é reveladora da existência de uma
verdadeira comunidade internacional. Será aquela norma, também, ius cogens?
g) De acordo com a decisão do Tribunal, qual a consequência concreta que resulta do
facto de aquelas normas terem natureza erga omnes partes do ponto de vista da
legitimidade dos Estados, e da Gâmbia em concreto, junto do TIJ?
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26 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Senhor Presidente da Assembleia Geral, Senhor Secretário Geral das Nações Unidas,
Senhoras e Senhores Chefes de Estado e de Governo,
O ano passado, estávamos reunidos em Nova Iorque para a nossa Assembleia Geral e
apelei então a cada um de vós para que tivesse a coragem de construir a paz e para
assumirmos as nossas responsabilidades. Essa coragem, devo dizê-lo, foi mais do que
duramente testada por um choque sanitário, económico, social, securitário, de uma
amplitude sem precedentes, de uma globalidade imediata desde a criação da nossa
Organização, há 75 anos. (…) [E]sta crise, mais do que qualquer outra, impõe a
cooperação, obriga-nos a inventarmos novas soluções internacionais. (…)
Anos de progressos na luta contra as outras doenças infeciosas HIV, o paludismo, a
tuberculose, que pensávamos poder estar a vencer, sofreram atraso, por vezes mais do
que isso. Mais de 37 milhões de pessoas estão, ou voltaram a cair, numa situação de
pobreza extrema. (…)
Perante esta e tantas outras consequências ligadas à pandemia que atingiu o nosso planeta
e que continua a atingir todos os continentes, a fracturação dos nossos meios de ação
coletiva acentuou-se. Numa altura em que única solução só virá da nossa cooperação, as
organizações internacionais de que precisamos tanto, como a Organização Mundial de
Saúde, foram acusadas por uns de complacência e instrumentalizadas por outros. (…)
Mesmo a nossa organização correu o risco da impotência. O Conselho de Segurança das
Nações Unidas, garante da paz e da estabilidade, só muito dificilmente conseguiu chegar
a acordo relativamente a uma trégua humanitária que apoiámos com todas as nossas
forças. Imaginem. Ser tão difícil chegarmos a acordo sobre tão pouco. Mas, como
teríamos desejado, os seus membros permanentes não puderam, em circunstâncias tão
excecionais, reunir, porque dois deles preferiram exibir a sua rivalidade em vez de
preferirem a eficácia coletiva. Todas as fraturas que existiam antes da pandemia, o choque
hegemónico das potências, o questionar do multilateralismo ou a sua instrumentalização,
o espezinhamento do direito internacional, aceleraram e ficaram mais graves em favor da
desestabilização global criada pela pandemia. (…)
É por isso que faço questão em dizer perante esta assembleia as cinco prioridades sobre
as quais a França deseja construir, em primeira linha com os seus parceiros europeus, mas
também com todas as potências de boa vontade, quer dizer, com todos aqueles que
estejam dispostos a comprometer-se com aquelas, as fundações de um novo consenso
contemporâneo que permitirá agir em concreto no mundo, tal como é.
O primeiro princípio, ou o primeiro objetivo, é a luta contra a proliferação das armas
de destruição massiva e contra o terrorismo, que ameaçam mais gravemente a nossa
segurança coletiva. (…)
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27 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Em meu entender, a segunda prioridade dos próximos meses será a construção exigente
da paz e da estabilidade, com respeito pela igualdade soberana dos povos.
A gramática da paz e da estabilidade tem de ser redefinida, porque as linhas alteraram-se
profundamente devido à crise, mas, no fundo, bem antes dela. A retirada dos americanos,
que funcionavam como garantia, em última instância, de um sistema internacional hoje
ultrapassado, a afirmação hegemónica de outras potências devido a esta retirada, a
projeção da China para lá das suas fronteiras, o reforço da soberania europeia – todas
estas tendências de fundo podem levar-nos a repensar as modalidades da nossa ação
coletiva para garantir a paz e a segurança. Os nossos princípios de ação nesta matéria
devem ser claros, e a nossa mão não deve tremer na sua aplicação: o respeito pelos direitos
soberanos dos povos, a consolidação do Estado de Direito e dos seus meios de ação, a
exigência e a responsabilidade para garantir a execução efetiva das decisões tomadas sob
a égide das Nações Unidas. (…)
Em terceiro lugar, temos de proteger os bens que nos são comuns. É uma
responsabilidade de todos, vai além dos nossos interesses nacionais, dos nossos
equilíbrios regionais. Proteger os nossos bens comuns não é contraditório com o exercício
da nossa soberania. Ao contrário, é a única maneira de a preservar realmente, mantendo
o controlo dos nossos destinos. É exatamente o que a crise que atravessamos demonstra,
mais uma vez de modo incontestável.
(…)
O clima e a biodiversidade devem estar, mais do que nunca, no centro da nossa agenda
coletiva. Não nas palavras, mas nos atos. Em dezembro, o acordo de Paris celebra 5 anos,
e já sabemos que os objetivos que nos estabelecemos coletivamente não serão alcançados.
(…)
A Europa irá alcançar nas próximas semanas, e estou nisso empenhado, um acordo para
aumentar o nível da sua ambição para alcançar a neutralidade carbónica em 2050. A
Presidente da Comissão Europeia fixou o objetivo da redução das emissões de gás de
estufa em pelo menos 55% até 2030.
(…)
A quarta prioridade é a construção de uma nova era da globalização. A primeira era da
globalização foi iniciada com as viagens de Cristóvão Colombo e de Magalhães; a [era]
da descoberta. (…) A segunda foi a dos impérios coloniais e da revolução industrial do
século XIX. (…) A terceira, começou em 1989, com a queda do Muro de Berlim, a
abertura das fronteiras, a crença na possibilidade de que a circulação de bens e de pessoas,
e depois a generalização da Internet conduziriam a convergências de interesses, de valores
e de ideias. (…)
Finalmente, o quinto objetivo que aqui quero tentar propor ao nosso coletivo é o respeito
do direito internacional humanitário e dos direitos fundamentais de todos. Para mim,
este objetivo é essencial para a própria sobrevivência da nossa organização. (…)
Assumirmos as nossas responsabilidades no domínio humanitário é, também, mostrar
solidariedade e humanidade no domínio migratório. (…)
Por último, os direitos fundamentais não são uma ideia ocidental a que pudesse objetar-
se como ingerência a todos aqueles que se lhes refere. São princípios da nossa
organização, inscritos em textos que os Estados membros das Nações Unidas consentiram
livremente em assinar e respeitar. (…)
Tudo isto necessita, como método, do estabelecimento de uma cooperação internacional
funcional, assente em regras claras, definidas e respeitadas por todos. O multilateralismo
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28 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
não é apenas um ato de fé, é uma necessidade operacional. Nenhum país conseguirá sair
sozinho destas dificuldades.
A cooperação internacional pode ser difícil, mas é, objetivamente, imperativa.
Por tudo isto, não podemos contentar-nos com um multilateralismo das palavras que só
permite alcançar, no fundo, o maior denominador comum, forma de esconder
divergências profundas atrás de um consenso de fachada. (…) O multilateralismo
contemporâneo deve, também, associar as organizações internacionais, os atores
privados, as empresas, as ONG, os investigadores, os cidadãos, para que cada um
participe nas ações levadas a cabo. Construir-se-á com base em acordos sólidos,
respeitados, verificados entre parceiros de boa fé, em torno de objetivos e de regras claras,
com uma verdadeira responsabilidade e mecanismos de prestação de contas.
b) Rússia, Vladimir Putin, Discurso no debate geral da 75.ª sessão da Assembleia Geral
das Nações Unidas, 22 de setembro de 2020,
http://en.kremlin.ru/events/president/news/64074
Este ano, a comunidade internacional celebra, sem exagero, dois aniversários históricos:
o 75.º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial e o estabelecimento das Nações
Unidas.
Nunca será demais insistir na importância destes dois acontecimentos, interligados para
sempre. Em 1945, o nazismo foi derrotado, a ideologia da agressão e do ódio foi
esmagada, e a experiência e espírito de aliança, assim como a consciência do preço
enorme que foi pago para a paz e a nossa vitória comum, ajudaram a construir a ordem
do pós-guerra. Foi construída com a fundação da Carta das Nações Unidas, que continua
a ser, até hoje, a principal fonte de direito internacional.
Estou convencido de que este aniversário nos impõe a todos recordar os princípios
permanentes da comunicação interestadual, consagrados na Carta das Nações Unidas e
formulados pelos fundadores da nossa Organização universal nos termos mais claros e
sem ambiguidade. Esses princípios incluem a igualdade dos Estados soberanos, a
proibição da interferência nos seus assuntos internos, o direito dos povos a determinarem
o seu próprio futuro, o não recurso à força ou à ameaça da força e a resolução política dos
diferendos. (…)
As alterações contemporâneas produzem efeitos no principal órgão das NU, o Conselho
de Segurança, assim como no debate relativo às abordagens sobre a sua reforma. A nossa
lógica é a de que o Conselho de Segurança deverá integrar mais os interesses de todos os
países, assim como a diversidade das suas posições, basear o seu trabalho no princípio do
consenso o mais amplo possível entre Estados e, ao mesmo tempo, continuar a servir
como pilar da governação global, que só pode ser realizada se os membros permanentes
do Conselho de Segurança conservarem o seu poder de veto.
Este direito das cinco potências nucleares, os vencedores da Segunda Guerra Mundial,
continua até hoje a ser indicativo dos equilíbrios atuais no plano militar e político. Ainda
mais importante, é um instrumento essencial e único que ajuda a evitar ações unilaterais
que podem resultar em confronto militar entre os maiores Estados, e dá a oportunidade
de procurar o compromisso ou, pelo menos, de evitar soluções que seriam completamente
inaceitáveis para outros e de agir no quadro do direito internacional, mais do que no de
uma zona de arbítrio e ilegitimidade, vaga e cinzenta.
Como a prática diplomática mostra, este instrumento funciona realmente, ao contrário da
famigerada Sociedade das Nações de antes da guerra, com as suas discussões infindáveis,
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Questões, Casos e Materiais
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declarações sem mecanismos para uma ação real e com os Estados e povos necessitados
sem terem o direito a assistência e proteção.
(…)
A China é o maior país em desenvolvimento do Mundo, um País que está comprometido
com um desenvolvimento pacífico, aberto, cooperativo e comum. Nunca procuraremos a
hegemonia, expansão ou esferas de influência. Não temos a intenção de ter ou uma Guerra
Fria ou uma guerra quente com qualquer país. Iremos continuar a estreitar as divergências
e a resolver os diferendos com outros através do diálogo e da negociação. Não temos
como objetivo que o desenvolvimento seja apenas nosso ou envolvermo-nos num jogo de
soma zero. Não procuraremos o desenvolvimento atrás de portas fechadas. Antes,
queremos reforçar, com o tempo, um novo paradigma de desenvolvimento, com a
circulação interna como esteio e com a circulação interna e internacional a reforçarem-se
mutuamente. Isto criará mais espaço para o desenvolvimento económico da China e
aumentar o ritmo da recuperação e crescimento económicos globais.
(…)
d) EUA, Donald Trump, Discurso no debate geral da 75ª Sessão da Assembleia Geral
das Nações Unidas, 22 de setembro de 2020, https://www.whitehouse.gov/briefings-
statements/remarks-president-trump-75th-session-united-nations-general-assembly/
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30 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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humano. Mais tarde, afirmaram falsamente que pessoas sem sintomas não espalhariam a
doença.
As Nações Unidas têm de responsabilizar a China pelas suas ações.
(…)
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31 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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seja reforçado para tornar o Conselho mais legítimo, efetivo e representativo. África tem
de estar representada nas categorias de membro, permanentes e não permanente, de um
Conselho de Segurança reformado e alargado, para corrigir a injustiça histórica para com
este continente relativamente à sua sub-representação no Conselho de Segurança. O que
é necessário é um Conselho de Segurança das NU representativo, para nos ajudar a
restaurar a confiança na cooperação internacional e na governança global – mais do que
nunca urgente nestes tempos desafiantes.
9. O G4 continuará a trabalhar com outros países e grupos a favor da reforma e procurará
iniciar sem demoras um texto que possa servir de base para negociações. Os Ministros
exprimiram a sua determinação em alcançar resultados concretos durante a 75ª Sessão da
Assembleia Geral (…).
Questões:
a) Em vários dos documentos apresentados são feitas referências históricas, não apenas
relacionadas com o surgimento das Nações Unidas, mas também antes e depois do seu
surgimento. Identifique essas referências, contextualize à luz do estudado sobre a
evolução histórica da sociedade e do direito internacional. Procure explicar o porquê
dessas referências, hoje.
b) O Presidente de França, ao longo do seu discurso, e de modos diferentes, defende uma
certa visão de multilateralismo (e nem sempre necessariamente universal), afirmando
mesmo a determinada altura que “o multilateralismo não é um ato de fé”. Procure
identificar algumas das características do multilateralismo defendido por Macron.
c) O Presidente da Rússia defende, expressamente, o direito de veto (da Rússia) no
Conselho e critica a Sociedade das Nações. Relacione estas questões à luz do estudado
sobre a evolução histórica.
d) O Presidente dos EUA diz no seu discurso que as Nações Unidas devem
responsabilizar a China. De um ponto de vista jurídico, esta afirmação equivale a
qualificar o comportamento da China de que forma?
e) Os Ministros do G4 declaram ir promover negociações que resultem já em alteração
“do texto”. De que texto?
Nota: A 17 de julho de 2014, o voo MH17 (linhas aéreas da Malásia) que fazia a ligação Amesterdão-Kuala
Lumpur despenhou-se no território oriental da Ucrânia, na altura envolvido num conflito armado. Morreram
298 pessoas de várias nacionalidades.
Desde então, foram desencadeadas várias investigações (por parte da Holanda, de painéis independentes de
especialistas de aviação, ou por parte de uma equipa criminal internacional da Austrália, Bélgica, Malásia,
Holanda e Ucrânia) que, em geral, foram concluindo o seguinte: o avião despenhou-se depois de ter sido
atingido por um míssil de produção russa, o míssil tinha sido transportado para aquele território ucraniano
a partir da Rússia, pertencia a uma brigada russa e foi disparado por separatistas russos. Na verdade, em
resultado daquela investigação criminal conjunta, foram emitidos mandados de captura internacional e, na
Holanda, em março deste ano, iniciou-se o julgamento de 4 indivíduos in absentia.
A Rússia tem, de modo sistemático, negado qualquer envolvimento naquele incidente. Aliás, em julho de
2015, a Rússia vetou no Conselho de Segurança uma resolução que instituía um tribunal internacional para
determinar a responsabilidade por aquele incidente (Angola, China e Venezuela abstiveram-se).
Vários familiares das vítimas já apresentaram queixas individuais junto do TEDH contra a Rússia.
Por outro lado, calcula-se que existam pendentes no TEDH cerca de 7.000 queixas individuais relacionadas
com o conflito territorial Ucrânia–Rússia. Assinale-se, finalmente, que há várias queixas interestaduais (5)
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32 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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em análise a propósito daquele conflito. Recorde-se que o artigo 33 da Convenção Europeia dos Direitos
Humanos (CEDH), sob a epígrafe Assuntos interestaduais, estabelece: “Qualquer Alta Parte Contratante
pode submeter ao Tribunal qualquer violação das disposições da Convenção e dos seus protocolos que creia
poder ser imputada a outra Alta Parte Contratante.”
“Hoje, o Governo holandês decidiu apresentar uma queixa contra a Rússia no Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos pelo seu papel na queda do Voo MH17. Ao submeter uma
queixa interestadual, o governo partilha com o TEDH toda a informação disponível e
relevante sobre a queda do Voo MH17. O conteúdo da queixa interestadual será também
incorporado na intervenção da Holanda nas queixas individuais submetidas pelos
familiares das vítimas contra a Rússia junto do TEDH. Ao tomar esta decisão, a Holanda
está a apoiar de modo total estas queixas individuais.
Além disso, ao submeter esta queixa interestadual, a Holanda atua em nome de todas as
298 vítimas do MH17, de 17 nacionalidades diferentes, e dos seus familiares.
‘Alcançar justiça para as 298 vítimas do abate do Voo MH17 é, e continuará a ser, a
principal prioridade do governo’, disse o Ministro dos Negócios Estrangeiros Stef Blok.
‘Ao darmos este passo hoje – submeter o caso ao TEDH e, desse modo, apoiar o máximo
que nos é possível as queixas dos familiares – estamos a aproximar-nos desse objetivo’.
O Conselho de Segurança também será notificado desta decisão.
O Governo considera importante a continuação dos encontros com a Rússia a propósito
da responsabilidade do Estado. O objetivo destes encontros é encontrar uma solução que
faça justiça considerando o imenso sofrimento e danos causados pela queda do Voo
MH17.
Quase seis anos desde a queda do Voo MH17, no qual morreram todas as 298 pessoas a
bordo, a procura da verdade, da justiça e da responsabilização continua a ser a principal
prioridade do Governo Holandês. O Governo sempre afirmou não descartar qualquer
meio jurídico para atingir este objetivo. Esta última decisão é um passo que nos aproxima
deste objetivo.
Questões:
a) O que pretende a Holanda com a apresentação desta queixa contra a Rússia junto do
TEDH?
b) No comunicado do governo holandês é sublinhado em vários momentos que aquela
decisão tem também como objetivo reforçar a posição dos familiares das vítimas. Onde
encontra essas referências no texto? Enquadre essas mesmas referências à luz do estudado
a propósito das atuais tendências de evolução do DI.
c) Identifique, para além da decisão de submeter a referida queixa contra a Rússia, que
outras tentativas de “responsabilização” foram ou estão a ser desenvolvidas? Com o
envolvimento de que atores? Trata-se de tentativas unilaterais, bilaterais ou multilaterais?
O que nos revela a diferente “natureza” daquelas medidas sobre a sociedade internacional
contemporânea?
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33 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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d) Como resulta dos dados apresentados, a queda daquele avião ocorre em território
ucraniano e, de acordo com o alegado pela Holanda, o míssil também terá sido lançado a
partir daquele território. No entanto, a queixa é apresentada contra a Rússia. Esta decisão
parece coerente com a posição da Holanda a propósito do conflito que ocorre na zona
oriental da Ucrânia entre o governo central e alguns grupos armados separatistas russos.
De um ponto de vista jurídico, a própria questão da jurisdição do Tribunal é complexa
(jurisdição extraterritorial). Mas não apenas a questão jurídica; a questão factual é
especialmente sensível: o Tribunal terá de avaliar se a Rússia terá agido (direta ou
indiretamente) a partir de um território que não era seu, isto é, se a Rússia, de alguma
forma, atua naquela zona de conflito. Procure compreender como esta questão é, assim,
reveladora da garantia do DI num contexto social e político concreto, das relações do DI
com a política internacional e a complexidade contemporânea da sociedade e do direito
internacional atendendo ao desenvolvimento de múltiplos regimes jurídicos e
mecanismos (não apenas jurisdicionais) de garantia e implementação do direito.
O Governo da Rússia apresentou uma queixa junto do Tribunal Europeu dos Direitos
humanos contra a Ucrânia.
De acordo com o que é alegado pelo Governo Russo, o caso contende com uma prática
administrativa da Ucrânia de, entre outras coisas, assassinos, raptos, deslocações
forçadas, interferências com o direito de voto, restrições quanto à utilização da língua
Russa e ataques às Embaixadas e consulados Russos.
A queixa também abrange o alegado corte de fornecimento de água no canal do Norte da
Crimea e alega que a Ucrânia foi responsável pelas mortes daqueles a bordo do Voo da
Companhia Aérea a Malásia MH17 por não ter fechado o seu espaço aéreo.
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34 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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3. A lei 2010 – 1192 da República Francesa, que proíbe a ocultação do rosto no espaço
público, de 11 de outubro de 2010
a) TEDH, Caso S.A.S. c. França, queixa n.º 43835/11, Acórdão, Tribunal Pleno, 1
de julho de 2014
In http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-145466
155. (…) [A] França goza de uma ampla margem de apreciação no caso em análise.
156. Isto é particularmente verdade uma vez que não há um entendimento comum entre
os Estados membros do Conselho da Europa (…) relativamente à questão da utilização
em público de um véu que oculte completamente o rosto. Assim, o Tribunal observa que,
ao contrário do alegado por uma terceira parte interveniente (…) não existe um qualquer
consenso europeu relativo a uma proibição. Reconhecidamente, de um ponto de vista
estritamente normativo, a posição da França é claramente minoritária na Europa; à
exceção da Bélgica, nenhum outro Estado membro do Conselho da Europa optou, à data,
por aquela medida. Todavia, deve observar-se que a questão da utilização em público de
um véu que oculte na totalidade a face é ou foi objeto de debate em vários Estados
europeus. Nalguns foi decidido não optar por uma proibição total. Noutros, aquela
proibição está ainda em análise (…). Deve acrescentar-se que, com toda a probabilidade,
a questão da utilização em público de um véu que oculte na totalidade a face não é
simplesmente um assunto num certo número de Estados em que essa prática é pouco
comum. Pode, portanto, dizer-se que na Europa não existe um consenso quanto à
proibição total, ou não, da utilização em espaços públicos de um véu que oculte a face na
totalidade.
157. Consequentemente, considerando em especial a ampla margem de apreciação detida
pelo Estado respondente no caso em análise, o Tribunal considera que a proibição imposta
pela Lei de 11 de outubro de 2010 pode ser considerada proporcional ao objetivo
prosseguido, nomeadamente a preservação das condições da “convivência” como
elemento de “proteção dos direitos e liberdades dos outros”.
158. A limitação impugnada pode assim ser considerada como “necessária numa
sociedade democrática”. Esta conclusão é verdadeira em relação ao respeito quer pelo
artigo 8, quer pelo artigo 9 da Convenção.
159. Nestes termos, não existiu qualquer violação quer do Artigo 8, quer do artigo 9 da
Convenção.
b) Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Sonia Yaker c. França,
comunicação n.º 2747/2016, Decisão adotada ao abrigo do artigo 5 (4) do
Protocolo Facultativo, 17 de julho de 2018
ou da razão pela qual esteja a ser utilizada e que a Lei não trata, de modo específico,
vestuário religioso. (…)
8.3. O Comité recorda o seu Comentário Geral n.º 22, em que afirma que a liberdade de
manifestar a religião ou convicção pode ser exercida, quer individualmente, quer na
comunidade com outros, e em público ou em privado. A observância e prática da religião
ou convicção pode incluir não apenas atos cerimoniais, mas também costumes, como a
utilização de vestuário distintivo ou véus na cabeça. A alegação da queixosa de que a
utilização de um véu completo é costume para uma parte dos crentes Muçulmanos e que
equivale à concretização de um rito e prática religiosa não está aqui em causa. Não está
também em causa que a Lei n.º 2010-1192, que proíbe peças de vestuário que ocultem a
face em público, é aplicável ao niqab utilizado pela queixosa (…). Nesses termos, o
Comité considera que a proibição introduzida por aquela lei constitui uma restrição ou
limitação do direito da queixosa de manifestar a sua convicção ou religião – ao usar o
niqab – no sentido do artigo 18 (1) da Convenção.
8.4. Assim sendo, o Comité tem de determinar se a restrição é autorizada pelo artigo 18,
n.º 3, do Pacto [Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966]. O Comité recorda
que o artigo 18, n.º 3, apenas permite restrições a liberdade de manifestar uma religião ou
uma convicção se as limitações estiverem previstas na lei e se forem necessárias à
proteção de segurança, da ordem e da saúde públicas ou da moral e das liberdades e
direitos fundamentais de outrem. O Comité recorda também que o n.º 3 do artigo 18 deve
ser interpretado de modo restritivo: não são permitidas restrições por razões que não
sejam aquelas que são especificadas, mesmo que permitam restrições a outros direitos
protegidos na Convenção, como a segurança nacional. (…)
8.5. (…) Assim, o Comité tem de avaliar se a restrição, que é prescrita por lei, prossegue
um objetivo legitimo, se é necessária para alcançar aquele objetivo e se é proporcional e
não discriminatória.
8.6. O Comité toma nota de que o Estado parte indicou que a Lei pretende prosseguir dois
objetivos, nomeadamente a proteção da ordem e segurança públicas, e a proteção dos
direitos e liberdades de outrem.
8.7. Relativamente à proteção da ordem e segurança públicas, o Estado parte alega que
deve ser possível identificar todos os indivíduos, quando necessário, para evitar ameaças
à segurança de pessoas ou bens e para combater a fraude de identidade. (…)
8.8. Mesmo que o Estado parte pudesse demonstrar a existência de uma ameaça específica
e significativa à segurança e ordem, falhou em demonstrar que a proibição contida na Lei
n.º 2010-1192 é proporcional ao objetivo, à luz do impacto considerável na queixosa
como mulher que utiliza um véu que oculta completamente o rosto. Nem procurou
demonstrar que a proibição era a forma menos restritiva necessária para garantir a
proteção da liberdade de religião ou de consciência. (…)
8.9. Relativamente ao segundo objetivo apresentado pelo Estado parte, entendido como a
proteção de direitos e liberdades fundamentais de outrem no sentido do artigo 18, n.º 3, o
Comité regista o argumento apresentado pelo Estado parte baseado no conceito de
‘convivência’ ou respeito por um mínimo de requisitos da vida em sociedade, sendo os
espaços públicos o local principal onde a vida social acontece e as pessoas estão em
contacto entre si. De acordo com o Estado parte, mostrar o rosto é sinal da predisposição
da pessoa em ser identificada como um indivíduo pela outra parte e não uma ocultação
‘desigual’, sendo isto ‘o grau mínimo de confiança que é essencial para a convivência
numa sociedade igualitária e aberta’. (…)
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36 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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8.10. Contudo, o Comité observa que a proteção dos direitos e liberdades fundamentais
de outrem exige a identificação dos direitos fundamentais específicos que são afetados e
as pessoas que são afetadas. As exceções do artigo 18, n.º 3, devem ser interpretadas
restritivamente e não aplicadas em abstrato. No caso em análise, o Comité observa que o
conceito de ‘convivência’ é muito vago e abstrato. (…)
8.11. Mesmo assumindo que o conceito de convivência pudesse ser considerado como
um “objetivo legítimo” no sentido do artigo 18, n.º 3, o Comité observa que o Estado
parte não demonstrou que a proibição criminal de certos meios de ocultar a face em
público, que constituem uma restrição significativa dos direitos e liberdades da queixosa
como mulher muçulmana que usa o véu que oculta completamente a face, é proporcional
a esse objetivo ou que é o meio menos restritivo no que diz respeito à proteção da religião
ou crença.
8.12. À luz do anteriormente analisado, o Tribunal considera que o Estado parte não
demonstrou que a limitação à liberdade de religião ou convicção da queixosa, expressa
na utilização do niqab, era necessária e proporcional no sentido do artigo 18, nº 3, do
Pacto. Assim, o Comité conclui que a proibição introduzida pela Lei n.º 2010-1192 e a
condenação da queixosa pela utilização do niqab violaram os direitos da queixosa ao
abrigo do artigo 18 do Pacto.
Questões:
Nota: Em 2016, foi apresentada uma queixa ao Comité dos Direitos Humanos contra o Paraguai por duas
famílias de agricultores que foram vítimas de envenenamento por elevadas quantidades de pesticidas e
inseticidas utilizados por explorações industriais vizinhas. Embora existisse legislação ao nível interno que
proibia esta conduta, nenhuma medida foi tomada pelo Estado para a fazer cumprir. Um membro da família
Portillo Cáceres morreu, em consequência do dito envenenamento, e outros familiares foram
hospitalizados. Além disso, as famílias sofreram perdas de árvores de fruto, a morte de vários animais da
36
37 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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quinta e graves danos nas suas culturas e propriedade. Os autores alegaram que o Estado não cumpriu o seu
dever de proporcionar proteção, na medida em que não exerceu a devida diligência as obrigações a que
estava vinculado.
“7.2 O Comité toma nota da alegação feita pelos autores de que os acontecimentos neste
caso constituem uma violação por omissão do artigo 6 do Pacto [direito à vida], tanto em
relação ao Sr. Portillo Cáceres, que morreu enquanto apresentava sintomas de
envenenamento por pesticidas, como em relação aos próprios autores, devido à violação
do Estado parte do seu dever de proteção. (...)
7.3 (...) Os Estados parte devem tomar todas as medidas apropriadas para enfrentar as
condições gerais da sociedade que possam dar origem a ameaças ao direito à vida ou
impedir os indivíduos de gozar o seu direito à vida com dignidade e estas condições
incluem a poluição ambiental. (...)
7.4 O Comité assinala a evolução de outros tribunais internacionais que reconheceram a
existência de uma ligação inegável entre a proteção do ambiente e a realização dos
direitos humanos e que estabeleceram que a degradação ambiental pode afetar
negativamente o gozo efetivo do direito à vida. Por conseguinte, a degradação ambiental
grave já deu origem ao reconhecimento da violação do direito à vida. (...)
7.8 (...) Quando a poluição tem repercussões diretas no direito à vida privada e familiar e
ao lar, e as consequências adversas dessa poluição são graves devido à sua intensidade ou
duração e aos danos físicos ou mentais que provoca, então a degradação do ambiente pode
afetar negativamente o bem-estar dos indivíduos e constituir violações da vida privada e
familiar e do lar. Consequentemente, à luz das informações que tem perante si, o Comité
conclui que os acontecimentos em causa no presente caso revelam uma violação do artigo
17 do Pacto [proteção da vida privada e familiar]. (...)
8. O Comité dos Direitos Humanos, atuando ao abrigo do artigo 5, n.º 4, do Protocolo
Facultativo, é de opinião que a informação que tem perante si revela uma violação pelo
Estado parte dos artigos 6 e 17 do Pacto, lidos isoladamente e em conjunto com o artigo
2, n.º 3.
9. Em conformidade com o artigo 2, n.º 3, al. a), do Pacto, o Estado parte tem a obrigação
de proporcionar aos autores um recurso efetivo, o que implica a reparação integral às
pessoas cujos direitos tenham sido violados. O Estado parte deve, por conseguinte: (a)
proceder a uma investigação eficaz e completa dos acontecimentos em questão; (b) impor
sanções penais e administrativas a todas as partes responsáveis pelos acontecimentos no
presente caso; (c) reparar integralmente, incluindo uma indemnização adequada, os
autores pelos danos sofridos. O Estado parte tem igualmente a obrigação de tomar
medidas para evitar violações semelhantes no futuro.
10. Tendo em conta que, ao tornar-se parte do Protocolo Facultativo, o Estado parte
reconheceu a competência do Comité para determinar se houve ou não violação do Pacto
e que, nos termos do artigo 2 do Pacto, o Estado parte se comprometeu a assegurar a todos
os indivíduos dentro do seu território ou sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos
no Pacto e a proporcionar uma solução eficaz e juridicamente executória quando uma
violação tiver sido estabelecida, o Comité deseja receber informações do Estado parte no
prazo de 180 dias sobre as medidas tomadas para dar efeito ao parecer do Comité. (...)”
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38 Direito Internacional Público
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Questões:
In: https://hudoc.echr.coe.int/rus#{"itemid":["001-198760"]}
Nota: Dois nacionais do Bangladesh atravessaram a Grécia, a antiga República Jugoslava da Macedónia e
a Sérvia até chegarem à Hungria. Requereram asilo junto das autoridades competentes húngaras e foram
detidos por 23 dias. Os queixosos reagiram contra as condições de detenção a que tinham sido expostos na
zona de trânsito de Röszke alegando, a esse respeito, a violação dos artigos 3 (proibição da tortura,
tratamento cruel, desumano ou degradante), 5 n.ºs 1 e 4 (direito à liberdade e segurança) e 13 (direito a um
recurso efetivo) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos por parte do Estado húngaro. Em 2017, o
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39 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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TEDH apreciou caso pela primeira vez e decidiu que as autoridades húngaras violaram os direitos dos
queixosos ao decidirem privá-los da sua liberdade na zona de trânsito. De acordo com esta decisão, a
possibilidade dos requerentes de asilo de retornarem à Sérvia, voluntariamente, não significava que
beneficiassem aí de proteção comparável à do país onde requereram asilo e, por isso, a violação do princípio
do non-refoulement não se podia excluir. Dois anos mais tarde, em 2019, no caso de Ilias e Ahmed a questão
voltou a ser analisada pelo tribunal.
Desta vez, o tribunal, em sentido diverso da posição adotada em 2017 e com base numa abordagem “prática
e realista” considerou que as autoridades húngaras não violaram o artigo 5 (proteção contra a detenção
arbitrária) e recusou ligação deste artigo com o artigo 3º (proibição da tortura e dos tratamentos desumanos)
da CEDH.
“212. A fim de determinar se alguém foi "privado da sua liberdade" na aceção do artigo
5º, o ponto de partida deve ser a sua situação real específica e deve ser tido em conta todo
um conjunto de fatores, tais como o tipo, duração, efeitos e forma de implementação da
medida em questão. A diferença entre privação e restrição de liberdade é de grau ou
intensidade, e não de natureza ou substância. (...)
213. O Tribunal considera que ao estabelecer a distinção entre restrição à liberdade de
circulação e privação de liberdade no contexto da situação dos requerentes de asilo, a sua
abordagem deve ser prática e realista, tendo em conta as condições e desafios atuais. É
importante, em particular, reconhecer o direito dos Estados, sujeitos às suas obrigações
internacionais, de controlar as suas fronteiras e de tomar medidas contra os estrangeiros
que contornem as restrições à imigração. (...)
233. O Tribunal tem em conta, por outro lado, que enquanto aguardavam as medidas
processuais tornadas necessárias pelo seu pedido de asilo, os requerentes viviam em
condições que, embora implicando uma restrição significativa à sua liberdade de
circulação, não limitavam a sua liberdade desnecessariamente ou numa medida ou de uma
forma não relacionada com o exame dos seus pedidos de asilo. O Tribunal recorda
igualmente que indeferiu a queixa dos requerentes de que estas condições eram
desumanas e degradantes (...). Finalmente, os requerentes passaram apenas vinte e três
dias na zona, um período que - como o Tribunal considerou - não excedeu o estritamente
necessário para verificar se o desejo dos requerentes de entrar na Hungria para aí procurar
asilo podia ser concedido.
234. A questão que resta é a de saber se os requerentes podiam deixar a zona de trânsito
numa direção que não o território da Hungria.” (...)
“41. No presente caso (...), era praticamente possível aos candidatos caminharem até à
fronteira e atravessarem para a Sérvia, um país vinculado pela Convenção de Genebra
relativa ao Estatuto dos Refugiados (...).”
Questões:
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40 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1. Jurisdições Internacionais
Tendo de aplicar o direito interno assim que as circunstâncias o exijam, o Tribunal, que
é uma jurisdição de direito internacional, e que, nessa qualidade, é pressuposto conhecer
esse direito, não está obrigada a conhecer igualmente as leis nacionais dos diferentes
países. Tudo o que se pode admitir a este respeito, é que poderá estar eventualmente
obrigado a procurar conhecer o direito interno que tem de ser aplicado. E isto deve fazê-
lo, quer através das provas apresentadas pelas Partes, quer através das pesquisas que o
Tribunal entenda conveniente fazer ou mandar fazer.
Uma vez que o Tribunal tenha chegado à conclusão de que é necessário aplicar o direito
interno de um determinado país, não parecem haver dúvidas de que deve procurar aplicá-
lo como seria aplicado nesse país. Não estaria a aplicar o direito interno de um país se o
fosse aplicar de uma maneira diferente daquela que é aplicada no país no qual está em
vigor.
Daqui decorre que o Tribunal deve prestar uma grande atenção às decisões dos tribunais
internos de um país, pois é com a ajuda da sua jurisprudência que será capaz de decidir
quais são as regras que, efetivamente, são aplicadas no país cujo direito é reconhecido
como aplicável num determinado caso. Se o Tribunal fosse obrigado a não considerar as
decisões de tribunais internos, o resultado seria o de que poderia em certas circunstâncias
aplicar regras que não as efetivamente aplicáveis; isto pareceria contrário à própria ideia
em que se funda a aplicação do direito interno.
1.2. TIJ, Caso Barcelona Traction, Light and Power Company, Bélgica c. Espanha, 5
de fevereiro de 1970, Col. 1970
https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/50/050-19700205-JUD-01-00-BI.pdf
37. Ao procurar determinar o direito aplicável a este caso, o Tribunal tem de ter em conta
a evolução contínua do direito internacional. A proteção diplomática lida com uma área
particularmente sensível das relações internacionais, uma vez que o interesse de um
Estado estrangeiro na proteção dos seus nacionais colide com os direitos do soberano
territorial, um facto que o regime aplicável a essa questão deve tomar em consideração
para evitar abusos e atritos. Estreitamente ligada desde a sua génese ao comércio
internacional, a proteção diplomática foi particularmente afetada pelo crescimento das
relações económicas internacionais, e ao mesmo tempo pela profunda transformação que
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41 Direito Internacional Público
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ocorreu na vida económica das nações. Estas últimas mudanças deram origem a
instituições internas, que transcenderam fronteiras e começaram a exercer uma influência
considerável nas relações internacionais. Um desses fenómenos, especialmente relevante
no presente caso, é o das sociedades anónimas.
38. Neste domínio o direito internacional é chamado a reconhecer as instituições de
direito interno que desempenham um papel importante e abrangente no plano
internacional. Isto não implica necessariamente traçar qualquer analogia entre as suas
instituições e aqueloutras de direito interno, nem equivale a tornar as regras de direito
internacional dependentes de categorias de direito interno. O que significa é que o direito
internacional teve de reconhecer a sociedade anónima como uma instituição criada por
Estados num domínio que está essencialmente dentro da sua jurisdição interna. Isto por
seu turno exige que, sempre que se levantem questões jurídicas respeitantes aos direitos
dos Estados relativos ao tratamento de sociedades e acionistas, direitos em relação aos
quais o direito internacional não tem regras próprias, tem de remeter para as regras
pertinentes de direito interno. Consequentemente, tendo em vista a relevância para o
presente caso dos direitos da sociedade anónima e dos seus acionistas de acordo com o
direito interno, o Tribunal deve examinar a sua natureza e a sua inter-relação.
[…]
50. Regressando agora aos aspetos internacionais do caso, o Tribunal deve, como já foi
referido, começar pelo facto de que o presente caso envolve essencialmente fatores que
decorrem do direito interno – o que distingue e o que há de comum entre a sociedade e o
acionista – que cada uma das Partes, por muito que a sua interpretação possa ser diferente,
adotam como ponto de partida da sua argumentação. Se o Tribunal fosse decidir o caso
sem atender às instituições aplicáveis de direito interno iria, sem justificação, enfrentar
graves problemas jurídicos. Perderia contato com a realidade, uma vez que não há
instituições correspondentes de direito internacional às quais o Tribunal possa recorrer.
Assim, o Tribunal tem que, como referido, não apenas tomar em consideração o direito
interno, mas ainda de referir-se a ele. […]
57. O Tribunal deve, então, concluir que os Estados Unidos estão vinculados a respeitar
a obrigação de haver recurso a arbitragem nos termos do artigo 21 do Acordo de Sede. A
questão que permanece, contudo, como o Tribunal já referiu, é que os Estados Unidos
declararam (carta do Representante Permanente, de 11 de março de 1988) que as suas
medidas contra a Missão de Observador da OLP foram adotadas “independentemente de
quaisquer obrigações que os Estados Unidos podem ter segundo o Acordo [de Sede]”. Se
fosse necessário interpretar essa declaração como pretendendo referir-se não apenas às
obrigações substantivas previstas, por exemplo, nos artigos 11, 12 e 13, mas também à
obrigação de arbitragem referida no artigo 21, esta conclusão continuaria intacta. Seria
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42 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) Qual a ideia em que se funda a aplicação do direito interno tal como explanada no
primeiro excerto pelo Tribunal Internacional de Justiça?
b) De acordo com o segundo excerto a aplicação de regras de direito interno implica uma
subordinação do direito internacional àquele?
c) No último excerto, o Tribunal Internacional de Justiça refere-se à prevalência de que
tipo de normas internacionais sobre o direito interno (neste caso) dos Estados Unidos?
[…]
278. A título preliminar, há que julgar improcedente a questão prévia de inadmissibilidade
suscitada pelo Reino Unido quanto à argumentação invocada por Y. A. Kadi na réplica,
segundo a qual a legalidade de toda e qualquer regulamentação adotada pelas instituições
comunitárias, incluindo a destinada a implementar uma resolução do Conselho de
Segurança, está integralmente sujeita, por força do direito comunitário, à fiscalização do
Tribunal de Justiça, independentemente da sua origem.
279. Com efeito, como alega Y. A. Kadi, trata-se de um argumento suplementar que
constitui a ampliação do fundamento, anteriormente enunciado, pelo menos de forma
implícita, no âmbito do presente recurso, e que tem uma relação estreita com esse
fundamento, segundo o qual a Comunidade era obrigada, ao implementar uma resolução
do Conselho de Segurança, a garantir, enquanto requisito da legalidade da legislação que
pretendia desse modo instaurar, que esta respeitasse os critérios mínimos em matéria de
Direitos do Homem (v., neste sentido, nomeadamente, despacho de 13 de Novembro de
2001, Dürbeck/Comissão, C-430/00 P, Colect., p. I-8547, n.º 17).
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43 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
280. Há que examinar as críticas através das quais os recorrentes acusam o Tribunal de
Primeira Instância de ter declarado, em substância, que decorre dos princípios que
regulam a articulação das relações entre o ordenamento jurídico internacional emanado
das Nações Unidas e o ordenamento jurídico comunitário que o regulamento
controvertido, uma vez que se destina a implementar uma resolução, adotada pelo
Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que não
deixa margem alguma para o efeito, não pode ser objeto de fiscalização jurisdicional
quanto à sua legalidade interna, salvo no que diz respeito à sua compatibilidade com as
normas do jus cogens, e beneficia, portanto, nessa medida, de imunidade de jurisdição.
281. A este respeito, há que recordar que a Comunidade é uma comunidade de direito, no
sentido de que nem os seus Estados-Membros nem as suas instituições escapam ao
controlo da conformidade dos seus atos com a carta constitucional de base que é o Tratado
CE, e que este estabelece um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos
destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos atos das
instituições (acórdão de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p.
1339, n.º 23).
282. Recorde-se igualmente que um acordo internacional não pode pôr em causa a ordem
das competências estabelecida pelos Tratados e, portanto, a autonomia do sistema jurídico
comunitário, cuja observância é assegurada pelo Tribunal de Justiça no exercício da
competência exclusiva que lhe é conferida pelo artigo 220.º CE, competência esta que o
Tribunal de Justiça já considerou, aliás, como um dos fundamentos da própria
Comunidade (v., neste sentido, parecer 1/91, de 14 de Dezembro de 1991, Colect., p. I-
6079, n.ºs 35 e 71, e acórdão de 30 de Maio de 2006, Comissão/Irlanda, C-459/03,
Colect., p. I-4635, n.º 123 e jurisprudência aí citada).
283. Além disso, segundo jurisprudência constante, os direitos fundamentais fazem parte
integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de
Justiça. Para este efeito, o Tribunal inspira-se nas tradições constitucionais comuns aos
Estados-Membros e nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos
à proteção dos Direitos do Homem, em que os Estados-Membros colaboraram ou a que
aderiram. A CEDH reveste, neste contexto, um significado particular (v., nomeadamente,
acórdão de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e
o., C-305/05, Colect., p. I-5305, n.º 29 e jurisprudência aí citada).
284. Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o respeito dos
Direitos do Homem é um requisito da legalidade dos atos comunitários (parecer 2/94, já
referido, n.º 34) e que na Comunidade não se podem admitir medidas incompatíveis com
o respeito desses direitos (acórdão de 12 de junho de 2003, Schmidberger, C-112/00,
Colect., p. I-5659, n.º 73 e jurisprudência aí citada).
285. Decorre de todos estes elementos que as obrigações impostas por um acordo
internacional não podem ter por efeito a violação dos princípios constitucionais do
Tratado CE, entre os quais figura o princípio segundo o qual todos os atos comunitários
devem respeitar os direitos fundamentais, constituindo este respeito um requisito da sua
legalidade que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar no âmbito do sistema completo
de vias de recurso estabelecido pelo mesmo Tratado.
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44 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
286. A este respeito, importa salientar que, num contexto como o do caso vertente, a
fiscalização da legalidade que deve, assim, ser assegurada pelo juiz comunitário tem por
objeto o ato comunitário destinado a implementar o acordo internacional em causa, e não
este último enquanto tal.
287. Tratando-se, mais especificamente, de um ato comunitário que, como o regulamento
controvertido, se destina a implementar uma resolução do Conselho de Segurança adotada
ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, não compete portanto ao juiz
comunitário, no âmbito da competência exclusiva prevista no artigo 220.º CE, fiscalizar
a legalidade de tal resolução adotada por esse órgão internacional, ainda que essa
fiscalização se limitasse ao exame da compatibilidade dessa resolução com o jus cogens.
288. Por outro lado, um eventual acórdão de uma jurisdição comunitária no qual fosse
decidido que um ato comunitário destinado a implementar tal resolução é contrário a uma
norma hierarquicamente superior do ordenamento jurídico comunitário não implicaria
pôr em causa a prevalência dessa resolução no plano do direito internacional.
289. Assim, o Tribunal de Justiça já anulou uma decisão do Conselho que aprovou um
acordo internacional, depois de ter examinado a sua legalidade interna à luz do acordo
em causa e de ter concluído pela violação de um princípio geral de direito comunitário,
no caso concreto, o princípio geral da não discriminação (acórdão de 10 de março de
1998, Alemanha/Conselho, C-122/95, Colect., p. I-973).
290. Por conseguinte, há que examinar se, como decidiu o Tribunal de Primeira Instância,
os princípios que regulam a articulação das relações entre o ordenamento jurídico
internacional emanado das Nações Unidas e o ordenamento jurídico comunitário
implicam que a fiscalização jurisdicional da legalidade interna do regulamento
controvertido à luz dos direitos fundamentais esteja, em princípio, excluída, não obstante
o fato de, como resulta da jurisprudência recordada nos n.ºs 281 a 284 do presente
acórdão, essa fiscalização constituir uma garantia constitucional de base da Comunidade.
291. A este respeito, há que começar por recordar que as competências da Comunidade
devem ser exercidas com observância do direito internacional (acórdãos, já referidos,
Poulsen e Diva Navigation, n.º 9, e Racke, n.º 45), tendo o Tribunal de Justiça salientado,
além disso, no mesmo número do primeiro desses acórdãos, que um ato adotado ao abrigo
dessas competências deve ser interpretado, e o respetivo âmbito de aplicação circunscrito,
à luz das regras pertinentes do direito internacional.
292. Acresce que o Tribunal de Justiça considerou que as competências da Comunidade
previstas nos artigos 177.º CE a 181.º CE em matéria de cooperação e de desenvolvimento
devem ser exercidas com observância dos compromissos assumidos no âmbito das
Nações Unidas e das outras organizações internacionais (acórdão de 20 de maio de 2008,
Comissão/Conselho, C-91/05, Colect., p. I-3651, n.º 65 e jurisprudência aí citada).
293. A observância dos compromissos assumidos no âmbito das Nações Unidas impõe-
se igualmente no domínio da manutenção da paz e da segurança internacionais, quando a
Comunidade implementa, através da adoção de atos comunitários com base nos artigos
60.º CE e 301.º CE, resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança ao abrigo do
capítulo VII da Carta das Nações Unidas.
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45 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
294. No exercício desta última competência, a Comunidade deve, com efeito, atribuir
uma importância especial ao facto de, em conformidade com o artigo 24.º da Carta das
Nações Unidas, a adoção, pelo Conselho de Segurança, de resoluções ao abrigo do
capítulo VII desse diploma constituir o exercício da responsabilidade principal de que
esse órgão internacional está investido para manter a paz e a segurança, à escala mundial,
responsabilidade que, no âmbito do referido capítulo VII, inclui o poder de determinar o
que constitui uma ameaça à paz e à segurança internacionais, bem como de tomar as
medidas necessárias para as manter ou restabelecer.
295. Em seguida, há que referir que as competências previstas nos artigos 60.º CE e 301.º
CE só podem ser exercidas na sequência da adoção de uma posição comum, ou de uma
ação comum nos termos das disposições do Tratado UE relativas à PESC que preveja
uma ação da Comunidade.
296. Ora, se, devido à adoção de um ato dessa natureza, a Comunidade estiver obrigada
a tomar, no âmbito do Tratado CE, as medidas que esse ato impõe, essa obrigação implica,
quando está em causa a implementação de uma resolução do Conselho de Segurança
adotada ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que, na elaboração dessas
medidas, a Comunidade tenha em devida conta os termos e os objetivos da resolução em
causa assim como as obrigações pertinentes decorrentes da Carta das Nações Unidas
relativas a essa implementação.
297. Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou que, para efeitos da interpretação
do regulamento controvertido, há que ter igualmente em conta o texto e o objeto da
Resolução 1390 (2002), à qual esse regulamento, nos termos do seu quarto considerando,
se destina a dar execução (acórdão Möllendorf e Möllendorf-Niehuus, já referido, n.º 54
e jurisprudência aí citada).
298. Todavia, importa salientar que a Carta das Nações Unidas não impõe a escolha de
um modelo determinado para a implementação das resoluções adotadas pelo Conselho de
Segurança ao abrigo do capítulo VII desse diploma, devendo esta implementação ser
levada a cabo de acordo com as modalidades aplicáveis nesta matéria no ordenamento
jurídico interno de cada membro da ONU. Com efeito, a Carta das Nações Unidas deixa,
em princípio, aos membros da ONU a liberdade de escolher entre vários modelos
possíveis de receção dessas resoluções nos respetivos ordenamentos jurídicos internos.
299. Decorre do conjunto das considerações precedentes que os princípios que regem o
ordenamento jurídico internacional emanado das Nações Unidas não implicam que esteja
excluída uma fiscalização jurisdicional da legalidade interna do regulamento
controvertido à luz dos direitos fundamentais, pelo facto de esse ato se destinar a
implementar uma resolução do Conselho de Segurança adotada ao abrigo do capítulo VII
da Carta das Nações Unidas.
300. Tal imunidade de jurisdição de um ato comunitário, como o regulamento
controvertido, enquanto corolário do princípio da prevalência, no plano do direito
internacional, das obrigações emanadas da Carta das Nações Unidas, em particular, das
relativas à implementação das resoluções do Conselho de Segurança adotadas ao abrigo
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46 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
do capítulo VII desse diploma, não encontra, por outro lado, fundamento em nenhuma
outra disposição do Tratado CE.
44. Por outro lado, importa recordar que o direito da União deve ser interpretado à luz
das regras pertinentes do direito internacional, o qual faz parte da ordem jurídica da União
e vincula as suas instituições (v., neste sentido, acórdãos Racke, já referido, n. ºs 45 e 46,
e de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e
Comissão, C-402/05 P e C-415/05 P, Colet., p. I-6351, n.º 291).
Questões:
a) O Tribunal de Justiça da União Europeia pode fiscalizar a legalidade de uma resolução
do Conselho de Segurança das Nações Unidas? E a sua conformidade com o jus cogens?
Que ato jurídico pode, então, o TJUE fiscalizar?
b) Da afirmação no §291 pode retirar-se uma hierarquia entre o direito da união europeia
e o direito internacional geral?
c) Está a União Europeia subordinada às resoluções do Conselho de Segurança em
matéria de paz e segurança internacionais?
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47 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
3. O caso de Portugal
Artigo 7.º
Relações internacionais
1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência
nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre
os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos
assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a
emancipação e o progresso da humanidade.
2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras
formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o
desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares
e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma
ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao
desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.
4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua
portuguesa.
5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da ação
dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça
nas relações entre os povos.
6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios
fundamentais do Estado de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e
tendo em vista a realização da coesão económica, social e territorial, de um espaço de
liberdade, segurança e justiça e a definição e execução de uma política externa, de
segurança e de defesa comuns, convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou
pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da
união europeia.
7. Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o
respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal
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48 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 8
Direito internacional
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte
integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou
aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem
internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que
Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre
estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das
suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem
interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios
fundamentais do Estado de direito democrático.
Questões:
a) A nossa Constituição adota que posição na relação entre a ordem jurídica internacional
e a ordem jurídica interna?
b) A posição das normas internacionais é diferente consoante se tratem de normas
consuetudinárias ou de normas convencionais?
c) E que decisões de organizações internacionais vigoram na nossa ordem interna?
3.2. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 290/02, de 2 de julho de 2002 (Proc. n.º
477/02)
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49 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
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50 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
supremacia do direito interno quando estejam em causa leis com valor reforçado. Da
mesma forma, o recurso para o Tribunal Constitucional permitirá a verificação e
qualificação das regras de direito internacional. Assim, por exemplo, o Tribunal
averiguará se a questão de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional
relativa ao valor normativo de tratado-contrato deve, no caso concreto, ser decidida no
sentido de o tratado-contrato ser um ato normativo, com possibilidade de fiscalização da
constitucionalidade, ou se ele não reúne as características de uma norma, caso em que
será arredado o «controlo de normas» (cfr., Ac 494/99 – Caso do Acordo de Segurança
Social com o Chile).
O recurso para o Tribunal Constitucional permitirá ainda a este verificar, por exemplo, a
vigência ou não de uma norma convencional ou se esta deixou de vincular o Estado
português pela ocorrência da cláusula rebus sic stantibus (questão de natureza jurídico-
internacional).
A LTC eleva, deste modo, o Tribunal Constitucional a intérprete qualificado (cfr. LTC,
art. 70º/1/i, 2ª parte, e 72º/4) das questões jurídico-constitucionais (cfr. CRP, art. 221º) e
jurídico-internacionais implicadas num processo concreto (cfr., sobretudo, LTC, art.
70º/1/i, 2ª parte) e a «guardião do valor paramétrico do direito internacional
convencional» nos casos onde a parametricidade deste direito em relação ao direito
interno se revelou justificada através da interpretação/concretização de normas
constitucionais e normas internacionais. O processo de verificação consagrado nos art.
70º/1/i e 71º/2 da LTC converte-se, assim, no instrumento processual de concretização
das normas constitucionais, em especial do art. 8º da CRP. Ao mesmo tempo, o processo
de verificação de contrariedade de normas do direito interno com normas de direito
internacional ou da desconformidade de decisões dos tribunais incidentes sobre o mesmo
problema em relação a anteriores decisões do Tribunal Constitucional, abre o caminho
para uma espécie de processo de qualificação de normas. Com efeito, se por qualificação
de normas se entender a determinação da hierarquia de normas de direito internacional,
então o TC tem um meio processual de, caso a caso, proceder a essa qualificação. Em
conclusão: o TC verifica se uma norma convencional internacional faz parte do direito
interno, se ela cria direitos e deveres para os particulares e qualifica essa norma para
efeitos de inserção no plano da hierarquia das fontes de direito (cfr. CRP, art. 119º/1/b).
Ora, no caso vertente, como vimos, não é esta verificação e qualificação que se pretende
que o Tribunal Constitucional efetue. É antes um juízo de conformidade material entre
uma norma de direito convencional e a Constituição, por um lado, e certos instrumentos
de direito internacional no domínio dos Direitos do Homem, por outro lado, que se requer.
Só que um tal juízo não cabe no âmbito do recurso previsto na alínea i) do nº 1 do artigo
70º da LTC, pelo que, in casu, o recurso não é admissível.
Questões:
a) Como é feita, pelo Tribunal Constitucional, a distinção entre questões jurídico-
constitucionais de questões jurídico-internacionais?
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51 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
b) A questão das relações entre a ordem jurídica internacional e a ordem jurídica interna,
é de natureza internacional ou constitucional?
c) Da leitura do acórdão que conclui sobre a posição hierárquica (para o Tribunal
Constitucional) do direito internacional convencional na nossa ordem jurídica.
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52 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Public, Paris, 1962, p. 151): "O interesse superior da segurança das relações
internacionais exige que a promessa seja obrigatória desde que se torne conhecida pelos
sujeitos interessados, e esse interesse traduz-se no princípio da boa fé que deve reger todas
as relações internacionais. Alargando a noção do pactum, queremos dizer que a norma
fundamental, a fonte da promessa, é a norma consuetudinária que prescreve que os
compromissos internacionais devem ser respeitados.". Desde que subjacente à promessa
esteja a vontade do órgão do Estado de assumir um compromisso e desde que ela seja
levada ao conhecimento dos interessados (o que é diferente de ficar dependente da sua
aceitação), o princípio da boa fé, internacionalmente reconhecido, constitui o fundamento
da vinculatividade jurídico-internacional do compromisso assumido (cf. Paul Reuter,
Droit International Public, Paris, 1983, pp. 142-144, e Nguyen Quoc Dinh, Patrick
Daillier e Alain Pellet, Droit International Public, 6.ª ed., Paris, 1999, p. 359), sendo
comummente assinalado que a ausência de formalismo é a regra nos atos unilaterais
(Jean-Paul Jacqué, "Acte et norme en droit international public", in Académie de Droit
International, Recueil des Cours, 1991, II, pp. 357-417, em especial a p. 379). As
específicas categorias de promessas que se traduzem na renúncia ao exercício de um
direito são não só admitidas pela prática dos Estados como a doutrina lhes atribui carácter
obrigatório, com base na confiança que deve presidir às relações internacionais e a própria
natureza dos sujeitos internacionais em causa - os Estados - justifica que à promessa seja
atribuída uma eficácia jurídica mais vasta do que a normalmente reconhecida pelos
direitos internos a promessas de sujeitos privados (cf. G. Venturini, "La portée et les effets
juridiques des attitudes et des actes unilatéaux des États", in Académie de Droit
International, Recueil des Cours, 1964, II, pp. 363-461, em especial de p. 394 a p. 405).
Neste contexto, nenhuma razão válida existe para exigir que a prestação de garantia de
não execução de pena de prisão perpétua conste de convenção internacional, sendo
igualmente vinculativos, à luz do direito internacional público, os compromissos
assumidos pelas entidades constitucionalmente competentes para obrigar o Estado
requerente através da emanação de atos unilaterais, como as promessas, observados os
requisitos atrás enunciados.
Conclui-se, assim, não ser constitucionalmente exigível que a prestação de garantias
esteja estabelecida em convenção internacional. Desta apenas tem de constar a
consagração do princípio da reciprocidade quanto ao dever de extraditar: do ut des.
Questões:
a) Que valor têm, para o Tribunal Constitucional, os atos jurídicos unilaterais de um
Estado?
b) Qual o ato jurídico unilateral em causa?
c) Considerando o disposto no artigo 8.º CRP, a aceitação por parte do Tribunal
Constitucional da vinculatividade de um ato jurídico unilateral internacional, com efeitos
na ordem jurídica interna, pode constituir uma extensão “da receção” (por via de costume
praeter constitutionem?) do direito internacional no nosso ordenamento?
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53 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
1. TIJ, Reparação dos danos sofridos ao serviço das Nações Unidas, Parecer
Consultivo, 11 de abril de 1949, Col., 1949, pp. 174 ss., pp. 177 ss. e 185
Nota: O conde Folke Bernadotte, que chefiava uma missão de mediação das Nações Unidas, foi assassinado na
Palestina em setembro de 1948, assim como vários membros da missão, A questão colocada ao Tribunal Internacional
de Justiça pela Assembleia Geral era, por conseguinte, se a ONU tinha capacidade para iniciar uma ação internacional
contra o Estado responsável (no caso, Israel), exigindo reparação pelo dano causado, tanto à organização internacional
como às vítimas. Tratava-se, por outro lado, de saber como conciliar esta possibilidade (caso a resposta fosse positiva)
com o direito de proteção diplomática dos Estados da nacionalidade das vítimas.
Desta forma, a Organização terá aí o meio de garantir o respeito dos seus direitos pelo
Estado Membro contra o qual apresenta uma reclamação.
Mas, na ordem internacional terá a organização uma natureza que integre a capacidade
de apresentar uma reclamação internacional? Para responder a esta questão, é em primeiro
lugar necessário determinar se a Carta deu à organização uma condição tal que tenha,
relativamente aos seus Membros, direitos de que tenha a capacidade para exigir o respeito.
Dito de outra forma, a Organização tem personalidade internacional. Esta última
expressão, sem dúvida, é uma expressão doutrinal que, por vezes, foi contestada. Porém,
será aqui utilizada para exprimir que a Organização, se se reconhecer que possui essa
personalidade, é uma entidade capaz de ser beneficiária de obrigações que incumbem aos
seus Membros.
Para responder a esta questão, que não é decidida pelos termos atuais da Carta, é
necessário atender às características que esta entendeu conferir à Organização.
Os sujeitos de direito, num sistema jurídico, não são, necessariamente, idênticos
quanto à sua natureza ou ao alcance dos seus direitos; e a sua natureza depende das
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54 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
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55 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões
O ESTADO
A) Tratados
Nota: o texto que se publica da Convenção de Montevideo de 1933 constitui a versão original, e que faz
fé, em português do Brasil. Esta convenção foi negociada entre os países do continente americano, com a
participação do Brasil como signatário e posteriormente Estado contratante (em 1937).
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56 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 1
O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos.
I. População permanente.
II. Território determinado.
III. Govêrno.
IV. Capacidade de entrar em relações com os demais Estados.
Artigo 2
O Estado federal constitue uma só pessoa ante o Direito Internacional.
Artigo 3
A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos demais
Estados. Ainda antes de reconhecido, tem o Estado o direito de defender sua integridade
e independência, prover a sua conservação e prosperidade, e conseguintemente,
organizar-se como achar conveniente, legislar sôbre seus interesses, administrar seus
serviços e determinar a jurisdição e competência dos seus tribunais.
O exercício dêstes direitos não tem outros limites além do exercício dos direitos de
outros Estados de acôrdo com o Direito Internacional.
Artigo 4
Os Estados são juridicamente iguais, desfrutam iguais direitos e possuem capacidade
igual para exercê-los. Os direitos de cada um não dependem do poder de que disponha
para assegurar seu exercício, mas do simples fato de sua existência como pessoa de
Direito Internacional.
Artigo 5
Os direitos fundamentais dos Estados não são suscetíveis de ser atingidos sob qualquer
forma.
Artigo 6
O reconhecimento de um Estado apenas significa que aquele que o reconhece aceita a
personalidade do outro com todos os direitos e deveres determinados pelo Direito
Internacional. O reconhecimento é incondicional e irrevogável.
Artigo 7
O reconhecimento do Estado poderá ser expresso ou tácito. Êste último resulta de todo
ato que implique a intenção de reconhecer o novo Estado.
Artigo 8
Nenhum Estado possue o direito de intervir em assuntos internos ou externos de outro.
Artigo 9
A jurisdição dos Estados, dentro dos limites do território nacional, aplica-se a todos os
habitantes. Os nacionais e estrangeiros encontram-se sob a mesma proteção da legislação
e das autoridades nacionais e os estrangeiros não poderão pretender direitos diferentes,
nem mais extensos que os dos nacionais.
Artigo 10
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57 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 11
Os Estados contratantes consagram, em definitivo, como norma de conduta, a
obrigação precisa de não reconhecer aquisições territoriais ou de vantagens especiais
realizadas pela fôrça, consista esta no emprego de armas, em representações diplomáticas
cominatórias ou em qualquer outro meio de coação effectiva. O território dos Estados é
inviolável e não pode ser objeto de occupações militares, nem de outras medidas de força
impostas por outro Estado, direta ou indiretamente, por motivo algum, nem sequer de
maneira temporária.
Questões:
“Desejosos em determinar quais as condições gerais que devem estar preenchidas para
se pôr termo ao regime de mandato relativamente a um território colocado sob esse
regime, e tendo em vista essas decisões, quando for chamado a pronunciar-se sobre esse
assunto, o Conselho, independentemente de outras consultas que possa entender como
necessárias, solicita à Comissão de Mandatos que lhe submeta quaisquer sugestões que
possam auxiliar o Conselho a chegar a uma decisão”
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Para além disso, resulta claro das declarações feitas pelo seu Relator que o Conselho
não espera que a Comissão de Mandatos apresente sugestões relativamente às condições
que possam ser impostas para a admissão à Sociedade [das Nações] de um Estado antes
sob mandato.
Com esta delimitação, a Comissão analisou a questão, à qual dedicou várias reuniões
nas suas 19.ª e 20.ª sessões. As considerações que levaram os membros da Comissão a
alcançarem acordo quanto às sugestões abaixo formuladas estão registadas nas Minutas
dessas duas sessões e nos relatórios e notas anexas respetivos.
A Comissão de Mandatos considera que a emancipação de um território sob o regime
de mandato depende de dois tipos de condições prévias:
(1) A existência no território respetivo de condições de facto que justifiquem a
presunção de que o país atingiu o estádio de desenvolvimento em que um povo se
tornou capaz, nos termos do artigo 22 do Pacto, “capazes de se dirigirem por si
próprios nas condições particularmente difíceis do mundo moderno”;
(2) Há certas garantias que devem ser dadas pelo território que deseja a emancipação,
para satisfação da Sociedade das Nações, em cujo nome foi conferido mandato e
foi este exercido pelo Mandatário.
I.
Se um povo que até agora tem estado sob tutela se tornou capaz de ficar por si, sem o
conselho e assistência de um mandatário, é uma questão de facto e não de princípio. Só
pode dar-se tal por verificado depois de uma análise cuidadosa do desenvolvimento
político, social e económico de cada território. Esta observação deve ser feita ao longo de
um período suficiente de tempo para que se possa chegar à conclusão de que o espírito de
responsabilidade cívica e condições sociais progrediram de uma forma que torna viável
o funcionamento do aparelho do Estado e garante a liberdade política.
Há, no entanto, algumas condições cuja verificação, em qualquer caso, indica a
capacidade de uma comunidade política ser autónoma e manter a sua própria existência
como Estado independente.
Com base nestas considerações gerais, a Comissão propõe que as condições seguintes
estejam preenchidas antes de um território sob mandato poder ser dispensado do regime
mandatário – condições que devem aplicar-se ao conjunto do território e da sua
população.
(a) Deve ter um Governo estabelecido e uma administração capaz de manter o
funcionamento regular dos serviços públicos essenciais;
(b) Deve ser capaz de manter a sua integridade territorial e independência política;
(c) Deve ser capaz de manter a ordem pública em todo o território;
(d) Deve dispor dos recursos financeiros adequados para poder responder,
regularmente, às necessidades normais de Governo;
(e) Deve ter leis e uma organização judicial que garanta a todos uma justiça igual e
regular.
II.
A Comissão sugere que as garantias a prestar pelo novo Estado antes de ser posto
termo ao mandato assumam a forma de uma declaração vinculativa para o novo Estado
perante a Sociedade das Nações, ou de um tratado ou convenção, ou de um outro qualquer
instrumento formalmente aceite pelo Conselho da Sociedade como equivalente a esse
compromisso.
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Questões, Casos e Materiais
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Questões:
a) Esta resolução do Conselho da SDN foi adotada para definir os critérios que os
territórios sob mandato (um regime internacional que os colocava sob a autoridade da
“potência mandatária” até estarem em situação que lhe permitisse aceder à condição de
Estado) tinham que preencher para poderem chegar à estadualidade. Em geral, como
compara este texto com aquilo que vem enunciado na Convenção de Montevideu?
b) Tomando em consideração o que sabe sobre o Estado, que “exigências” parecem
desproporcionais e terão sido afastadas, de vez, do direito internacional?
c) Que tipo de exigências poderiam considerar-se formas de ingerência e de
condicionamento da independência dos novos Estados, territórios que até aí tivessem
estado sujeitos ao regime de mandato?
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Questões, Casos e Materiais
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1) A Comissão considera:
a. Que a resposta à questão colocada deve ser dada em função dos princípios do direito
internacional público que permitem definir em que condições uma entidade constitui um
Estado; que, a este respeito, a existência ou o desaparecimento do Estado é uma questão
de facto; que o reconhecimento pelos outros Estados tem efeitos puramente declarativos;
b. Que o Estado é habitualmente definido como uma coletividade que se compõe de um
território e de uma população, submetida a um poder político organizado; que se
carateriza pela soberania;
c. Que, para a aplicação destes critérios, a forma da organização política interna e as
disposições constitucionais constituem simples factos, tomados em consideração, no
entanto, por serem úteis para determinarem a jurisdição que o Governo exerce sobre a
população e sobre o território;
d. Que, no caso de um Estado de tipo federal, que reúne coletividades dotadas de uma certa
autonomia, e que estão, além disso, associadas ao exercício do poder político no quadro
de instituições comuns à Federação, a existência do Estado pressupõe que os órgãos
federais representam as componentes da Federação e dispõem de um poder efetivo;
e. Que, nos termos da definição admitida em direito internacional, a expressão “sucessão de
Estados” significa a substituição de um Estado por outro na responsabilidade pelas
relações internacionais de um território. Um tal fenómeno é regulado pelos princípios de
direito internacional em que se inspiram as Convenções de Viena de 23 de agosto de 1978
e de 8 de abril de 1983. Em conformidade com estes princípios, a sucessão deve conduzir
a um resultado equitativo, tendo os Estados interessados a liberdade de fixarem, através
de acordo, as suas modalidades. Por outro lado, todas as partes envolvidas na sucessão
estão vinculadas pelas normas imperativas do direito internacional geral e, em especial,
pelo respeito pelos direitos fundamentais da pessoa e pelos direitos dos povos e das
minorias. (…)
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Questões, Casos e Materiais
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Questões:
a) Como é que, no excerto acima, são apresentados os critérios da estadualidade?
b) O que significa, em seu entender, a afirmação de que “a existência ou o
desaparecimento do Estado é uma questão de facto”?
c) Explique o sentido e razão de ser do afirmado nas alíneas c) e d), acima.
Questões:
B) Jurisprudência
1. TIJ, Sara Ocidental, Parecer Consultivo, 16 de outubro de 1975, Col. 1975, pp. 12 e
ss., 64-65
In https://www.icj-cij.org/files/case-related/61/061-19751016-ADV-01-00-EN.pdf
“152. A informação perante o Tribunal deixa claro que o nomadismo da grande maioria
dos povos do Sahara Ocidental na altura da sua colonização deu origem a certos laços de
carácter jurídico entre as tribos do território e as das regiões vizinhas do Bilad Shinguitti.
O Tribunal foi informado que as rotas migratórias de quase todas as tribos nómadas do
Sahara Ocidental atravessavam as fronteiras coloniais, entre outras, áreas substanciais do
que é hoje o território da República Islâmica da Mauritânia. As tribos, nas suas migrações,
tinham pastos, terras cultivadas e poços ou furos de água, e os seus cemitérios em um ou
outro território. Estes elementos básicos do modo de vida dos nómadas, tal como referido
anteriormente no presente parecer, eram, em certa medida, objeto de direitos tribais, e a
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62 Direito Internacional Público
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sua utilização era, em geral, regulada pelos costumes. Além disso, as relações entre todas
as tribos da região em matérias como os confrontos inter-tribais e a resolução de conflitos
eram também regidas por um corpo de costumes inter-tribais. Antes do tempo da
colonização do Sahara Ocidental pela Espanha, esses vínculos legais não tinham nem
podiam ter outra fonte que não fosse a utilização dos usos das próprias tribos ou a lei
corânica. Assim, embora não tenha sido demonstrado que o Bilad Shinguitti tenha
existido como entidade legal, os povos nómadas do país Shinguitti deveriam, na opinião
do Tribunal, ser considerados como tendo no período relevante direitos, incluindo alguns
direitos relacionados com as terras através das quais migraram. Estes direitos, conclui o
Tribunal, constituíram laços jurídicos entre o território do Sahara Ocidental e a "entidade
mauritana", sendo esta expressão tomada para designar as várias tribos que vivem nos
territórios do Bilad Shinguitti e que se encontram atualmente no interior da República
Islâmica da Mauritânia. Eram laços que não conheciam fronteiras entre os territórios e
eram vitais para a própria manutenção da vida na região.
2. TIJ, caso Nottebohm (segunda fase), 6 de abril de 1955, Col. 1955, p. 4, pp. 21 – 23.
In: https://www.icj-cij.org/files/case-related/18/018-19550406-JUD-01-00-EN.pdf
Questões
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In: https://www.icj-cij.org/files/case-related/52/052-19690220-JUD-01-00-EN.pdf
Nota: O TIJ pronunciou-se neste caso sobre a delimitação das áreas da plataforma continental no Mar do
Norte entre a Alemanha e a Dinamarca e a Alemanha e a Holanda para além das fronteiras parciais
previamente acordadas por estes Estados. As partes solicitaram ao Tribunal que decidisse sobre os
princípios e regras de direito internacional aplicáveis à delimitação acima referida porque as partes
discordaram sobre os princípios ou regras de delimitação aplicáveis.
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4. TIJ, Sara Ocidental, Parecer Consultivo, 16 de outubro de 1975, Col. 1975, pp.
12 e ss., 38-41 e 43-44
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entre elas eram frequentes. (…) Considerando a escassez de provas quanto a um exercício
efetivo de autoridade dizendo inequivocamente respeito ao Sara Ocidental, é difícil
estabelecer um paralelo entre a pretensão de Marrocos e a que a Dinamarca formulou no
caso do Estatuto jurídico da Gronelândia oriental. (…)
94. (…) No entender o Tribunal, nenhuma regra de direito internacional exige que o
Estado tenha uma estrutura determinada, como o prova a diversidade de estruturas
estaduais que existe atualmente no Mundo.”
Questões:
Nota: Em 1809, as Ilhas Aaland e a Finlândia tinham sido cedidas à Rússia pela Suécia. Até ao final da
Primeira Guerra Mundial, ambas permaneceram russas. Após a revolução bolchevique, a Finlândia
declarou a sua independência, com fundamento no princípio da autodeterminação dos povos. Os habitantes
das Ilhas Aaland - cujo território tinha sido tratado até essa altura como parte da Finlândia - aproveitaram
a oportunidade para reivindicar para si próprios o mesmo direito e para exigir a adesão à Suécia. A Suécia
apoiou o movimento separatista, mas a Finlândia insistiu na sua soberania sobre o arquipélago. As tropas
foram enviadas para as ilhas pela Finlândia, e os líderes separatistas foram presos. Em 1920, o caso foi
submetido à Sociedade das Nações. O Conselho da Sociedade solicitou a uma Comissão de três juristas, a
Comissão de Juristas de Aaland, um parecer consultivo.
"Será nomeada uma Comissão Internacional de três juristas com o objetivo de submeter
ao Conselho, com o menor atraso possível, o seu parecer sobre os pontos seguintes:
(I) Se, na aceção do nº 8 do artigo 15º do Pacto, o caso apresentado pela Suécia ao
Conselho com referência às Ilhas Aaland trata de uma questão que, segundo o Direito
Internacional, deve ser inteiramente deixada à jurisdição nacional da Finlândia. (…)
REIVINDICAÇÃO DA SUÉCIA.
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Questões, Casos e Materiais
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2. A questão toma realmente esta forma: poderão os habitantes das Ilhas Aaland, como
atualmente se encontram, e tomando como base o princípio de que os povos devem ter o
direito à autodeterminação, pedir para se unirem à Suécia? Pode a Suécia, pelo seu lado,
reivindicar a realização de um plebiscito para dar aos habitantes das ilhas a oportunidade
de registar o seu desejo no que diz respeito à sua união com a Suécia ou à continuação da
sua união sob o domínio finlandês? (…)
Para além destes factos que afetam as relações externas da Finlândia, o carácter muito
anormal da sua situação interna deve ser evidenciado. Esta situação foi tal que, durante
um tempo considerável, as condições necessárias para a formação de um Estado soberano
não existiam.
É, portanto, difícil dizer em que data exata a República Finlandesa, no sentido jurídico do
termo, se tornou de facto um Estado soberano definitivamente constituído.
Isto certamente não aconteceu até que uma organização política estável tivesse sido
criada, e até que as autoridades públicas se tivessem tornado suficientemente fortes para
se afirmarem em todo o território do Estado sem a ajuda de tropas estrangeiras. Parece
que foi em Maio de 1918 que a guerra civil terminou e que as tropas estrangeiras
começaram a abandonar o país, de modo que a partir desse momento foi possível
restabelecer a ordem e a vida política e social normal, pouco a pouco.
CONCLUSÕES.
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(1) A disputa entre a Suécia e a Finlândia não se refere a uma situação política
definitivamente estabelecida, dependendo exclusivamente da soberania territorial de um
Estado.
(2) Pelo contrário, a disputa surgiu de uma situação de facto causada pela transformação
política das Ilhas Aaland, cuja transformação foi causada e teve origem no movimento
separatista entre os habitantes, que citaram o princípio da autodeterminação nacional, e
certos acontecimentos militares que acompanharam e se seguiram à separação da
Finlândia do Império russo, numa altura em que a Finlândia ainda não tinha adquirido o
carácter de um Estado definitivamente constituído.
(3) Decorre do acima exposto que a disputa não se refere a uma questão deixada pelo
Direito Internacional à jurisdição nacional da Finlândia.” (...)
Questões
a) Porque é que, a determinada altura, a Comissão Internacional de Juristas refere que "é
(...) difícil dizer em que data exata a República Finlandesa, no sentido jurídico do termo,
se tornou de facto um Estado soberano definitivamente constituído"?
b) Qual o elemento que é considerado fundamental, a contrario, para a Finlândia poder
ser considerada um Estado?
c) Pode afirmar-se que a Comissão escolhe uma abordagem não apenas formal, mas
também substantiva, para avaliar a "independência" da Finlândia? Porquê?
d) Se apenas tivesse ao seu dispor este excerto, que aspetos destacaria para descrever a
"independência" do Estado?
e) Qual a relevância do caso das ilhas de Aaland para a teoria do Estado enquanto sujeito
de direito internacional?
f) A leitura do conceito de um “governo efetivo” é feita nos mesmos moldes e com os
mesmos standards que em 1920? Relacione a sua resposta com o desenvolvimento de
outros elementos da estadualidade.
“Em primeiro lugar, o Árbitro considera necessário tecer algumas considerações gerais
sobre a soberania relacionada com o território.
Tanto quanto possível, o Árbitro utilizará a terminologia empregue no Acordo Especial
[de arbitragem]. O preâmbulo refere-se à ‘soberania sobre a Ilha de Palmas (ou Miangas)’
e, de acordo com o Artigo 1, n.º 2, a tarefa do Árbitro consiste em ‘determinar se a Ilha
de Palmas (ou Miangas) na sua totalidade é parte do território dos Países Baixos ou do
território pertencente aos Estados Unidos da América’. Daqui parece decorrer que a
soberania em relação a uma porção da superfície do globo é a condição jurídica necessária
para a inclusão dessa porção no território de um qualquer Estado. A soberania em relação
ao território é designada na presente sentença como “soberania territorial”.
Nas relações entre Estados, a soberania significa independência. Em relação a uma
porção do globo, a independência é o direito de aí exercer, com exclusão de qualquer
outro Estado, as funções de um Estado. O desenvolvimento da organização nacional dos
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Questões
a) Neste excerto, como é definida a soberania territorial e qual a sua relação com a
independência (em especial, parágrafos 3 e 4)?
b) Poderá afirmar-se, lendo o texto, que o território era determinante para a definição da
soberania, absorvendo as suas principais características?
c) Considera que esta abordagem "territorial" ainda hoje é tão dominante? Procure
justificar.
d) Enumere os títulos de aquisição territorial que são identificados pelo Árbitro Max
Huber (no parágrafo 5). No seu entender, estes títulos de aquisição territorial ainda serão
todos "válidos" de acordo com o direito internacional contemporâneo?
e) Nos termos da posição defendida neste excerto, a soberania territorial tinha de ter sido
sempre contínua?
f) No texto, ressalta que a relação com o território não é só constitutiva de direitos.
Justifique, se possível com exemplos, e procure transpor para o presente.
A Assembleia Geral,
Considerando a situação explosiva criada na Rodésia do Sul depois da declaração
unilateral de independência,
Tomando nota das medidas adotadas pelo Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha
e Irlanda do Norte,
1. Condena a declaração unilateral da independência feita por uma minoria racista na
Rodésia do Sul;
2. Recomenda ao Conselho de Segurança que considere esta situação como uma
questão urgente.
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Questões, Casos e Materiais
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O Conselho de Segurança,
In https://undocs.org/S/RES/217(1965)
O Conselho de Segurança,
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Questões, Casos e Materiais
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Questões:
In https://digitallibrary.un.org/record/760369
(…)
3. Conclusões e recomendações
71. Na sua resolução 1542 (XV) de 15 de dezembro de 1960. A Assembleia Geral
determinou que os Territórios sob administração Portuguesa, incluindo a Guiné, chamada
Guiné Portuguesa e Cabo Verde, eram territórios não autónomos no sentido do Capítulo
XI da Carta das Nações Unidas. Assim, nos termos do artigo 73 da Carta, Portugal, como
potência administrante tem a obrigação de promover no mais alto grau o bem estar dos
habitantes desses territórios e, com esse fim, entre outras coisas, de desenvolver o seu
governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos, e auxiliá-los no
desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres de acordo com as
circunstâncias peculiares de cada Território e dos seus habitantes e os diferentes graus do
seu adiantamento.
72. Todavia, desde a adoção da resolução 1542 (XV), o Governo de Portugal tem
continuado a manter a ficção de que estes Territórios são províncias ultramarinas de
Portugal e tem recusado, de modo persistente, reconhecer o direito inalienável dos povos
dos Territórios à autodeterminação e independência de acordo com a Declaração sobre a
Concessão da Independência aos países e aos povos coloniais e outras resoluções
relevantes das Nações Unidas. Além disso, numa tentativa fútil de suprimir os
movimentos de libertação nacional nos Territórios Africanos e de reprimir as aspirações
legitimas dos seus povos de ser libertarem da dominação colonial, o Governo de Portugal
tem recorrido ao uso extensivo de força armada, envolvendo técnicas modernas de
condução das hostilidades contra os povos indefesos daqueles territórios.
73. Durante a sua recente visita às áreas libertadas da Guiné (Bissau), a Missão
Especial teve a ampla oportunidade de testemunhar a devastação e miséria causada pelas
ações de Portugal (…) Ao mesmo tempo, a Missão ficou profundamente impressionada
pela vontade manifestada pelo povo de continuar a sua luta até que a liberdade e
independência sejam conquistadas sob a liderança capaz do movimento de libertação
nacional, PAIGC, apesar dos danos e sofrimentos incalculáveis. (…)
73
74 Direito Internacional Público
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74. São factos irrefutáveis que a luta pela libertação do território continua a progredir
e que Portugal já não exerce um controlo administrativo efetivo em amplas áreas da Guine
(Bissau). De acordo com o PAIGC, as áreas libertadas correspondem a mais de dois terços
ou entre dois terços e três quartos do Território. Isto tem sido verificado por muitos
observadores estrangeiros e jornalistas. É também evidente que a população das áreas
libertadas apoia sem reservas as políticas e atividades do PAIGC que depois de 9 anos de
luta militar exerce controlo administrativo livre de facto naquelas áreas e está
efetivamente a proteger os interesses dos habitantes apesar das atividades portuguesas.
75. A Missão Especial ficou impressionada com a cooperação entusiasta e sincera que
o PAIGC recebe das populações das áreas libertadas e a medida em que aquelas estão a
participar no sistema administrativo estabelecido pelo PAIGC e nos vários programas de
reconstrução. Consequentemente, a Missão acredita que o reconhecimento do PAICG
como sendo o representante de facto, único e autêntico das aspirações do povo no
Território por parte do Comité Especial, devia ser tido em consideração em toda a sua
abrangência pelos Estados, as agências especializadas e outras organizações no sistema
das Nações Unidas quando a tratar de assuntos relativos à Guiné (Bissau) e Cabo Verde.
A Assembleia Geral.
Reconhecendo o direito inalienável de todos os povos à autodeterminação e à
independência de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas e a Declaração
sobre a Concessão da Independência aos países e aos povos coloniais,
Profundamente preocupada com a situação explosiva que resulta da continuada
ocupação ilegal por parte das forças militares de Portugal de certos setores da República
da Guiné-Bissau e os intensificados atos de agressão cometidos por aquelas contra o povo
da Guiné-Bissau,
Consciente de que todos os Estados devem, em conformidade com o Artigo 2, n.º 4 da
Carta, abster-se de ameaçar ou usar a força nas suas relações internacionais contra a
integridade territorial ou a independência nacional de qualquer Estado ou de adotar
qualquer ação incompatível com os objetivos e princípios da Carta,
Notando com satisfação que o Estado da Guiné-Bissau assume o dever sagrado de
expulsar as forças de agressão do colonialismo Português de qualquer parte do território
da Guiné-Bissau que ainda ocupam e de intensificar a luta nas ilhas de Cabo Verde que
formam uma parte integrante e inalienável do território do povo da Guiné-Bissau e Cabo
Verde,
Ciente da necessidade urgente do povo do recentemente estabelecido Estado da Guiné-
Bissau de toda a ajuda internacional possível para os seus programas de reconstrução
nacional,
1. Congratula a recente acessão à independência do povo da Guiné-Bissau, criando
consequentemente o Estado soberano da República da Guiné-Bissau;
74
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Questões:
A. Tratado e jurisprudência
Capítulo II
Membros
Artigo 3
Os membros originários das Nações Unidas serão os Estados que, tendo participado
na Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, realizada em São
Francisco, ou, tendo assinado previamente a Declaração das Nações Unidas, de 1 de
janeiro de 1942, assinaram a presente Carta e a ratificaram, de acordo com o artigo 110.
Artigo 4
1 - A admissão como membro das Nações Unidas fica aberta a todos os outros Estados
amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente carta e que, a juízo da
Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações.
75
76 Direito Internacional Público
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2 - A admissão de qualquer desses Estados como membros das Nações Unidas será́
efetuada por decisão da Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de
Segurança.
2. TIJ, Condições de Admissão de um Estado como Membro das Nações Unidas (Artigo
4 da Carta), Parecer Consultivo, 28 de maio de 1948, Col. 1948, pp. 57 e ss., 58, 60-65
(...)
A 17 de novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a seguinte
Resolução:
“A Assembleia Geral,
Considerando o Artigo 4.º da Carta das Nações Unidas,
(...)
Solicita ao Tribunal Internacional de Justiça um parecer consultivo sobre a seguinte
questão:
Está um Membro das Nações Unidas que é chamado, em virtude do Artigo 4.º da Carta,
a pronunciar-se através do seu voto, seja no Conselho de Segurança, seja na Assembleia
Geral, sobre a admissão de um Estado como Membro das Nações Unidas, juridicamente
habilitado a fazer depender o seu consentimento a essa admissão de condições não
expressamente previstas no n.º 1 do referido artigo? Em particular, pode, enquanto que as
condições previstas nessa disposição estão cumpridas pelo Estado em questão, subordinar
o seu voto favorável à condição de que, ao mesmo tempo que o Estado em causa, outros
Estados sejam igualmente admitidos como Membros das Nações Unidas?
Encarrega o Secretário Geral de colocar à disposição do Tribunal as atas acima
mencionadas do Conselho de Segurança.”
(…)
Antes de iniciar a análise do pedido de parecer, o Tribunal entende necessário fazer as
observações preliminares seguintes:
A questão colocada ao Tribunal desdobra-se em duas partes, em que a segunda é
introduzida pelas palavras “Em particular”, e apresentada como concretização de uma
ideia mais geral implícita na primeira.
O pedido de parecer não se refere ao voto em si. Apesar de os Membros terem o dever
de se conformar com as prescrições do Artigo 4.º nos votos que emitem, não se pode
imputar à Assembleia Geral a intenção de solicitar um parecer ao Tribunal sobre as razões
que, no espírito de um Membro, decidem o seu voto. Tais razões, que relevam do foro
interno, escapam manifestamente a qualquer controlo. Nem o pedido diz respeito à
liberdade de um Membro de exprimir a sua opinião. Tratando-se de uma condição ou de
condições de que um Membro «faz depender o seu consentimento», a questão colocada
só pode referir-se às declarações feitas por um Membro, relativamente ao voto que se
propõe emitir.
Resulta claramente da Resolução da Assembleia Geral de 17 de novembro de 1947
que o Tribunal não é chamado nem a definir o sentido e o alcance das condições às quais
a admissão está subordinada, nem a indicar os elementos que servir para verificar, num
caso concreto, a existência das condições requeridas.
O considerando da Resolução da Assembleia Geral, que invoca “a troca de pontos de
vista que ocorreu...”, não pode ser considerada como um convite ao Tribunal para se
76
77 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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pronunciar sobre o bem ou mal fundado dos pontos de vista aí referidos. A forma abstrata
como a questão está formulada exclui uma tal interpretação.
A questão colocada limita-se, com efeito, ao único ponto seguinte: as condições
enunciadas no Artigo 4.º, n.º 1, têm uma natureza taxativa no sentido que uma resposta
afirmativa conduzirá a admitir que um Membro não está juridicamente habilitado a fazer
depender a admissão de condições não expressamente previstas no referido Artigo, ao
passo que uma resposta negativa autorizaria, ao contrário, a fazer depender a admissão
igualmente de outras condições.
Assim compreendida, a questão nas suas duas partes não é, e não poderia ser, senão
uma questão jurídica. Determinar o sentido de uma disposição convencional, no caso,
determinar o caráter (taxativo ou não taxativo) das condições de admissão que se
encontram enunciadas, é uma questão de interpretação e, portanto, uma questão jurídica.
Foi, no entanto, invocado que a questão colocada deve ser considerada como política
e que escaparia, a esse título, à competência do Tribunal. O Tribunal não pode atribuir
uma natureza política a uma solicitação, formulada em termos abstratos, que, ao deferir-
lhe a interpretação de um texto convencional, o convida a executar uma função puramente
judicial. (…)
Foi igualmente invocado que o Tribunal não pode apreciar uma questão colocada em
termos abstratos. É uma afirmação destituída de qualquer justificação. Nos termos do
Artigo 96.º da Carta e do Artigo 65 do Estatuto, o Tribunal pode dar um parecer consultivo
sobre qualquer questão jurídica, abstrata ou não.
(…)
Em consequência, o Tribunal considera-se como competente com base nos Artigos
96.º da Carta e 65.º do seu Estatuto, e entende que não há qualquer razão que o leve a
abster-se de responder à questão que lhe é colocada.
Para formular essa resposta, é necessário, desde logo, lembrar as “condições”
requeridas pelo Artigo 4.º, n.º 1, de um candidato à admissão. Essa disposição está assim
redigida:
“A admissão como membro das Nações Unidas fica aberta a todos os outros Estados
amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente carta e que, a juízo da
Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações.”
As condições previstas são, então, em número de cinco: é necessário 1) ser um Estado;
2) ser pacífico; 3) aceitar as obrigações da Carta; 4) ser capaz de cumprir as referidas
obrigações; 5) estar disposto a fazê-lo.
Todas estas condições estão sujeitas ao juízo da Organização. O juízo da Organização
significa o juízo dos dois órgãos referidos no n.º 2 do Artigo 4.º, e, em última análise, o
dos seus Membros. A questão colocada diz respeito à atitude individual de cada Estado
Membro chamado a pronunciar-se sobre a admissão. (…)
Os termos: “Membership in the United Nations is open to all other peace-loving states
which…” e “Peuvent devenir Membres des Nations Unies tous autres États pacifiques”,
indicam que os Estados que reúnam as condições enumeradas têm as qualificações
requeridas para serem admitidos. O sentido natural dos termos empregues leva a
considerar a enumeração dessas condições como taxativas e não apenas como
enunciativas ou exemplificativas. A disposição perderia o seu significado e valor se outras
condições, sem relação com as que estão previstas, pudessem ser exigidas. As condições
enunciadas no Artigo 4.º, n.º 1, devem ser, então, consideradas não apenas como
condições necessárias, mas também como condições suficientes.
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78 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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Do mesmo modo, não pode ser alegado que as condições enumeradas não representam
senão um mínimo indispensável, no sentido em que considerações políticas poderiam se
sobrepor e impedir a admissão de um candidato que as cumprisse. Uma tal interpretação
seria inconciliável com os termos do n.º 2 do Artigo 4.º, que prevê a admissão de
“qualquer desses Estados que cumpra essas condições” (em inglês, “any such State”).
Implicaria reconhecer aos Membros um poder discricionário indefinido e praticamente
sem limites na exigência de condições novas. Um tal poder seria incompatível com a
própria essência de uma regulamentação que, pelo vínculo estreito que estabelece entre a
qualidade de Membro e a observação dos princípios e das obrigações da Carta, constitui
claramente uma regulamentação jurídica relativa à admissão de Estados. Para admitir uma
outra interpretação para além da que resulta do sentido natural dos seus termos, seria
necessária uma razão ponderosa que não foi verificada.
Por outro lado, o espírito da disposição, assim como o seu texto excluem a ideia de
que considerações estranhas a esses princípios e obrigações possam constituir um
obstáculo à admissão de um Estado que os observa. Se os autores da Carta tivessem
entendido reconhecer aos Membros a faculdade de introduzir ao aplicar tal disposição
considerações estranhas às condições que aí estão previstas, não teriam deixado de adotar
uma redação diferente.
O Tribunal considera o texto como sendo suficientemente claro; portanto, entende que
não deve afastar-se da jurisprudência constante do Tribunal Permanente de Justiça
Internacional, segundo a qual não se justifica recorrer aos trabalhos preparatórios se o
texto de uma convenção é em si mesmo suficientemente claro.
(...)
Não resulta, no entanto, da natureza taxativa do n.º 1 do Artigo 4.º que fique excluída
uma apreciação discricionária das circunstâncias de facto de modo a permitir a verificação
da existência das condições requeridas.
O Artigo 4.º não proíbe tomar em consideração qualquer elemento de facto que,
razoavelmente e em boa fé, possa estar ligado às condições desse artigo. Essa tomada em
consideração está implícita na natureza simultaneamente muito aberta e muito flexível
das condições enunciadas; não exclui qualquer fator político relevante, isto é, relacionado
com as condições de admissão.
(...)
A segunda parte da questão é relativa à exigência pela qual um Estado Membro faz
depender o seu consentimento à admissão de um candidato da admissão de outros
candidatos.
Avaliada com base na regra que o Tribunal adotou na sua interpretação do Artigo 4.º,
essa exigência representa evidentemente uma condição nova, uma vez que não tem
qualquer relação com as que estão enunciadas no Artigo 4. Apresenta-se mesmo num
plano totalmente diferente, pois faz depender a admissão não das condições exigidas aos
candidatos, condições que é suposto serem cumpridas, antes de uma consideração
extrínseca que se refere a outros Estados para além do Estado candidato.
Por outro lado, as disposições do Artigo 4.º implicam necessariamente que qualquer
pedido de admissão seja objeto de um exame e de um voto individual segundo o seu
próprio mérito; de outro modo, não será possível estabelecer se um determinado Estado
reúne as condições requeridas. Subordinar o voto favorável para a admissão de um Estado
candidato à condição de que outros sejam igualmente admitidos, impediria que os Estados
Membros formulassem o seu juízo em cada caso com inteira liberdade, no quadro das
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Questões, Casos e Materiais
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condições prescritas. Uma tal exigência será incompatível com a letra e o espírito do
Artigo 4.º da Carta.
(…)
Por nove votos contra seis,
É de opinião que um Membro da Organização das Nações Unidas, chamado, em
virtude do Artigo 4.º da Carta, a pronunciar-se através do seu voto, seja no Conselho de
Segurança, seja na Assembleia Geral, sobre a admissão de Estado como Membro das
Nações Unidas, não está juridicamente habilitado a fazer depender o seu consentimento
a essa admissão de condições não expressamente previstas no n.º 1 do referido artigo;
Que, em particular, um Membro da Organização não pode, uma vez que reconheça
que as condições previstas nessa disposição estão reunidas pelo Estado em questão,
subordinar o seu voto favorável à condição que, ao mesmo tempo que o Estado em causa,
outros Estados sejam igualmente admitidos como Membros das Nações Unidas.
Questões:
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In https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/512/58/PDF/N1151258.pdf
Nota do Secretário-geral
De acordo com a regra 135 das regras de procedimento da Assembleia Geral e com a
regra 59 das regras provisórias de procedimento do Conselho de Segurança, o Secretário-
Geral tem a honra de fazer circular desta forma, em anexo, o pedido de admissão como
membro das Nações Unidas da Palestina, contido numa carta recebida a 23 de setembro
de 2011 pelo Presidente (ver Anexo I). (…)
Anexo I
Tenho a enorme honra de, em nome do povo Palestiniano, apresentar este pedido de
admissão do Estado da Palestina como membro das Nações Unidas.
Este pedido de admissão é submetido tendo por base os direitos naturais, legais e
históricos do povo Palestiniano e a resolução 181 (II) da Assembleia Geral das Nações
Unidas, de 29 de novembro de 1947, assim como a Declaração de Independência do
Estado da Palestina, de 15 de novembro de 1988, e a tomada de conhecimento desta
declaração por parte da Assembleia Geral expresso na resolução 43/177 de 15 de
dezembro de 1988.
A este propósito, o Estado da Palestina afirma o seu compromisso em alcançar uma
resolução justa, duradoura e abrangente do conflito Israelo-palestiniano baseada na visão
de dois Estados, existindo lado a lado em paz e segurança, como sancionado pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Assembleia Geral e a comunidade
internacional como um todo e baseado no direito internacional e em todas as resoluções
relevantes das Nações Unidas.
Para efeitos deste pedido de admissão, foi efetuada uma declaração nos termos da regra
58 das regras provisórias de procedimento do Conselho de Segurança e a regra 134 das
regras de procedimento da Assembleia Geral, que se junta à presente carta.
Agradeço que, assim que possível, transmita esta carta com o pedido de admissão e a
declaração aos Presidentes do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral.
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Declaração
Relativamente ao pedido de admissão do Estado da Palestina como membro das
Nações Unidas, tenho a honra de, na minha capacidade de Presidente do Estado da
Palestina e de Presidente da Comissão Executiva da Organização para a Libertação da
Palestina, o único representante legítimo do povo palestiniano, declarar solenemente que
o Estado da Palestina é uma nação amante da paz e que aceita as obrigações contidas na
Carta das Nações Unidas e se compromete solenemente a cumpri-las.
Questões:
a) Que pedido é apresentado nesta carta dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas?
Qual o artigo da Carta das Nações Unidas que trata desta questão?
b) Quais os requisitos necessários para que uma entidade possa ser admitida como
membro das Nações Unidas? Existe algum requisito prioritário ou que se possa considerar
sine qua non?
c) A declaração apresentada juntamente com esta Carta refere-se, expressamente, a que
requisitos?
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Questões, Casos e Materiais
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Carta para ser membro. Foi também expressa a posição de que quaisquer deliberações
devem ter em conta o contexto político abrangente do assunto entre mãos.
5. Foi declarado que os critérios estabelecidos no artigo 4 da Carta são os únicos fatores
que podem ser tidos em consideração nas deliberações do Comité. Em apoio a esta
posição, foi feita referência ao Parecer Consultivo de 28 de maio de 1948 do Tribunal
Internacional de Justiça sobre as Condições de Admissão de um Estado como membro
das Nações Unidas (artigo 4 da Carta).
6. Foi também afirmado que o trabalho do Comité, qualquer que fosse o seu resultado,
deveria atender ao contexto político mais amplo. Foi expressa a opinião de que uma
solução de dois-Estados negociada por acordo continua a ser a única opção para uma paz
sustentável a longo prazo e que matérias relativas a estatuto final teriam de ser resolvidas
através de negociações. Foi expresso apoio a uma solução de dois Estados baseada nas
fronteiras pré-1967, resultantes de negociações políticas, conducentes a um Estado
independente da Palestina com Jerusalém Oriental como sua capital. Foi sublinhado que
o direito de autodeterminação da Palestina e o seu reconhecimento não são contrários ao
direito de Israel de existir.
7. Foi afirmado que o trabalho do Comité não devia prejudicar as perspetivas de retoma
das negociações de paz, em particular à luz da declaração do Quarteto de 23 de setembro
de 2011 que estabeleceu um calendário claro para a retoma das negociações. De modo
semelhante, foi declarado que a perspetiva da retoma das negociações não deveria atrasar
a consideração do pedido da Palestina por parte do Conselho de Segurança. Foi afirmado
que o pedido de admissão da Palestina não era nem prejudicial ao processo político nem
uma alternativa às negociações. Foi também declarado que o pedido de admissão da
Palestina não aproximaria as partes da paz. Foi ainda acrescentado que a questão do
reconhecimento da estadualidade da Palestina não podia e não devia estar dependente do
resultado das negociações entre Palestinianos e Israelitas, caso contrário, a estadualidade
da Palestina ficaria dependente da aprovação de Israel, o que garantiria à Potência
ocupante um direito de veto quanto ao direito de autodeterminação do povo palestiniano,
que foi reconhecido como um direito inalienável desde 1974 pela Assembleia Geral.
Foram suscitadas preocupações em relação às atividades contínuas de Israel quanto aos
colonatos. Foi declarado que aquelas atividades eram consideradas ilegais ao abrigo do
direito internacional e um obstáculo a uma paz alargada.
8. Relativamente ao pedido de admissão da Palestina (S/2011/592), foi dada especial
atenção à carta do Presidente da Palestina recebida pelo Secretário-Geral a 23 de setembro
de 2011, que continha a declaração – num instrumento formal – de que o Estado da
Palestina era uma nação amante da paz; que aceitava as obrigações contidas na Carta das
Nações Unidas; e que se comprometia solenemente a cumpri-las.
9. Quanto ao critério da estadualidade, foi feita referência à Convenção de Montevideu
de 1933 sobre os Direitos e Deveres dos Estados, que declara que um Estado, como pessoa
de direito internacional deve possuir uma população permanente, um território definido,
um governo e capacidade para se relacionar com outros Estados.
10. Relativamente aos requisitos de uma população permanente e um território
definido, foi expressa a posição de que a Palestina cumpria esses critérios. Foi sublinhado
que a ausência de fronteiras estabelecidas com precisão não era um obstáculo à
estadualidade.
11. Contudo, foram suscitadas questões quanto ao controlo sobre o seu território por
parte da Palestina considerando o facto de que o Hamas era a autoridade de facto na Faixa
de Gaza. Foi afirmado que a ocupação israelita era um fator que impedia o governo
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Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Palestiniano de exercer o controlo total sobre o seu território. Todavia, foi também
considerado que a ocupação por uma potência estrangeira não implicava que a soberania
de um território ocupado fosse transferida para a Potência ocupante.
12. No que diz respeito ao requisito de ter um Governo, foi afirmado que a Palestina
cumpria aquele requisito. Porém, foi declarado que o Hamas controlava 40% da
população da Palestina; consequentemente, a Autoridade Palestiniana não podia ser
considerada como sendo o governo efetivo sobre o alegado território. Foi sublinhado que
a Organização para a Libertação da Palestina, e não o Hamas, era o representante legítimo
do povo Palestiniano.
13. Foram referenciados os relatórios do Banco Mundial, do Fundo Monetário
Internacional e do Comité de Ligação Ad Hoc para a Coordenação da Assistência
Internacional aos Palestinianos, que concluíram que as funções governativas da Palestina
eram agora suficientes para um Estado funcional.
14. Quanto ao requisito de um Estado ter a capacidade para entrar em relações com
outros Estados, foi expressa a opinião e que a Palestina cumpria este critério. Foi
recordado que a Palestina tinha sido aceite como membro do Movimento dos Não-
Alinhados, da Organização da Cooperação Islâmica, da Comissão Económica e Social
para a Ásia Ocidental, do Grupo dos 77 e da Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura [UNESCO]. Além disso, mais de 130 Estados já
reconheceram a Palestina como um Estado soberano independente. Ainda assim, foram
suscitadas questões quanto à possibilidade de a Autoridade Palestiniana entrar em
relações com outros Estados, uma vez que ao abrigo dos Acordos de Oslo a Autoridade
Palestiniana não pode envolver-se em relações internacionais.
15. A respeito do requisito de o requerente ser “amante da paz”, foi expressa a posição
de que a Palestina cumpria totalmente este critério considerando o seu compromisso em
alcançar uma resolução para o conflito Israelo-palestiniano justa, duradoura e abrangente.
Foi ainda acrescentado que o cumprimento deste requisito por parte da Palestina resultava
também evidente do seu compromisso de retomar negociações quanto às questões sobre
o estatuto final baseando-se nos termos de referência sancionados internacionalmente, as
resoluções relevantes das Nações Unidas, os princípios de Madrid, a Iniciativa de Paz
árabe, e o Road Map do Quarteto.
16. Foram suscitadas questões quanto a saber se a Palestina era de facto um Estado
amante da paz, uma vez que o Hamas não recusava o terrorismo e a violência e que tinha
como objetivo proclamado destruir o Estado de Israel. Foi feita referência, por outro lado,
ao Parecer Consultivo do Tribunal Internacional de Justiça sobre a Namíbia, de 1971, que
declarou que os únicos atos que podem ser atribuídos a um Estado são aqueles que são
praticados pela autoridade reconhecida do Estado.
17. Quanto ao requisito de que o requerente aceitar as obrigações contidas na Carta e
que é capaz de e tem vontade de cumprir com essas obrigações, foi expresso que a
Palestina cumpria aqueles critérios como era evidente, inter alia, da declaração solene
para este efeito junta com o pedido de admissão. Foi recordado que em 1948, quando foi
analisado o pedido de admissão de Israel, foi argumentado que o compromisso solene de
Israel para cumprir com as suas obrigações ao abrigo da Carta era suficiente para efeito
de preenchimento deste critério.
18. Foi também expressa a opinião de que a Carta exigia mais do que um compromisso
verbal de cumprimento com as suas obrigações ao abrigo da Carta por parte daquele que
pede admissão; um requerente tem de demonstrar o seu compromisso com a resolução
pacífica de diferendos e abster-se de ameaçar ou usar a força na condução das suas
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84 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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relações internacionais. A este propósito foi sublinhado que o Hamas não aceitou estas
obrigações.
19. Foi expressa a posição de que o Comité deveria recomendar ao Conselho que a
Palestina fosse admitida como membro das Nações Unidas. Em sentido diferente, foi
expresso que o pedido de admissão não poderia ser apoiado neste momento e que a
abstenção estava prevista no caso de uma votação. Ainda uma outra opinião foi expressa
de que havia questões graves quanto ao pedido de admissão, que o requerente não cumpria
os requisitos para ser membro e que uma recomendação favorável à Assembleia Geral
não seria apoiada.
20. Ademais, foi sugerido que, como um passo intermédio, a Assembleia Geral deveria
adotar uma resolução através da qual a Palestina adquirisse o estatuto de Estado
Observador.
21. Ao resumir o debate da 110ª reunião do Comité, o Presidente declarou que o
Comité não era capaz de fazer uma recomendação unânime ao Conselho de Segurança.
22. O Comité sobre a Admissão de Novos Membros conclui a sua análise quanto ao
pedido de admissão às Nações Unidas por parte da Palestina.
23. Na sua 111.ª reunião, o Comité aprovou o presente relatório sobre a análise ao
pedido de admissão às Nações Unidas por parte da Palestina.
Questões:
a) No parágrafo 21 deste relatório, resulta claro que “o Comité não era capaz de fazer
uma recomendação unânime ao Conselho de Segurança” a propósito da questão em
análise, isto é o pedido de admissão como membro das Nações Unidas por parte da
Palestina. Com efeito, ao longo do relatório são apresentados os vários argumentos e
posições (divergentes) que foram sendo apresentados, nomeadamente quanto à
estadualidade da Palestina. Identifique a discussão e os argumentos apresentados a
propósito de cada um dos elementos de manifestação da estadualidade.
b) E quanto aos demais requisitos de admissão às Nações Unidas? Quais foram as
posições discutidas?
In https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-
CF6E4FF96FF9%7D/a_res_67_19.pdf
A Assembleia Geral,
Guiada pelos objetivos e princípios da Carta das Nações Unidas e sublinhando, a este
propósito o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos,
Recordando a sua resolução 2625 (XXV) de 24 de outubro de 1970, através da qual
afirmou, inter alia, o dever de todos os Estados promoverem, através de ações conjuntas
e separadas, a realização do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos
povos,
Sublinhando a importância de manter e reforçar a paz internacional fundada na
Liberdade, igualdade, justiça e respeito pelos direitos humanos fundamentais,
Recordando a sua resolução 181 (II) de 29 de novembro de 1947,
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87 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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Questões:
a) Nesta resolução, a Assembleia Geral das Nações Unidas concede à Palestina o estatuto
de Estado observador das Nações Unidas. Considerando a anterior posição do Comité, e
considerando que a Organização para a Libertação da Palestina tinha já o estatuto de
observador, qual a importância desta resolução?
b) Nesta resolução há uma resposta a algumas das dúvidas que tinham sido suscitadas no
anterior debate do Comité a propósito dos elementos de manifestação da estadualidade.
Identifique e explique.
c) Na sua opinião, e tendo em conta todos os elementos que estudou sobre a noção de
Estado, e relação entre estadualidade e admissão às Nações Unidas, e o caso concreto da
Palestina, a Palestina é um Estado? Justifique.
d) Que elementos são apresentados nesta resolução que parecem acolher algumas
nuances de uma teoria constitutiva do reconhecimento de Estado, mitigando, portanto,
uma abordagem puramente declarativa daquele reconhecimento?
RECONHECIMENTO DE ESTADO
Artigo 13
A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros
Estados. Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem o direito de defender a sua
integridade e independência, de promover a sua conservação e prosperidade, e, por
conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre os seus interesses,
de administrar os seus serviços e de determinar a jurisdição e a competência dos seus
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Questões, Casos e Materiais
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tribunais. O exercício desses direitos não tem outros limites senão o do exercício dos
direitos de outros Estados, conforme o direito internacional.
Artigo 14
O reconhecimento significa que o Estado que o outorga aceita a personalidade do novo
Estado com todos os direitos e deveres que, para um e outro, determina o direito
internacional.
Questões:
Considerando:
1.º. Que foi determinado judicialmente que o reconhecimento do Chile pelos Estados
Unidos da América ocorreu em 1822; que, até essa data, e no que aos Estados Unidos
respeita, o Chile estava de jure sob domínio espanhol; que só a partir desse período
tiveram início relações jurídicas internacionais entre os dois países que assinaram a
Convenção concluída em Santiago a 7 de agosto de 1892;
2.º. Que, com a assinatura da Convenção referida, os Estados Unidos da América e a
República do Chile, animados pelo desejo de resolver e solucionar amigavelmente as
reclamações apresentadas pelos cidadãos de cada um dos países contra o Governo do
outro, não tinham em vista quaisquer reclamações decorrentes do período anterior ao do
reconhecimento do Governo do Chile pelo dos Estados Unidos da América, antes do
estabelecimento de relações jurídicas internacionais entre as duas nações;
3.º. Que, se a sua intenção tivesse sido a de alargar a jurisdição da Convenção de
Santiago a um período anterior ao do reconhecimento da República do Chile pelos
Estados Unidos, essa intenção teria sido expressamente indicada na Convenção referida,
não tendo sido esse o caso;
4.º. Que, de acordo com as suas próprias alegações, os contratos em que os autores das
memórias baseiam as suas reclamações foram assinados a 31 de outubro e a 18 de
novembro de 1816 pela casa D’Arcy & Didier, como uma das partes, e pelo General
Carrera, como outra parte – ou seja, vários anos antes do reconhecimento da República
do Chile pelos Estados Unidos da América;
Declara:
Que a objeção apresentada quanto à sua decisão pelo honorável agente da República
do Chile é aceite, e a reclamação não cabe na sua jurisdição.”
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89 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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“Considerando: […]
Questões:
a) Como e quando é que, de acordo com os dois excertos do caso apresentado, os Estados
Unidos reconheceram o Chile como Estado soberano e independente?
b) No caso concreto, qual a consequência da determinação daquela data?
c) Considerando a situação em análise, que Estado seria eventualmente responsável por
factos violadores do direito internacional que tivessem ocorrido naquele território, antes
daquela data?
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Questões, Casos e Materiais
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princípio já assente, as fronteiras desse território ainda não estavam determinadas, uma
vez que só o foram posteriormente.
Na abordagem da análise desta objeção, cuja importância jurídica não pode ser
ignorada, convém recordar que a tarefa do Tribunal consiste na interpretação da intenção
comum das partes, tal como é expressa no art. 297 do Tratado, em particular nos termos
que a seguir se transcrevem: ‘…no seu território, nas suas colónias, possessões e países
de protetorado, incluindo os territórios que lhes foram cedidos em virtude do presente
Tratado’. A tese da requerente consiste em sustentar que, na intenção comum das partes,
o art. 297 não se aplicava à Polónia. Relativamente a este ponto, impõe-se uma primeira
verificação: nenhuma disposição do art. 297 exclui a Polónia da aplicação deste artigo.
Mais do que isso, o art. 297 contém estipulações que, como o reconheceram todas as
partes, são aplicáveis à Polónia, tal como o art. 297, als. d e e, daí a consequência de que,
em qualquer caso, o art. 297 não pode ter sido considerado pelas Potências signatárias do
Tratado de Versalhes como inaplicável, no seu conjunto, à Polónia.
A argumentação da requerente reconduz-se, portanto, à tese muito precisa de que, ao
redigir o art. 297 b, as Potências signatárias consideravam a Polónia como um Estado que
não tinha, a 10 de janeiro de 1920, qualquer outro território além daquele que, nesse
mesmo dia, adquiria da Alemanha e ao qual aquelas consagravam, especificamente, o art.
92, al. 4.
Para resolver a questão assim colocada, convém recordar as condições pelas quais a
Polónia, em conjunto com as outras Potências Aliadas e Associadas, negociou e assinou
com a Alemanha o Tratado de Versalhes.
Costuma ser admitido, entre outros, por autores alemães, tal como o Dr. Paul Roth, no
seu estudo sobre o nascimento do Estado polaco, que em novembro de 1918, e, em todo
o caso, em finais de 1918, o Estado polaco existia de facto. Dispunha de um território que
incluía, em traços gerais, a Polónia do Congresso e a Galícia ocidental. Possuía um
governo independente, cuja autoridade pública se afirmava lentamente, mas sempre em
progressão. Na mesma altura, em novembro de 1918, a Alemanha acreditou em Varsóvia
um ministro em missão extraordinária, que remeteu ao chefe de Estado polaco as suas
cartas credenciais. No entender do autor alemão acima citado, esta missão, qualquer que
tenha sido a sua brevidade, representava, por parte da Alemanha, o reconhecimento de
jure do novo Estado polaco.
Questões:
a) Qual a questão suscitada no excerto supra?
b) Sem prejuízo do que, como referido, está no Tratado de Versalhes, e tendo em
consideração o último parágrafo do excerto e o que estudou sobre a estadualidade, diria
que em finais de 1918, a Polónia era um Estado? Porquê? E como qualifica, do ponto de
vista jurídico-internacional, a ação da Alemanha ali descrita?
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Questões, Casos e Materiais
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6. Conferência de Paz para a Jugoslávia, Comissão Arbitral, Parecer n.º 10, Paris,
4 de julho de 1992
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93 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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A Comissão Arbitral entende que, dentro das fronteiras constituídas pelos limites
administrativos do Montenegro e da Sérvia na RFSJ, a nova entidade preenche os critérios
de estadualidade do direito internacional público, que foram elencados no Parecer n.º 1,
de 29 de novembro de 1991. Contudo, como a Resolução 757 (1992) do Conselho de
Segurança das NU assinala, “a pretensão da República Federal da Jugoslávia (Sérvia e
Montenegro) de continuar automaticamente (a participação) da República Federal
Socialista da Jugoslávia (nas Nações Unidas) não foi geralmente aceite”. Como a
Comissão Arbitral destaca no seu Parecer n.º 9, a RFJ é, na verdade, um novo Estado, e
não poderia ser o único sucessor da RFSJ.
3. Isto significa que a RFJ (Sérvia e Montenegro) não goza ipso facto do
reconhecimento gozado pela RFSJ em circunstâncias completamente diferentes. Caberá,
então, aos outros Estados, quando for o caso, reconhecer o novo Estado.
4. Como, no entanto, salientou a Comissão Arbitral no Parecer n.º 1, enquanto o
reconhecimento não é um pré-requisito para a criação de um Estado e é puramente
declarativo no seu impacto, é todavia um ato discricionário que outros Estados podem
executar quando entenderem e da maneira que entenderem, sujeito apenas ao
cumprimento das normas imperativas de direito internacional geral, em particular as que
proíbem o uso da força nas relações com outros Estados ou que garantem os direitos das
minorias étnicas, religiosas ou linguísticas.
Acresce que, a Comunidade e os seus Estados Membros, na sua declaração conjunta
sobre a Jugoslávia de 16 de dezembro de 1991 e as Diretrizes, adotadas no mesmo dia,
sobre o reconhecimento de novos Estados na Europa Oriental e na União Soviética,
estabeleceu as condições para o reconhecimento das Repúblicas Jugoslavas.
5. Consequentemente, a opinião da Comissão de Arbitragem é que:
- A RFJ (Sérvia e Montenegro) é um novo Estado que não pode ser considerado o
único sucessor da RFSJ;
- O seu reconhecimento pelos Estados Membros da Comunidade Europeia estaria
sujeito ao cumprimento das condições estabelecidas no direito internacional geral para
um tal ato e na declaração conjunta e Diretrizes de 16 de dezembro de 1991.
Questões:
a) No parecer n.º 8 a Comissão Arbitral indica que a dissolução do Estado, assim como o
seu surgimento, são questões de facto. Explicite, recorrendo a passagens do parecer.
b) A propósito da dissolução da RFSJ, a Comissão parece utilizar alguns elementos que
apontariam para uma tese constitutiva no surgimento dos “novos” Estados. Identifique e
explique as passagens do texto em que isso parece resultar claro.
c) Ainda assim, pode dizer-se que na verdade esses elementos, mais do que constitutivos,
comprovam um dos elementos de manifestação da estadualidade. Qual? Explique.
d) Qual a questão jurídica subjacente ao Parecer n.º 10? E qual a conclusão a que chega
a Comissão?
e) Pode dizer-se que este parecer explicita o importante papel do CS das NU pode
desempenhar em matéria de surgimento de novos Estados e, consequentemente, do seu
reconhecimento? Explique.
f) Em que medida é que o conjunto dos Pareceres e a atividade desta Comissão Arbitral
comprova e revela a cada vez maior institucionalização da sociedade internacional?
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94 Direito Internacional Público
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95 Direito Internacional Público
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96 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Questões:
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97 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
b) Que elementos são apresentados como relevantes pelo Parlamento para o Kosovo ser
considerado Estado?
c) O Parlamento faz referência expressas ao direito internacional (e à sua vontade e
capacidade de o cumprir) e, também, a inúmeras organizações internacionais. Porquê?
Será que isso nos diz alguma coisa sobre aquilo que é “hoje” necessário para ser Estado?
d) Sabendo que a Sérvia não reconhece o Kosovo, o que nos diz este acordo entre aqueles
Estados acima referenciado sobre a importância prática do reconhecimento de Estado e a
evolução das relações internacionais?
Questões:
97
98 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) O que é que é comunicado pelo Gana à Sérvia nesta carta?
98
99 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo I
Os Governos das Altas Partes Contratantes não reconhecerão qualquer outro Governo
que surja em qualquer uma das cinco Repúblicas como consequência de um golpe de
Estado, ou de uma revolução contra um Governo reconhecido, enquanto
representantes livremente eleitos do respetivo povo não tiverem reorganizado
constitucionalmente o País.
99
100 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo II
Nenhum Governo da América Central poderá, em caso de guerra civil, intervir a favor
ou contra o Governo no qual a luta tiver lugar.
Artigo III
Recomenda-se aos Governos da América Central que procurem, pelos meios que
estiverem ao seu alcance e, em primeiro lugar, a reforma constitucional, no sentido da
proibição da reeleição do Presidente da República, onde tal proibição não exista, e, em
segundo lugar, a adoção de todas as disposições necessárias para garantir na íntegra o
princípio da alternância no poder.
Questão:
Explique as duas teorias estudadas a propósito do reconhecimento de Governo e recorra
aos excertos para demonstrar as suas características fundamentais.
100
101 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
devem ser cumpridos pelo atual Governo da Costa Rica, e que a propriedade que foi
lesada, assim como os direitos anulados, devem ser restaurados.
A estas alegações, o Governo da Costa Rica responde: em primeiro lugar, que o
Governo Tinoco não era um governo de facto ou de jure segundo as regras do direito
internacional. Isto suscita uma questão de facto.
Em segundo lugar, que os contratos e obrigações do Governo Tinoco, defendidos
pela Grã-Bretanha em nome dos seus súbditos, são de nenhum efeito, e não criam uma
obrigação jurídica, porque o Governo Tinoco e os seus atos violaram a Constituição
da Costa Rica de 1871.
Em terceiro lugar, que a Grã-Bretanha está impedida, pelo facto de não ter
reconhecido o Governo Tinoco enquanto este esteve em funções, de apresentar uma
reclamação, em nome dos seus cidadãos, que o Governo de Tinoco podia conferir
direitos que vinculassem o seu sucessor.
Em quarto lugar, que os súbditos da Grã-Bretanha cujas reclamações aqui são
debatidas, estavam, quer por contrato quer pelo direito da Costa Rica, obrigados a
procurar reparação perante os tribunais da Costa Rica, não podendo procurar a
intervenção diplomática através do seu Governo.
O Dr. John Bassett Moore, atualmente membro do Tribunal Permanente de Justiça
Internacional, anuncia no seu Digest of International Law, Volume I, p. 249, o princípio
geral que tinha já uma tal aquiescência universal que estava bem assente como direito
internacional:
As mudanças no governo ou na política interna de um Estado não afetam, por regra, a sua posição em
direito internacional. Uma monarquia pode transformar-se numa república ou uma república numa
monarquia; princípios absolutos podem ser substituídos por princípios constitucionais, ou a inversa; mas,
embora o governo mude, a nação permanece, com direitos e obrigações intocados… O princípio da
continuidade dos Estados tem consequências importantes. O Estado está vinculado por compromissos
assumidos por governos que deixaram de existir; o governo restaurado é, geralmente, responsável pelos
atos do usurpador. Os Governos de Luís XVIII e Luís Filipe indemnizaram até ao limite do praticável os
cidadãos de Estados estrangeiros pelos prejuízos causados pelo Governo de Napoleão; e o Rei das duas
Sicílias compensou cidadãos dos Estados Unidos pelos atos ilícitos de Murat.
A origem e organização dos governos são, geralmente, questões de discussão e decisão internas. As
Potências estrangeiras tratam com o governo de facto existente, estando este suficientemente estabelecido,
de forma a dar garantias razoáveis de permanência e quanto à aquiescência daqueles que constituem o
Estado na sua capacidade para se manter e para cumprir os seus deveres internos e as suas obrigações
externas.
101
102 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Ocasionalmente, verificou-se uma exceção a estas regras na prática de alguns Estados da América Latina,
que declararam nulos e de nenhum efeito os atos de um governo transitório usurpador de facto, quando o
governo regular derrubado consegue retomar o controlo. Não obstante, os atos adotados validamente em
nome do Estado e que tenham carácter internacional não podem ser recusados com ligeireza e, geralmente,
os governos estrangeiros insistem na sua força vinculante. A legalidade ou legitimidade constitucional de
um governo de facto não é internacionalmente relevante do ponto de vista da representação dos Estado.
(…)
Em primeiro lugar, quais são os factos que podem ser coligidos dos documentos e
provas aduzidas pelas duas partes quanto ao carácter de facto do Governo Tinoco?
Em janeiro de 1917, Frederico A. Tinoco era Ministro da Guerra de Alfredo Gonzalez,
o então Presidente da Costa Rica. Com o argumento de que Gonzalez procurava ser
reeleito como Presidente em violação de um limite constitucional, Tinoco utilizou o
Exército e a Marinha para se apropriar do governo, assumir a liderança provisória da
República e para se tornar Comandante-Chefe do Exército. Gonzalez refugiou-se na
Legação americana, tendo posteriormente fugido para os Estados Unidos. Tinoco
constituiu imediatamente um governo provisório e convocou o povo para a eleição de
deputados a uma assembleia constituinte a 1 de maio de 1917. Simultaneamente, decidiu
que teria lugar uma eleição para a Presidência e ele mesmo se apresentou como candidato.
As eleições realizaram-se. Foram escrutinados aproximadamente 61.000 votos em favor
de Tinoco e 259 em favor de outro candidato. Tinoco foi então designado Presidente para
exercer os seus poderes de acordo com a Constituição anterior, até à adoção de uma nova
Constituição. Esta foi adotada a 8 de junho de 1917, substituindo a Constituição de 1871.
Durante dois anos, Tinoco e a Assembleia legislativa que lhe estava submetida
administraram pacificamente os assuntos do Governo da Costa Rica e durante esse
período não se verificaram desordens de carácter revolucionário. Nenhum governo de
qualquer outro tipo afirmou o seu poder no país. Os tribunais funcionaram, o Congresso
legislou e o Governo administrou devidamente. O povo parece ter aceite o Governo
Tinoco com grande boa vontade quando este se estabeleceu e aplaudido a mudança.
Mesmo o comité do Governo anterior, que formulou e publicou um relatório a 29 de maio
de 1920, proferindo a acusação contra o Presidente Tinoco pelo crime de revolução
militar, declarando os atos do seu regime nulos e de nenhum efeito e sem qualquer valor
jurídico, utilizou os termos seguintes:
Sem ter uma Constituição que instituísse o cargo de Presidente e determinasse as suas funções, ou
mesmo que indicasse o período do seu mandato, a eleição teve lugar apenas com base na vontade da pessoa
que, pela violência, exercia o poder executivo. E, como seria de esperar, a eleição foi ganha pelo mesmo
Sr. Tinoco e, sendo embora triste referi-lo, o país aplaudiu! Por conseguinte, a decisão de que tal eleição
teria lugar naquelas condições é contrária aos princípios mais elementares do direito político.
102
103 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
forma efetiva e pacífica, sem resistência ou conflito ou contestação por quem quer que
fosse até alguns meses antes de se retirar e de se demitir.
A propósito do retomar de funções do atual governo, este excerto encontra-se nas
alegações em nome da Costa Rica:
Desde o início, opunham-se a Tinoco forças poderosas na Costa Rica, mas o seu derrube em eleições
ou através de uma oposição não armada era impossível, assim como era igualmente impossível organizar
uma oposição armada contra ele em território da Costa Rica.
É verdade que a ação dos apoiantes dos que procuravam restaurar o anterior governo
foi de certa forma adiada pela influência dos Estados Unidos junto de Gonzalez e dos
seus amigos, com o argumento de que, durante a Guerra Mundial, seriam prejudiciais
para os interesses das Potências Aliadas distúrbios militares na América Central. No
entanto, não são importantes as causas que permitiram a Tinoco governar de forma efetiva
e pacífica. A questão é: deve o seu Governo ser entendido como continuidade do Governo
da Costa Rica? Devo afirmar, com base nas provas, que o Governo Tinoco era um
governo soberano.
No entanto, é alegado que muitas das principais Potências recusaram reconhecer o
Governo Tinoco, e que o reconhecimento por outras nações é a principal e melhor prova
sobre o nascimento, existência e continuidade de sucessão de um governo. Sem dúvida,
o reconhecimento por outras Potências é um fator indiciário importante para demonstrar
a existência de um governo na sociedade das nações. Quanto a isto, quais são os factos?
O Governo Tinoco foi reconhecido pela Bolívia a 17 de Maio de 1917; pela Argentina, a
22 de Maio de 1917; pelo Chile, a 22 de Maio de 1917; pelo Haiti, a 22 de Maio de 1917;
pela Guatemala, a 28 de Maio de 1917; pela Suíça, a 1 de Junho de 1917; pela Alemanha,
a 10 de Junho de 1917; pela Dinamarca, a 18 de Junho de 1917; pela Espanha, a 18 de
Junho de 1917; pelo México, a 1 de Julho de 1917; pela Holanda, a 11 de Julho de 1917;
pelo Vaticano, a 9 de Junho de 1917; pela Colômbia, a 9 de Agosto de 1917; pela Áustria,
a 10 de Agosto de 1917; por Portugal, a 14 de Agosto de 1917; por El Salvador, a 12 de
Setembro de 1917; pela Roménia, a 15 de Novembro de 1917; pelo Brasil, a 28 de
Novembro de 1917; pelo Peru, a 15 de Dezembro de 1917; e pelo Equador, a 23 de Abril
de 1917.
Quais eram as circunstâncias quanto às outras nações?
A 9 de Fevereiro de 1917, duas semanas depois de Tinoco ter assumido o poder, os
Estados Unidos tomaram a seguinte posição:
O Governo dos Estados Unidos encara com grande preocupação o recente derrube do governo
estabelecido na Costa Rica e considera que atos ilegais desta natureza tendem a perturbar a paz na América
Central e a pôr em causa a unidade do continente americano. À luz da sua política relativamente à tomada
do poder por meios ilegais, claramente enunciada em várias ocasiões ao longo dos últimos quatro anos, o
Governo dos Estados Unidos deseja acentuar de forma enfática e clara a sua atual posição relativamente à
situação na Costa Rica. Não reconhecerá ou apoiará qualquer governo que possa vir a ser estabelecido, a
não ser que esteja claramente demonstrado que é eleito por meios legais e constitucionais.
Para que os cidadãos dos Estados Unidos possam conhecer claramente a posição deste Governo quanto
a qualquer apoio financeiro a que possam pretender, ou quanto a qualquer transação comercial em que
possam estar envolvidos com as pessoas que derrubaram o Governo constitucional da Costa Rica por um
ato de rebelião armada, o Governo dos Estados Unidos deseja adverti-los de que não considerará atendíveis
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104 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
para efeito de apoio diplomático quaisquer reclamações que possam no futuro ocorrer em relação a esses
negócios.
O Departamento de Estado foi informado de que os cidadãos da Costa Rica que agora exercem as
funções de governo na República da Costa Rica foram levadas a acreditar pelas pessoas que agora atuam
como seus agentes que o Governo dos Estados Unidos estava a ponderar reconhecê-los como Governo da
Costa Rica. Tendo em vista corrigir uma tal impressão, que é absolutamente errónea, o Governo dos Estados
Unidos deseja declarar clara e enfaticamente que não modificou a posição que assumiu relativamente ao
reconhecimento dos acima referidos cidadãos da Costa Rica que lhes foi comunicada em fevereiro de 1917,
e insiste que esta posição não será alterada no futuro.
104
105 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Os governos das partes contratantes não reconhecerão quem quer que seja que chegue
ao poder numa das cinco Repúblicas em consequência de um golpe de Estado ou através
de uma revolução contra um governo reconhecido até que os representantes do povo
tenham reorganizado o país na sua forma constitucional através de eleições livres.
Um tratado desta natureza não afeta os direitos dos súbditos de um governo que nele
não seja signatário nem emenda ou modifica as regras de direito internacional em matéria
de governo de facto. A sua ação à luz do tratado não poderia pesar mais na determinação
da existência de um governo de facto de Tinoco do que a política dos Estados Unidos, já
analisada. Para além disso, deve destacar-se que todos os signatários do tratado, com
excepção da Nicarágua, manifestaram a sua convicção de que a exigência do tratado tinha
sido respeitada no caso do Governo Tinoco, pelo seu reconhecimento depois da adoção
da Constituição de 1917 e da eleição de Tinoco.
Terceiro. É ainda objetado pela Costa Rica que a Grã-Bretanha, ao não reconhecer o
governo de Tinoco, vê agora precludida a possibilidade de endossar as reclamações dos
seus súbditos assentes nos atos e contratos do Governo Tinoco. Já analisei e admiti o peso
desse não-reconhecimento, confrontado com o seu carácter de facto. A argumentação vai
aqui mais além e impede um governo que não reconhece um governo de facto de surgir
perante um tribunal internacional em nome dos seus nacionais a reclamar quaisquer
direitos baseados nos atos desse governo.
Foi citado um grande número de decisões em tribunais ingleses e americanos em apoio
deste ponto de vista, segundo o qual um tribunal interno não pode, num caso perante si,
reconhecer ou assumir o carácter de facto de um governo estrangeiro que o departamento
dos Negócios Estrangeiros do Executivo do governo de que o tribunal é um ramo não
reconheceu. Isto é claramente verdade. É ao executivo, e não aos tribunais, que cabe
decidir questões de política externa. Seria o mais impróprio possível que existisse um
conflito de opiniões relativamente às relações externas de um país entre o departamento
encarregado da condução das suas relações externas e o seu ramo judicial. No entanto,
estes casos não têm pertinência para a questão que se nos coloca. Aqui, o Executivo da
Grã-Bretanha assume a posição de que o Governo Tinoco, que não reconheceu, era, não
obstante, um governo de facto que podia criar direitos na esfera de súbditos britânicos
que, agora, procura proteger. Naturalmente, como já foi acentuado, a ausência do seu
reconhecimento do governo de facto pode ser aduzida contra si como elemento de prova
que põe em causa o carácter que agora atribui a tal governo, mas isso não o impede de
mudar de posição. Na hipótese de ser apreciado um caso nos seus tribunais depois de ter
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106 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
mudado a sua posição, não restam dúvidas de que o tribunal se sentiria obrigado a
mudança nas suas decisões subsequentes.
São mencionados precedentes em arbitragens Americanas para mostrar que um
estoppel como aquele que é invocado realmente se constituiu. São eles os casos Schultz
(Moore, International Arbitrations, vol. 3, 2973), Jansen (ibidem, 2902) e Jarvis (Ralston,
Venezuela Arbitrations, 150). Nas decisões destes 5 casos, proferidas por comissários
Americanos, há indícios que sustentam o ponto de vista segundo o qual existe a objecção
de um estoppel, mas uma apreciação mais atenta mostra que não são invocadas
autoridades, assim como não são apresentados argumentos em favor daquela opinião.
Para além disso, o conjunto de factos nos casos era convincente quanto à inexistência de
um governo de facto, e as afirmações eram desnecessárias para a conclusão. No caso
Schultz, a reclamação de um cidadão americano era dirigida contra o governo Juarez, pela
perda de bens devido a incêndio entre as linhas de batalha lançadas pelas forças de
Miramon contra o governo Juarez. Patentemente, a reclamação contra o governo Juarez
não tinha fundamento, em primeiro lugar porque tinha ocorrido no decurso de guerra e,
em segundo lugar, porque as forças de Miramon nunca tinham, efetivamente, constituído
um governo de facto. O caso Jansen, perante o mesmo tribunal, referia-se ao valor de uma
barcaça apreendida pelos soldados de Miramon para fugirem do país face ao exército
vitorioso de Juarez.
6.Melville E. Day and David E. Garrison c. Venezuela (n.º 38), Estados Unidos da
América/Venezuela, Sentença final, Comissão Mista (Convenção de 5 de dezembro de
1885), 2.9.1890, Moore, IV, pp. 3548-3564, 3552-3553
106
107 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
outros membros da família dos Estados enquanto o Estado, por si, conservar a sua
personalidade. O Estado permanece, embora os governos possam mudar; e as relações
internacionais, se hão-de ter alguma permanência ou estabilidade, só podem ser
estabelecidas entre Estados, e apoiar-se-iam em areias movediças se formas acidentais de
governo se lhe substituíssem como base das relações internacionais. Idem enim est
populus Romanus sub regibus, consulibus, imperatoribus, diz Grócio, como argumento
para a responsabilidade continuada do Estado, ainda que o carácter particular da
responsabilidade a que se refere seja uma obrigação de respeitar os tratados (Grócio, L.
II, cap. Ix, v. 8). Todos os Pactos e tratados são nacionais e vinculam os príncipes legais,
ainda que concluídos com usurpadores (Tindall, Law of Nations; Phillimore, 1, p. 174).
É posição clara do direito das nações, diz Kent, que os tratados não são afetados, nem são
enfraquecidas obrigações positivas de qualquer tipo com outras potências ou com
credores devido a mudanças internas na forma do governo. O corpo político é o mesmo,
embora possa ter um órgão diferente de comunicação. (Kent, col. 1, pp. 25-26) Um Estado
responde pelos factos ilícitos cometidos relativamente ao governo ou súbditos de outro
Estado, independentemente de qualquer mudança transitória na forma de governo ou na
pessoa dos seus dirigentes. Os Tratados de Amizade, Comércio e Aliança Real continuam
em vigor; as dívidas públicas, quer para com o Estado, quer do Estado, não se extinguem
nem são afetadas. (Halleck, p. 77).
Um Estado sujeito a mudanças periódicas na forma do seu governo ou das pessoas que
o dirigem terá talvez um maior interesse na manutenção desta doutrina do que outro
ancorado de forma mais segura nos princípios de ordem social, mas aquela é
absolutamente necessária ao conjunto da família dos Estados, como única condição
possível de relação entre as nações. Se não fosse dever de um Estado respeitar as suas
obrigações internacionais, apesar das mudanças internas, quer da forma de governo, quer
das pessoas que exercem o poder governativo, as nações não poderiam tratar entre si com
qualquer garantia de que os seus acordos seriam executados, e as consequências para a
paz e bem-estar do Mundo seriam desastrosas. Podem além disso dizer-se, com grande
certeza, que um governo de facto, uma vez investidos nos poderes que são necessários
para lhe conferir esse carácter, pode vincular o Estado com o mesmo alcance e efeitos
jurídicos que um governo de jure. Com efeito, como apontou Austin, cada governo, assim
designado em sentido próprio, é um governo de facto. Um governo de jure mas não de
facto, diz, é um que era governo, e que (…) devia ainda ser governo, mas que o não é no
plano dos factos. (Austin, Juris, vol. 1, 336).
Questões:
107
108 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
In https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1911/ch96
Excelência: Ontem, durante uma conversa com o Ministro dos Negócios Estrangeiros,
este trouxe à baila o assunto do reconhecimento e expressou longamente o quanto
lamentava que os Estados Unidos não tivessem seguido o exemplo do Brasil e outros
países latino-americanos de oferecerem reconhecimento sem quaisquer condições logo
após a proclamação da República. Disse que tinha sido uma grande surpresa para os
membros do Governo Provisório verem os Estados Unidos a seguirem a liderança das
monarquias europeias nesta atitude para com a República Portuguesa.
Esforcei-me por explicar ao Ministro que a ação do nosso Governo relativamente à nova
República se baseia nos precedentes da política que tem sido seguida pelos Estados
Unidos relativamente ao reconhecimento de governos provisórios noutros países, e que
logo que o Povo português determine, através do voto decisivo da Assembleia
Constituinte ou de qualquer outra maneira inquestionável, a forma e a natureza do futuro
governo do país, estava certo que os Estados Unidos seriam dos primeiros a estabelecer
relações oficiais com o Governo que vier a ser constituído de acordo com a vontade do
povo de Portugal. Como exemplos, referi a atitude dos Estados Unidos relativamente à
proclamação da República em França e no Brasil. O Senhor Machado retorquiu que
compreendia que a atitude dos Estados Unidos nesta questão se baseasse em precedentes,
mas que considerava que se justificava uma exceção neste caso, tomando em
consideração o controlo não contestado do País pelos Republicanos, em conformidade
com o desejo unânime, em sua opinião, do povo Português. Continuou dizendo que, se o
Governo Provisório não quer pedir o reconhecimento de nenhum País, esperava que os
Estados Unidos, como república, considerassem adequado encorajar a jovem República
com um reconhecimento rápido. (…)
(…)
George Lorillard.
A sua legação foi instruída por telegrama de 2 de janeiro sobre a atitude deste Governo,
naquela altura, relativamente ao Governo de facto de Portugal e, no dia 31 do mesmo
mês, foi informado de que a atitude deste Governo era, ainda, a de uma expectativa
benevolente. Esta atitude relativamente ao novo Governo de Portugal continua hoje a ser
exatamente a mesma.
(…)
P. C. Knox
Assim que a Assembleia Constituinte, que reúne a 19 do corrente, tiver falado em nome
do povo e determinado a forma de governo a ser adotada por Portugal, está instruído para
informar o Ministro dos Negócios Estrangeiros do reconhecimento oficial do seu
Governo pelo Governo dos Estados Unidos da América. Deverá estar preparado para o
fazer, se possível, no mesmo dia em que a Assembleia Constituinte decida com caráter
definitivo. (…)
Knox.
109
110 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) Qual é a questão discutida nesta troca de correspondência entre o Encarregado de
Negócios norte-americano e o Secretário de Estado dos Estados unidos?
b) Identifique passagens da diferente correspondência em que resulte clara a dimensão
(também) política do reconhecimento de Governo.
c) Que evento era (e foi) determinante para os Estados Unidos reconhecerem o Governo
de Portugal? Antes do reconhecimento, como qualificavam os Estados Unidos aquele
Governo?
d) No seu entender, o que justificava a pressão do MNE português sobre os Estados
Unidos para efeitos do reconhecimento do seu Governo?
In: https://archives.au.int/bitstream/handle/123456789/2890/AHG%20Decl%201-5%20XXXVI-AHG%20St%201-
3%20XXXVI%20_P.pdf?sequence=1&isAllowed=y
110
111 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Com vista a dar efeito prático aos princípios que enunciámos, acordamos na seguinte
definição de situações que podem ser consideradas como situações de mudança
inconstitucional de governo:
i) golpe de Estado militar contra um governo democraticamente eleito;
ii) intervenção de mercenários para substituir um governo democraticamente eleito;
iii) uma intervenção de grupos armados dissidentes e movimentos rebeldes para
derrubar um governo resultante de eleições democráticas;
iv) a recusa de um governo que administra de deixar o poder ao partido vencedor
depois de eleições livres, justas e regulares;
Decidimos também que:
- Sempre que num Estado Membro ocorrer uma mudança inconstitucional tal como
previsto na definição acima, o Presidente em Exercício e o Secretário Geral da OUA
devem imediata e publicamente condenar essa mudança e apelar para um rápido retorno
à ordem constitucional. O Presidente em Exercício e o Secretário Geral devem também
transmitir um claro e inequívoco aviso aos perpetradores da mudança inconstitucional no
sentido de que, em nenhuma circunstância a sua ação ilegal pode ser tolerada ou
reconhecida pela OUA. A este respeito, o Presidente em Exercício e o Secretário Geral
devem exortar para uma ação consistente aos níveis bilateral, inter-Estados, sub-regional
e internacional. O Órgão Central deve reunir-se a seguir, urgentemente, para discutir a
questão.
(…)
Artigo 4
Princípios
A União Africana funciona em conformidade com os seguintes princípios
fundamentais:
(…)
p) Condenação e rejeição de mudanças inconstitucionais de governos.
CM/Dec.357 (LXVI)
Questões:
a) Da leitura destes textos pode dizer que estas organizações internacionais regionais
adotaram uma posição que, ao arrepio da neutralidade do DI, aponta para a defesa de uma
determinada forma de organização política do Estado?
b) É possível afirmar que a prática da OUA e a “constitucionalização” na UA do não-
reconhecimento de governos saídos de golpes de estado em África apontam para uma
alteração no paradigma clássico dos reconhecimentos de governo? Identifique qual.
c) A consolidação em África desta prática sobre reconhecimento de governo corresponde,
em seu entender, a uma evolução a nível regional do entendimento do princípio da não-
intervenção nos assuntos internos dos Estados?
Artigo 9
Um membro da Organização, cujo governo democraticamente constituído seja deposto
pela força, poderá ser suspenso do exercício do direito de participação nas sessões da
Assembleia Geral, da Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das
Conferências Especializadas, bem como das comissões, grupos de trabalho e demais
órgãos que tenham sido criados.
112
113 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
In https://www.oas.org/en/media_center/press_release.asp?sCodigo=E-001/19
Reafirmando o direito dos povos das Américas à democracia e a obrigação dos seus
governos de a promoverem e defenderem, tal como expresso no Artigo 1 da Carta
Democrática Interamericana,
Recordando que, através da resolução AG/RES. 2929 (XLVIII-O/18), de 5 de junho
de 2018, a Assembleia Geral declarou que o processo eleitoral de 20 de maio de 2018 na
Venezuela carecia de legitimidade, por não ter tido a participação de todos os atores
políticos venezuelanos, por não ter cumprido standards internacionais e por ter sido
levado a cabo sem as garantias necessárias de um processo livre, justo, transparente e
democrático,
Considerando que o período presidencial 2019-2025, que começa na Venezuela a 10
de janeiro de 2019, é resultado de um processo eleitoral ilegítimo,
Sublinhando a autoridade constitucional da Assembleia Nacional, democraticamente
eleita,
Reiterando a sua profunda preocupação com o agravamento da crise política,
económica, social e humanitária na Venezuela, que resulta na rutura da democracia e em
violações graves de direitos humanos naquele Estado, e com a falta de diligência do
Governo da Venezuela em respeitar os standards fundamentais interamericanos de
direitos humanos e democracia,
Reconhecendo que, por esse motivo, um número significativo de venezuelanos tem
sido obrigado a deixar o País por não dispor das necessidades básicas,
Reiterando a sua grande preocupação com o colapso do sistema de saúde venezuelano,
que levou à reemergência de doenças infeciosas antes erradicadas na Venezuela e em
países vizinhos e na região mais alargada,
Notando que o êxodo de venezuelanos está a ter impacto na capacidade de os países
da região cumprirem as suas necessidades humanitárias e coloca desafios à saúde pública
e segurança.
Notando, a este respeito, a Declaração de Quito sobre a mobilidade humana de
cidadãos venezuelanos, de 4 de setembro de 2018, e o seu Plano de Ação, adotado a 23
de novembro de 2018,
Condenando, nos termos mais veementes, as detenções arbitrárias, a falta de um
processo equitativo e a violação de outros direitos humanos de prisioneiros políticos pelo
Governo da Venezuela,
(…)
Resolve:
Não reconhecer a legitimidade do novo mandato de Nicolas Maduro a partir de 10 de
janeiro de 2019;
Reafirmar que só através do diálogo nacional, com a participação de todos os atores
políticos venezuelanos e outras partes interessadas pode alcançar-se a reconciliação
nacional e serem acordadas as condições necessárias para realizar um novo processo
eleitoral que realmente reflita a vontade dos cidadãos venezuelanos e resolva a atual crise
naquele país;
113
114 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
A União Europeia lamenta o desrespeito cada vez mais explícito pelo Estado de direito
na Bielorrússia, em particular a escalada de violência e o exílio forçado de membros do
114
115 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
115
116 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) Qual a questão tratada nos dois documentos acima a propósito da Venezuela?
b) Identifique os excertos daqueles dois documentos (sobre a Venezuela) que apontam
no sentido da preferência por uma teoria da legitimidade no reconhecimento de Governo?
c) Faça o mesmo exercício em relação aos documentos da UE sobre a situação na
Bielorrússia.
d) Os quatro documentos apresentados são adotados por Organizações Internacionais.
Com efeito, tem havido uma “transferência progressiva” daqueles reconhecimentos para
a esfera das Organizações Internacionais. Por um lado, porque serão mais “competentes”
para o fazer; por outro lado, porque a multilateralização daquela questão diminui o risco
de ingerência nos assuntos internos. Explique e demonstre as vantagens relativamente ao
reconhecimento de Governo mais “tradicional”.
RECONHECIMENTO DE INSURGÊNCIA
Tenho a honra de transmitir, por esta via, o texto do Acordo de Paz entre o Governo
da Serra Leoa e a Frente Revolucionária Unida concluído em Lomé a 7 de julho de 1999
(ver anexo).
Ficarei muito agradecido se puder providenciar a circulação desta carta e do seu anexo
como documento do Conselho de Segurança.
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Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Anexo
Acordo de Paz entre o Governo da Serra Leoa e a Frente Revolucionária Unida da
Serra Leoa
Parte Um
Cessação das hostilidades
Artigo I
Cessar-fogo
O conflito armado entre o Governo da Serra Leoa e a FRU/SL é pelo presente
terminado com efeito imediato. Em consequência, as duas partes devem garantir que uma
total e permanente cessação das hostilidades é doravante observada.
(…)
Nota: o Acordo de Paz foi assinado pelo Presidente da Serra Leoa, pelo Líder da Frente Revolucionária
Unida, pelo Presidente do Togo e da CEDEAO, pelo Presidente do Burkina Faso, pelo Presidente da
Libéria, pelo Presidente da Nigéria, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Gana, pelo Ministro dos
Negócios Estrangeiros da Costa do Marfim, pelo Representante Especial do Secretário Geral das Nações
Unidas, pelo Representante da Organização de Unidade Africana, pelo Representante do Secretário
Executivo da CEDEAO, e pelo Representante da Commonwealth.
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118 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
3. Tribunal Especial para a Serra Leoa, Procurador c. Morris Kallon e Brime Bazzy
Kamara, Juízo de Recurso, Decisão sobre a Impugnação da Jurisdição: Amnistia do
Acordo de Lomé, 13 de março de 2004
in: https://www.legal-tools.org/doc/b67cdd/pdf
(…)
B. Têm os insurgentes a capacidade para celebrar tratados?
45. Não obstante a falta de unanimidade entre os jus-internacionalistas relativamente
ao fundamento da obrigação dos insurgentes de respeitarem o disposto no Artigo 3
Comum às Convenções de Genebra, atualmente não existem dúvidas que esta norma
vincula do mesmo modo Estados e insurgentes, e que os insurgentes estão sujeitos ao
direito internacional humanitário. Esse facto, contudo, só por si não atribui à FRU [Frente
Revolucionária Unida] personalidade jurídica nos termos do direito internacional.
46. O Artigo 3 Comum às Convenções de Genebra reconhece a existência de “Partes
no conflito”. O penúltimo parágrafo do Artigo 3 Comum dispõe que “As Partes no
conflito esforçar-se-ão também por pôr em vigor, por meio de acordos especiais, todas ou
parte das restantes disposições da presente Convenção”. Mas o último parágrafo do
Artigo 3 Comum também estabelece que “[a] aplicação das disposições precedentes não
afetará o estatuto jurídico das Partes no conflito”. Tem sido referido que o penúltimo
parágrafo “realça o facto de que partes num conflito interno estão apenas vinculadas a
cumprir o Artigo 3, permanecendo livres para ignorar a totalidade das restantes
disposições em cada uma das Convenções” [L. Moir, The Law of Internal Armed
Conflict, Cambridge, 2002, pp. 63-64], e que o último parágrafo indica que os insurgentes
podem ainda ficar sujeitos à jurisdição criminal interna do Estado. Num livro fidedigno
sobre direito internacional foi afirmado que:
um conjunto de fatores deve ser cuidadosamente examinado antes de poder ser
estabelecido se uma entidade tem personalidade jurídica e, se assim for, que direitos,
deveres e competências se aplicam no caso em questão. A Personalidade é um fenómeno
relativo que varia com as circunstâncias. [M. N. Shaw, International Law, 5th ed., 2003,
p. 176]
47. Basta dizer, para efeitos do presente caso, que ninguém sugeriu que os insurgentes
estão vinculados, porque foi-lhes atribuída personalidade pelo direito internacional de
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119 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
uma tal natureza que tornasse possível virem a ser partes nas Convenções de Genebra.
Pelo contrário, uma teoria convincente é de que estão vinculados nos termos do direito
internacional consuetudinário a cumprir as obrigações previstas no Artigo 3 Comum que
têm por finalidade a proteção da humanidade. Sem dúvida que o Governo da Serra Leoa
considerava a FRU como uma entidade com a qual poderiam celebrar um acordo.
Contudo, não existe nada que demonstre que qualquer outro Estado tenha reconhecido a
FRU como uma entidade com a qual pudesse estabelecer relações jurídicas ou que o
Governo da Serra Leoa a tenha considerado como uma entidade em vez de uma fação
dentro da Serra Leoa.
48. Apesar do nível de organização dos insurgentes poder ser um fator na determinação
sobre se existia uma situação factual de um conflito armado interno, devemos ter presente
a distinção entre a questão factual sobre se os insurgentes estão suficientemente
organizados e a questão de direito, à qual se refere o objeto deste procedimento, se entre
eles e o governo legítimo o direito internacional considerava-os como tendo capacidade
para celebrar tratados. A FRU não tinha capacidade para celebrar tratados de forma tornar
o Acordo de Lomé um acordo internacional.
49. A conclusão parece evidente de que o Acordo de Lomé não é nem um tratado nem
um acordo equiparado a um tratado. Contudo, não tem de ter essa natureza para ser capaz
de criar, entre as partes no acordo, obrigações e direitos vinculativos no direito interno.
A consequência de não ser um tratado ou um acordo equiparado a um tratado é a de que
não cria uma obrigação para o direito internacional.
Questões:
Artigo VII. Para permitir que os Estados Unidos mantenham a independência de Cuba
e para proteger o seu povo, assim como para sua própria defesa, o Governo Cubano
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120 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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Artigo I. A República de Cuba arrenda aos Estados Unidos, pelo tempo necessário
para o fim de fornecimento de carvão ou do estabelecimento de bases navais, as a seguir
descritas áreas terrestres e aquáticas na ilha de Cuba.
1. Em Guantánamo (…).
2. No noroeste de Cuba (…)
Artigo III. Enquanto que, por um lado, os Estados Unidos reconhecem a continuidade
em última instância da soberania da República de Cuba sobre as acima referidas áreas
terrestres e aquáticas, por outro, a República de Cuba consente que, durante o período de
ocupação pelos Estados Unidos das referidas áreas, nos termos deste acordo, os Estados
Unidos exercerão jurisdição e controlo plenos sobre e nas referidas áreas, com o direito
de adquirir (em condições a serem acordadas pelos dois Governos), para os fins públicos
dos Estados Unidos, qualquer terreno ou outra propriedade, por compra ou por domínio
eminente, com plena compensação dos proprietários.
O TERRITÓRIO DO ESTADO
76. Em apoio da sua asserção de que o Sultão de Johor não detinha soberania sobre
Pedra Branca/Pulau Batu Puteh, Singapura apresenta um outro argumento sobre aquilo
que descreve como “o conceito tradicional malaio de soberania”. Por isso, alega:
“A Malásia discorreu sobre…o conceito tradicional malaio de soberania. Este conceito
põe em causa a pretensão da Malásia a um título original. Baseia-se, principalmente, no
controlo sobre pessoas, e não no controlo sobre o território. O conceito malaio de
soberania centra-se na pessoa, não no território”.
(…)
79. Relativamente à asserção de Singapura sobre a existência de um “conceito
tradicional malaio de soberania”, baseado no controlo sobre pessoas mais do que no
controlo sobre território, o Tribunal observa que a soberania inclui ambos elementos,
pessoal e territorial. (…)
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121 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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64. (…) [O]s acordo incidem sobre as “fronteiras de Estado”, expressão que só
dificilmente se aplica a zonas situadas para lá do território, incluindo o mar territorial.
(…)
135. O Tribunal observa, além disso, que não pode tomar em consideração atos que
tiveram lugar depois da data em que o diferendo entre as Partes cristalizou, a não ser que
esses atos sejam uma continuação normal de atos anteriores e não tenham sido adotados
para reforçar a posição jurídica da Parte que neles se apoia (…).
82. (…) Os Estados Unidos alegaram, para efeito da interpretação do Artigo X, n.º 1,
que o que deve ser considerado é se o petróleo das plataformas atacadas era, ou teria
podido ser, exportado para os Estados Unidos. A este propósito, questiona que as
plataformas possam considerar-se no “território” do Irão, uma vez que estão para lá do
mar territorial deste, ainda que sobre a sua plataforma continental e na sua zona
económica exclusiva. No entanto, o Tribunal não considera sustentável uma interpretação
do Tratado de 1955 que distinga, para efeito da “liberdade de comércio”, entre petróleo
no território terrestre ou no mar territorial do Irão, e petróleo produzido na sua plataforma
continental, no exercício dos seus direitos soberanos de exploração da plataforma e
direitos paralelos sobre a zona económica exclusiva.
84. Deixando de lado o facto de o presente diferendo não poder (…) ser considerado
como referindo-se, apenas, a delimitação, seria difícil aceitar a proposição ampla de que
a delimitação é totalmente alheia à noção de estatuto territorial. Qualquer delimitação
contestada de um limite pressupõe alguma determinação do direito às áreas a serem
delimitadas e a prova histórica apresentada pelo próprio Governo grego mostra que na
prática convencional no período da Sociedade das Nações, as noções de “integridade
territorial”, “fronteiras” e “estatuto territorial” se consideravam muito próximas.
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122 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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86. A segunda contenção mencionada no parágrafo 82, supra, não coloca nos seus
termos corretos a questão a ser decididas. A questão para decisão é saber-se se este
diferendo se refere ao “estatuto territorial da Grécia”, e não se os direitos controvertidos
devem, juridicamente, considerar-se como direitos “territoriais”; e um diferendo relativo
ao título sobre, e à delimitação de, áreas da plataforma continental tende, pela sua própria
natureza, a ser um diferendo relacionado com o estatuto territorial. E isto porque,
juridicamente, os direitos de um Estado costeiro sobre a plataforma continental
dependem, e decorrem diretamente, da soberania do Estado sobre o território que confina
com essa plataforma continental. Isso emerge, claramente, da ênfase dada pelo Tribunal
nos casos da Plataforma continental do Mar do Norte ao “prolongamento natural” da
terra como critério para determinar a extensão do título de um Estado costeiro sobre a
plataforma continental perante outros Estados que confinem com a mesma plataforma
continental (TIJ, Col., 1969, pp. 31 s.); e o Tribunal nota que este critério foi invocado
tanto pela Grécia como pela Turquia durante as suas negociações relativas ao objeto do
presente diferendo. (…)
(p. 34) Em geral, quando dois Países definem uma fronteira entre si, um dos objetivos
principais é o de alcançar uma solução estável e definitiva. Isso é impossível se a linha
assim definida puder ser posta em causa a qualquer momento, e com base num
procedimento sempre aberto, e reclamada a sua retificação, sempre que for descoberta
uma inexatidão por referência a uma cláusula do tratado de base. Este processo poderia
continuar indefinidamente, e nunca se alcançaria o caráter definitivo [da fronteira]
enquanto possíveis erros continuassem a ser descobertos. Uma tal fronteira, longe de ser
estável, seria completamente precária. Deve perguntar-se qual a razão pela qual as Partes,
neste caso, optaram por uma delimitação, em vez de se apoiarem na cláusula do Tratado
que indicava que a linha de fronteira naquela região seria a da bacia hidrográfica. Há
tratados de limites que não fazem mais do que referir-se a uma linha da bacia hidrográfica,
ou a uma linha de cumeada, e que não dispõem sobre qualquer delimitação adicional. As
Partes no presente caso devem ter tido razões para darem este passo suplementar. Isso
apenas pode ter-se devido ao facto de considerarem a indicação da base hidrográfica como
insuficiente para alcançarem estabilidade e caráter definitivo. É precisamente para os
alcançar que se recorre a delimitações e linhas cartográficas.
Há vários fatores que apoiam este ponto de vista de que o objetivo principal das Partes
era a de alcançar estabilidade e caráter definitivo através dos acordos de fronteiras de
1904-1908. De entre as provas apresentadas ao Tribunal, e pelas declarações das próprias
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123 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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Partes, parece claro que a questão geral das muito extensas fronteiras com a Indochina
francesa tinham sido, no período anterior a 1904, uma causa de incerteza, perturbação e
fricção, gerando aquilo que foi descrito num documento da altura, apresentado perante o
Tribunal, como um estado de “tensão crescente” nas relações entre o Sião e a França. O
Tribunal considera legítimo concluir que um objetivo importante, para não dizer
fundamental (p.35), dos acordos do período 1904-1908 (que resultou numa regulação
abrangente de todas as questões de fronteira mais importantes entre os dois Países) foi o
de pôr um termo a este estado de tensão e alcançar a estabilidade das fronteiras com base
na segurança e no seu caráter definitivo.
No Tratado de limites Franco-Siamês de 23 de março de 1907, as Partes afirmaram no
Preâmbulo que estavam desejosas de “garantir a regulação final de todas as questões
relacionadas com as fronteiras comuns da Indochina e Sião”. Um sinal adicional com o
mesmo objeto pode encontrar-se no desejo, amplamente evidenciado documentalmente,
e que foi evidenciado por ambas as Partes, por fronteiras naturais e visíveis. Mesmo se,
como o Tribunal declarou antes, esta não é, por si, uma razão para considerar que a
fronteira deve seguir uma linha natural e visível, apoia a ideia de que as Partes queriam
certeza e caráter definitivo através de linhas naturais e visíveis.
A mesma ideia é fortemente apoiada pela atitude das Partes relativamente às fronteiras
nos Tratados de 1925 e 1937. Excluindo expressamente as fronteiras do processo de
revisão de Tratados anteriores, efetuado pelos Tratados de 1925 e 1937, as Partes
testemunharam a importância fundamental que atribuíam ao caráter definitivo neste
campo. A sua atitude em 1925 e 1937 pode, com propriedade, ser tomada como
demonstração de que, da mesma forma, desejavam esse caráter definitivo no período
1904-1908.
A indicação da linha da bacia hidrográfica no Artigo 1 do Tratado de 1904 não era,
por si, mais do que uma maneira óbvia e conveniente de descrever objetivamente a linha
de fronteira, ainda que em termos gerais. Não há, no entanto, razão que leve a supor que
as Partes atribuíam uma qualquer importância especial à linha da bacia hidrográfica
enquanto tal, quando comparada com a importância muito superior, no interesse da
definitividade, de aderirem à linha cartográfica tal como delimitada e por elas aceite. O
Tribunal, por conseguinte, sente-se vinculado, como questão de interpretação do tratado,
a pronunciar-se a favor da linha tal como mapeada na área objeto do diferendo.
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124 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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segundo o qual o Estado colonizador não podia concluir tratados que incidissem sobre os
elementos essenciais do direito dos povos depois do desencadear de um processo de
libertação nacional. De acordo com a Guiné-Bissau, este Acordo seria nulo e, tratando-se
de uma norma de jus cogens, o Senegal não teria o direito de confirmar o tratado. A norma
em que se apoia a Guiné-Bissau existe em direito internacional, mas, como se diz no
parágrafo precedente, não pertence ao jus cogens. Por conseguinte, o Senegal tinha
liberdade total e absoluta de aceitar ou não o Acordo de 1960. Em virtude desta faculdade,
o Senegal aceitou-o e invoca agora a sua aplicação perante este Tribunal. A Guiné-Bissau,
pelo seu lado, não tem o direito de pedir ao Tribunal a nulidade do Acordo de 1960
baseando-se numa violação da norma invocada pela França, em prejuízo do Senegal.
46. A Guiné-Bissau sustenta igualmente que Portugal teria violado, em seu detrimento,
a mesma regra já referida, a qual não seria mais do que um corolário do princípio da
autodeterminação dos povos. Afirma, com mais precisão, que em 1960 Portugal não tinha
competência para assinar o Acordo: ‘Nem uma nem outra das Potências coloniais
dispunha, em 1960, da plenitude de soberania necessária para concluir [tratados]’ (PV/3,
p. 133).
47. Para provar a aplicabilidade desta regra ao caso concreto, a Guiné-Bissau procura
demonstrar que, em 1960, data do Acordo franco-português, o processo de libertação na
Guiné já se tinha iniciado.
Tanto na sua réplica como no decorrer das audiências, a Guiné-Bissau descreveu,
sobretudo, a evolução do processo de libertação nacional na província portuguesa da
Guiné. De acordo com as provas fornecidas, o período que medeia entre 1955 e 1960
caracteriza-se pela fundação, na Guiné ou no estrangeiro, de diversas associações,
algumas clandestinas, que declaravam ter como finalidade última a independência do seu
país. Assim, é criado em 1955 em Bissau o Movimento da Independência Nacional da
Guiné portuguesa (MING), formado por um grupo de comerciantes, de funcionários e de
estudantes, movimento que se extingue no ano seguinte. Em setembro de 1956 é fundado
em Bissau o Partido Africano da Independência (PAI), o qual, a partir de 1960, se
designará PAIGC. Em 1958, surge o Movimento Anti-Colonial (MAC), que resulta dos
trabalhos de um pequeno grupo de estudos, reunido em Paris em novembro de 1957, sobre
a situação e as perspetivas de luta nas colónias portuguesas. Em 1959, é constituída a
Frente de Libertação da Guiné e de Cabo Verde (FLGCV). Em 1960, o PAIGC e o
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) criam a FRAIN (Frente
Revolucionária Africana para a Independência das Colónias portuguesas). Este
organismo só terá um ano de existência e é substituído em 1961 pela Conferência das
Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).
Durante este período, e mais precisamente a 3 de agosto de 1959, teve lugar a repressão
laboral de Pidjiguiti, em que morreram cinquenta pessoas. Este acontecimento
transformou-se no símbolo da luta de libertação nacional.
A 3 de Agosto de 1961, o PAIGC proclama a passagem da luta política à insurreição
nacional. São então cometidos alguns atos de sabotagem, que provocam um grande
número de prisões. A luta armada na Guiné só começa em janeiro de 1963 (Réplica, vol.
I, p. 213; PV/3, p. 64).
48. Pelo seu lado, Portugal adotava como política a negação da existência das suas
próprias colónias. Considerava-se como Estado unitário constituído por províncias
situadas em vários continentes. Durante os anos 60, Portugal continuou a representar as
suas províncias ultramarinas tanto junto da Organização das Nações Unidas quanto de
outras organizações internacionais. Em 1972, pela resolução 2918 (XXVII), a Assembleia
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Questões, Casos e Materiais
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Geral das Nações Unidas afirmou ‘que os movimentos de libertação nacional de Angola,
da Guiné (Bissau) e de Cabo Verde e de Moçambique são os representantes autênticos
das verdadeiras aspirações dos povos desses territórios’, mas sem nomear os referidos
movimentos. A resolução 3113 (XXVIII) reiterou esta ideia e, finalmente, a resolução
3294 (XXIX) reafirmou “que a Frente Nacional para a Libertação de Angola, o
Movimento Popular de Libertação de Angola, o Partido Africano da Independência da
Guiné e Cabo Verde, a Frente de Libertação de Moçambique e o Movimento de
Libertação de São Tomé e Príncipe… são representantes autênticos dos povos
respetivos”. Até 1973, Portugal exerceu a representação da província ultramarina da
Guiné nas Nações Unidas. A 17 de Dezembro de 1973, a resolução 3181 I (XXVIII) da
Assembleia Geral reconheceu os poderes dos representantes de Portugal unicamente para
o Estado situado no interior das fronteiras europeias, recusando-lhes qualquer
representatividade relativamente a Moçambique, a Angola e à Guiné-Bissau. Esta
resolução não era mais do que a consequência lógica da resolução 3061 (XXVIII), de 2
de novembro de 1973, na qual a Assembleia Geral se congratulava com o acesso à
independência da Guiné-Bissau.
49. O Senegal afirma que o princípio da autodeterminação dos povos surgiu depois de
1960 e não pode ser aplicado retroativamente. Quanto ao corolário que a Guiné-Bissau
retira deste princípio, segundo o qual o Estado colonizador não podia concluir certos
tratados relativos ao seu território colonial a partir do momento em que fosse
desencadeado um processo de libertação, o Senegal aceitou-o nas suas alegações (PV/9,
p. 62), mas recusa que a situação na Guiné em 1960 pudesse ser considerada como a o
desencadear de um processo desse género.
50. Num processo de libertação nacional há sempre, na origem, um pequeno grupo de
homens decididos que se organiza e que, pouco a pouco, desenvolve uma atividade nos
planos intelectual, político e militar, até à obtenção da independência do seu país. A
duração deste processo e os métodos a aplicar dependem de diversos fatores, entre os
quais se pode referir a política do Estado colonizador e o auxílio que o movimento de
libertação obtém do estrangeiro. No processo de libertação, atinge-se um estádio em que
as aspirações do movimento são especificadas e em que está organizado
institucionalmente. Depois de se estruturar, o movimento pode começar a agir e sai da
clandestinidade. A ação não é obrigatoriamente levada a cabo no plano da guerrilha, pode
tratar-se, apenas, de uma atividade política. Mas é necessário sublinhar que o elemento
decisivo do êxito ou do fracasso de um movimento de libertação nacional é sempre o
concurso da vontade popular.
51. Neste processo de formação de um movimento de libertação nacional, a questão
jurídica não consiste em identificar o instante preciso em que este nasceu como tal. O que
importa saber é a partir de quando a sua atividade teve um alcance internacional.
Tal como observou o Senegal, existem hoje na Europa ocidental e noutras parcelas do
Mundo vários movimentos independentistas. Não é possível afirmar que a atividade de
um ou de outro de entre eles tem um alcance internacional pelo simples facto de se ter
constituído como organização ou de ter levado a cabo certas manifestações públicas.
Essas atividades têm alcance no plano internacional apenas a partir do momento que
que constituem, na vida institucional do Estado territorial, um evento anormal que o força
a adotar medidas excecionais, quer dizer, quando, para dominar ou tentar dominar os
acontecimentos, é levado a recorrer a meios que não são aqueles a que se recorre
normalmente para fazer face a distúrbios ocasionais.
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No caso do que era na altura a Guiné portuguesa, o Tribunal não tem que analisar se o
processo de libertação nacional tinha ou não começado em 1960; o que é necessário
indagar é se as atividades pelas quais se manifestava esse processo em abril de 1960
tinham ou não um alcance internacional.
52. A este propósito, e referindo-se ao período da assinatura do Acordo de 26 de abril
[de 1960], a Guiné-Bissau afirmou na sua Memória (p. 62): “1959/1960, ainda não se
pode dizer que a integridade das competências portuguesas tenha sido afetada no plano
territorial”. Além disso, foi confirmada por diversas vezes na presente arbitragem a
afirmação da sentença arbitral de 14 de fevereiro de 1985 entre a Guiné e a Guiné-Bissau
de acordo com a qual a guerra de libertação só teve início em 1963 na Guiné portuguesa
(Réplica, vol. I, p. 213; PV/3, p. 64). Quanto às Nações Unidas, só em novembro de 1973
– quer dizer, depois da proclamação da independência da Guiné-Bissau – é que adotaram
uma resolução, de acordo com a qual Portugal já não representava aquele país. No caso
concreto, não foram aduzidas provas que demonstrassem que, em 1960, a vida
institucional do que era então a Guiné portuguesa sofria perturbação tal que o Estado
tivesse de recorrer a medidas excecionais para assegurar o desenrolar normal das
atividades civis e para garantir a segurança pública.
Por todas estas razões, a norma que restringe a capacidade do Estado uma vez
desencadeado o processo de libertação não é aplicável à situação que existia em 1960 na
Guiné portuguesa.
3. Assembleia Geral das Nações Unidas, resolução 3294 (XXIX), A questão dos
territórios sob domínio português, 13 de dezembro de 1974
A Assembleia Geral,
Tendo considerado a questão dos territórios sob domínio português, (…)
Consciente de que as mudanças na política de Portugal relativamente aos seus
Territórios coloniais ocorreram, sobretudo, como consequência da luta heroica e da
resistência persistente dos povos dos Territórios respetivos, conduzidos pelos seus
movimentos de libertação nacional, para conseguirem a sua independência e a restauração
dos seus direitos humanos, (…)
Reiterando que só a descolonização total poderá restaurar a paz nos Territórios, (…)
Tendo presente a responsabilidade das Nações Unidas em continuar a prestar apoio
moral e material aos povos dos Territórios sob domínio português e aos seus movimentos
de libertação nacional reconhecidos pela Organização de Unidade Africana nos seus
esforços para consolidar a unidade nacional e reconstruir os seus países,
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Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
4. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Carta de Banjul, 27 de junho
de 1981
Artigo 19
Todos os povos são iguais, gozam da mesma dignidade e têm os mesmos direitos.
Nada pode justificar a dominação de um povo por outro.
Artigo 20
1.Todo povo tem direito à existência. Todo povo tem um direito imprescritível e
inalienável à autodeterminação. Ele determina livremente o seu estatuto político e
assegura o seu desenvolvimento económico e social segundo a via que livremente
escolheu.
2. Os povos colonizados ou oprimidos têm o direito de se libertar do seu estado de
dominação recorrendo a todos os meios reconhecidos pela comunidade internacional.
3.Todos os povos têm direito à assistência dos Estados Partes na presente Carta, na sua
luta de libertação contra a dominação estrangeira, quer seja esta de ordem política,
econômica ou cultural.
Questões:
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129 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
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https://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft_articles/9_11_2011.pdf
Parte Um
Introdução
Artigo 1
Âmbito do presente projeto de artigos
1. O presente projeto de artigos regula a responsabilidade internacional de qualquer
organização internacional por um facto internacionalmente ilícito.
(..)
Artigo 2
Termos utilizados
Para efeitos do presente projeto de artigos,
(a) uma ‘organização internacional’ significa uma organização estabelecida por um
tratado ou outro instrumento regulado pelo direito internacional e que possui a sua própria
personalidade jurídica internacional. As organizações internacionais podem ter como
membros, além de Estados, outras entidades;
(b) as ´regras da organização’ significa, em especial, os instrumentos constitutivos, as
decisões, as resoluções e outros atos da organização internacional adotados de acordo
com aqueles instrumentos e a prática estabelecida da organização;
(c) um ‘órgão de uma organização internacional’ significa qualquer pessoa ou entidade
que tem esse estatuto de acordo com as regras da organização;
(d) um ‘agente de uma organização internacional’ significa um funcionário ou outra
pessoa ou entidade, que não um órgão, que tem a responsabilidade, atribuída pela
organização, de desempenhar ou auxiliar no desempenho de uma das suas funções e
assim, aqueles através dos quais a organização atua.”
Questões:
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130 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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2. TIJ, Licitude da utilização de armas nucleares por um Estado num conflito armado,
Parecer Consultivo, 8 de julho de 1996, Col. 1996, pp. 66 ss., 79-81
“Como a Comissão Europeia não é um Estado, mas uma instituição internacional dotada de um objeto
especial, apenas detém as atribuições que lhe são conferidas no Estatuto definitivo, para lhe permitir realizar
esse objeto; mas tem competência para exercer essas funções na sua plenitude, desde que o Estatuto não
lhe imponha restrições” (Competência da Comissão Europeia do Danúbio, Parecer Consultivo, 1927, TPJI,
série B, n.º 14, p. 64).
“De acordo com o direito internacional, deve considerar-se que a organização possui estes poderes que, se
não são expressamente enunciados na Carta, são, por consequência necessária, conferidos à organização
por serem essenciais para o exercício das suas funções. Este princípio jurídico foi aplicado à Organização
Internacional do Trabalho pelo Tribunal Permanente de Justiça Internacional no seu Parecer consultivo n.º
13, de 23 de julho de 1926 (Série B, n.º 13, p. 18) e deve sê-lo à Organização das Nações Unidas”
(Reparação dos danos sofridos ao serviço das Nações Unidas, Parecer Consultivo, TIJ, Col. 1949, pp. 182-
183; cf. Efeito de julgamentos do Tribunal Administrativo das Nações Unidas que conferem indemnização,
TIJ, Col. 1954, p. 57).
26. Para além disso, a OMS é uma organização internacional de uma natureza particular.
Tal como anuncia o preâmbulo e o confirma o artigo 69 da sua Constituição, “a
Organização está ligada às Nações Unidas como uma das organizações especializadas
previstas no artigo 57 da Carta das Nações Unidas”. (…) É difícil sustentar que,
autorizando várias organizações especializadas a solicitar Pareceres ao Tribunal, nos
termos do artigo 96, n.º 2, da Carta, a Assembleia Geral tenha querido permitir-lhes
suscitar perante o Tribunal questões que advêm de uma competência de atribuição das
Nações Unidas. Pelo conjunto destes motivos, o Tribunal considera que a questão sobre
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131 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
que incide o pedido de parecer consultivo que a OMS lhe submeteu não se inclui “no
quadro de atividade” desta organização, tal como definido pela sua Constituição.
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132 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
24. Para esse efeito, o n.º 1 do artigo 75 encarrega o Conselho de estabelecer as regras
comuns e de tomar, por outro lado, «quaisquer outras disposições adequadas».
25. Nos termos da alínea a) da mesma disposição, as regras comuns são aplicáveis «aos
transportes internacionais efetuados a partir de ou com destino ao território de um Estado-
membro ou que atravessem o território de um ou vários Estados-membros».
26. Esta disposição diz igualmente respeito, no que se refere à parte do trajeto situada em
território comunitário, aos transportes provenientes ou destinados a Estados terceiros.
27. A mesma disposição pressupõe, por isso, que a competência da Comunidade abrange
as relações que relevam do direito internacional e implica, por isso, no referido domínio,
a necessidade de acordos com os Estados terceiros interessados.
28. Embora os artigos 74 e 75 não prevejam explicitamente a competência da
Comunidade para a conclusão de acordos internacionais, a entrada em vigor, em 25 de
Março de 1969, do Regulamento n.º 543/69 do Conselho relativo à harmonização de
determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários (…)
teve, contudo, como efeito necessário atribuir à Comunidade competência para concluir
com Estados terceiros todos os acordos que se refiram à matéria disciplinada pelo mesmo
regulamento.
29. Esta atribuição de competência é, aliás, expressamente reconhecida pelo artigo 3 do
referido regulamento, que prevê que «a Comunidade encetará com países terceiros as
negociações que se venham a revelar necessárias à aplicação do presente regulamento».
30. Relevando a matéria do AETR do domínio de aplicação do Regulamento n.º 543/69,
a competência para negociar e concluir o acordo em questão pertence à Comunidade, após
a entrada em vigor do referido regulamento.
31. Esta competência comunitária exclui a possibilidade duma competência concorrente
dos Estados-membros, sendo qualquer iniciativa tomada fora do quadro das instituições
comuns incompatível com a unidade do mercado comum e a aplicação uniforme do
direito comunitário.
Questões:
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133 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Nota: As Comunidades Europeias (atual União Europeia) foram criadas originalmente como uma
organização internacional de âmbito essencialmente económico.
Com a progressiva expansão das competências da UE em políticas que têm um impacto direito com os
direitos fundamentais, os tratados foram sendo alterados de modo a ancorar, sem sombra de dúvida, a
proteção dos direitos fundamentais na UE.
Entretanto, com o Tratado de Lisboa, o artigo 6 do Tratado da UE, estabelece o seguinte:
“2. A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados.
3. Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante
a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e tal como
resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros.”
Por outro lado, o artigo 47 estabelece: “A União tem personalidade jurídica.”
(…)
I – Pedido de parecer
1. O pedido de parecer submetido ao Tribunal de Justiça da União Europeia pela
Comissão Europeia tem a seguinte redação: «O projeto de Acordo relativo à adesão da
União Europeia à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das
Liberdades Fundamentais [assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, a seguir
‘CEDH’] é compatível com os Tratados?»
(…)
V – Projeto de acordo
49. O Projeto de Acordo contém as disposições consideradas necessárias para que a União
possa aderir à CEDH. Um primeiro grupo dessas disposições diz respeito à adesão
propriamente dita e introduz os mecanismos processuais necessários para permitir uma
adesão efetiva. Um segundo grupo das referidas disposições, de caráter puramente
técnico, prevê, por um lado, as alterações a esta Convenção que se impõem atendendo ao
facto de esta ter sido redigida para se aplicar aos Estados‑Membros do Conselho da
Europa, quando a União não é nem um Estado nem um membro dessa organização
internacional. Por outro lado, estão previstas disposições relativas a outros instrumentos
ligados à CEDH, bem como as cláusulas finais sobre a entrada em vigor e as notificações
dos atos de ratificação ou de adesão.
(…)
B – Quanto ao mérito
1. Considerações preliminares
153. Antes mesmo de iniciar a análise do pedido da Comissão, importa salientar, a título
preliminar, que, diversamente do estado do direito comunitário em vigor à data em que o
Tribunal de Justiça proferiu o seu parecer 2/94 (…), a adesão da União à CEDH dispõe,
desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, de uma base jurídica específica no artigo
6 TUE.
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175. Neste quadro, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça
garantir a aplicação plena do direito da União em todos os Estados-Membros, bem como
a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos particulares pelo referido direito (…).
176. Em especial, a pedra angular do sistema jurisdicional assim concebido é constituída
pelo processo de reenvio prejudicial, previsto no artigo 267 TFUE, que, ao instituir um
diálogo de juiz para juiz, precisamente, entre o Tribunal de Justiça e os órgãos
jurisdicionais dos Estados-Membros, tem por objetivo assegurar a unidade de
interpretação do direito da União (…), permitindo assim assegurar a sua coerência, o seu
pleno efeito e a sua autonomia, bem como, em última instância, o caráter adequado do
direito instituído pelos Tratados (…).
177. Por conseguinte, é no respeito deste quadro constitucional, recordado nos n.ºs 155 a
176 do presente parecer, que os direitos fundamentais, conforme reconhecidos em
especial pela Carta, devem ser interpretados e aplicados no âmbito da União.
178. A fim de tomar posição sobre o pedido de parecer da Comissão, importa não só
verificar se o Acordo Projetado é suscetível de lesar as características específicas do
direito da União acima recordadas e, como a própria Comissão sublinhou, a autonomia
deste direito na interpretação e na aplicação dos direitos fundamentais — conforme
reconhecidos pelo direito da União e, designadamente, pela Carta — mas também
examinar se os mecanismos institucionais e processuais previstos nesse acordo asseguram
o respeito das condições a que os Tratados subordinaram a adesão da União à CEDH.
179. Importa recordar que, em conformidade com o artigo 6, n.º 3, TUE, os direitos
fundamentais, tal como garantidos pela CEDH, fazem parte do direito da União, enquanto
princípios gerais. Todavia, na falta de adesão da União à Convenção, esta não constitui
um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União (…).
180. Em contrapartida, em resultado da adesão, a CEDH, como qualquer outro acordo
internacional celebrado pela União, vincularia, por força do artigo 216, n.º 2, TFUE, as
instituições da União e os Estados-Membros e faria, por conseguinte, parte integrante do
direito da União (…).
181. Assim, a União, como qualquer outra Parte Contratante, estaria sujeita a uma
fiscalização externa que teria por objeto o respeito dos direitos e das liberdades que a
União se comprometeria a observar em conformidade com o artigo 1 da CEDH. Neste
contexto, a União e as suas instituições, incluindo o Tribunal de Justiça, ficariam sujeitos
aos mecanismos de fiscalização previstos nesta Convenção e, em especial, às decisões e
acórdãos do TEDH.
182. A este propósito, é verdade que o Tribunal de Justiça já esclareceu que um acordo
internacional que prevê a criação de uma jurisdição com competência para interpretar as
suas disposições e cujas decisões vinculam as instituições, incluindo o Tribunal de
Justiça, não é, em princípio, incompatível com o direito da União, e isso é tanto mais
assim quanto, como no caso em apreço, a celebração desse acordo está prevista nos
próprios Tratados. Com efeito, a competência da União em matéria de relações
internacionais e a sua capacidade para celebrar acordos internacionais comportam
necessariamente a faculdade de se submeter às decisões de uma jurisdição criada ou
136
137 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
designada em virtude de tais acordos, no que diz respeito à interpretação e à aplicação das
suas disposições (…).
183. Todavia, o Tribunal de Justiça também precisou que um acordo internacional só
pode ter repercussões nas suas próprias competências se os requisitos essenciais de
preservação da natureza destas estiverem reunidos e, consequentemente, a autonomia da
ordem jurídica da União não for prejudicada (…).
184. Em especial, a intervenção dos órgãos investidos de competências decisórias pela
CEDH, como prevista no Acordo Projetado, não deve ter por efeito impor à União e às
suas instituições, no exercício das suas competências internas, uma interpretação
determinada das regras de direito da União (…).
185. Ora, é certamente inerente ao próprio conceito de fiscalização externa que, por um
lado, a interpretação da CEDH fornecida pelo TEDH vincularia, por força do direito
internacional, a União e as suas instituições, incluindo o Tribunal de Justiça, e que, por
outro lado, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça acerca de um direito reconhecido
por esta Convenção não vincularia os mecanismos de fiscalização previstos pela mesma
e, muito em especial, o TEDH, como previsto no artigo 3, n.º 6, do Projeto de Acordo e
clarificado no n.º 68 do Projeto de Relatório Explicativo.
186. Todavia, o mesmo não se pode aplicar relativamente à interpretação dada pelo
Tribunal de Justiça do direito da União, incluindo da Carta. Em especial, as apreciações
do Tribunal de Justiça relativas ao âmbito de aplicação material do direito da União, para
efeitos, designadamente, de determinar se um Estado‑Membro está obrigado a respeitar
os direitos fundamentais da União, não deveriam poder ser postas em causa pelo TEDH.
(…)
190. Ora, no Acordo projetado não se previu nenhuma disposição para assegurar tal
coordenação.
191. Em segundo lugar, importa recordar que o princípio da confiança mútua entre os
Estados‑Membros tem, no direito da União, uma importância fundamental, dado que
permite a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Ora, este
princípio impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e
justiça, que cada um dos Estados‑Membros considere, salvo em circunstâncias
excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União e, muito
em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (…).
192. Assim, quando aplicam o direito da União, os Estados‑Membros podem ser
obrigados, por força desse mesmo direito, a presumir o respeito dos direitos fundamentais
por parte dos outros Estados‑Membros, pelo que não lhes é possível exigir a outro
Estado‑Membro um nível de proteção nacional dos direitos fundamentais mais elevado
do que o assegurado pelo direito da União, nem tão‑pouco, salvo em circunstâncias
excecionais, verificar se esse outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso
concreto, os direitos fundamentais garantidos pela União.
193. Ora, a abordagem adotada no âmbito do Acordo Projetado, que consiste em
equiparar a União a um Estado‑Membro e em lhe reservar um papel em tudo idêntico ao
de qualquer outra Parte Contratante, ignora precisamente a natureza intrínseca da União
e, em especial, não toma em consideração a circunstância de os Estados‑Membros, pelo
facto de serem membros da União, terem aceitado que as suas relações mútuas, no que
respeita às matérias que foram objeto da transferência de competências dos
Estados‑Membros para a União, sejam reguladas pelo direito da União, com exclusão, se
este assim o exigir, de qualquer outro direito.
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1º semestre
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Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Questões:
a) Identifique as principais questões suscitadas pelo TJUE no seu parecer de 2014,
enquadrando-as de um ponto de vista de direito internacional.
b) Considerando aquilo que já estudou sobre o direito internacional e os sujeitos de direito
internacional, faça uma apreciação crítica das questões identificadas.
[…]
CAPÍTULO III
ÓRGÃOS
Artigo 7
1 - Ficam estabelecidos como órgãos principais das Nações Unidas: uma Assembleia
Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Económico e Social, um Conselho de
Tutela, um Tribunal Internacional de Justiça e um Secretariado.
2 - Poderão ser criados, de acordo com a presente Carta, os órgãos subsidiários
considerados necessários.
CAPÍTULO IV
ASSEMBLEIA GERAL
Composição
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140 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Artigo 9
1 - A Assembleia Geral será constituída por todos os membros das Nações Unidas.
2 - Nenhum membro deverá ter mais de cinco representantes na Assembleia Geral.
Funções e poderes
Artigo 10
A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro
das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com os poderes e funções de
qualquer dos órgãos nela previstos, e, com exceção do estipulado no artigo 12, poderá
fazer recomendações aos membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança, ou
a este e àqueles, conjuntamente, com a referência a quaisquer daquelas questões ou
assuntos.
Artigo 11
1 - A Assembleia Geral poderá considerar os princípios gerais de cooperação na
manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que disponham
sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá fazer
recomendações relativas a tais princípios aos membros ou ao Conselho de Segurança, ou
a este e àqueles conjuntamente.
2 - A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz
e da segurança internacionais, que lhe forem submetidas por qualquer membro das
Nações Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja membro
das Nações Unidas, de acordo com o artigo 35, n.º 2, e, com exceção do que fica
estipulado no artigo 12, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões
ao Estado ou Estados interessados ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles.
Qualquer destas questões, para cuja solução seja necessária uma ação, será submetida ao
Conselho de Segurança pela Assembleia Geral, antes ou depois da discussão.
3 - A Assembleia Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para
situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.
4 - Os poderes da Assembleia Geral enumerados neste artigo não limitarão o alcance geral
do artigo 10.
Artigo 12
1 - Enquanto o Conselho de Segurança estiver a exercer, em relação a qualquer
controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a
Assembleia Geral não fará nenhuma
recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de
Segurança o
solicite.
[…]
CAPÍTULO V
CONSELHO DE SEGURANÇA
Composição
Artigo 23
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141 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Funções e poderes
Artigo 24
1 - A fim de assegurar uma ação pronta e eficaz por parte das Nações Unidas, os seus
membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na
manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que, no cumprimento
dos deveres impostos por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja em nome
deles.
2 - No cumprimento desses deveres, o Conselho de Segurança agirá de acordo com os
objectivos e os princípios das Nações Unidas. Os poderes específicos concedidos ao
Conselho de Segurança para o cumprimento dos referidos deveres estão definidos nos
capítulos VI, VII, VIII e XII.
3 - O Conselho de Segurança submeterá à apreciação da Assembleia Geral relatórios
anuais e, quando necessário, relatórios especiais.
Artigo 25
Os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho
de Segurança, de acordo com a presente Carta.
[…]
Votação
Artigo 27
1 - Cada membro do Conselho de Segurança terá um voto.
2 - As decisões do Conselho de Segurança, em questões de procedimento, serão tomadas
por um voto afirmativo de nove membros.
3 - As decisões do Conselho de Segurança sobre quaisquer outros assuntos serão tomadas
por voto favorável de nove membros, incluindo os votos de todos os membros
permanentes, ficando entendido que, no que se refere às decisões tomadas nos termos do
capítulo VI e do n.º 3 do artigo 52, aquele que for parte numa controvérsia se absterá de
votar.
[…]
141
142 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
CAPÍTULO XIV
O TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
Artigo 92
O Tribunal Internacional de Justiça será o principal órgão judicial das Nações Unidas.
Funcionará de acordo com o Estatuto anexo, que é baseado no Estatuto do Tribunal
Permanente de Justiça Internacional e forma parte integrante da presente Carta.
Artigo 93
1 - Todos os membros das Nações Unidas são ipso facto partes no Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça.
2 - Um Estado que não for membro das Nações Unidas poderá tornar-se parte no Estatuto
do Tribunal Internacional de Justiça, em condições que serão determinadas, em cada caso,
pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.
[…]
CAPÍTULO XVI
DISPOSIÇÕES DIVERSAS
Artigo 102
1 - Todos os tratados e todos os acordos internacionais concluídos por qualquer membro
das Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta deverão, dentro do mais
breve prazo possível, ser registados e publicados pelo Secretariado.
2 - Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido
registado em conformidade com as disposições do n.º 1 deste artigo poderá invocar tal
tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações Unidas.
Artigo 103
No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da
presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta.
Artigo 104
A Organização gozará, no território de cada um dos seus membros, da capacidade jurídica
necessária ao exercício das suas funções e à realização dos seus objetivos.
Artigo 105
1 - A Organização gozará, no território de cada um dos seus membros, dos privilégios e
imunidades necessários à realização dos seus objetivos.
2 - Os representantes dos membros das Nações Unidas e os funcionários da Organização
gozarão, igualmente, dos privilégios e imunidades necessários ao exercício independente
das suas funções relacionadas com a Organização.
3 - A Assembleia Geral poderá fazer recomendações com o fim de determinar os
pormenores da aplicação dos nºs 1 e 2 deste artigo ou poderá propor aos membros das
Nações Unidas convenções nesse sentido.
142
143 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
CAPÍTULO XVIII
EMENDAS
Artigo 108
As emendas à presente Carta entrarão em vigor, para todos os membros das Nações
Unidas, quando forem adotadas pelos votos de dois terços dos membros da Assembleia
Geral e ratificadas, de acordo com os seus respetivos métodos constitucionais, por dois
terços dos membros das Nações Unidas, inclusive todos os membros permanentes do
Conselho de Segurança.
[…]
http://bibliobase.sermais.pt:8008/BiblioNET/Upload/PDF2/0902_Constituição%20da%20Organização%2
0Mundial%20da%20Saúde.pdf
Os Estados parte desta Constituição declaram, em conformidade com a Carta das Nações
Unidas, que os seguintes princípios são basilares para a felicidade dos povos, para as suas
relações harmoniosas e para a sua segurança;
A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas
na ausência de doença ou de enfermidade.
Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos
fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político,
de condição económica ou social.
A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da
mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados.
Os resultados conseguidos por cada Estado na promoção e proteção da saúde são de valor
para todos.
O desigual desenvolvimento em diferentes países no que respeita à promoção de saúde e
combate às doenças, especialmente contagiosas, constitui um perigo comum.
O desenvolvimento saudável da criança é de importância basilar; a aptidão para viver
harmoniosamente num meio variável é essencial a tal desenvolvimento.
A extensão a todos os povos dos benefícios dos conhecimentos médicos, psicológicos e
afins é essencial para atingir o mais elevado grau de saúde.
Uma opinião pública esclarecida e uma cooperação activa da parte do público são de uma
importância capital para o melhoramento da saúde dos povos.
Os Governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida
pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas.
Aceitando estes princípios com o fim de cooperar entre si e com os outros para promover
e proteger a saúde de todos os povos, as partes contratantes concordam com a presente
Constituição e estabelecem a Organização Mundial da Saúde como um organismo
especializado, nos termos do artigo 57 da Carta das Nações Unidas.
Capítulo I
Objetivo
Artigo 1
143
144 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Capítulo II
Funções
Artigo 2
Para conseguir o seu objetivo, as funções da Organização serão:
a) Atuar como autoridade diretora e coordenadora dos trabalhos internacionais no
domínio da saúde;
b) Estabelecer e manter colaboração efetiva com as Nações Unidas, organismos
especializados, administrações sanitárias governamentais, grupos profissionais e outras
organizações que se julgue apropriado;
c) Auxiliar os Governos, a seu pedido, a melhorar os serviços de saúde;
d) Fornecer a assistência técnica apropriada e, em caso de urgência, a ajuda necessária, a
pedido dos Governos ou com o seu consentimento;
e) Prestar ou ajudar a prestar, a pedido das Nações Unidas, serviços sanitários e
facilidades a grupos especiais, tais como populações de territórios sob tutela;
f) Estabelecer e manter os serviços administrativos e técnicos julgados necessários,
compreendendo os serviços de epidemiologia e de estatística;
g) Estimular e aperfeiçoar os trabalhos para eliminar doenças epidémicas, endémicas e
outras;
h) Promover, em cooperação com outros organismos especializados, quando for
necessário, a prevenção de danos por acidente;
i) Promover, em cooperação com outros organismos especializados, quando for
necessário, o melhoramento da alimentação, da habitação, do saneamento, do recreio, das
condições económicas e de trabalho e de outros fatores de higiene do meio ambiente;
j) Promover a cooperação entre os grupos científicos e profissionais que contribuem para
o progresso da saúde;
k) Propor convenções, acordos e regulamentos e fazer recomendações respeitantes a
assuntos internacionais de saúde e desempenhar as funções que neles sejam atribuídas à
Organização, quando compatíveis com os seus fins;
l) Promover a saúde e o bem-estar da mãe e da criança e favorecer a aptidão para viver
harmoniosamente num meio variável;
m) Favorecer todas as atividades no campo da saúde mental, especialmente as que afetam
a harmonia das relações humanas;
n) Promover e orientar a investigação no domínio da saúde;
o) Promover o melhoramento das normas de ensino e de formação prática do pessoal
sanitário, médico e de profissões afins;
p) Estudar e relatar, em cooperação com outros organismos especializados, quando for
necessário, as técnicas administrativas e sociais referentes à saúde pública e aos cuidados
médicos sob os pontos de vista preventivo e curativo, incluindo os serviços hospitalares
e a segurança social;
q) Fornecer informações, pareceres e assistência no domínio da saúde;
r) Ajudar a formar entre todos os povos uma opinião pública esclarecida sobre assuntos
de saúde;
s) Estabelecer e rever, conforme for necessário, a nomenclatura internacional das
doenças, das causas de morte e dos métodos de saúde pública;
144
145 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Capítulo III
Membros e membros associados
Artigo 3
A qualidade de membro da Organização é acessível a todos os Estados.
Artigo 4
Os Estados membros das Nações Unidas podem tornar-se membros da Organização
assinando ou aceitando de qualquer outra maneira esta Constituição, de acordo com as
disposições do capítulo XIX e de acordo com as suas normas constitucionais.
(…)
Artigo 7
Se um Estado membro não cumprir as suas obrigações financeiras para com a
Organização, ou em outras circunstâncias excecionais, a Assembleia da Saúde pode, em
condições que ela julgue apropriadas suspender os privilégios de voto e os serviços a que
um Estado membro tem direito. A Assembleia da Saúde terá autoridade para restabelecer
tais privilégios de voto e serviços.
(…)
Capítulo IV
Órgãos
Artigo 9
O funcionamento da Organização é assegurado por:
a) A Assembleia Mundial da Saúde (daqui em diante denominada Assembleia da Saúde);
b) O Conselho Executivo (daqui em diante denominado Conselho);
c) O Secretariado.
Capítulo V
Assembleia Mundial da Saúde
Artigo 10
A Assembleia da Saúde é composta por delegados representando os Estados membros.
(…)
Artigo 17
A Assembleia da Saúde adotará o seu próprio regulamento.
Artigo 18
145
146 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 19
A Assembleia da Saúde terá autoridade para adotar convenções ou acordos respeitantes a
qualquer assunto que seja da competência da Organização. Será necessário uma maioria
de dois terços dos votos da Assembleia da Saúde para a adoção de tais convenções ou
acordos, que entrarão em vigor para cada Estado membro quando aceites por ele em
conformidade com as suas normas constitucionais.
(…)
Capítulo VI
Conselho Executivo
Artigo 24
O Conselho será composto por dezoito pessoas indicadas por outros tantos Estados
membros. A Assembleia da Saúde, tendo em conta uma distribuição geográfica
equitativa, elegerá os Estados membros, com direito a indicar uma pessoa para fazer parte
do Conselho. Cada um destes Estados membros nomeará para o Conselho uma pessoa
146
147 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 28
As funções do Conselho serão:
a) Executar as decisões e as diretrizes da Assembleia da Saúde;
b) Atuar como órgão executivo da Assembleia da Saúde;
c) Exercer todas as funções que lhe sejam confiadas pela Assembleia da Saúde;
d) Aconselhar a Assembleia da Saúde sobre as questões que lhe sejam apresentadas por
aquele organismo e sobre os assuntos atribuídos à Organização por convenções, acordos
e regulamentos;
e) Submeter pareceres ou propostas à Assembleia da Saúde, por sua própria iniciativa;
f) Preparar as ordens do dia das sessões da Assembleia da Saúde;
g) Apresentar à Assembleia da Saúde, para exame e aprovação, um programa geral de
trabalho referido a um período determinado;
h) Estudar todos os assuntos dependentes da sua competência;
i) Tomar medidas de urgência dentro das funções e recursos financeiros da Organização
para tratar de acontecimentos que exijam ação imediata.
Em particular pode autorizar o diretor-geral a tomar as medidas necessárias para combater
as epidemias, participar no empreendimento de socorros sanitários a levar às vítimas de
uma catástrofe e realizar estudos ou investigações sobre a urgência dos quais tenha sido
chamada a atenção do Conselho por qualquer Estado membro ou pelo diretor-geral.
Artigo 29
O Conselho exercerá, em nome da Assembleia da Saúde integralmente, os poderes que
lhe são cometidos por este organismo.
(…)
Capítulo XVI
Relações com outras organizações
Artigo 69
A Organização será posta em conexão com as Nações Unidas como uma das instituições
especializadas referidas no artigo 57 da Carta das Nações Unidas. O acordo ou acordos
pondo a Organização em conexão com as Nações Unidas ficarão sujeitos à aprovação por
uma votação de dois terços da Assembleia da Saúde.
Artigo 70
A Organização estabelecerá relações efetivas e cooperará estreitamente com outras
organizações intergovernamentais quando for conveniente. Qualquer acordo formal
concluído com tais organizações ficará sujeito à aprovação por uma votação de dois terços
da Assembleia da Saúde.
Artigo 71
147
148 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 72
Sob reserva de aprovação por uma votação de dois terços da Assembleia da Saúde, a
Organização pode tomar a seu cargo, de qualquer outra organização ou instituição
internacional cujos fins e atividades caibam no domínio da competência da Organização,
as funções, recursos e obrigações que possam ser atribuídos à Organização, por acordo
internacional ou por acordos mutuamente aceitáveis, concluídos entre as autoridades
competentes das respetivas organizações.
Artigo 1
As Partes comprometem-se, de acordo com o estabelecido na Carta das Nações Unidas,
a regular por meios pacíficos todas as divergências internacionais em que possam
encontrar-se envolvidas, por forma que não façam perigar a paz e a segurança
internacionais, assim como a justiça, e a não recorrer, nas relações internacionais, a
ameaças ou ao emprego da força de qualquer forma incompatível com os fins das Nações
Unidas.
Artigo 2
As partes contribuirão para o desenvolvimento das relações internacionais pacíficas e
amigáveis mediante o revigoramento das suas livres instituições, melhor compreensão
dos princípios sobre que se fundam e o desenvolvimento das condições próprias para
assegurar a estabilidade e o bem-estar. As Partes esforçar-se-ão por eliminar qualquer
oposição entre as respetivas políticas económicas internacionais e encorajarão a
colaboração económica entre cada uma delas e qualquer das outras ou entre todas.
Artigo 3
A fim de atingir mais eficazmente os fins deste Tratado, as Partes, tanto individualmente
como em conjunto, manterão e desenvolverão, de maneira contínua e efetiva, pelos seus
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149 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
próprios meios e mediante mútuo auxílio, a sua capacidade individual e coletiva para
resistir a um ataque armado.
Artigo 4
As Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a
integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes.
Artigo 5
As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou
na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente,
concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do
direito de legítima defesa, individual ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51, da Carta das
Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem
demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a ação que considerar
necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na
região do Atlântico Norte.
Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência
desse ataque serão imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. Essas
providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as providências
necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais.
[…]
149
150 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Acordam no seguinte:
Artigo I
Criação da Organização
Artigo II
Âmbito da OMC
Artigo III
Funções da OMC
Artigo IV
Estrutura da OMC
150
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Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo V
Relações com outras organizações
1. O Conselho Geral tomará as medidas adequadas para garantir uma cooperação eficaz
com outras organizações intergovernamentais cujas competências estejam relacionadas
com as da OMC.
2. O Conselho Geral pode tomar as medidas adequadas para a consulta e cooperação com
organizações não governamentais que se ocupem de questões relacionadas com as da
OMC.
(…)
Artigo VIII
Estatuto da OMC
151
152 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões
a) Quais são as características que permitem identificar um tratado como constitutivo de
uma organização internacional? Identifique, recorrendo aos excertos apresentados, alguns
exemplos.
b) Considerando as categorizações estudadas a propósito das organizações internacionais
(segundo o objeto, poderes e extensão), analise os excertos apresentados a propósito das
Nações Unidas, da Organização Mundial do Comércio, da Organização Mundial de
Saúde, e da Organização do Atlântico Norte.
c) Qual a importância de as organizações internacionais terem órgãos com competências
próprias?
O INDIVÍDUO
A) Direitos
ARTIGO 1.º
Os Estados partes no Pacto que se tornem partes no presente Protocolo reconhecem que
o Comité tem competência para receber e examinar comunicações provenientes de
particulares sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de uma violação, por esses
Estados Partes, de qualquer dos direitos enunciados no Pacto. O Comité não recebe
nenhuma comunicação respeitante a um Estado Parte no Pacto que não seja parte no
presente Protocolo.
(…)
ARTIGO 5.º
1 - O Comité examina as comunicações recebidas em virtude do presente Protocolo, tendo
em conta todas as informações escritas que lhe são submetidas pelo particular e pelo
Estado parte interessado.
2 - O Comité não examinará nenhuma comunicação de um particular sem se assegurar
de que:
152
153 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
a) A mesma questão não está a ser examinada por outra instância internacional de
inquérito ou de decisão;
b) O particular esgotou todos os recursos internos disponíveis. Esta regra não se aplica
se os processos de recurso excederem prazos razoáveis.
3 - O Comité realiza as suas sessões à porta fechada quando examina as comunicações
previstas no presente Protocolo.
4 - O Comité comunica as suas constatações ao Estado parte interessado e ao particular.
Artigo 36
Comunicação com os nacionais do Estado que envia
1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado
que envia:
153
154 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
(...)
75. A Alemanha alega ainda que “o incumprimento do Artigo 36 pelos Estados Unidos
não apenas infringiu os direitos da Alemanha enquanto Estado parte na Convenção [de
Viena] mas também implicou uma violação dos direitos individuais dos irmãos
LaGrand”. Invocando o seu direito à proteção diplomática, a Alemanha procura também
obter a reparação dos Estados Unidos com este fundamento.
A Alemanha sustenta que o direito a ser informado dos direitos decorrentes da alínea b)
do n.º 1 do Artigo 36 da Convenção de Viena, é um direito individual de todo o nacional
de um Estado parte na Convenção que entre no território de outro Estado parte. Afirma
que a sua posição é suportada pelo sentido comum dos termos da alínea b) do n.º 1 do
Artigo 36 da Convenção de Viena, uma vez que a última frase dessa disposição menciona
os “direitos” nos termos da presente alínea do “interessado”, isto é, do nacional
estrangeiro detido ou preso. A Alemanha acrescenta que o disposto na alínea b) do n.º 1
do Artigo 36, nos termos do qual compete à pessoa detida decidir se a notificação consular
deve ser realizada, tem o efeito de atribuir um direito individual ao nacional estrangeiro
em causa. Na sua opinião, o contexto do Artigo 36 apoia esta conclusão uma vez que
abrange quer os interesses dos Estados que enviam e dos que são recetores, quer os dos
indivíduos. De acordo com a Alemanha, os travaux préparatoires da Convenção de Viena
conferem apoio adicional a esta interpretação. Para além disso, a Alemanha afirma que a
“Declaração das Nações Unidas sobre os direitos humanos de indivíduos que não são
nacionais do país onde residem”, adotada pela resolução da Assembleia Geral 40/144, de
154
155 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
155
156 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
B) Deveres
[...] Foi alegado que o direito internacional apenas se ocupa das condutas de Estados
soberanos, e não prevê qualquer punição para indivíduos; e ainda que onde o facto em
causa é um facto do Estado, aqueles que o praticam não são pessoalmente responsáveis,
antes são protegidos pela doutrina da soberania do Estado. Na opinião do Tribunal, ambas
as alegações devem ser rejeitadas. Que o direito internacional impõe deveres e
responsabilidades aos indivíduos, assim como aos Estados, desde há muito é reconhecido.
No recente caso Ex parte Quirin (1942, 317 U.S. 1), perante o Tribunal Supremo dos
Estados Unidos, foram acusados indivíduos, durante a guerra, de desembarcarem nos
Estados Unidos com o objetivo de espiar e sabotar. O Chief Justice Stone, falando em
nome do tribunal afirmou:
“Desde o começo da sua história este tribunal tem aplicado o direito da guerra como
abrangendo aquela parte do direito internacional que prescreve a conduta durante a
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157 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
guerra, o estatuto, os direitos e deveres das nações inimigas assim como os das pessoas
inimigas.”
Continuou dando uma lista de casos julgados por tribunais, em que perpetradores
individuais foram acusados de crimes contra o direito das nações, e em especial o direito
da guerra. Muitas outras autoridades podiam ser citadas, mas já foi referido o suficiente
para demonstrar que os indivíduos podem ser punidos por violações do direito
internacional. Os crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não por
entidades abstratas, e só punindo os indivíduos que cometeram tais crimes é que as
normas de direito internacional podem ser garantidas.
O disposto no já referido Artigo 228 do Tratado de Versalhes ilustra e reforça este
entendimento da responsabilidade individual.
O princípio de direito internacional que, em certas circunstâncias, protege os
representantes de um Estado, não pode ser aplicado a condutas que são sancionadas como
criminosas pelo direito internacional. Os autores destas condutas não podem escudar-se
atrás da sua posição oficial com a finalidade de livrarem-se da punição em procedimento
próprio. O Artigo 7 da Carta declara expressamente:
A posição oficial dos réus, quer como Chefes de Estado, ou dirigentes responsáveis em
departamentos governamentais, não será admitida como eximindo-os da sua
responsabilidade, ou atenuando a punição.
Por outro lado, a verdadeira essência da Carta é que os indivíduos têm deveres
internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência impostas por cada
Estado. Aquele que violar o direito da guerra não pode obter imunidade por atuar no
exercício da autoridade do Estado, se o Estado ao autorizar tais condutas extravasa a sua
competência segundo o direito internacional.
Artigo 1.º
O Tribunal
É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional («o Tribunal»). O
Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis
157
158 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente
Estatuto, e será complementar das jurisdições penais nacionais. A competência e o
funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.
(…)
Artigo 5.º
Crimes da competência do Tribunal
1 - A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves que afetam a
comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal
terá competência para julgar os seguintes crimes:
a) O crime de genocídio;
b) Os crimes contra a Humanidade;
c) Os crimes de guerra;
d) O crime de agressão.
(…)
Artigo 25.º
Responsabilidade criminal individual
1 - De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas
singulares.
2 - Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado
individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto. (…)
4 - O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas
singulares em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito
internacional.
(...)
B.4. Sobre as objeções do advogado de defesa contra a jurisdição do Tribunal sobre
indivíduos
§33. O advogado de defesa alega ainda que atribuir ao Tribunal jurisdição sobre
indivíduos é inconsistente com a Carta das NU, pela razão de que o Conselho de
Segurança não tem autoridade sobre indivíduos, e que apenas os Estados podem ameaçar
a paz e segurança internacionais.
§34. O Procurador respondeu a esta alegação citando os Julgamentos de Nuremberga, nos
quais, na opinião do Procurador, ficou estabelecido que os indivíduos que cometeram
crimes de acordo com o direito internacional podem ser diretamente responsabilizados
criminalmente segundo o direito internacional. O procurador alegou ainda que a
atribuição de responsabilidade criminal individual é uma expressão fundamental da
necessidade de medidas coercitivas pelo Conselho de Segurança. É, com efeito, difícil
separar a individuo do Estado, uma vez que os deveres e os direitos dos Estados são
apenas deveres e direitos dos indivíduos que os compõem, e como o direito internacional
criminal, como outros ramos do direito, lida com a regulação da conduta humana. É aos
indivíduos, não a abstrações, que o direito internacional se aplica, e é contra os indivíduos
que deve prever sanções. Nas palavras do Procurador Adjunto no julgamento de Frank
Hans [Hans Frank] em 1946:
158
159 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
“Parece intolerável a qualquer ser humano com bom senso que os homens que
colocaram a sua vontade à disposição da entidade Estadual de modo a usar o poder e
os recursos materiais desta entidade para chacinar, como o fizeram, milhões de seres
humanos na execução de uma política há muito definida, deva-lhes ser garantida a
imunidade. O princípio da soberania do Estado que deve proteger os homens é apenas
uma máscara; removida esta máscara, a responsabilidade dos homens reaparece.”
§35. O Juízo de 1.ª Instância relembra que a questão da responsabilidade criminal
individual direta nos termos do direito internacional é e tem sido, desde há muitas
décadas, uma questão controvertida dentro e entre os vários sistemas jurídicos e que os
julgamentos de Nuremberga em particular têm sido interpretados de forma distinta
relativamente à posição do indivíduo como sujeito de direito internacional. Ao estabelecer
os dois Tribunais Penais Internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda, contudo, o
Conselho de Segurança expressamente alargou as obrigações jurídicas e a
responsabilidade criminal internacionais diretamente aos indivíduos pelas violações de
direito internacional humanitário. Ao fazê-lo o Conselho de Segurança introduziu uma
inovação significativa no direito internacional, mas não há nada na moção do Advogado
de Defesa que sugira que esta extensão da aplicação do direito internacional a indivíduos
não foi justificada, ou exigida, pelas circunstâncias, designadamente, a importância, a
magnitude e a gravidade dos crimes cometidos durante o conflito.
Questões
a) Considerando os vários instrumentos jurídicos internacionais acima transcritos, pode
afirmar-se que o indivíduo goza de personalidade jurídica internacional? Justifique,
apontando se, em todos os casos, chega nos mesmos termos a essa conclusão.
b) Os direitos atribuídos nas convenções de proteção internacional de direitos humanos
são de gozo universal?
c) É possível invocar a Convenção de Viena sobre relações consulares como exemplo de
atribuição direta de direitos ao indivíduo, não obstante depender do Estado da
nacionalidade fazê-los valer no plano internacional? Como justifica o TIJ a posição
adotada no caso LaGrand?
d) As decisões do Tribunal de Nuremberga e o Tribunal Penal Internacional para o
Ruanda para justificar a responsabilidade criminal internacional do individuo têm
similitudes do ponto de vista da justificação. Identifique-as e caracterize-as.
PARTICIPANTES
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160 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
ANEXO
Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da
Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais
Universalmente Reconhecidos
A Assembleia Geral
Reafirmando a importância que assume a realização dos objetivos e princípios da Carta
das Nações Unidas para a promoção e proteção de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais de todas as pessoas em todos os países do mundo,
Reafirmando também a importância da Declaração Universal dos Direitos do Homem e
dos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos enquanto elementos essenciais dos
esforços internacionais para promover o respeito universal e efetivo dos direitos humanos
e liberdades fundamentais, bem como a importância de outros instrumentos de direitos
humanos adotados no âmbito do sistema das Nações Unidas e a nível regional,
Sublinhando que todos os membros da comunidade internacional deverão cumprir, em
conjunto e separadamente, a sua solene obrigação de promover e estimular o respeito dos
direitos humanos e liberdades fundamentais para todos sem qualquer distinção baseada,
nomeadamente, na raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem
nacional ou social, condição económica, nascimento ou outra situação, e reafirmando a
160
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Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
161
162 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
(…)
Artigo 5.º
A fim de promover e proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais, todos têm
o direito, individualmente e em associação com outros, a nível nacional e internacional:
a) De se reunir ou manifestar pacificamente;
b) De constituir organizações, associações ou grupos não governamentais, de aderir aos
mesmos e de participar nas respetivas atividades;
c) De comunicar com organizações não governamentais ou intergovernamentais.
Artigo 6.º
Todos têm o direito, individualmente e em associação com outros:
a) De conhecer, procurar, obter, receber e guardar informação sobre todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, nomeadamente através do acesso à informação sobre
a forma como os sistemas internos nos domínios legislativo, judicial ou administrativo
tornam efetivos esses direitos e liberdades;
b) Em conformidade com os instrumentos internacionais de direitos humanos e outros
instrumentos internacionais aplicáveis, de publicitar, comunicar ou divulgar livremente
junto de terceiros opiniões, informação e conhecimentos sobre todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais;
c) De estudar e debater a questão de saber se todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais são ou não respeitados, tanto na lei como na prática, de formar e defender
opiniões a tal respeito e, através destes como de outros meios adequados, de chamar a
atenção do público para estas questões.
Artigo 7.º
Todos têm o direito, individualmente e em associação com outros, de desenvolver e
debater novas ideias e princípios no domínio dos direitos humanos e de defender a sua
aceitação.
Artigo 8.º
1. Todos têm o direito, individualmente e em associação com outros, de ter acesso efetivo,
numa base não discriminatória, à participação no governo do seu país e na condução dos
negócios públicos.
2. Este direito compreende, entre outros aspetos, o direito de, individualmente ou em
associação com outros, apresentar aos organismos governamentais e às agências e
organizações que se ocupam dos negócios públicos críticas e propostas para aperfeiçoar
o respetivo funcionamento e chamar a atenção para qualquer aspeto do respetivo trabalho
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Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
que possa prejudicar ou impedir a promoção, proteção e realização dos direitos humanos
e liberdades fundamentais.
Artigo 9.º
1. No exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nomeadamente na
promoção e proteção dos direitos humanos enunciados na presente Declaração, todos têm
o direito, individualmente e em associação com outros, de beneficiarem de recursos
adequados e de serem protegidos na eventualidade de violação de tais direitos.
2. Para este fim, todas as pessoas cujos direitos ou liberdades tenham alegadamente sido
violados têm o direito, pessoalmente ou através de representantes legalmente autorizados,
de apresentar queixa e de que esta queixa seja rapidamente examinada em audiência
pública perante uma autoridade judicial ou outra autoridade independente, imparcial e
competente estabelecida por lei e de obter dessa autoridade uma decisão, em
conformidade com a lei, que lhe atribua uma reparação, incluindo qualquer indemnização
que seja devida, caso a pessoa tenha sido vítima de uma violação dos seus direitos ou
liberdades, e garanta a execução da eventual decisão e o cumprimento da obrigação de
reparar, tudo isto sem demora indevida.
3. Para o mesmo fim, todos têm o direito, individualmente e em associação com outros,
nomeadamente:
a) De se queixar das políticas e ações de funcionários individuais e organismos públicos
que consubstanciem uma violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais,
através de petição ou outro meio adequado, às autoridades judiciais, administrativas ou
legislativas competentes nos termos da lei nacional ou a qualquer outra autoridade
competente prevista nos termos do ordenamento jurídico interno do Estado, que deverão
proferir a sua decisão sobre a queixa sem demora indevida;
b) De comparecer às audiências, diligências e julgamentos públicos, de forma a formar
uma opinião sobre a conformidade dos mesmos com a lei nacional e as obrigações e
compromissos internacionais aplicáveis;
c) De oferecer e prestar assistência jurídica profissionalmente qualificada ou outro tipo
de aconselhamento e assistência relevantes para a defesa dos direitos humanos e
liberdades fundamentais.
4. Para o mesmo fim, e em conformidade com os instrumentos e procedimentos
internacionais aplicáveis, todos têm o direito, individualmente e em associação com
outros, de acesso irrestrito aos organismos internacionais com competência genérica ou
específica para receber e considerar comunicações sobre questões de direitos humanos e
liberdades fundamentais e de se comunicarem livremente com os mesmos.
5. O Estado deverá proceder a uma investigação imediata e imparcial ou garantir a
instauração de um inquérito caso existam motivos razoáveis para crer que ocorreu uma
violação de direitos humanos em qualquer território sob a sua jurisdição.
(…)
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Questões, Casos e Materiais
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Artigo 12.º
1. Todos têm o direito, individualmente ou em associação com outros, de participar em
atividades pacíficas contra violações de direitos humanos e liberdades fundamentais.
2. O Estado deverá adotar todas as medidas adequadas para garantir que as autoridades
competentes protegem todas as pessoas, individualmente e em associação com outras,
contra qualquer forma de violência, ameaças, retaliação, discriminação negativa de facto
ou de direito, coação ou qualquer outra ação arbitrária resultante do facto de a pessoa em
questão ter exercido legitimamente os direitos enunciados na presente Declaração.
3. A este respeito, todos têm o direito, individualmente e em associação com outros, a
uma proteção eficaz da lei nacional ao reagir ou manifestar oposição, por meios pacíficos,
relativamente a atividades, atos e omissões imputáveis aos Estados, que resultem em
violações de direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a atos de violência
perpetrados por grupos ou indivíduos que afetem o gozo dos direitos humanos e
liberdades fundamentais.
(…)
Artigo 16.º
Os indivíduos, as organizações não governamentais e as instituições competentes têm um
importante contributo a dar na sensibilização do público para as questões relativas aos
direitos humanos e liberdades fundamentais, através de atividades como a educação, a
formação e a investigação nessas áreas com o fim de reforçar, nomeadamente, a
compreensão, a tolerância, a paz e as relações amigáveis entre as nações e entre todos os
grupos raciais e religiosos, tendo em conta a diversidade das sociedades e comunidades
onde as suas atividades se desenvolvem.
(…)
Artigo 18.º
1. Todos têm deveres para com a comunidade e no seio desta, fora da qual o livre e pleno
desenvolvimento da respetiva personalidade não é possível.
2. Os indivíduos, grupos, instituições e organizações não governamentais têm um papel
importante a desempenhar e a responsabilidade de defender a democracia, proteger os
direitos humanos e liberdades fundamentais e contribuir para a promoção e progresso das
sociedades, instituições e processos democráticos.
3. Os indivíduos, grupos, instituições e organizações não governamentais têm também
um papel importante a desempenhar e a responsabilidade de contribuir, conforme
necessário, para a promoção do direito de todos a que reine, no plano social e no plano
internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e liberdades
enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
[…]
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Questões, Casos e Materiais
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Nota: O Da’esh é uma organização terrorista que despontou no Iraque no ano de 2013, após uma cisão da Al-Qaida
no Iraque (AQI). Vulgarmente conhecido como Estado Islâmico, nome oficial desde 2014, também é designado como
Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS) ou Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL). Outra forma de o designar
é pela utilização do acrónimo Árabe, Daesh ()ﺩﺍﻋﺵ. Este acrónimo, Da’esh, é formado pelas letras do nome em Árabe:
“al-Dawla al-Islamiya fi Iraq wa al- Sham”. A utilização deste acrónimo é considerada pejorativa pela própria
organização terrorista, que a rejeita, pelo que é a preferida por quem se opõe à ideologia do grupo.
A 29 de junho de 2014, após a tomada da cidade de Mosul no Iraque, o Da’esh anunciou o início do califado e
mudou o nome de Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL) para Estado Islâmico ()ﺍﻟﺩﻭﻟﺔ ﺍﻹﺳﻼﻣﻳﺔ, a ser utilizado
como único nome oficial. O líder Al-Baghdadi (entretanto morto) foi declarado como “califa”. Este anúncio foi feito
pelo porta-voz oficial do ISIS, Abu Muhammad al-‘Adnani, num discurso de 34 minutos intitulado “Esta é a Promessa
do Profeta”, que foi difundido nas redes sociais (Twitter).
O sistema jurídico do Da’esh assenta na aplicação estrita do corpo de preceitos do direito Islâmico, de revelação
divina, conhecido como a shari’a. Esta constitui a única fonte legítima de governação, devendo os diferendos ser
resolvidos apenas pelo recurso a esta lei divina em tribunais Islâmicos.
Em 2014 foi constituída uma coligação multinacional, liderada pelos Estados Unidos, com o objetivo de combater,
e em último termo, derrotar o Da’esh no Iraque e na Síria, através do treino, fornecimento de equipamento e apoio às
operações militares, respetivamente, das Forças de Defesa Iraquianas e das “Forças Democráticas Sírias”. Em 2019 foi
anunciada a derrota militar do Da’esh e o fim do califado no Iraque e na Síria.
(...)
Chegou o tempo para essas gerações que se afogavam em oceanos de desgraça, amamentadas
no leite da humilhação, e governadas pelas mais repugnantes de todas as pessoas, após a o seu
longo sono nas trevas do abandono – chegou o tempo de se erguerem. Chegou o tempo para a
ummah [nação/comunidade] de Maomé (a paz esteja com ele) de acordar do seu sono, de remover
as vestes da desonra, e sacudir o pó da humilhação e desgraça, porque a era da lamentação e do
gemido já terminou, e a madrugada da honra emergiu novamente. O sol da jihad levantou-se. As
boas-novas do bem brilham. O triunfo paira no horizonte. Os sinais da vitória surgiram.
Aqui a bandeira do Estado Islâmico, a bandeira do tawhid (monoteísmo), levanta-se e
drapeja. A sua sombra cobre a terra desde Aleppo até Diyala. Por debaixo, os muros do Tawãghit
(governantes que invocavam os direitos de Alá) foram demolidos, as suas bandeiras caíram, e as
suas fronteiras foram destruídas. Os seus soldados ou foram mortos, ou aprisionados ou
derrotados. Os Muçulmanos são homenageados. Os kuffâr (infiéis) são desonrados. Ahlus-Sunnah
(os Sunis) são chefes e são estimados. As pessoas bid’ah (heresia) são humilhadas. As hudud
(sanções da Sharia) são implementadas – as hudud de Alá – todas elas. As linhas da frente estão
defendidas.
As cruzes e os túmulos são demolidos. Os prisioneiros são libertados pela ponta da espada.
A população desloca-se nas terras do Estado para prover à sua subsistência e seguir o seu caminho,
sentindo-se segura na sua vida e património. Wulãt (plural de wãli ou “governadores”) e juízes
foram nomeados. Jizyah (um imposto lançado sobre os kuffãr) foi executado. Fay’ (dinheiro
tirado aos kuffãr sem combate) e zakat (esmola obrigatória) foram cobrados. Tribunais foram
estabelecidos para resolver disputas e reclamações. O mal foi removido. Lições e aulas tiveram
lugar em masãjid (plural de masjid) [mesquitas] e, pela graça de Alá, a religião tornou-se
completamente de Alá. Só ficou a faltar uma questão, uma wãjib kifã’i (obrigação coletiva) que
a ummah pecou ao abandoná-la. É uma obrigação que ficou esquecida. A ummah não saboreou a
honra desde que a perderam. É um sonho que vive no íntimo de cada Muçulmano crente. É uma
esperança que palpita no coração de cada mujãhid muwahhid (monoteísta). É o khilãfah
(califado). É o khilãfah – a obrigação abandonada da era.
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167 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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Alá (o Exaltado) disse, {E referiu quando o teu Senhor disse aos anjos, “Efetivamente, irei
criar na terra um califado”} [Al-Baqarah: 30]
O Imã al- Qurtubī disse no seu tafsīr (exegese do Corão), “Este verso é a base fundamental
para a nomeação de um líder e califa que é ouvido e obedecido para que a ummah seja por ele
unida e as suas ordens cumpridas. Não há qualquer disputa sobre esta matéria entre a ummah e os
académicos, com exceção do que foi reportado de al-Asamm [o seu nome significa “o homem
surdo”], pois a sua surdez impediu-o de escutar a Sharia.” Com isto terminam as suas palavras,
que Alá tenha misericórdia dele.
Assim, o conselho shūrā (consultivo) do Estado Islâmico estudou este assunto depois de o
Estado Islâmico – pela graça de Alá – ter adquirido os fundamentos necessários para o califado,
que os Muçulmanos serão pecadores se não o tentarem estabelecer. À luz do facto de o Estado
Islâmico não ter impedimento shar’ī (legal) ou desculpa que possa justificar o atrasar ou
negligenciar o estabelecimento do califado de modo a que não fosse pecaminoso, o Estado
Islâmico – representado pelo ahlul-halli-wal-‘aqd (as suas pessoas com autoridade), composta
pelas suas figuras seniores, líderes, e o conselho shūrā – decidiu anunciar o estabelecimento do
califado Islâmico, a designação de um califa para os Muçulmanos, e a promessa de fidelidade ao
shaykh (xeque), ao mujāhid, o estudioso que pratica o que ensina, o crente, o líder, o guerreiro, o
restaurador, descendente da família do Profeta, o escravo de Alá, Ibrāhīm Ibn ‘Awwād Ibn
Ibrāhīm Ibn ‘Alī Ibn Muhammad al-Badrī al-Hāshimī al-Husaynī al-Qurashī por descendência,
como Sāmurrā’ī por nascimento e educação, al-Baghdādī por residência e estudos. E ele aceitou
o bay’ah (promessa de fidelidade). Assim, ele é o imã e o califa para os Muçulmanos em qualquer
lado. Em conformidade, a expressão “Iraque e Levante” no nome do Estado Islâmico é doravante
retirada de todas as deliberações e comunicações, e desde a data desta declaração o nome oficial
é Estado Islâmico.
Deixamos claro aos Muçulmanos que com esta declaração do califa é obrigação de todos os
Muçulmanos prometer fidelidade ao califa Ibrāhīm e apoiá-lo (que Alá o preserve). A legalidade
de todos os emiratos, grupos, estados, e organizações, torna-se nula pela expansão da autoridade
do califado e pela chegada das suas tropas aos seus territórios. O Imã Ahmad (que Alá tenha
misericórdia dele) disse, tal como relatado por ‘Abdūs Ibn Mālik al-‘Attār, “não é admissível a
quem quer que acredite em Alá dormir sem o considerar como seu líder quem quer que os
conquiste pela espada até se tornar califa e ser chamado Amīrul-Mu’minīn (o líder dos crentes),
seja este líder justo ou pecador”.
(...)
Nós – por Alá – não encontramos qualquer fundamentação shar’i (jurídica) para justificar
que se abstenham de apoiar este Estado. Tomem posição considerando que Alá (o Exaltado) ficará
satisfeito convosco. O véu foi levantado e a verdade tornou-se cristalina. De facto, é o Estado. E
o Estado para os Muçulmanos – aqueles que são oprimidos, os órfãos, os viúvos e os pobres. Se
o apoiarem, então estarão a fazê-lo para o vosso próprio bem.
De facto, é o Estado. De facto, e o khilãfah. É tempo de acabar este abominável sectarismo,
dispersão e divisão, por esta situação não advir, de todo, da religião de Alá. E se renunciam ao
Estado ou desencadeiam uma guerra contra ele, não lhe causarão dano. Apenas irão causar danos
a vós próprios.
É o Estado – o Estado para os Muçulmanos. (...)
O Conselho de Segurança
(...)
167
168 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
168
169 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
concessões políticas, de acordo com o direito internacional aplicável, apelando a todos os Estados
Membros que impeçam que os terroristas beneficiem direta ou indiretamente dos pagamento de
resgates ou de concessões políticas e que garantam a libertação em segurança dos reféns, e
reafirmando a necessidade de todos os Estados Membros cooperarem estreitamente durante os
incidentes de rapto e tomada de reféns cometidos por grupos terroristas,
Expressando a sua preocupação pelo fluxo de combatentes terroristas estrangeiros para o
ISIL, a ANF e todos os outros indivíduos, grupos, empresas e entidades associadas com a Al-
Qaida, bem como com a escala deste fenómeno,
Expressando a sua preocupação pela utilização crescente, numa sociedade globalizada,
pelos terroristas e pelos seus apoiantes de novas tecnologias de comunicação e informação, em
particular da Internet, com a finalidade de recrutamento e de incitamento à comissão de atos
terroristas, assim como para o financiamento, planeamento e preparação das suas atividades, e
sublinhando a necessidade de os Estados Membros atuarem concertadamente para impedir os
terroristas de explorarem a tecnologia, as comunicações e os recursos para incitar ao apoio dos
atos terroristas, no respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais e em conformidade
com outras obrigações de direito internacional,
Condenando vigorosamente o incitamento à prática de atos terroristas e repudiando as
tentativas de justificação ou glorificação (apologia) dos atos terroristas que possam incitar outros
atos terroristas,
Sublinhando a responsabilidade primária dos Estados Membros na proteção da população
civil nos seus territórios, de acordo com as suas obrigações de direito internacional,
Exortando a todas as partes para protegerem a população civil, em particular as mulheres e
as crianças, afetadas pelas ações violentas do ISIL, da ANF e de todos os outros indivíduos,
grupos, empresas e entidades associadas com a Al-Qaida, especialmente contra qualquer forma
de violência sexual,
Reafirmando a necessidade de combater por todos os meios, de acordo com a Carta das
Nações Unidas e o direito internacional, incluindo o direito internacional dos direitos humanos, o
direito internacional dos refugiados e o direito internacional humanitário aplicável, as ameaças à
paz e segurança internacionais causadas pelos atos terroristas, enfatizando a este respeito o papel
importante que as Nações Unidas desempenham ao liderar e coordenar este esforço,
Observando com preocupação que a continuada ameaça que é colocada à paz e segurança
internacionais pelo ISIL, pela ANF e por todos os outros indivíduos, grupos, empresas e entidades
associadas com a Al-Qaida, e reafirmando a sua determinação em lidar com todos os aspetos
dessa ameaça,
Atuando nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidos,
1. Deplora e condena nos termos mais vigorosos as ações terroristas do ISIL e a sua
ideologia extremista violenta, e as seus continuados abusos de direitos humanos e violações de
direito internacional humanitário;
2. Condena vivamente as mortes indiscriminadas e o visar deliberado de civis, numerosas
atrocidades, execuções em massa e execuções extrajudiciais, incluindo de soldados, perseguição
de indivíduos e comunidades inteiras com base na sua religião ou crença, rapto de civis,
deslocação forçada de membros de grupos minoritários, morte e mutilação de crianças,
recrutamento e utilização de crianças, violação e outras formas de violência sexual, detenções
arbitrárias, ataques a escolas e hospitais, destruição de locais culturais e religiosos e obstrução ao
exercício de direitos económicos, sociais e culturais, incluindo o direito à educação,
especialmente nas províncias Sírias de Ar-Raqqah, Deir ez-Zor, Aleppo and Idlib, e no norte do
Iraque, especialmente nas províncias de Tamim, Salaheddine e Niniveh;
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170 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
C. Considerando que a conquista dos territórios no Iraque e na Síria foi seguida pela imposição
da interpretação severa da lei islâmica (Sharia); considerando que nas zonas sob o controlo do EI
e de grupos associados foram cometidas graves violações dos Direitos Humanos e do Direito
Internacional Humanitário, designadamente execuções seletivas, conversões forçadas, raptos,
venda e escravatura de mulheres e crianças, recrutamento de crianças para atentados suicidas,
abuso físico e sexual e tortura; que o EI assassinou os jornalistas James Foley e Steven Sotloff e
o trabalhador humanitário David Haines; que as comunidades cristã, yazidi, turquemenistanesa,
shabak, kaka’i, sabeíta e xiita estão na linha de mira do EI, bem como muitos árabes e
muçulmanos sunitas; que foram deliberadamente destruídos monumentos, mesquitas, santuários,
igrejas e outros locais de culto, túmulos e cemitérios, bem como sítios arqueológicos e património
cultural;
170
171 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
grupos mais vulneráveis; condena veementemente os ataques contra alvos civis – incluindo
hospitais, escolas e locais de culto – e a utilização de execuções e de violência sexual por parte
do EI no Iraque e na Síria; salienta que não deve haver impunidade para os autores destes atos;
2. Condena veementemente os assassínios, pelo EI, dos jornalistas James Foley e Steven
Sotloff, bem como do funcionário de uma organização humanitária David Haines, expressando
profunda preocupação com a segurança de outros reféns em poder dos extremistas; manifesta a
sua solidariedade e expressa as suas condolências às respetivas famílias, bem como às famílias de
todas as vítimas do conflito;
3. Sublinha que os ataques disseminados ou sistemáticos dirigidos contra civis devido à sua
etnia, orientação política, religião, crença ou género podem constituir um crime contra a
humanidade; condena energicamente todos os tipos de perseguição, discriminação e intolerância
com base na religião e no credo, bem como os atos de violência contra qualquer comunidade
religiosa; realça, uma vez mais, que o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião é um direito humano fundamental;
4. Manifesta o seu apoio a todas as vítimas de ódio e de intolerância religiosa; expressa a sua
solidariedade para com os membros das comunidades cristãs perseguidas e que enfrentam o risco
de extinção nas respetivas pátrias, o Iraque e a Síria, e para com as demais minorias religiosas
perseguidas; confirma e apoia o direito inalienável de todas as minorias religiosas e étnicas que
vivem no Iraque e na Síria, incluindo os cristãos, continuarem a viver nas suas pátrias tradicionais
e históricas com dignidade, igualdade e em segurança, e a professarem livremente a sua religião;
sublinha que os crimes cometidos contra as minorias cristãs como os caldeus, os siríacos e os
assírios, bem como contra os yazidis e os muçulmanos xiitas, representam um último esforço do
EI de proceder a uma total limpeza religiosa na região; faz notar que, durante séculos, membros
de diferentes grupos religiosos coexistiram pacificamente nesta região;
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172 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Introdução
O povo iraquiano, o seu governo e as suas forças armadas, com o apoio da coligação
internacional contra o Daexe [Da’esh], conseguiram pôr fim ao controlo territorial efetivo
exercido pelo Daexe no Iraque. Durante muitos anos, desde 2003 e mesmo antes, o país foi palco
de numerosos conflitos, mas os atos de terror praticados pelo Daexe desde 2014 foram a
manifestação mais tenebrosa de violência interna jamais vista. Presentemente, o Iraque necessita
de agarrar a nova oportunidade de que dispõe para construir um sistema político inclusivo e
responsável, que sirva todas as comunidades, regiões e crenças, preserve a diversidade do país e
reforce a sua ordem democrática. É fundamental restabelecer a confiança entre o povo e o seu
governo e evitar um regresso ao sectarismo e ao separatismo fraturantes.
A luta de três anos contra o Daexe teve consequências tremendas para o país, designadamente
a perda de numerosas vidas civis e militares, o sofrimento e trauma humanos generalizados, os
milhões de pessoas que ainda se encontram deslocadas, a destruição do tecido social,
especialmente junto das comunidades afetadas pelo conflito, a destruição generalizada das
infraestruturas públicas e privadas e uma situação financeira e económica precária. São muitos os
desafios que o governo e o povo iraquianos têm pela frente. É vital para o Iraque, para o Médio
Oriente e para a comunidade internacional como um todo que o país ultrapasse estes desafios —
todos sentiram as consequências da crise e todos seriam afetados negativamente pela continuação
da instabilidade no Iraque. (...)
Tenho o prazer de anunciar que, juntamente com os nossos parceiros na Coligação Global
para Derrotar o ISIS, incluindo as Forças de Defesa Iraquianas e as Forças Democráticas Sírias,
os Estados Unidos libertaram todo o território controlado pelo ISIS na Síria e no Iraque – 100%
do “califado”.
172
173 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Há somente dois anos, o ISIS controlava uma vasta extensão de território, quer no Iraque
quer na Síria. Desde então, recuperamos mais de 20.000 milhas quadradas [cerca de 32 mil km2]
de território e libertamos milhões de Sírios e Iraquianos do “califado” do ISIS. A perda de
território do ISIS é uma demonstração adicional da sua narrativa falsa, que procura legitimar um
registo de selvajaria que inclui execuções brutais, a exploração de crianças como soldados, e a
violência sexual e a morte de mulheres e crianças. Para todos os jovens que na internet acreditam
na propaganda do ISIS, vocês serão mortos se se juntarem. Pensem antes em ter uma ótima vida.
Ainda que ocasionalmente estes cobardes regressem, perderam todo o prestígio e poder. São
uns falhados e serão sempre falhados.
Iremos manter-nos vigilantes em relação ao ISIS ao alinharmos o esforço global contra o
terrorismo para combater o ISIS até que esteja definitivamente derrotado onde quer que opere. Os
Estados Unidos defenderão o interesse americano sempre e onde for necessário. Continuaremos
a trabalhar com os nossos parceiros para esmagar totalmente os Terroristas Islâmicos Radicais.
Questões:
173
174 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 38
Questões
a) O que são fontes formais de direito internacional?
b) Quais as fontes elencadas no artigo 38 do ETIJ?
c) Existe alguma hierarquia de fontes?
d) A lista presente neste artigo é exaustiva?
e) Faça uma análise critica ao artigo 38.
O COSTUME INTERNACIONAL
Parte Primeira
Introdução
Conclusão 1
Âmbito
174
175 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Parte Segunda
Abordagem básica
Conclusão 2
Dois elementos constitutivos
Conclusão 3
Avaliação dos meios para estabelecer os dois elementos constitutivos
1. Na avaliação dos meios para estabelecer a existência de uma prática geral e a sua aceitação
como direito (opinio juris), deverá tomar-se em consideração o contexto geral, a natureza da
norma e as circunstâncias próprias de cada um desses meios.
2. Cada um dos dois elementos constitutivos deve ser determinado de forma separada. Isso
exige uma valoração dos meios para estabelecer cada elemento.
Parte Terceira
Prática geral
Conclusão 4
Exigência de uma prática
Conclusão 5
Comportamento do Estado como prática do Estado
Conclusão 6
Formas de prática
1. A prática pode assumir uma ampla variedade de formas. Inclui tanto atos materiais como
verbais. Pode, em determinadas circunstâncias, incluir a inação.
2. As formas da prática estadual incluem, mas não estão limitadas a: atos e correspondência
diplomáticos; comportamento relativo a resoluções aprovadas por uma organização internacional
ou numa conferência intergovernamental; comportamento relativo a tratados; comportamento no
exercício de funções executivas, incluindo o comportamento operacional “no terreno”; atos
legislativos e administrativos; e decisões de tribunais nacionais.
3. Não há uma hierarquia predeterminada entre as diferentes formas de prática.
175
176 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Conclusão 7
Avaliação da prática do Estado
1. Deverá tomar-se em consideração toda a prática disponível do Estado em causa, que deverá
ser avaliada no seu conjunto.
2. Quando a prática de um determinado Estado variar, o peso a acordar a esta prática poderá,
conforme as circunstâncias, ser reduzido.
Conclusão 8
A prática deve ser geral
1. A prática pertinente deve ser geral, ou seja, suficientemente alargada e representativa, além
de constante.
2. Se a prática for geral, não se exige qualquer duração particular.
Parte Quarta
Aceite como direito (opinio juris)
Conclusão 9
Exigência de uma prática geral aceite como direito (opinio juris)
Conclusão 10
Formas de prova da aceitação como direito (opinio juris)
1. A prova da aceitação como direito (opinio juris) pode revestir uma grande variedade de
formas.
2. As formas da prova da aceitação como direito (opinio juris) incluem, mas não estão
limitadas a: declarações públicas feitas em nome dos Estados; publicações oficiais; pareceres
jurídicos governamentais; correspondência diplomática; decisões dos tribunais nacionais;
disposições de tratados; e comportamento relativamente a resoluções aprovadas por uma
organização internacional ou numa conferência intergovernamental.
3. A ausência de reação, que se prolongue no tempo, relativamente a uma prática pode servir
de prova da aceitação dessa prática como direito (opinio juris), sempre que os Estados estivessem
em condições de reagir e que as circunstâncias exigissem alguma reação.
Parte Quinta
Alcance de certos meios de determinação do direito internacional consuetudinário
Conclusão 11
Tratados
1. Uma regra enunciada num tratado pode refletir uma regra de direito internacional
consuetudinário se se estabelecer que a regra convencional:
176
177 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
2. O facto de uma regra ser enunciada em vários tratados pode significar, ainda que não
necessariamente, que a regra convencional reflete uma regra de direito internacional
consuetudinário.
Conclusão 12
Resoluções de organizações internacionais e conferências intergovernamentais
Conclusão 13
Decisões de tribunais
Conclusão 14
Doutrina
A doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações pode servir como meio
auxiliar para a determinação de regras de direito internacional consuetudinário.
Parte Sexta
Objetor persistente
Conclusão 15
Objetor persistente
177
178 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Parte Sétima
Direito internacional consuetudinário particular
Conclusão 16
Direito internacional consuetudinário particular
1. Uma regra de direito internacional consuetudinário particular, quer seja regional, local ou
outra, é uma regra de direito internacional consuetudinário que apenas se aplica entre um número
limitado de Estados.
2. Para determinar a existência e o conteúdo de uma norma de direito internacional
consuetudinário particular, é necessário verificar se existe uma prática geral entre os Estados
interessados que seja aceite por eles como direito (opinio juris) aplicável entre esses Estados.
Questões
a) Quais são os dois elementos que constituem o costume internacional?
b) Perante a identificação de um desses elementos, pode presumir-se a existência do outro?
c) O que pode constituir prática? Há alguma hierarquia em relação às diferentes formas que
podem constituir prática?
d) A prática das organizações internacionais é relevante para efeitos da formação do costume?
e) E o comportamento de atores não estaduais, é relevante para a formação do costume?
f) Que características deve ter a prática para contribuir para a formação de costume?
g) Qual o significado do elemento psicológico do costume internacional, isto é, “ser aceite
como direito”?
h) O facto de um comportamento ser habitual é suficiente para ser considerado “aceite como
de direito”?
i) Como se pode provar a existência deste elemento?
j) Uma norma convencional pode refletir uma norma consuetudinária? Quando?
k) O facto de um determinado conteúdo normativo estar consagrado em várias normas
convencionais é por si só suficiente para se afirmar que aquela norma é, também, de origem
consuetudinária?
l) Explique o sentido da conclusão 12.
m) Qual o papel das decisões de tribunais internacionais? Compare a Comissão de Direito
Internacional diz a este propósito com o artigo 38 do ETIJ.
n) Faça o mesmo exercício em relação à doutrina.
o) O que é o objetor persistente? Quais as consequências jurídicas do ponto de vista da
formação da norma da existência de um objetor desta natureza?
p) Recorde o que já estudou (a propósito da evolução da sociedade e direito internacionais) a
propósito dos ditos “objetores subsequentes”. Compare com o objetor persistente.
q) Que tipos de costume internacional podem existir e o que os diferencia?
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179 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Quanto aos comportamentos acima descritos, no entanto, o Tribunal deve sublinhar que, como
foi lembrado nos casos da Plataforma continental do mar do Norte, para a formação de uma nova
regra consuetudinária, os atos correspondentes devem, não só ‘representar uma prática constante’,
mas, além disso, estar ligados a uma opinio juris sive necessitatis. Os Estados que atuem dessa
forma, ou outros Estados que estejam em posição de reagir, deverão ter-se comportado de uma
forma que testemunhe
‘a convicção de que essa prática é obrigatória pela existência de uma regra de direito. A
necessidade de tal convicção, ou seja, a existência de um elemento subjetivo, está implícita na
própria noção de opinio juris sive necessitatis’ (TIJ, Col., 1969, p. 44, par. 77)’.
Não foi atribuída competência ao Tribunal para estatuir sobre a conformidade com o direito
internacional de comportamentos de Estados que não partes no presente diferendo, ou de
comportamentos das Partes que não se relacionem com este; nada, também, o autoriza a atribuir
a Estados opiniões jurídicas que eles próprios não formulam. Para o Tribunal, o significado de
comportamentos estaduais que, à primeira vista, são inconciliáveis com o princípio da não-
intervenção reside na natureza do motivo invocado como justificação. A invocação por um Estado
de um direito novo, ou de uma exceção sem precedente relativamente ao princípio poderia, se
fosse partilhada por outros Estados, tender a modificar o direito internacional consuetudinário.
No entanto, de facto, o Tribunal verifica que os Estados não justificaram a sua conduta por
invocação de um novo direito de intervenção, ou de uma nova exceção ao princípio que a proíbe.
Por diversas vezes os Estados Unidos expuseram, com clareza, os motivos que tinham para
intervir nos assuntos de um Estado estrangeiro, e que se referiam, por exemplo, à política interna
desse país, à sua ideologia, ao nível do seu armamento ou à orientação da sua política externa.
Mas tratava-se, aí, da exposição de considerações de política internacional, e de nenhum modo da
afirmação de regras do direito internacional contemporâneo.
[O]s Estados interessados devem ter o sentimento de estarem a conformar-se ao que equivale
a uma obrigação jurídica. A frequência ou mesmo carácter habitual dos atos não é, em si mesma,
suficiente. Há muitos atos internacionais, por exemplo no domínio do protocolo, que são
realizados quase invariavelmente, mas que apenas se devem a simples considerações de cortesia,
conveniência ou tradição, e não ao sentimento de uma obrigação jurídica.
Questões:
a) Quais são os dois elementos constitutivos do costume internacional como fonte formal de
direito internacional?
b) Considerando as decisões do TIJ, o que significa “aceite como direito” nos termos do art.º 38
do ETIJ? A frequência ou caráter habitual de uma prática é suficiente para a verificação daquele
elemento?
c) Qual a questão discutida pelo TIJ no último parágrafo do primeiro excerto apresentado e qual
a sua decisão? Enquadre à luz das conclusões da Comissão de Direito Internacional sobre o direito
internacional consuetudinário.
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180 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Mesmo se o decurso de um breve lapso temporal não constitui por si, necessariamente, um
obstáculo à formação de uma nova regra de direito internacional consuetudinário a partir de uma
regra que, originariamente, tinha natureza puramente convencional, seria sempre indispensável
que, no período em questão, por breve que tivesse sido, a prática dos Estados, incluindo a dos
Estados particularmente interessados, tivesse sido frequente e praticamente uniforme no sentido
da disposição invocada, e que, além disso, se tivesse manifestado de modo a evidenciar um
reconhecimento geral de que está em causa uma regra de direito ou uma obrigação jurídica.
44. A este respeito, algo deve ser dito a propósito da prática dos Estados relativamente à
delimitação da plataforma continental; de facto, as Partes discutiram o significado dessa prática,
tal como expressa em acordos de delimitação publicados, principalmente no contexto do estatuto
da equidistância no direito internacional atual. Foram identificados e apresentados perante o
Tribunal mais de 70 destes acordos, e sujeitos a diversas interpretações. A Líbia questiona a
relevância da prática estadual neste domínio, e sugeriu que esta prática mostra, quando muito, o
desaparecimento progressivo da distinção que se encontra no artigo 6 da Convenção de Genebra
sobre a Plataforma Continental, de 1958, entre Estados “opostos” e “adjacentes” e que, desde
1969, tem havido uma tendência clara de afastamento da equidistância, manifestada em acordos
de delimitação entre Estados, assim como em jurisprudência e nas deliberações da Conferência
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Malta rejeita as duas contenções expendidas por
último, e sustenta que essa prática não tem de ser vista como prova de uma regra particular de
direito consuetudinário, mas constitui, necessariamente, elemento significativo e fiável dos
critérios normais da equidade. O Tribunal, por si, não tem dúvidas sobre a importância da prática
do Estado neste assunto. Ainda assim, esta prática, como quer que seja interpretada, fica aquém
de provar a existência de uma regra que prescreva o uso da equidistância, ou, de facto, de qualquer
método, como obrigatório. Até a existência de uma regra destas, tal como defendido por Malta,
que obrigaria a que a equidistância apenas fosse usada como primeira etapa de qualquer
delimitação, mas sujeita a correção, não pode ser sustentada apenas pela enumeração de exemplos
de delimitação que recorreram à equidistância ou a uma equidistância modificada, ainda que esses
exemplos mostrem, de forma impressiva, que o método da equidistância pode, em muitas
situações, resultar num resultado equitativo.
Questões:
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181 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
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Vinculado como está pelo artigo 38 do seu Estatuto a aplicar, inter alia, o costume
internacional ‘como prova de uma prática geral aceite como direito’, o Tribunal não pode ignorar
o papel essencial de uma prática geral. Quando dois Estados acordam em incorporar num tratado
uma regra particular, o seu acordo é suficiente para tornar essa regra numa regra jurídica, que os
vincula; mas, no domínio do direito internacional consuetudinário, não basta que as partes tenham
a mesma opinião quanto ao conteúdo do que consideram uma regra. O Tribunal deve verificar se
a existência da regra na opinio juris dos Estados é confirmada pela prática.
Questão:
a) Uma norma convencional pode ter, simultaneamente, natureza consuetudinária. O que
é que é explicitado pelo Tribunal como sendo necessário para se verificar a natureza
consuetudinária da referida regra?
b) Qual a razão por que o TIJ considera, a respeito da existência de uma norma
consuetudinária, que pode não ser suficiente a identidade de opinião das partes sobre a
existência e conteúdo de uma norma consuetudinária?
Não deve esperar-se que a aplicação das regras em questão seja perfeita na prática estadual,
no sentido de os Estados se absterem de recorrer à força ou à intervenção nos assuntos internos
dos outros Estados de forma totalmente consistente. O Tribunal não considera que, para que uma
regra esteja estabelecida consuetudinariamente, a prática correspondente deva ser rigorosamente
conforme a essa regra. Para deduzir a existência de regras consuetudinárias, parece-lhe suficiente
que, de uma maneira geral, os Estados conformem a sua conduta a essas regras, e que eles próprios
considerem os comportamentos desconformes com a regra como violações desta e não como
manifestações do reconhecimento de uma nova regra. Se um Estado age de uma forma que, prima
facie, não é possível conciliar com uma regra reconhecida, mas defende a sua conduta invocando
exceções ou justificações contidas na própria regra, daí resulta uma confirmação da regra, mais
do que o seu enfraquecimento, quer a atitude desse Estado possa ou não justificar-se nessa base.
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182 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questão:
a) Explicite em que medida é que, de acordo com o TIJ, uma prática, mesmo que não seja
rigorosamente conforme a uma regra consuetudinária preexistente, não põe em causa a
existência da regra, isto é, a generalidade da prática.
O governo da Colômbia invocou em seu favor, “de uma maneira geral, o direito internacional
americano”. Para além das regras convencionais já analisadas, baseou-se num alegado costume
regional ou local, próprio dos Estados da América Latina.
A Parte que invoca um costume desta natureza deve provar que este se constitui de tal modo
que se tornou obrigatório para a outra Parte. O Governo da Colômbia deve provar que a regra que
invoca está em conformidade com um uso constante e uniforme, praticado pelos Estados em
causa, e que esse uso traduz um direito do Estado que concede asilo e um dever que incumbe ao
Estado territorial. Isto decorre do artigo 38 do Estatuto do Tribunal, que faz referência ao costume
internacional como “prova de uma prática geral aceite como direito”.
Para apoiar a sua tese sobre a existência de um tal costume, o Governo da Colômbia citou um
grande número de tratados de extradição que, como já se disse, não têm pertinência para a questão
que aqui é considerada. Citou convenções e acordos que não contêm qualquer disposição relativa
à alegada regra de qualificação unilateral e definitiva, como a convenção de Montevideu de 1899
sobre o direito penal internacional, o Acordo bolivariano de 1911 e a Convenção da Havana de
1928. Invocou convenções que não foram ratificadas pelo Peru, como as Convenções de
Montevideu de 1933 e 1939. De facto, a Convenção de 1933 apenas foi ratificada por onze
Estados e a Convenção de 1939 apenas por dois Estados.
Também a este propósito, foi em especial sobre a Convenção de Montevideu de 1933 que o
advogado do Governo da Colômbia se baseou. Foi defendido que esta convenção apenas
codificou os princípios já reconhecidos pelo costume da América latina e que poderia ser oponível
ao Peru, por constituir a prova do direito consuetudinário. O número limitado de Estados que
ratificaram esta convenção revela a debilidade desta tese, que, além disso, é contradita pelo
preâmbulo da convenção onde se diz que esta modifica a Convenção da Havana.
Finalmente, o Governo da Colômbia citou um grande número de casos concretos, nos quais o
asilo diplomático foi, de facto, concedido e respeitado. Mas não foi demonstrado que a alegada
regra de qualificação unilateral e definitiva tenha sido invocada, ou que – se, em certos casos,
tiver de facto sido invocada – tenha sido aplicada, para lá das estipulações convencionais, pelos
Estados que concediam asilo, enquanto direito que lhes coubesse, e respeitada pelos Estados
territoriais enquanto dever a que estivessem sujeitos, e não, apenas, por razões de oportunidade
política. Os factos submetidos ao Tribunal revelam tanta incerteza e contradições, tanta flutuação
e contradições no exercício do asilo diplomático e nas opiniões oficialmente expressas em várias
ocasiões; houve uma tal inconsistência na rápida sucessão de convenções sobre o asilo, ratificadas
por alguns Estados e rejeitadas por outros, e a prática foi, nos vários casos, tão influenciada por
considerações de oportunidade política, que não é possível deduzir de tudo isto um uso constante
e uniforme aceite como direito quanto à alegada regra da qualificação unilateral e definitiva do
delito.
Por conseguinte, o Tribunal não pode aceitar que o Governo da Colômbia tenha provado a
existência de um tal costume. Mas, mesmo que pudesse admitir-se que esse costume existia
apenas entre certos Estados da América Latina, não poderia ser invocado perante o Peru que,
longe de a ele ter aderido pelo seu comportamento, ao contrário o repudiou, abstendo-se de
ratificar as convenções de Montevideu de 1933 e 1939, as que primeiro incluíram uma regra sobre
a qualificação do delito em matéria de asilo diplomático.
182
183 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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10) TIJ, Caso do Direito de passagem em território indiano (Portugal c. Índia), fundo,
acórdão, 12 de abril de 1960, Col., 1960, p. 39
11) TIJ, Caso do Direito de passagem em território indiano (Portugal c. Índia), fundo,
acórdão, 12 de abril de 1960, Col., 1960, p. 44
O Tribunal está em presença de um caso concreto com características especiais. Pelas suas
origens, a causa remonta a um período e diz respeito a uma região em que as relações entre
Estados vizinhos não eram reguladas por regras formuladas com precisão, mas amplamente
determinadas pela prática. Por conseguinte, quando o Tribunal considera estar em presença de
uma prática claramente estabelecida entre dois Estados e que as Partes aceitam regular as suas
relações, o Tribunal deve atribuir um efeito decisivo a essa prática tendo em vista a determinação
dos seus direitos e obrigações específicos. Essa prática particular deve prevalecer sobre quaisquer
regras gerais.
Questões:
a) Regra geral o costume internacional é geral ou universal. No entanto, como refere a
CDI na conclusão 16 do Projeto de conclusões sobre a identificação do direito
consuetudinário podem existir regras de “direito internacional particular”. Explique o que
são e quais os elementos necessários para verificar a sua existência.
b) Explicite a que tipo de “direito internacional consuetudinário particular” é analisado
pelo TIJ no caso relativo ao direito de asilo. No caso concreto, o TIJ concluiu pela
existência ou inexistência daquela regra particular? Porquê?
c) E no caso do direito de passagem em território indiano, qual o tipo de costume
particular em análise? No caso concreto, o Tribunal conclui pela existência ou
inexistência daquela regra particular? Porquê?
183
184 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Nota: Em 2005, o Comité Internacional da Cruz Vermelha Internacional publicou um estudo aprofundado,
resultado de cerca de uma década de trabalho, em que identificou o conteúdo normativo de direito internacional
humanitário (DIH) de natureza consuetudinária.
As regras identificadas, bem como a respetiva prática, podem ser consultadas no site da Cruz Vermelha
Internacional https://ihl-databases.icrc.org/customary-ihl/eng/docs/home?opendocument
O corpo essencial de DIH está vertido, principalmente, nas 4 Convenções de Genebra de 1949 e nos seus respetivos
Protocolos Adicionais de 1977. Considerando que as 4 Convenções de Genebra de 1949 são quase universalmente
ratificadas, a questão quanto à natureza consuetudinária (e por isso obrigatória para todos os Estados,
independentemente da sua vinculação aos tratados) coloca-se, assim, mormente em relação às normas consagradas nos
Protocolos Adicionais de 1977.
O estudo consiste na identificação das regras e, associado a cada regra, a prática identificação da prática que sustenta
a afirmação, por parte da Cruz Vermelha Internacional da natureza consuetudinária naquela regra.
De seguida apresenta-se um exemplo da prática de Portugal identificada pela Cruz Vermelha Internacional a
propósito de uma norma, e a explicação de uma regra consuetudinária identificada pela Cruz Vermelha, em que se faz
referência à prática variada de muitos Estados e também a existência de “objetores persistentes”.
Portugal expressou pela primeira vez o seu apoio a uma proibição imediata e total de minas
antipessoais a 3 de maio de 1996 durante as negociações da alteração ao Protocolo II à Convenção
sobre Certas armas convencionais. Ao mesmo tempo, Portugal anunciou também uma moratória
indefinida à produção, exportação e uso, exceto para efeitos de treino, de minas antipessoais.
Portugal participou em todas as reuniões preparatórias para a adoção de um tratado para a
proibição de minas antipessoais, endossada na Declaração Final da Conferência de Bruxelas sobre
minas terrestres antipessoais em junho de 1997 e foi um participante pleno nas negociações em
Oslo em setembro de 1997. Também votou favoravelmente as Resoluções da Assembleia Geral
das NU em apoio à proibição de minas terrestres antipessoais em 1996, 1997 e 1998.
12.2) Norma 45. Danos graves ao meio ambiente (excluídas as notas de rodapé)
Norma 45. É proibido o emprego de meios e métodos de combate que tenham sido concebidos
para causar, ou dos quais se pode prever que causem, danos extensos, duradouros e graves ao
meio ambiente. A destruição do meio ambiente não pode ser empregada como uma arma.
(…)
Sumário
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185 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
A prática dos Estados estipula esta regra como uma norma do direito internacional
consuetudinário e, possivelmente, aplicável tanto nos conflitos armados internacionais como não
internacionais. Aparentemente, os Estados Unidos são um “opositor persistente” da primeira parte
desta norma. Além disso, a França, os Estados Unidos e o Reino Unido são opositores persistentes
em relação à aplicação da primeira parte desta norma no uso de armas nucleares.
185
186 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
fizeram uma declaração interpretativa de que esta não era uma norma consuetudinária. Menos
claro é o Relatório Final do Comitê Estabelecido para Revisar o Bombardeio da OTAN contra a
República Federal da Iugoslávia, que afirma que o artigo 55 do Protocolo Adicional I “pode (...)
refletir o Direito Consuetudinário atual”.
O problema da natureza consuetudinária da norma, como elaborada no Protocolo Adicional I,
parece acionar a posição da França, Reino Unido e Estados Unidos, que possuem práticas que
demonstram sua aceitação da norma desde que se aplique a armas convencionais e não armas
nucleares. Isto é evidenciado pelo Manual de DICA do Reino Unido, o Manual do Comandante
da Força Área dos EUA e pelas reservas feitas pela França e o Reino Unido ao ratificar o Protocolo
Adicional I de modo que o Protocolo não se aplique às armas nucleares. Esta posição, em
conjunção com as declarações da França e Reino Unido de que os artigos 35(3) e 55(1) do
Protocolo Adicional I não são consuetudinários, significa que o opinio juris destes três Estados
estabelece que essas normas, por si só, não proíbem o uso de armas nucleares.
As práticas, em relação aos métodos de combate e uso de armas convencionais, demonstram
uma aceitação extensa, representativa e virtualmente uniforme da natureza costumeira da norma
que consta nos artigos 35(3) e 55(1) do Protocolo Adicional I. A prática contrária da França,
Estados Unidos e Reino Unido, neste sentido, não é totalmente consistente. Suas declarações em
alguns contextos de que as normas não são consuetudinárias contradizem às feitas em outros
contextos (em particular nos manuais militares) nos quais a norma é vista como vinculante desde
que não aplicada a armas nucleares. Como esses três Estados não são “especialmente afetados”
com relação ao sofrimento dos danos causados, esta prática contrária não é suficiente para evitar
o surgimento desta norma costumeira. Contudo, estes três Estados são especialmente afetados em
relação à posse das armas nucleares, sendo consistente a sua objeção à aplicação desta norma
específica desde a adoção da mesma na forma de tratado em 1977. Portanto, se a doutrina do
“opositor persistente” é possível no âmbito das normas humanitárias, esses três Estados não estão
vinculados por nenhuma regra específica no que diz respeito ao emprego de armas nucleares. No
entanto, deve-se observar que isto não impede de se considerar ilegal o uso de armas nucleares
com base em outras normas como, por exemplo, a proibição de ataques indiscriminados (ver
Norma 11) e o princípio de proporcionalidade (ver Norma 14).
Questões:
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187 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
são os atos dos Estados em causa que foram considerados objeções? Aqueles
comportamentos não põem em causa o carácter geral da prática?
g) Considerando os dois elementos que constituem o direito internacional
consuetudinário, explicite, justificando, quais os elementos apresentados pelo CICVI que
lhe parecem ser mais adequados para sustentar o elemento material, e aqueles que serão
mais adequados para sustentar a opinio iuris.
13) TIJ, Caso Atividades militares e paramilitares na Nicarágua e contra esta, Nicarágua c.
Estados Unidos da América, Acórdão, fundo, Col. 1986, 27 de junho de 1986, pp. 92-96, pars.
172 ss.
172. O Tribunal tem agora de analisar a questão do direito aplicável ao presente diferendo. Ao
formular a sua opinião sobre o significado da reserva dos Estados Unidos a tratados multilaterais,
o Tribunal concluiu que deve abster-se de aplicar os tratados multilaterais invocados pela
Nicarágua em apoio das suas pretensões, sem prejuízo de outros tratados ou das outras fontes de
direito enunciadas no Artigo 38 do Estatuto. O primeiro passo na determinação do direito que
deverá ser aplicado a este diferendo é o de verificar quais as consequências da exclusão da
aplicabilidade dos tratados multilaterais para a definição do conteúdo do direito consuetudinário
internacional que continua a aplicar-se.
173. De acordo com os Estados Unidos, estas consequências são extremamente alargadas. Os
Estados Unidos alegaram que
187
188 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Agora que o Tribunal chegou à fase da decisão quanto ao fundo, deve desenvolver e apurar
estas observações iniciais. (…)
175. O Tribunal não considera que, nas áreas do Direito relevantes para o presente diferendo,
se possa considerar que todas as regras consuetudinárias que podem ser invocadas tenham um
conteúdo exatamente idêntico ao das regras contidas nos tratados que não podem ser aplicados
em virtude da reserva dos Estados Unidos. Num certo número de aspetos, as áreas reguladas pelas
duas fontes de direito não se sobrepõem exatamente, e as regras substantivas em que estão
enquadradas não têm um conteúdo idêntico. Mas, além disso, mesmo se uma norma convencional
e uma norma consuetudinária aplicáveis ao presente diferendo devessem ter exatamente o mesmo
conteúdo, essa não seria uma razão para o Tribunal concluir que a existência do tratado priva a
norma consuetudinária da sua aplicação separada. Nem pode a reserva ao tratado multilateral ser
interpretada no sentido de que, uma vez aplicável a um determinado diferendo, excluiria a
aplicação de qualquer regra de direito internacional consuetudinário cujo conteúdo fosse o
mesmo, ou análogo, ao da regra de direito convencional que tornou efetiva a reserva.
(…)
177. (…) [C]omo assinalado acima (par. 175), mesmo que a norma consuetudinária e a norma
do tratado tivessem exatamente o mesmo conteúdo, isso não seria uma razão para o Tribunal
considerar que a incorporação da norma consuetudinária em direito convencional privava a norma
consuetudinária da sua aplicação, porque distinta da da norma convencional. A existência de
regras idênticas no direito internacional convencional e consuetudinário foi claramente
reconhecida pelo Tribunal nos casos da Plataforma Continental do Mar do Norte. (…) Em sentido
mais geral, não há fundamento para considerar que, quando o direito internacional
consuetudinário está incluído em regras idênticas de direito convencional, este “prevaleça” sobre
o anterior, de uma forma em que o direito internacional consuetudinário já não tenha existência
própria.
178. Há uma série de razões para considerar que, mesmo quando duas normas de duas fontes
de direito internacional parecem ter um conteúdo idêntico, e mesmo que os Estados em causa
estejam vinculados por essas regras tanto no plano do direito convencional como no direito
internacional consuetudinário, essas normas mantêm uma existência separada. É isso que
acontece do ponto de vista da sua aplicabilidade. (…) Além disso, as regras que são idênticas no
direito convencional e no direito internacional consuetudinário também se distinguem
relativamente aos métodos de interpretação e aplicação. Um Estado pode aceitar uma regra
contida num tratado, não apenas porque favorece a aplicação da própria regra, mas também
porque o tratado cria aquilo que o Estado considera serem instituições ou mecanismos desejáveis
para garantir a implementação da regra. Assim, se essa regra está em paralelo com uma regra de
direito internacional consuetudinário, duas regras com o mesmo conteúdo estão sujeitas a um
tratamento diferente no que se refere aos órgãos competentes para verificar a sua aplicação,
consoante se trate de normas consuetudinárias ou convencionais. O presente caso ilustra esta
situação.
179. Por conseguinte, é claro que o direito internacional consuetudinário continua a existir e
aplicar-se, autonomamente do direito internacional convencional, mesmo quando as duas
categorias de direito têm um conteúdo idêntico. Desta forma, ao determinar o conteúdo do direito
internacional consuetudinário aplicável ao presente diferendo, o Tribunal tem de dar por
verificado que as Partes estão vinculadas pelas regras consuetudinárias em causa; mas o Tribunal
não está de todo obrigado a só manter essas regras se forem diferentes das regras convencionais
que está impedido de aplicar no presente diferendo devido à reserva dos Estados Unidos.
188
189 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
Questões:
a) Em geral, qual é a questão substantiva que o Tribunal tem de decidir neste excerto do
acórdão?
b) O que pretendiam os Estados Unidos com a aposição da sua reserva relativa a tratados
multilaterais?
c) Porque é que o Tribunal considera, a dado passo, que os Estados Unidos pretendiam
extrair consequências muito alargadas da referida reserva?
d) Qual seria, para os Estados Unidos, a consequência jurídica de uma norma
consuetudinária ter, ou não ter, o mesmo conteúdo de uma norma convencional?
14) Caso Arctic Sunrise, Tribunal constituído Segundo o Anexo VII da Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, Reino dos Países Baixos e Federação Russa, sentença
arbitral, fundo, 14 de agosto de 2015, RSA, XXXII, pp. 205 ss., 258 ss., pars. 183 ss. (notas de
rodapé não incluídas) [aplicação do costume para interpretação de disposições de um
tratado]
183. Para além disso, os Países Baixos contendem que direitos humanos básicos – incluindo o
direito à liberdade de expressão, o direito a não ser detido de forma arbitrária, e a liberdade de
deixar um país – têm um caráter erga omnes (partes). Os Países Baixos sustentam que, como
“parte no PIDCP, [têm] por esse facto o direito de invocar a responsabilidade internacional da
Federação Russa, também ela parte no PIDCP, por violações do Pacto”. Argumenta que:
“…as violações das regras pertinentes do direito do mar estão, razoavelmente, relacionadas
com violações de direitos humanos segundo o direito internacional consuetudinário e o PIDCP,
ambos vinculativos para os Países Baixos e a Federação Russa. A violação de direitos humanos
individuais, como sustentado neste caso, foi causada pela violação do direito à liberdade de
navegação e do direito de exercer jurisdição exclusiva sobre o Arctic Sunrise. Uma vez que a
pretensão relativa às violações do direito referido por último é admissível, os Países Baixos
também têm o direito para reclamar quanto ao primeiro”.
184. Os Países Baixos defendem que a invocação de responsabilidade erga omnes (partes)
está sujeita a apenas dois critérios: 1) saber se a norma violada se aplica erga omnes; e 2) se o
Estado que invoca a responsabilidade erga omnes (partes) é parte do omnes. Os Países Baixos
sustentam que, assim como a Rússia, são partes no PIDCP, e que, no que respeita aos direitos
humanos, também estão vinculados pelo direito internacional consuetudinário. Por conseguinte,
os Países Baixos consideram ser parte do erga omnes a que se aplicam as normas violadas pela
Rússia. Deste modo, os Países Baixos têm legitimidade para invocar a responsabilidade
internacional da Rússia por alegadas violações de direitos humanos básicos.
(…)
191. No caso de disposições [da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar]
redigidas em termos amplos ou gerais, pode também ser necessário basear-se em regras primárias
de direito internacional que não sejam as da Convenção, tendo em vista interpretar e aplicar
disposições concretas da Convenção. Tanto tribunais arbitrais como o TIDM interpretaram a
Convenção como permitindo a aplicação de regras pertinentes de direito internacional. O artigo
293 da Convenção possibilita-o. Por exemplo, no caso M/V “Saiga” n.º 2, o TIDM tomou em
consideração regras de direito internacional geral relativas ao uso da força, ao analisar o uso da
força para apresar um navio:
“Ao considerar a força usada pela Guiné no apresamento do Saiga, o Tribunal deve tomar em
consideração as circunstâncias do apresamento no contexto das regras de direito internacional
189
190 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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aplicáveis. Ainda que a Convenção não contenha normas expressas sobre o uso da força no
apresamento de navios, o direito internacional, aplicável por força do artigo 293 da Convenção,
exige que o uso da força seja evitado tanto quanto possível e, quando a força seja inevitável, não
vá além do que seja razoável e necessário de acordo com as circunstâncias. Considerações de
humanidade devem aplicar-se ao direito do mar, do mesmo modo que se aplicam a outras áreas
do direito internacional”.
192. Contudo, o artigo 293 não é um meio para se alcançar a determinação de que foi violado
um tratado distinto da Convenção, a não ser que esse tratado seja, por outra via, uma fonte de
competência, ou a não ser que o tratado de outro modo se aplique diretamente, nos termos da
Convenção.
193. Por vezes, os Países Baixos parecem convidar o Tribunal a determinar, diretamente, que
houve uma violação pela Rússia dos artigos 9 e 12, n.º 2, do PIDCP, de que ambos os Estados são
Partes. (…)
(…)
197. O Tribunal considera que, se necessário, pode atender ao direito internacional geral
relativo aos direitos humanos para determinar se ações para aplicação do direito, tais como a
abordagem, arresto e apresamento do Arctic Sunrise e a detenção e prisão dos que estavam a
bordo era razoável e proporcional. Isso equivaleria a interpretar as disposições pertinentes da
Convenção por referência ao contexto relevante. Isso, no entanto, não é o mesmo que, nem exige,
uma determinação sobre se houve ou não uma violação dos artigos 9 e 12, n.º 2, enquanto tais.
Este tratado tem o seu próprio regime de aplicação, e não cabe ao Tribunal agir substituindo-se a
esse regime.
Questões
a) A interpretação de um tratado pode implicar a aplicação simultânea de outras regras
internacionais? Justifique.
b) Tomando em consideração o expendido pelo Tribunal no caso Arctic Sunrise, em que
contexto e com que limites pode aplicar-se direito internacional geral ou outras normas
de direito convencional para resolver um diferendo relativo à Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar?
190
191 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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TRATADOS INTERNACIONAIS
96. Sobre a questão da forma, o Tribunal limita-se a observar que não existe qualquer
regra de direito internacional que proíba um comunicado conjunto de constituir um
acordo internacional para submeter um diferendo a arbitragem ou a resolução judicial (cf.
arts. 2, 3 e 11 da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados). Em consequência,
que o comunicado de Bruxelas de 31 de maio de 1975 constitua ou não um tal acordo
depende, essencialmente, da natureza do ato ou da transação a que se refere; a questão
não pode ser resolvida pela invocação da forma de comunicado dada ao ato referido ou
àquela transação. Ao contrário, para determinar qual era, de facto, a natureza do ato ou
transação consagrada no comunicado de Bruxelas, o Tribunal deve tomar em
consideração os termos utilizados e as circunstâncias em que o comunicado foi elaborado.
21. Em primeiro lugar, o Tribunal irá indagar da natureza dos textos invocados pelo Qatar,
antes de analisar o conteúdo daqueles textos.
22. As Partes estão de acordo que a troca de correspondência em dezembro de 1987
constitui um acordo internacional com força jurídica vinculativa nas suas relações
mútuas. Contudo, o Bahrain defende que as Atas de 25 de dezembro de 1990 não são
mais do que um simples registo de negociações, de natureza similar às Atas do Comité
Tripartido; consequentemente, não se trataria de um acordo internacional e não poderia,
de igual modo, ser a base para o exercício da jurisdição pelo Tribunal.
191
192 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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23. O Tribunal observa, em primeiro lugar, que os acordos internacionais podem ter
inúmeras formas e podem ser nomeados de maneiras diversas. O artigo 2, n.º 1, alínea a),
da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados de 23 de maio de 1969 estabelece que
para efeitos daquela Convenção,
“’tratado’ designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido
pelo direito internacional, quer esteja consignado num documento único, quer em dois ou
vários instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua designação particular”.
Além disso, como o Tribunal referiu, num caso a propósito de um comunicado conjunto,
“não conhece qualquer regra de direito internacional que impeça que um comunicado
conjunto possa constituir um acordo internacional para submeter uma disputa a
arbitragem ou a resolução judicial” (…)
Para determinar se um acordo desta natureza foi concluído, “o Tribunal tem de ter em
consideração antes de mais os seus termos reais e as circunstâncias particulares em que
foi efetuado” (...).
24. As Atas de 1990 referem-se às consultas entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros
do Bahrain e do Qatar, na presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Arábia
Saudita e revelam aquilo que tinha sido “acordado” entre as Partes. No parágrafo 1 os
compromissos anteriormente assumidos são reafirmados (que incluem, pelo menos, o
acordo constituído pela troca de correspondência de dezembro de 1987). No parágrafo 2,
as Atas estabelecem que os bons ofícios do Rei da Arábia Saudita continuarão até maio
de 1991, e excluem a submissão da controvérsia ao Tribunal antes daquela data. São
tratadas as circunstâncias nas quais a controvérsia pode posteriormente ser submetida ao
Tribunal. A aceitação por parte do Qatar relativamente à fórmula proposta pelo Bahrain
é registada. As Atas estabelecem que os bons ofícios Sauditas continuarão enquanto o
caso estiver pendente perante o Tribunal e, continuam estabelecendo que, se um acordo
de compromisso for alcançado durante aquele período, o caso será retirado.
25. Assim, as Atas de 1990 incluem uma reafirmação das obrigações anteriormente
estabelecidas; confiam ao Rei Fahd a tarefa de procurar encontrar uma solução para a
controvérsia num período de 6 meses; e, por último, tratam das circunstâncias de acordo
com as quais o Tribunal poderia ser chamado a intervir depois de maio de 1991.
Consequentemente, e contrariamente ao alegado pelo Bahrain, as Atas não são apenas um
simples registo de um encontro, semelhante aos realizados no enquadramento do Comité
Tripartido; não dão apenas conta das discussões e sumarizam os pontos de acordo e de
desacordo. Enumeram os compromissos relativamente aos quais as Partes consentiram.
Deste modo, criam direitos e obrigações de direito internacional para as Partes.
Constituem um acordo internacional.
26. Contudo, o Bahrain alega que os signatários das Atas “nunca tiveram a intenção de
concluir um acordo daquela natureza”. Apresentou uma declaração do Ministro dos
Negócios Estrangeiros do Bahrain, datada de 21 de maio de 1992, em que aquele declara
que “em momento algum considerei que ao assinar as Atas estava a vincular
juridicamente o Bahrain a um acordo”. E continua dizendo que, de acordo com a
Constituição do Bahrain “tratados ‘relativos ao território do Estado’ podem produzir os
seus efeitos apenas depois de serem positivamente decretados como lei”. O Ministro
indica que, por isso, não lhe seria permitido assinar um acordo internacional com aquele
efeito no momento da assinatura. Ele estava consciente desta situação e preparado para
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193 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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subescrever uma declaração dando conta de um entendimento político, mas não para
assinar um acordo juridicamente vinculativo.
27. O Tribunal não considera necessário analisar quais tenham sido as intenções do
Ministro dos Negócios Estrangeiros do Bahrain ou, para esse efeito, as do Ministro dos
Negócios Estrangeiros do Qatar. Os dois Ministros assinaram um texto que regista
compromissos aceites pelos seus Governos, alguns dos quais tiveram aplicação
automática. Tendo assinado este texto, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Bahrain
não está em posição de posteriormente dizer que tinha como intenção apenas “uma
declaração que registava um entendimento político” e não um acordo internacional.
28. O Bahrain, contudo, baseia a sua contestação de que não foi concluído qualquer
acordo internacional, ainda noutro argumento. Mantém que a conduta subsequente das
partes demonstrara que aquelas nunca tinham considerado que as Atas de 1990 era um
acordo daquela natureza; e essa foi não apenas a posição do Bahrain, mas também a do
Qatar. O Bahrain chama a atenção de que o Qatar esperou até junho de 1991 para registar
as Atas de 1990 junto do Secretariado das Nações Unidas ao abrigo do artigo 102 da
Carta; e, além disso, o Bahrain objetou àquele registo. O Bahrain observa também que,
ao contrário do que está estabelecido no artigo 17 do Pacto da Liga dos Estados Árabes,
o Qatar não entregou as Atas de 1990 junto do Secretariado Geral da Liga; nem cumpriu
os procedimentos exigidos pela sua própria Constituição para a conclusão dos tratados.
Esta conduta demonstra que o Qatar, como o Bahrain, nunca consideraram que as Atas
de 1990 eram um acordo internacional.
29. O Tribunal observa que um acordo internacional ou tratado que não tenha sido
registado junto do Secretariado das Nações Unidas não pode, de acordo com o
estabelecido no artigo 102 da Carta, ser invocado pelas partes perante qualquer órgão das
Nações Unidas. O não registo ou o registo tardio, por outro lado, não tem qualquer
consequência quanto à validade efetiva do acordo que permanece vinculativo para as
partes. O Tribunal não pode, portanto, inferir do facto de o Qatar não ter procedido ao
registo das Atas de 1990 se não seis meses depois de terem sido assinadas que o Qatar
considerava em dezembro de 1990, que aquelas Atas não constituíam um acordo
internacional. A mesma conclusão decorre relativamente ao não-registo do texto junto do
Secretariado Geral da Liga Árabe. Nem qualquer elemento que foi apresentado perante o
Tribunal justifica que deduzisse de qualquer desconsideração por parte do Qatar
relativamente às suas regras constitucionais relativas à conclusão dos tratados que aquele
não tinha a intenção de concluir, ou não considerava ter concluído um instrumento
daquela natureza; nem poderia uma tal intenção, mesmo se tivesse sido demonstrada,
prevalecer sobre os termos reais do instrumento em questão. Consequentemente os
argumentos do Bahrain quanto a estes aspetos não podem ser aceites.
30. O Tribunal conclui que as Atas de 25 de dezembro de 1990, bem como a troca de
correspondência de dezembro de 1987, constituem um acordo internacional que cria
direitos e obrigações para as Partes.
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194 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/94/094-20021010-JUD-01-00-EN.pdf
265. O Tribunal irá agora pronunciar-se sobre o argumento da Nigéria de que de as suas
regras constitucionais relativas à conclusão dos tratados não foram cumpridas. A este
propósito o Tribunal recorda que o artigo 46, n.º 1 da Convenção de Viena estabelece que
“a circunstância de o consentimento de um Estado a obrigar-se por um tratado ter sido
expresso com violação de um preceito do seu direito interno relativo à competência para
a conclusão dos tratados, não pode ser alegada como tendo viciado o seu consentimento”.
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195 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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É verdade que aquele número continua dizendo “a não ser que a violação tenha sido
manifesta e diga respeito a uma regra do seu direito interno de importância fundamental”,
enquanto que o n.º 2 do artigo 46 estabelece que “[u]ma violação é manifesta se é
objetivamente evidente ara qualquer Estado que proceda, nesse domínio, de acordo com
a prática habitual e de boa fé”. As regras relativas à competência para assinar tratados são
regras constitucionais de importância fundamental. Contudo, a limitação da capacidade
de Chefes de Estado a este respeito não é manifesta no sentido do artigo 46, n.º 2, a não
ser que pelo menos seja devidamente publicitada. Isto é assim, de modo particular, porque
os Chefes de Estado pertencem ao grupo de pessoas que, de acordo com o artigo 7, n.º 2
da Convenção “em virtude das suas funções e sem terem que apresentar instrumento de
plenos poderes” se consideram como representando o seu Estado.
O Tribunal não pode aceitar o argumento da Nigéria de que o artigo 7, n.º 2 da Convenção
de Viena sobre o direito dos tratados é apenas relativo à forma como a função da pessoa
como representante do Estado é estabelecida, mas não sobre a extensão dos poderes dessa
pessoa quando exerce aquela função representativa. O Tribunal nota que o Comentário
da Comissão de Direito Internacional ao artigo 7, n.º 2 prevê expressamente que “os
Chefes de Estado (…) são considerado como representando o seu Estado para efeitos de
qualquer ato relacionado com a conclusão de um tratado” (…)
266. A Nigéria argumenta ainda que os Camarões sabiam, ou tinham de saber, que o
Chefe de Estado da Nigéria não tinha poder para vincular juridicamente a Nigéria sem
consultar o Governo Nigeriano. A este respeito o Tribunal recorda que não existe uma
qualquer obrigação jurídica geral de os Estados se manterem informado dos
desenvolvimentos legislativos e constitucionais de outros Estados que são ou podem vir
a ser importantes para as relações desses Estados.
Neste caso, o Chefe de Estado da Nigéria tinha afirmado em agosto de 1974 na Carta
enviada ao Chefe de Estado dos Camarões que as posições da Comissão Conjunta “tinham
de ser sujeitas a acordo entre os dois Governos”. Contudo, no parágrafo seguinte da
mesma carta, indicada ainda: “Sempre acreditei que podemos, em conjunto, reexaminar
a situação e alcançar uma decisão adequada e aceitável a este propósito”. Ao contrário do
que é alegado pela Nigéria, o Tribunal considera que estas duas declarações, lidas em
conjunto, não podem ser interpretadas como sendo um aviso específico aos Camarões de
que o Governo Nigeriano contestaria estar vinculado a qualquer acordo negociado entre
os Chefes de Estado. E, em particular, não podiam ser entendidas como relacionadas com
qualquer acordo a ser estabelecido em Maroua nove meses depois. A carta em questão,
na verdade, era relativa ao encontro a realizar-se em Kano, na Nigéria de 30 de agosto e
1 de setembro de 1974. Esta carta parece ter sido parte de um padrão que marcou as
negociações das fronteiras entre as Partes entre 1970 e 1975, nas quais os dois Chefes de
Estado tomaram a iniciativa de resolver as dificuldades naquelas negociações através de
acordos entre si, incluindo os de Yaoundé II e Maroua.
5) TJUE, Acórdão A. Racke GmbH & Co. contra Hauptzollamt Mainz, Processo C-
162/96, 16 de junho de 1998
195
196 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
47. Importa em seguida observar que, no caso em apreço, o interessado põe em causa, a
título incidental, a validade de um regulamento comunitário na perspetiva dessas regras
para invocar direitos que para ele decorrem diretamente de um acordo da Comunidade
com um país terceiro. O presente processo não diz, portanto, respeito ao efeito direto das
referidas regras.
49. As regras invocadas pelo interessado constituem uma exceção ao princípio pacta sunt
servanda que constitui um princípio fundamental de qualquer ordem jurídica e, em
especial, da ordem jurídica internacional. Aplicado ao direito internacional, esse princípio
exige que todo o tratado em vigor vincule as partes e deva ser por elas executado de boa
fé (v. artigo 26 da Convenção de Viena).
50. A importância desse princípio foi ainda recordada pelo Tribunal Internacional de
Justiça, segundo o qual «a estabilidade das relações convencionais exige que o
fundamento baseado numa alteração fundamental de circunstâncias só se aplique em
situações excecionais» (acórdão de 25 de Setembro de 1997, processo relativo ao projecto
Gabcíkovo - Nagymaros, Hungria/Eslováquia, n._ 104, ainda não publicado na
Colectânea dos acórdãos, pareceres consultivos e despachos).
51. Nestas condições, não se pode recusar a um interessado, quando nos tribunais invoca
direitos que retira diretamente de um acordo com um país terceiro, a possibilidade de pôr
em causa a validade de um regulamento que, ao suspender as concessões comerciais
concedidas por esse acordo, o impede de dele se prevalecer, e de invocar, para contestar
a sua validade, as obrigações que decorrem das regras do direito consuetudinário
internacional que regulam a cessação e a suspensão das relações convencionais.
53. Para que a cessação ou a suspensão de um acordo possa ser considerada em virtude
de uma alteração fundamental de circunstâncias, o direito consuetudinário internacional,
como foi codificado no artigo 62, n.º 1, da Convenção de Viena, estabelece duas
condições. Em primeiro lugar, a existência dessas circunstâncias teve de constituir uma
base essencial do consentimento das partes a obrigarem-se pelo acordo; em segundo, essa
alteração deve ter por efeito a transformação radical da natureza das obrigações assumidas
no acordo.
196
197 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
54. Quanto à primeira condição, importa observar que, de acordo com o preâmbulo do
acordo de cooperação, as partes contratantes estão determinadas «a promover o
desenvolvimento e a diversificação da cooperação económica, financeira e comercial
tendo em vista favorecer um melhor equilíbrio, bem como a melhoria da estrutura e
desenvolvimento do volume das suas trocas comerciais e o aumento do bem-estar das
suas populações» e que estão conscientes «da necessidade de ter conta a nova situação
criada pelo alargamento da Comunidade e de reforçar os laços de vizinhança existentes
na criação de relações económicas e comerciais mais harmoniosas entre a Comunidade e
a República Socialista Federativa da Jugoslávia». Na sequência destas considerações, o
artigo 1 desse acordo estipula que este «tem por objetivo promover uma cooperação
global entre as partes contratantes tendo em vista contribuir para o desenvolvimento
económico social da República Socialista Federativa da Jugoslávia e favorecer o reforço
das suas relações mútuas».
56. Quanto à segunda condição, não parece que o Conselho, ao declarar, no segundo
considerando do regulamento controvertido, que «a continuação das hostilidades e as suas
consequências nas relações económicas e sociais, tanto entre as repúblicas da Jugoslávia
como com a Comunidade, constituem uma alteração radical das condições em que foram
celebrados o acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e a
República Socialista Federativa da Jugoslávia e os seus protocolos» e «que põem em
causa a aplicação desses textos», tenha cometido um erro manifesto de apreciação.
57. Embora seja verdade, como a Racke afirma, que devia continuar a existir um certo
volume de comércio com a Jugoslávia e que a Comunidade podia ter continuado a
conceder concessões pautais, também não deixa de ser verdade, como observou o
advogado-geral no n.º 93 das suas conclusões, que a aplicação das regras do direito
consuetudinário internacional em causa não depende da impossibilidade de executar uma
obrigação e que a continuação das preferências, na intenção de estimular as trocas, deixou
de ter sentido a partir do momento em que a Jugoslávia estava em estado de
decomposição.
Capítulo XIX
Ratificação e assinatura
Artigo 110
1. A presente Carta deverá ser ratificada pelos Estados signatários de acordo com as
respetivas regras constitucionais.
2. As ratificações serão depositadas junto do Governo dos Estados Unidos da América,
que notificará de cada depósito todos os Estados signatários, assim como o Secretário-
Geral da Organização depois da sua nomeação.
197
198 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 97
O presente tratado é concluído para vigorar cinquenta anos a partir da sua entrada em
vigor.
Artigo 98
Todos os Estados europeus podem pedir para aderir ao presente tratado dirigindo ao seu
pedido ao Conselho, que, depois de ouvida a opinião da Alta Autoridade, delibera por
unanimidade e fixa, também por unanimidade, as condições de adesão. O Tratado entra
em vigor a partir do dia em que o instrumento de adesão for recebido pelo governo
depositário de Tratado.
Artigo 99
O presente Tratado será ratificado por todos os Estados membros em conformidade com
as suas regras constitucionais respetivas; os instrumentos de ratificação serão depositados
junto do Governo da República Francesa. Entrará em vigor no dia do depósito do
instrumento de ratificação do Estado signatário que proceda em último lugar a essa
formalidade. No caso de todos os instrumentos de ratificação não terem sido depositados
num período de seis meses à data da assinatura do presente Tratado, os governos dos
Estados que tenham efetuado aquele depósito concertar-se-ão quanto às medidas a adotar.
https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XVIII-10&chapter=18&clang=_en#12
198
199 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
9) Declaração dos Estados Unidos depositada junto das Nações Unidas a propósito
do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, que havia assinado sob reserva de
ratificação a 31 de dezembro de 2000
14) Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, excerto
Artigo 51.º
199
200 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
1. O Governo da Argélia interpreta o artigo 1, que é comum aos dois Pactos, como em
nenhum caso comprometer o direito inalienável de todos os povos à autodeterminação e
ao controle sobre suas riquezas e recursos naturais.
Além disso, considera que a manutenção por parte de um Estado da dependência de certos
territórios referidos no artigo 1, n.º 3 de ambos os Pactos e no artigo 14 do Pacto
Internacional de direitos Económicos, Sociais e Culturais é contrário aos fins e princípios
das Nações Unidas, à Carta da Organização e à Declaração sobre a concessão da
independência aos países e aos povos coloniais [Resolução da AG 1514 (XV)].
2. O Governo da Argélia interpreta as disposições do artigo 8 do Pacto Internacional de
Direitos Económicos, Sociais e Culturais e o artigo 22 do Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos como reconhecendo a lei como o enquadramento para a ação do Estado
em relação à organização e exercício do direito de se organizar.
3. O Governo da Argélia considera que as disposições dos n.ºs 3 e 4 do artigo 13 do Pacto
Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, como em nenhum caso poder
comprometer o seu direito de organizar livremente o seu Sistema educativo.
4. O Governo da Argélia interpreta as disposições do artigo 23, n.º 4 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos sobre os direitos e responsabilidades dos
cônjuges quanto ao casamento, durante o casamento e sua dissolução, sem comprometer
os fundamentos essenciais do sistema jurídico argelino.
200
201 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Aviso n.º 112/2008 Por ordem superior se torna público ter o Governo da Suíça efetuado,
junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, numa notificação recebida em 12 de Janeiro
de 2004, a sua decisão de retirar a reserva relativa às alíneas d) e f) do n.º 3 do artigo 14.º,
formulada no momento da ratificação do Pacto Internacional sobre os Direitos Humanos,
adotado em Nova Iorque em 16 de Dezembro de 1966, adiante denominado o Pacto.
Os diferendos a que se refere o artigo 66, alínea a), exigem o consentimento de todos as
partes envolvidas no mesmo para que possam ser submetidos ao Tribunal Internacional
de Justiça para decisão.
https://dre.pt/application/file/a/197044
Preâmbulo
Os Estados Contratantes na presente Convenção: (…)
Recordando igualmente todas as resoluções da Assembleia Geral sobre esta matéria,
particularmente a Resolução n.º 49/60, de 9 de Dezembro de 1994, e o seu anexo sobre a
Declaração sobre as Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional, na qual os
Estados-Membros das Nações Unidas solenemente afirmaram que condenavam
categoricamente todos os atos, métodos e práticas terroristas como criminosos e
injustificáveis, onde quer que aconteçam e sejam quais forem os seus autores, muito
especialmente as que comprometem as relações de amizade entre os Estados e os povos
e que ameaçam a integridade territorial e a segurança dos Estados;
Observando que a Declaração sobre as Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional
também encorajou os Estados a examinar com urgência o âmbito das disposições jurídicas
internacionais em vigor sobre a prevenção, a repressão e a eliminação do terrorismo sob
todas as suas formas e manifestações, com o fim de assegurar a existência de um quadro
jurídico geral que abranja todas as questões nesta matéria; (…)
acordaram o seguinte: (…)
201
202 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Artigo 2.º
1 - Comete uma infração, nos termos da presente Convenção, quem, por quaisquer meios,
direta ou indiretamente, ilegal e deliberadamente, fornecer ou reunir fundos com a
intenção de serem utilizados ou sabendo que serão utilizados, total ou parcialmente, tendo
em vista a prática:
a) De um ato que constitua uma infração compreendida no âmbito de um dos tratados
enumerados no anexo e tal como aí definida; ou
b) De qualquer outro ato destinado a causar a morte ou ferimentos corporais graves num
civil ou em qualquer pessoa que não participe diretamente nas hostilidades numa situação
de conflito armado, sempre que o objetivo desse ato, devido à sua natureza ou contexto,
vise intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional
a praticar ou a abster-se de praticar qualquer ato.
2 - a) Ao depositar o seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, um
Estado Contratante que não seja parte de um tratado enumerado no anexo referido no n.º
1, alínea a), poderá declarar que, no quadro da aplicação da presente Convenção a este
Estado Contratante, esse tratado será considerado como não figurando naquele anexo.
Essa declaração ficará sem efeito a partir da entrada em vigor do tratado para o Estado
Contratante, que notificará o depositário desse facto.
b) Quando um Estado Contratante deixe de ser parte de um tratado enumerado no anexo,
poderá efetuar uma declaração, relativamente a esse tratado, de acordo com o presente
artigo
(…)
Artigo 24.º
1 - Qualquer diferendo entre dois ou mais Estados, respeitando a interpretação ou a
aplicação da presente Convenção, que não possa ser resolvido amigavelmente num
período de tempo razoável será, a pedido de um dos Estados, submetido a arbitragem. Se,
num prazo de seis meses a contar da data do pedido de arbitragem, as Partes não
alcançarem um acordo quanto à organização da arbitragem, qualquer das Partes em causa
poderá submeter o diferendo ao Tribunal Internacional de Justiça, mediante pedido por
escrito, em conformidade com o Estatuto do Tribunal.
2 - Qualquer Estado poderá, no momento da assinatura, ratificação, aceitação ou
aprovação da presente Convenção, ou da respetiva adesão, declarar que não se considera
vinculado pelo disposto no n.º 1. Os restantes Estados Contratantes não ficarão vinculados
pelo disposto no n.º 1 relativamente a qualquer Estado Contratante que tenha formulado
tal reserva.
3 - Qualquer Estado que tenha formulado uma reserva em conformidade com o n.º 2
poderá, a todo o momento, retirar tal reserva mediante notificação dirigida ao Secretário-
Geral da Organização das Nações Unidas
https://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=IND&mtdsg_no=XVIII-11&chapter=18&clang=_en#EndDec
Reservas e Declaração:
202
203 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
https://dre.pt/application/conteudo/249210
203
204 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) Identifique as normas em que a Convenção Internacional para a Eliminação do
Financiamento do Terrorismo prevê a possibilidade de serem formuladas reservas.
b) Partindo do artigo 19.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969,
e analisando as disposições transcritas da Convenção Internacional para a Eliminação do
Financiamento do Terrorismo, que reservas podem ser formuladas a esta Convenção? Só
a expressamente prevista no seu artigo 24.º? Ou outras não expressamente previstas? E
com que limites?
c) Portugal formula uma objeção a uma declaração interpretativa ou a uma reserva do
Governo da República Árabe do Egito?
d) Na objeção formulada por Portugal é expressamente referido que “a presente objeção
não prejudica a entrada em vigor da Convenção entre Portugal e a República Árabe do
Egito”. Se Portugal não o declarasse expressamente a Convenção não se aplicaria nas
relações entre as duas partes?
204
205 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
205
206 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Pacto, formulada ao primeiro Protocolo Facultativo no caso em que não tenha sido
previamente formulada relativamente aos mesmos direitos previstos na Convenção, não
afeta o dever do Estado de cumprir a sua obrigação substantiva. Uma reserva não pode
ser introduzida ao Pacto através da instrumentalização do Protocolo Facultativo, uma vez
que uma tal reserva teria a finalidade de garantir que o cumprimento dessa obrigação pelo
Estado não pudesse vir a ser avaliado pelo Comité nos termos do primeiro Protocolo
Facultativo. E porque o objeto e o fim do primeiro Protocolo Facultativo é o de permitir
que os direitos que são obrigatórios para um Estado segundo o Pacto sejam avaliados pelo
Comité, uma reserva que procure impedir isto seria contrária ao objeto e fim do primeiro
Protocolo Facultativo, se não mesmo do Pacto” (itálico acrescentado).
6.7. A presente reserva, que foi formulada depois da publicação do Comentário Geral n.º
24, não tem por finalidade excluir a competência do Comité nos termos do Protocolo
Facultativo relativamente a qualquer disposição específica do Pacto, mas antes de todo o
Pacto para um grupo particular de reclamações, designadamente de prisioneiros
condenados à pena de morte. Isto não a torna, contudo, compatível com o objeto e fim do
Protocolo Facultativo. Pelo contrário, o Comité não pode aceitar uma reserva que outorga
a um certo grupo de indivíduos uma menor proteção processual comparada com a que
beneficia o resto da população. Na opinião do Comité, tal constitui uma discriminação
que vai contra alguns princípios básicos previstos no Pacto e nos seus Protocolos, e por
esta razão a reserva não pode ser considerada compatível com o objeto e fim do Protocolo
Facultativo. A consequência é a de que o Comité não está impedido de examinar a
presente comunicação nos termos do Protocolo Facultativo.
6.8. O Comité, observando que o Estado parte não impugnou a admissibilidade de
nenhuma das reclamações do autor com qualquer outro fundamento a não ser a sua
reserva, considera que as reclamações do autor estão suficientemente fundadas para serem
apreciadas quanto ao seu mérito.
Questões:
206
207 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
“(…) O surgimento de normas com carácter ius cogens é relativamente recente, embora
o direito se encontre em rápida evolução. A Comissão considerou conveniente estabelecer
em termos gerais que um tratado é nulo se é incompatível com uma norma de ius cogens
e deixar que o conteúdo dessa norma se forme na prática dos Estados e na jurisprudência
dos tribunais internacionais.”
“O objeto de uma tal convenção também tem de ser considerado. A Convenção [para a
prevenção e repressão do crime de genocídio] foi manifestamente adotada com um
propósito puramente humanitário (…). Com efeito é difícil imaginar uma convenção que
possa ter este (…) carácter com tal intensidade, uma vez que o seu objeto é por um lado,
salvaguardar a própria existência de determinados grupos humanos e, por outro,
confirmar e defender os mais elementares princípios de moralidade. Em tal convenção os
Estados não têm quaisquer interesses próprios; apenas têm, cada um e todos, um interesse
comum, nomeadamente, alcançar aqueles elevados propósitos que são a raison d’être da
Convenção. (…) O objeto e finalidade da Convenção sobre o Genocídio implica que era
intenção da Assembleia Geral e dos Estados que a adotaram que nela participassem tantos
Estados quanto possível. A exclusão plena da Convenção de um ou mais Estados não
restringiria o seu âmbito de aplicação, mas diminuiria a autoridade moral e princípios
humanitários que são a sua base. É inconcebível que as partes contratantes contemplassem
prontamente que uma objeção a uma reserva menor devesse produzir esse resultado. Mas
muito menos poderiam as partes contratantes ter querido sacrificar o próprio objeto da
Convenção ao desejo vão de assegurar tantos participantes quanto possível. O objeto e
finalidade da Convenção limitam, desse modo, quer a liberdade de fazer reservas quer a
liberdade de objetar às mesmas. Consequentemente, é a compatibilidade de uma reserva
com o objeto e finalidade da Convenção que deve fornecer os critérios para a atitude de
um Estado que faz uma reserva no momento da acessão, bem como da avaliação por um
Estado ao objetar uma reserva. Esta é a regra de conduta que deve guiar todos os Estados
na avaliação que deve fazer, individualmente e do seu próprio ponto de vista, quanto à
admissibilidade de qualquer reserva.”
“Reservas:
1. Relativamente ao artigo IX da Convenção, antes de que em virtude do mesmo se possa
submeter uma controvérsia na qual os Estados Unidos sejam parte ao Tribunal
Internacional de Justiça será necessário em cada caso o consentimento expresso dos
Estados Unidos.
207
208 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Interpretações:
1. A expressão ‘com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso enquanto tal’, nos termos do artigo 2, será entendida como a
intenção de destruir no todo ou em parte substancial, um grupo nacional, étnico, racial ou
religioso como tal através dos atos especificados no artigo 2.
2. O termo ‘danos mentais’, mencionado no artigo 2 b), entender-se-á como a deterioração
permanente das faculdades mentais produzida pelo emprego de drogas, tortura ou técnicas
semelhantes”.
D) Objeção da Suécia a reserva aposta pelos Estados Unidos à Convenção para a
prevenção e repressão do crime de Genocídio
E) Objeção do Reino dos Países Baixos às reservas aposta pelos Estados Unidos à
Convenção para a prevenção e repressão do crime de Genocídio
“Relativamente à primeira reserva, o Governo do Reino dos Países Baixos recorda a sua
declaração de 20 de junho de 1966 aquando da adesão do Reino dos Países Baixos à
Convenção em que se declara que, em sua opinião, as reservas referentes ao artigo IX da
Convenção, feitas nesse momento por uma série de Estados, eram incompatíveis com o
objeto e fim da Convenção, e que o Governo do Reino dos Países Baixos não considerava
Parte no Tratado os países que faziam tais reservas. Consequentemente, o Governo dos
Países Baixos não considera os Estados Unidos da América parte na Convenção. (…)
Uma vez que a Convenção poderia entrar em vigor entre o Reino dos Países Baixos e os
Estados Unidos da América como resultado da retirada, por parte deste último, da sua
reserva relativamente ao artigo IX, o Governo do Reino dos Países Baixos considera
conveniente expressar a sua posição relativamente à segunda reserva dos Estados Unidos
da América: ‘O Governo dos Países Baixos apresenta a sua objeção à dita reserva uma
vez que não resulta claro até que ponto o Governo dos Estados Unidos está disposto a
assumir as suas obrigações relativas à Convenção. Além disso, qualquer incumprimento
por parte dos Estados Unidos das obrigações presentes na dita Convenção, alegando que
tal medida estaria proibida na sua Constituição, seria contrária à norma comummente
aceite pelo direito internacional, como estabelecida no artigo 27 da Convenção de Viena
sobre o direito dos tratados.’”
208
209 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Questões:
a) Partindo dos excertos apresentado, defina o que são normas ius cogens e a sua
influência no regime jurídico dos tratados.
b) Qual a diferença entre reservas e declarações interpretativas?
c) Qual a importância do objeto e finalidade do tratado no regime das reservas?
d) Analise criticamente, a substância das reservas e declarações dos Estados Unidos (bem
como as reacções da Suécia e dos Países Baixos) à luz das normas da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados e da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de
Genocídio.
209
210 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
210
211 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
“que a questão seria analisada”. O Ministro norueguês elaborou uma minuta do seu
encontro com o representante dinamarquês cuja exatidão não é contestada pelo Governo
dinamarquês. A 22 de julho, o Sr. Ihlen comunicou ao Ministro da Dinamarca “que o
Governo norueguês não colocaria entraves à resolução deste caso” (ou seja, à questão
suscitada a 14 de julho pelo Governo dinamarquês). Estas são as expressões que constam
da minuta da autoria do Sr. Ihlen. De acordo com relatório feito ao seu Governo pelo
Ministro dinamarquês, as palavras utlizadas pelo Sr. Ihlen foram “os projetos do Governo
real [dinamarquês] relativos à soberania da Dinamarca sobre o conjunto da
Gronelândia…não suscitariam dificuldades da parte da Noruega”. (p. 37) Esta declaração
do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega é designada, no presente acórdão,
como “declaração Ihlen”.
Em 1920, o Governo dinamarquês abordou os Governos de Londres, Paris, Roma e
Tóquio, para obter garantias a respeito do reconhecimento da soberania dinamarquesa
sobre o conjunto da Gronelândia. Cada um destes Governos respondeu em termos
satisfatórios para o Governo dinamarquês; este abordou então, em 1921, os Governos
sueco e norueguês, por serem os únicos outros Governos interessados. A comunicação ao
Governo sueco foi a 13 de janeiro. A comunicação dirigida ao Governo norueguês foi a
18 de janeiro.
O Governo sueco não suscitou quaisquer dificuldades. O Governo norueguês não se
mostrou disposto a adotar a mesma atitude, a menos que obtivesse do Governo
dinamarquês o compromisso de que não seria afetada a liberdade de caça e pesca na costa
oriental (para lá dos limites da colónia de Angmagssalik), liberdade que até aí tinham tido
os noruegueses.
(…)
(p. 69) 3) para além dos compromissos recordados supra, cabe, também, analisar a
declaração Ihlen – quer dizer, a resposta dada a 22 de julho de 1919 pelo Sr. Ihlen,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, ao Ministro da Dinamarca. Os
advogados do Governo dinamarquês basearam-se nesta declaração do Sr. Ihlen para
alegar que se tratava do reconhecimento da soberania dinamarquesa sobre a Gronelândia.
O Tribunal não pode acolher esta interpretação. Uma análise cuidadosa dos termos
utilizados, das circunstâncias em que foram empregues, assim como dos acontecimentos
ulteriores, mostra que o Sr. Ihlen não pode ter tido a intenção de dar, nesse momento, um
reconhecimento definitivo à soberania dinamarquesa sobre a Gronelândia e, por outro
lado, o Governo dinamarquês não pode, na altura, ter atribuído esse significado à
declaração. (…) Ainda assim, importa agora analisar a questão de saber se a declaração
Ihlen, mesmo não sendo um reconhecimento formal da soberania dinamarquesa, constitui
um compromisso que obriga a Noruega a abster-se de ocupar uma qualquer parcela da
Gronelândia. (…)
(p. 70) Dos documentos dinamarqueses que antecederam a iniciativa do Ministro
dinamarquês em Christiania, a 14 de julho de 1919, resulta com clareza que, do lado
dinamarquês, a atitude dinamarquesa na questão do Spitzberg e a atitude norueguesa no
caso da Gronelândia foram consideradas interdependentes, interdependência que parece
também refletir-se na minuta feita pelo Sr. Ihlen. Mas, mesmo que não se quisesse
considerar demonstrada esta interdependência, que, pela resposta afirmativa do Governo
norueguês, em nome do qual falava o Ministro dos Negócios Estrangeiros, teria dado
lugar a uma obrigação bilateral, é difícil negar que aquilo que a Dinamarca pedia à
Noruega (“não colocar (p. 71) dificuldades à resolução do caso da Gronelândia”) é a
mesma coisa que deixava entrever no caso do Spitzberg (não se “opor ao desejo da
211
212 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Noruega relativamente à resolução deste caso”). Com efeito, o que a Dinamarca desejava
obter da Noruega é que esta não fizesse nada que pudesse constituir um obstáculo aos
projetos dinamarqueses relativamente ao conjunto da Gronelândia. A declaração de 22 de
julho de 1919, feita pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros em nome do Governo
norueguês, foi claramente afirmativa (…).
O Tribunal considera incontestável que uma tal resposta a uma iniciativa do
representante diplomático de uma Potência estrangeira, feita pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros em nome do Governo, numa questão que é de sua competência, vincula o
País de que é Ministro.
141. Tendo em vista determinar os requisitos que têm de estar preenchidos para que
uma declaração unilateral seja vinculativa para um Estado, a Bolívia faz referência à
jurisprudência do Tribunal e aos Princípios Orientadores aplicáveis às declarações
unilaterais dos Estados capazes de criarem obrigações jurídicas, adotados pela Comissão
do Direito Internacional. Segundo este texto, uma declaração unilateral tem de ser feita
por uma autoridade investida do poder de vincular o Estado, com a intenção de o vincular,
relativamente a um assunto específico e formulada publicamente. Relativamente a estes
critérios, a Bolívia assinala que, no caso presente, foram feitas um número significativo
de declarações por Presidentes do Chile, Ministros dos Negócios Estrangeiros e outros
altos dignatários. A Bolívia alega, além disso, que o objeto das declarações era “claro e
preciso”: nomeadamente, para negociar com a Bolívia o seu acesso soberano ao Oceano
Pacífico. No entender da Bolívia, através das suas declarações unilaterais, o Chile não
prometeu apenas negociar, mas comprometeu-se a alcançar um objetivo preciso. As
declarações do Chile foram também dadas a conhecer à Bolívia, e aceites por esta. A
Bolívia argumenta que “[a] jurisprudência do Tribunal não admite a possibilidade de
representantes do Estado, que fizeram declarações juridicamente vinculantes em nome do
seu Governo, revogarem as suas declarações e pretenderem que eram, apenas, declarações
políticas”.
142. A Bolívia identifica uma série de declarações e outros atos unilaterais do Chile
que, tomados individualmente ou no seu conjunto, constituem, no entender da Bolívia,
uma obrigação jurídica de o Chile negociar o acesso soberano da Bolívia ao Oceano
Pacífico. (…)
212
213 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
144. O Chile concorda com a Bolívia que as declarações unilaterais podem criar
obrigações jurídicas se evidenciarem uma intenção clara por parte do autor para que assim
seja. O Chile afirma que “[a] intenção do Estado que faz uma declaração unilateral tem
que ser avaliada à luz dos termos utilizados, analisados de forma objetiva”. No entanto,
segundo o Chile, o ónus para o Estado que procura provar a existência de uma obrigação
baseada numa declaração unilateral é exigente; a declaração deverá ser “clara e
específica”, e as circunstâncias em que ocorre o ato, assim como reações subsequentes
com ele relacionadas, deverão ser tomadas em consideração. O Chile considera que a
Bolívia não conseguiu identificar de que forma é que o conteúdo de qualquer dos atos
unilaterais em que se baseia, assim como as circunstâncias em que ocorreram, podem
entender-se como tendo criado uma obrigação jurídica.
(…)
**
146. O Tribunal recorda que enunciou nos termos seguintes o critério a aplicar tendo
em vista decidir se uma declaração por um Estado resulta em obrigações jurídicas: “É
amplamente aceite que as declarações feitas através de atos unilaterais, relativamente a
situações jurídicas ou factuais, podem ter por efeito a criação de obrigações jurídicas.
Declarações deste tipo podem ter, e muitas vezes têm, um conteúdo muito específico.
Quando é intenção do Estado que faz a declaração que esta se torne vinculativa de acordo
com os seus termos, essa intenção confere à declaração o caráter de um compromisso
jurídico, ficando o Estado daí em diante juridicamente obrigado a adotar um
comportamento compatível com a declaração. Um compromisso deste tipo, se assumido
publicamente, e com a intenção de ser vinculativo, mesmo que não no contexto de
negociações internacionais, é obrigatório.” (Ensaios Nucleares, Austrália c. França,
Acórdão, TIJ, Col., 1974, p. 267, par. 43 (…)). O Tribunal também afirmou que, tendo
em vista determinar o efeito jurídico de uma declaração de uma pessoa que representa o
Estado, de “analisar-se o seu real conteúdo assim como as circunstâncias em que foi feita”
(Atividades armadas no território do Congo, novo pedido, 2002, República Democrática
do Congo c. Ruanda, competência e admissibilidade, Acórdão, TIJ, Col. 2006, p. 28, par.
49).
147. O Tribunal nota que as declarações do Chile e outros atos unilaterais em que a
Bolívia se baseia estão expressos, não em termos do assumir uma obrigação jurídica, mas
213
214 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
3. Aquiescência
**
152. O Tribunal observa que a “aquiescência é equivalente a um reconhecimento tácito
manifestado por um comportamento unilateral que a outra parte pode interpretar como
consentimento” (Delimitação da fronteira marítima do Golfo do Maine, Canadá/Estados
Unidos da América, Acórdão, TIJ, Col. 1984, p. 305, par. 130) e que “o silêncio pode
também ser eloquente, mas apenas se a conduta do outro Estado exigir uma resposta”
(Soberania sobre Pedra Branca/Pulau Batu Puteh, Middle Rocks e South Ledge,
Malásia/Singapura, Acórdão, TIJ, Col. 2008, p. 51, par. 121). O Tribunal nota que a
Bolívia não identificou qualquer declaração que exigisse uma reação ou resposta por parte
do Chile, tendo em vista evitar a constituição de uma obrigação. Em especial, a declaração
da Bolívia, no momento da assinatura da CNUDM, que fazia referência a “negociações
para restabelecer o acesso soberano da Bolívia ao Oceano Pacífico, não equivale a afirmar
a existência de qualquer obrigação do Chile a este propósito. Assim, não pode considerar-
se que a aquiescência seja uma base jurídica de uma obrigação de negociar o acesso
soberano da Bolívia ao oceano.
214
215 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
4. Estoppel
153. A Bolívia invoca o estoppel como mais uma base jurídica suscetível de fundar a
obrigação de o Chile negociar com a Bolívia. Tendo em vista a definição do estoppel, a
Bolívia apoia-se na jurisprudência do tribunal e em sentenças arbitrais. A Bolívia indica
que, para que o estoppel possa considerar-se estabelecido, deve haver “uma declaração
ou tomada de posição de uma parte em relação a outra”, e que essa outra parte “se baseie
nessa declaração ou tomada de posição em seu detrimento ou em benefício da parte que
a fez ou tomou” (citando Diferendo fronteiriço terrestre, insular e marítimo, El
Salvador/Honduras, requerimento para intervenção, TIJ, Col., 1990, p. 118, par. 63).
Citando a sentença arbitral no caso de Chagos, a Bolívia enumera quarto condições para
que haja estoppel:
“a) Um Estado tomou posição de maneira clara e constante, pelas suas declarações,
comportamento ou silêncio; b) essas tomadas de posição foram feitas por um agente
habilitado a exprimir-se em nome do Estado sobre o assunto em causa; c) o Estado que
invoca o estoppel foi induzido por essas tomadas de posição a agir em seu detrimento, a
sofrer um prejuízo ou a conferir uma vantagem ao Estado de que provieram as tomadas
de posição referidas; e d) o Estado que invoca o estoppel podia legitimamente fazer fé
nessas tomadas de posição, porque tinha fundamento para confiar nelas” (Zona marítima
protegida de Chagos, República da Maurícia c. Reino Unido, sentença de 18 de março de
2015, International Law Reports (ILR), vol. 162, p. 249, par. 438).
157. No presente caso, o Chile mantém que é “manifesto” que o não teve qualquer
intenção de criar uma obrigação jurídica de negociar. Para além disso, sustenta que a
Bolívia não se fundou em qualquer tomada de posição do Chile. (…)
**
158. O Tribunal recorda que os “elementos essenciais exigidos pelo estoppel” são
“uma declaração ou tomada de posição de uma parte em relação a outra, e que essa outra
parte se baseie nessa declaração ou tomada de posição em seu detrimento ou em benefício
da parte que a fez ou tomou” (Diferendo fronteiriço terrestre, insular e marítimo, El
Salvador/Honduras, requerimento para intervenção, TIJ, Col., 1990, p. 118, par. 63). Ao
avaliar se estavam preenchidas as condições estabelecidas na jurisprudência do Tribunal
para existir um estoppel relativamente ao diferendo fronteiriço entre os Camarões e a
Nigéria, o Tribunal declarou: um estoppel só surgiria se pelos seus atos e declarações, os
Camarões tivessem, de forma consistente, tornado totalmente claro que tinham aceite
215
216 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
resolver o diferendo fronteiriço submetido ao Tribunal apenas por meios bilaterais. Teria
além disso sido necessário que, baseando-se em tal atitude, a Nigéria tivesse alterado a
sua posição, em seu detrimento, ou tivesse sofrido algum prejuízo” (Fronteira Terrestre
e marítima entre os Camarões a Nigéria, Camarões c. Nigéria, Objeções preliminares,
Acórdão, TIJ, Col. 1998, p. 303, par. 57).
159. O Tribunal considera que, no presente caso, as condições essenciais exigidas para
o estoppel não estão preenchidas. Ainda que tenha havido tomadas de posição sucessivas
do Chile sobre a sua disponibilidade para negociar o acesso soberano da Bolívia ao
Oceano Pacífico, essas tomadas de posição não resultam numa obrigação de negociar. A
Bolívia não demonstrou que tinha mudado a sua posição, em seu detrimento ou em
benefício do Chile, baseando-se nas tomadas de posição do Chile. Por conseguinte, o
estoppel não constitui base jurídica para a obrigação de o Chile negociar o acesso
soberano da Bolívia ao oceano.
36. O Tribunal tem, também, de analisar as declarações feitas sobre este assunto pelas
autoridades francesas após as alegações orais, ou seja, a 25 de julho de 1974 pelo
Presidente da República, a 16 de agosto de 1974 pelo Ministro da Defesa, a 25 de
setembro de 1974 pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, perante a Assembleia Geral
das Nações Unidas e a 11 de outubro de 1974 pelo Ministro da Defesa.
“sobre esta questão dos ensaios nucleares, sabem que o Primeiro Ministro se
pronunciou publicamente na Assembleia Nacional, na altura da apresentação do
programa de Governo. Tinha indicado que os ensaios nucleares franceses iam prosseguir.
Eu próprio tinha precisado que esta campanha de ensaios atmosféricos seria a última e,
por conseguinte, os membros do Governo estavam plenamente informados das nossas
intenções a esse respeito…”
216
217 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
atmosfera em 1975, e que a França estava preparada para proceder a ensaios subterrâneos.
Quando foi feito o comentário de que não tinha acrescentado “em princípio”, concordou.
Esta indicação é relevante, tendo em conta o excerto da nota da embaixada de França em
Wellington ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Nova Zelândia, de 10 de junho
de 1974 (…), em que se afirma que os ensaios atmosféricos em causa “serão, em
princípio, os últimos deste tipo”. O Ministro mencionou também que outros Governos,
tivessem ou não sido avisados da decisão, podiam ter tomado conhecimento dela através
da imprensa ou pela leitura dos comunicados da Presidência da República.
41. Tendo em conta o que antecede, o Tribunal considera que a França publicitou a
sua intenção de cessar os ensaios nucleares atmosféricos após a conclusão da série de
ensaios de 1974. Em especial, o Tribunal tem de tomar em consideração a declaração do
Presidente de 25 de julho de 1974 (…) seguida da declaração do Ministro da Defesa a 11
de outubro de 1974 (…). Elas mostram que as declarações oficiais feitas em nome da
França a propósito de futuros testes nucleares não estão sujeitas à condição que poderia
considerar-se implícita na expressão “em princípio” [normalement].
(…)
44. Naturalmente, nem todos os atos unilaterais resultam numa obrigação; mas um
Estado pode escolher assumir uma determinada posição relativamente a um assunto
específico com a intenção de se obrigar – a intenção terá de ser aferida por interpretação
do ato. Quando Estados fazem declarações que limitam a sua liberdade de ação futura,
impõe-se uma interpretação restritiva.
45. No que se refere à questão da forma, deve assinalar-se que este não é um domínio
no qual o direito internacional imponha regras estritas ou especiais. Quer uma declaração
seja verbal ou escrita não resulta em nenhuma diferença essencial, uma vez que essas
declarações, feitas em circunstâncias particulares, podem constituir obrigações em direito
internacional, não se exigindo que sejam reduzidas a escrito. Por conseguinte, a questão
da forma não é decisiva. Como o Tribunal disse no seu Acórdão relativo às objeções
preliminares no caso relativo ao Templo de Preah Vihear:
217
218 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
têm a liberdade de escolher a forma que preferirem, desde que a sua intenção seja clara”
(TIJ, Col., 1961, p. 31)
50. As declarações unilaterais das autoridades francesas foram feitas fora do Tribunal,
publicamente e erga omnes, ainda que a primeira delas tivesse sido comunicada ao
Governo da Austrália. Como observado acima, para terem efeito jurídico, não era
necessário que essas declarações fossem dirigidas a um Estado específico, nem era
exigida a aceitação por qualquer outro Estado. A natureza geral e características destas
declarações são decisivas para a avaliação das consequências jurídicas, e o Tribunal deve,
agora, proceder à interpretação das declarações. Logo à partida, o Tribunal considera
poder presumir que essas declarações não foram feitas in vácuo, mas em relação com os
ensaios que constituem o próprio objeto deste processo, ainda que a França tenha decidido
não comparecer. (…) O Tribunal considera que o Presidente da República, ao decidir
sobre a cessação efetiva dos ensaios na atmosfera, assumiu um compromisso perante a
comunidade internacional, a qual se dirigiam as suas palavras. É verdade que o Governo
francês manteve de forma consistente, por exemplo em Nota de 7 de fevereiro de 1973
do Embaixador francês em Camberra, que estava “convicto de que os seus ensaios
nucleares não violaram qualquer regra de direito internacional” e que, por outro lado, a
França não reconheceu que estivesse vinculada por qualquer regra de direito internacional
a cessar os ensaios, mas isso não afeta as consequências jurídicas das declarações atrás
analisadas.
Aquiescência e estoppel
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219 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
51. (…) [O] Tribunal não necessita de se debruçar longamente sobre a contenção
baseada no estoppel. O Tribunal considerou que o comportamento da Nicarágua, tendo
em conta as circunstâncias muito especiais em que ocorreu, equivalia a manifestar o seu
consentimento em ficar vinculada de uma forma que evidenciava a aceitação de
competência [do Tribunal] (par. 47, acima). É assim evidente que o Tribunal não pode
considerar a informação obtida pelos Estados Unidos em 1943, ou as dúvidas expressas
em contactos diplomáticos em 1955, como suficientes para contrariar esta conclusão, e
ainda menos para apoiar um estoppel. A tese da Nicarágua, segundo a qual desde 1946
mantém estar sujeita à competência do Tribunal está apoiada em provas substanciais.
Além disso, como o Tribunal assinalou nos casos da Plataforma Continental do Mar do
Norte (TIJ, Col., 1969, p. 26), o estoppel pode ser inferido de um comportamento, de
declarações, etc., de um Estado, que não só teriam atestado de uma maneira clara e
constante a aceitação, por esse Estado, de um regime particular, mas que também teriam
levado outro ou outros Estados, baseando-se nesse comportamento, a modificar a sua
posição em seu detrimento ou a sofrer algum prejuízo. O Tribunal não pode considerar
que a invocação, pela Nicarágua, da cláusula facultativa seja por qualquer forma contrária
à boa fé e à equidade; não pode também dizer-se que o critério adotado nos casos da
Plataforma Continental do Mar do Norte se aplique à Nicarágua, pelo que o estoppel
invocado pelos Estados Unidos da América não lhe é aplicável.
126. Tendo chegado a esta conclusão sobre a ausência de uma obrigação jurídica entre
as partes para aplicarem determinados métodos práticos ao traçado da linha única de
delimitação das suas zonas marítimas respetivas, a Câmara ainda tem que colocar-se uma
questão com ela relacionada. Deve analisar se, entre as referidas Partes, não intervieram
outros fatores, que tivessem podido, independentemente de qualquer ato formal de
criação de regras ou de instauração de relações de direito internacional particular, estar
na origem da existência de uma obrigação deste género. Trata-se, aqui, da questão, que
as partes debateram longamente no presente processo, de saber se o comportamento que
adotaram durante um dado período nas suas relações mútuas não teria implicado para um
delas uma aquiescência relativamente à aplicação à delimitação de um método específico
defendido pela outra Parte, ou a preclusão da possibilidade de se lhe opor, ou ainda de
saber se este comportamento não teria tido por efeito estabelecer um modus vivendi,
respeitado de facto, relativamente a uma linha que correspondesse a uma tal aplicação.
127. Foi o Canadá que desenvolveu, muito em especial, a tese segundo a qual o
comportamento dos Estados Unidos teria tido como consequência o surgimento, sob uma
destas diferentes formas, de uma espécie de consentimento substantivo da sua parte
relativamente à aplicação do método da equidistância, naquilo que sobretudo diz respeito
à delimitação a traçar no setor da margem de Georges. Por conseguinte, a Câmara irá
tomar em consideração esta tese para analisar este aspeto da questão.
219
220 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
220
221 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Projeto de Conclusão 1
Âmbito
O presente projeto de conclusões refere-se aos princípios gerais do direito como fonte
de direito internacional.
Projeto de Conclusão 2
Requisito do reconhecimento
Para que um princípio geral do direito exista deve ser geralmente reconhecido pela
[comunidade das nações].
Projeto de Conclusão 3
Categorias de princípios gerais do direito
Projeto de Conclusão 4
Identificação de princípios gerais do direito provenientes dos sistemas jurídicos
nacionais
Projeto de Conclusão 5
Determinação da existência de um princípio comum aos principais sistemas
jurídicos do mundo
221
222 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
Projeto de Conclusão 6
Verificação da transposição para o sistema jurídico internacional
Projeto de Conclusão 7
Identificação de princípios gerais do direito formados dentro do sistema
jurídico internacional
Projeto de Conclusão 8
Decisões de tribunais
Projeto de Conclusão 9
Doutrina
A doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações pode servir de meio
auxiliar para a determinação de princípios gerais do direito.
222
223 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
52. O Tribunal começa por observar que os procedimentos perante tribunais italianos
têm a sua origem em atos perpetrados pelas forças armadas alemãs e outros órgãos do
Reich alemão. A Alemanha reconheceu plenamente o “sofrimento inominável infligido a
homens e mulheres italianos em especial durante os massacres e a antigos soldados
italianos” (Declaração conjunta Alemanha e Itália, Trieste, 18 de novembro de 2008),
aceita que estes atos foram ilícitos e declarou perante este Tribunal que “tem total
consciência da [sua] responsabilidade a este respeito”. O Tribunal considera que os atos
em questões apenas podem ser descritos como demonstrando uma completa
desconsideração por “elementares considerações de humanidade” (…). Um conjunto de
casos envolve assassinatos em larga escala de civis no território ocupado, como parte de
uma política de represálias, exemplificado nos massacres de 29 de junho de 1944 na
Civitella (Val di Chiana), em Cornia e em San Pancrazio pelos membros da divisão
“Hermann Göring” das forças armadas alemãs, envolvendo o assassinato de 203 civis
tomados como reféns depois de os combatentes da resistência terem morto quatro
soldados alemães alguns dias antes (…). Outra categoria de casos envolveu membros da
população civil que, como Luigi Ferrini, foram deportados de Itália para prestar aquilo
que era, na sua substância, trabalho escravo na Alemanha. A terceira [categoria de casos]
prende-se com membros das forças armadas italianas a quem foi negado o estatuto do
prisioneiro de guerra, juntamente com as proteções devidas de acordo com aquele
estatuto, ao qual tinham direito e que, de modo idêntico, foram utilizados para trabalho
forçado. O Tribunal considera que não há qualquer dúvida de que esta conduta foi uma
violação grave do direito internacional dos conflitos armados aplicável em 1943-1945. O
artigo 6, alínea b) da Carta do Tribunal Internacional Militar, de 8 de agosto de 1945 (…),
acordado em Nuremberga, inclui como crimes de guerra “assassínio, tratamento cruel ou
deportação para trabalho forçado ou com qualquer outra finalidade da população civil de
ou num território ocupado”, assim como “assassínio ou tratamento cruel de prisioneiros
de guerra”. A lista de crimes contra a humanidade no artigo 6, alínea c), incluíam
“assassínio, extermínio, escravatura, deportação e outros atos desumanos cometidos
contra a população civil, antes e durante a guerra”. O assassinato de reféns civis em Itália
foi uma das acusações a que vários réus de crimes de guerra foram condenados em
julgamentos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial (…). Os princípios da Carta
de Nuremberga foram confirmados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na
Resolução 95 (I) de 11 de dezembro de 1946.
53. Contudo, o Tribunal não é chamado a decidir se estes atos foram ilícitos, um ponto
que não está em discussão. A questão perante o Tribunal é a de saber se, nos processos
223
224 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
54. No que diz respeito às relações entre a Alemanha e a Itália, qualquer direito à
imunidade derivará do direito internacional consuetudinário, e não do direito
convencional. Embora a Alemanha seja um dos oito Estados Parte da Convenção
Europeia sobre a Imunidade do Estado de 16 de maio de 1972 (Conselho da Europa) (…),
a Itália não é parte e, consequentemente, a Convenção não a obriga. Nenhum dos Estados
é parte na Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados
e dos seus Bens, adotada a 2 de dezembro de 2004 (…), que nem sequer entrou ainda em
vigor. A 1 de fevereiro de 2012, a Convenção das Nações Unidas tinha sido assinada por
vinte e oito Estados e tinham sido depositados treze instrumentos de ratificação,
aceitação, aprovação ou adesão. O artigo 30 da Convenção estabelece que entrará em
vigor no trigésimo dia depois do depósito do trigésimo instrumento daquela natureza.
Nem a Alemanha nem a Itália assinaram a Convenção.
55. Consequentemente, o Tribunal tem de determinar, de acordo com o artigo 38, n.º
1, alínea b) do seu Estatuto, a existência de um “costume internacional, como prova de
prática geral aceite como direito” que confere imunidade aos Estados e, em caso
afirmativo, qual o âmbito e extensão dessa imunidade. Para esse efeito, terá de aplicar os
critérios que tem estabelecido de modo sistemático para identificar uma regra de direito
internacional consuetudinário. (…) No contexto em análise, a prática estadual encontrar-
se-á, com significado particular, nas decisões de tribunais nacionais confrontados com a
questão de saber se um Estado estrangeiro é imune, no direito interno daqueles Estados
que aprovaram legislação que garante estatutos de imunidade, nas alegações de
imunidade apresentadas por Estados perante tribunais estrangeiros, e nas declarações
proferidas pelos Estados, primeiro, no decurso do estudo extensivo da matéria feito pela
Comissão do Direito Internacional e, depois, no contexto da adoção da Convenção das
Nações Unidas. Neste contexto, a opinio juris está refletida em particular na invocação
pelos Estados que reivindicam a imunidade, alegando que o direito internacional lhes
concede o direito a essa imunidade da jurisdição de outros Estados; no reconhecimento,
pelos Estados que garantem a imunidade, que o direito internacional lhes impõe tal
obrigação; e, inversamente, na alegação por parte dos Estados, noutros casos, de um
direito a exercer jurisdição sobre Estados estrangeiros. (…)
224
225 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
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1º semestre
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226 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
60. No caso concreto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre a forma como o
direito internacional regula a questão da imunidade dos Estados quando os atos em causa
são jure gestionis. Os atos das forças armadas e de outros órgãos do Estado alemão postos
em causa perante a justiça italiana eram, seguramente, atos jure imperii. O Tribunal
assinala que, em resposta a uma questão colocada por um membro do Tribunal, a Itália
reconheceu que os atos em questão deviam ser qualificados como atos jure imperii, e isso
apesar do seu caráter ilícito. O Tribunal considera que as expressões “jure imperii” e “jure
gestionis” não pressupõem de nenhum modo que os atos em causa sejam lícitos, apenas
indicam se devem ou não ser apreciados nos termos do direito que regula o exercício do
poder soberano (jus imperii) ou do direito que regula as atividades não soberanas do
Estado, em especial as de natureza privada e comercial (jus gestionis). Na medida em que
esta distinção importa para determinar se um Estado tem o direito de beneficiar da
imunidade de jurisdição perante os tribunais de outro Estado a respeito de um dado ato,
deve ser tomada em consideração antes de os tribunais em questão possam exercer a sua
competência, enquanto que a questão de saber se este ato é lícito ou não só pode ser
decidida no exercício desta competência. Ainda que o presente caso tenha como pouco
habitual o facto de a Alemanha ter admitido, em todas as fases do processo, a ilicitude
dos atos em causa, o Tribunal considera que isso não tem influência na sua qualificação
como atos jure imperii.
61. As Partes concordam que os Estados gozam, regra geral, de imunidade no caso de
atos jure imperii. Essa é a abordagem adotada na Convenção das Nações Unidas, na
Convenção Europeia e no projeto de convenção interamericana, assim como nas leis
adotadas pelos Estados que legislaram sobre a questão e na jurisprudência dos tribunais
nacionais. É tendo isso presente que o Tribunal deve considerar a questão que suscita a
presente instância, ou seja, a de saber se a imunidade é aplicável aos atos cometidos pelas
forças armadas de um Estado (e de outros órgãos que atuem em cooperação com essas
forças) no âmbito de um conflito armado. A Alemanha sustenta que a imunidade se aplica
e que não é aplicável no caso nenhuma das exceções à imunidade de que goza um Estado
relativamente aos atos jure imperii. A Itália, quanto a ela, argumenta que a Alemanha não
pode beneficiar de imunidade nos processo que foram iniciados perante os seus tribunais
pela razão dupla de que, em primeiro lugar, esta imunidade não inclui, no que se refere
aos atos jure imperii, os atos danosos ou ilícitos que tiveram como consequência a morte,
um dano corporal ou um dano material cometidos no território do Estado do foro e que,
em segundo lugar, independentemente do local em que se produziram os atos em questão,
a Alemanha não poderia beneficiar de imunidade porque aqueles atos eram constitutivos
das violações mais graves de regras de direito internacional de caráter imperativo, e que
não existia, como remédio, qualquer outra via de recurso. O Tribunal irá examinar cada
um dos argumentos da Itália.
226
227 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
69. (…) À luz destas diferentes declarações, o Tribunal conclui que a inclusão do artigo
12 na Convenção não pode considerar-se como apoiando o argumento segundo o qual o
direito internacional consuetudinário não reconhece a um Estado imunidade nos
processos que se refiram a atos danosos que tenham como consequência a morte, um dano
corporal ou material cometidos no território do Estado do foro pelas forças armadas e
órgãos associados de um outro Estado no âmbito de um conflito armado.
(…)
79. Em consequência, o Tribunal conclui que, contrariamente ao sustentado pela Itália
no quadro da presente instância, a decisão dos tribunais italianos de não acordarem
imunidade à Alemanha não pode justificar-se com base na exceção territorial.
227
228 Direito Internacional Público
Questões, Casos e Materiais
2022/2023
1º semestre
aplicáveis à condução dos conflitos armados, a saber, crimes de guerra e crimes contra a
Humanidade. De seguida, sustenta que as regras do direito internacional assim violadas
era regras imperativas (jus cogens). Enfim, alega que, uma vez que aos queixosos tinha
sido recusada qualquer outra forma de reparação, o exercício pelos tribunais italianos da
sua jurisdição era necessário enquanto último recurso. (…)
(…)
84. A prática dos outros Estados que confirmam que, no direito internacional
consuetudinário, o direito à imunidade não resulta da gravidade do ato de que o Estado é
acusado ou do caráter imperativo da regra que teria sido violada é (…) bastante robusta.
85. Esta prática resulta, claramente, das decisões dos tribunais nacionais. (…)
(…)
92. O Tribunal vai, agora, apreciar a segunda dimensão do argumento italiano, segundo
o qual as regras violadas pela Alemanha entre 1943 e 1945 resultariam do jus cogens.
Este aspeto da defesa italiana assenta na hipótese de que existiria um conflito entre as
regras de jus cogens que fazem parte do direito dos conflitos armados e o reconhecimento
da imunidade da Alemanha. No entender da Itália, as regras de jus cogens prevalecem
sempre sobre qualquer regra contrária de direito internacional, quer figure num tratado
ou integre o direito internacional consuetudinário; não tendo estatuto de jus cogens a regra
em virtude da qual um Estado goza de imunidade perante as jurisdições de um outro
Estado, deveria, portanto, ser afastada.
93. Por conseguinte, este argumento assenta na existência de um conflito entre uma
regra, ou regras, de jus cogens e a regra de direito consuetudinário que obriga um Estado
a conceder imunidade a outro. Ora, no entender do Tribunal, não existe um tal conflito.
Supondo, para efeito da presente análise, que sejam normas de jus cogens as regras do
direito dos conflitos armados que proíbem matar civis em território ocupado, ou deportar
civis ou prisioneiros de guerra para os obrigar a trabalho forçado, estas regras não
conflituam com as que regulam a imunidade do Estado. Estas duas categorias de regras
referem-se, com efeito, a questões diferentes. Aquelas que regulam a imunidade do
Estado têm natureza processual e limitam-se a determinar se os tribunais de um Estado
podem exercer a sua jurisdição relativamente a outro. Não incidem sobre a questão de
saber se o comportamento relativamente ao qual são iniciadas as ações era lícito ou ilícito.
Por isso, o facto de aplicar o direito contemporâneo da imunidade do Estado a uma
instância que se refere a acontecimentos ocorridos entre 1943 e 1945 não afeta o princípio
segundo o qual os tribunais não devem aplicar o direito de forma retroativa para efeito de
se pronunciarem sobre questões de licitude e de responsabilidade (…). Pelo mesmo
motivo, o facto de reconhecer a imunidade de um Estado estrangeiro, em conformidade
com o direito internacional consuetudinário, não tem como consequência julgar como
lícita uma situação criada pela violação de uma regra de jus cogens, nem a prestar auxílio
ou assistência à manutenção dessa situação, e não poderia, portanto, violar o princípio
enunciado no artigo 41 dos artigos da Comissão do Direito Internacional sobre a
responsabilidade do Estado.
Questões:
a) Qual é a questão sobre a qual o Tribunal Internacional de Justiça é chamado a decidir no excerto
apresentado?
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Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objeto de impugnação pelas
partes (…).
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Tal imunidade de jurisdição significa que nenhum Estado pode julgar os atos de outro
Estado por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento expresso deste
Estado para o exercício da jurisdição por esse tribunal.
No ordenamento jurídico português, não existe norma que regule a questão da imunidade
jurisdicional dos Estados estrangeiros perante os tribunais portugueses, problemática que
tem de ser apreciada à luz das normas e dos princípios de direito internacional geral ou
comum, os quais, segundo o n.º 1 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa,
«fazem parte integrante do direito português».
Tudo para concluir que a prática da imunidade jurisdicional relativa é, hoje, a dominante,
passando a resolução da questão posta por saber se a atividade a que se refere o presente
litígio se configura como um ato jure imperii ou jure gestionis, sendo atos jure imperii os
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atos de poder público, de manifestação de soberania, enquanto os atos jure gestionis são
atos de natureza privada, os que poderiam ser de igual modo praticados por um particular.
Adite-se que a recorrente defende que resulta claro da Convenção de Viena que «a
Embaixada da República Democrática e Popular da Argélia em Portugal goza de
imunidade de jurisdição, em virtude do seu estatuto diplomático».
Ora, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada para adesão pelo
Decreto-Lei n.º 48.295, de 27 de Março de 1968, regula o estatuto dos agentes
diplomáticos, reconhecendo-lhe privilégios e imunidades, com o objetivo de «garantir o
eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas, em seu carácter de
representantes dos Estados» (cf. respetivo proémio), não tendo visado assegurar aos
Estados estrangeiros imunidade total perante os tribunais do País em que se localizam as
missões diplomáticas.
Isto mesmo resulta do estipulado no n.º 1 do artigo 31.º daquela Convenção que dispõe
que o agente goza de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditador e também da
imunidade da sua jurisdição civil e administrativa, com exceção das situações
discriminadas nas suas alíneas a) a c).
Acresce que se mostra completamente superado o entendimento da extensão aos Estados
estrangeiros das imunidades reconhecidas aos agentes diplomáticos.
2.3. No caso sujeito, resultou provado que a autora AA é cidadã argelina [facto provado
1)], que, em 15 de Outubro de 2004, a autora e a ré acordaram, de forma verbal, que
aquela prestaria as funções de cozinheira para esta e sob a sua autoridade, direção e
fiscalização, mediante remuneração mensal [facto provado 2)], e que a ré, na sequência
deste acordo, tratou da documentação para a entrada da autora em Portugal como membro
da Missão [facto provado 3)] e, em 21 de Fevereiro de 2005, nas instalações da ré, esta e
a autora reduziram a escrito o dito acordo verbal, através da subscrição do escrito
particular denominado «Contrat d’engagement» [facto provado 4)], tendo a autora
exercido as funções de cozinheira na Embaixada e na residência oficial da Sr.ª
Embaixadora da Argélia até 31 de Maio de 2011 [factos provados 5) e 6)], data em que a
ré lhe comunicou que o contrato terminava em 1 de Junho de 2011 [facto provado 7)],
sendo que, enquanto prestou o seu trabalho para a ré, por iniciativa desta, a autora fazia
descontos para a Segurança Social Portuguesa [facto provado 8)].
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Na verdade, a natureza das atividades a que se deve atender é a assumida pelas concretas
funções da trabalhadora em causa, interessando apurar se o regime legal aplicável à
relação laboral estabelecida é substancialmente diferente do que liga qualquer outro
trabalhador com as mesmas funções a um qualquer particular, sendo que, no caso, a
resposta é negativa.
III
Questões
a) Qual a questão em análise nesta decisão do Supremo Tribunal de Justiça?
b) Quais os factos que são tidos como provados?
c) O que alega a ré?
d) O que decide o STJ e qual a sua argumentação? Que fator identificaria como
determinante na decisão do STJ?
e) Atendendo à Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos
Estados e dos seus bens, de que Portugal é Parte, mas que ainda não está em vigor na
ordem jurídica internacional, qual seria a norma pertinente na análise deste caso?
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