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0103 1104 Sdeb 41 Nspe 0071 PDF
0103 1104 Sdeb 41 Nspe 0071 PDF
Rosana Onocko-Campos1, Juarez Pereira Furtado2, Thiago Lavras Trapé3, Bruno Ferrari Emerich4,
Luciana Togni de Lima e Silva Surjus5
2 Universidade
ABSTRACT Psychosocial Care Centers III (CAPs) are considered strategic in the reorientation
Federal
de São Paulo (Unifesp), of the care model in mental health. However, they still lack systematic evaluation mechanisms.
Instituto de Saúde e This study presents a set of indicators developed in a participatory process for the Psychosocial
Sociedade – Santos (SP),
Brasil. Care Centers III of the state of São Paulo. Sixteen indicators, grouped into 8 themes were deve-
juarezpfurtado@hotmail.com loped: Attention to crisis situations; Qualification of group meetings; Networking; Management
3 FaculdadeSão Leopoldo of Psychosocial Care Centers; Continuing education; Individualization of care; Care for people
Mandic – Campinas (SP), with intellectual disabilities; and Use of medication. The indicators were tested in services and
Brasil.
thitrape@gmail.com are presented as a potentially useful tool to support the assessment, monitoring and management
4 Universidade
of Psychosocial Care Centers III.
Estadual
de Campinas (Unicamp),
Faculdade de Ciências KEYWORDS Health evaluation. Mental health. Mental health services.
Médicas (FCM) –
Campinas (SP), Brasil.
brunoemerich@yahoo.
com.br
5 Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp),
Instituto de Saúde e
Sociedade – Santos (SP),
Brasil.
lucianatogni@hotmail.com
DOI: 10.1590/0103-11042017S07 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. ESPECIAL, P. 71-83, MAR 2017
72 ONOCKO-CAMPOS, R.; FURTADO, J. P.; TRAPÉ, T. L.; EMERICH, B. F.; SURJUS, L. T. L. S.
programas de saúde mental, atenção primá- do próprio processo avaliativo, referido na li-
ria em saúde, recursos humanos, direitos dos teratura como process use (PRESKILL; ZUCKERMAN;
usuários, reabilitação psicossocial e ações MATTHEWS, 2013). Neste estudo, foram incluídos
intersetoriais, entre vários outros. Em que trabalhadores e gestores de Caps III no pro-
pese a explícita intenção, nos instrumen- cesso de elaboração e definição de indicado-
tos citados, de induzir boas práticas e, ao res para esses serviços, visando contemplar
mesmo tempo, fomentar a transparência e a efetivamente as questões que perpassam
prestação de contas das iniciativas em saúde o cotidiano dos trabalhadores e subsidiar a
mental, o distanciamento entre formulado- incorporação e posterior utilização dos indi-
res e eventuais usuários das propostas pode cadores pelas equipes envolvidas.
levar à não utilização das propostas ou ao uso Como dispositivo para mediar a participa-
descontextualizado das mesmas e à sua ‘tec- ção e possibilitar a elaboração dos indicado-
nificação’, conforme afirmado por Ardila e res, foi proposto um curso sobre avaliação em
Stolkiner (2009), o que implica ignorar a partir saúde mental, com 120 horas de carga horária,
de onde e como se construíram certas ferra- ministrado regularmente ao longo de 11 meses.
mentas e suas respectivas intencionalidades. Os temas foram elencados a partir dos resulta-
O propósito deste artigo é apresentar e dis- dos de uma pesquisa conduzida pelos mesmos
cutir um conjunto de 16 indicadores dirigidos pesquisadores, em momento anterior, que
ao monitoramento, à avaliação e à potencial formulou e definiu um guia de boas práticas
qualificação dos Caps III, desenvolvidos para organização da atenção dos Caps III:
a partir da colaboração entre avaliadores 1) Avaliação em saúde; 2) Atenção à crise; 3)
ligados a 2 universidades e 58 trabalhado- Trabalho com grupos; 4) Território e saúde
res e gestores de Caps do tipo III, no estado mental; 5) Gestão em saúde mental; 6) Projeto
de São Paulo. Estabeleceram-se os serviços terapêutico individual; 7) Deficiência intelec-
como foco central da avaliação, privilegian- tual; 8) Medicação psiquiátrica; 9) Serviços
do efetiva troca de saberes entre agentes da residenciais terapêuticos; 10) Reabilitação
academia e trabalhadores, levando-se em psicossocial; e 11) Educação permanente. Foi
conta os diferentes contextos políticos e ins- ofertado aos grupos, como ponto de partida,
titucionais nos quais os Caps estavam inseri- um conjunto de indicadores desenvolvidos
dos. Procurou-se delimitar questões cruciais anteriormente para a rede de Caps III de uma
aos serviços a serem avaliados e superar li- cidade paulista (FURTADO; ONOCKO- CAMPOS, 2008).
mitações, tais como o distanciamento entre A opção por definir indicadores a partir
formuladores e utilizadores, e os riscos da de questões oriundas de Caps do tipo III de-
tecnificação dos instrumentos avaliativos. veu-se ao posicionamento estratégico desses
serviços para a consolidação da reforma
psiquiátrica e a implementação de uma rede
Metodologia de cuidados, de fato, substitutiva ao modelo
asilar. Funcionando 24 horas por dia, 7 dias
A importância da inclusão de não especialis- por semana, constituindo-se em referência
tas em processos avaliativos (BARON; MONNIER, para uma área igual ou superior a 150 mil ha-
2003), por meio da inserção dos agentes envol- bitantes, respondendo ao cuidado contínuo
vidos com a intervenção avaliada, em parte de adultos com transtornos mentais graves,
ou em todos os momentos da avaliação, vem inclusive, nas situações de crise, este tipo de
sendo ressaltada e implementada, seja por serviço lida com as questões inerentes aos
razões pragmáticas, ideológicas, com vistas a demais tipos de Caps (I e II).
aumentar as chances de uso dos resultados Foram disponibilizadas duas vagas por
da avaliação, ou para potencializar os efeitos serviço, sendo uma para gestão e uma para
grupais; Trabalho em rede; Gestão dos Caps; um número, que variou entre um e três indi-
Educação permanente; Singularização da cadores. Cada um dos indicadores teve seus
atenção; Atenção às pessoas com deficiência componentes centrais desdobrados e detalha-
intelectual; e Uso de medicação. Tanto as dos, a saber: o nome do indicador; sua defini-
aulas teóricas, como os GAP e a proposição ção (que problemática aborda); interpretação
de indicadores ao longo do curso, foram or- (que aspecto permite avaliar); fonte de dados
ganizados em função desses eixos temáticos, (onde obter as informações necessárias);
identificados como centrais em pesquisa an- período de aferição (intervalo de tempo entre
terior (ONOCKO-CAMPOS ET AL., 2009). Durante os uma aferição e a próxima); método de cálculo
GAP, dezenas de indicadores foram sugeridas, (o que deve compor numerador e denomina-
debatidos e analisados. No final do processo, dor do indicador); e observações complemen-
cada um desses temas foi contemplado com tares para indicadores específicos.
Nome do Método de
Temas Definição Interpretação Fonte de dados Período Observações
Indicador Cálculo
Quadro 1. (cont.)
QUALIFICA- Projeto Tera- N° de PTS Capacidade do Técnicos de Semestral N° de PTS com- Considerar PTS
ÇÃO DOS pêutico Singular elaborados em Caps de efetivar referência do partilhados / N° um projeto discu-
ATENDIMEN- (PTS) comparti- conjunto com trabalho cola- Caps; anota- total de PTS tido pela equipe
TOS GRUPAIS lhados outros serviços borativo com ções de prontu- de referência, com
e setores outros serviços ários; PTS ofertas terapêuti-
e setores cas orientadas a
partir da necessi-
dade do usuário
e sua particu-
laridade com a
participação de
outras instituições
do território.
GESTÃO DE Participação do Participação Capacidade Livro de ata, Mensal N° de espaços
CAPS gerente efetiva do ges- do gerente do Agenda do em que gestor do
tor nos espaços serviço em gerente serviço participa /
formais de participar dos Total de espaços
gestão (conse- espaços formais definidos
lhos, reuniões de discussão e
de equipe, deliberação
assembleias,
colegiados,
supervisões)
Recursos hu- Proporção de Investimento na Planilha de Semestral N° de horas de
manos de nível número de estrutura dos Recursos Hu- profissionais
superior horas de profis- Caps manos universitários /
sionais de nível 100.000 habi-
universitário tantes
em relação a
100.000 hab.
EDUCAÇÃO Investimento Horas formais/ Investimento Lista de presen- Anual N° de horas de Considerar EP, um
PERMANENTE em ações de mês para edu- da unidade ça e certificado trabalho utilizadas conjunto de ações
EM SAÚDE Educação Per- cação perma- na realização para EP / Carga de educação for-
manente (EP) nente em ativi- da educação horária total de mal e não formal
dades externas permanente de trabalho relacionado ao
de interesse seus profissio- objeto de trabalho
nais dos Caps.
Oferta de su- Média mensal Provimento Folha de fre- Trimestral Nº total de horas
pervisão clínico- de horas de su- de espaço quência do de supervisão no
-institucional pervisão clínico- para análise e supervisor, trimestre / 3
-institucional reflexão das cronograma do
para a equipe práticas clínico- serviço
-institucionais
pela equipe
SINGULARI- Formulação Proporção de Evidencia a Prontuário e Trimestral N° de PTS / N° de Considerar como
ZAÇÃO DA de Projetos usuários que capacidade do formulário de usuários ativos PTS, um projeto
ATENÇÃO Terapêuticos tem PTS em Caps em for- PTS discutido pela
Singulares relação aos usu- mular percurso equipe de referên-
ários inseridos específico e cia, com ofertas
adaptado a seus terapêuticas
usuários orientadas a partir
da necessidade
do usuário e sua
particularidade.
Quadro 1. (cont.)
SINGULARI- Revisão siste- PTS discutido Aponta o en- Livros de regis- Trimestral Nº de PTS discuti-
ZAÇÃO DA mática de PTS em equipe, em volvimento da tro de reuniões, do em equipe / Nº
ATENÇÃO na equipe um determi- equipe no pro- Livro Ata e total de usuários
nado período, cesso de contí- Prontuário com PTS
em relação ao nua adaptação
número total de do serviço à
PTS desse mes- evolução apre-
mo período sentada pelos
usuários
Quantidade de Identifica o nú- Possibilita verifi- Prontuários e Trimestral Nº de usuários
casos por refe- mero de pacien- car a adequação RAAS (Regis- do Caps / Quant.
rência profissio- tes dos quais entre número tro das Ações Prof. de referência
nal universitário se ocupa espe- de pacientes Ambulatoriais
cialmente cada acompanhados de Saúde)
profissional ou e profissionais
mini-equipe de de referência
referência
modo como é pensado e conduzido o modelo contempladas pelos Caps constituem o foco
de atenção, a fim de agir sobre o processo dos dois primeiros indicadores desta temáti-
saúde-doença. Isso equivale a dizer que a ca, indagando sobre a inserção dessa clien-
supervisão apresenta uma dimensão clínica tela no serviço e sobre a elaboração de plano
e também política, na medida em que coloca terapêutico específico para os usuários.
em questão aspectos do processo de traba- Um terceiro indicador é relativo à inserção
lho e das relações institucionais. A conver- de pessoas com deficiência intelectual nos
gência de análises sobre aspectos clínicos Serviços Residenciais Terapêuticos.
e institucionais oriundos das práticas dos
trabalhadores constitui base para considerar Uso de medicação
a supervisão clínico-institucional como ele-
mento integrante da educação permanente, O debate sobre potencialidades e limitações
juntamente com as horas dedicadas à forma- do uso de medicação psiquiátrica na saúde
ção em espaços institucionais externos aos mental é controverso (ONOCKO-CAMPOS ET AL.,
Caps. Os dois elementos – supervisão clíni- 2013). Somente um indicador foi definido
co-institucional e formação externa – foram para o tema, abordando a retirada ou não da
definidos como indicadores para a formação medicação prescrita pelo usuário, nos servi-
contínua dos trabalhadores. ços. Dimensões como o consentimento, por
parte do usuário, a qualidade das prescrições
Singularização da atenção e a utilização mais ou menos autônoma da
medicação, apesar de terem permeado enfa-
O Projeto Terapêutico Singular foi consi- ticamente o debate em muitos GAP e nas ple-
derado estratégia decisiva para a condução nárias, não atingiram o consenso necessário
dos trabalhos, segundo o percurso de cada para a elaboração de respectivos indicadores.
usuário. Para isso, foram elaborados três
indicadores complementares, na medida
em que, primeiramente, buscam apontar Discussão
a quantidade de pacientes que possuem
plano terapêutico formulado; em seguida, a A operacionalização de indicadores em
periodicidade com que este mesmo plano é saúde mental é tarefa que impõe desafios.
revisto e adaptado, considerando eventuais Primeiramente, porque a tradição de indica-
mudanças do usuário e de seu contexto; e, fi- dores nesta área é mais restrita quando com-
nalmente, o terceiro indicador inquire sobre parada a outras áreas do campo da saúde,
a quantidade de pessoas a cargo de cada como a atenção básica e a atenção hospita-
técnico ou equipe de referência, proporção lar, cujo tempo de existência no País e estí-
que influencia fortemente a efetiva singula- mulo, por parte dos organismos nacionais
rização da atenção. e internacionais de saúde, estabeleceram
bases para o desenvolvimento de critérios
Atenção às pessoas com deficiência de acompanhamento das mesmas. Some-se
intelectual a isso, o caráter fortemente ético e político
da reforma psiquiátrica e a consequente
A fronteira entre deficiência intelectual e dificuldade em estabelecer consensos em
saúde mental é tênue (SURJUS; ONOCKO-CAMPOS, torno de alguns parâmetros e indicadores
2014), sobretudo, em pacientes egressos de entre agentes com posicionamentos políti-
longas internações psiquiátricas. O modo cos distintos. Além disso, o objeto de que se
como as demandas e necessidades atinen- ocupam os trabalhadores da saúde mental,
tes à deficiência intelectual são ou não caracterizado por questões subjetivas – que
Referências
BARON, G.; MONNIER, E. Une approche pluraliste JALBERT, Y. et al. Epsilon: guide d’auto-évaluation des
et participative. Informations sociales, Paris, n. 110, p. organismes communautaires. Montréal: COCQ-Sida,
120-129, 2003. 1997.
BANDEIRA, M.; PITTA, A. M. F.; MERCIER, C. LIBÉRIO, M. M. Estudo da satisfação com o CAPS da
Escalas brasileiras de avaliação de satisfação (SATIS- cidade do Rio de Janeiro: ouvindo seus atores principais.
BR) e da sobrecarga (IMPACTO-BR) da equipe técnica 1999. Dissertação (Mestrado em Psiquiatria) – Instituto
em serviços de saúde mental. J. Bras. Psiquiatri., Rio de de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Janeiro, v. 49, n. 4, p. 105-115, abr. 2000. Rio de Janeiro, 1999.