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Gazeta Do Povo Revista Edicao 48
Gazeta Do Povo Revista Edicao 48
R E V I S T A
2
O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, NO lançamento do
Plano Safra, em junho.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
EDITORIAL.
Os populistas e a arte de
enganar
Desde a campanha do ano passado até agora,
oito meses após a posse, o presidente Lula cole-
ciona várias declarações públicas em assuntos
de economia que, juntadas às falas de alguns
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ministros e parlamentares apoiadores do go-
verno, produzem um conjunto de afirmações
cujas partes conflitam entre si e agridem a mais
elementar lógica econômica. Entre tantas de-
clarações conflitantes, algumas são repetidas
com certa insistência, a começar pela fala de
Lula que, enquanto houver pobres, não haveria
sentido em fixar teto para os gastos do governo.
Essa foi a razão invocada por Lula para propor e
conseguir, no Congresso, a revogação da lei do
teto de gastos fixada no governo Temer.
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declarações, soa como se o governo fosse
aumentar os gastos direcionados aos pobres
sem se limitar ao teto fixado na lei, que foi
revogada. É o mesmo caso do déficit público: as
falas sugerem que o déficit será feito porque o
governo vai gastar o valor equivalente com os
pobres de algum modo e que, por isso mesmo, o
déficit não tem consequência negativa.
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no orçamento, o que nada mais é que uma frase
de efeito, um engodo, como se o orçamento pú-
blico no Brasil nunca tivesse gastado dinheiro
com programas direcionados aos pobres e como
se realmente fosse assim que o governo gasta
quando aumenta tributos.
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Bruto (PIB), quando poucos anos antes chegara
a 25% do PIB, para então concluir dizendo que,
se a carga tributária nacional aumentasse qua-
tro pontos e retornasse aos 25% do PIB, o go-
verno venceria a pobreza. Pois a carga tributária
cresceu ano a ano e hoje atinge 34% em valor
efetivamente arrecadado pelos cofres públicos,
sem que nem a miséria nem a pobreza tenham
sido extirpadas, e a razão é simples: os aumen-
tos tributários vão para sustentar as corpora-
ções mais bem remuneradas no setor estatal,
inchar a máquina de governo, dar a servidores
benefícios que o resto da população não tem, e
fazer gastos que nem de longe melhoram a vida
dos pobres e dos miseráveis.
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lectualmente, tem um propósito: colocar o ró-
tulo de “inimigo dos pobres” na testa de quem
argumenta contra as medidas que aumentam
gastos, aumentam impostos, fazem déficits e,
por consequência, aumentam cada vez mais a
dívida pública. Um fenômeno que tem ocorrido
com persistência no Brasil é a elevação da carga
tributária, que nunca tem sido suficiente para
cobrir os aumentos de gastos públicos; por isso,
a dívida pública não cessa de crescer.
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no sistema bancário para financiar os negócios
privados, provoca elevação da taxa de juros,
diminui os investimentos privados, retrai a
capacidade de investimento do governo, freia o
crescimento do PIB, enfim, impede o país de
crescer de forma saudável com estabilidade de
preços, aumento do emprego e elevação da
renda por habitante.
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aumento de impostos. Em várias oportunidades
esse foi o roteiro de campanhas feitas pelo PT e
suas entidades-satélites, não esquecendo que a
Argentina e seus governos populistas são os
mais contumazes em seguir esse figurino
desastroso.
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agora. Ainda que ela traga o aspecto positivo de
desmontar o hospício tributário brasileiro, as
dúvidas são enormes. Neste momento, as
atenções se voltam para o Senado Federal, que
vem sendo pressionado de todos os lados para
aprovar exceções e modificações sobre a
estrutura da reforma recebida da Câmara dos
Deputados. O país tem de ficar atento para não
incorrer no risco de ter elevação substancial da
carga de impostos, que hoje já é alta.
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Camponeses ceifando trigo a iluminura de um calendário inglês do século XIV.|
Foto: Anônimo/Domínio público
OPINIÃO.
Bruna Frascolla
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de Karl Polanyi, e ficar com a sensação de que
não conhecemos nada da experiência liberal do
século XIX. Pois bem, a lei foi basicamente o
Bolsa Família inglês do século XVIII, que foi
objeto de intensa discussão e rechaço no século
XIX. Quando a lei acabou, sua natureza deletéria
era consensual. Não obstante, Speenhamland
foi e é repetida nos últimos séculos sob as mais
diferentes roupagens políticas.
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Todavia, Polanyi parece ser mais um autor
antimarxista amado pelos marxistas
heterodoxos do Brasil. Um, do qual já tratei
aqui, é Max Weber. E a razão do antimarxismo
de ambos é, grosso modo, a mesma: Marx erra
ao dar à matéria importância determinante e
negligencia a dimensão moral da vida social.
14
Em meio à miséria e ao caos social
dos cercamentos, então, criou-se a
Lei de Speenhamland em 1795
15
O começo dessa revolução deu-se com a
transformação da terra em algo que deveria ser
usado para extrair lucro. Na Idade Média, cabia
à maior parte da plebe produzir alimentos no
campo, e à nobreza cabia proteger a cristandade
de ataques bárbaros. A cristandade incluía,
naturalmente, a plebe camponesa. O nobre
tinha, portanto, deveres para com o camponês.
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coisa de comerciante, uma classe tida por
aventureira, afastada da vida estável. Na
Inglaterra em particular, a produção de tecidos
ia de vento em popa. E essa produção começava
lá no mundo rural, com as ovelhas lanígeras.
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ferocidade da revolução, pondo em risco as
defesas do país, destruindo suas cidades,
dizimando sua população, transformando em
poeira o solo sobrecarregado, perseguindo as
pessoas e fazendo-as passar da condição de
agricultores decadentes a uma turba de
mendigos e ladrões" (p. 89).
18
Commonwealth de Cromwell) e a monarquia só
foi restaurada com reis sem capacidade ou
disposição de brigar com o Parlamento (que era
o grande entusiasta dos cercamentos).
19
protegidos da fome, fossem eles diligentes ou
preguiçosos" (p. 142).
20
Após o fracasso consensual de
Speenhamland, por que os liberais
da Escola de Chicago em diante
passaram a defender o "imposto
negativo", que nada mais é que a
lógica de Speenhamland?
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Segundo Polanyi, Speenhamland foi "uma ten-
tativa de criar uma ordem capitalista sem mer-
cado de trabalho" — e "falhara redondamente"
(p. 143). A lei acabou em 1834, e depois disso a
Revolução Industrial deslanchou de verdade.
Como consequência, os cercamentos aumenta-
ram em maior intensidade e a desagregação
social também — junto com a riqueza desigual-
mente espalhada pela sociedade. Por isso, as
coisas pareciam estar ligadas. Ricardo, Malthus,
Marx... todos os observadores da realidade
inglesa achavam que a sociedade industrial
estava necessariamente ligada à espoliação dos
pobres. Polanyi atribui a Robert Owen, sozinho,
a capacidade de perceber a seguinte realidade:
"as possibilidades humanas [são] limitadas,
não pelas leis de mercado, mas pelas da própria
sociedade" (p. 148). E assim, no século XX, a
sociedade começou a se proteger da anarquia
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causada pelo mercado. Valeu-se de coisas tão
banais quanto leis contra a exploração infantil
até tão extremas quanto a instauração de um
Estado forte controlador do mercado.
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imposto negativo de Milton Friedman, como já
esclareceu Marcos Lisboa.
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| Foto: NoName_13/Pixabay
OPINIÃO.
Samia Marsili
É preciso mudar de vida
Assim que chegou a Nova York, Henry Davis
revelou à esposa as razões de sua partida:
jamais quisera aquela vida que eles tinham
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juntos. Pensou que quisesse, pensou que estava
feliz, mas não estava. Não queria a casa, nem o
apartamento, e não queria saber da guarda das
filhas. Eles haviam dormido na mesma cama
por 20 anos, e desde esse dia Flobelle Burden
não teve mais qualquer informação concreta a
seu respeito – como se sentia, o que faltava em
seu relacionamento, por que as estava
abandonando assim, que importância tinha
para ele aquela outra mulher. Ele parou de
atender a suas ligações, e o processo de divórcio
correu frio e duro, como um cadáver. Ela tocou a
vida, mesmo sem respostas para suas muitas
dúvidas, que faziam sua própria história
parecer-lhe um filme do qual ela perdera o
meio. Às vezes vê o ex-marido de longe na
cidade, andando altivo com seus tênis
cor-de-laranja, e, embora seu coração palpite,
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tem muito claro que não passa de um completo
estranho.
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vidrados, ele anunciou sua partida, para nunca
mais voltar.
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bebida, a televisão, o sono. O ser humano é
altamente capaz de se enganar assim por longas
décadas, até que, quando os astros marcam no
céu aquilo que se convencionou chamar de
“crise da meia-idade”, e a velhice e a morte
começam a se afigurar no horizonte como
inescapáveis, você percebe que ninguém o
conhece de verdade, você mesmo não sabe mais
quem é, como chegou ali, e está completamente
alheio à própria vida, o que gera uma angústia e
um sufocamento insuportáveis, tanto que é
melhor largar tudo e todos para trás em vez de
meter uma bala na cabeça.
29
Se não houver esforço e coragem da
nossa parte, e apenas medo, desejo
de segurança, de entorpecimento,
de fuga, tudo o que faremos será
criar uma farsa ao nosso redor, com
máscaras de papel que, à primeira
cheia, derreterão
30
quando a pressão estourou os diques, foi
arrebatado para longe por seu caudaloso e
desesperado acúmulo. Tenho em mente algo
que disse Luigi Pirandello (escritor italiano
muito interessado na fragilidade dos papéis
sociais), em L’umorismo, de 1908:
31
compor-nos uma consciência, ao construir-nos
uma personalidade. Em certos momentos
tempestuosos, acometidas pelo fluxo, todas
aquelas formas fictícias ruem miseravelmente;
e também aquilo que não escorre sob os diques e
além dos limites, mas que se nos revela distinto
e que nós havíamos cuidadosamente canalizado
em nossos afetos, nos deveres que nos
impusemos, nos hábitos que traçamos, em
certos momentos de cheia transborda e revolve
tudo.”
32
criativa da vida, que, em vez de “transbordar e
revolver tudo”, passa a operar em nós, a
fecundar nossa biografia. De qualquer modo, a
sua ideia é esclarecedora, pois, se não houver
esforço e coragem da nossa parte, e apenas
medo, desejo de segurança, de entorpecimento,
de fuga, realmente tudo o que faremos será
criar uma farsa ao nosso redor, com máscaras
de papel que, à primeira cheia, derreterão, e nós
seremos colocados, sem escapatória a não ser a
loucura, assim como Henry Davis naquele 21 de
março, diante da divisa máxima: é preciso
mudar de vida.
33
Pode ser que seja inevitável fazer grandes
esforços de adaptação se a situação social ou
econômica ao nosso redor mudar, e que
precisemos migrar ou nos virar de outro modo,
ou então que um acidente, uma doença, uma
catástrofe tire de nós algo, ou alguém. Porém,
essas mudanças acontecem como que dentro da
própria vida, que as absorve; é nossa vida que
muda, internamente, e não nós que mudamos
de vida. O que aconteceu nessa história, e que
devemos temer que aconteça conosco, é algo de
outro tipo: é o prenúncio de um colapso geral,
por conta de ter chegado a data de validade das
nossas mentiras. O que tenho a dizer é que o
método para prevenir, para evitar esses
cataclismos vitais não é outro a não ser fazer,
voluntariamente, aquilo que será imposto mais
tarde: é preciso mudar de vida todos os dias. Em
que consistiria isso?
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Certamente não significa mudar tudo todos os
dias, e viver uma vida inconstante, em que nada
é permanente, ao sabor dos desejos e dos
movimentos espontâneos. Henry Davis teria
sido feliz se, em vez de casar-se e ter duas
filhas, tivesse continuado um bad boy, levando
a vida como lhe parecesse bem naquela semana,
tendo relacionamentos curtos, e sem
responsabilidade alguma? Creio que o seu
desespero, na meia-idade, seria apenas
diferente, mas não menor. Esta é uma maneira
errônea e viciada de conceber e viver os
movimentos internos do ser humano, que
identifica o bem com a bravata, com o risco, que
enxerga a volubilidade de maneira romantizada,
como se isso fosse viver intensamente, ou
apaixonadamente.
35
Não é verdade que mudar é sempre bom, não é
verdade que a mudança seja, em si mesma, algo
bom, e também não é verdade que estamos
sempre progredindo, conduzidos por uma força
maior a sermos melhores e a estarmos no lugar
certo, bastando, para tal, que o tempo passe.
Esse pensamento, que é uma contrafação do
“abandono à providência divina”, leva muita
gente a viver de maneira superficial, a mudar de
ideia conforme mudem os discursos
altissonantes, a flertar com o relativismo moral,
a dar pouco valor às pessoas e ser menos
confiável em suas relações pessoais, e, enfim, a
não criar bases sólidas, em todos os sentidos,
nem para si nem para sua família – digo,
enquanto a família sobreviver a isso. Nesse tipo
de dinâmica, em que se acredita viver uma vida
aventurosa, busca-se sempre ser alguém
diferente, trocar de vida em vez de mudar de
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vida, e na realidade não há nenhum progresso,
apenas um incessante quicar de lá para cá,
chacoalhar de um lado para o outro: um
irrefletido girar em falso, em que as pessoas
ficam iludidas ou anestesiadas pela velocidade
das mudanças, pelo ritmo da agitação – e,
assim, renunciam a uma elaboração duradoura
de suas máscaras de papel, que mais dia menos
dia seriam empapadas pela verdade, por uma
troca rápida de máscaras improvisadas,
tentando escapar do confronto com a verdade
pela rapidez. Mas não é possível, pois toda essa
corrida terá um termo, e não há como
esgueirar-se da morte. Mas em que consistiria,
então, mudar de vida todos os dias?
37
Mudar de vida a cada dia significa
avaliar quais das nossas decisões,
ações e relações ainda são pautadas
por outros critérios e valores
menores, e buscar nos entregar,
cada vez mais profundamente, ao
verdadeiro critério da vida
38
diferente de trocar de vida. Belle Burden afirma
que o ex-marido tornou-se para ela um
completo estranho – e, de fato, para ela e as
filhas, o Henry Davis do dia 21 é o mesmo Henry
Davis do dia 22? Mas ela se questiona (e este é o
título do seu artigo) se na verdade não foi
casada 20 anos com um estranho. O que a faz
perguntar-se isso é justamente o fato de que a
pessoa, o núcleo pessoal e intransferível de cada
um de nós, não muda; portanto, se ele foi capaz
de sumir para sempre, é porque sempre fora
capaz, e ela é que não sabia, ela é que não podia
ver através das falsidades. Por isso, a nossa
mudança diária de vida não deve de modo
algum ser uma ruptura total com o passado, um
grande reset, uma revolução – uma deserção
irresponsável, como a de Henry Davis –, mas o
contrário disso: deve ser uma confirmação
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daquilo que deve permanecer, com base no que
vamos emendar o que for preciso mudar.
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fazê-lo o quanto antes, e, se o fizermos todos os
dias, evitaremos grandes tragédias. Nossa
mudança de vida diária deve ser, portanto,
fundamentalmente uma distinção entre o que
deve permanecer e o que precisa ser alterado,
aperfeiçoado, aprofundado, radicalizado, ou
então abandonado, erradicado, exorcizado.
“Todo homem normal há de ser conservador do
que deve ser conservado, e reformador do que
pede reforma”, disse Gustavo Corção. Mas qual
é o critério para essa distinção? Qual é minha
regra absoluta, pela qual tudo o mais será
julgado? Onde está minha felicidade, o que me
faz levantar da cama e suportar o que vier? Que
vida eu quero levar, da qual não vou me
arrepender? O que deve permanecer, ainda que
seja preciso abrir mão de todo o resto? Pois fato
é que, em algum momento, mais cedo ou mais
tarde, teremos de abrir mão de tudo.
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A morte tem esse temível privilégio de pôr
diante dos nossos olhos toda a nossa vida,
avassaladoramente nua, e de eternizar o que, na
verdade, sempre fomos. Por isso é tão
fundamental, para essa mudança de vida nossa
de cada dia, meditar sobre a própria morte:
olhar de frente o nosso próprio crânio
descarnado, e assim encarar essa ideia, até que,
de uma simples ideia, abstrata, ela se torne uma
verdade tão concreta quanto o presente.
Memento homo... “lembra-te, homem, de que
és pó, e em pó te hás de tornar”. A
contemplação de nossa vida terrestre como um
todo finito, e a perspectiva de que tudo nela é
certamente passageiro, ajuda-nos a colocar
todos os elementos que a compõem em
suspensão, a nos desligarmos, nos desgarramos
de suas falsas seguranças, e nos sentirmos
distantes, livres para julgá-los todos
42
novamente conforme o nosso magno critério.
Mas, de novo, qual será o nosso magno critério?
Se você não tem claro qual é o seu, será preciso
descobri-lo ou escolhê-lo – não às pressas, por
medo, novamente, o que seria uma trapalhada
ainda pior. Mas consistentemente.
Responsavelmente. O que tem de permanecer,
caso tudo ao seu redor venha a se alterar? Se
uma grande mudança de vida lhe for oferecida,
com base em que você vai decidir? Se for posto
numa encruzilhada e for preciso escolher entre
duas vidas diferentes a se levar, sem
meio-termo, qual será o critério da sua vida? –
A vida de Henry Davis e Belle Burden teria sido
diferente se tivessem se perguntado isso
repetidas vezes ao longo dos anos? Eu acredito
que sim.
43
Mudar de vida a cada dia significa avaliar quais
das nossas decisões, ações e relações ainda são
pautadas por outros critérios e valores menores,
e buscar nos entregar, cada vez mais
profundamente, ao verdadeiro critério da vida.
Qual é ele, quanto ele define minhas escolhas?
Faça essas perguntas todos os dias. Suspenda a
cada dia todos os elementos de sua vida e
julgue-os pelo critério máximo, que é a única
coisa que você terá quando enfrentar a morte
um dia. É preciso mudar, antes que se viva uma
vida tão falsa que fique impossível continuar;
antes que a nossa pessoa esteja aquém da nossa
mesma vida. Mudar para que nossa
personalidade – a integridade de nossa pessoa,
nossa “saúde existencial” – não esteja aquém
dos nossos poderes, habilidades,
responsabilidades e papéis sociais. Para não
sermos estranhos a nós mesmos, é preciso
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conversarmos conosco mesmos todos os dias, e
para não sermos estranhos para os nossos
familiares, é preciso que sejamos nós mesmos a
conversar com eles todos os dias. Isto, creio,
nos manterá a salvo de grandes tragédias, das
grandes apostasias existenciais, se
mantivermos acesa diante de nós, a nos fitar, a
luz do nosso critério máximo – como faz, no
poema de Rilke, aquele “torso arcaico de
Apolo”, no qual, mesmo despedaçado e com as
partes faltando, tudo brilha, e tudo está voltado
para nós dizendo: “É preciso mudar de vida”.
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Abner Dantas e Cássius Ogro: dupla de Maceió se projetou tirando sarro de
militantes e lacradores em geral.| Foto: Divulgação
PERFIL
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Dantas, referindo-se ao parceiro Cássius Ogro.
Com idades, perfis, histórias de vida e até
posições políticas bem diferentes entre si, os
dois praticamente só concordam num único
ponto, que virou um lema repetido aos gritos
pelo público de seus shows: “Que se dane o
cancelamento!”.
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Cássius e Abner ainda tiram sarro de outros
comediantes, algo raro no meio artístico bra-
sileiro, onde a hipocrisia reina em nome da
manutenção das boas relações. Enfim: é como
se sua chegada ao cenário, exatamente num
momento de ameaça à liberdade de expressão,
fosse uma resposta e um antídoto ao baixo
astral atualmente em vigor.
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comediante. Uma tia não gostou da brincadeira
e até ameaçou processá-lo.
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“É uma coisa inaceitável, um desrespeito. Mais
que isso, é um crime. Eles deveriam tomar um
processo coletivo. Quem sabe sendo presos
alguma coisa entre na cabeça deles?”, afirmou a
apresentadora Cátia Fonseca, apoiando a
corrente de influenciadores militantes que se
espalhou pelas redes sociais pedindo a cabeça
dos humoristas. “Medidas serão tomadas”,
chegou a prometer a deputada federal Erika
Hilton (PSOL-SP) – no entanto, nada de mais
grave aconteceu, com exceção de dois shows
cancelados por pressão da militância.
50
favor do ser humano, como uma forma de
aliviar a dor. Mas o movimento woke quer fazer
com que a sociedade veja o comediante apenas
como um sádico.”
51
paranaense Bruna Louise, cuja fórmula, segun-
do a dupla, se resume apenas a citar o órgão
genital masculino e fazer uma careta em
seguida.
52
“Ele não faz piada. O show dele é um monte de
discurso”, diz Abner. E Ogro arremata: “Esses
caras só têm uma carreira porque existe gente
depressiva com o cabelo pintado de azul”.
53
Em um passo seguinte, comprou o livro
‘Segredos da Comédia Stand-up’, uma espécie
de bíblia para os humoristas brasileiros ini-
ciantes, escrito por Léo Lins. Daí para frente,
mergulhou para valer no circuito de shows em
bares, onde conheceu o parceiro Abner e com
ele começou a produzir os próprios eventos.
54
Já ativos na cena do humor, os dois ainda traba-
lharam juntos em um quiosque de açaí para
conseguir pagar as contas. A situação começou a
melhorar quando ambos trocaram o comércio
por empregos num estúdio de gravação de
podcasts – onde tiveram a oportunidade de
criar conteúdos para a internet, chamaram a
atenção de produtores de outros estados e
entraram na rota nacional de shows.
55
típico jovem da periferia. “Preciso de dinheiro
para mandar para a minha mãe e pagar uma
escola particular para a minha sobrinha”, diz,
questionado sobre a possibilidade de os dois se
mudarem em breve para São Paulo, centro do
mercado de stand-up comedy no Brasil.
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56
O cantor Jason Aldean em uma cena do polêmico clipe da música “Try That In a
Small Town”.| Foto: Reprodução / YouTube
GUERRA CULTURAL
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de 64 anos chamado Stephen Paddock abriu fogo
contra uma multidão que acompanhava o show do
cantor Jason Aldean durante o festival de música
country Route 91 Harvest, em Las Vegas. Da janela
de seu quarto de hotel, próximo ao local do evento,
Paddock matou 59 pessoas, além de ferir outras
527 – e cometeu suicídio antes de ser encontrado
pela polícia.
58
novamente, de muita controvérsia. Pela primeira
vez, artistas “sertanejos” ocuparam,
simultaneamente, nas últimas semanas, os três
primeiros lugares da parada de sucessos Hot 100
da Billboard (o principal ranking dos EUA, que dita
tendências para o mundo todo).
59
metidos a espertos a roubar carros de senhoras
idosas, cuspir em policiais, apontar armas para
comerciantes ou pisar na bandeira americana.
“Por estas bandas, a gente cuida dos nossos / Se
você está procurando briga / Tente isso numa
cidade pequena / Cheia de bons e velhos garotos,
criados do jeito certo”, diz a letra.
60
supostamente para a defesa dos direitos das
pessoas negras — mas cujos líderes já foram
denunciados pelo mau uso dos fundos
arrecadados.
61
americana) retirou o material do ar. E como esse
tipo de censura sempre desperta a curiosidade do
público, a busca pelo clipe e pela faixa explodiu na
internet. O boicote do CMT também colocou mais
gasolina no fogo da guerra cultural, estimulando
ataques e defesas de ambos os lados do fronte
ideológico.
62
Até a articulista conservadora Kathryn Jean Lopez,
da revista National Review, deu umas lambadas no
cantor. “Espero que o republicano Aldean, em
músicas futuras, possa incentivar as pessoas a
fazer o bem, em vez de adicionar mais raiva e
violência ao nosso tempo”, escreveu, em um texto
intitulado “Jason Aldean não está ajudando”.
63
Mais isento, o popularíssimo apresentador de
podcasts Joe Rogan, conhecido por expressar
ideias iconoclastas e convidar entrevistados tanto
da direita quando da esquerda, comparou o forte
teor de “Try That In a Small Town” com as letras
misóginas e violentas dos artistas de hip-hop.
“Não estou dizendo que essa é a melhor música do
mundo. Mas o nível de indignação das pessoas que
estão irritadas com ela é tão estranho se levarmos
em conta que há centenas de músicas de rap
infinitamente piores”, afirmou.
64
Para ele, o BLM é visto como agressivo pelo
cidadão comum por causa de “um monte de
progressistas brancos que decidiram participar do
movimento e saíram quebrando as coisas”.
65
Intérprete do hit “Last Night”, Wallen teve
músicas retiradas das rádios e foi impedido de
concorrer em premiações após o vazamento de um
vídeo em que aparece bêbado gritando a palavra
nigger (uma maneira altamente ofensiva de se
referir aos negros nos EUA). Os fãs, no entanto,
nem deram bola. E seguem o consagrando como o
maior expoente da corrente denominada
bro-country, centrada em sonoridades mais atuais
e temáticas ligadas a festas, mulheres e carros (ou
melhor, caminhonetes).
66
Agora, ele é acusado de apropriação cultural por
lucrar em cima da criação de uma compositora
negra e lésbica (embora Chapman tenha
autorizado a regravação, responsável por
apresentá-la ao público jovem e abastecer sua
conta bancária com o dinheiro arrecadado via
direitos autorais).
67
a exemplo de “Try That In a Small Town”,
tornou-se munição para ambos os lados da
polarização ideológica.
68
errado, no caso do comentário aos beneficiários de
programas sociais. “Você criou o hino de nosso
tempo. Parabéns!”, tuitou Boebert.
69
de Jesus) e, agora, as canções de Jason Aldean e
Oliver Anthony são casos de produtos pop recentes
apoiados pela comunidade de direita como uma
forma de lealdade aos artistas de mesmo viés
ideológico. Um expediente, obviamente, também
adotado pela esquerda – porém há muito mais
tempo.
70
Em apenas uma semana, o lançamento chegou ao
topo do ranking de vendas digitais da Billboard,
voltado aos arquivos comprados e baixados
diretamente para computadores e dispositivos
móveis. E, segundo o político, todo o lucro obtido
com as vendas será destinado aos réus.
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71
Litografia de Bartolomeu de las Casa batizando prisioneiros indígenas em 1511, J.
J. Martinez (1854), História da Marinha Real Espanhola| Foto: Wikipedia
ARTIGO
72
consiste em preservar em sua própria cultura
ideias forjadas deliberadamente para satisfazer
suas necessidades existenciais. É o caso de paí-
ses como Alemanha, Inglaterra, Holanda, Itália,
França ou Estados Unidos, para citar apenas os
principais. Com o denominador comum – como
sabemos – de que a história é escrita pelos ven-
cedores. E, no entanto, a Espanha foge a essa
regra, com uma particularidade inquietante: o
seu passado está maculado por faltas abominá-
veis e isso desde a Descoberta do Novo Mundo, e
seu povo está condenado a arrastar consigo um
fardo do qual em vão procurará se libertar.
Assim foi julgado por uma espécie de Tribunal
da Humanidade, no qual se instalaram as
nações mencionadas.
73
nações que se encontravam em competição com
a Espanha, desde a aurora do século XVI. O mo-
do de operação delas era, portanto, o recurso
simultâneo à difamação social e econômica,
racial e cultural e, é claro, religiosa. Na verdade,
esse tipo de processo já vinha sendo aplicado há
muito tempo; a Roma Imperial já havia sido
alvo de seus detratores. No século 18, também
os envaidecidos filósofos franceses classifica-
ram o Império Russo como bárbaro, à margem
da civilização, assim como seus sucessores
recobriram os norte-americanos com o manto
de rudes no século seguinte, numa tradição
anti-imperial muito atual, tanto na forma
quanto no conteúdo. Essas criações de opiniões
ad imperium, portanto, aderem ao fundo
cultural das nações que as emitem e podem,
sem dúvida, receber o nome de Lenda Negra. O
termo, em gestação no século XIX, só veio a ser
74
utilizado pela primeira vez para se referir à
propaganda antiespanhola em 1899, durante
uma conferência em Paris. Os Estados Unidos da
América haviam acabado de conquistar Cuba e
as Filipinas, e fizeram uso extensivo dela.
75
A chave de entrada – ainda atual – dessa for-
matação cultural, é personificada por um per-
sonagem que ocupa um lugar especial nos livros
didáticos: chamado Bartolomeu de Las Casas.
Graças a ele teremos notícia de que a aventura
espanhola na Nova Espanha (México) é um em-
preendimento abominável, levado a cabo por
bárbaros que cometeram inúmeras atrocidades,
assassinatos, violações e massacres, genocídio
até, que ele mesmo diz ter visto e que descreve
com um luxo sem precedentes de detalhes. Ele é
proclamado como um grande defensor dos ín-
dios americanos e, como tal, é coroado com o
título de precursor dos direitos humanos, nada
menos.
76
quem são os autores. O famoso dominicano de
fato levanta mais do que questionamentos: do
que ele diz, o que tem fundamento, quando e
por que, e, acima de tudo, o que é essencial, mas
largamente ocultado: por que e como ele obteve
tamanha notoriedade?
Temática
77
base da autoridade moral para governar as
novas terras está no centro de suas
preocupações.
78
forjada por um ideal heróico ao longo de oito
séculos de guerra religiosa e fortalecida pelo fim
da reunificação, assinalado pela queda de
Granada, tendo em seu bojo elites militares e
atividades culturais imbuídas de uma autêntica
dimensão humanista. Os espanhóis saberão
como ninguém – nem mesmo os portugueses –
enfrentar este desafio coletivo com entusiasmo
e com um sentido de extraordinária realização
individual.
79
sem levar em conta a tradição secular de
discussões polêmicas e apaixonadas, que
remonta à Idade Média, e que permeia também
os homens da Igreja. O texto de Las Casas
pertence, de fato, a um gênero literário que não
se incomoda com exageros, e cujas hipérboles
muitas vezes beiram os limites da difamação.
Nos povos mediterrânicos, as crianças não são
educadas no silêncio e na reserva; é assim. Isso,
sob outros céus, pode ser mal interpretado.
80
minas. E prosseguem sua afirmação até o fim: a
absolvição é negada a quem mantém índios em
regime de exploração. Ninguém lhe escapa, nem
mesmo um certo Bartolomeu de las Casas,
então instalado como encomendero desde 1502.
81
trabalho, remuneração, propriedade, acesso à
cultura e educação. Em resumo, a escravidão e a
segregação são proibidas, uma regra comple-
tamente heterodoxa para a época.
82
consulta. Disso surgiram as Novas Leis de 1542,
claramente intituladas: “Leis e Ordenações
Feitas por Sua Majestade para Governança e
Proteção dos Índios”. A imposição de condições
drásticas aos conquistadores, o reconhecimento
aos índios de novos direitos e liberdades de
escolha são o resumo do seu conteúdo. Não é
pouco: doravante a conquista estará sujeita a
um novo marco legal, um Ius Gentium, que será
ampliado posteriormente, e contará com a
ajuda da Igreja e de uma administração civil
para aplicá-la.
83
do corpo e da alma andam lado a lado, e se
traduz no desenvolvimento da inteligência, das
artes, das ciências e da prosperidade econômica.
O fim de um paraíso?
84
dialetos apenas para a Amazônia. Além das
tentativas de unificação linguística dos im-
périos asteca e inca para com seus vassalos, a
situação é de incomunicabilidade entre esses
povos em um contexto bélico quase permanen-
te. No Vale do México, onde o poder asteca
mantinha nada menos que 371 tribos em escra-
vidão, o tributo a ser pago ao imperador
Moctezuma consistia em uma cota de seres
humanos. Porque a frequência e a quantidade
dos sacrifícios humanos que o calendário
religioso asteca exigia ultrapassa o imaginável:
cada mês tinha suas festas e cada festa exigia
seu lote de vítimas para apaziguar com sangue
divindades nunca saciadas, inclusive crianças,
como as descobertas arqueológicas de
pirâmides de caveiras e locais de sacrifício vêm
regularmente ilustrar, em confirmação dos
testemunhos escritos da época – por muito
85
tempo contestados, e muitas vezes minimiza-
dos ou justificados hoje em dia, segundo a
solicitação de objetivos ideológicos. Com “pi-
cos” de festividades aproximando-se de 1.000
sacrifícios diários, o sistema imperial asteca
montou uma rede de abastecimento das popu-
lações circundantes, que o produtor Mel Gibson
ilustrou à perfeição no seu filme “Apocalypto”
de 2006.
86
visita a Tenochtitlán, Moctezuma ofereceu a
Hernán Cortés a coxa direita de uma criança,
iguaria normalmente reservada a ele por
prerrogativa.
87
mais nem menos que a oportunidade de se
libertarem, na Mesoamérica, de um império
canibal e, nos Andes, da escravidão do império
inca. E, portanto, não é exagero afirmar que a
Conquista foi uma libertação em que os próprios
índios foram os atores.
88
1514 do rei Fernando, então viúvo há dez anos,
encontramos a mesma delicada solicitude
expressa por Isabel a Católica por “suas índias”,
imortalizada em seu testamento:
89
A mestiçagem entre espanhóis e índios é de fato
a pedra angular da política de Estado, tão extra-
ordinariamente singular, sobre a qual repousa
toda a epopeia das conquistas e a história pos-
terior do Império espanhol, sem interrupção
desde os Reis Católicos, o Cardeal Cisneros,
Carlos V, Filipe II e os descendentes da linha
Habsburgo da Áustria. Isso mudaria gradual-
mente durante o século XVIII, com o advento da
dinastia Bourbon e a influência dos filósofos do
Iluminismo.
90
aborígenes serão contados lá, nenhum dilema
moral sofisticado surgirá quanto à natureza dos
aborígenes; virá em seu apoio o supremacismo
de Charles Darwin. Para o colono inglês, o abo-
rígine não é um ser humano e, como um animal
bizarro, será exterminado por uma vontade
política sistemática. Em um século, o número de
aborígenes será reduzido em 90%. E embora os
próprios australianos já não contestem o geno-
cídio cometido – não mais que os holandeses
com o deles na Indonésia, nem os alemães na
África austral – digamos de passagem – basta
constatar que sua história colonial e carcerária
não pode colocar um único grande nome da
comunidade indígena em sua lista: o exato
oposto do império espanhol.
91
séculos de distância) conseguido, em Hong
Kong por exemplo, ter encorajado o casamento
de ingleses com chinesas ou de inglesas com
chineses? Para fazer um balanço da ideia huma-
nista dos Reis Católicos, lembre-se que os
casamentos inter-raciais foram proibidos nos
Estados Unidos até 1967. E que as primeiras leis
penalizando casamentos – e relações sexuais –
com pessoas “de cor” vieram todas das colônias
inglesas, e isso desde sua origem.
92
a criação de uma sociedade onde o racismo é
inconcebível. Os casamentos mistos e os filhos
deles resultantes, inclusive entre as mais altas
dignidades sociais, não deixam espaço para a
segregação. Isto é particularmente evidenciado
por dois dos indicadores mais reveladores da
obra imperial espanhola, nomeadamente a
educação e os cuidados de saúde.
93
condições sociais, de famílias espanholas,
mestiças ou da nobreza asteca. Foi à Igreja que
coube o imenso desígnio de elevar a população
indígena, em uma ou duas gerações, a um
patamar cultural semelhante ao dos europeus.
Nas instituições que então surgiram, as pessoas
aprenderam o nahuatl, o castelhano e o latim,
mas também o ensino de artes e ofícios como
pintura, escultura e música, ou carpintaria,
ferraria e ourivesaria.
94
indígenas. Ali ensinava-se latim, gramática,
retórica, lógica, aritmética e geometria,
astronomia, medicina, teologia e religião.
95
logo tornadas obrigatórias por Filipe II. Ali
serão desenvolvidos os glossários dessas lín-
guas, as primeiras traduções de livros sagrados,
como a dos Evangelhos em náhuatl, datada de
1544. Três anos depois apareceu no México
“Arte de la lengua Mexicana”, a primeira gra-
mática do náhuatl, tornando-se a primeira lín-
gua indígena a ter uma gramática, e isso antes
mesmo do francês. No alvorecer do século XVII,
109 obras em línguas indígenas terão sido
publicadas, incluindo em quíchua, aimara,
guarani, totonac, otomi, purépecha, zapoteca,
mixteca, maia, mapuche, etc. Esta enumeração
a modo de conclusão deveria ser suficiente para
destruir uma das mentiras mais propagadas
pela Lenda Negra: relativa ao desaparecimento
das culturas indo-americanas no império
espanhol.
96
Saúde pública
97
com capacidade menor. Todo atendimento é
totalmente gratuito e para todos, com especial
atenção para os índios, atingidos por novas
doenças importadas do Velho Mundo, como
sarampo, catapora, caxumba ou gripe, e contra
as quais os nativos não tinham imunidade.
Foram criados estabelecimentos especializados
no tratamento da sífilis e dos leprosos. É para
eles que o próprio Hernan Cortés lançará a
construção do hospital San Lázaro da Cidade do
México, entre 1521 e 1524.
98
passagem ‒ que muitas cidades
contemporâneas.
99
a melhor medicina do mundo, muito antes dos
próprios países europeus. A contribuição das
plantas medicinais indígenas é em si mesma
uma lista extensa, onde destacaremos em par-
ticular a importância salvadora da coca e da
quinina [O médico índio peruano Pedro Leiva
descobriu suas propriedades, a partir de 1630, e
desenvolveu o primeiro tratamento contra a
malária].
100
México por Hernán Cortés. E mesmo assim
destinava-se apenas a receber soldados e
marinheiros. Quanto à primeira escola de
medicina britânica, ela não foi criada até 1765.
101
concluir que nos encontramos no exato oposto
da descrição dantesca feita pelo dominicano Las
Casas quando encontrou uma editora para sua
obra em Sevilha em 1552. La Brevísima relación
de la destruyción de las Indias retoma e desen-
volve textos escritos dez anos antes. Ele poderia
tê-los corrigido, mas não o fez. A agitação
doentia do dominicano, nomeado bispo de
Chiapas (México) em 1543, atrai a atenção régia
e leva à organização da famosa Controvérsia de
Valladolid, em 1550. Ela se estenderá por seis
anos, mas não se concentra em determinar se os
índios têm alma ou não. A evangelização per se
é uma prova contundente que isso é absurdo,
mas no entanto se repete há gerações nos livros
didáticos. Tratava-se de um debate filosófico e
teológico, lançado por iniciativa do imperador
Carlos V, em torno da forma de evangelizar os
índios. Mas, em si, é a própria natureza da
102
disputa teológica sobre a legalidade das
conquistas da Índia que é verdadeiramente
fascinante. Pois o contexto é essencial: em um
império em crescimento, o imperador mais
poderoso da Europa, no auge de sua glória,
decide pausar a conquista para examinar se a
Espanha está cumprindo sua missão moral!
Devemos insistir nisso, porque nunca antes,
nem depois, nenhuma potência em ascensão –
e menos ainda uma potência colonial – se fez
esse tipo de pergunta. Alguém já viu um rei da
Inglaterra, França, Holanda ou um imperador
alemão infligir tal dilema a si mesmo? As
conquistas espanholas recomeçarão a partir de
1556, não sem terem sido promulgadas novas
disposições que as regerão, devendo cada
iniciativa ser previamente aprovada, sob
vigilância dos vice-reis e do próprio imperador.
103
Neste ínterim, muitos contemporâneos de Las
Casas se insurgiram contra suas afirmações.
Mas convenhamos: se outros clérigos se pro-
nunciaram nas Índias contra o abuso onde os
viram, o que não passa batido é a insuportável
arrogância narcisista da personagem, suas
acusações generalizadas e suas condenações
ultrajantes, gratuitas e preconceituosas: ele
demoniza a conquista em sua totalidade, atri-
buindo-lhe até um genocídio. Eles o acusam –
como o não menos famoso evangelista francis-
cano Toribio de Benavente –, em outros termos,
de ser injusto ao difamar todo um povo e mentir
com pleno conhecimento de causa. Autores
modernos como a renomada historiadora María
Elvira Roca Barea analisaram criticamente seus
escritos. Cito-a: “Duvido que muita gente tenha
lido a Brevísima; basta lê-lo para desacreditá-lo
como documento confiável e sem que seja
104
necessário desenvolver qualquer tipo de argu-
mentação. Ele produz espanto e pena em partes
iguais. Ninguém com um pouco de serenidade
intelectual ou bom senso defende uma causa,
por mais nobre que seja, como fez o domini-
cano. Foi somente nas mãos da propaganda que
ela conseguiu fazer do Padre Bartolomé um
apóstolo dos direitos humanos” (Tradução do
autor).
105
proveito – também podem ser explicados pelo
fato, denunciado por seu contemporâneos, que
Las Casas não conhecia os índios, assim como
não participou pessoalmente da pregação para
eles. E não é um argumento menor sublinhar
que Las Casas nunca se preocupou em aprender
nenhuma das 300 línguas indígenas das regiões
da Nova Espanha, tarefa absolutamente indis-
pensável para evangelizadores dominicanos,
franciscanos, jeronimitas, agostinianos ou
jesuítas. Um leitor distraído pode pensar: pro-
vavelmente Las Casas exagerou e mentiu para
proteger os índios. Mas esta ideia é duplamente
incoerente: do ponto de vista da moral católica,
primeiro, porque o fim nunca pode justificar os
meios; e depois porque o bom Bartolomeu
mentiu mesmo sem nenhuma necessidade.
Quanto às suas próprias tentativas de comuni-
dades indígenas em Cumaná na Venezuela, em
106
seu bispado de Chiapas no México, e seu projeto
de Verapaz na Guatemala, na aplicação de seus
princípios utópicos, elas terminaram em fra-
casso sem paliativo, deixando seu bispado no
caos, aumentando seu descrédito perante as
autoridades civis e religiosas, e motivando seu
retorno definitivo para a Espanha em 1547. Para
um homem credenciado urbi et orbi com o título
de defensor dos índios, deve-se dizer que ele se
saiu muito mal.
107
um "arauto" dos direitos indígenas e precursor
dos direitos humanos?
108
para o estabelecimento do protestantismo na
Inglaterra, exacerbado pela propaganda de Es-
tado da Rainha Elizabeth I. Ele alcançou o status
de manual de doutrinação, de leitura obrigató-
ria para os jovens ingleses, porque forjava a
ideia de que a Inglaterra é a nova nação escolhi-
da para cumprir a vontade divina na terra. Pois
se “Deus é inglês”, qualquer inimigo da Ingla-
terra é inimigo de Deus. Foi neste contexto de
ódio anticatólico, e portanto hispanofóbico, que
surgiu em 1583 a primeira edição inglesa da
Brevísima de B. de Las Casas. Motivado pelo
mito da nação eleita, e autojustificado para se
apropriar das riquezas espanholas, o poder
inglês montou o maior empreendimento de
pirataria da história. A historiografia atual e a
indústria cinematográfica popularizaram-nos
em termos simpáticos, mas Francis Drake,
Noble, Barker, Oxenham ou John Hawkins
109
foram na realidade saqueadores sanguinários
cujo “dever sagrado” consistia em semear
morte e destruição nas cidades costeiras do
Caribe, o que fizeram entre 1585 e 1596. Este foi
também o objetivo da enorme expedição naval
inglesa de 1589, liderada por Drake, destinada
ao saque dos portos peninsulares espanhóis,
mas como esta última terminou em um amargo
fracasso, a reescrita vitoriana da história
britânica não fala disso, e tampouco Hollywood.
A Lenda Negra Espanhola servirá ao longo dos
séculos seguintes para credenciar a necessidade
de arrancar as “imerecidas” posses de um povo
“ímpio e lascivo”. As tentativas militares
britânicas de ocupar a Argentina em 1806 foram
apenas um precursor da vassalagem econômica
e bancária dos estados procedentes do império
espanhol em decomposição. A Guerra das Ilhas
Malvinas de 1982 nos fornece um exemplo mais
110
recente do cínico desprezo britânico para com
um povo hispano-americano: Margaret
Thatcher permitiu que, se a Marinha Real
falhasse, mísseis nucleares fossem lançados na
cidade Argentina de Córdoba, em retaliação.
111
propaganda protestante para construir um
nacionalismo germânico até então inexistente,
expressa em termos de hispano-católicos,
nomeadamente estrangeiros, contra os
alemães-protestantes, em total negação da
realidade. O romantismo alemão de Schiller e
Goethe explorará tanto quanto possível os
mitos do perverso inquisidor e do preguiçoso
espanhol. Ser católico na Alemanha, até o final
do século XIX, significava pertencer a uma
subclasse da sociedade: após a proibição do
culto, proibição do acesso às universidades, às
profissões superiores e aos cargos na
administração pública. Os nazistas souberam
jogar com o sentimento reformista: a Lutero foi
dedicada à infame “Noite do Cristal” de 9 a 10
de novembro de 1938.
112
Na Holanda, o príncipe de Orange, vassalo de
Filipe II, travara uma queda de braço contra o
poder espanhol, não na forma de rebeliões
populares, mas de reivindicações aristocráticas
de caráter feudal. Com base em uma transição
gradual para o calvinismo nas províncias
holandesas, essa dinâmica de solapamento
culminará em uma guerra civil de oitenta anos,
na qual intervirão jogos de alianças, em par-
ticular com a França de Richelieu. Por conse-
guinte, por motivos geopolíticos particularistas,
o objetivo comum era a destruição do Império
Espanhol. Nas mãos do partido de Orange, a
Brevísima, traduzida para o holandês em 1579,
será explorada com uma habilidade inigualável,
destinada sobretudo a escandalizar e a suscitar
reações passionais, na ausência de uma argu-
mentação bem desenvolvida, e a reduzir a nada
os esforços de pacificação do imperador. A fé
113
católica, tornada ilegal pelos Estados Gerais em
1584, só recuperou seu lugar de direito em 1853.
O termo sul-africano “apartheid”, que significa
marginalização, é de origem holandesa.
114
Inquisição, mas apenas a espanhola, embora
nunca se tenha estabelecido na Holanda,
enquanto esteve presente em outros países
europeus, inclusive na França.
115
relatados por eles: “pois não se contentam em
confessá-los, gabam-se deles, e os publicam” .
(“Eles”, leia-se: Las Casas). Sob o disfarce de
argumento religioso, a acusação é de fato geo-
política: os espanhóis são “bárbaros”, piores do
que os próprios “selvagens” (que são muito
poucos) e, portanto, nada de bom pode resultar
de seus negócios junto deles. Entenda-se: tal
privilégio civilizador deve ser conferido a
outros. Sem surpresa, os textos de Montaigne
foram imediatamente traduzidos para o inglês.
116
tempo de servir aos desígnios expansionistas de
Luís XIV, instala-se e não partirá jamais.
117
obras eruditas e prestigiosas. Diderot, Raynal ou
Montesquieu (nas “Lettres persanes”) despeja-
rão no rígido molde da historiografia oficial da
Espanha as mentiras amplificadas em modo
erudito: a Inquisição e a intolerância, os
maus-tratos às minorias, o extermínio dos
índios por Filipe II, uma sociedade atrasada e
uma economia arruinada, a incapacidade para a
ciência e para o pensamento, etc. Desta gene-
rosa fonte hão de beber os autores da
ópera-balé e do teatro, de Jean-Philippe
Rameau a Marmontel passando por Voltaire. O
mais curioso, aliás, é que a maioria dessas obras
foi proibida na França e teve de ser publicada no
exterior ou impressa clandestinamente,
enquanto circulava livremente no “tirânico”
império espanhol. Note-se que o obsessivo
discurso anti-imperial francês não aponta
apenas para a Espanha, mas também para a
118
Rússia, a potência em ascensão do momento,
enquanto, ao mesmo tempo, a empreitada im-
perial francesa na América do Norte termina em
desastre absoluto, sobre o qual cai um silêncio
espesso, e do qual nenhum autor ilustre, nem
Montesquieu, tão prolífico em suas
“Considérations sur les richesses de l’Espagne”
[Considerações sobre a Riqueza da Espanha],
desejará analisar as causas.
119
“Ilustração”: ela fornece a ideologia para a
organização ideal do mundo, em dominantes e
dominados: da predisposição natural dos índios
à servidão, defendida por Montesquieu em “De
l'esprit des lois”, Buffon decreta a inferioridade
do nativo americano. Cornelius De Pauw, em
sua “Recherches philosophiques sur les
Américains” vai além, pois detecta nos indíge-
nas uma debilidade nativa tanto física quanto
intelectual, que os impede definitivamente de
progredir, evoluir e aprender. Está aberto o ca-
minho para o “racismo científico” do superior
europeu – nórdico, é claro. Esses preconceitos
presidirão todos os empreendimentos coloniais,
como vimos.
120
temas lascasianos e hispanofóbicos contribui-
rão para as revoluções burguesas sul-america-
nas para então serem retransmitidas pelo
marxismo europeu, soviético e hispano-ameri-
cano. Em meados do século passado, o indige-
nismo ressurgiu como reivindicação de direitos
“historicamente pisoteados”, retomando a
Lenda Negra eternamente renascente, mas
ensinada de outra forma na história oficial, do
México à Patagônia. No entanto, a ideia de
“povos originários” reivindicando sua sobera-
nia ‒ numa lógica de balcanização que é um dos
objetivos do Foro de São Paulo ‒ é baseada em
um mito, já que a população hispano-ameri-
cana é 95% mestiça. A ideologia indigenista
encontrou no wokismo atual um amplificador
ideal.
121
Las Casas não foi, nem de longe, o primeiro a
defender os índios, nem seu sensacionalismo o
mais eficaz para esse fim. Quanto ao reconheci-
mento dos direitos, teórico em primeiro lugar, e
sua concretização progressiva, muito pouco de
fato se deve ao dominicano. Foi apenas a
propaganda europeia que fez dele o apóstolo
que ele não era, mas aspirava ser. A sociedade
contemporânea adora “denunciantes” e
“precursores”, de modo que a maioria das
publicações dedicadas a Las Casas repete
continuamente os mesmos clichês, cujas
origens e objetivos agora conhecemos. Os sites
da Internet oferecem uma coletânea disso.
122
Leyenda Negra. (Ed. El Paso, 2018)]. Baseia-se
essencialmente na obra escrita do dominicano
Las Casas, cuja fértil descendência dá vertigem,
e que os artesãos do politicamente útil primeiro,
e os guardiões do politicamente correto depois,
empenharam-se para elevar à categoria de mito
intocável. Dessa elaboração primeiramente
anticatólica, mais amplamente anticristã em
seguida, emergiu uma distopia histórica
verdadeiramente única – porque global – que
distorce, se não eclipsa, um dos períodos mais
importantes da nossa história europeia comum.
A obliteração cultural imposta nos priva, por
consequência, de uma de suas mais ilustres
joias, senão, talvez, a maior.
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123
O grande elenco reunido pelo diretor estreante Sidney Lumet, em 1957| Foto:
Divulgação Lumine
124
julgamento. O juiz faz um resumo do caso e in-
forma aos doze membros do júri qual deverá ser
o procedimento: a condenação ou absolvição do
réu só se dará em caso de certeza absoluta, ou
seja, unanimidade. Caso haja discordância entre
eles, prevalecerá a inocência. O juiz também
ressalta que, em sendo o veredito pela condena-
ção, a única alternativa para o réu será a pena de
morte numa cadeira elétrica.
125
referência mais frequente tanto no universo
jurídico, quanto nas escolas de cinema.
126
tempo discutindo o caso com os companheiros a
fim de se chegar a uma sentença correta.
127
lhando na televisão, no início dos anos de 1950,
e chegaram a gravar essa mesma história nesse
formato. Sendo assim, não é de se estranhar que
a versão para cinema tenha referências tanto
televisivas quanto teatrais. Ocorre que o diretor
Lumet, contando com a engenhosidade do fotó-
grafo Boris Kaufman, criou uma linguagem
cinematográfica única, desenvolvendo planos e
sequências que evidenciam todo o poder
narrativo do roteiro.
128
Mas, rapidamente, o diretor passa a usar a câ-
mera em close, a fim de desagregar o tumulto
verbal, focando as certezas e as dúvidas, a se-
gurança e a hesitação de cada um. De quebra,
Lumet também encontra uma forma de realçar
o talento individual de cada uma de suas estre-
las: Lee J. Cobb, E. G. Marshall, Joseph Sweeney,
Ed Begley, Edward Binns, George Voskovec,
Jack Klugman, Jack Warden, John Fiedler,
Martin Balsam, Robert Webber e, claro, Henry
Fonda – o jurado número 8 e responsável pelo
enfrentamento –, que também assina a
produção do filme.
129
diretor Lumet transforma em imagens catárti-
cas as expressões de cada jurado, o suor escor-
rendo pelos rostos, papéis espalhados na mesa,
cigarros e mais cigarros nos cinzeiros.
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130
PARA SE APROFUNDAR
131
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