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UFRJ - Curso de História

Disciplina História Contemporânea


Professor Murilo Sebe Bon Meihy
Aluna Luciana Lourenço Gomes

Serial Killers, a mídia e a busca por uma justificativa para o mal


Introdução
A definição do que constitui um serial killer vem sendo extensamente discutida nas
últimas décadas por profissionais de diversas áreas, tanto médicas (psiquiatras) quanto legais
(advogados e juízes) e de aplicação da lei (investigadores e policiais em geral). Para os propósitos
deste trabalho vamos utilizar aquela fornecida pelo FBI1, ou seja, um ou mais criminosos, que
assassinam duas ou mais vítimas em momentos separados. A primeira característica foi posta de
forma a abranger duplas, em geral um passivo e um dominante, e grupos, a segunda está
relacionada ao fato dos crimes acontecerem em séries, necessariamente envolvendo mais de um, e
a última foi incluída para que haja a diferenciação entre os perpetradores de chacinas (spree
murders) e assassinatos em massa (mass murders)2.
Tendo em vista que os Estados Unidos são o país ocidental mais influente em termos
de cultura pop, em outras palavras, o país que mais exporta para o resto do mundo sua própria
produção cultural popular, vamos focar nosso olhar neste país. O primeiro assassino serial norte
americano formalmente identificado como tal é conhecido como Dr. H. H. Holmes3, ou Saucy
Jack, em referência a outro serial killer contemporâneo a ele, Jack, the ripper, ou Holmes, the
Arch Fiend. Seu nome verdadeiro era Herman Mudgett e ele nasceu em New Hampshire, tendo
sido condenado à forca após confessar 27 (vinte e sete) assassinatos, sentença levada a cabo na
Philadelphia, em 07 de maio de 1896. Holmes, entretanto, acabou sendo esquecido com o passar
do tempo.
Devido ao nosso desejo de trabalhar com a produção midiática, trabalhamos
principalmente com a segunda metade do século XX até os dias de hoje, quando começa a haver
uma extensa produção que gira em torno do tema assassinos seriais: livros, tanto ficcionais quanto
do gênero True Crime, filmes, séries, documentários etc. É também quando a ferramenta de criação
de perfis, uma das mais retratadas pela TV e pelo cinema, ganhou força entre as agências
investigativas dos Estados Unidos. Entre os Serial Killers ficcionais optamos por analisar a vida
do Doutor Hannibal Lecter, ou Hannibal, the Cannibal, já que este personagem, nascido na
literatura, gerou tanto filmes quanto, mais recentemente, uma série, podendo, desta forma, ser

1
Federal Bureau of Investigation, Escritório de Investigação Federal, unidade do Departamento de Justiça dos
Estados Unidos que serve tanto como um serviço de polícia investigativa quanto inteligência interna.
2
https://www.fbi.gov/stats-services/publications/serial-murder#two
3
SCHECHTER, H. et EVERITT, D. “H. H. Holmes”. In: _________. The A to Z encyclopedia of serial killers.
London: Pocket Books, 1997.

1
considerado um personagem ‘multimídia’. Deixamos claro, contudo, que os livros escritos por
Thomas Harris serão nossa fonte principal de informação.
Em relação aos assassinos seriais da realidade, selecionamos dois dos mais notórios:
Jeffrey Dahmer, conhecido como The Milwaukee Cannibal ou The Milwaukee Monster, cuja
atividade criminal, até onde foi possível comprovar, vai do ano de 1978 até o de 1991, com o total
de 17 (dezessete) mortes confirmadas, nos estados americanos de Ohio e Winsconsin, e Ed Gein,
The Butcher of Plainfield, que até onde se sabe matou apenas duas mulheres, uma em 1954 e outra
em 1957, mas é também culpado por uma série de roubos de sepulturas entre 1947 e 1952, tendo
retirado diversas partes de cadáveres, em geral de mulheres de meia idade, que estavam enterrados
em três cemitérios no entorno de Plainsfield, Winconsin, onde morava.
Podemos observar nos três casos específicos que nos propomos a analisar que há
tentativas, no caso de Hannibal Lecter por parte do autor que deu vida ao personagem, e no caso
de Dahmer e Gein por parte da mídia jornalística, assim como, posteriormente, autores de
biografias, produtores cinematográficos etc. que buscaram recontar a vida destes homens, de
localizar na infância ou na juventude deles alguma razão que justificasse os crimes4, às vezes
monstruosos, que eles cometeram. Traumas, o fato de terem sido vítimas de descaso ou abuso,
isolamento social e problemas de natureza psiquiátrica são em geral mobilizados para que a
sociedade entenda, ou até mesmo aceite, que haja pessoas capazes de cometer esses crimes
considerados como hediondos.
Definição - Classificação
Por conta de seus próprios objetivos, de ser suficientemente abrangente para englobar
qualquer tipo de assassinato em série e, desta forma, permitir tão cedo quanto possível a
identificação de que está ocorrendo esse tipo de crime, assim como possibilitar às autoridades
locais que solicitem o apoio do FBI no processo de investigação, a definição de serial killer
proposta pelo FBI e que utilizamos aqui é muito ampla, o que, acreditamos, a torna vaga. Vamos
então tentar oferecer outros elementos que, segundo especialistas, auxiliam na identificação e
captura de assassinos seriais.
É impossível determinar se uma criança ou adolescente vai crescer para se tornar um
serial killer. Criminologistas, entretanto, apontam que há uma tríade de ações praticadas durante
a infância e a adolescência que é comum a maioria dos assassinos em série já identificados5. Essa
tríade é composta por enurese noturna tardia, ou seja, urinar na cama durante a noite após a idade
de 12 anos, quando, em geral, as crianças aprendem a ter controle sobre essa necessidade
fisiológica, o hábito de colocar fogo em objetos e, em casos mais extremos, animais e pessoas, ou
seja, vai além da curiosidade por fósforos e fogo que crianças em geral têm, chegando a níveis
destrutivos de fato, e, por fim, tortura e crueldade com animais. É necessário, contudo, ter cuidado
ao empregar esta tríade, pois qualquer tentativa de prever comportamentos criminais antes que

4
https://www.psychiatryadvisor.com/violence-and-aggression/serial-killers-murder-child-abuse/article/776149/
https://www.google.com.br/url?sa=i&source=web&cd=&ved=2ahUKEwjxxfLDy53fAhXCkpAKHbU_AbsQzPwBegQIA
RAC&url=https%3A%2F%2Fwww.theguardian.com%2Fus-news%2F2018%2Faug%2F10%2Fwhat-makes-a-serial-
killer&psig=AOvVaw1i4j7Lc1pEs3MGlJr67RS-&ust=1544817432867618
5
NEWTON, Michael. Triad. In the A to Z.

2
crimes realmente aconteçam pode gerar preconceitos e ações, públicas ou privadas, que se
embasem neles prejudiciais a indivíduos, grupos da sociedade ou, até mesmo, sociedades inteiras.
Os assassinos seriais que têm motivações sexuais ou sádicas em sua maior parte
colecionam troféus, no caso de assassinos classificados como ‘organizados’, como forma de
rememorar uma caçada bem sucedida, de forma análoga a troféus de caça a animais, como peles,
chifres etc., ou souvenires, no caso de assassinos ‘desorganizados’, cuja função é alimentar as
fantasias homicidas. Ambas categorias são muito similares e sua distinção é mais semântica que
prática, já que se entende por troféu/souvenir qualquer coisa retirada da cena do crime, partes do
corpo das vítimas, fotografias, filmagens ou gravações de voz e, inclusive, diários produzidos pelos
próprios assassinos e recortes de jornal que discutam o caso6.
Como mencionado acima, serial killers podem ser classificados em ‘organizados’ ou
‘desorganizados’. O subtipo ‘organizado’ planeja seus crimes antecipadamente e adota medidas
para evitar a própria captura, como limpar as próprias digitais da cena do crime e o uso de produtos
de limpeza para a não detecção de sangue, por exemplo. Já o ‘desorganizado’ mata por capricho,
sem planejamento algum, e não se preocupa em limpar as pistas deixadas para trás. Há muitos
outros subtipos, tais como assassinatos por “misericórdia”, assassinatos motivados por erotomania,
assassinatos por vingança, entre outros, porém não vamos nos alongar muito nas subcategorias por
fugirem ao escopo da proposta deste trabalho. Além disso, nos dedicamos aqui precipuamente aos
assassinos seriais que trabalham sozinhos, porém há alguns casos registrados de duplas de
assassinos e mesmo grupos, tanto ao redor do mundo quanto nos Estados Unidos. No caso de
duplas é curioso notar um tipo específico de patologia, nomeado folie à deux, ou insanidade
recíproca, que consiste em dois indivíduos com fantasias homicidas que sozinhos muito
provavelmente não chegariam a pô-las em prática. Nem todos os pares deste tipo se tornam pares
de assassinos em série, entretanto, assim como nem todos os pares de serial killers se enquadram
nessa categoria.
Dr. Hannibal Lecter
Nascido em 1933, na cidade de Kaunas, na Lituânia, Lecter viveu durante a sua
infância no Castelo Lecter com seu pai, o Conde Lecter, sua mãe, cujo primeiro nome é Simonetta,
e sua irmã, Mischa, nascida em 1939, início da Segunda Guerra Mundial7. A invasão alemã da
União Soviética, tendo como alvos principais Moscou, a região dos Balcãs e a Ucrânia, em 1941,
faz com que a família Lecter abandone sua residência e busque abrigo numa cabana de caça,
também propriedade dos Lecter, onde permanecem por alguns anos. Enquanto o Exército
Vermelho avançava sobre a região e os nazistas recuavam houve um incidente com um tanque
soviético que estava na propriedade em busca de água. Os nazistas conseguiram destruir o tanque

6
NEWTON. Trophies and souvenirs kept by serial killers.
7
As referências que são feitas neste trabalho sobre a Segunda Guerra Mundial se baseiam no romance de Thomas
Harris, Hannibal Rising, já que parte do enredo é construída neste período e os conflitos desta guerra têm grande
influência sobre a vida do personagem principal. Não nos preocupamos em elaborar um paralelo comparativo com
a realidade, porque este não é o objetivo que buscamos alcançar. Para maiores informações sobre a Segunda
Guerra Mundial: Ref.

3
e a explosão provocou a morte de ambos os pais de Hannibal e Mischa, que continuam morando
no chalé.
Em seguida, os irmãos são capturados por um pequeno grupo de hiwis8 lituanos que se
fazia passar por uma equipe da Cruz Vermelha. Tendo em vista que isso se passa num inverno
rígido em uma região já devastada pela guerra, não há comida e a sobrevivência de todos fica em
risco. Os hiwis decidem então matar a irmã mais nova de Hannibal, que já estava adoentada, e
fazem um ensopado com sua carne e servem para o próprio menino o caldo, sem que ele, também
febril, entenda exatamente de onde veio e isto garante a sobrevivência de todos, inclusive Lecter.
Após o fim da guerra, o garoto acaba voltando para o castelo que havia pertencido aos
pais, que havia sido convertido em um orfanato soviético, onde ele passa a residir, já que também
é órfão, até que seu tio, Robert Lecter, o encontra e leva para morar em Paris. Pouco tempo depois
seu tio Robert é assassinado em uma briga e ele passa a ser criado pela sua viúva, senhora
Murasaki. Durante a adolescência o jovem Hannibal comete seu primeiro crime, assassinando um
açougueiro, Paul Momund, que insulta sua tia e é responsável pela morte de seu tio, e, apesar de
ser considerado suspeito pelo investigador, escapa da punição, porque sua tia intervém em seu
favor. Ele cresce e estuda medicina, quando entra em contato com uma droga que o ajuda a
relembrar os eventos traumáticos pelos quais passou no período da guerra, principalmente a morte
de sua irmã, o que o leva a caçar e assassinar todos os homens que a mataram.
Ele se muda para os Estados Unidos onde se especializa em psiquiatria e passa a ser
um profissional respeitado, chega até mesmo a ajudar o Agente do FBI Will Graham na elaboração
de perfis para captura de criminosos, com quem desenvolve uma relação de amizade, porém segue,
paralelamente, cometendo assassinatos e canibalizando suas vítimas. Graham acaba, por um acaso,
descobrindo que o respeitável Dr. Lecter é na verdade um dos criminosos que está perseguindo e
é atacado por ele, mas sobrevive, Hannibal, entretanto, acaba sendo preso e condenado a nove
sentenças perpétuas consecutivas. Graham busca, mais tarde, a ajuda dele para identificar o
assassino em série Fada dos Dentes. O assassino, Francis Dolarhyde, acaba sendo morto pela
companheira de Graham quando invade a residência do casal.
Ainda preso, o Dr. Lecter recebe a visita da estagiária do FBI Clarice Starling, enviada
para entrevistá-lo com o objetivo declarado de elaborar seu perfil, mas a real intenção é convencer
Hannibal a auxiliar na investigação da série de assassinatos cometidos pelo serial killer Buffalo
Bill. Lecter desenvolve grande interesse pela jovem e ambiciosa Starling e propõe ajudar, desde
que ele seja transferido para outra instituição. O FBI aceita este acordo, sob a condição de todo
crédito ser dos investigadores. Durante a transferência Lecter eviscera seus guardas e escapa. Com
base nas poucas pistas dadas por Lecter antes da fuga, Starling visita uma série de conhecidos e
amigos da primeira vítima de Buffalo Bill, Fredrica Bimmel, entre eles Jame Gumb e percebe que
ele deve ser o assassino. Ele tenta se esconder em seu porão, mas Starling o persegue e acaba por
matá-lo, libertando também uma vítima que estava sendo mantida em cativeiro. Lecter, mesmo

8
Hiwi é uma abreviação da palavra alemã Hilfswilliger, que significa assistente voluntário. Durante as ocupações da
Segunda Guerra Mundial a Alemanha recrutou pessoas dos próprios territórios invadidos para serem seus
colaboradores.

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foragido, envia um telegrama congratulando Clarice pelo seu sucesso e também dizendo que não
vai persegui-la.
Após 7 (sete) anos a carreira de Clarice Starling está em uma derrocada, porque durante
uma operação ela mata um traficante que estava segurando um bebê. Hannibal manda para ela uma
correspondência lamentando o mal momento. O FBI então determina que ela se dedique a busca
por Lecter, de cujo paradeiro havia poucas pistas. Mason Verger, um pedófilo sádico que era
paciente do Dr. Lecter antes de sua prisão e que foi atacado por ele e é a única outra vítima, além
de Will Graham, a sobreviver, apesar de bastante desfigurado, descobre que Starling está no
encalço de Hannibal e decide usá-la como isca para sua vingança contra ele, que conta com a ajuda
de Paul Krendler um agente corrupto do Departamento de Justiça. Verger acaba conseguindo
prender Lecter, mas Starling o localiza e salva sua vida. Lecter se aproveita da situação para
capturar Starling e busca, com auxílio de um coquetel de psicotrópicos e terapia comportamental,
fazer uma lavagem cerebral na agente para convencê-la que é na verdade Mischa, a irmã falecida
de Hannibal. Starling resiste, mas acaba se oferecendo sexualmente para Lecter e eles se tornam
um casal e o final do livro dá a entender que eles seguem viajando juntos pelo mundo sem serem
apreendidos pelas autoridades.
Apresentamos a vida de Hannibal, The Cannibal, em ordem cronológica, de acordo
com a vida do personagem principal, dando ênfase à infância e à adolescência, já que, conforme
supramencionado, busca-se nessas fases da vida a “justificativa para o mal”. Essa tentativa fica
bem clara, em nossa opinião, no caso dos romances de Thomas Harris. O primeiro livro a ser
lançado foi Red Dragon (1981), que retrata a relação de Lecter com Will Graham e a investigação
do caso do Fada dos Dentes, seguido por The Silence of the Lambs (1988), que descreve o começo
do contato entre Lecter e Clarice Starling e a busca por Buffalo Bill, logo depois Hannibal (1999),
que fala sobre o reencontro de Lecter e Starling e o “final feliz” compartilhado por eles, e, por fim,
Hannibal Rising (2006), que revela a infância e o começo da carreira criminal de Lecter, todos
descritos com mais detalhes acima. Até o lançamento do último livro há pistas sobre um passado
traumático vivido por Hannibal, principalmente no penúltimo livro, mas no geral o que o público
é levado a perceber é que esse serial killer fictício é um monstro, um homem que mata sem pudores
ou arrependimentos e como resultado de pouca ou nenhuma provocação por parte de suas vítimas.
Hannibal teve uma má recepção pela crítica quando foi publicado. Alguns críticos afirmaram que
houve uma distorção da personagem de Starling para que ela se encaixasse nas fantasias doentias
de Lecter. Acreditamos que Hannibal Rising foi uma tentativa de resgatar a simpatia do público
por Lecter ao fornecer a ele uma motivação traumática devida a um grande sofrimento ocorrido
durante a infância, o que teria pervertido de forma irreversível a personalidade dele, justificando
os crimes cometidos na idade adulta.
Jeffrey Dahmer
Jeffrey Lionel Dahmer9 nasceu em 21 de maio de 1960, em Milwaukee, Winsconsin.
Ele foi o primogênito de Joyce e Lionel Dahmer, que tiveram mais um filho. Joyce trabalhava
como instrutora de máquinas de teletipo e o Lionel era estudante universitário da área de Química.
Há alegações que Dahmer sofreu negligência desde a primeira infância. Sua mãe teria achado

9
NEWTON, Michael.

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exaustivo alimentar o bebê no peito, se recusando a praticar essa ação. Concomitantemente se
afirma que ele era muito bem tratado quando bebê, apesar de ter uma mãe que estava sempre tensa
e era muito carente de atenção, ao longo de toda sua infância, desde tenra idade, ele presenciou
discussões ferozes entre seus pais. Sua família se mudou para Ohio e, em 1968, Dahmer foi
molestado por um menino que era seu vizinho. Ainda durante a infância perguntou pro seu pai
como limpar ossos de galinha a seu pai, que, até então preocupado com a letargia demonstrada
pelo filho, o ensinou como limpar e preservar ossos de animais, o que passou a ser um hobby do
garoto.
Em 1978, pouco tempo depois de terminar o Ensino Médio, Jeffrey, que estava então
morando sozinho por conta do divórcio dos pais, que se mudaram cada um para um lugar diferente
sem levar o adolescente, convidou Steven Hicks para sua casa. Quando Hicks tentou ir embora
Dahmer o atacou, quebrou seu crânio com um haltere e em seguida estrangulou até a morte e, por
fim, desmembrou e enterrou as partes do corpo. Após esse primeiro assassinato Dahmer parece ter
se acalmado. Tentou se dedicar aos estudos por um breve período de tempo, na Ohio State
University, sem muito sucesso. Atendendo às exigências de seu pai, se alistou no exército, porém
sua carreira militar também foi curta devido ao abuso de álcool e ele foi dispensado. De volta a
Ohio, morando com seu pai e a nova esposa, continuou se embriagando e foi preso por embriaguez
pública10, em 1981. Em dezembro do mesmo ano seu pai o mandou para a casa da avó, em West
Allis, Winsconsin. Foi preso pela segunda vez em 1982, por atentado ao pudor.
Em 1985 ele passou a frequentar estabelecimentos direcionadas ao público gay e, tendo
se tornado frequentador assíduo de casas de banho, acabou por ser barrado após uma dúzia de
acusações de ter dado soporíferos para seus parceiros e os estuprado enquanto estavam
desacordados, sem, contudo, ter sido preso. Ele seguiu continuou com essa prática em quartos de
motel. Em 1986 foi preso acusado de estar se masturbando em público, tendo sido visto por dois
garotos de 12 anos. Inicialmente confessou, mas em seguida mudou a história, afirmando que
estava urinando e não sabia que estava sendo observado e foi acusado por desordem11.
Em setembro de 1987 Dahmer convidou Steven Tuomi a passar a noite com ele num
quarto alugado do Ambassador Hotel, em Milwaukee. Mais tarde o serial killer afirmou que não
tinha intenção de assassinar Tuomi, mas de estuprá-lo como havia feito com outras vítimas, porém
acordou deitado sobre o cadáver cheio de hematomas do rapaz com as mãos feridas e sem qualquer
lembrança do que havia feito. Esta vítima foi seguida por James Doxtator, em janeiro de 1988,
Richard Guerrero em março, e, em setembro, sua avó pediu que ele se mudasse devido ao fedor
de seus experimentos. Ele foi, então, morar sozinho em Milwaukee, num apartamento. No dia
seguinte à mudança ele convenceu um garoto laosiano da vizinhança a ir com ele para sua
residência e o acariciou e propôs dar dinheiro a ele em troca de fotos nu. Por causa deste incidente
ele foi preso acusado de agressão sexual12. Foi condenado em janeiro de 1989, mas permaneceria
livre até uma audiência na qual seria definida a sentença, marcada para maio, em 25 de março,
porém, ele assassinou Anthony Sears. Sentenciado a um ano de prisão, ele cumpriu 10 meses da

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Drunk and disorderly conduct.
11
Disorderly conduct.
12
Sexual assault.

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sentença e foi liberado. Em junho de 1990 ele retomou suas atividades criminais, assassinando
Edward Smith, seguido de perto, em julho, por Raymond Smith13 e, em setembro, Ernest Miller e
David Thomas. Após uma breve pausa, Dahmer matou Curtis Straughter em fevereiro de 1991 e
Errol Lindsey, em abril do mesmo ano, e Anthony Hugues em maio.
Foi então que Dahmer teve a ideia de tornar uma de suas vítimas em um zumbi,
fazendo furos no crânio de suas próximas vítimas enquanto ainda vivas e colocando ácidos ou água
quente. Desnecessário dizer que jamais atingiu sucesso e seguiu assassinando homens. Um deles
quase conseguiu escapar. Konerak Sinthasomphone, irmão mais velho do menino que ele havia
atacado no final de 1988, desapareceu de casa em 16 de maio de 1991 e foi visto no dia seguinte
perambulando pelas ruas atordoado, nu e sangrando por causa de feridas na cabeça. A polícia foi
acionada e Dahmer foi interrogado quando policiais chegaram à cena, mas sequer foi preso porque
afirmou que Sintasomphone era seu amante e o rapaz não falava inglês, não pôde contradizê-lo e
acabou morto no mesmo dia. O serial killer ainda matou Matt Turner em junho, Jeremiah
Weinberger no dia 07 de julho, Oliver Lacy no dia 15 e Joseph Brandehoft no dia 19. Tracy
Edwards, no entanto, conseguiu, no dia 22 de julho de 1991, escapar de Jeffrey Dahmer e guiar a
polícia até o apartamento do assassino, onde foram encontrados os restos mortais de 11 (onze)
vítimas. Um mês depois ele já havia sido acusado de 15 (quinze) assassinatos. Durante o
julgamento, que teve início em 1992, ele tentou se declarar culpado, porém inimputável por motivo
de insanidade, mas o júri, apenas duas semanas depois, o considerou são e culpado de todas as
acusações. Ele foi condenado a 15 sentenças perpétuas consecutivas, 936 anos de prisão, no
mínimo. Em 28 de novembro de 1994 um outro preso, Christopher Scarver, o espancou até a morte.
Dahmer, apesar de ter sua alegação de insanidade negada, foi diagnosticado com
transtorno de personalidade limítrofe, transtorno de personalidade esquizotípica e psicose.
Negligência dos pais sofrida na infância, o fato de sua mãe ser uma pessoa nervosa e carente, o
abuso sexual sofrido na infância, as intermináveis brigas entre seus pais e o consecutivo divórcio
e, até mesmo, o fato de sua orientação sexual ser homossexual e qualquer combinação entre esses
motivos são apresentados como a raiz traumática que teria levado Jeffrey Dahmer a se tornar um
serial killer. O fato é que este bonito e charmoso rapaz da classe média trabalhadora norte
americana conseguiu seduzir 17 (dezessete) vítimas, todos homens jovens, a maioria negros, para
suas mortes, tendo canibalizado alguns deles e feito experimentos “científicos” em outros tantos
ainda vivos, mas também com seus corpos, dissecando muitos deles, mantendo diferentes partes
em seu apartamento.
Ed Gein
Edward Theodore Gein14 nasceu no dia 08 de agosto de 1906, em La Crosse
Winsconsin, mas sua família logo depois se mudou para uma fazenda nos arredores de Plainfield.
Seu pai, George Philip Gein, trabalhava como curtidor além de tomar conta da fazenda e sua mãe,
Augusta Wilhelmine Gein, era responsável por todas as decisões da casa e relacionadas a Edward
e seu irmão mais velho, Henry George Gein. Ambos, Edward e Henry, foram criados isolados de
convívio social, o que era facilitado pelo isolamento geográfico de sua residência. Augusta era

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Os dois não eram parentes.
14

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extremamente religiosa – adotava a confissão luterana – e pregava para seus filhos sobre o mal
inerente ao mundo, sobre a perversidade do consumo de álcool, com o exemplo vivo de George,
que era alcoólatra, sobra a imoralidade presente em todas as mulheres, à exceção dela mesma. Ela
atacava particularmente a prática sexual antes do casamento.
Em 1940 o pai de Gein morreu de um ataque cardíaco provocado muito provavelmente
pelo seu consumo abusivo de álcool por anos a fio. Em 16 de maio de 1944 Edward e Henry
estavam queimando vegetação pantanosa na fazenda quando o fogo fugiu do controle. O corpo de
bombeiros foi acionado e o fogo controlado, mas Henry havia desaparecido. Equipes de busca
foram então mobilizadas e o corpo de Henry foi localizado, morto a algum tempo e deitado de
bruços, porém sem queimaduras ou ferimentos graves aparentes, a causa mortis foi dada como
asfixia, apesar de terem sido encontrados alguns hematomas suspeitos e de Edward ter mais ou
menos guiado a equipe de busca diretamente ao local onde estava o corpo15. Os irmãos vinham
tendo desde a morte do pai diversas discussões sobre as atitudes da mãe, que Henry acreditava ser
autoritária demais, com o que Edward discordava. Ademais, Henry havia começado um
relacionamento e planejava ir morar com sua namorada. Logo após a morte de Henry, Augusta
teve um derrame que a deixou inválida e sob os cuidados do único membro sobrevivente da
família. Pouco mais de um ano depois, após uma discussão com um vizinho, Augusta sofreu um
segundo derrame e sua saúde definhou rapidamente, acabando por vir a óbito no dia 29 de
dezembro de 1945, deixando Ed Gein sozinho no mundo.
Livre para levar sua vida como bem lhe aprouvesse pela primeira vez na vida, Ed Gein
começou a se interessar por passar por uma operação de troca de sexo, tendo em vista o caso de
sucesso de Christine Jorgenson que estava sendo noticiado na mídia da época. A intervenção
cirúrgica era muito cara. Gein começou a pensar em formas menos custosas de se tornar uma
mulher, ainda que temporariamente. Entre os anos de 1947 e 1954 ele visitou com frequência três
cemitérios locais e profanou cerca de 40 (quarenta) túmulos, algumas vezes retirando cadáveres
inteiros, outras apenas algumas partes. No dia 8 de dezembro de 1954 Mary Hogan, uma mulher
de meia idade que gerenciava uma taverna em Pine Grove, desapareceu de seu local de trabalho.
As únicas pistas encontradas no local foram uma poça de sangue, uma cadeira virada e um cartucho
de pistola calibre .32. Gein chegou a ser suspeito, mas nunca acusado.
Foi somente com o desaparecimento de Bernice Worden, em 16 de novembro de 1957,
que Gein realmente foi descoberto pelas autoridades. A cena do crime tinha muita semelhança com
a do caso de Mary Hogan. Havia um rastro de sangue na loja de ferragens onde Bernice trabalhava
que ia até o lugar onde sua caminhonete, não mais no local, tinha estado estacionada. O filho da
mulher, também de meia idade, informou à polícia que Gein havia convidado sua mãe para um
encontro e no dia anterior ao desaparecimento havia comentado que precisava comprar
anticongelante. Durante a busca na loja perceberam que a última nota fiscal emitida havia sido em
nome de Gein, para um galão de anticongelante, o que guiou os investigadores até a casa dele.
A lista de artigos macabros encontrados na fazenda é enorme. O corpo da vítima mais
recente, Bernice, foi encontrado, decapitado e pendurado nas vigas de um galpão nos fundos da
casa, eviscerado como um cervo e sem as genitais. O coração foi encontrado dentro de uma panela

15
SCHECHTER, Harold. Deviant.

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em cima do fogão da casa e a cabeça tinha sido transformada em um lúgubre enfeite, com barbante
afixado por meio de pregos encravados nas orelhas. Os outros órgãos estavam em uma caixa em
um canto da casa. Além disso foram encontrados diversos ossos humanos, tanto inteiros como
partes, uma lixeira feita de pele humana, várias cadeiras com assentos também feitos de pele
humana, crânios humanos decorando a cama, vários outros crânios humanos femininos, alguns
transformados em potes e outros com o topo retirado, um torso feminino transformado em
espartilho, calças feitas de pele humana, máscaras femininas feitas com pele humana, nove vaginas
numa caixa de sapatos, um cinto feito com mamilos femininos, quatro narizes, entre outros
ornamentos tétricos.
Gein prontamente confessou o assassinato de Mary Hogan e Bernice Worden, além de
uma série de roubos de túmulos. Em janeiro de 1958 um juiz declarou este serial killer incapaz
por motivo de insanidade e ele foi internado em um hospital psiquiátrico. Em 1968 foi feita nova
tentativa de julgamento e ele foi declarado inocente por motivo de insanidade. Passou o resto de
seus dias em instituições psiquiátricas até o falecimento, em 26 de julho de 1984, no Instituto de
Saúde Mental Mendota.
O Açougueiro de Plainfield é um dos serial killers mais temidos e retratados pela
ficção, tendo sido referência, por exemplo, para o livro de Robert Bloch, Psicose, que, por sua vez,
inspirou Alfred Hitchcock a criar o filme de mesmo nome, dando vida para o famoso assassino
ficcional Norman Bates, além do supramencionado Jame Gumb. Tudo isso apesar do baixo número
de homicídios confirmados, confessou dois assassinatos apenas, e foi julgado por apenas um. Há
suspeitas que ele tenha sido o responsável por outras mortes, no entanto, inclusive a do próprio
irmão.
A figura feminina tirânica de sua mãe é tão famosa quanto Ed Gein, restando a dúvida
se ele nutria por ela um intenso desejo de cunho edipiano ou se desejava se tornar como ela. Os
crimes cometidos por ele giram indubitavelmente em torno de figuras femininas, principalmente
de mulheres de meia idade e a rigorosa dominação exercida por sua mãe desde a primeira infância,
além da religiosidade fervorosa que ela expressava são considerados como elementos que levaram
Gein primeiro à insanidade e depois ao assassinato. Seu isolamento social, a timidez, o alcoolismo
paterno são todos colocados como fatores adicionais.
Considerações finais
Preliminarmente gostaríamos de ressaltar que tanto Dahmer quanto Gein tinham
irmãos, um irmão mais novo no caso do primeiro e um irmão mais velho no caso do segundo, que
foram submetidos aos mesmos ambientes sem, contudo, se tornarem serial killers, logo a
justificativa de uma infância traumática já parcialmente cai por terra. Além disso, vários dos fatores
apontados como “sinais” de potencialidade criminal são compartilhados por diversas pessoas em
situações de pobreza ou submetidas a abuso, o que gera a marginalização daqueles que já se
encontram em posições de desvantagem.
Pudemos identificar também que há uma crescente busca por explicações médico-
científicas para o surgimento desse tipo de criminoso e uma série de rótulos são postos neles,
principalmente em Dahmer entre os aqui analisados. Acreditamos que isso pode ser explicado pela

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racionalização e cientifização que teve início no século XVIII, quando a figura do padre vai
progressivamente sendo substituída pela do médico e é necessário que se criem explicações
científicas para o que a religião antes dominava. Não é sem razão que o termo ‘desequilibrado’ é
utilizado até hoje para descrever pessoas que padecem de doenças mentais, já que equilíbrio era
sinônimo de saúde.16 O demônio como o grande responsável pelos padecimentos humanos vai
perdendo cada vez mais força. O Mal deixa definitivamente de ser algo externo ao homem no
século XIX, passando a ser algo inerente ao ser humano. O indivíduo é responsável por suas ações
e não mais o diabo, que, no máximo, tem o poder de oferecer tentações.17
Acreditamos que a crescente individualização em todas as áreas da vida humana, a
laicização do Estado, responsável pela aplicação da Lei, o crescimento da ciência e os avanços
tecnológicos combinados não permitem que o surgimento de serial killers seja explicado por
motivos religiosos, como possessão demoníaca, por exemplo. Ainda assim, é difícil que se aceite
que estas pessoas tenham simplesmente nascido com um impulso assassino, ou que nossa
sociedade, devido às suas próprias características estruturais, leve alguns indivíduos a desenvolver
patologias mentais as mais diversas. É necessário que haja uma motivação traumática, um gatilho,
um rótulo.
Há ainda, em certa medida, a glamourização desses criminosos que são retratados pelo
cinema e pela televisão na pele de atores charmosos, os personagens inspirados por eles são
cercados por um ar de mistério. Não acreditamos que essa seja uma forma de incentivo à imitação,
mas mais uma forma de reconfortar o público, já que há um medo controlado, afinal, por mais
apavorante que seja um filme, sabemos que o sangue não é de verdade e ao final da cena o ator ou
a atriz que representou a vítima vai se levantar e seguir com sua vida.
Bibliografia
HARRIS, Thomas. Red Dragon.
______________. The Silence of the Lambs.
______________. Hannibal.
______________. Hannibal rising.
MUCHEMBLED, Robert. Uma história do diabo: séculos XII - XX. Rio de Janeiro: Bom Texto,
2001.
SCHECHTER, Harold. Serial Killers - Anatomia do Mal. [S/L]: DarkSide Books, 2013.
SCHECHTER. The A to Z enciclopedy of evil.

16
O médico
17
O diabo

10

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