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ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE 71

Indicadores para avaliação dos Centros de


Atenção Psicossocial tipo III: resultados de
um desenho participativo
Evaluation Indicators for the Psychosocial Care Centers Type III:
results of a participatory design

Rosana Onocko-Campos1, Juarez Pereira Furtado2, Thiago Lavras Trapé3, Bruno Ferrari Emerich4,
Luciana Togni de Lima e Silva Surjus5

RESUMO Os Centros de Atenção Psicossocial III são considerados estratégicos na reorien-


tação do modelo assistencial em saúde mental, contudo, ainda carecem de mecanismos de
avaliação sistemáticos. O presente estudo apresenta um conjunto de indicadores desenvolvi-
dos em processo participativo para os Centros de Atenção Psicossocial III do estado de São
Paulo. Foram elaborados 16 indicadores, agrupados em 8 temas: Atenção à situação de crise;
Qualificação dos atendimentos grupais; Trabalho em rede; Gestão dos Centros de Atenção
Psicossocial; Educação permanente; Singularização da atenção; Atenção às pessoas com de-
ficiência intelectual; e Uso de medicação. Os indicadores foram testados nos serviços e cons-
tituíram um conjunto potencialmente útil para subsidiar a avaliação, o monitoramento e a
1 UniversidadeEstadual gestão dos Centros de Atenção Psicossocial III.
de Campinas (Unicamp),
Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) – PALAVRAS-CHAVE Avaliação em saúde. Saúde mental. Serviços de saúde mental.
Campinas (SP), Brasil.
rosanaoc@mpc.com.br

2 Universidade
ABSTRACT Psychosocial Care Centers III (CAPs) are considered strategic in the reorientation
Federal
de São Paulo (Unifesp), of the care model in mental health. However, they still lack systematic evaluation mechanisms.
Instituto de Saúde e This study presents a set of indicators developed in a participatory process for the Psychosocial
Sociedade – Santos (SP),
Brasil. Care Centers III of the state of São Paulo. Sixteen indicators, grouped into 8 themes were deve-
juarezpfurtado@hotmail.com loped: Attention to crisis situations; Qualification of group meetings; Networking; Management
3 FaculdadeSão Leopoldo of Psychosocial Care Centers; Continuing education; Individualization of care; Care for people
Mandic – Campinas (SP), with intellectual disabilities; and Use of medication. The indicators were tested in services and
Brasil.
thitrape@gmail.com are presented as a potentially useful tool to support the assessment, monitoring and management
4 Universidade
of Psychosocial Care Centers III.
Estadual
de Campinas (Unicamp),
Faculdade de Ciências KEYWORDS Health evaluation. Mental health. Mental health services.
Médicas (FCM) –
Campinas (SP), Brasil.
brunoemerich@yahoo.
com.br

5 Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp),
Instituto de Saúde e
Sociedade – Santos (SP),
Brasil.
lucianatogni@hotmail.com

DOI: 10.1590/0103-11042017S07 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. ESPECIAL, P. 71-83, MAR 2017
72 ONOCKO-CAMPOS, R.; FURTADO, J. P.; TRAPÉ, T. L.; EMERICH, B. F.; SURJUS, L. T. L. S.

Introdução saúde mental em curso no Brasil, a partir da


década de 1990.
A despeito de sua responsabilidade na quase Estudo de revisão (DANTAS; ODA, 2014) aponta, a
totalidade dos procedimentos diagnósticos e partir dos anos 2000, significativo aumento da
terapêuticos, e na atenção individual, os ser- produção em torno dos Caps. Para as autoras
viços são insuficientemente considerados nos do estudo, a preponderância do que elas con-
estudos em saúde. Pesquisas desenvolvidas sideram pesquisas qualitativas e metodologias
pela clínica e pela epidemiologia raramente participativas vem dificultando o estabeleci-
levam em conta a importância dos serviços mento de indicadores de avaliação em saúde
sobre os fatores de risco na morbimortalida- mental. No entanto, nas últimas décadas,
de populacional ou sobre sua efetividade na instrumentos de natureza distinta daqueles
assistência aos pacientes. A pesquisa sobre enfocados pelas autoras vêm sendo ofertados
serviços de saúde considera o desafio de con- pela Organização Pan-Americana da Saúde/
tribuir para a superação dessa insuficiente Organização Mundial de Saúde (Opas/OMS)
abordagem sistemática dos serviços, visando para tipos específicos de Caps e para políticas
à contínua qualificação da assistência em e sistemas de saúde mental no País, dirigidos
saúde, sendo os processos avaliativos com- a fomentar o uso de indicadores em saúde
preendidos como uma das modalidades desse mental, porém, sem sucesso em promover
tipo de investigação (WALKER, 2014) efetiva apropriação e utilização dos mesmos.
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) No que concerne à gestão do SUS, o Índice
se destacam entre os serviços oriundos da de Desempenho do SUS (IDSUS) e o Programa
reforma psiquiátrica no Brasil, sendo consi- Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
derados ordenadores da rede de atenção em da Atenção Básica (PMAQ-AB) se destacam
saúde mental e, mais recentemente, compo- como iniciativas avaliativas de âmbito nacional
nentes importantes da rede de atenção psi- para a saúde. Nos dois casos, observamos uma
cossocial, com efetividade reconhecida na série de indicadores aplicados a um serviço ou
assistência de pessoas com sofrimento psíqui- rede de serviços, de modo a avaliar e induzir
co grave (SALLES; BARROS, 2013). Estudo que aborda práticas. Na composição do IDSUS, não existe
o modelo normativo atual de saúde mental indicador relacionado à saúde mental. E no
no Brasil evidencia que a política orientada PMAQ-AB, encontramos quatro indicadores
pelas Redes de Atenção Psicossocial (Raps), de práticas em saúde mental, com foco exclu-
do Ministério da Saúde, mantém o Caps como sivo no uso abusivo de substâncias psicoativas.
recurso central (TRAPÉ, 2015). Trata-se de um escopo tímido, diante da com-
Na segunda metade da década de 1980, as plexidade das práticas em saúde mental e da
origens dos Caps como serviços pioneiros organização dos serviços.
na cidade de São Paulo (SP) e, logo depois, A OMS e seus escritórios regionais pro-
como rede substitutiva ao hospital psiquiá- duzem sistematicamente informes técnicos,
trico na cidade de Santos (SP), constituíram relatórios e análises para subsidiarem a im-
ponto de inflexão nas práticas de assistência plementação de objetivos comuns e padrões
a pessoas com transtorno mental grave no in- para as políticas setoriais (OMS, 2013), buscando
terior do Sistema Único de Saúde (SUS). Os estabelecer consensos e estimular a criação
trabalhos de Pitta et al. (1995) e Libério (1999) de indicadores de saúde mental. Os roteiros
sobre a qualidade da atenção nos Caps, e de ligados à avaliação da qualidade da atenção
Bandeira et al. (2000), relativos à sobrecarga em saúde mental e ao instrumento de ava-
dos trabalhadores desses serviços, configu- liação para sistemas de saúde propõem um
ram as primeiras iniciativas de avaliação sis- conjunto de indicadores organizados em
temática do novo modelo de assistência em tornos de eixos distintos, como políticas e

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programas de saúde mental, atenção primá- do próprio processo avaliativo, referido na li-
ria em saúde, recursos humanos, direitos dos teratura como process use (PRESKILL; ZUCKERMAN;
usuários, reabilitação psicossocial e ações MATTHEWS, 2013). Neste estudo, foram incluídos
intersetoriais, entre vários outros. Em que trabalhadores e gestores de Caps III no pro-
pese a explícita intenção, nos instrumen- cesso de elaboração e definição de indicado-
tos citados, de induzir boas práticas e, ao res para esses serviços, visando contemplar
mesmo tempo, fomentar a transparência e a efetivamente as questões que perpassam
prestação de contas das iniciativas em saúde o cotidiano dos trabalhadores e subsidiar a
mental, o distanciamento entre formulado- incorporação e posterior utilização dos indi-
res e eventuais usuários das propostas pode cadores pelas equipes envolvidas.
levar à não utilização das propostas ou ao uso Como dispositivo para mediar a participa-
descontextualizado das mesmas e à sua ‘tec- ção e possibilitar a elaboração dos indicado-
nificação’, conforme afirmado por Ardila e res, foi proposto um curso sobre avaliação em
Stolkiner (2009), o que implica ignorar a partir saúde mental, com 120 horas de carga horária,
de onde e como se construíram certas ferra- ministrado regularmente ao longo de 11 meses.
mentas e suas respectivas intencionalidades. Os temas foram elencados a partir dos resulta-
O propósito deste artigo é apresentar e dis- dos de uma pesquisa conduzida pelos mesmos
cutir um conjunto de 16 indicadores dirigidos pesquisadores, em momento anterior, que
ao monitoramento, à avaliação e à potencial formulou e definiu um guia de boas práticas
qualificação dos Caps III, desenvolvidos para organização da atenção dos Caps III:
a partir da colaboração entre avaliadores 1) Avaliação em saúde; 2) Atenção à crise; 3)
ligados a 2 universidades e 58 trabalhado- Trabalho com grupos; 4) Território e saúde
res e gestores de Caps do tipo III, no estado mental; 5) Gestão em saúde mental; 6) Projeto
de São Paulo. Estabeleceram-se os serviços terapêutico individual; 7) Deficiência intelec-
como foco central da avaliação, privilegian- tual; 8) Medicação psiquiátrica; 9) Serviços
do efetiva troca de saberes entre agentes da residenciais terapêuticos; 10) Reabilitação
academia e trabalhadores, levando-se em psicossocial; e 11) Educação permanente. Foi
conta os diferentes contextos políticos e ins- ofertado aos grupos, como ponto de partida,
titucionais nos quais os Caps estavam inseri- um conjunto de indicadores desenvolvidos
dos. Procurou-se delimitar questões cruciais anteriormente para a rede de Caps III de uma
aos serviços a serem avaliados e superar li- cidade paulista (FURTADO; ONOCKO- CAMPOS, 2008).
mitações, tais como o distanciamento entre A opção por definir indicadores a partir
formuladores e utilizadores, e os riscos da de questões oriundas de Caps do tipo III de-
tecnificação dos instrumentos avaliativos. veu-se ao posicionamento estratégico desses
serviços para a consolidação da reforma
psiquiátrica e a implementação de uma rede
Metodologia de cuidados, de fato, substitutiva ao modelo
asilar. Funcionando 24 horas por dia, 7 dias
A importância da inclusão de não especialis- por semana, constituindo-se em referência
tas em processos avaliativos (BARON; MONNIER, para uma área igual ou superior a 150 mil ha-
2003), por meio da inserção dos agentes envol- bitantes, respondendo ao cuidado contínuo
vidos com a intervenção avaliada, em parte de adultos com transtornos mentais graves,
ou em todos os momentos da avaliação, vem inclusive, nas situações de crise, este tipo de
sendo ressaltada e implementada, seja por serviço lida com as questões inerentes aos
razões pragmáticas, ideológicas, com vistas a demais tipos de Caps (I e II).
aumentar as chances de uso dos resultados Foram disponibilizadas duas vagas por
da avaliação, ou para potencializar os efeitos serviço, sendo uma para gestão e uma para

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trabalhador. Estes foram selecionados in- torno da reflexão e da avaliação da ação


ternamente pelas unidades, a partir de cri- empreendida.
térios pré-definidos: formação universitária
(nível superior); desejo e disponibilidade Trata-se de, por meio dos GAP, levar dife-
para participar integralmente do projeto; e rentes atores envolvidos com o programa ou
mais de seis meses de inserção nos serviços. serviço (trabalhadores, voluntários, usuários
Os 58 gestores e trabalhadores (5 unidades etc.) a partilharem sua análise da ação que
solicitaram mais de 2 vagas, pelo interesse realizam no serviço, contribuindo, assim, com
das equipes em participar, o que foi liberado a construção e o aprimoramento dessa ação
pela coordenação do curso, além de 3 vagas coletiva. Parece-nos uma forma original para
terem sido disponibilizadas a gestores da fomentar a reflexão dos serviços e sua au-
Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo), toavaliação. (ZÚÑIGA; LULY, 2005, P. 11, TRADUÇÃO
de 25 (dos 26) Caps III paulistas existentes NOSSA).
à época (1 dos Caps iniciou o processo e de-
sistiu após o primeiro encontro, alegando A definição preliminar de possíveis indi-
dificuldades de agenda), foram divididos em cadores deu-se a partir da convergência entre
2 turmas, de acordo com a proximidade de problemáticas percebidas pelos agentes em seu
suas cidades de origem em relação às 2 uni- cotidiano, a reflexão induzida pelas exposições
versidades envolvidas. temáticas no interior dos GAP e o posterior
Nos encontros presenciais, após expo- confronto entre os indicadores propostos e as
sições dialogadas pela manhã, conduzidas considerações das equipes de origem desses
por convidados de reconhecido domínio mesmos agentes, em seus respectivos muni-
sobre algum dos temas listados acima, cípios, de modo a retroalimentar o processo.
realizavam-se os Grupos de Apreciação Além disso, realizaram-se 2 grandes encontros
Partilhada (GAP), que eram apoiados por presenciais, envolvendo os 58 participantes, nas
mestrandos e doutorandos de programas 2 universidades, no primeiro e no último mês
de pós-graduação das universidades-sedes. do curso, para o estabelecimento de diretrizes
Cada GAP foi constituído por, aproximada- e, no final, para alinhamento de propostas de
mente, dez alunos do curso, e acompanha- indicadores até então concebidos e testados no
do, ao longo de todo o ano, por um mesmo interior de subgrupos.
apoiador. Tais grupos eram destinados a Esta pesquisa foi submetida e apro-
aprofundar as temáticas abordadas, na parte vada pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da manhã, e a esboçar indicadores ligados a da Faculdade de Ciências Médicas da
esses mesmos temas, à tarde. Universidade Estadual de Campinas
Os chamados GAP surgem da constatação (Unicamp), sob o parecer 410/2011. Contou
de que um programa ou serviço não pode ser com financiamentos da Fundação de Amparo
reduzido aos documentos escritos ou ao que à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
foi preconizado por aqueles que os conce- processo 2009/53130-3, e do International
bem ou os gerenciam, mas que outras fontes Development Research Centre (IDRC), do
devem ser consideradas, incluindo a palavra Canadá, processo 02 P-18737-2009.
que circula de maneira informal (ZÚÑIGA; LULY,
2005). Jalbert et al. (1997) propuseram e experi-
mentaram os GAP (Groupes d’Appréciation Resultados
Partagée, no original, em francês), de modo
a permitir a consolidação do sentimento Os indicadores definidos foram agrupa-
de participação, assegurando a expressão dos em oito temas: Atenção à situação
do maior número possível de membros em de crise; Qualificação dos atendimentos

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grupais; Trabalho em rede; Gestão dos Caps; um número, que variou entre um e três indi-
Educação permanente; Singularização da cadores. Cada um dos indicadores teve seus
atenção; Atenção às pessoas com deficiência componentes centrais desdobrados e detalha-
intelectual; e Uso de medicação. Tanto as dos, a saber: o nome do indicador; sua defini-
aulas teóricas, como os GAP e a proposição ção (que problemática aborda); interpretação
de indicadores ao longo do curso, foram or- (que aspecto permite avaliar); fonte de dados
ganizados em função desses eixos temáticos, (onde obter as informações necessárias);
identificados como centrais em pesquisa an- período de aferição (intervalo de tempo entre
terior (ONOCKO-CAMPOS ET AL., 2009). Durante os uma aferição e a próxima); método de cálculo
GAP, dezenas de indicadores foram sugeridas, (o que deve compor numerador e denomina-
debatidos e analisados. No final do processo, dor do indicador); e observações complemen-
cada um desses temas foi contemplado com tares para indicadores específicos.

Quadro 1. Indicadores de Centros de Atenção Psicossociais tipo III

Nome do Método de
Temas Definição Interpretação Fonte de dados Período Observações
Indicador Cálculo

ATENÇÃO ÀS Atendimento N° de casos de Capacidade Livro de plan- Mensal N° de pacientes Considerar


SITUAÇÕES DE às situações de pacientes em do Caps de ser tão, prontuário. em situação de pacientes enca-
CRISES crise crise encami- resolutivo nas crise encaminha- minhados a ser-
nhados para situações de dos / N° total viços de urgência,
outros serviços crise de pacientes em hospitais gerais e
situação de crise hospitais universi-
tários consequen-
te de episódios de
crise.
Atenção à famí- Ofertas tera- Capacidade Livro de plantão Mensal N° de núcleos fa- Considerar aten-
lia de paciente pêuticas à famí- do Caps em e prontuário miliares de pacien- dimentos indivi-
em crise lia do paciente ampliar a clínica te em situação de duais, grupais e
em situação de e cuidar do crise atendidas / compartilhados
crise contexto afetivo Total pacientes em a algum membro
e familiar dos situação de crise responsável do
usuários núcleo familiar
ampliado do usu-
ário em crise.
QUALIFICA- Participação Razão entre fa- Extensão do Folhas de Trimestral N° de núcleos Considerar aten-
ÇÃO DOS nos grupos de mílias de usuá- cuidado para presença dos familiares partici- dimentos grupais
ATENDIMEN- família rios que partici- além do caso grupos pantes dos grupos com a presença
TOS GRUPAIS pam de grupos / N° de pacientes de algum membro
a elas dirigidos ativos do núcleo fami-
e número total liar ampliado do
de pacientes do usuário vinculado
serviço ao serviço.
Qualificação Análise e dis- Compromisso Livros Atas de Trimestral N° de reuniões
dos atendimen- cussão dos da equipe em reuniões, técni- gerais nas quais
tos grupais grupos pela monitorar e cos responsá- pautou-se dis-
equipe qualificar conti- veis pelo grupo cussões sobre os
nuamente suas grupos / N° de
práticas grupais reuniões gerais da
unidade

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Quadro 1. (cont.)

QUALIFICA- Projeto Tera- N° de PTS Capacidade do Técnicos de Semestral N° de PTS com- Considerar PTS
ÇÃO DOS pêutico Singular elaborados em Caps de efetivar referência do partilhados / N° um projeto discu-
ATENDIMEN- (PTS) comparti- conjunto com trabalho cola- Caps; anota- total de PTS tido pela equipe
TOS GRUPAIS lhados outros serviços borativo com ções de prontu- de referência, com
e setores outros serviços ários; PTS ofertas terapêuti-
e setores cas orientadas a
partir da necessi-
dade do usuário
e sua particu-
laridade com a
participação de
outras instituições
do território.
GESTÃO DE Participação do Participação Capacidade Livro de ata, Mensal N° de espaços
CAPS gerente efetiva do ges- do gerente do Agenda do em que gestor do
tor nos espaços serviço em gerente serviço participa /
formais de participar dos Total de espaços
gestão (conse- espaços formais definidos
lhos, reuniões de discussão e
de equipe, deliberação
assembleias,
colegiados,
supervisões)
Recursos hu- Proporção de Investimento na Planilha de Semestral N° de horas de
manos de nível número de estrutura dos Recursos Hu- profissionais
superior horas de profis- Caps manos universitários /
sionais de nível 100.000 habi-
universitário tantes
em relação a
100.000 hab.
EDUCAÇÃO Investimento Horas formais/ Investimento Lista de presen- Anual N° de horas de Considerar EP, um
PERMANENTE em ações de mês para edu- da unidade ça e certificado trabalho utilizadas conjunto de ações
EM SAÚDE Educação Per- cação perma- na realização para EP / Carga de educação for-
manente (EP) nente em ativi- da educação horária total de mal e não formal
dades externas permanente de trabalho relacionado ao
de interesse seus profissio- objeto de trabalho
nais dos Caps.
Oferta de su- Média mensal Provimento Folha de fre- Trimestral Nº total de horas
pervisão clínico- de horas de su- de espaço quência do de supervisão no
-institucional pervisão clínico- para análise e supervisor, trimestre / 3
-institucional reflexão das cronograma do
para a equipe práticas clínico- serviço
-institucionais
pela equipe
SINGULARI- Formulação Proporção de Evidencia a Prontuário e Trimestral N° de PTS / N° de Considerar como
ZAÇÃO DA de Projetos usuários que capacidade do formulário de usuários ativos PTS, um projeto
ATENÇÃO Terapêuticos tem PTS em Caps em for- PTS discutido pela
Singulares relação aos usu- mular percurso equipe de referên-
ários inseridos específico e cia, com ofertas
adaptado a seus terapêuticas
usuários orientadas a partir
da necessidade
do usuário e sua
particularidade.

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Quadro 1. (cont.)

SINGULARI- Revisão siste- PTS discutido Aponta o en- Livros de regis- Trimestral Nº de PTS discuti-
ZAÇÃO DA mática de PTS em equipe, em volvimento da tro de reuniões, do em equipe / Nº
ATENÇÃO na equipe um determi- equipe no pro- Livro Ata e total de usuários
nado período, cesso de contí- Prontuário com PTS
em relação ao nua adaptação
número total de do serviço à
PTS desse mes- evolução apre-
mo período sentada pelos
usuários
Quantidade de Identifica o nú- Possibilita verifi- Prontuários e Trimestral Nº de usuários
casos por refe- mero de pacien- car a adequação RAAS (Regis- do Caps / Quant.
rência profissio- tes dos quais entre número tro das Ações Prof. de referência
nal universitário se ocupa espe- de pacientes Ambulatoriais
cialmente cada acompanhados de Saúde)
profissional ou e profissionais
mini-equipe de de referência
referência

INDICADOR Adesão do Medicação não Adesão do Controle de Mensal Quantidade de


DE USO DE usuário à medi- retirada e devol- usuário à medi- dispensação medicação não
MEDICAÇÃO cação vida à farmácia cação prescrita da Farmácia e retirada no mês
EM CAPS ou ao posto de posto de enfer- / Quantidade de
enfermagem magem medicação pres-
crita no mês

ATENÇÃO ÀS Inserção do Inserção do Acessibilidade Triagem, censo, Semestral Número de Considerar a DI


PESSOAS COM usuário com usuário com do usuário com RAAS, pron- usuários com como diagnóstico
DEFICIÊNCIA Deficiência Deficiência DI ao Caps tuário diagnóstico de DI primário ou co-
Intelectual (DI) Intelectual no encaminhados ao morbidade.
no Caps Caps Caps / Número
total de usuários
com DI inseridos
no Caps

PTS de usuários Co-responsa- Construção Prontuário, Semestral Quantidade de


com Deficiên- bilização pelo coletiva de PTS registros de usuários com DI
cia Intelectual atendimento ao dos usuários reunião de equi- que tem PTS com-
compartilhados usuário com DI com DI inseri- pe e/ou mini- partilhado com
dos no Caps -equipe (equipe instituições que
de referência) atendem pessoas
com DI / Quanti-
dade de usuários
com DI inseridos
no Caps

Inserção de Proporção de Especificidade Censo das Anual Número de Nem todas as


Pessoas com Moradores de trabalho em moradias, censo usuários com DI unidades têm
DI em Serviços de Serviços SRT a partir dos Caps, Áreas residentes em SRT Serviços Residen-
Residenciais Residenciais da presença de Proteção do anual / Número de ciais Terapêuticos
Terapêuticos Terapêuticos de moradores Ambiente Cul- usuários residen- vinculados.
com DI com DI tural (Apac) tes em SRT anual

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Atenção à situação de crise a necessidade de trabalho em rede um hori-


zonte compartilhado pela quase totalidade
A situação de crise foi um dos assuntos mais dos integrantes do processo de elaboração
debatidos pelos participantes nos GAP e evi- desses indicadores. O modo encontrado
denciou diferentes concepções sobre o tema. pelo coletivo responsável pela produção de
O papel substitutivo dos Caps, em geral, e tais indicadores, para evidenciar o efetivo
dos Caps III, em particular, passa invaria- trabalho compartilhado, deu-se por meio da
velmente pela capacidade de lidar com os relação entre projetos terapêuticos condu-
momentos de crise de seus usuários. Por esta zidos simultaneamente pelos Caps e demais
razão, o indicador de número 1 (Atendimento serviços da saúde, ou de outros setores, com
às situações de crise) valoriza a capacidade o número total de pessoas atendidas. Este
do serviço de responder localmente às con- indicador procura captar as capacidades de
dições agudas e suas eventuais situações trabalho interprofissional e intersetorial,
extremas, evitando encaminhamentos para que traduzem para o plano operacional a
enfermarias ou prontos-socorros psiquiá- noção de trabalho em rede.
tricos. O indicador de número 2 (Atenção à
família de pacientes em crise) valoriza a ca- Gestão dos Caps
pacidade do Caps de operar sobre aspectos
que extrapolam o caso em si, considerando Na elaboração dos indicadores, a indissocia-
demandas e necessidades oriundas dos fa- bilidade entre clínica e gestão foi reafirmada
miliares e o virtual compartilhamento, com pela maioria dos participantes. A organiza-
estes, da atenção. ção da gestão tem impacto direto no modo
como as equipes se orientam, corroborando
Qualificação dos atendimentos a necessidade de estratégias que integrem
grupais modos de gerenciamento e a clínica prati-
cada nos serviços (ONOCKO CAMPOS ET AL., 2009).
A necessidade de incorporação de práticas Neste sentido, um dos indicadores dirigidos
que extrapolem a consulta individual é um à gestão do Caps busca captar a participação
paradigma que sustenta o modelo psicosso- do gerente nos diversos espaços de gestão e
cial e a reorientação da clínica para os ser- discussão coletiva, nos quais trabalhadores
viços substitutivos. No entanto, justamente e usuários possam participar diretamente
por serem consenso, os trabalhos grupais são das decisões sobre os rumos da unidade. O
implementados sem um acompanhamento segundo indicador, relativo à gestão, busca
sistemático, capaz de prover reformulações evidenciar a efetividade do gerente em
e sua contínua qualificação. Os indicado- prover a estrutura necessária ao funcio-
res aqui definidos evidenciam a preocupa- namento do serviço, tendo sido definido o
ção dos trabalhadores em tornar as ofertas número de horas de trabalho de profissio-
grupais objetos de discussão e eventual nais universitários por 100 mil habitantes
revisão pelas equipes, e, também, em extra- na área adscrita, o parâmetro que refletiria a
polar sua oferta para o entorno afetivo dos maior ou menor estruturação dos Caps.
usuários – no caso, para os familiares.
Educação permanente
Trabalho em rede
A supervisão clínico-institucional, ao mesmo
A articulação de instituições e profissionais tempo em que interroga as intervenções téc-
constitui pedra angular da reorientação do nicas de cada profissional e da equipe – ou
modelo de atenção em saúde mental, sendo seja, suas práticas clínicas – deve abordar o

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modo como é pensado e conduzido o modelo contempladas pelos Caps constituem o foco
de atenção, a fim de agir sobre o processo dos dois primeiros indicadores desta temáti-
saúde-doença. Isso equivale a dizer que a ca, indagando sobre a inserção dessa clien-
supervisão apresenta uma dimensão clínica tela no serviço e sobre a elaboração de plano
e também política, na medida em que coloca terapêutico específico para os usuários.
em questão aspectos do processo de traba- Um terceiro indicador é relativo à inserção
lho e das relações institucionais. A conver- de pessoas com deficiência intelectual nos
gência de análises sobre aspectos clínicos Serviços Residenciais Terapêuticos.
e institucionais oriundos das práticas dos
trabalhadores constitui base para considerar Uso de medicação
a supervisão clínico-institucional como ele-
mento integrante da educação permanente, O debate sobre potencialidades e limitações
juntamente com as horas dedicadas à forma- do uso de medicação psiquiátrica na saúde
ção em espaços institucionais externos aos mental é controverso (ONOCKO-CAMPOS ET AL.,
Caps. Os dois elementos – supervisão clíni- 2013). Somente um indicador foi definido
co-institucional e formação externa – foram para o tema, abordando a retirada ou não da
definidos como indicadores para a formação medicação prescrita pelo usuário, nos servi-
contínua dos trabalhadores. ços. Dimensões como o consentimento, por
parte do usuário, a qualidade das prescrições
Singularização da atenção e a utilização mais ou menos autônoma da
medicação, apesar de terem permeado enfa-
O Projeto Terapêutico Singular foi consi- ticamente o debate em muitos GAP e nas ple-
derado estratégia decisiva para a condução nárias, não atingiram o consenso necessário
dos trabalhos, segundo o percurso de cada para a elaboração de respectivos indicadores.
usuário. Para isso, foram elaborados três
indicadores complementares, na medida
em que, primeiramente, buscam apontar Discussão
a quantidade de pacientes que possuem
plano terapêutico formulado; em seguida, a A operacionalização de indicadores em
periodicidade com que este mesmo plano é saúde mental é tarefa que impõe desafios.
revisto e adaptado, considerando eventuais Primeiramente, porque a tradição de indica-
mudanças do usuário e de seu contexto; e, fi- dores nesta área é mais restrita quando com-
nalmente, o terceiro indicador inquire sobre parada a outras áreas do campo da saúde,
a quantidade de pessoas a cargo de cada como a atenção básica e a atenção hospita-
técnico ou equipe de referência, proporção lar, cujo tempo de existência no País e estí-
que influencia fortemente a efetiva singula- mulo, por parte dos organismos nacionais
rização da atenção. e internacionais de saúde, estabeleceram
bases para o desenvolvimento de critérios
Atenção às pessoas com deficiência de acompanhamento das mesmas. Some-se
intelectual a isso, o caráter fortemente ético e político
da reforma psiquiátrica e a consequente
A fronteira entre deficiência intelectual e dificuldade em estabelecer consensos em
saúde mental é tênue (SURJUS; ONOCKO-CAMPOS, torno de alguns parâmetros e indicadores
2014), sobretudo, em pacientes egressos de entre agentes com posicionamentos políti-
longas internações psiquiátricas. O modo cos distintos. Além disso, o objeto de que se
como as demandas e necessidades atinen- ocupam os trabalhadores da saúde mental,
tes à deficiência intelectual são ou não caracterizado por questões subjetivas – que

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80 ONOCKO-CAMPOS, R.; FURTADO, J. P.; TRAPÉ, T. L.; EMERICH, B. F.; SURJUS, L. T. L. S.

atravessam os sujeitos que acompanham –, avaliação, segundo a Associação Americana


requer esforços de relativização e de com- de Avaliação (FURTADO; LEPERRIERE, 2012).
preensão do singular, gerando menor per- A ênfase na articulação entre formulações
meabilidade às tentativas de objetivação e advindas dos pesquisadores das universida-
sistematização numérica de suas práticas em des e aquelas provenientes das práticas nos
torno de indicadores. serviços, por um lado, possibilitou que temas
No processo de construção desses ins- dificilmente percebidos apenas com a visão
trumentos, observou-se frequente dificul- do campo científico fossem contemplados,
dade em objetivar e sintetizar, em torno de permitindo especial alinhamento entre a
indicadores, ações de diversas naturezas realidade vivida na prática dos serviços e a
desenvolvidas no interior dos Caps III. Tais construção de instrumentos para observar
dificuldades evidenciavam-se, dentre outras e subsidiar eventuais mudanças. Por outro
características, na inexistência de parâme- lado, essa proximidade conjuntural, se bem
tros sobre aspectos conceituais fundamen- amplia a possibilidade de apropriação e uso
tais aos serviços. Um exemplo ilustrativo dos indicadores pelas equipes dos Caps, si-
disso foi a recorrente indagação sobre o que, multaneamente, lhes confere fragilidade
afinal, seria ‘crise’. Foram necessários exten- frente às mudanças substanciais do contexto
sos debates e discussões para se estabelecer dos serviços. Além disso, deve-se ressaltar
um consenso entre concepções que, inicial- que um instrumento dessa natureza deverá,
mente, eram tidas como bem estabelecidas, necessariamente, estar articulado com polí-
haja vista tratarem-se de questões enfrenta- ticas mais abrangentes, voltadas à contínua
das cotidianamente pelas equipes, em seus qualificação e ao acompanhamento dos ser-
serviços. Tais indagações eram formuladas viços, uma vez que a fragilidade dos proces-
pelas equipes dos serviços, no momento em sos de gestão em diversos níveis, a falta de
que lhes eram apresentadas as versões preli- estruturação e estabilidade das instâncias
minares dos indicadores. Tal situação parece avaliativas do SUS e a ineficácia dos sistemas
demonstrar a necessidade de que um glos- de informação criam cenário pouco favorá-
sário seja elaborado e passe a acompanhar o vel à consolidação e à expansão de iniciativas
conjunto de indicadores aqui discutido. como a que vimos apresentando (TRAPÉ, 2015).
O curso permitiu que os principais temas O conjunto de integrantes do processo,
que envolvem o cotidiano, a gestão e a clínica oriundos do Caps, era composto, essen-
dos Caps, segundo pesquisadores e trabalha- cialmente, por profissionais com formação
dores, fossem considerados. Como parte do universitária na área da saúde, o que pode
processo, os indicadores definidos foram explicar a preponderância de indicadores
submetidos a um crivo, que deveria assegu- de processo em relação àqueles de estrutura
rar características de ‘utilidade’ (suprindo e resultado, ou mesmo do que foi chamado
as necessidades de informação prática dos de indicadores soft por Saraceno, Frattura e
grupos de interesse), ‘viabilidade’ (reque- Betolote (1993). Agentes importantes do pro-
rendo informações disponíveis e de fácil cesso, como profissionais de nível médio,
acesso) e ‘precisão’ (revelando informações usuários, familiares e profissionais médicos,
tecnicamente adequadas). As análises dos colaboraram apenas parcial e indiretamente,
indicadores coletivamente realizadas e as nos períodos de desconcentração em campo,
aplicações preliminares nos serviços de localmente, em cada um dos serviços, quando
origem corroboraram desempenho satisfató- se tratava da validação ou da testagem de
rio em relação a esses critérios, que, por sua determinado indicador proposto, abrindo
vez, refletem, para esses instrumentos, parte demanda para futuras iniciativas que desen-
dos parâmetros de definição de uma boa volvessem instrumentos avaliativos, a partir

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Indicadores para avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial tipo III: resultados de um desenho participativo 81

da perspectiva desses agentes. Identificamos ou tecnificação desses instrumentos. As


isso como uma das fragilidades do processo discussões teóricas e os debates que prece-
aqui registrado. deram a formulação dos indicadores se mos-
Apesar disso, o percurso aqui abordado traram eficazes em tornar os participantes
qualificou a participação, na medida em que cientes das premissas que sustentam tais
permitiu a apropriação de parte do refe- indicadores.
rencial teórico da avaliação a um grupo não Participação e colaboração efetivas
familiarizado com discussões sistemáticas exigem tempo, espaços definidos e o esta-
sobre o tema. Deve-se considerar que os belecimento de vínculos entre os agentes
trabalhadores colaboraram na definição de de distintos campos. A complexa tarefa de
questões, na elaboração e na aplicação pre- desenvolver indicadores de avaliação em
liminar dos indicadores, conferindo maior subárea da saúde sem tradição nesse sentido
profundidade à participação, de acordo com tornou-se possível por meio da constituição
proposta de Cousins e Chouirnard (2012). de um espaço institucional, representado
Para estes autores, a extensão da partici- pelo curso, de extensão no tempo, represen-
pação seria caracterizada pela diversidade tado por diversos encontros ao longo de um
de grupos participantes, e a profundidade, ano, permitindo intervalos para a maturação
nessa mesma avaliação, pelo grau em que os do debate e o estabelecimento de vínculos de
agentes interferem no processo de formu- confiança, por meio de espaços singulariza-
lação, levantamento e análise dos procedi- dos de acompanhamento, nos GAP, apoiados
mentos envolvidos na avaliação. Ainda que por um mesmo profissional, em toda a sua
tenhamos dado alguns passos para a avalia- extensão.
ção – definição de questões e instrumentos A efetiva utilização dos indicadores
– e não realizado todo o percurso avaliativo, desenvolvidos poderá contribuir para o
garantimos efetiva colaboração em etapas desenvolvimento da cultura avaliativa – qua-
decisivas do processo. lificação dos Caps e dos próprios instrumen-
tos de avaliação – na medida em que podem
ser confrontados com realidades diversas,
Conclusão fora do estado de São Paulo, e com situações
imprevistas. Ofertamos esses indicadores à
O processo empreendido para a elaboração comunidade acadêmica, não com a preten-
dos indicadores conjugou esforços e, efetiva- são de que se tornem os únicos ou os me-
mente, articulou ensino, pesquisa e extensão, lhores, porém, na expectativa de estarmos
do ponto de vista do espaço acadêmico. Do contribuindo para a abertura de um diálogo
ponto de vista dos serviços, a opção por es- e de uma construção necessária, na atual
tratégia metodológica inclusiva e formativa conjuntura da reforma psiquiátrica brasi-
fomentou a capacidade crítica de trabalha- leira. Termos os desenvolvido e testado por
dores e gestores, e o aprofundamento em meio de um processo inclusivo de trabalha-
questões importantes e comuns, de onde dores e gestores constitui o ponto forte de
emergiram instrumentos para a objetivação nossa pesquisa.
e o acompanhamento dos problemas priori- A permeabilidade dos gestores munici-
zados. Tal objetivação se fez, contudo, pro- pais, dos colegiados regionais, dos estados e
curando manter a visão de contexto. Afinal, da federação é sempre decisiva para a contí-
indicadores são a expressão de um conceito, nua qualificação dos serviços aqui enfocados
e a indissociabilidade entre ambos deve, ne- e, como não poderia deixar de ser, para o
cessariamente, ser compreendida e conside- fomento e a ampliação do uso do instrumen-
rada pelos agentes, superando a fetichização tal aqui apresentado.

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82 ONOCKO-CAMPOS, R.; FURTADO, J. P.; TRAPÉ, T. L.; EMERICH, B. F.; SURJUS, L. T. L. S.

Colaboradores elaboração do rascunho e na revisão crítica


do conteúdo, e participaram da aprovação da
Todos os autores contribuíram substancial- versão final do manuscrito. s
mente para a concepção e o planejamento; na

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