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º 18
#18
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fevereiro’24
fevereiro’24
Vamos a votos
ENTREVISTAS LEGISLATIVAS
“Não faz sentido parar uma reforma cuja
implementação se iniciou em janeiro deste
ano”
PS/Alexandra Leitão (6)
REPORTAGEM
“Era extremamente importante”
que o próximo ministro da
Saúde valorizasse os cuidados CONSULTÓRIO
intermédios (62) Estratégia de promoção de um equilíbrio
saudável da microbiota vaginal através do
uso de probióticos (54)
HN – Se vencerem as eleições, o que é que vão Pela sua importância, amplitude e dimensão, não
fazer para acabar com os atrasos em consultas, faz sentido parar uma reforma cuja implementação
exames e cirurgias? se iniciou em janeiro deste ano. Este facto só
nos responsabiliza mais e por isso temos mesmo
AL – O SNS registou, nos anos mais recentes, uma de acompanhar e avaliar esta reorganização no
atividade assistencial sem precedentes. Em 2024, terreno e ajustar o que for necessário.
o serviço público de saúde assegurou mais de 13 Mas não tenhamos dúvidas: o alargamento das
milhões de consultas nos hospitais, mais de 800 ULS a todo o país, ao reunir numa única gestão
mil cirurgias e mais de 33 milhões de consultas os hospitais, os centros de saúde e os cuidados
nos centros de saúde. Deu resposta a mais de 6 continuados de uma determinada região, só
milhões de episódios de urgência. pode ser bom para o utente. Facilita o percurso
das pessoas no sistema de saúde, ao integrar as
Portanto, o sistema está a responder ao aumento respostas. É o sistema que se organiza em torno
das necessidades de saúde de uma população da pessoa e não a pessoa que tem de procurar
que vive mais, com maior carga de doença e mais saber onde se dirigir. Esta mudança é mesmo uma
exigente. Temos mesmo de continuar o caminho qualificação da resposta do SNS e um importante
de recuperação da atividade pós-pandemia, que se contributo para garantir cuidados de saúde
contraria produzindo ainda mais no SNS. atempados e de qualidade à população, e para
melhorar os indicadores de saúde e bem-estar no
Daí o nosso compromisso com mais recursos país.
financeiros, mais recursos humanos e mais
atividade, investimento que será ancorado no novo HN – Relativamente aos profissionais de saúde,
modelo organizativo, com a criação das Unidades como é que os podem motivar e fixar no SNS?
Locais de Saúde, permitindo assim responder às
AL – Existe trabalho a fazer para fortalecer os HN – Quais são as principais medidas do PS para
progressos obtidos nos últimos oito anos de os cuidados de saúde primários (relembrando os
governação, e para isso é necessário insistir na mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico
criação de um ambiente de diálogo e cooperação. de família) e para os cuidados hospitalares?
As lideranças têm um papel fundamental na
motivação e no apoio aos trabalhadores, mas AL – A prestação de cuidados de saúde não
também na dignificação do serviço público de pode, com a atual reforma organizativa do SNS,
saúde. ser compreendida sem considerar a criação das
novas Unidades Locais de Saúde, que permitem
Entendemos que, para além das questões salariais, aproximar os cuidados do cidadão e do seu ciclo
é necessário considerar na equação as aspirações de vida, e a generalização das USF modelo B, que
de uma nova geração de profissionais de saúde alargam o número de pessoas com médico de
que justamente relevam a justiça organizacional, as família e valorizam os profissionais destas unidades
exigências laborais e a conciliação entre o trabalho de saúde.
e a vida pessoal e familiar.
Em relação aos médicos de família, sabemos que
No âmbito da valorização dos profissionais de estamos a atravessar o pico das reformas, mas
saúde, estamos determinados a aprofundar o também estamos a formar cerca de 2 mil médicos,
processo de revisão das carreiras e de valorização 500 profissionais por ano, que nos permitirão
salarial, apostando claramente num modelo de reduzir as dificuldades que enfrentamos.
formação e investigação, ao mesmo tempo que
melhoramos as condições de trabalho. Neste No âmbito da valorização e diversificação dos
processo, continuaremos firmemente a incentivar cuidados de saúde de primários, porta de entrada
a dedicação plena e em exclusividade ao SNS, no Serviço Nacional de Saúde, o Partido Socialista
através de incentivos à produção. está determinado em reforçar e diversificar a
oferta de cuidados de proximidade, melhorando o
No contexto de combate à iniquidade territorial no acesso a respostas de saúde oral e visual, pediatria,
acesso à saúde, estamos também determinados terapia da fala, psicologia clínica, saúde mental e
em criar um sistema de incentivos aos profissionais nutrição. Neste âmbito consideramos prioritária a
que trabalhem em territórios menos atrativos, criação de uma rede de atendimento permanente,
através de apoios ao alojamento e às famílias. a funcionar em centros de saúde de referência,
que serão equipados com alguns tipos de meios
HN – O que propõe o PS se as greves dos complementares de diagnóstico, contribuindo
profissionais de saúde continuarem e com isso para reduzir o recurso às urgências hospitalares,
dezenas de urgências encerrarem semanalmente, e reforçar as respostas imediatas a pessoas sem
medicamentos não forem entregues e cirurgias e médico e enfermeiro de família, mobilizando
consultas tiverem de ser adiadas? equipas multiprofissionais, envolvendo médicos
e enfermeiros e outros profissionais a serviço ou
AL – Partimos para esta campanha com uma que estejam aposentados. Determinante será
convicção muito forte: o Partido Socialista também generalizar os rastreios visuais e auditivos
fez imenso pela valorização das carreiras dos na infância e prosseguir o reforço da oferta de
profissionais de saúde, mas este progresso social e cuidados de saúde oral de proximidade, através da
laboral merece ser e tem de ser aprofundado. Este criação da carreira de medicina dentária no SNS.
caminho só pode ser feito numa base de diálogo e
de cooperação, franca, constante e permanente. Nos cuidados hospitalares, apostaremos na criação
Esse é um ponto de partida do qual uma sociedade de centros de excelência clínica no SNS, com os
moderna e progressista não pode abdicar. recursos humanos e tecnológicos necessários,
10 ENTREVISTA
Com as Eleições Legislativas 2024 à porta, as promessas nos partidos florescem. Mas
o que é que a Aliança Democrática (AD) propõe de diferente para o setor da Saúde?
Foi esta e mais perguntas que o nosso jornal quis ver respondidas em entrevista à
candidata número três por Lisboa. Em Exclusivo, Ana Paula Martins afirmou que a
coligação PSD/CDS-PP e PPM quer resolver de vez o problema de recursos humanos na
saúde, garantindo: “Não vamos reter ninguém. Somos completamente contra pactos
de permanência”. Entre as diversas propostas da AD destaca-se a implementação de
um Plano de Emergência SNS 2024-2025, um Plano de Motivação dos Profissionais de
Saúde, a digitalização e reorganização de algumas áreas do sistema.
ligadas ao Serviço Nacional de Saúde e ao setor da para modelo B. Ao contrário de outras reformas,
saúde. Foram incluídas as propostas de reforma estas unidades foram, ao longo da última década,
que no nosso entender são absolutamente colecionando evidências de motivação dos
fundamentais, não só na sua essência, mas profissionais de saúde e, acima de tudo, uma
também na rapidez da sua execução. humanização dos cuidados com resultados muito
concretos sob o ponto de vista clínico.
HN – Propõem um plano de emergência para a
saúde a ser aprovado nos primeiros 60 dias de A AD afirma, e aqui é que temos um mar de
um Governo da AD e executado em 2024 e 2025. diferenças relativamente ao programa eleitoral do
Quais as medidas mais relevantes que pretendem Partido Socialista, que todos os médicos de família
aprovar caso venham a formar Governo? que estão a trabalhar nas instituições sociais e
privadas, qualquer que seja a sua idade, poderão
APM – Este sentido de urgência é muito ter um acordo no âmbito do Serviço Nacional
importante. O nosso programa passa desde logo de Saúde para ficar com uma lista de utentes.
pela atribuição de médico e equipa de saúde Dir-me-á que isso não é uma equipa de saúde
familiar a todos os cidadãos. Porque é que para familiar. É verdade, mas é melhor ter um médico
a AD é tão importante este tema? Porque não de família ou um médico assistente para fazer o
podemos desistir da ideia de que, no final de acompanhamento em proximidade. Os médicos
2025, os nossos utentes devem ter uma porta de que têm hoje a sua clínica, são cerca de 800,
entrada no SNS e no sistema de saúde, de modo a podem formar parte da solução para proteger os
não ficarem sem solução para os seus problemas utentes que ainda não conseguem ser incluídos
de saúde. Esta medida surge do diagnóstico que nas USF modelo b.
foi feito do número de portugueses sem médico
de família. Nos últimos anos, aumentámos de HN – Significa que a AD pensa recorrer ao setor
forma muito significativa este número, sobretudo privado? Vão ser implementadas as USF modelo
em determinadas regiões. Há grandes assimetrias C?
no país e isso é uma preocupação até, deixe-me
dizer, constitucional. Em Lisboa e Vale do Tejo, APM – Poderemos certamente. Como tudo na
Algarve, Alentejo e nalgumas zonas da região vida, existem vantagens e desvantagens. As USF
Centro temos milhares de utentes sem médico de modelo c são efetivamente uma possibilidade de
família atribuído. Nalguns casos esta percentagem organização para os Cuidados de Saúde Primários
ultrapassa os 60%. Trata-se, portanto, de uma poderem alcançar este objetivo principal do
questão que coloca em causa a confiança no programa eleitoral da AD que é a atribuição de
sistema. As pessoas têm de sentir que vão a um médico de família para todos até 2025. Portanto,
centro de saúde, quer seja por uma situação não deixaremos de utilizar este mecanismo se, em
aguda, quer seja crónica, e que têm a quem concertação com os profissionais e com o setor
recorrer - o médico de família. social e privado, chegarmos à conclusão que é mais
uma ferramenta de fazer chegar médicos e equipas
HN – Mas como pensam cumprir esta promessa de saúde familiar para todos os portugueses. De
que tem sido bandeira eleitoral de todos os qualquer forma, é preciso perceber que esta é
partidos há várias décadas, sem nunca ter sido uma medida muito exigente e muito difícil de
cumprida? concretizar. A AD vai, por isso, continuar a insistir
nas USF modelo b (vamos acompanhá-las e
APM – Pensamos cumpri-la acreditando e expandi-las). É um projeto que está a ser iniciado e
trabalhando nela. Temos uma reforma em curso desenvolvido.
que nos parece muito positiva e que diz respeito
à passagem das Unidades de Saúde Familiar HN – Mas está a ser alvo de críticas. Os médicos
não concordam com alguns indicadores de assumir que este já não consegue responder
desempenho... sozinho ao aumento da procura. Portanto, com
a AD voltaremos a ver uma contratualização
APM – Lá está. Estando nós de acordo com o muito forte com o setor social, sobretudo em
modelo, reconhecemos que o temos de ajustar áreas de cuidados continuados, onde a situação
não só a nível da regulamentação, mas também a é altamente preocupante. É uma questão que
nível da contratualização. É um processo dinâmico. acaba por bloquear uma parte da recuperação
Aquilo que eu quero dizer em relação aos índices das cirurgias realizadas no Serviço Nacional de
de desempenhos, teremos de mais uma vez, em Saúde. Ficamos com doentes que, mesmo tento
diálogo, fazer o ajuste que for preciso e que se alta médica, permanecem nos nossos hospitais.
revele necessário. É por isso que, voltando ao Temos de aproveitar todo o potencial que o setor
nosso plano de emergência, queremos aprofundar social e privado tem. É aqui que entra a segunda
o olhar sob os indicadores de desempenho, área prioritária - a recuperação das listas de espera
para a questão dos secretários clínicos, para a para consultas e cirurgias. Quando falamos em ter
concretização do enfermeiro de família e das suas modelos de contratualização, contratos-programa,
funções... É preciso, no fundo, pegar nisto tudo e convenções, para recuperar listas de espera em
continuar a melhorar as USF modelo b. termos de tempos máximos de resposta garantida,
significa que estamos a dar prioridade a áreas
Aquilo que nos distingue do Partido Socialista é que nos preocupam bastante, como é o caso da
que nós vamos “deitar mão” daquilo que são os oncologia.
profissionais de saúde que temos disponíveis no
setor social e privado. Queremos encontrar formas HN – É com a atribuição de “vouchers” que
de contratualização para que estes profissionais pensam responder aos problemas nas listas de
tenham listas com utentes sem médico de família. espera?
Falamos muito dos “bata-branca”. Foi um modelo
que foi resultando em várias zonas do nosso país, APM – Sim. O que nós queremos dizer no nosso
suprindo necessidades importantes. Portanto, esta programa eleitoral com o “voucher” é que pode
também é uma possibilidade. Podemos avançar servir como uma “via verde”. Esta é a segunda área
com um modelo “Bata Branca 2.0” ou “Bata Branca de trabalho do plano de emergência para a saúde
3.0”. Estamos a falar de médicos que estão no que vamos implementar nos primeiros sessenta
ativo e que fazem a sua atividade no setor social e dias.
privado.
HN – Falou sobre a questão da gestão. O último
HN – Para além dos CSP, quais as outras áreas governo pôs fim as PPP. Mais tarde, o Tribunal
que vos preocupam e que reconhecem como de Contas concluiu que hospitais em Parceria
prioritárias? Público-Privada geraram poupanças ao Estado.
Qual será a atuação da AD no que toca a esta
APM – Temos duas áreas que nos preocupam questão? Vão regressar as PPP?
muito. Uma é a gestão dos hospitais públicos.
Quem governa tem a obrigação de desburocratizar APM – Vão regressar os modelos de governação
e dar condições à gestão pública para fazer aquilo que forem mais adequados para reforçar o Serviço
que, por exemplo, a gestão privada consegue Nacional de Saúde e o sistema de saúde. Com isto
fazer. Aquilo que eu senti na pele é que apesar quero dizer que a AD vai contemplar as Parceria
de conseguimos recuperar de listas de espera, Público-Privada, as Parceria Público-Social e as
não é suficiente. É preciso ter esta lucidez. Não Parcerias Público-Pública. As USF modelo b é um
posso querer defender tanto o SNS, achando claro exemplo de Parcerias Público-Pública.
que o reformo, o desenvolvo e o transformo sem
16 ENTREVISTA
Ao nível da gestão consideramos que a questão além da dimensão monetária. Temos de apostar na
ideológica tem de ficar de lado. Se temos relatórios rede de mobilidade e no apoio da rede de creches.
que evidenciam que as Parceria Público-Privadas Muitos destes profissionais são jovens, pais e
foram globalmente muito positivas em termos mães, que precisam de ter apoio a este nível.
de resultados para o Estado e para os cidadãos, Esta é uma das medidas que todos os hospitais
a AD vai olhar para esta questão. De qualquer procuram ter.
forma, por parte da AD existe uma firme intenção
de olhar para aquilo que são as possibilidades de HN – Podemos então afirmar que o plano de
estender modelos de Parcerias Público-Públicas. motivação profissional, proposto pela AD, vai
Os hospitais universitários são centros de produção para além dos incentivos remuneratórios?
de conhecimento, não são só assistenciais. As
universidades podem ajudar-nos a encontrar APM – Sim. O plano de motivação não é só por
soluções muito interessantes em termos de gestão via da remuneração, mas também por via das
destas unidades. Temos de retirar, daquilo que componentes sociais, como é o caso de creches
são as burocracias do perímetro do Estado, a para os filhos dos profissionais de saúde, do apoio
capacidade de gerir e de inovar. Estes são alguns às rendas e da flexibilidade laboral. Os modelos
dos problemas que os nossos gestores enfrentam híbridos que são tão contemporâneos para estas
todos os dias. Por isso é que a Aliança Democrática novas gerações, são mais difíceis de atingir na área
não fecha as portas a nenhum modelo de gestão da saúde. Isto não quer dizer que seja impossível.
que seja comprovadamente eficaz no que toca à Temos de ter uma reforma digital. Esta é uma das
satisfação dos doentes, profissionais de saúde e do críticas que a AD faz aos últimos oito anos. Não
sistema de saúde. fizemos a transição digital que precisávamos de
fazer. Temos um PRR de 300 milhões de euros.
HN – O programa alerta que “há uma injustiça Cabe-nos a nós perguntar qual é o caminho que
gritante no acesso aos cuidados de saúde em estamos a fazer no que toca a esta questão. Como
Portugal, com desigualdades crescentes entre é que estão os hospitais? O que é que está a
os mais pobres e os mais ricos, entre o litoral e acontecer em relação ao sistema? O que é que
o interior, entre zonas urbanas, suburbanas e está a ser feito para garantir novos modelos de
rurais”. Quando a AD propõe “um novo conjunto trabalho digital? São estas as perguntas que iremos
de incentivos para atração de profissionais de discutir na primeira semana se viermos a formar
saúde” nas zonas mais carenciadas, de que Governo. No âmbito deste plano de motivação
incentivos estão a falar? podemos ter uma parte do trabalho, que é feito
pelos médicos e enfermeiros, através da saúde
APM – As zonas carenciadas, onde habitualmente digital ou de meios domiciliários.
residem as populações mais vulneráveis e
ultravulneráveis, têm de ter incentivos não apenas HN – O registo eletrónico único, há tanto
de natureza remuneratória, mas também a nível prometido, vai ser uma realidade com um
do acesso à habitação. Posso dar um exemplo, governo da AD?
já temos em Lisboa, com o presidente Carlos
Moedas, um trabalho que está a ser feito de apoio APM – Tem que ser. Todas as medidas de que
a rendas acessíveis para os nossos profissionais falei não fariam sentido sem o registo de saúde
de saúde, nomeadamente os enfermeiros e os eletrónico. É uma ferramenta essencial para que
técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, todas estas mudanças aconteçam.
cujos salários são muito baixos para o custo de
vida em Lisboa. Portanto, ao contrário daquilo HN – Como é que a AD prevê atender às
que pensaríamos há duas décadas, os incentivos exigências dos profissionais de saúde? Os
hoje para ficar nas áreas metropolitanas vão para sindicatos médicos estiveram quase 2 anos
em negociações com o Governo do PS, tendo de Urgência e Emergência será a solução para
apenas chegado a um acordo intercalar. Já os este problema?
enfermeiros e as restantes classes nem tiveram
essa oportunidade... Prevê-se, pois, que no pós APM – Quando formos Governo, iremos debater
nomeação do futuro governo a contestação, esta questão. Estamos comprometidos e
com todos os problemas de acesso que se lhe esperançados de olhar para o tema Especialidade
associam se irá manter. de Medicina de Urgência como um passo para
conseguir ter um serviço de urgência que seja
APM – A AD está comprometida com esta questão. mais dedicado. De qualquer modo, é preciso
O nosso compromisso é de que iremos retomar as dizer também que a criação desta especialidade
negociações com os médicos. E porquê? Porque exige um modelo de remuneração próprio e uma
os aspetos remuneratórios foram salvaguardados reorganização do sistema. Isto é, implica termos
pelo governo anterior, mas existem ainda muitos cuidados de proximidade muito bons e que todas
aspetos, nomeadamente motivacionais que têm as especialidades possam convergir com estas
de ser discutidos. Temos de olhar para flexibilidade equipas... E isso ainda não está devidamente
horária e para o tempo laboral. Se calhar um afinado.
médico com 70 anos já não quer trabalhar 40
horas por semana, quer trabalhar 20 ou 12 horas, HN – A AD fala em reformular a Direção Executiva
mas é tão especializado em determinadas áreas do SNS, o que é que isto significa? Vai ser dada
médicas que nos fazem muita falta... Não podemos maior autonomia, mais competências, mais
dar-nos ao luxo de desperdiçar estes recursos recursos?
valiosíssimos.
APM – Significa que vamos olhar para aquilo
Este plano de motivação vai envolver todos os que é hoje o modelo de governação. Temos de
aspetos que temos de trabalhar para conseguir perceber o que é que na governação estamos a
atrair e vincular os profissionais. Não vamos reter ter. A DE-SNS já tem algum tempo de existência.
ninguém. Somos completamente contra pactos de Tem naturalmente um relatório apurado do
permanência. trabalho que tem feito. Portanto, é preciso falar
com a Direção Executiva e perceber quais são
O plano de recursos humanos na Saúde é a as perspetivas, os meios que dispõe e qual é
principal preocupação que a AD tem. É um plano o modelo de trabalho que prevê com os seus
estruturante que tem de ser construindo com estatutos. Por outro lado, vai ter de se questionar
as profissões e com as ordens profissionais. Não a rede do SNS sobre como é que avalia o
temos medo das ordens. Muito pelo contrário, desempenho da própria Direção Executiva. Isto
achamos muito importante ter sua a contribuição, é muito importante. É preciso perguntar àqueles
uma vez que têm um estatuto que lhes permite que estão à frente dos hospitais e dos centros de
regular a profissão e garantir aquilo que é a sua saúde se veem mais valor e se consideram que
própria vocação. O Estado nunca fez bem isto. As existem vantagens para o sistema. Portanto, aquilo
nossas ordens profissionais têm muita maturidade que tiver de ser corrigido será corrigido. Aquilo
na área da Saúde e são capazes se colocar o que estiver a funcionar bem é para continuar.
interesse público em cima da mesa. O Governo, Não nos podemos dar ao luxo de mudar o que
que tem a obrigação de ouvir e ponderar, tem de está bem, mas também não podemos de manter
fazer a arbitragem necessária. o que está mal. Isso não é possível com a Aliança
Democrática.
HN – O funcionamento dos serviços de urgência
tem marcado a agenda mediática dos últimos Entrevista de Vaishaly Camões
meses. A criação da Especialidade de Medicina
18 ENTREVISTA
por não ser extintas. Estamos em fevereiro e as o que é necessário é que sejam atendidas as
Administrações Regionais de Saúde continuam justas reivindicações das classes profissionais,
a funcionar exatamente como funcionavam em nomeadamente a questão das carreiras e da tabela
dezembro. Nada mudou, tanto do ponto de salarial dos médicos, enfermeiros e farmacêuticos
vista financeiro, como do ponto de vista prático hospitalares. Mas não é só esta questão
e administrativo. Embora tivesse havido uma remuneratória que importa, os profissionais de
reforma no papel, todos os que trabalhamos na saúde têm de sentir que são valorizados dentro
área da Saúde sabemos que pouco mudou. das suas instituições. Para isso é necessário que
existam boas condições de trabalho, que haja
Queremos é voltar a um sistema que seja prático liberdade para conjugar a profissão com a família
e célere. É por isso que defendemos também a e com o percurso académica, sendo algo muito
melhoria dos sistemas informáticos que estão à desejado nesta área. Penso que desta forma vai ser
disposição dos profissionais. Tem que haver uma possível voltar a captar os melhores profissionais
uniformização e uma fiabilidade dos programas para o Serviço Nacional de Saúde. Os médicos
para podermos verdadeiramente desburocratizar quando saem fazem-no com alguma mágoa e em
a Saúde. Isto passa desde logo pela introdução último reduto. Estes especialistas saem porque se
da ficha única do utente. Esta terá de poder sentem muito mal tratados e desiludidos.
ser consultada aos vários níveis, isto é, desde a
farmácia comunitária até ao centro de saúde e ao HN – O CHEGA quer revogar a Portaria no 411-
hospital. A/2023, que regula o Índice de Desempenho das
Equipas das Unidades de Saúde Familiar. Como
O CHEGA quer ainda criar um inventário nacional pensam avaliar a eficiência e produtividade dos
dos profissionais de saúde. Está para ser feito em médicos nas USF modelo B?
Portugal desde 2015... É impossível o Governo
gerir bem os recursos humanos quando não sabe PF – A razão pela qual queremos revogar essa
quantas pessoas tem em cada classe profissional; portaria é porque ela entra em linha de conta
não sabe as suas qualificações nem as suas com o número de Meios Complementares de
motivações. Diagnóstico Terapêutica e o nível de prescrição.
Para o CHEGA esta medida é um atentado à
HN – O CHEGA reconhece no seu programa a independência científica e à boa prática médica.
importância de devolver ao SNS “a capacidade de Os médicos não podem estar a ser avaliados
atrair e fixar profissionais”, alertando que entre pelo número de exames e de medicamentos que
fevereiro e outubro de 2023, 1.780 profissionais prescrevem, até porque as populações são muito
de saúde abandonaram o SNS. Que medidas diferentes. Portanto, consideramos que essa
propõem para “estancar esta sangria”? O recurso portaria não está bem construída. A avaliação tem
a médicos estrangeiros é uma opção para o de assentar em dois pilares: os índices de produção
CHEGA? do próprio médico, tal como acontece nos CRI,
e os ganhos em saúde da população. É preciso
PF – Para o CHEGA os médicos portugueses estarão que se comecem a avaliar, de uma vez por todas,
sempre em primeiro lugar. Somos reconhecidos a erradicação ou diminuição de determinadas
mundialmente por uma formação académica de patologias. Essa tem de ser uma consequência da
excelência. Este reconhecimento é feito tanto na boa ação médica. Os profissionais de saúde têm
Medicina, como na Farmácia e na Enfermagem. de ser recompensados quando, nas suas listas,
Portanto, é inadmissível que estejamos a perder conseguem ter estes ganhos em saúde.
os nossos encéfalos para o estrangeiro, não os
conseguindo captar. No Serviço Nacional de HN – O partido quer promover a segurança dos
Saúde, sob o ponto de vista mais específico, profissionais de saúde. Que medidas propõem?
PF – O CHEGA já propôs essas medidas em sede da HN – O CHEGA alerta que “em breve, e a este
iniciativa legislativa, na Assembleia da República, ritmo, mais de 2 milhões de portugueses estarão
mas simplesmente foram cilindradas pela maioria sem médico de família”. A cobertura de toda
absoluta. Em Portugal, não podemos escamotear a população é uma promessa realista? Como
o facto de que, todos os dias, pelo menos um pensam garantir a sua concretização?
enfermeiro é agredido ou é algo de assédio. Por
isso é que propusemos que a agressão a um PF – Começa desde logo pela valorização das
funcionário do Serviço Nacional de Saúde seja carreiras e pela remuneração dos médicos, de
tornado um crime público. acordo com a sua produção naquilo que nas
Unidades de Saúde Familiar modelo B. O CHEGA
HN – O partido tem sido bastante insistente quer criar uma figura que é a figura do “gestor
sobre o tema da pressão migratória na Saúde. da UCSP/USF”. Será uma pessoa que deve
No que toca às políticas de acesso à saúde dos coordenar e apoiar as equipas de saúde nas áreas
imigrantes, quais as medidas defendidas pelo administrativas, de gestão e na resolução de
CHEGA? Os imigrantes devem ter pleno acesso ao conflitos, libertando médicos e enfermeiros para
SNS? fazerem aquilo que sabem: acompanhar e tratar
os seus utentes. Com esta medida administrativa e
PF – Este é um aspeto muito importante. Temos independência das próprias unidades de cuidados
falado com vários conselhos de administração. primários, consideramos que podemos agilizar e
Recentemente, a propósito da crise que tem sido muito aquilo que são as listas de espera para se
verificada na Ginecologia e Obstetrícia, falámos obter o médico de família.
com os responsáveis da Maternidade Alfredo da
Costa onde nos foi dito que cerca de quarenta por HN – Mas voltando à pergunta, é ou não realista
cento dos nascimentos são de mães estrangeiras, atribuir médico de família para todos os utentes?
sendo que a maioria não fala português nem Todos os partidos prometem esta medida.
inglês. São grávidas que não foram acompanhadas,
que aparecem no final do tempo de gestação, PF – Todos os partidos prometem, mas poucos
algumas inclusivamente em trabalho de parto, o fazem. É por isso que temos de criar umas
e que são recém-chegadas do estrangeiro. Não Unidades de Saúde Familiar 2.0. Isto é, um novo
podemos esquecer que a doutora Marta Temido se paradigma.
demitiu no decurso de um problema relacionado
com esta questão - uma grávida estrangeira com HN – Entre as prioridades para a saúde é
complicações que veio para Portugal apenas para apontada a modernização do SNS, “fazendo
ter o seu bebé e que acabou por morrer. Portanto, uso das inovações tecnológicas e inteligência
temos de encarar este problema porque existe um artificial, garantindo assim uma maior
turismo médico dirigido a Portugal. É um turismo informatização, eficiência operacional e,
que vem para o SNS. Muitas pessoas com doenças consequentemente, um melhor serviço
graves vêm para o nosso país porque sabem que prestado ao utente”. O Chega pensa dotar os
ao aterrarem têm imediatamente acesso ao nosso CSP de equipamento tecnológico que permita a
serviço de saúde. É um assunto que tem que ser internalização dos exames complementares de
estudado e enfrentado. Os recursos do Serviço diagnóstico?
Nacional de Saúde não devem estar disponíveis
para todas as pessoas do mundo que queiram vir PF – Sim. Temos de equipar os Cuidados de Saúde
fazer turismo médico. É um problema que tem Primários de alguns meios complementares de
que ser visto com humanismo, mas também com diagnóstico, como eletrocardiogramas, raio x,
pragmatismo... Os recursos são limitados e os gasimetria e avaliação laboratorial que permita
portugueses têm que vir primeiro no atendimento. diagnosticar e tratar casos mais complexos. Isso
22 ENTREVISTA
vai evitar a deslocação para o hospital e retirar a HN – Afirmou que o partido quer voltar a
pressão sob as consultas de especialidade. Com implementar as PPP nos hospitais. Existe outras
essa atualização das Unidades de Saúde Familiar áreas do SNS que pensam poderem ser entregues
2.0 vamos conseguir captar mais médicos. Em à gestão privada?
Portugal não há falta de médicos. Portugal tem é
falta de médicos a trabalhar no SNS. Portanto, se PF – Sim, desde logo nos Cuidados de Saúde
estes profissionais forem valorizados e estiverem Primários. Para o CHEGA é totalmente atendível
motivados para tirarem a sua especialidade de que um consórcio de médicos se queira juntar e
Medicina Geral e Familiar tenho a certeza que eles queira fazer uma clínica de CSP para garantir, a
corresponderão. uma população que está desprotegida, a prestação
de cuidados de Medicina Geral e Familiar.
No fundo, esta medida vai permitir ao médico de
família fazer diagnósticos mais céleres, ao mesmo HN – Fala das USF modelo c?
tempo em que se retira peso orçamental, uma
vez que evita a contratualização de prestadores PF – Sim. Estão legisladas, mas nunca foram
de serviço nas análises clínicas ou nos exames implementadas por falta de vontade política. Em
complementares de diagnóstico mais simples. Portugal, temos muitas áreas da saúde em que o
conhecimento científico e a melhor prática estão
HN – A nível hospitalar, quais as fragilidades que no setor privado. Ora, daí ser reconhecido, sem
identificam e que pretendem ver melhoradas? nenhum tipo de preconceito ideológico, que este
deve ser aproveitado pelo Serviço Nacional de
PF – Vai ter que se avançar com a construção Saúde.
dos hospitais que estão prometidos há décadas.
Nestes últimos oito anos, o Partido Socialista não HN – Agora sobre a saúde preventiva. Defendem
inaugurou um único hospital. Já o setor privado, a atualização do Plano Nacional de Vacinação,
sim, inaugurou várias unidades hospitalares. “garantindo a disponibilidade de vacinas
Portanto, temos que avançar com a construção essenciais, sobretudo para a população infantil”.
do Hospital do Seixal, do Algarve, de Lisboa De que vacinas falam?
Oriental e do Oeste. É claro que a nível da gestão
e da organização temos de promover uma PF – Não quisemos mencionar especificamente
reorganização, dando autonomia aos conselhos nenhum serotipo vacinal para não sermos
de administração. Esta pseudo reforma das acusados, pelos partidos da esquerda, de estarmos
Unidades Locais de Saúde que foi feita, para o a beneficiar os grandes grupos farmacêuticos. No
CHEGA é apenas uma reforma de “maquilhagem”. entanto, posso dizer-lhe que do ponto de vista do
As ULS continuam altamente dependentes Plano Nacional de Vacinação para as crianças, o
das autorizações do Ministério das Finanças e que achamos que há uma necessidade premente
continuam altamente politizadas... Os conselhos de é a vacina para o Vírus Sincicial Respiratório. A
administração são feitos por nomeação política e imunização das crianças permite a grandes ganhos
não por meritocracia. Os próprios administradores em saúde, com uma diminuição abrupta dos
hospitalares queixam-se que as suas próprias internamentos com infeções respiratórias.
carreiras também não são valorizadas e
atualizadas. O CHEGA defende que ao fim de cada Para os adultos, defendemos a inclusão da vacina
mandato, as pessoas devem ser recompensadas do HPV e a vacina para o herpes zoster no Plano
pelos bons resultados que demonstraram ou, se Nacional de Vacinação. Esta infeção é responsável
for o caso contrário, responsabilizados por aquilo por uma condição bastante gravosa que é a Zona.
que aconteceu de menos bom.
Entrevista de Vaishaly Camões
Crédito da imagem: Gajus-Images, ENVATO
24 ENTREVISTA
HealthNews (HN) – No programa eleitoral da que vemos em países como a Alemanha e os Países
IL, a Saúde surge como o 6º tópico. A Saúde é Baixos.
verdadeiramente uma prioridade do partido caso
venha a ser eleito? HN – Considera que é legítimo comparar e
posicionar Portugal ao mesmo nível que esses
Joana Cordeiro (JC) – Sim. Foi mais uma questão países? São países com economias muito mais
de arrumação. Nós definimos cinco grandes robustas.
objetivos para a legislatura até 2028, dentro dos
quais a Saúde. A visão da Iniciativa Liberal pode ser JC – Temos sempre de posicionarmo-nos ao nível
resumida em duas frases: “Mais escolha. Menos dos melhores ou, pelo menos, ter essa ambição e
espera”. Ora, isto significa que queremos que o caminhar nessa direção. Para a Iniciativa Liberal,
acesso à saúde seja verdadeiramente universal, o setor a que pertence o prestador do cuidado
com cuidados de saúde de qualidade, prestados de saúde deve ser indiferente. Apesar de muitas
em tempo útil e onde o doente tem liberdade de vezes sermos acusados de promover uma saúde
escolha. Queremos afastar-nos desta discussão para ricos e para pobres... A verdade é que é isso
sobre o prestador do serviço... Para os doentes que temos atualmente. Hoje em dia, quem não
devia ser indiferente se é o setor público, social ou tem alternativa ao Serviço Nacional de Saúde é
privado a prestar os cuidados de saúde. A escolha obrigado a ter de ficar à espera. Esta é a realidade
do doente deveria passar pelo médico e hospital do país. Sabemos também que quase metade da
onde quer ser atendido. Era este o princípio que população tem subsistemas e seguros de saúde.
deveria prevalecer. Infelizmente, quem não tem ADSE ou um seguro
de saúde não tem a possibilidade de escolher. É
Sendo a saúde um dos nossos grandes objetivos, o por isso que a IL defende que esta qualidade e
primeiro compromisso que a IL assume é garantir facilidade de acesso deve ser estendida a todas as
um médico de família para todos até 2028, com pessoas. Isso é que é garantir um acesso universal.
uma prioridade antecipada para grávidas, crianças
até nove anos e para pessoas com mais de 65 HN – Como é que a o vosso partido pretende
anos. A esta população prometemos médico de fortalecer a saúde em Portugal? Vão, como a
família no primeiro mês da legislatura. Assumimos oposição alega, “retirar dinheiro do SNS para
este compromisso, mas já é conhecido que a financiar o privado de saúde”?
Iniciativa Liberal na legislatura passada apresentou
uma nova lei de bases de saúde, cujo objetivo era JC – Não é isso que a Iniciativa Liberal vai fazer. Há
enquadrar o novo modelo da saúde. Aquilo que vários problemas no Serviço Nacional de Saúde.
defendemos é um modelo mais aproximado àquilo Temos mais de 1,7 milhões de portugueses sem
26 ENTREVISTA
médico de família. Temos listas de espera que a sua gestão, contratualizando com o Estado a
continuam a aumentar; os últimos números da prestação de cuidados. Esta é a forma que temos
Entidade Reguladora da Saúde alertam para mais para resolver o problema. Não basta dizer que
de 750 mil pessoas à espera de uma consulta queremos médico de família para todos se na
e cerca de metade já está acima dos Tempos realidade não há medidas concretas. Aquilo que
Máximos de Resposta Garantidos. Se olharmos vemos dos restantes partidos é fazer tudo igual
para a oncologia, onde os valores foram os mais com mais dinheiro.
ressalvados por serem precisamente os mais altos,
vemos que temos 73% das pessoas foram destes HN – Salientou o problema das listas de espera
tempos. Ora, temos mais de dez mil pessoas a para as consultas da especialidade. A nível
aguardar uma consulta. Não podemos continuar hospitalar quais são as propostas que destacaria
a aceitar isto. O grande problema tem a ver com a da IL?
falta de profissionais de saúde no SNS. De acordo
com dados da Federação Nacional dos Médicos, JC – Já propusemos e vamos continuar a insistir
temos cerca de sessenta mil médicos no sistema, nisso, para contratualizar os serviços de consulta
dos quais só cerca de 31 mil é que trabalham no e cirurgia onde quer que essa capacidade esteja
Serviço Nacional de Saúde e desses, pelo menos, disponível. Portanto, o que propomos é que
um terço são médicos internos. se façam concursos públicos, com abrangência
internacional, para a prestação de cuidados de
No fundo, as nossas medidas focam-se em resolver saúde. Precisamos de um processo mais ágil para
estes dois problemas. É claro que temos a lógica resolver todos estes problemas.
do nosso modelo de saúde, mas também temos
que ter medidas mais concretas para, no imediato, A nível hospitalar defendemos o regresso das
começar a ultrapassar as limitações existentes. Parcerias Público-Privadas.
É por isso que defendemos que temos de ir ao
encontro dos médicos de família onde eles estão. HN – Mas como é que vai ser feita esta
negociação com os privados? O anterior governo
HN – As USF modelo C são a solução? Com a IL disse que as exigências destes grupos eram
este modelo vai sair do papel e tornar-se uma excessivas.
realidade?
JC – Já temos dito que estas parcerias têm de ser
JC – As últimas medidas do Governo de Win-Win para as duas partes. As três PPP que
transformar as USF em modelo B veio demonstrar entretanto acabaram já tinham provas dadas que
que, com uma maior autonomia e com incentivos funcionavam... Portanto, o que a IL propõe é que
associados ao melhor desempenho, são se abram, nestas unidades hospitalares, novos
alcançados melhores resultados. Portanto, aquilo concursos públicos com abrangência internacional.
que a IL quer é avançar mais um degrau... Até É claro que vai ser necessária competência para
porque quem colocou as USF modelo C na lei foi o negociar os contratos. Relativamente aos restantes
próprio partido socialista. hospitais do Serviço Nacional de Saúde que sejam
feitos estudos, de modo a perceber se faz ou não
Para a Iniciativa Liberal, a solução para a falta sentido estabelecer Parcerias Público-Privadas.
de médicos de família passa, no fundo, por
contratualizar serviços com o setor privado e social No fundo, o que temos de fazer é analisar qual
e criar as Unidades de Saúde Familiar modelo C. É é o melhor modelo de gestão para cada um dos
um modelo que permite a um grupo de médicos, hospitais do SNS. Pode haver sítios onde as PPP
enfermeiros e secretários clínicos criar uma não se justifiquem. Os relatórios mostram que
unidade que tem toda a autonomia para fazer as unidades onde foi estabelecida uma Parceria
Público-Privada, estiveram perfeitamente já atuam sobre essa premissa e mesmo assim
integrados no SNS, que os níveis de satisfação muitos médicos contestam os indicadores de
eram superiores a outras unidades e que geravam desempenho. O que é que a IL vai fazer de
poupanças para o Estado. Tivemos um conjunto de diferente?
indicadores positivos e acabámos com isto por um
preconceito puramente ideológico. Sabemos que JC – A nossa visão enquanto partido é uma
é um tema complicado... As PPP têm de funcionar visão de meritocracia. Isto é, defendemos que
para os dois lados. Não pode ser o Estado a ficar as remunerações têm de estar assentes numa
prejudicado, mas, vamos ser sinceros, nenhum avaliação de desempenho. Um profissional que
privado terá interesse em ficar prejudicado. O que trabalha mais e melhor deve ser valorizada face
está a acontecer é que quantos mais problemas o a outro profissional, cujo desempenho não é tão
SNS tiver, menor é a capacidade de negociação do bom. Relativamente à questão dos profissionais de
Estado. saúde das USF modelo b, o problema são alguns
dos indicadores que foram estipulados. Para a IL o
HN – Olhando para aquilo que foi feito pelo que faz sentido é que as próprias unidades possam
anterior executivo e as reformas implementadas definir os seus próprios indicadores. Isto porque
na saúde, há alguma medida que a IL pense há parâmetros que fazem sentido numa região e
reverter? não noutra. Portanto, os índices de desempenho
devem ser variáveis consoante a unidade. Não
JC – Não vamos colocar a questão dessa forma. podemos avaliar ou remunerar igual o que é
Nós, de facto, temos uma visão diferente para a diferente.
saúde. Relativamente à Direção-Executiva aquilo
que criticamos é a questão da não definição HN – Em Portugal, há grandes assimetrias no que
de competências. Continuamos a ter muitos diz respeito ao acesso aos cuidados de saúde,
organismos dentro da saúde e não se percebe sendo que a população do interior tem maior
como é que estes são interligados. O sistema ficou dificuldade quando comparada com a população
bastante confuso. das grandes áreas metropolitanas. Como é que a
IL prevê resolver este problema?
A IL considera que as administrações hospitalares
têm de ter mais autonomia. Os hospitais têm de JC – Voltamos ao princípio. Temos de garantir
ser geridos de uma forma mais autónoma e não cuidados de saúde de acesso universal. É claro
estar tão dependentes do Ministério da Saúde que há sítios onde não vai haver alternativas e
ou do Ministério das Finanças. Infelizmente, o Estado vai continuar a prestar esses cuidados.
não vimos isso mudar com a criação da Direção- Se aumentarmos as autonomias das unidades
Executiva. e dermos aos profissionais de saúde melhores
condições e garantirmos a valorização dos
Podemos falar das Unidades Locais de Saúde. Faz- salários, as unidades do interior podem ser mais
nos confusão que se tenha insistido num modelo competitivas.
que não funcionou. Das oito que existiam, apenas
uma é que funcionava bem. HN – O vosso partido defende a colaboração
entre o setor público, privado e social. Qual
Vamos olhar para todas estas questões, mas não será o papel da IL na implementação do registo
numa lógica de reversão total. eletrónico único?
saúde. Não há razão nenhuma para que não exista. JC – Não fomos específicos a esse ponto, mas
Mas há um aspeto ainda mais grave. Nós falamos é claro que a saúde oral entra na lógica que
muito no registo universal, porque abrange todos é defendida por nós de acesso universal de
os prestadores, mas, hoje em dia, este ainda nem cuidados para todos. A capacidade instalada
sequer existe dentro do próprio Serviço Nacional existe e, por isso, aquilo que nós pretendemos é
de Saúde. O que é que isto provoca? Provoca todo a contratualização nesta área. Quando queremos
um atraso. Quando o Governo contratualizou o que seja o Estado a prestar estes serviços nem
atendimento de grávidas em Lisboa e Vale do Tejo sempre tudo funciona bem. Portanto, em vez de
a minha pergunta foi: Como é que uma grávida se avançar com um investimento que não sabemos
chega a um hospital privado e lá acedem a toda a como é que vai funcionar, podemos aproveitar
informação? A minha pergunta não teve resposta... a rede de cuidados de saúde oral que está
Ora, o próprio Estado quando quer contratualizar disponível.
tem que resolver este problema. Sem o registo
eletrónico único assistimos a muitos atrasos, muita HN – O que é que responderia aos eleitores que
duplicação de exames, consequentemente com acreditam que a Direita quer “dar cabo” do SNS,
custos. privatizando-o?
HealthNews (HN) – Afirmam que as “alterações serviços, vai permitir internalizar uma parte da
legislativas em curso vão impelir mais atividade que hoje é transferida para os grupos
profissionais a saírem do SNS”. Quais são as privados e, assim, poupar muito dinheiro para
alternativas do PCP para fixar profissionais de investir no SNS.
saúde no Serviço Nacional de Saúde?
HN – Como e quando é que tencionam reforçar
Jorge Pires (JP) – Há quatro medidas imediatas os meios financeiros e técnicos do SNS? Mais
que são decisivas para fixar os profissionais no concretamente, que reforço se impõe já na
SNS: valorização das carreiras; valorização salarial; próxima legislatura?
dedicação exclusiva com a majoração de 50% na
sua remuneração base e o acréscimo de 25% na JP – Terá de ser definido um programa plurianual
contagem do tempo de serviço. A estas junta-se a de investimento de acordo com o levantamento
melhoria das condições de trabalho. das necessidades. As questões relacionadas com
o investimento nos meios financeiros e técnicos
HN – O impacto orçamental da valorização dos do SNS não se resolvem de um dia para o outro,
trabalhadores da saúde é suportável? nomeadamente a aquisição de equipamentos.
JP – Sim. A fixação de mais trabalhadores no SNS Não é com o OE/24 aprovado recentemente que se
e a contratação dos que faltam, nos diversos resolvem problemas de fundo no plano financeiro
32 ENTREVISTA
e técnico, mas é possível, com a dotação para a Também a existência de cuidados de saúde
saúde nele incluído e com outras opções políticas, primários a duas velocidades e a constituição
avançar já na próxima sessão legislativa com de ACES, muitos deles de grande dimensão,
algumas medidas. aumentam claramente as dificuldades de gestão e
por isso devem ser revogadas.
O PCP tem apresentado propostas concretas de
investimento no SNS ao longo dos anos – ainda O PCP defende a criação dos Sistemas Locais
em 2019 apresentou um programa de aquisição de Saúde, a generalização das USF, entre outras
de equipamentos pesados, que foi recusado medidas.
pelo Governo do PS e que previa, ao longo da
legislatura, melhorar e muito a prestação de HN – Quais são as principais medidas para os
cuidados. cuidados de saúde primários e, depois, para os
cuidados hospitalares, relembrando os mais
HN – Dedicam parte do programa eleitoral à de 1,7 milhões de portugueses sem médico de
organização e direção das unidades de saúde. família e o caos nas urgências hospitalares?
Comecemos pela última. Quais são as maiores
fragilidades da gestão em Portugal e que medidas JP – Tal como é referido no programa eleitoral,
defendem nesse âmbito? a contratação dos médicos de Medicina Geral
e Familiar, bem como a contratação de mais
JP – Como temos afirmado, é fundamental garantir enfermeiros e outros técnicos de saúde, para os
a gestão democrática das unidades públicas de CSP, é a principal medida a ser tomada. Admitimos
saúde, através de procedimento concursal para a contratação de médicos de outros países para
o presidente do conselho de administração dos suprir a falta de médicos portugueses, numa
hospitais e do diretor executivo dos ACES, e por solução temporária e nas condições iguais à dos
eleição de entre os profissionais de saúde de cada médicos portugueses.
carreira para os demais membros de administração
e de gestão clínica. Não podemos ter, como Na relação entre os CSP e os cuidados hospitalares,
acontece em muitas situações, ao mais alto a pirâmide está invertida, ou seja, quando 60/70%
nível de direção pessoas escolhidas pelo cartão dos episódios de saúde deviam ser resolvidos nos
partidário e alguns que estão no serviço público CSP e os restantes nos hospitais, hoje acontece
como se estivessem no setor privado. exatamente o contrário: primeira causa do
excessivo número de urgências desnecessárias.
A criação de centros hospitalares EPE, cobrindo
hoje todo o país, “na lógica de conseguir HN – Como é que vão reduzir as listas de espera
sinergias na gestão de recursos humanos e para consultas e cirurgias, uma das maiores
materiais, aproveitando de forma mais racional as preocupações dos portugueses?
capacidades disponíveis”, permitiu que os gestores
reduzissem e encerrassem serviços, o que levou JP – Com a contratação de mais profissionais; abrir
ao encerramento de centenas de camas. Uma a formação da especialidade a mais jovens médicos
substituição de regime que apenas serviu para e dotando os hospitais do SNS dos equipamentos
retirar direitos aos trabalhadores da saúde e para necessários.
servir uma política que visa criar o mercado da
saúde, no qual os hospitais EPE são parceria de HN – Os cuidados continuados e paliativos
negócio. poderão finalmente chegar a todos os
portugueses que necessitam? O que é que
propõem nesta área? durante a pandemia e o processo de aquisição das
vacinas.
JP – Sim, poderão chegar, desde que seja
implementada uma solução que passe por alargar HN – Será a prevenção uma das vossas
a resposta pública em cuidados continuados e prioridades? Portugal continuará a ter, como
paliativos, garantindo a resposta às necessidades lamentam vários especialistas, um “serviço
em todo o território nacional. nacional de doença”?
HN – O que é que farão pelos cuidadores JP – A denominação não é justa. O que existe, de
informais? facto, é o negócio da doença como consequência
da desvalorização a que tem sido sujeito o SNS,
JP – Para o PCP as medidas necessárias a um por sucessivos governos, cujo objetivo é transferir
efetivo reconhecimento do papel do cuidador para o setor privado uma parte significativa da
informal devem assentar em políticas que prestação de cuidados de saúde. Privados que não
promovam uma estratégia de desenvolvimento e investem um cêntimo na prevenção e na promoção
consolidação da resposta dos serviços públicos, da saúde, apenas no tratamento, transformando a
designadamente dos cuidados de saúde primários, sua atividade num negócio. Durante a pandemia,
hospitalares e continuados integrados e a alguns fecharam instalações, ou colocaram como
concretização de uma rede pública de qualidade questão fundamental saber quanto o Estado
de apoio às famílias, às crianças e idosos e às pagava, para depois decidirem aceitar ou não
pessoas com deficiência. pessoas infetadas com o vírus.
HN – Qual o papel, se é que existe, que atribuem A única garantia de chegar a todos os que
ao setor privado na prestação de cuidados de necessitam de prestação de cuidados de saúde é
saúde à população? E do setor social? reforçar o SNS público, universal, geral e gratuito.
Para o Bloco de Esquerda, “fazer o que nunca foi feito”, lema da sua campanha, aplica-
se “perfeitamente” à saúde. Pela voz do neurologista e intensivista Bruno Maia, cabeça
de lista por Braga, o partido apresenta ao HealthNews as suas medidas para robustecer
o Estado Social, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde, e propõe a criação de um
Serviço Nacional de Cuidados para atuar na infância, na velhice, na dependência e na
doença crónica.
HealthNews (HN) – “Fazer o que nunca foi feito” cabimento orçamental. O Bloco apresentou as
aplica-se também à saúde? Se sim, é possível já contas todas muito bem feitas.
no próximo Governo?
Fazer o que nunca foi feito significa isso. Mas
Bruno Maia (BM) – Aplica-se perfeitamente à significa mais do que isso, penso eu. Significa
saúde. No nosso programa da saúde, fazer o que uma valorização das carreiras dos profissionais
nunca foi feito significa: trazer a saúde oral para o de saúde para além daquilo que alguma vez foi
Serviço Nacional de Saúde, trazer a saúde mental feito; que nós consigamos abrir a possibilidade
para o Serviço Nacional de Saúde, trazer uma parte aos profissionais de saúde de poderem estar em
da saúde visual para o Serviço Nacional de Saúde, exclusividade no Serviço Nacional de Saúde, com
áreas da saúde que ficaram sempre esquecidas, ordenados majorados, com reconhecimento da
ficaram sempre de fora ao longo dos 40 anos do sua carreira ao nível de investigação, ao nível do
Serviço Nacional de Saúde. Está mais do que na ensino, ao nível da gestão das unidades de saúde,
hora de o fazermos. Se há dinheiro? É claro que como nunca foi feito; e que essa valorização
há dinheiro. Provavelmente, o problema não é reconheça uma coisa que hoje os jovens
dinheiro, é uma questão de organização. Se o profissionais de saúde tanto valorizam, que é a
Brasil que é um país com muito mais dificuldades conciliação da vida profissional com a vida privada,
económicas que Portugal consegue ter uma saúde e isso é uma preocupação central no programa de
oral superior à nossa, porque é que nós não Saúde e no programa para o Trabalho do Bloco.
haveremos de conseguir. É possível fazê-lo; existe
36 ENTREVISTA
HN – Como é que o Bloco pensa que será possível seja uma estratégia para salvar o Serviço Nacional
reter especialistas no SNS? Eu diria que este de Saúde.
ponto se liga a um outro do vosso programa:
a revisão de todas as carreiras e posições HN – É possível fazer uma revisão de todas as
remuneratórias e exclusividade a sério. carreiras e posições remuneratórias a curto
prazo, nos próximos anos de governação?
BM – O problema tem sido debatido ao longo
dos últimos anos e a solução também. A solução BM – Há coisas que precisamos de fazer já. Por
está apresentada, o problema é que nunca foi exemplo – vou voltar à exclusividade –, a proposta
posta em prática. Fixar profissionais de saúde no do Bloco é que ela seja faseada: no primeiro
SNS significa valorizar as suas carreiras, e para ano de exclusividade só 30% e depois passa
isso é preciso que um Governo se sente à mesa para os 40%. Na revisão das restantes carreiras
da negociação com os sindicatos com seriedade isto também é possível; é possível pensar em
e com vontade de salvar o Serviço Nacional de faseamento de todas estas medidas. O que é
Saúde, valorizando a carreira dos profissionais. É preciso é fazer alguma coisa já e ter um plano para
possível valorizar os salários e valorizar a carreira. o futuro porque é isso que permite fixar médicos,
É preciso, obviamente, que os salários sejam é a expectativa de que vai haver uma carreira
valorizados, mas também é importante reconhecer no Serviço Nacional de Saúde que as pessoas
que as pessoas já não querem ser escravas do querem e que as satisfaz. Os profissionais de
trabalho e, portanto, precisam de tempo. Mas saúde precisam de um plano de futuro, seja mais
também aquilo que eu dizia há pouco, valorizar a ou menos faseado, em termos de salários. O que
parte científica e a parte letiva. interessa é que se faça já alguma coisa para dar um
sinal de que há expectativas que vão ser satisfeitas
O Bloco pegou nos médicos, que é aquilo que a curto prazo.
tem sido mais debatido nos últimos tempos, para
mostrar que é possível fazê-lo. E aquilo que o HN – Lançam o desafio de ter todas as consultas
Bloco diz no programa é que, com os profissionais e cirurgias a tempo e horas. Como é que isso é
que temos neste momento, se lhes oferecermos possível?
um contrato de exclusividade majorado a 40%,
e admitindo que 60% (uma estimativa por cima) BM – Só contratando mais profissionais. Mais uma
querem estar em exclusividade no Serviço Nacional vez, não há soluções milagrosas. A direita vem
de Saúde, isso fica em 500 milhões de euros. O a estas eleições dizer aquilo que sempre disse:
excedente orçamental nos últimos dois anos é queremos dar mais cheques às nossas clientelas no
superior a 4 mil milhões de euros, portanto há privado. É isso que eles fazem, cheques-cirurgia,
capacidade financeira do Estado para fazer isto cheques-dentista para toda a gente. Aquela
– é preciso vontade política. Para além disso, se solução não é da direita, não é nova, está em
nós tivermos 60% dos profissionais de saúde em prática e não é suficiente para acabar com as listas
exclusividade no SNS, vamos reduzir a necessidade de espera. Aliás, o cheque-cirurgia é recusado
de tarefeiros, e isso custa mais 100 milhões de por mais de 80% dos utentes – preferem ficar em
euros todos os anos, e também vamos reduzir lista de espera com o seu médico do que serem
a necessidade de horas extraordinárias, que enviados para um privado num outro ponto do
custam mais de 300 milhões de euros. Portanto, país com um médico que não conhecem. Portanto,
há capacidade orçamental, há enquadramento aquela solução não tem cabimento nenhum.
orçamental; é preciso querer que a exclusividade
Não há milagres. Só contratando mais profissionais Depois há uma outra questão. Nós temos visto ao
de saúde. Por isso é que nós propomos, por longo dos últimos anos falta de medicamentos em
exemplo, a contratação de 2000 novos médicos Portugal. Na minha área, faltam antiparkinsónicos,
para o Serviço Nacional de Saúde, com certas e isto acontece em relação a muitas outras
condições de carreira e a abertura negocial com os doenças crónicas. Os medicamentos falham
sindicatos, obviamente, porque senão o concurso porque o mercado português é pequeno e os
fica deserto. Eu falo dos médicos porque eu sou medicamentos são baratos, porque já perderam
médico. Isso fica a 100 milhões de euros por ano. a patente, e, portanto, as farmacêuticas não têm
Mais uma vez, 100 milhões de euros em 4 mil interesse em comercializá-los em Portugal. Aquilo
milhões de euros é inferior a 10%; portanto, são que nós dizemos é muito simples: se o Estado
escolhas políticas, escolhas sobre o que fazer com não pode obrigar as farmacêuticas a comercializar
o que sobra do exercício orçamental. Fernando em Portugal medicamentos essenciais, então,
Medina preferiu fazer um brilharete em Bruxelas, aquilo que o Estado deveria fazer era investir
reduzir a dívida para baixo de 100%; aquilo que em capacidade própria para produzir alguns
nós dizemos é que é possível um caminho em que medicamentos.
se reduza menos a dívida, em que o excedente
orçamental seja menor, em que os juros da dívida Não estamos a propor que o Estado português
vão descendo mas mais lentamente, respeitando substitua a indústria farmacêutica toda, mas que
aquele que neste momento está em crise, que é o o Estado, através de investimento no laboratório
Estado Social, nomeadamente a saúde. militar ou, até, criando uma nova estrutura,
consiga produzir esses medicamentos essenciais
HN – Também abordam no vosso programa a em situações de falha. Não só está a fazer um
comparticipação de medicamentos e produtos serviço a uma série de doentes crónicos que
essenciais. Peço-lhe que juntemos este ponto não podem ficar sem medicação, como está a
às medidas que propõe para que o país não dar um sinal à indústria farmacêutica de que
fique “refém da indústria farmacêutica”, em que ou respeita o mercado português, ou seja, os
destaco o investimento no Laboratório Nacional doentes portugueses, e não permite falhas no
do Medicamento. Gostaria que nos dissesse se há fornecimento dos seus medicamentos, ou então
aqui novidades ou alterações importantes. há aqui uma alternativa que para nós é muito mais
barata, que serve na mesma os doentes e que
BM – São dois assuntos diferentes. vai prejudicar a indústria farmacêutica do ponto
Independentemente da questão das farmacêuticas, de vista comercial. Esse é um jogo que o Estado
os mais idosos (que normalmente são pessoas português pode e deve fazer, servindo as pessoas,
com pluripatologia, portanto fazem imensos podendo até poupar custos para o futuro.
medicamentos), quando têm baixas pensões, são
muitas vezes confrontados com a escolha de ou HN – Que medidas apresentam para financiar
pagar a casa ou pagar os medicamentos, ou pagar o SNS? Peço especial atenção a uma das vossas
a comida ou pagar os medicamentos. Aquilo que propostas: “Revogar o decreto-lei que regula
nós propomos é que as pessoas idosas na situação as parcerias de gestão na área da saúde e abre
de pluripatologia, com doença crónica, tenham portas a novas parcerias público-privado no
maior comparticipação desses medicamentos – SNS, da legislação que permite a privatização
que chegue aos 95%. É uma questão de ajudar o dos cuidados de saúde primários através das
Estado a suportar aqueles que são mais onerados USF-C e do decreto-lei que cria as novas ULS,
com a despesa em medicamentos. que concentra recursos e afasta os serviços
38 ENTREVISTA
das populações”. O Tribunal de Contas emitiu não eram atendidos no Hospital de Braga, para
um relatório em 2021 que diz que as PPP vários procedimentos, por exemplo tratamento
geraram centenas de milhões de poupança e de AVC agudo, que no início eles recusavam-se a
tiveram níveis de excelência clínica. Contudo, o fazer, ou, no caso de Cascais, tratamentos de VIH
programa eleitoral do Bloco diz que as PPP foram e tratamentos oncológicos, eram desviados para
prejudiciais. E em relação às ULS, o Bloco não hospitais públicos. Por exemplo, o Hospital de
acredita nessa solução? Braga desviava estes doentes para o Porto, que
eram doentes caros. Um tratamento de um AVC
BM – É preciso perguntar aos especialistas da área agudo é dispendioso.
exatamente o que é que aquilo significa. Eu passo a
explicar: mitos sobre as parcerias público-privadas. Isto está comprovado em quatro multas que a
Em primeiro lugar, elas não acabaram porque ARS do Norte passou ao Hospital de Braga. São
o Partido Socialista não as quis, elas acabaram quatro multas de dois milhões de euros cada,
porque os parceiros privados não quiseram precisamente pelo Hospital de Braga desviar
renovar o contrato. Para os valores que o Estado doentes da área para o Hospital de São João.
oferecia, que eram aqueles que podia pagar e que Assim é muito fácil poupar dinheiro, quando nós
permitiam a tal poupança de que fala o Tribunal desviamos os doentes mais caros para o hospital
de Contas, os parceiros privados disseram: não público. Portanto, o Estado pode ter poupado
queremos. dinheiro em Braga, mas foi gastá-lo no Hospital de
São João do Porto. O Tribunal de Contas faz uma
Segundo mito que convém desfazer... É evidente avaliação de cada uma das PPP, mas não faz uma
que os hospitais em parceria público-privada avaliação global daquilo que poupa ou não poupa
pouparam dinheiro, mas é preciso ler o relatório para o Estado aquele esquema.
do Tribunal de Contas. Aliás, são vários relatórios,
há um relatório em 2009, há um em 2016 e Isto é difícil de explicar, é preciso algum tempo
há agora este, e em todos eles, para além da para nós, com os dados que temos, conseguirmos
poupança em termos de dinheiro, está lá explicado explicar isto às pessoas. Mas a direita não está
muito bem porque é que esse dinheiro foi preocupada em explicar nada às pessoas. A
poupado. direita está preocupada em entregar a gestão
dos hospitais públicos à sua clientela de grandes
Por exemplo, o Tribunal de Contas diz claramente grupos económicos privados e, portanto, não quer
que a contratualização de serviços entre o Estado fazer esta discussão. O Reino Unido, nos anos 90,
e o Hospital de Braga ficou 26% abaixo daquilo que teve PPP na saúde, que voltaram atrás pelo mesmo
eram as necessidades da população que o hospital motivo, o parceiro privado não quis continuar.
servia. Ninguém fala disto na comunicação social, As PPP não são rentáveis para o parceiro privado
mas está lá escrito. Quer dizer que o Grupo Mello, quando são bem feitas. Portanto, a direita só tem
naquele caso, e o mesmo aconteceu nas outras uma forma de fazer PPP, é pagar muito mais do
parcerias público-privadas, contratualizou menos que aquilo que já se pagou ao parceiro privado,
serviços que aquilo que ia ser solicitado a fazer, e aí não há poupança para ninguém, nem para
portanto poupou dinheiro, claro. Esses 26% dos o Estado, nem para aquela região, nem para o
cuidados de saúde que não foram contratualizados Serviço Nacional de Saúde.
pelo parceiro privado – erro do Estado também,
obviamente – foram desviados para hospitais HN – E em relação às ULS?
públicos vizinhos. Por exemplo, os doentes que
BM – O Bloco nunca tomou uma posição Nós estamos a dizer para olharmos para os
frontalmente contra as ULS porque para nós o problemas atuais e aplicarmos as soluções que já
que é evidente é que, embora seja um tema sabemos que existem, que foi isso que o Partido
importante, sobre o qual nós temos que falar, não Socialista não fez durante este período de maioria
é aí que está o problema e não é na organização absoluta. Não quis negociar com o Bloco nenhuma
que vamos resolver os nossos problemas. Os das questões da saúde e não quis implementar
nossos problemas são de recursos humanos. A nenhuma das soluções, que não somos nós que
organização em ULS não vai trazer nenhum tipo de apresentamos, é uma parte importante dos
resolução. Já há sete ULS no país e não têm menos administradores e dos profissionais de saúde
problemas do que os hospitais geridos em EPE. O que têm falado nisto: valorizar as carreiras dos
Governo gosta muito de usar o exemplo da ULS profissionais para os conseguir fixar e reter no
de Matosinhos, que é um bom exemplo, tem bons Serviço Nacional de Saúde.
resultados, mas depois há outras seis ULS que o
Governo não usa como exemplo porque sabe que HN – Propõem regular o funcionamento do setor
não têm os mesmos bons resultados. privado. Que tipo de relação entre público e
privado defende o Bloco?
Portanto, a questão das ULS é uma questão de
organização. Pode ter vantagens, nomeadamente BM – O setor privado sempre existiu. Já existia
os centros de saúde ou as USF poderem fazer antes do Serviço Nacional de Saúde e tem
exames complementares de diagnóstico no funcionado – ou inicialmente a ideia era essa,
hospital, em vez de terem que contratualizar quando se criou o SNS – em complementaridade.
com o privado; pode ser mais fácil uniformizar os Está correto, faz sentido. Aquilo que tem
processos informativos entre hospital e centro de acontecido ao longo das últimas décadas é
saúde (espero que isso se traduza na prática); no a substituição da complementaridade por
entanto, a ULS não resolve o problema principal parasitismo, ou seja, houve um momento em
do Serviço Nacional de Saúde, que é a falta de que, para além da complementaridade, aquilo
recursos humanos. que aconteceu foi que o setor privado começou
a contratar cada vez mais profissionais de saúde,
HN – Quer destacar outras medidas para começou a criar as condições no Serviço Nacional
financiar o SNS? de Saúde para que o Estado pudesse fazer cada
vez mais convenções, contratasse cada vez mais
BM – Nós defendemos um Serviço Nacional de serviços ao privado.
Saúde financiado pelo Orçamento de Estado. Das
experiências internacionais que existem, é isto Isto neste momento é um círculo vicioso, porque
que tem os melhores resultados. Os sistemas o privado investe em contratar profissionais de
mais privatizados têm mais problemas; são mais saúde, o SNS perde profissionais para o privado,
caros e têm piores indicadores de saúde. Portugal fica a falhar em muitas áreas, nomeadamente
tem problemas, o Serviço Nacional de Saúde nas listas de espera para consultas e cirurgias,
tem problemas, mas não é desistindo do Serviço e é obrigado a contratualizar ao privado aquilo
Nacional de Saúde, que é o que propõe a direita que está em falta ou em atraso; o privado, com
com a entrega de uma parte importante aos essas contratualizações, ainda investe mais, ainda
privados, que os vamos resolver; pelo contrário, é vai buscar mais profissionais de saúde ao SNS. É
só uma morte mais rápida. preciso parar, e só o conseguimos se investirmos
no Serviço Nacional de Saúde, contratando
40 ENTREVISTA
BM – É verdade, nós na prática temos um serviço A política de cuidados é também uma política
nacional da doença. Isto também por muita culpa de prevenção. Se tivermos o Serviço Nacional
do privado, porque não há mercado suficiente de Cuidados, se tivermos uma boa política de
para a medicina da prevenção no setor privado. Há cuidados, vamos estar a prevenir aquilo que é
muito interesse na doença, do ponto de vista não a doença do cuidador, que é mais um flagelo
só das instituições privadas que prestam cuidados que vivemos em Portugal. Nós temos 800 mil
mas também das farmacêuticas, porque é o que cuidadores informais em Portugal. Estas pessoas
é rentável. Portanto, só do setor público é que vivem em riscos para a sua própria saúde brutais,
pode vir uma política a sério de investimento na de saúde mental e de saúde física. Tudo isto são
prevenção da doença. políticas que eu chamei de medidas indiretas,
mas que na verdade são políticas que apostam
Eu diria que há medidas diretas e medidas na saúde. Hoje falamos nos determinantes
indiretas. As medidas diretas são o investimento sociais da saúde. Isso é verdade, mas isso passa
nos cuidados primários de saúde e o investimento por políticas de emprego, passa por políticas de
na saúde pública. Ou seja, nós precisamos de ter educação, passa por políticas de habitação. Quem
de facto médicos de família para toda a gente, não tem direito a uma habitação salubre está em
equipas de saúde familiar que cheguem a toda a maior risco de saúde. Passa por toda uma série
gente e precisamos de um grande investimento na de políticas que investem no bem-estar comum,
saúde pública. Quando falamos em saúde pública, que previnem a doença, que permitem às pessoas
falamos também nas escolas, em chegar aos vários continuar a viver em estado de saúde.
setores da sociedade para dinamizar programas de
prevenção. Entrevista de Rita Antunes
Numa corrida contra o tempo, todos muitas propostas nesse sentido. Por exemplo,
os partidos candidatos às Legislativas na última legislatura propusemos o aumento do
salário dos enfermeiros, o estatuto de profissão
2024 tentam convencer o eleitorado
de risco e desgaste rápido destes profissionais
do "porquê" devem ser eleitos para e fizemos uma proposta para se regulamentar
Governar. Na Saúde, o PAN promete a carreira dos auxiliares de saúde. Todas estas
tomar as rédeas com uma visão propostas foram chumbadas. De qualquer modo,
diferenciadora - One Health. Em entrevista o PAN vai continuar a insistir na implementação
ao HealthNews, Rafael Pinto insiste na destas medidas, incluindo também a questão do
médico de família para todos e a contratação de
necessidade de executar todas as verbas
nutricionistas e psicólogos para os centros de
que são orçamentadas nesta área. Apesar saúde.
de defender um maior financiamento
público na Saúde, o cabeça de lista do Do ponto de vista das profissões, no nosso
partido por Braga afirma que o PAN tem programa eleitoral propomos um aumento salarial
"uma postura moderada no que toca a de 30% para os médicos e no caso dos enfermeiros
defendemos que o seu salário comece no escalão
Parcerias Público-Privadas".
21 e não no 15. Isto irá traduzir-se num aumento
inicial na casa dos 300 euros.
HealthNews (HN) – O PAN foi o último partido
a apresentar o seu programa eleitoral para as
HN – Esse aumento de 30% foi uma reivindicação
próximas legislativas, deixando as propostas da
feita por parte dos sindicatos na anterior
Saúde para a página 88. O que é que o PAN vai
legislatura, tendo estes apenas conseguido um
fazer para convencer o eleitorado de que esta
acordo de 15% para 2024. Como é que o PAN
área é realmente uma prioridade por parte do
pretende garantir esse aumento?
partido?
RP – Até agora não tem existido vontade política
Rafael Pinto (RP) – A Saúde tem sido, desde
por parte do nosso Governo para fazer avançar
sempre, uma área prioritária para o partido. Temos
esses aumentos e incentivar os médicos a trabalhar
muita preocupação com o nosso sistema de saúde
no Serviço Nacional de Saúde. Precisamos de mais
e, por isso, defendemos uma visão dupla: melhorar
investimento público na Saúde. Embora tenha
o acesso e fortalecer o sistema de prevenção da
existido um reforço nos sucessivos orçamentos,
doença. Em política só se debate a primeira parte
o valor executado tem sido sempre interior
e relembro que o nosso partido tem apresentado
àquilo que foi orçamentado. Portugal tem um
44 ENTREVISTA
investimento muito inferior quando comparado podemos compactuar com uma medida tão injusta
com os países da União Europeia. Não podemos e coerciva como esta que o Partido Socialista nos
querer melhorar as condições do nosso SNS, não apresenta.
podemos garantir mais acesso, mais cuidados
e tratar mais doentes sem investir mais. Para o Em último lugar, o PAN tem uma visão de One
PAN, áreas como a Saúde e a Educação devem ser Health. O nosso partido defende que é preciso
prioritárias no investimento público. Sabemos que garantir a monitorização contínua de indicadores
do ponto de vista fiscal, as prioridades do Governo de saúde humana, animal e ambiental. Este
não estão alinhadas... Em cada Orçamento de conceito não é muitas vezes reconhecido, mas é
Estado têm sido oferecidos trezentos milhões absolutamente essencial.
de euros às petrolíferas que estão a destruir o
nosso planeta. Esse dinheiro poderia servir para HN – A visão sobre a gestão do SNS é um dos
aumentar o salário dos médicos. Do ponto de vista assuntos que divide os partidos de esquerda e
da carreira dos enfermeiros, defendemos que a direita. Qual a opinião do PAN no que toca às
progressão deve acontecer de quatro em quatro PPP?
anos.
RP – Temos também uma postura moderada no
HN – A Saúde tem vindo a ser o "calcanhar de que toca a Parcerias Público-Privadas. Não temos
Aquiles" de praticamente todos os governos. No algo contra estas parcerias, desde que façam
período eleitoral são muitas as propostas para sentido do ponto de vista dos dados. Posso mesmo
esta área. Que medidas distinguem o PAN dos afirmar, no caso de Braga, um caso paradigmático,
restantes partidos? que a gestão pública traz melhores resultados,
atende mais utentes e oferece mais serviços. Ou
RP – Algo que nos distingue claramente é que seja, o acesso à saúde tem sido muito superior,
muitas das nossas propostas não estão incluídas para além das condições laborais dos profissionais
apenas no nosso programa eleitoral, como já que também têm melhorado. Portanto,
foram apresentadas na Assembleia da República... defendemos uma aposta forte na saúde pública,
Portanto, a implementação das nossas propostas podendo coexistir com o privado.
vai depender da força que o PAN venha a ter no
Parlamento. Sabemos que muitas destas medidas HN – Voltando aos profissionais de saúde.
fazem parte do programa do PS, mas foi o próprio No programa defendem "a valorização dos
partido que as chumbou na anterior legislatura, profissionais de saúde com base na qualidade
logo ninguém está à espera que as venha a dos tratamentos e nos desfechos clínicos e não
aprovar. no número de consultas". Esta medida pode
conduzir a problemas de valoração subjetiva.
Por outro lado, uma das principais distinções Como pensam ultrapassar este aparente
é que enquanto o PAN defende que temos constrangimento? Recordo que em 2022, tivemos
de regulamentar a exclusividade do SNS, com forte polémica sobre os médicos de família
benefícios acrescidos do ponto de vista salarial poderem vir a ser penalizados pelo facto de as
para cativar jovens, o PS quer que os jovens que suas utentes decidirem interromper a gravidez ou
não fiquem a trabalhar devolvam as propinas se contraírem doenças sexualmente transmissíveis.
saírem de Portugal. Isto para nós é inadmissível...
Fomos o partido que acabou com os estágios RP – O sistema atual não serve, uma vez que
não remunerados no acesso à profissão. Não também acaba por ser subjetivo. Não podemos
avaliar o tratamento dos pacientes em números. muitas pessoas que vivem no interior que não têm
Isto faz com que a própria qualidade possa acesso a muitos cuidados de saúde. Os centros de
baixar. Daí a necessidade de mudar esse sistema saúde devem ser mais capacitados para conseguir
baseado em números e passar a apostar num dar uma resposta de proximidade, aliviando a
sistema baseado em pessoas e nas suas condições pressão sob os hospitais.
específicas.
HN – O número de propostas relacionadas com
Em relação à polémica de que fala, pronunciámo- a saúde mental é muito significativo quando
nos na altura. A promoção da igualdade de comparado com os restantes partidos políticos.
género e defesa dos direitos da mulher é uma das Consideram que é um fosso no SNS?
bandeiras do PAN. Não podemos permitir que os
médicos de família sejam penalizados desse modo. RP – Trata-se de um fosso no nosso Serviço
Nacional de Saúde, de um fosso nas nossas escolas
Ainda nesta área, defendemos o fim das quotas e de um fosso nas nossas universidades. A visão do
nas avaliações. É algo que nos tem sido sinalizado, PAN para a saúde mental é abrangente e por isso
não só porque cria mau ambiente, como também é que queremos mais psicólogos nos hospitais e
desmotiva os profissionais. nas instituições académicas. Portugal é o país da
OCDE onde se consomem mais antidepressivos
HN – Nos Cuidados de Saúde Primários, o per capita. De facto, este tem sido um problema
partido propõe "igualar os incentivos nas USF silencioso que temos ignorado e que precisa de ser
modelo B entre a equipa multiprofissional que as combatido. Sabemos também que há muitos casos
compõem, reproduzindo a sua fórmula de cálculo de burnout nos profissionais de saúde, levando a
igualmente para todos as classes profissionais". que muitos desistam da profissão.
O que é que o PAN quer dizer com isto?
HN – Existem algumas medidas previstas pelo
RP – Queremos alargar os incentivos para todos os PAN para combater o burnout dos profissionais?
profissionais e não apenas para os médicos.
RP – Defendemos o estatuto de profissão de
HN – O PAN quer dotar os CSP de todos os risco e desgaste rápido com vantagens associadas
meios de diagnóstico básicos, serviços de - com reforma mais cedo e maior equilíbrio
saúde psicológica, nutrição, saúde oral e visual, entre a vida pessoal e profissional. Esta é uma
bem como condições para o tratamento de questão essencial. Temos muitos profissionais a
determinadas patologias, sem necessidade de trabalhar por turnos, o que dificulta muitas vezes
recurso aos serviços de urgência. Olhando para a a conciliação da vida familiar. As condições de
despesa na Saúde, há cabimento orçamental para trabalho têm de ser melhoradas e isto inclui os
a concretização de todos estes objetivos? horários e o ambiente profissional.
No que toca à questão do atendimento de RP – Esta é uma das questões que está em jogo
situações clínicas ligeiras nas farmácias, não houve nestas legislativas. Trata-se de um assunto que
qualquer queixa por parte dos profissionais de distancia os progressistas dos conversadores.
saúde. Estamos a falar de casos como sinusites Queremos avançar com a morte medicamente
e que podem ser tratadas a partir da prescrição assistida. É uma causa humanitária progressista,
de um medicamento de modo simples. Se o mas temos assistido a sucessivos entraves, quer
diagnóstico do doente demonstrar que não é seja da parte do Presidente da República, quer seja
possível ser tratado na farmácia, estas devem ao nível dos partidos na Assembleia da República.
avançar com o encaminhamento para o centro de
saúde. HN – Uma nota final
Portanto, não se trata de tirar competências aos RP – Uma vez que não se fala muito nas entrevistas
médicos ou enfermeiros, trata-se de facilitar o da saúde preventiva, é preciso estabelecer que
acesso aos cuidados de saúde. pelo menos 1% do orçamento para a Saúde é
dedicado à prevenção. Falo nomeadamente dos
HN – A saúde da mulher é um outro aspeto que rastreios... A melhor forma de tratar doenças é
marca o vosso programa. Quais as medidas que preveni-las.
se destacam?
Entrevista de Vaishaly Camões
RP – No nosso programa, e na Assembleia da
República, apresentámos várias medidas para
erradicar a pobreza. Muitas jovens têm de recorrer
a panos e lenços para substituir pensos higiénicos.
Crédito da imagem: DC_Studio, ENVATO
48 ENTREVISTA
Ou seja, tudo isto estar integrado para que com métricas claras que melhorem o estado da
consigamos avaliar e, também, a partir daí corrigir população, sempre através da prestação dos
e fornecer os melhores cuidados possíveis. melhores cuidados de saúde. A recente revisão do
modelo de financiamento das USF modelo B é bom
Na área hospitalar, também é importante exemplo do caminho que não devemos seguir.
falar sobre os serviços de urgência. Queremos Ou seja, é importante avaliar e redefinir essas
garantir que há um funcionamento em rede dos métricas.
serviços de urgência de forma acessível a toda a
população, cumprindo com os rácios necessários Nós defendemos logo no início da legislatura que
de profissionais de saúde para que possam ser é importante haver um diálogo entre as mais
prestados cuidados de saúde de qualidade, e que diversas partes envolvidas, desde profissionais de
comece com os serviços de urgência básica em saúde, nos seus sindicatos e ordens profissionais,
centros de saúde, aliviando a pressão a jusante, a instituições que prestam os cuidados de saúde,
nos cuidados hospitalares. Neste ponto também associações de doentes e de estudantes das áreas
há várias medidas específicas, como alterações da saúde. Portanto, juntar todos num diálogo
e gestão das equipas e da contratação de abrangente para que se possa chegar efetivamente
profissionais. a conclusões, nomeadamente de quais seriam
as métricas claras que beneficiariam os cuidados
HN – Falam em nutrição, saúde mental, saúde de saúde para, se promovermos o cumprimento
oral no SNS, entre outras áreas. destes objetivos, podermos pensar numa
recompensa profissional e institucional.
RP – Como mencionei na vertente dos cuidados
de saúde primários, queremos incluir nas HN – As listas de espera para consultas, exames
equipas profissionais e técnicos de diversas áreas e cirurgias são também uma preocupação
que achamos essenciais, uma vez que um dos do LIVRE? O partido procurará melhorar os
principais pilares que defendemos é promover a resultados que temos atualmente em Portugal?
saúde e prevenir a doença. Achamos que isto deve
ter uma abordagem integrada, não só diretamente RP – Sem dúvida que a resposta às listas de espera
através dos prestadores de cuidados de saúde, integra em grande parte a resposta do Serviço
mas também através da integração desta área Nacional de Saúde que nós queremos reforçar.
em todas as outras: defendemos a saúde em Achamos que estas medidas que temos, que
todas as políticas. E, não esquecendo o nosso investem e que querem valorizar e reforçar o nosso
pilar ecologista, reconhecemos também que a Serviço Nacional de Saúde, se vão concretizar
emergência climática e as crises ambientais têm numa melhor resposta à população e, diretamente,
um enorme impacto na saúde, e queremos, claro, diminuir esses tempos de espera.
preparar-nos para essa realidade.
HN – O primeiro eixo prioritário do programa
HN – Ao longo do programa, mencionam algumas do LIVRE é: reforçar e reorganizar o SNS. Quer
vezes as métricas e recompensas. Para o LIVRE, explicar melhor como tencionam fazê-lo?
esta é uma boa forma de melhorar os cuidados?
Alguns médicos têm alertado para o perigo de RP – Reforçava um ponto que mencionei: é
alguns indicadores nas USF. Dizem mesmo que necessário auscultar todas as partes para que
podem colocar os doentes em perigo, no que diz possamos fazer este trabalho em conjunto
respeito, por exemplo, à prescrição de exames. e, efetivamente, chegar a bons resultados.
Acompanhar o alargamento do modelo de
RP – O ponto das métricas e recompensas aborda ULS a todo o território, como referi, enquanto
muito a questão de redefinir esses objetivos, tornamos o acesso a cuidados de saúde mais fácil e
equitativo, aumentando o financiamento do SNS e Unidades de Saúde Familiar, mas também implica
renovando e reabilitando as suas infraestruturas. uma melhor resposta nos cuidados domiciliários,
cuidados paliativos e continuados são também
HN – Em segundo lugar, falam em valorizar as essenciais nesta humanização, entre outros
carreiras. De que forma vão concretizá-lo e pontos, nomeadamente envolvendo pessoas
conseguir competir com as ofertas aliciantes do idosas ou noutra situação vulnerável que seja
privado ou do estrangeiro? necessário considerar.
não renovar os contratos das Parcerias Público- à investigação científica pode favorecer a
Privadas, tendo em conta que devem ser remuneração dos profissionais.
assegurados os cuidados às populações que estão
abrangidas por essas instituições. HN – O capítulo da saúde termina com a saúde
mental. Falta mudar muita coisa em Portugal? O
HN – Quais são as ideias do LIVRE para a que é que o LIVRE pretende que seja feito?
prevenção?
RP – Portugal tem um grave problema de saúde
RP – É um dos eixos fundamentais do nosso mental porque podemos dizer que acordámos
programa, promover a saúde e prevenir a doença. um bocadinho tarde para esta questão, agravada
Prevenir a doença também trará menores gastos. também pelos anos de pandemia. Consideramos
Sabemos que por cada euro gasto em prevenção que é essencial investir na saúde mental, promover
conseguimos poupar em média 10 euros em gastos a saúde mental e prevenir a doença mental, sendo
com doença, portanto não é só uma medida para que há várias particularidades nestes doentes e no
o melhor da saúde dos portugueses; também em acesso a cuidados de saúde mental que temos de
termos financeiros é muito mais sustentável. melhorar.
Estratégia de promoção de
um equilíbrio saudável da
microbiota vaginal através do
uso de probióticos
Dieline
O novo suplemento alimentar
que ajuda a manter o
B2
*
B2
Demonstrou colonização vaginal em apenas 14 DIAS1
*Contribui para a manutenção de mucosas normais e para a proteção das células contra as oxidações indesejáveis. **Em caso de gravidez e amamentação consultar o médico. 1. Mezzasalma,
V., et al., Orally administered multispecies probiotic formulations to prevent uro-genital infections: a randomized placebo-controlled pilot study. Arch Gynecol Obstet, 2017. 295(1): p. 163-
172. GineCanesflor+ é um suplemento alimentar. Os suplementos alimentares não devem ser usados como substitutos de um regime alimentar variado, equilibrado e de um modo de
vida saudável. Contém riboflavina (vitamina B2) que contribui para a manutenção de mucosas normais e para a proteção das células contra as oxidações indesejáveis. CH-20240124-95
58 ENTREVISTA
diversas plataformas, nomeadamente online, vez são mais importantes para a profissão e para a
pode não ser a mais adequada, e que necessita sociedade.
de uma trigam e de uma análise cuidadas. É
muito importante os farmacêuticos contarem As nossas atividades deverão estar alinhadas com
com uma equipa que os pode apoiar na procura os desenvolvimentos da intervenção farmacêutica,
de informação baseada na melhor evidência nomeadamente apoiar o desenvolvimento de
científica e que lhes permita fundamentar a referenciais de prática profissional, ou seja,
sua prática da melhor forma. Por outro lado, é parâmetros de atuação de que os farmacêuticos
também desafiante ir ao encontro das novas disponham para auxiliar a sua prática diária;
intervenções dos farmacêuticos, todas aquelas contribuir para atividades formativas, porque o
atividades em que têm vindo a ser envolvidos, conhecimento é a base de uma prática correta e
nomeadamente pelas autoridades de saúde, informada; e potenciar o alcance da informação
como a intervenção a nível da vacinação, na destinada aos cidadãos, porque pensamos que,
renovação da terapêutica crónica, na dispensa de de facto, o contributo dos farmacêuticos para a
medicamentos em proximidade, ou na intervenção melhoria da saúde das populações e para uma
em situações clínicas ligeiras. Ou seja, o CIM-OF melhor organização e potenciação dos recursos
deverá contribuir para potenciar a intervenção dos ao nível dos sistemas de saúde passa também por
farmacêuticos em todas estas atividades, que cada uma informação correta aos cidadãos – promover
que também eles sejam agentes da sua própria todas as outras atividades do CIM-OF, como,
saúde. Os nossos desafios passam por aí. Por um por exemplo, a edição do nosso Boletim, que
lado, prestar uma informação cada vez melhor aos é publicado desde a criação do centro e para
farmacêuticos e, por outro, apoiar os cidadãos na o qual contamos com o apoio de um Conselho
sua jornada de vida, que pode envolver a doença Editorial, que define os temas a abordar
ou outras condições fisiológicas para as quais nos artigos, de acordo com as necessidades
precisam do apoio do farmacêutico. identificadas a nível profissional. Tem sido um
desafio muito recompensador poder fazer a
HN – Qual tem sido o seu percurso no CIM-OF? O implementação deste plano ao mesmo tempo
que é que a trouxe até aqui? que conseguimos cumprir com todo o apoio que
damos aos farmacêuticos diariamente, através
APM – Eu juntei-me à equipa do CIM-OF já há 25 da resposta a consultas, da elaboração de todas
anos, em 1998, recém-licenciada. Tive uma breve as nossas publicações, da edição do Boletim do
experiência em farmácia comunitária e depois CIM e articulação com o Conselho Editorial, mas
integrei a equipa do CIM-OF. Dentro da estrutura também através do apoio que, transversalmente,
da Ordem, estando sempre ligada à informação disponibilizamos aos outros departamentos da
de medicamentos, fui participando em diversas estrutura da OF.
atividades, sempre com o foco no CIM-OF. No ano
passado, por ocasião da saída da anterior diretora HN – Como irão celebrar os 40 anos do CIM-OF?
técnica, a Direção Nacional da Ordem considerou
que fazia sentido ser eu a assumir a direção técnica APM – Ainda não está definido concretamente
do CIM-OF. Foi isso que fiz, com muito empenho como iremos realizar essa celebração.
e entusiasmo, tudo fazendo para corresponder à Provavelmente este marco será assinalado no
confiança em mim depositada. âmbito das atividades do Congresso Nacional
dos Farmacêuticos 2024, que decorrerá entre
HN – Que oportunidades ou desafios lhe trouxe os dias 21 e 23 de novembro. Mais do que uma
esta nova missão no CIM-OF? reflexão sobre o passado, queremos que seja
uma contribuição para definir o futuro do centro.
APM – Em 2023, já na fase final da anterior direção Gostaríamos de perceber com os farmacêuticos
técnica, desenvolvemos e propusemos à Direção como é que o CIM-OF os tem auxiliado e como
Nacional da Ordem dos Farmacêuticos um plano é que pode contribuir futuramente para a sua
estratégico que norteasse de algum modo os atividade diária. Tendo sempre em mente que
próximos anos da atividade do CIM-OF. E, de facto, o CIM-OF foi criado e continua a ter o seu foco
tem sido muito desafiante. Tem-me dado muita no apoio aos farmacêuticos, consideramos
satisfação poder tentar implementar esse plano igualmente fundamental contar com a perspetiva
estratégico, aprovado pela Direção Nacional e que dos cidadãos. O apoio prestado aos cidadãos e o
envolve, por exemplo, a área do cidadão. Envolve, envolvimento dos farmacêuticos com a sociedade
também, potenciar a geração de evidência por e com a promoção de resultados em saúde são
parte dos farmacêuticos, ou seja, proporcionar- cada vez mais positivos e cruciais. Portanto,
lhes ferramentas para que eles possam contribuir, pensamos assinalar esta data envolvendo todo
a nível da investigação clínica, para a geração o nosso público-alvo – farmacêuticos e cidadãos
de evidência em contexto real e, deste modo, – e refletir em conjunto sobre que caminhos
participar na verificação dos resultados em saúde queremos que o CIM trilhe no futuro.
das intervenções farmacoterapêuticas.
Entrevista de Rita Antunes
O principal desafio tem sido conseguir levar a cabo
esta implementação do plano, não descurando
62 REPORTAGEM
José Manuel Boavida: “Era
extremamente importante”
que o próximo ministro da
Saúde valorizasse os cuidados
intermédios
O HealthNews esteve este mês na associação tipo 1, com muitas dúvidas ainda sobre a forma
de doentes com diabetes mais antiga do mundo como todo este processo se desenvolve, mas
para conversar com o seu presidente, José decorrem investigações permanentemente,
Manuel Boavida, sobre diabetes tipo 1. A APDP, tentando encontrar novos anticorpos, tentando
acrónimo de Associação Protetora dos Diabéticos encontrar os alvos desses anticorpos e tentando
Pobres, hoje Associação Protetora dos Diabéticos encontrar o trigger, aquilo que faz disparar a
de Portugal, foi fundada em 1926 por Ernesto diabetes tipo 1. Aquilo que sabemos é que existe
Roma para dar insulina aos pobres. Situa-se entre uma predisposição genética, em parte ligada ao
os cuidados primários e os cuidados hospitalares. HLA, mas existem também fatores externos que
condicionam”, segundo o médico. Os gémeos
Quando a Associação Protetora dos Diabéticos univitelinos são prova disso: existe apenas 50%
de Portugal (APDP) foi criada, em 1926 – é a de concordância no aparecimento da diabetes
mais antiga do mundo –, praticamente só existia tipo 1 (na diabetes tipo 2 há mais de 70% de
a diabetes tipo 1. “No início do século passado, concordância, portanto, “a diabetes tipo 2 é muito
eram raras as pessoas com diabetes tipo 2, quer mais hereditária do que a diabetes tipo 1”).
por causa da esperança de vida, que era muito
curta, quer pelos hábitos de vida, que inibiam o Os fatores externos, pensa-se que poderão ser
seu aparecimento”, conta José Manuel Boavida, virais. Provavelmente, vírus intestinais, segundo
presidente da APDP. O foco era a chamada Boavida. “Mas têm sido vários os candidatos dos
diabetes tipo 1, aquela que “está ligada à rejeição vírus e, até agora, sem provas em qual deles se
das células produtoras de insulina”, “e hoje o que pode ou não atuar para tentar fazer desaparecer
se sabe é que isso é um processo complexo que a diabetes tipo 1.” Contudo, não é possível
chega a demorar anos”. O estádio 1 caracteriza- responsabilizar o doente: “Não se encontram aqui
se pela existência de anticorpos, o estádio 2 pelo fatores que saibamos que possam predispor, por
aparecimento de alterações da glicemia, e o 3 pela atitudes pessoais, ao desencadear desta reação
necessidade urgente de insulina para sobreviver. imunológica”, sublinha o especialista.
“Este é o enquadramento atual da diabetes
64 REPORTAGEM
Em meados de 2024, o Ministério da Saúde grande, que aliviem em grande medida o que é o
estabeleceu que 15 mil doentes teriam dia-a-dia das pessoas com diabetes.”
acesso a bombas de insulina de nova geração,
comparticipadas a 100%. Este ano, “as bombas “A grande arma no tratamento da diabetes é o
inteligentes estão atrasadas. O senhor ministro acompanhamento”
prometeu que teríamos as primeiras 5000 bombas
no fim do ano passado, mais 5000 bombas “A grande arma no tratamento da diabetes é o
este ano e outras 5000 bombas em 2025. Em acompanhamento, diferente da doença aguda,
primeiro lugar, é preciso que os serviços encarem em que a prioridade é o diagnóstico”, contrapõe
a colocação das bombas como uma prioridade da Boavida. “Esta visão do acompanhamento nas
sua própria ação, coisa que não é neste momento doenças crónicas é algo que ainda não entrou
o caso na maior parte dos serviços”, lamenta na Medicina, que ainda continua com uma
Boavida. Na sua visão, “o ministério, ao não acatar Direção-Geral de Saúde extremamente virada
a proposta da comissão que tinha nomeado e que para as doenças infeciosas, extremamente virada
tinha apontado para que a distribuição das bombas para as doenças transmissíveis, as faculdades
fosse através das farmácias, está a apontar para extremamente viradas para as doenças agudas
decisões extremamente rígidas e morosas, porque ou transmissíveis, e a doença crónica, que é
abrir concursos internacionais leva tempo, ficamos aquela que hoje tem maior peso na saúde, quer
presos a esses concursos, não conseguimos na mortalidade quer na morbilidade, ainda tem
acompanhar a inovação tecnológica e as novas uma dimensão menor nas universidades e nos
bombas que estão permanentemente a aparecer. diferentes organismos da saúde. Em parte, porque
Hoje percebemos que as bombas não vão durar muito do poder está nas próprias pessoas e não
quatro anos porque a inovação é muito mais nos profissionais de saúde. São eles que vivem 24
rápida do que isso.” sobre 24 horas com a doença.”
José Manuel Boavida relembra que a maior Na doença crónica, “os profissionais de saúde têm
parte das bombas inteligentes nasceram em de ter uma atitude muito mais educativa. Como
universidades e que a primeira foi idealizada por dizia o Professor Pulido Valente, na diabetes, mais
um grupo de doentes e cuidadores – o movimento do que tratar, o que é importante é ensinar as
“DIY - Do it yourself”, que “foi uma demonstração pessoas a tratarem-se a si próprias. Isto é de uma
de que a indústria é lenta”. atualidade tremenda. Cem anos depois, ainda
achamos isto uma frase revolucionária, quando ela
Para Boavida, o conservadorismo é um obstáculo: já devia estar integrada.”
“Quando uma determinada bomba ainda ‘está
a vender’, fazem esgotar até ao fim o filão, em A associação presidida por Boavida foi criada
vez de introduzirem novas tecnologias. Há que para dar insulina aos pobres, “mas rapidamente
haver uma regulação muito maior do Estado. As percebeu que mais importante do que dar insulina
próprias universidades desistiram muito desta é ensinar as pessoas a utilizá-la”. “Isso chama-se
intervenção. Os institutos científicos que o educação terapêutica.”
Estado tinha anteriormente eram extremamente
importantes nestas áreas. Hoje, ao entregarmos Falamos da associação de pessoas com diabetes
só à indústria e ao mercado esta situação, estamos mais antiga do mundo. Os Estados Unidos são 24
claramente a dificultar os meios para uma resposta anos mais novos; os ingleses, sete; “e percebemos
mais eficiente e mais eficaz das bombas. Tenho mais cedo do que eles a importância da educação”,
a esperança de que surjam rapidamente novas frisa o presidente.
bombas, confortáveis para as pessoas, de fácil
utilização, que não exijam uma preocupação tão Quase cem anos depois, a APDP continua firme
ao lado dos doentes diabéticos. Atualmente, entre os cuidados de urgência e complexos
“tem um serviço integrado. Tem equipas dos hospitais e os cuidados primários de maior
multidisciplinares, com uma dedicação proximidade. Estes cuidados intermédios podem
extremamente grande à educação; tem uma ser para todas as doenças crónicas”, defende
linha telefónica de acompanhamento das pessoas Boavida. E prossegue: “Já tentou desenvolver-
com diabetes para situações de emergência e se. Já houve um instituto de dermatologia, um
tem todas as especialidades necessárias para instituto de oftalmologia, um instituto de urologia
o acompanhamento dessas crianças, jovens ou em Lisboa, que tentavam desenvolver exatamente
adultos. A diabetes é a principal causa de cegueira, estes cuidados intermédios. Vem da lógica do
é a principal causa de insuficiência renal, é a aparecimento dos IPO, dos hospitais pediátricos,
principal causa de amputações, é a principal causa das maternidades.”
de enfartes em idades jovens, e, portanto, temos
todas estas especialidades médicas na associação. Na opinião do médico, “faz sentido, hoje,
Temos laboratório próprio e temos ensaios clínicos diferenciar dos hospitais e dos cuidados agudos
onde tentamos testar todos os novos fármacos que e muito complexos o ambulatório, a educação,
vão aparecendo. Portanto, é uma associação ímpar coisas que não são valorizadas nos hospitais.
a nível mundial”, assume Boavida. Os cuidados primários têm que ter este apoio
com maior proximidade. Nós defendemos que o
Apesar disso, o presidente da APDP diz que modelo da associação deve ser replicado em todos
“o modelo da associação nunca foi bem os distritos. Era bom que tivéssemos no próximo
compreendido pelo Serviço Nacional de Saúde, Governo um ministro da Saúde que tivesse esse
embora a associação, até 2010, tenha estado ‘clique’ de poder perceber que é possível retirar
integrada no SNS, completamente” (a partir daí dos hospitais milhões de pessoas que podem
começou a trabalhar com o Estado como prestador perfeitamente passar para estruturas intermédias
de serviços). muito mais próximas das pessoas (dos cuidados
primários). Era extremamente importante.”
“Aquilo que nós queremos é que este modelo seja
assumido pelo Estado como cuidados intermédios, Entrevista de Rita Antunes
68 ENTREVISTA
“É o primeiro momento desta era de inovação que a Quilaban pretende introduzir na área da
diabetes, que se pretende que não fique por aqui, e que traga outras soluções para o mercado
que deem uma resposta '360º' às dificuldades da pessoa com diabetes, sempre com o propósito
de simplificar a sua vida.” Chama-se Sistema TouchCare Nano e foi apresentado em entrevista ao
HealthNews por Patrícia Strubing Gomes, Diretora da Área de Negócio Farma da Quilaban, e Paula
Nunes, Gestora de Produto Quilaban Diabetes.
HealthNews (HN) – De que tipo de dispositivo dimensão que o mesmo tem. São quatro
estamos a falar? centímetros por três (quarenta milímetros por
trinta e um), é uma dimensão muito reduzida
Patrícia Strubing Gomes (PSG) – A inovação que face ao que existe no mercado. Estando aplicado
a Quilaban se propõe trazer na área da diabetes na pele, também o peso é importante, para
será um novo sistema de perfusão automático possibilitar a utilização e dar conforto ao utilizador,
de insulina que permite às pessoas com diabetes e este dispositivo é muito leve – 13g é o peso
tipo 1 uma gestão simplificada. Daí o slogan do reservatório mais a base da bomba. Destaco
de apresentação do conceito ser “simplificar a também o facto de ser sem fios, ao contrário do
diabetes”. Esta inovação irá permitir aos utentes que acontece com as atuais bombas de insulina.
com diabetes tipo 1 a possibilidade de gerir de Por outro lado, a compatibilidade com ambientes
uma forma mais fácil e mais eficiente o controlo aquáticos permite uma utilização muito mais livre,
dos níveis de glicemia ao longo das 24 horas do muito mais simples, facilitando o dia-a-dia do seu
dia. É uma tecnologia que, utilizando um algoritmo utilizador. Ao contrário de outros equipamentos,
de cálculo, vai permitir mimetizar as funções temos também a vantagem de poder ser colocado
do pâncreas pela administração de insulina nas em várias zonas do corpo, ou seja, parte exterior
quantidades adequadas ao controlo rigoroso dos da coxa, no braço, no abdómen, na parte inferior
níveis de glicemia de cada doente. das costas e nádegas. Permite, de acordo também
com o tipo de corpo e a idade da pessoa que está a
HN – Este sistema pode ser utilizado de forma utilizar, adaptar a uma zona mais confortável e que
autónoma ou com monitorização contínua da não limite nem nos movimentos nem a utilização
glicemia? diária.
PSG – A essência do nosso equipamento é uma As mais-valias são muitas. Também o facto de ter,
bomba que permite a administração de insulina, como estávamos a dizer, uma possibilidade de
ou seja, é um dispositivo médico que está aplicado utilização automática ou manual, que pode ser
numa zona do corpo e que permite, através de feita em alternância se for caso disso, permite
uma cânula, a administração subcutânea de que exista uma autonomia muito maior por parte
insulina. Uma das mais-valias do nosso sistema é
a integração com um dispositivo de monitorização
contínua de glicemia. Ou seja, o Sistema TouchCare
Nano é constituído por dois elementos, a bomba
de insulina e o CGM (continuous glucose monitor),
e é precisamente esta conjugação que permite
antecipar as necessidades de insulina e ajustar
automaticamente a sua administração, de
acordo com a tendência dos valores de glicemia
monitorizados continuamente no sensor, evitando
hipoglicemias e corrigindo hiperglicemias.
do utilizador. Pode estar com o sistema closed não devem ser alheias a esse facto, portanto
loop, que é um sistema fechado entre o CGM e a a Quilaban, há cerca de três anos, decidiu
bomba para monitorização automática do sistema, evoluir e encontrar soluções inovadoras, que
ou ser utilizado em modo manual, permitindo ao complementassem a resposta que já tínhamos
utilizador um ajuste direto da administração de na monitorização da glicemia. Fomos avaliando
insulina. diferentes soluções, por exemplo a nível dos
CGM. A Quilaban procurou uma solução que
Paula Nunes (PN) – Acrescentar aqui também incluísse o monitor contínuo de glicemia. Através
outra vantagem do nosso sistema: pode ser de fóruns internacionais, fomos procurando
controlado por PDM (Personal Diabetes Manager, algumas soluções que pudessem simplificar de
um comando deste sistema) ou através de uma outras formas a vida da pessoa com diabetes,
aplicação (disponível para IOs e Android). Portanto, nomeadamente com a introdução de tecnologia.
temos a possibilidade de controlar o Sistema Encontrámos no mercado algo que já está
TouchCare Nano através do telemóvel ou, até, presente em alguns países da Europa: esta solução
monitorizar os níveis de glicemia através do Apple da Medtrum, que tem desenvolvido diferentes
watch. dispositivos ao nível das bombas de insulina e
que chegou agora a este modelo, que é o Sistema
PSG – Outro ponto tem a ver com a autonomia de TouchCare Nano, também designado A8.
utilização da bomba no que diz respeito à bateria.
Não é necessário carregar, ela tem uma pilha já É o primeiro momento desta era de inovação
integrada na parte do reservatório. E uma última que a Quilaban pretende introduzir na área da
vantagem, que eu diria que se calhar é aquela que diabetes, que se pretende que não fique por aqui,
mais destacamos no nosso equipamento, é o facto e que traga outras soluções para o mercado que
de ser possível utilizá-lo a partir dos dois anos de deem uma resposta “360º” às dificuldades da
idade, o que ainda torna mais relevante a questão pessoa com diabetes, sempre com o propósito de
da dimensão da bomba. Também aqui acreditamos simplificar a sua vida.
que acrescentamos muito valor e damos um passo
muito grande na evolução tecnológica do cuidado HN – Estamos a falar da totalidade de pessoas
e do acompanhamento das pessoas com diabetes. com diabetes tipo 1? Quem poderá utilizar o
novo dispositivo?
HN – Como decorreu o processo de criação?
Quais eram os principais objetivos e como é que PN – No final do ano passado, saiu a nova proposta
se organizaram para os concretizar? de acesso a estas bombas de insulina, feita por
um núcleo de instituições e personalidades que
PSG – A Quilaban é uma empresa nacional e que envolveu o Infarmed, a Associação Protetora dos
existe há 50 anos. Atualmente, tem como um dos Diabéticos de Portugal (APDP), algumas entidades
seus principais desígnios a introdução de inovação relevantes do Ministério da Saúde, e também
no mercado. Em paralelo, a génese da Quilaban outras entidades relevantes nesta proposta para
está muito relacionada com o diagnóstico e, em melhoria de vida da pessoa que tem diabetes.
particular, com soluções na área dos cuidados na Infelizmente, não temos dados concretos de
diabetes. Temos uma marca que integra vários quantas pessoas em Portugal têm diabetes tipo 1.
conceitos: a Quilaban Diabetes, onde há mais Temos uma estimativa de cerca de 30 mil pessoas,
de 15 anos desenvolvemos e apresentamos ao em que aproximadamente 15 mil terão perfil para
mercado soluções na área do acompanhamento colocar este tipo de bombas automáticas.
e monitorização da glicemia para pessoas com
diabetes tipo 1 e tipo 2. Hoje, a inovação está HN – Para a Quilaban, quais são os principais
presente no nosso dia-a-dia, e as empresas desafios e oportunidades na área da diabetes?
PN – Neste momento, temos como desígnio exemplo, para o cuidador, no caso de ser uma
fundamental, também, a literacia em saúde. criança que precisa de ter uma supervisão e um
Temos um projeto de formação onde partilhamos acompanhamento mais próximo dos valores que
informação com profissionais de saúde e estão a ser registados, e para o profissional de
com a população em geral e também nos saúde, que pode de uma forma concentrada ter
comprometemos a veicular toda a informação acesso aos resultados dos vários utentes que
necessária para que o utente esteja informado acompanha. Portanto, estas aplicações facilitam
sobre as nossas soluções disponíveis no mercado, o registo, a monitorização e o acompanhamento
bem como aquelas que surgem por outras vias; dos utentes, dos cuidadores e dos profissionais de
para que, através do conhecimento profundo saúde.
sobre as doenças e sobre as soluções, o utente
possa tomar as decisões de forma fundamentada e PN – Sabemos que deixa as famílias cansadas e em
ter acesso aos melhores recursos. stress não saber como é que as crianças estão, não
só no período em que estão longe, mas também
Uma das preocupações da Quilaban é ter uma durante a noite. Uma das coisas que esta aplicação
equipa dotada de competências e de formação pode fazer é dar alertas aos pais, que não têm de
técnica que nos permita disponibilizar esta estar na mesma divisão. Consegue dar um alerta
formação a profissionais de saúde e a utentes. durante a noite, por exemplo, se a criança tiver em
Cabe-nos a nós conseguir criar esse ambiente hipoglicemia, e agir de imediato. Portanto, facilita
propício à utilização correta e competente destes também na gestão com as famílias.
equipamentos. Aquilo que nos move é o resultado
final que conseguimos obter com a introdução HN – Isso tem a ver com o tal algoritmo
destas soluções no mercado; a melhoria da preditivo?
qualidade de vida e a simplificação da vida da
pessoa com diabetes. PN – Aquilo que o algoritmo vai fazer, no
fundo, é evitar que existam as hipoglicemias ou
HN – Em que etapa se encontra o novo produto? hiperglicemias, ajustando a administração da
insulina basal. Ou seja, o que o algoritmo vai
PSG – A solução já se encontra registada e fazer é ajustar a insulina basal durante o dia de
comercializada noutros países da Europa, forma que a glicemia se mantenha o mais estável
nomeadamente em França, Itália e Reino Unido. possível.
Em Portugal, o Infarmed encontra-se a avaliação
a solução, tendo nós a expectativa de que, tão PSG – Temos previsto implementar algumas
breve quanto possível, possamos disponibilizá-la à ferramentas no mercado: vão desde uma equipa
população, para melhoria dos cuidados da pessoa de formação, que vai estar nos vários centros de
com diabetes tipo 1. tratamento propostos com profissionais e utentes,
até plataformas de e-learning ou webinars onde
Entretanto, lembrei-me de um fator que pode ser os próprios utentes poderão aceder a informação
importante para caracterizar o nosso produto. compreensível. Por último, teremos também uma
Como a Paula mencionou, nós temos um PDM que linha de apoio 24/7 que utentes, cuidadores e
permite o controlo e a monitorização do nosso profissionais de saúde poderão contactar para
dispositivo médico, mas também a possibilidade de esclarecer dúvidas.
termos isso através de apps que estão disponíveis
para o utilizador e têm várias vertentes. Elas Entrevista de Rita Antunes
foram desenvolvidas a pensar no utente que
utiliza o nosso dispositivo, existindo aplicações
específicas para cada uma dessas utilizações: por
72 ENTREVISTA
O crescimento económico é muitas vezes apontado No entanto, um estudo recente efetuado pelo
ICTA-UAB em colaboração com a Universidade fundamentalmente necessária para que os seres
McGill, no Canadá, sugere que podem existir boas humanos tenham uma vida feliz”, afirma Victoria
razões para questionar se esta ligação é universal. Reyes-Garcia, investigadora do ICREA no ICTA-UAB
Embora a maior parte das sondagens globais, e autora sénior do estudo.
como o Relatório sobre a Felicidade Mundial,
reúna milhares de respostas de cidadãos de Os resultados são uma boa notícia para a
sociedades industrializadas, estas tendem a ignorar sustentabilidade e a felicidade humana, uma vez
as pessoas em sociedades de pequena escala, nas que fornecem fortes indícios de que o crescimento
periferias, onde a troca de dinheiro desempenha económico intensivo em recursos não é necessário
um papel mínimo na vida quotidiana e os meios de para atingir níveis elevados de bem-estar subjetivo.
subsistência dependem diretamente da natureza.
Os investigadores sublinham que, embora saibam
A investigação, publicada na revista científica agora que as pessoas de muitas comunidades
Proceedings of the National Academy of Sciences indígenas e locais apresentam níveis elevados
(PNAS), consistiu num inquérito a 2966 pessoas de satisfação com a vida, não sabem porquê.
de comunidades indígenas e locais em 19 locais Trabalhos anteriores sugerem que o apoio e as
distribuídos pelo mundo. Apenas 64% dos relações familiares e sociais, a espiritualidade e as
agregados familiares inquiridos tinham algum ligações à natureza se encontram entre os fatores
rendimento em dinheiro. Os resultados mostram importantes em que se baseia esta felicidade,
que “surpreendentemente, muitas populações “mas é possível que os fatores importantes
com rendimentos monetários muito baixos difiram significativamente entre sociedades ou,
registam níveis médios de satisfação com a vida inversamente, que um pequeno subconjunto
muito elevados, com pontuações semelhantes às de fatores domine em todo o lado. Espero
dos países ricos”, afirma Eric Galbraith, investigador que, ao aprendermos mais sobre o que torna a
do ICTA-UAB e da Universidade McGill e principal vida satisfatória nestas diversas comunidades,
autor do estudo. possamos ajudar muitos outros a ter vidas mais
satisfatórias, ao mesmo tempo que enfrentamos a
A pontuação média de satisfação com a vida nas crise da sustentabilidade”, conclui Galbraith.
sociedades de pequena escala estudadas foi de
6,8 numa escala de 0-10. Embora nem todas Bibliografia
as sociedades tenham declarado estar muito
satisfeitas - as médias foram tão baixas como 5,1 Galbraith, E., C. Barrington-Leigh, S. Álvarez-
- quatro dos locais declararam pontuações médias Fernandez, P. Benyei, L. Calvet-Mir, R. Carmona,
superiores a 8, típicas dos países escandinavos R. Chakauya, Z. Chen, F. Chengula, A. Fernandez-
ricos noutras sondagens, “e isto apesar de muitas Llamazares, D. García-del-Amo, M. Glauser, T.
destas sociedades terem sofrido histórias de Huanca, A. Izquierdo, A.B. Junquiera, M. Lanker,
marginalização e opressão”. Os resultados são X. Li, J. Mariel, M.D. Miara, S. Miñarro, E. Nyadzi,
consistentes com a noção de que as sociedades V. Porcher, A. Porcuna-Ferrer, A. Schlingmann, U.
humanas podem suportar vidas muito satisfatórias Shrestha, P. Singh, M. Torrents-Ticó, T. Ulambayar,
para os seus membros sem necessariamente R. Wu, V. Reyes-Garcia. High life satisfaction
exigirem elevados graus de riqueza material, despite low income. PNAS (2024). Article accepted
medida em termos monetários. doi: 10.1073/pnas.2311703121
02/02/2024
“A forte correlação frequentemente observada
entre rendimento e satisfação com a vida não
é universal e prova que a riqueza - tal como é
gerada pelas economias industrializadas - não é
76 INVESTIGAÇÃO
As mulheres têm um risco quatro vezes maior de foram submetidas a uma diversidade de testes
morrer de doenças cardiovasculares se tiverem de rastreio de saúde, incluindo o rastreio cervical
uma infeção por uma estirpe de alto risco do para 13 estirpes de alto risco de HPV. As mulheres
papilomavírus humano (HPV), de acordo com uma voltaram a fazer exames de saúde todos os anos ou
investigação publicada hoje no European Heart de dois em dois anos, durante uma média de oito
Journal. anos e meio.
O HPV é uma infeção muito comum e as estirpes Os investigadores conseguiram combinar dados
de alto risco são conhecidas por causarem sobre os resultados dos testes de HPV das
cancro do colo do útero. Investigações anteriores mulheres com dados nacionais sobre mortes
sugeriram que o HPV pode também contribuir por doenças cardiovasculares, incluindo doenças
para a formação de placas de gordura perigosas cardíacas e acidentes vasculares cerebrais.
nas artérias. No entanto, este é o primeiro
estudo a mostrar uma ligação entre a infeção Tratando-se de um grupo de mulheres
de alto risco pelo HPV e as mortes por doenças relativamente jovens e saudáveis, o seu risco
cardiovasculares. de morrer de doenças cardiovasculares era
geralmente baixo (9,1 em 100.000 no total).
A investigação foi conduzida pelos Professores
Seungho Ryu, Yoosoo Chang e Hae Suk Cheong No entanto, depois de terem em conta outros
da Faculdade de Medicina da Universidade de fatores que se sabe aumentarem o risco de
Sungkyunkwan, Seul, Coreia. doenças cardiovasculares, os investigadores
descobriram que as mulheres com HPV de alto
Segundo Ryu: “Apesar dos avanços notáveis no risco tinham um risco 3,91 vezes maior de ter
controlo de fatores de risco bem conhecidos das artérias bloqueadas, um risco 3,74 vezes maior de
doenças cardíacas - como o tabagismo, o colesterol morrer de doença cardíaca e um risco 5,86 vezes
elevado, a hipertensão e a diabetes - as doenças maior de morrer de acidente vascular cerebral, em
cardíacas continuam a ser uma das principais comparação com as mulheres que não tinham uma
causas de morte. Curiosamente, estes fatores de infeção por HPV de alto risco. Os investigadores
risco convencionais não explicam todos os casos de descobriram também que o risco era ainda maior
doença cardíaca. De facto, cerca de 20% ocorrem nas mulheres que tinham uma infeção de alto risco
em pessoas que não têm estes problemas. Isto pelo HPV e obesidade.
realça a necessidade de investigar outros fatores
de risco mutáveis. A nossa investigação centra-se “Sabemos que a inflamação desempenha um papel
na análise do impacto do HPV, particularmente em fundamental no desenvolvimento e na progressão
relação à mortalidade cardiovascular, como um das doenças cardiovasculares e que as infecções
potencial fator de risco para as doenças cardíacas.” virais são potenciais factores de desencadeamento
da inflamação. O HPV é conhecido pela sua ligação
A investigação incluiu 163.250 mulheres coreanas ao cancro do colo do útero, mas a investigação
jovens ou de meia-idade que não tinham doenças está a começar a mostrar que este vírus também
cardiovasculares no início do estudo. As mulheres pode ser encontrado na corrente sanguínea. É
possível que o vírus esteja a criar inflamação nos prazo”.
vasos sanguíneos, contribuindo para bloquear e
danificar as artérias e aumentar o risco de doenças James S. Lawson, da Universidade de New South
cardiovasculares”, apontou o Prof. Cheong. Wales, em Sydney, Austrália, e colegas afirmaram
num editorial de acompanhamento: “A evidência
“Este estudo realça a importância de cuidados de que os vírus em geral e o HPV em particular
abrangentes para pacientes com HPV de alto aumentam o risco de resultados adversos da
risco. Os médicos devem monitorizar a saúde doença cardiovascular aterosclerótica tornou-se
cardiovascular em pacientes com HPV de alto risco, suficientemente convincente para se juntar ao
particularmente aqueles com obesidade ou outros já forte argumento a favor da vacinação contra o
fatores de risco. É importante que as pessoas com vírus da gripe, o SARS-CoV-2 e o HPV. A evidência
HPV de alto risco estejam conscientes do potencial de que o HPV é causal no início ou na progressão
de risco de doença cardíaca e de cancro do colo da doença cardiovascular aterosclerótica é
do útero. Devem fazer exames de saúde regulares altamente sugestiva, mas tornar-se-ia definitiva se
e adotar um estilo de vida saudável para reduzir o os resultados dos ensaios aleatórios que avaliam as
risco de doenças cardiovasculares”. vacinas contra o HPV para a prevenção do cancro
do colo do útero mostrassem uma redução da
Os investigadores afirmam que é necessário mais doença cardiovascular aterosclerótica.
trabalho para descobrir se a infeção por HPV de
alto risco tem efeitos semelhantes nos homens “Estas descobertas, quando adicionadas
e para ver se a vacina contra o HPV pode evitar a outras provas que ligam o HPV e outros
mortes por doenças cardíacas. Ryu acrescentou: vírus a uma maior mortalidade por doenças
“Se estes resultados forem confirmados, poderão cardiovasculares, constituem um forte argumento
ter implicações substanciais para as estratégias de para aceitar os vírus como fatores de risco para
saúde pública. O aumento das taxas de vacinação resultados adversos de doenças cardiovasculares
contra o HPV pode ser uma estratégia importante ateroscleróticas.”
para reduzir os riscos cardiovasculares a longo
80 INVESTIGAÇÃO
“Saio de casa às 4h30 da manhã”, diz Silva, técnico Em outro estudo, publicado pela mesma revista
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). em 2021, a incidência de dengue diminuiu 69%,
a de chikungunya 59% e a de Zika 37% após a
“Na Fiocruz, vou diretamente para onde estão os liberação de mosquitos infectados com Wolbachia
tubos de mosquitos - cerca de 150 000 ou 200 000 em Niterói.
- e retiro a quantidade que tenho de libertar. Cada
dia numa área diferente”. A introdução da bactéria nos ovos dos mosquitos
é chamada de microinjecção embrionária, uma
Em 2023, os casos globais de dengue atingiram um técnica complexa para a produção em massa.
máximo histórico de mais de cinco milhões, com
5.000 mortes registadas em todo o mundo. Oitenta “Felizmente, a Wolbachia é transmitida
verticalmente de mãe para filho”, diz Gabriela de “Fizemos um pequeno livro que foi disponibilizado
Azambuja Garcia, veterinária de um laboratório da na biblioteca da escola”, acrescenta.
Fiocruz que não participou da pesquisa.
Para estudar melhor a relação causal entre
Depois que o primeiro grupo de mosquitos com estas intervenções e a redução da dengue, está
Wolbachia é estabelecido no laboratório, basta a ser realizado um ensaio clínico cego em Belo
acasalar as fêmeas com os machos coletados com Horizonte, Brasil. Algumas localidades serão
armadilhas na área onde serão soltos. tratadas com mosquitos infectados e outras
com insectos sem a bactéria. O paradeiro dos
Mudança de estratégia mosquitos infectados só será revelado quando os
resultados estiverem disponíveis em 2025.
Para além dos seus projectos na Colômbia e no
Brasil, o WMP trabalha no México, nas Honduras Aumento da procura
e em El Salvador e em comunidades afectadas
na Ásia, como a Indonésia, o Laos, o Sri Lanka e o Para já, o principal desafio que o WMP enfrenta
Vietname. é a procura. Para além das cinco cidades onde o
projeto está a decorrer no Brasil, “temos mais de
Antes de empreender uma intervenção deste 40 que nos contactaram e querem que apliquemos
tipo, o WMP reconhece a necessidade de o seu programa”, explica Moreira.
explicar às pessoas como é que a libertação
de mosquitos pode ajudar a reduzir a dengue, Vinicius Lima, técnico em manutenção de células
quando anteriormente a estratégia para reduzir a e líder comunitário no Caramujo, bairro de Niterói,
transmissão era impedir a sua reprodução. acredita que o programa pode salvar vidas.
Para o efeito, as suas intervenções começam com o “A iniciativa ajuda a controlar os mosquitos sem
trabalho comunitário. usar pulverização química”, diz Lima ao SciDev.Net,
acrescentando: “Espero que possa vir para a nossa
“O envolvimento da comunidade é a coisa mais comunidade”.
importante que fazemos”, explica Peter Ryan,
um entomologista que lidera a investigação na Para atender a essa demanda, a Fiocruz e o
Colômbia. “Muitas intervenções não são bem- PMA estão planejando construir uma fábrica de
sucedidas porque as pessoas não compreendem mosquitos este ano para expandir o programa.
ou não confiam”. Estão também a começar a utilizar ovos de
mosquito, que são mais fáceis de transportar do
Para as crianças, existe um programa “Wolbito na que os insetos adultos.
escola”. “Wolbito” é o nome carinhoso no Brasil
para os mosquitos com Wolbachia. O programa Embora esteja otimista com os resultados de Bello,
consiste em levar ovos infectados com a bactéria Medellín e Itagui, Azambuja Garcia observa que a
às escolas para que os alunos possam observar o Wolbachia não é uma panaceia.
seu crescimento.
“Num futuro próximo, o cenário ideal seria o uso
“Este ano fizemos todo o desenvolvimento, desde racional de múltiplas técnicas de controlo dos
a observação das larvas, das pupas, dos mosquitos, mosquitos, trabalhando em sinergia para combater
e as crianças relataram os pormenores através a propagação de doenças transmitidas por
de desenhos e da escrita”, explica Karine Cardoso vetores”, diz.
Duarte, professora do ensino básico em Niterói.
82 INVESTIGAÇÃO
Breves
Elon Musk garante que primeiro paciente da
Neuralink pode usar rato de computador com a
mente
SPMI lança cartão cFORMI para facilitar e 708 novos dadores na região do Médio Tejo em
promover a formação contínua 2023