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No livro “Dibs: em busca de si mesmo”, Virginia Axiline (1986) descreve

com riqueza de detalhes o processo terapêutico desenvolvido com um menino


cuja história estaria marcada por nomeações que sempre o colocaram no lugar
de uma criança problema. Desta forma, Dibs é tratado como um “enigma”
aquele que apresentaria na escola e para a família um comportamento atípico,
levando em consideração que a referida criança não correspondia aos padrões
de “normalidade” prescrito e instituído socialmente.

Nos diversos dizeres e saberes que a escola e a própria família


endereçava à Dibs, ele seria um “caso clínico” de distúrbio mental com extrema
complexidade e urgência em tratamento.Utilizando-se do referencial teórico e
do olhar clínico proposto pela abordagem Centrada na Pessoa, Axline, propõe-
se a escutar e facilitar à Dibs um processo que ela denominou de “busca por si
mesmo” a partir de sessões de ludoterapia.

É válido ressaltar que, durante o processo, a postura terapêutica


adotada nos encontros na sala de ludoterapia é de aceitação e respeito aos
sentimentos e atitudes expressos pelo cliente. Pode-se destacar que essa
atitude apresenta-se como um diferencial, uma vez que, na história de vida
desta criança, sua conduta agressiva e passiva para com as pessoas era
retroalimentado por ações que o excluíam e o “alienavam” do mundo e de si.

Colado nesse lugar de criança problema, Dibs apresentou no início das


sessões um semblante de apatia e tristeza, bem como um comportamento
infantilizado. Sempre demandava da ajuda da terapeuta para realizar tarefas
simples, como se necessitasse da aprovação do adulto para agir. Neste
aspecto, é interessante destacar a postura da terapeuta, que sempre procurava
romper com essa limitação, apontando para a criança o caminho para que a
mesma pudesse desabrochar e atuar de modo cada vez mais autônomo. A
terapeuta sempre fazia colocações que refletiam para a criança, seus
sentimentos, desejos e vontade, retornando a Dibs o poder de decisão e
guiando-o na busca pelo conhecimento de si.

Neste sentido, a sala de ludoterapia representou para Dibs um espaço


onde ele poderia expressar-se livremente, descobrir as formas, cores, sem ter
seu comportamento bloqueado e limitado, de modo que ele pudesse “se
descobrir” enquanto sujeito capaz de posicionar-se ativamente diante das
pessoas. Como resposta a necessidade que a tinha de ser ele mesmo, quando
se aproximava do término das sessões Dibs demonstrava não querer ir para a
casa, o que aponta o reconhecimento que o mesmo tinha do processo e o
quanto se beneficiava dele. Esse fator também é ponto de reflexão, no sentido
que, a sala de ludo parecia ser o único lugar onde ele mostrava sua real
potencialidade. Talvez pelo fato de que em outros ambientes as pessoas
estariam acomodadas a vê-lo como limitado e “especial”.

No decorrer do processo terapêutico o Dibs que se apresentou às


sessões era surpreendente, não correspondia às definições e limitações
pertencentes ao imaginário da família. Ele mostrava a cada encontro suas
habilidades bem como um domínio da linguagem,criatividade e capacidade
cognitiva satisfatória. Estava evidente quão importante seria escutar os seus
pais e compreender melhor o contexto geracional, o qual essa criança foi
inserida.

Antes de iniciar as sessões, a terapeuta conheceu os pais de Dibs e


lhes explicou como seria o processo, para que então, eles refletissem se
autorizariam ou não a ludoterapia. Esse contato inicial com os pais tornou
visível para a terapeuta conhecer um pouco da dinâmica familiar no qual Dibs
crescera. Sua casa possuía algumas barreiras ao sua liberdade, nota-se que
ele vivia em um contexto de “reclusão”, o que pode ser um fator a contribuir
com a dificuldade que o mesmo possuía de relacionar-se com outras crianças,
uma vez que estava sempre protegido em seu “mundo particular”.

Apesar desse contato mais próximo com os pais da criança, durante


todo o período, foi respeitado os limites e dificuldades que os mesmos
apresentavam em participar ativamente do tratamento do filho. A sua mãe de
início, colocou de modo enfático que não gostaria de ser contatada para falar
nada sobre o filho. O que sinaliza prováveis barreiras e conflitos entre a relação
de ambos. Desse modo, mesmo considerando a importância de ouvir dos pais
e conhecer a história da criança desde à gravidez,e seu desenvolvimento até
então, a terapeuta acolheu e respeitou a postura dos pais.
A experiência vivenciada por Dibs na sala de ludoterapia lhe devolvia a
autonomia e promovia seu autoconhecimento. Nesse sentido, a cada sessão
ele avançava e expressa-se com maior espontaneidade, ao mesmo tempo em
que se protegia dos seus próprios sentimentos e emoções com “fugas e
racionalizações”. O silêncio que ainda permeava a relação de Dibs com as
pessoas e especificamente sua família, parecia ser uma reação agressiva ao
comportamento crítico do seu pai e a carência de afeto por parte da sua mãe.

Aspectos relevantes deste caso puderam ser esclarecido quando a mãe


de Dibs decide procurar a terapeuta para uma conversa. Ao escutá-la foi
possível destacar em seu discurso de desabafo, o quanto o nascimento do seu
filho tinha abalado e destruídos suas metas e sonhos. Dibs não foi uma criança
planejada e desejada, seu nascimento provocou infelicidade e estranheza ao
casal. De modo que, logo ao nascer e entrar em contato com essas
especificidades e dinâmica familiar instaura-se uma “distância afetiva” entre
Dibs e seus pais.

Não desejado e colocado no lugar da “estranheza” a referida criança


representava o fracasso e a decepção na vida dos seus pais, que o reconhecia
como “deficiente mental”. Não foi detectado nenhuma anormalidade biológica e
acompanhando Dibs na sala de ludoterapia, a terapeuta pode observar e
apontar que ele não sofria de retardo mental, autismo ou esquizofrenia, como
seus pais pensavam, mas, era uma criança que apresentava em seu psiquismo
as sequelas de uma rejeição e isolamento social. Reagindo às diversas
situações de desprezo e solidão, Dibs demonstrava sentimentos de hostilidade
para com seu pai, expressando que ele não o amava.

A cada encontro com a terapeuta, Dibs avançava no conhecimento de si


e na expressão dos seus sentimentos. Sua aparência se modificava, já não era
mais aquela criança inibida e de semblante triste. Este progresso pode ser
ressaltado por sua mãe, quando procura uma nova entrevista para falar do
reconhecível proveito que seu filho estava obtendo com as sessões. É válido
ressaltar que nesta situação a mãe de Dibs consegue refletir sobre toda a
relação estabelecida entre eles e passa a se implicar no processo.
Reconhecendo que ambos os pais haviam construído e imposto rígidas
barreiras entre eles e o filho.
Essa atitude de reflexão é de suma importância, tendo em vista que a
culpa do “comportamento atípico” era atribuído apenas a criança. Ao enxergar
Dibs como uma criança cujo potencial era surpreendente e descolá-lo desse
lugar de retardo mental, sua mãe pode sentir a aproximação do filho e
compreender melhor suas expressões e modo de agir, pode orgulhar-se dele.

Na escola também pode ser observado uma gradativa modificação no


comportamento de Dibs. Ele estava procurando aproximação com seus
colegas de turma, expressava-se melhor, e desenvolvia as atividades com uma
habilidade e inteligência notórias.

No brincar Dibs encontrou uma forma de demonstrar seus sentimentos


ambivalentes, simbolizando-os e se libertando das amarras que o
aprisionavam. Reconhecia-se como uma criança com um potencial a ser cada
vez mais desenvolvido, e havia aprendido o caminho que o levará ao
conhecimento de si. Ressalta-se a importância de se desenvolver uma conduta
terapêutica que não pressuponha um saber sobre a história e vida do cliente,
guiando e empoderando o mesmo para que agir com autonomia.
Referência:

Axline,V.M.,Dibs em busca de si mesmo; tradução de Célia Soares Linhares.


13 ed. Rio de Janeiro: Agir,1986

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