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IMBRÓGLIO CHAMADO EDUCAÇÃO

Na cidade de Contagem (MG), a matrícula de alunos em escolas públicas


é regulamentada por portarias elaboradas em regime de colaboração entre a
Secretaria da Educação do Estado de Minas Gerais e a Secretaria de Educação
de Contagem (SEDUC), visando ao pleno atendimento da demanda pelo ensino
fundamental. Para se garantir a matrícula, é preciso ter feito o cadastramento
escolar na escola pública (municipal ou estadual) mais perto do endereço
residencial, pelos pais e/ou responsáveis. Não são aceitas inscrições via internet
ou por telefone, somente pessoalmente na secretaria da escola.
Em Contagem, assim como na maioria das regiões metropolitanas
brasileiras, as famílias já estão “acostumadas” com esse processo de ingresso
de seus filhos na vida estudantil. Pois, sendo assim fica mais fácil garantir o
acesso e a permanência dos discente na escola, facilitando, principalmente, no
transporte dos mesmos, onde a grande maioria vão andando para escola,
dispensando o transporte veicular, gerando um ganho de tempo muito vezes
perdido no trânsito do dia-a-dia. Esses fatores também são observados nos
estudantes pertencentes ao Programa Bolsa Família (PBF), facilitando o acesso
e permanência na escola, pois é um requisito a frequência do aluno na escola
para ter direito ao programa.
Em Contagem, a divulgação do PBF é bem-feita, atingindo a todos que se
enquadram em tal proposito e, as pessoas são instruídas a matricularem seus
filhos nas escolas mais próximas de suas casas, garantindo assim acesso à
educação/escola. O que ocorre em alguns casos, é que a escola não consegue
comunicar com as famílias a infrequência de alunos no horário de aulas, o que
pode acarretar na perca do PBF, causando um desconforto entre a família e a
escola. Para resolver o problema a escola comunica ao conselho tutelar o nome
e o endereço do aluno faltoso, porém, em algumas situações nem o conselho
tutelar consegue encontrar o aluno ou sua família impossibilitando uma
averiguação do motivo de tantas faltas escolares. E geralmente os familiares,
representada pela mãe, aparecem na escola quando precisam da declaração de
frequência do aluno para renovação do programa, como si tudo estivesse certo.
É nesse momento que as coisas se complicam, com a mãe alegando que o filho
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vem sempre a escola e que não pode perder tal benefício, e que não foi
comunicada em momento algum da ausência do discente. Para resolver o
imbróglio devemos ter instituições públicas (ex. conselho tutelar) fortes e
pessoas compromissadas com a sociedade menos favorecida econômica e
socialmente.
Nos moldes que é feito pela Secretaria de Educação de Contagem, esse
processo de cadastramento e da matrícula escolar não gera nenhum efeito
discriminatório e desigual, pois é bem divulgado por toda a cidade possibilitando
que todo cidadão contagense que tenha filhos na idade escolar,
independentemente de sua etnia tenha acesso à educação/escola, bastando ao
interessado ir a uma unidade escolar mais próxima de sua residência com a
documentação necessária e na data prevista. A família contagense não precisa
ter vínculo trabalhista ou fazer parte de algum programa social, possuir internet,
telefone ou algo parecido para fazer a matrícula, isso talvez poderia gerar alguma
desigualdade ou efeito discriminatório, o que não é observado.
Atrelado ao que foi exposto anteriormente, e levando em conta o país em
que vivemos, não é possível falar sobre educação sem falar da exclusão
econômica e social na qual estamos inseridos. Nas escolas das periferias das
grandes cidades esse fato é bem distinto, onde percebemos que todos os índices
relativos ao desempenho escolar, IDH, falta de saneamento básico, mobilidade
pública precária, fácil acesso às drogas ilícitas e, entre tantas outras mazelas
interferem diretamente no baixo rendimento escolar. Essa exclusão econômica
é percebida também nos relatos dos alunos, onde os mesmos não acreditam na
instituição escola, pois os seus históricos de vida não mostram nenhum sucesso
pessoal na família ou próximo através do esforço escolar. E muitos discentes
que fazem parte do PBF só vão à escola pela manutenção do programa, e muitos
que não pertencem ao programa são inertes e não conseguem ser atraídos pelo
mundo da educação, o que nos causa uma grande frustação profissional como
educador, e muitos dessas crianças são frutos da corrupção reinante no Brasil
desde sua colonização. Em Contagem, como na grande maioria das cidades
brasileiras, acreditamos que quanto mais pobre o local onde a escola está
inserida, menor é interesse pelo aprendizado proposto pela instituição escolar.
É um ciclo vicioso que passa de pai para filho, de gerações para gerações, e o
governo como estado finge que está tudo bem, pois o que vale e o que conta
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são os índices de quantidade dos alunos na escola. E quanto menos educação


e cultura para mudar esse cenário, melhor para nossos políticos se perpetuarem
no poder da ignorância de um voto sem consciência.
É evidente que o Bolsa Família trouxe muitos benefícios para aqueles que
viviam à margem da sociedade civil, ou seja, uma melhoria da qualidade de vida
dos mais miseráveis, tornando-os de alguma forma cidadãos novamente. Pois
com essa “renda” a vida passou a ter um sentido e proporcionou um grande
aumento em seu poder de compra em um patamar onde existe a necessidade
reprimida por alimentos e insumos básicos para a vida digna. Além do mais, de
uma forma ou de outra trouxe os filhos dos participantes do PBF para a escola.
Foi percebido também uma melhora na vida econômica e na saúde de várias
regiões do Brasil com a circulação de mais dinheiro. Um efeito colateral que ficou
bastante visível nas últimas eleições presidenciais, foi que o PBF é “um
programa assistencialista e populista, uma forma legal de compra de votos” e de
persuasão. Não há como negar que é possível – e alguns diriam provável – que
essa é a índole do programa, isto é, que essa é a motivação primordial por trás
do programa. Tomara que não.
A materialização da cidadania se dá através de vários caminhos a saber:
De políticos honestos, em que podemos confiar nossos votos sem
medo que os mesmos utilizem de cargos eletivos como forma de
ascensão social e econômica. Que a corrupção seja banida dos
órgãos públicos e que seus autores paguem exemplarmente pelo
crime realizado, pois o exemplo tem que vir de cima.
Acesso e permanência à educação/escola e a certeza da garantia
de aprendizado. Pois não basta ir na escola, temos que aprender
a construir o futuro através da educação. Hoje o que vemos nas
escolas são as aprovações em massa, onde o aluno não consegue
entender um pequeno texto ou realizar as contas básicas da
matemática, isso falando de discentes já no final do Ensino
Fundamental. E para que isso ocorra é necessário mudarmos tudo
que aí está, a começar pelo sistema, a forma de pensar, e sobre
tudo, mudar e dar condições de mudanças para os cidadãos
menos favorecidos tanto no âmbito social e economicamente. O
Brasil é um gigante territorial e um anão na educação do seu povo,
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visto que estamos sempre entre os últimos colocados em ranques


que avaliam a educação dos países. E sem educação de
qualidade para todos não há cidadania.
Exigir que sejamos bem tratados e que tenhamos acesso
irrestritos a mecanismos que proponham o bem-estar,
proporcionando saúde, lazer e segurança para todos. E isso é bem
possível através da educação, pois um povo bem instruído cultural
e socialmente é capaz de exigir dos seus governantes, que são
seus representantes, o que existe de melhor.
É importante salientar que não existe cidadania sem educação e,
educação sem cidadania, então todos os caminhos para a
cidadania passa pela educação. Temos vários exemplos de
países que conquistaram vitórias econômicas e sociais através de
investimentos em massa na educação, temos que seguir esses
exemplos.
Minhas experiências no cotidiano frente a grupos em vulnerabilidade são
bastante amplas, pois comecei a lecionar no ano de 2003, como professor do
ensino médio da rede estadual de ensino na região metropolitana de Belo
Horizonte, mais precisamente no bairro São Benedito, cidade de Santa Luzia,
conhecido pela sua violência e carência dos recursos básicos de cidadania dos
seus moradores. Nesse momento percebi o quanto a escola está distante da
realidade da maioria das pessoas ali inseridas, pois a mesma serve mais como
um shopping, onde os alunos podem desfilar um para os outros, namorar, traficar
e consumir drogas ilícitas como uma forma de lazer, e não como um lugar de
aprendizado, de um futuro melhor, estão ali simplesmente por estar. Nos dias
atuais trabalho no ensino fundamental em uma região bem parecida com a
descrita acima, Nova Contagem, com os mesmos problemas e potencializados
pela presença de uma penitenciária. A grande maioria dos meus alunos
pertencem ao PBF e as famílias são as mais diversificadas possíveis, onde a
figura do pai não passa de uma alusão. São alunos com grandes dificuldades de
aprendizado, que queimaram várias etapas de seus currículos escolares e
muitas vezes demonstram desinteressados pela aprendizagem, provavelmente
por não terem o domínio esperado para aquela idade.

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