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INFO-HABITAT

Instituto del Conurbano

SEMINARIO LATINOAMERICANO

Teoría y política sobre asentamientos populares

Buenos Aires, 19, 20 y 21 de abril de 2018

Conflictos ambientales y asentamientos populares


Carla Fainstein y Omar David Varela

Questão ambiental e assentamentos precários na


metrópole cearense
O caso da comunidade do Lagamar

Marcela Monteiro dos Santos


Thaís Oliveira Ponte
INFO-HABITAT
Instituto del Conurbano

QUESTÃO AMBIENTAL E ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NA METRÓPOLE CEARENSE


O caso da comunidade do Lagamar

Marcela Monteiro dos Santos


Universidade Federal do Ceará
marcelamonteirosantos@gmail.com

Thaís Oliveira Ponte


Faculdade Estácio
thaisoponte@gmail.com

Resumo
O trabalho apresenta um breve estudo sobre a produção do espaço nas metrópoles
brasileiras com um olhar mais apurado para a cidade de Fortaleza, no estado brasileiro do Ceará.
Esta análise pretende enfocar aspectos socioambientais, na medida em que apresenta a conexão
estrutural entre o processo de produção do espaço urbano e a formação dos assentamentos
populares em áreas ambientalmente frágeis. Tomamos como estudo de caso a comunidade do
Lagamar, que é um exemplo concreto de espaço socioambientalmente vulnerável. A
comunidade será apresentada como paradigma desse processo de crescimento urbano, no qual
a questão ambiental se vincula diretamente à situação de risco da população residente. Além do
diagnóstico e caracterização das problemáticas locais, as tentativas de compatibilizar essa
complexa relação socioambiental serão apresentadas a partir das ações e encaminhamentos
realizados pelos moradores e órgãos públicos. Finalizando essa análise global da relação entre
a interferência humana no espaço natural para a produção do espaço urbano e a exemplificação
com uma comunidade experiente, o trabalho se dá por concluído com uma reflexão crítica
acerca do processo de planejamento das cidades brasileiras e vislumbra ações possíveis para
minimizar a vulnerabilidade socioambiental no espaço urbano.

PALAVRAS-CHAVE: Produção do espaço urbano; questões ambientais; assentamentos


precários; Fortaleza; comunidade do Lagamar.
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Abstract
The paper presents a brief study about the production of space in Brazilian cities, with
a closer look at the city of Fortaleza, Ceará. Our analysis focus on the socio-environmental
relationship implied in the interweaving between production of the urban space process and
formation of popular settlements in environmentally fragile areas. As a case study, we take
Lagamar community as a concrete example of an environmentally vulnerable space. We will
present the community as a paradigm of a kind of urban growth, in which the environmental
issue permeates the risk situation of the population resident in the place. In addition to the
characterization and diagnosis of local problems, we will present attempts to reconcile this
complex socio-environmental relationship, based on deliberations and actions of residents and
public agencies. Finalizing this global analysis of the relationship between human interference
in the natural space for the production of the urban space and the exemplification with an
experienced community, the work concludes with a critical reflection on the city planning
process and possible actions to avoid and soften social and environmental vulnerability in urban
space.

KEYWORDS: Urban Space; Environmental Issues; Precarious Settlements; Fortaleza;


Lagamar Community.

Introdução
O crescimento das grandes metrópoles brasileiras apresenta como característica
importante a dimensão ambiental nos problemas urbanos, em especial aqueles ligados
diretamente ao parcelamento, ao uso e a ocupação do solo no qual os assentamentos populares
desempenham um papel significativo.
O padrão de urbanização das metrópoles brasileiras e, em especial, na cidade de
Fortaleza, levou a duas características particulares associadas à forma predominante de pensar
e construir a cidade: a primeira é a insustentabilidade dos processos de expansão da área urbana
e de transformações do espaço intra-urbano; e a segunda é a baixa qualidade de vida urbana
imprimida a parcela significativa da população.
O crescimento metropolitano da cidade de Fortaleza foi marcado pela ineficiência do
planejamento urbano e ausência de projetos articulados, aliado a uma forma de produção do
espaço segregacionista e excludente. Além disso, é perceptível a desarticulação da política
urbana e da política habitacional que, de modo geral, não prioriza um desenvolvimento justo e
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democrático da cidade. A expansão desequilibrada de Fortaleza tem como característica a


difusão de um padrão morfológico periférico e espraiado, em que se perpetua: o loteamento
ilegal; a casa autoconstruída, geralmente fora da normatização urbana estabelecida; a produção
dos distantes conjuntos habitacionais de interesse social, levando à exclusão espacial de uma
parcela significativa da população; a construção desassistida no território urbano e a presença
de terrenos ociosos sem cumprir a função social da propriedade.
É relevante ressaltar que a ocupação e a construção nos espaços ambientalmente
vulneráveis são praticadas pelas diferentes classes sociais, tanto pela classe mais abastada, que
dispõe de infraestrutura e consentimento político, quanto pela classe desprivilegiada, que ocupa
áreas ambientalmente frágeis que não são de interesse do mercado imobiliário.
Nas áreas da cidade produzidas informalmente, a combinação da ausência de
infraestrutura urbana com os processos alternativos de construção dos espaços, gera diversos
problemas ambientais, bem como situação de risco para a população. Essa problemática
socioambiental se apresenta de forma expressiva através: da destruição indiscriminada de matas
ciliares; da destruição de áreas de preservação e proteção ambiental; da contaminação do lençol
freático; dos deslizamentos e erosão, entre outros efeitos da poluição. Quanto ao espaço
construído e a dinâmica sociourbana, as ocupações podem causar calamidades como enchentes,
alagamentos, insalubridade das habitações, esgoto a céu aberto, entre outras situações. O
movimento cíclico desse processo tem efeito negativo contínuo para o espaço natural e para a
qualidade de vida da população urbana.
A escala e frequência com que estes fenômenos se multiplicam em Fortaleza revelam a
relação estrutural entre os processos de formação e expansão urbana da cidade informal e o
agravamento de alguns problemas socioambientais, ressaltando a relevância de se trabalhar
novamente essa questão.
O trabalho procura apresentar a relação estrutural entre os processos de formação e
expansão urbana da cidade informal e o agravamento dos problemas socioambientais na cidade
de Fortaleza trazendo como estudo de caso para exemplificação do conteúdo apresentado, a
comunidade do Lagamar. Para isso, o trabalho foi desenvolvido em duas etapas básicas. Na
primeira foram aplicados procedimentos metodológicos que derivam de técnicas de
documentação indireta (pesquisa bibliográfica) e na segunda etapa foram realizados
procedimentos de documentação direta (pesquisa de campo). Na pesquisa bibliográfica foi
realizada uma revisão da literatura a respeito do corpus teórico delimitado que é constituído de
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três conceitos bases, a saber: a) produção do espaço urbano; b) assentamentos populares e c)


conflitos ambientais.
A pesquisa de campo foi realizada por meio de visitas técnicas e observação intensiva,
na Comunidade do Lagamar, área definida como estudo de caso. As visitas técnicas tiveram
como objetivo verificar as precariedades e fragilidades ambientais decorrentes da ocupação
informal. Foi utilizado a fotografia enquanto procedimento de pesquisa que aborda a dimensão
cognitiva dos aspectos que se deseja destacar. Além de valor heurístico, ela tem valor artístico
– e é, por conseguinte, capaz de prover uma imagem mais rica da complexidade inerente à
problemática abordada.
A partir do estudo e da análise realizada neste trabalho, percebeu-se a insustentabilidade
do modo de concepção e produção do espaço na cidade de Fortaleza. O grande desnível social
faz com que no território da cidade seja realçada aquela faceta da luta de classes que é travada
em torno das condições de produção e de consumo do espaço urbano. Os agentes produtores do
espaço urbano estão constantemente disputando os melhores territórios e aqueles que possuem
maior poder aquisito saem em vantagem nessa disputa. Os grupos sociais excluídos, que
geralmente não dispõem de recursos para adquirir uma habitação através do mercado formal,
acabam ocupando espaços da cidade que não tem valor para o mercado imobiliário. Tais
espaços são, em muitos casos, áreas ambientalmente frágeis. O enorme abismo social no qual
Fortaleza está inserido, se rebate espacialmente na discrepância das formas de ocupar e usar o
solo urbano.

A questão ambiental nas metrópoles brasileiras: territórios diferentes, problemas


semelhantes
As mudanças ocorridas no último meio século no crescimento socioespacial das
metrópoles brasileiras reforça a relação entre pobreza urbana e segregação espacial no território,
apresentando uma dimensão dos problemas urbanos que está diretamente ligada ao
parcelamento, ao uso e a ocupação do solo no qual os assentamentos populares e a questão
ambiental desempenham um papel significativo.
A década de 1930 marca um momento importante no processo de crescimento das
cidades e na transformação das relações de trabalho. Neste período, a região Centro-sul era o
principal polo de uma economia primário-exportadora, baseada na produção de café. A
economia cafeeira criou condições para o desenvolvimento de uma rede de cidades que
possibilitasse a exportação do produto. As cidades que compunham essa rede deram início a
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uma transformação nas relações de trabalho e na organização social, apesar de, a rigor, a base
política continuar composta pela elite agrária. Maricato (1997, p. 26) afirma que “foi, portanto,
sob o domínio absoluto do café que o crescimento urbano/industrial se inicia, gerando uma
sociedade mais diversificada, com o aparecimento da classe média formada por profissionais
liberais, jornalistas, militares. ”
Para que se tivesse as possibilidades e condições de realização material do capital e
reprodução da força de trabalho era necessário uma infraestrutura urbana industrial bem como
a adequação das condições sociais a nova realidade. O investimento em infraestrutura e as ações
“modernizadoras1” na estrutura urbana se concentraram nas cidades do sudeste do Brasil, como
São Paulo e Rio de Janeiro. As cidades do nordeste brasileiro, como Fortaleza, não se
beneficiaram de forma mais direta dessa infraestrutura proporcionada pela produção cafeeira, e
os processos de industrialização ocorreram mais tardiamente. A maior concentração da
população no Nordeste se encontra nas cidades litorâneas, de modo que os investimentos fruto
da pecuária extensiva, bem como da produção de algodão, se concentrava no litoral e não no
sertão.
Entre as décadas de 1930 e 1950 a conjuntura urbana brasileira apresenta grandes
transformações impulsionadas pela industrialização e pelo processo intenso de migração da
população do campo para a cidade. A partir dos anos de 1950, a industrialização baseada numa
produção com forte influência fordista provocou uma grande migração da população de várias
regiões do país em busca de melhores oportunidades. O rápido crescimento populacional sem
um correspondente crescimento da infraestrutura urbana provocou o surgimento de diversas
problemáticas. Esse crescimento influenciou um padrão de urbanização com características
metropolitanas que trouxe duas consequências importantes na formação das cidades no Brasil:
a primeira, é a utilização indevida dos recursos naturais como áreas de proteção, áreas de
preservação e de interesse ambiental; e a segunda, é o surgimento de assentamentos precários,
principalmente em setores mais periféricos das cidades.
É esse padrão de urbanização que vai moldar uma parte das cidades brasileira, a partir
dos anos 50, criando enormes periferias sem condições adequadas de habitabilidade, onde se
concentrava o contingente populacional que não conseguia ter acesso a áreas mais centrais das
cidades. Esta forma de crescimento das cidades provoca, necessariamente, a utilização da

1
Muitas reformas urbanas que ocorreram no Brasil, utilizaram o argumento da modernização e do embelezamento
para as ações de remoção de populações de baixa renda. Com efeito, nessas reformas, promovia-se o novo que já
traz em si sua própria negação: a cidade era negada à população pobre, que era expulsa de suas casas, em nome da
modernização e do embelezamento, isto é, em nome do bem-estar comum.
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natureza como recurso, bem como o desenvolvimento industrial, de novas técnicas impõe
transformações ao meio ambiente.
Villaça (1986) afirma que a questão habitacional surge com o homem livre e a
consolidação de uma classe trabalhadora a partir dos anos 50. Ele explicita a situação
habitacional como uma das adversidades estruturadoras da problemática urbana, que tem
impacto no meio ambiente. A questão urbana que está posta através da habitação popular, nas
suas mais variadas formas, se expressa de maneira acentuada em uma segregação socioespacial
(KOWARICK, 1979) produzida por um processo de urbanização desigual. É nesse contexto
que se formam os setores mais periféricos nas cidades desprovidos de infraestrutura urbana ou
equipamentos e serviços público que ocupam locais que não interessa ao mercado imobiliário,
principalmente áreas limítrofes a recursos hídricos e vegetações naturais. Essa condição vai
marcar a maioria das cidades brasileiras, nas décadas seguintes, promovendo um enorme ônus
às populações ali residentes.
Nos anos de 1960 e 1970, há um investimento maciço em uma política de mobilidade
que valoriza o transporte automotivo como forma principal de locomoção de pessoas e
mercadorias. A rede de rodovias que deu suporte a esse sistema de transporte causou impactos
significativos nos recursos naturais, tanto do ponto de vista do impacto na paisagem, quando da
poluição sonora, visual e ambiental. A expansão e o crescimento urbano em áreas ambientais,
de proteção de mananciais e bacias hidrográficas expõe os conflitos e contradições presentes
nos processos de urbanização das cidades no Brasil.
Na década de 1990 é observado modificações no espaço urbano brasileiro,
particularmente associados ao crescimento de cidades médias e ao surgimento de novas Regiões
Metropolitanas. Os ambientes naturais passam a ter um significado e valor para o mercado, na
medida em que são adquiridos de forma privada, perdendo aos poucos seu status de bem
comum. Os recursos naturais adquirirem um fator de valorização quando estão próximos a
empreendimentos de alto padrão, bem como são desvalorizados quando estão próximo de
assentamentos precários. O discurso da problemática que envolve o meio ambiente passa a ser
direcionado para a culpabilização das populações de baixa renda que, por não ter opções
disponíveis na cidade, acabam por ocupar áreas ambientalmente frágeis.
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Rodrigues (2014) afirma que a suposta crise ambiental, tema de pesquisa de intelectuais
e objeto de debate de conferências2, comissões3 e relatórios, não é de fato uma crise ambiental,
trata-se de uma crise decorrente do modo de produção capitalista que, para continuar seu êxito,
precisa manter suas condições de reprodução do capital. Rodrigues (2014, p. 211) discorre ainda
que:
... as novas matrizes discursivas, ao mesmo tempo em que ocultam os verdadeiros
responsáveis pelos problemas - aqueles que se apropriam e são proprietários dos meios
de produção, da terra, das riquezas - e atribuem a responsabilidade aos “consumidores” e
aos pobres que ocupam as piores áreas, que não interessam ao setor imobiliário,
obscurecendo a essência da desigualdade e da segregação socioespacial, ocultando a
importância do território, do espaço e da sociedade.
Nesse contexto, é importante destacar que os agentes produtores do espaço urbano que
possuem maior poder aquisitivo se localizam melhor na estrutura das cidades em relação a
emprego, à oferta de serviços urbanos, ao comércio e a infraestrutura do que aqueles agentes
que compõem os grupos sociais excluídos. Nas últimas duas décadas, a globalização pressupõe
a expansão de um modelo de produção e de reprodução do capitalismo de modo financeirizado
que parece reforçar essa discrepância nas formas de ocupar o território da cidade. No Brasil, a
financeirização da terra, da habitação e do meio ambiente tem ocorrido de forma acentuada,
muitas vezes através de instrumentos urbanísticos pensados pelas próprias gestões públicas
como forma de democratizar o acesso à cidade, como é o caso das Operações Urbanas
Consorciadas (OUC)4.

A produção do espaço na metrópole cearense: assentamentos populares e áreas


ambientalmente frágeis
Localizada na região Nordeste do Brasil, a cidade de Fortaleza é a capital do Estado do
Ceará (Mapa 01: Localização da cidade de Fortaleza no Brasil). Segundo estimativas do
IBGE (2017)5, sua população de 2 627 482 habitantes distribuídos em uma área de 314,93 km²,
o que resulta em uma densidade demográfica de 82,86 hab/ha, a maior das capitais do país,

2
Conferência da ONU sobre Meio Ambiente ocorrida em 1972 na cidade de Estocolmo.
3
A ONU criou, em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) com a
finalidade de realizar um diagnóstico sobre o tema do meio ambiente.
4
A Operação Urbana Consorciada é um instrumento urbanístico presente no Estatuto da Cidade que é utilizado
para requalificar uma área da cidade ou para ampliar ou instalar infraestrutura e equipamentos urbanos. Deve
ocorrer de forma participativa com o acompanhamento de diversos agentes que produzem o espaço urbano.
5
Dados disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 24 mar. 2018.
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seguida pelas cidades de São Paulo (73,98 hab/ha), Belo Horizonte (71,61 hab/ha) e Recife
(70,39 hab/ha).
Maior cidade do estado do Ceará, Fortaleza é o quinto maior município do Brasil em
população, sendo dividido, para efeitos administrativos, em 119 bairros organizados em 7
secretarias executivas regionais (SERs)6. A Região Metropolitana de Fortaleza (RMF)7 é a
oitava maior do país, com uma população de 3.818.380 habitantes (estimativa IBGE 2017).
Fortaleza corresponde ao município sede da região metropolitana onde estão localizadas grande
parte dos serviços e dos estabelecimentos comerciais (PEQUENO, 2015a). Pequeno (2015a)
afirma que a RMF possui um aglomerado urbano com mais de 96% de taxa de urbanização,
apesar de várias áreas serem consideradas rurais.

Mapa 01: Localização da cidade de Fortaleza no Brasil


Elaboração: Autoras I Base: Google Earth

6
Secretaria executiva regional é uma divisão política administrativa utilizada pela prefeitura de Fortaleza com o
intuito de facilitar a administração bem como a distribuição de recursos públicos para cada setor da cidade.
7
Estabelecida pela Lei Complementar n ̊ 14 de 8 de junho de 1973, que também estabelece regiões metropolitanas
de outras cidades do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp14.htm> Acesso
em: 22 mar. 2018. Atualmente os municípios que compõem a RM de Fortaleza são: Aquiraz, Cascavel, Caucaia,
Chorozinho, Eusébio, Fortaleza (sede), Guaiuba, Horizonte, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape, Pacajus, Pacatuba,
Pindoretama, São Gonçalo do Amarante, São Luís de Curu, Paraipaba e Trairi.
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A cidade possui um complexo hídrico formado por três bacias hidrográficas, a saber: a
bacia do Rio Cocó, a bacia do Rio Maranguapinho e a Vertente Marítima. Possui ainda outros
recursos hídricos, compostos por rios, riachos e lagoas. Esses elementos são importantes, mas
não são valorizados como elemento estruturante da organização espacial e do planejamento
urbano da cidade. Isso acarreta diversos problemas até hoje, tendo em vista que as margens de
vários desses recursos hídricos foram apropriadas, de um lado, pela população de baixa renda,
com ocupações de alta densidade e deficiência de infraestrutura (Mapa 02: Assentamentos
precários e recursos hídricos) e, de outro, pelos especuladores imobiliários de forma indevida,
sem atender às exigências mínimas das faixas de proteção, preservação e de domínio público,
destruindo a mata ciliar, essencial à proteção contra assoreamentos.

Mapa 02: Assentamentos precários e recursos hídricos


Elaboração: Autoras I Base: PLHIS Fortaleza 2012 e Hidrografia (Zoneamento PDP2009)
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O setor imobiliário também tem um forte impacto no processo de produção do espaço


urbana em Fortaleza, ocupando muitas vezes, áreas próximas de parques e praças com a
intenção de valorizar os empreendimentos. Em relação à produção do espaço da cidade de
Fortaleza pelo setor imobiliário, Pequeno (2009, p. 98-99) afirma que a ocupação ocorre:
Primeiro, nas faixas litorâneas pela sua linearidade e densidade orientada pelos
investimentos em infraestrutura e pelos empreendimentos do setor imobiliário; segundo,
nas franjas periféricas, onde ao oeste predomina uma expansão diversificada reunindo o
setor imobiliário associado às camadas mais populares, os programas habitacionais
públicos e as ocupações espontâneas, e ao leste prevalece o mercado formal voltado às
camadas médias e superiores.
O autor mostra que os vetores na direção sul-sudeste são as novas direções de atuação
do mercado imobiliário, que tem se expandido em bairros como Messejana, Passaré, Cajazeiras
e Dias Macedo. Esses bairros têm sido alvo de implantação de projetos imobiliários. A esse
respeito, Rufino (2012, p. 170) afirma que:
Deve-se destacar a consolidação de uma coroa periférica com grande
concentração de empreendimentos imobiliários na porção sul e sudoeste do
município de Fortaleza. [...] A existência de importantes eixos viários e
equipamentos de mobilidade, além de lotes de grande dimensão e menores preços,
são elementos que explicam a apropriação da área pelo mercado imobiliário.
Os eixos de expansão da atuação do mercado imobiliário extrapolam os limites políticos
da capital, direcionando sua ação também para as cidades litorâneas a oeste e a leste. Por outro
lado, a dificuldade ou o impedimento de uma significativa parcela da população que não tem
condições de arcar com aluguel e muito menos com o valor de um imóvel fazem surgir
habitação para além das formas de moradia produzidas pelo Estado ou pelo mercado privado.
A produção informal da moradia ocorre à margem da legislação vigente e do mercado formal.
Por um lado, é resultado da própria produção formal da habitação pelo mercado, que
impossibilita o acesso à população de mais baixa renda, e de outro é provocada pelo Estado,
que promove de forma restrita habitação para a população de mais baixa renda (faixa de renda
de 0 a 3 salários mínimos), contingente que se caracteriza por uma maior concentração da
precariedade habitacional. Em Fortaleza, existe uma concentração desses assentamentos
precários em áreas mais periféricas e nas últimas duas décadas houve um crescimento também
na região metropolitana.
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A exclusão da cidade formal de grande parte da população aliada a falta de controle


urbanístico e articulação do poder público para um planejamento sustentável gera situações de
ilegalidade com a ocupação de espaços naturais sem planejamento provocando degradação dos
recursos naturais.
É importante entender que, no contexto de produção e construção do espaço urbano,
nem toda área ambientalmente frágil é considerada inadequada pelo mercado para o uso e
ocupação. Algumas delas são altamente interessantes e outras possuem o cuidado e preservação
do poder público. Freitas (2014) coloca que os espaços com aspectos de difícil urbanização são
menos valorizados e, assim, deixados de lado pelos projetos de parcelamento da cidade formal
que tem destinação às classes de maior renda.
No processo de crescimento das cidades, segundo Costa e Rezende (2014), os
assentamentos precários nascem com a cidade formal sobre dois tipos principais de
irregularidades: a fundiária e a ambiental e urbanística. A primeira refere-se à ausência da
garantia jurídica sobre a propriedade e a segunda trata-se do parcelamento em desacordo com
as leis urbanísticas e ambientais.
A ocupação desses espaços de maneira espontânea e estruturalmente desassistida leva a
situações de vulnerabilidade socioambiental. Alves (2006) destaca essas ocupações como a
coexistência de grupos populacionais muito pobres, em situação de vulnerabilidade social, e
áreas de riscos e degradação ambiental, em espaços de vulnerabilidade ambiental.
Apesar da diversidade de noções para vulnerabilidade, Alves (2006) apresenta uma das
análises desse termo, que tem sido utilizado há alguns anos, como algo para além das taxas de
renda e níveis de pobreza, incluindo a insegurança e exposição a riscos provocadas pelas
mudanças econômicas, assim como o termo vulnerabilidade ambiental nas discussões
territoriais nos estudos sobre os riscos e desastres naturais.
Essas duas necessidades, ambientais e sociais, se agravam mutuamente na ausência de
soluções eficazes que possam intermediar esse desequilíbrio. O resultado da manutenção dessa
problemática são os desastres ambientais. A cidade de Fortaleza não é um caso diferente do que
se tem apresentando como produção e crescimento do espaço urbano no Brasil.
Segundo Pequeno (2015a), tem-se percebido um progressivo crescimento dessas áreas
em relação a população total. O autor apresenta ainda que em 1973 foi divulgado os dados
produzidos pelo Programa de Desfavelamento que identificou 81 favelas na cidade de Fortaleza
onde moravam por volta de 35 mil famílias (PEQUENO, 2015a). Em 1991, a Companhia de
Habitação (COHAB) do Estado do Ceará realizou novo levantamento de dados identificando
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314 assentamentos precários que possuem mais de 108 mil domicílios (PEQUENO, 2015a).
Mais recentemente, o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), realizado em 2012
para a cidade de Fortaleza, indica que existem 619 favelas e um total de 843 assentamentos
precários entre os quais estão incluídos favelas, loteamento irregular e conjunto habitacional
precário. Do total de assentamentos precários 230 estão localizados totalmente ou parcialmente
em áreas de risco, predominando as ocupações nos leitos dos rios e canais (Mapa 03:
Assentamentos precários em áreas de risco).
Existe de fato uma concentração maior desses assentamentos subnormais na capital
cearense, todavia o processo de formação de assentamentos precários na RMF já vinha
ocorrendo desde 1990. Segundo Pequeno (2015a), o censo do IBGE de 2010 identifica
assentamentos subnormais em 8 dos 15 municípios que compunham a RMF na época.

Mapa 03: Assentamentos precários em áreas de risco


Elaboração: Autoras I Base: PLHIS Fortaleza 2012
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Comunidade do Lagamar como paradigma


A comunidade do Lagamar foi escolhida como estudo de caso, pois exemplifica a
problemática que vem sendo colocado nos tópicos anteriores, bem como, é um dos
assentamentos precários mais antigos da cidade de Fortaleza.
A comunidade encontra-se em uma localização privilegiada: às margens do Canal do
Tauape8, na região leste da cidade, nas proximidades de bairros considerados nobres como
como Aldeota, Dionísio Torres e Meireles (Mapa 04: Localização da comunidade do
Lagamar).
Sua localização, ao mesmo tempo que fornece equipamentos sociais e uma rede de
transporte abrangente, é motivo de insegurança constante para os moradores com a pressão do
mercado imobiliário e as ameaças de intervenções de obras públicas de grande impacto no
território, que geralmente preveem remoções da população.

Mapa 04: Localização da comunidade do Lagamar


Elaboração: Autoras I Base: Google Earth e Limite ZEIS (Zoneamento PDP2009)

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Antigo riacho Tauape que atualmente é canalizado e conhecido pelos moradores de Fortaleza como Canal do
Lagamar.
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A ocupação das primeiras famílias às margens do antigo riacho data do período entre
1930 e 1950, sendo a maioria delas vindas de diversas cidades do interior do Estado do Ceará,
em virtude da seca9. Elas se fixaram no local, de forma desordenada, sem qualquer assistência
pública ou diretriz legal de ocupação.
Segundo Freitas (2014), o aumento do número de famílias na comunidade ocorreu na
década de 1980, em um período de recessão econômica e falta de alternativas de habitação de
interesse social. As ocupações no local continuaram ocorrendo nos anos seguintes, contudo, os
terrenos livres estavam cada vez mais escassos. Em 2012, ocorreu uma das últimas grandes
ocupações registradas na comunidade, com a ocupação de uma escola e um centro comunitário
para fins de moradia.
Segundo os dados do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) de
Fortaleza foram contabilizados 10.148 habitantes residentes na comunidade em uma área total
de 33,751 ha, tendo assim uma densidade demográfica de 300,67 hab/ ha. Se comparado com
a cidade de Fortaleza, que possui a densidade demográfica de 82,86 hab/ha, o Lagamar tem a
densidade quase quatro vezes maior quantidade de habitantes em seu território.
Além da vulnerabilidade ambiental, a comunidade é caracterizada por sua grande
vulnerabilidade social. Essa característica é evidenciada pelos dados relativos à densidade, a
renda familiar, o acesso a infraestrutura básica, a qualidade habitacional, entre outros
indicativos.

Imagem 01: Lagamar visto do viaduto I janeiro/2017 (Fonte: Autoras)

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Devido, em parte, as condições climáticas no nordeste brasileiro é comum a seca ou estiagem, ou seja, longos
períodos com escassez de chuvas que provoca miséria e fome.
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I. A questão ambiental na comunidade


A ocupação inicial do Lagamar se deu no entorno do antigo riacho Tauape, em uma área
de manguezal. Inicialmente, segundo Aguiar (2016), a comunidade era conhecida como
Alagamar, tendo o próprio nome remetido à sua relação com o riacho, no qual a área de entorno
alagava de acordo com as marés. Atualmente, mesmo após transcorridos mais de 60 anos das
primeiras ocupações, a situação dos alagamentos não é muito diferente. Em períodos chuvosos,
é comum ver parte da comunidade alagada pela ausência de drenagem e cheia do antigo rio,
que hoje está canalizado.
O Lagamar está situado na bacia hidrográfica do Cocó, em um ponto de confluência
entre o riacho Tauape e o rio Cocó. Assim, a comunidade está constantemente suscetível às
condições de cheias e secas, ao mesmo tempo que atua como agente ativo no espaço ocupado.

Imagem 02: Início da ocupação da comunidade I década de 1950 (Fonte: Jornal O Povo)

A situação de alta densidade habitacional sem uma infraestrutura urbana adequada,


provoca vários conflitos entre a população e o meio ambiente, como por exemplo: a
deterioração da vegetação existente, a contaminação dos recursos hídricos locais, a
contaminação do lençol freático e o acúmulo de lixo.
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Atualmente, em relação à infraestrutura, as maiores deficiências da comunidade ainda


são a rede de esgotamento sanitário, coleta de lixo e drenagem. Segundo levantamento do Censo
Lagamar 200510, apesar da maioria dos moradores utilizar os meios formais, grande parte se
vale de outras alternativas para suprir a necessidade básica.
Conforme dados do Censo Lagamar 2005, cerca de 50% da comunidade possui acesso
à rede geral de esgoto e outros 50%, que não possui acesso a esse serviço básico, despeja os
resíduos no canal do Tauape. Quanto à coleta de lixo, apesar de aproximadamente 60% das
famílias afirmarem que tinham acesso a coleta na porta da casa, as outras 40% (onde os
caminhões que recolhem o lixo não têm acesso) levavam o lixo produzido até os contêineres,
que ficam localizados à beira do canal, sendo insuficientes para necessidade da comunidade.

Imagem 03: Acúmulo de lixo às margens do canal I fevereiro/2017 (Fonte: Autoras)

A drenagem é uma problemática na comunidade e um assunto fundamental na relação


entre o espaço ocupado pela comunidade e a questão ambiental. Segundo o PLHIS 2012, a

10
O Censo Lagamar 2005 foi uma pesquisa realizada em 2005, através do projeto de Plano de Desenvolvimento
em Rede, pela Fundação Marcos de Bruin em parceria com o Banco do Nordeste. O Censo coletou dados
socioeconômicos e espaciais da comunidade do Lagamar para servir como diagnóstico base para formulação de
políticas que contemplem as demandas comunitárias.
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drenagem no Lagamar é superficial, captando a água resultante das chuvas. Essa rede está
presente apenas em vias de maior porte, enquanto a maior parte da comunidade que é composta
por travessas e ruas estreitas não têm esses sistemas de drenagem. Com isso, nessas vias, a água
que não evapora ou se infiltra no solo, é acumulada ou escoada muito lentamente.
Além da ausência de um sistema de drenagem eficiente, outro grande problema é o lixo
acumulado nos bueiros e bocas de lobo. Segundo o Censo Lagamar 2005, quase 50% das
famílias residentes na comunidade sofrem com alagamentos de suas residências durante os
períodos chuvosos. Nessas ocasiões, muitas famílias perdem seus pertences.
É importante ressaltar que apesar de alguns dados apresentados serem do ano de 2005,
os problemas apresentados ainda se mostram atuais e pertinentes em potencialidade parecida.
É comum ver lixo nos espaços públicos, nas ruas e próximo ao canal. Os containers, geralmente,
não comportam a demanda que existe, de modo que o lixo fica acumulado ao redor. Uma parte
desses resíduos ainda é jogado no canal provocando o acúmulo nas ruas e casas quando o canal
transborda.

Imagem 04: Canal do Tauape poluído I fevereiro/2017 (Fonte: Autoras)


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Simultaneamente a essa questão da poluição, em períodos de chuva intensa, quando o


canal enche e transborda, parte da comunidade fica alagada, de modo que as vielas, becos e
fundo de vale com cota mais baixa, são áreas mais críticas das enchentes periódicas.
No que diz respeito às normatizações que incidem no território local, a legislação urbana
vigente, localiza a comunidade, desde 2010, em uma Zona Especial de Interesse Social
(ZEIS)11, na qual os parâmetros e índices urbanísticos devem ser adequados ao padrão de
ocupação específico do Lagamar, destoando, dessa forma, dos parâmetros estipulados para os
demais territórios da cidade. Desde então, o Lagamar aguarda a regulamentação dos índices e
dos parâmetros urbanísticos adequados à realidade local. De acordo com a legislação ambiental,
parte da comunidade está situada em uma Zona de Preservação Ambiental. A Lei 12.651/1212
dispõe, no seu artigo 4°, que são consideradas Áreas de Preservação Permanente, em zonas
rurais ou urbanas, dentre outros casos, as faixas de pelo menos 50 metros marginais aos fluxos
hídricos, caso o curso d`água tenha entre 10 e 50 metros de comprimento; situação que se
encontra parte da comunidade do Lagamar em relação ao canal Tauape (Mapa 05: Limites
Área de Preservação Permanente na comunidade do Lagamar).
Outra problemática debatida sobre o local da ocupação é a área delimitada como de
risco, segundo a defesa civil13. De acordo com o mapeamento realizado, parte da comunidade
do Lagamar se encontra suscetível às enchentes e aos alagamentos que ocorrem anualmente. A
área delimitada como nociva é ainda maior que os limites apontados como zona de preservação
ambiental.
Segundo os moradores, quando ocorrem os alagamentos, as primeiras áreas afetadas são
as casas situadas nos becos que, como foi possível observar nas visitas de campo, estão em uma
cota menor. No mapeamento realizado pela defesa civil a região delimitada como área de risco
possui cotas, também, iguais ou inferiores às encontradas no canal. É relevante destacar ainda
que os espaços demarcados, tanto como área de preservação permanente quanto como área de
risco, são espaços de extrema vulnerabilidade socioambiental dentro da comunidade.

11
As Zonas Especiais de Interesse Social são áreas territoriais demarcadas objetivando prioridade de urbanização,
quando já ocupadas por assentamentos precários, ou construção de habitação de interesse social, quando áreas
vazias, tendo que ser indicadas no Plano Diretor da cidade, sendo um importante instrumento urbanístico na luta
pelo direito à moradia digna.
12
Código Florestal
13
A Defesa Civil é responsável por mapear espaços considerados de risco para ocupação devido a desastres
ambientais, tendo também ações posteriores em caso de ocorrência dos desastres. Ela monitora as áreas
demarcadas avaliando a evolução dos riscos nos territórios.
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Mapa 05: Limites Área de Preservação Permanente na comunidade do Lagamar


Elaboração: Autoras I Base: Google Earth e Limites legais de APP (Lei 12.651/12)

II. Ações e encaminhamentos na pauta ambiental na comunidade


Como já foi apresentado, a comunidade do Lagamar tem em seu território inúmeros
problemas socioambientais e espaciais. Além da interferência direta da questão ambiental, a
infraestrutura básica é ausente em parte da comunidade, as condições de habitabilidade são
duvidosas e o território é considerado um dos mais violentos da cidade.
Para dar soluções e encaminhamentos às problemáticas socioambientais da comunidade
e de seus moradores, algumas ações foram realizadas tanto pelos habitantes quanto pelo poder
público.
De acordo com dona Maria14, antiga moradora da comunidade, no final da década de
1980 e começo da década de 1990 a comunidade começou a se organizar na luta pelo acesso à
infraestrutura básica e, não tendo resposta direta dos órgãos públicos, os próprios moradores se

14
Nome fictício dado a antiga moradora da comunidade do Lagamar para não revelar sua identidade.
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reuniram para começar a construção da rede de esgotamento. Em relato oral, dona Maria traz
alguns aspectos desse processo de urbanização que começou com os moradores.

“Moro aqui há mais de 40 anos, quase 48. Antigamente era só mato. No lado dos trilhos
funcionavam barraquinhas, nos dois lados, onde vendiam peixe e outras coisas, vendia de tudo.
Aqui era tudo dentro do mato, quando a gente caminhava vivia atolando na lama, a canela
entrava até a metade, tinha que fazer esforço pra sair. Agora é uma benção, tudo limpinho pra
andar. Nos anos 90 o (ex-governador) Tasso ficou com vergonha ao ver a comunidade pobre
mas com grande força de vontade se organizando para comprar materiais e canos pra poder
resolver o problema da lama e se comprometeu a ajudar.
Nós mesmos instalamos, já que não dava pra pagar outra pessoa pra fazer. Ele mandou fazer
banheiros de cimento quando viu que as ruas viviam sujas de esgoto que não tinham pra onde
correr. Depois, com muita luta conseguimos comprar privadas de verdade. ”

Relato oral de Dona Maria, antiga moradora do Lagamar (janeiro/2017).

Após essa intervenção direta dos moradores na tentativa de urbanização da comunidade,


o governo contribuiu com auxílio na construção da rede de esgoto e abastecimento de água.
Esse processo marcou um período de início da articulação interna dos moradores na luta por
urbanização e reconhecimento legal pelo espaço ocupado.
Esse período data também outras ações públicas na comunidade, como a canalização do
canal, a construção de avenidas importantes nas proximidades e remoções de alguns moradores
para áreas periféricas.
Com o crescimento e os novos vetores de expansão da cidade de Fortaleza, a
comunidade do Lagamar passou a ser um ponto estratégico de localização e ligação entre
regiões importantes da cidade. Esse foi o início das grandes obras públicas incidindo sobre a
comunidade, mas que não tinham como preocupação central a questão ambiental e/ou
habitacional.
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Dois últimos grandes projetos que incidiram e ainda repercutem na comunidade são a
construção de um viaduto e de uma rotatória em uma avenida limítrofe a comunidade; e a
construção do ramal do VLT Parangaba-Mucuripe15 que corta a região norte do Lagamar.
O projeto da construção da rotatória e do viaduto procurava sanar o problema do trânsito
na ligação leste-oeste da cidade. Para isso, necessitou de remoções na área próxima e, quando
concluído, aumentou o fluxo de veículos em ruas e avenidas que passavam na comunidade.
O VLT Parangaba-Mucuripe, ainda em obra, além de cortar parte da comunidade,
possui uma estação na área de ZEIS. Para a ampliação da via férrea existente, que atualmente
passa um trem de carga, para incluir essa nova linha, foram necessárias cerca de 200 remoções,
além de deixar parte da comunidade isolada entre o canal e a via férrea.

Imagem 05: Demolições provocadas pela implantação do VLT I maio/2016 (Fonte:


Autoras)

15
O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) é um projeto que data ainda de 2009, pensado para a Copa do Mundo no
Brasil, em 2014, que ainda não foi concluído (2018). Seu processo de construção exigiu remoções de cerca de
2.500 famílias estando ainda muitos casos em processo.
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Nesse contexto, com a comunidade mais articulada, muitos dos grandes projetos
pensados pelos órgãos públicos enfrentaram forte resistência popular, tendo sido modificados
em sua maioria, principalmente em relação a quantidade de remoções.
Apesar das muitas agressões que a comunidade enfrenta, um dos maiores ganhos, ainda
que incompleto, foi a sua demarcação como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), em 2010.
Segundo o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza de 2009, artigo 123:
As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são porções do território, de propriedade
pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística
e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e ao
desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular
nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios
especiais de edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo.
Contudo, apesar de delimitada, a ZEIS Lagamar ainda luta para ser regulamentada e
poder ter seus direitos sociais, jurídicos e urbanísticos garantidos e executados. Atualmente, a
comunidade está mobilizada para que esse processo seja efetivado.

Imagem 06: Ponte nova e antiga de travessia do canal I maio/2017 (Fonte: Autoras)
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Apesar das características particulares do Lagamar no território de Fortaleza, a


comunidade se apresenta como um paradigma de como os assentamentos populares ocupam e
crescem em áreas ambientalmente frágeis, a partir de uma produção segregada do espaço
urbano.

Considerações Finais
A breve análise da produção do espaço urbano na cidade de Fortaleza, forneceu
subsídios para um avanço na compreensão de como os agentes produtores do espaço se
apropriam do solo na capital cearense. Há em Fortaleza uma diversidade de ocupações, seja a
realizada pela população de baixa renda, seja a feita pelo mercado imobiliário formal, que estão
em desacordo com a legislação vigente, e são, por tanto, do ponto de vista legislativo
ilegais. Esse fato ocorre por diversos motivos, mas é possível citar a existência de um
descompasso entre as diversas políticas pensadas para a cidade que se expressa na forma de
ações e investimentos em áreas que de fato não são as que deveriam ser priorizadas na
distribuição dos recursos. Em muitos casos, os programas de regularização fundiária de
assentamento informais são realizados apenas como uma maneira de materializar o direito à
habitação sem, de fato, promover o direito à moradia digna materializado na urbanização do
território.
É imperativa a necessidade de um planejamento urbano integrado, que pense
conjuntamente as políticas urbanas, habitacional e ambiental, de modo que as ações e projetos
sejam melhores diferenciados. Como afirma Freitas (2014), o Estado deve ter efetivo controle
na forma de uso do solo, especialmente na contenção do processo de aumento especulativo do
preço dos terrenos e combate a retenção dos vazios urbanos. O planejamento da expansão
urbana deve levar em consideração as necessidades complementares da população, observando
a importância dos espaços naturais na cidade e o direito à moradia digna, no qual a habitação,
infraestrutura, serviços e transportes sejam acessíveis. Nesse sentido, o Estado deve se antecipar
nas propostas de um processo de crescimento sustentável urbano. Ele delimita e fiscaliza as
áreas para ocupação ao mesmo tempo que protege os espaços naturais, evitando o processo de
segregação sócio espacial e degradação do meio ambiente, com ocupações em áreas
ambientalmente frágeis, que pode levar a situações de vulnerabilidade socioambiental.
Quando não existe esse controle do Estado é frequente casos de ocupações em áreas
ambientalmente frágeis. A forma de intervenção posterior nos assentamentos subnormais que
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se apropriam desses espaços deve ocorrer de forma interdisciplinar, levando em consideração


necessidades locais, bem como as demandas diagnosticadas no território. É importante ressaltar
que a população que vive no local e o meio ambiente são complementares e não antagônicos.
Os dois lados têm peso importante no espaço da cidade, ambos são direitos protegidos pela
constituição brasileira e, para conviver quando não se teve planejamento a priori, é necessário
conciliar as demandas para encontrar um cenário possível de compatibilidade entre ocupação e
natureza.
Para se ter uma solução minimamente eficaz, é necessário que essa intervenção conte
com um planejamento estudado, pautado em uma perspectiva real das necessidades da
população, assim como a consciência da importância ambiental e a proposição de ações e
diretrizes que diminuam o impacto sobre o espaço ocupado.

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