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UFRJ

Curso de História
Disciplina Filosofia II
Professor Felipe Castelo Branco
Aluno André Lessa

A razão aristotélica e o inconsciente freudiano


Aristóteles apresenta uma divisão em três ramos das ciências: as teoréticas, que
buscam o saber em si mesmo, as práticas, que buscam o saber com o intuito de atingir a
perfeição moral, e as poiéticas, que buscam o saber em função do fazer. A metafísica, ou
"filosofia primeira", faz parte do primeiro grupo, das ciências mais elevadas, e "se ocupa das
realidades-que-estão-acima-das-realidades-físicas"1. A metafísica indaga as causas e os
princípios primeiros, indaga o ser enquanto ser, indaga a substância e indaga Deus e a
substância suprassensível. Essas linhas mestras, ordenadas dessa forma por Aristóteles, são a
síntese da tradição filosófica que o precede e também estão, de acordo com Reale e Antiseri 2,
harmonizadas perfeitamente entre si. Porém, ao contrário dos filósofos anteriores a ele, como
Platão, por exemplo, ele não vê a necessidade de estabelecer um plano além do material para
a resolução de uma aporia3. É no próprio mundo sensível que está a solução, a própria razão
por meio de seus modos de funcionamento fornece as formas de solução.

A metafísica seria a ciência mais elevada e livre por excelência, já que não está
ligada a necessidades materiais e nem voltada para objetivos práticos ou empíricos, logo não
se submete a esses fatores. Ela é, mormente, a busca das causas primeiras, que para esse
pensador, no que se refere ao mundo de devir, são quatro: a causa formal, a causa material, a
causa eficiente e a causa final. A segunda definição de Aristóteles para a metafísica é que esta
seria "uma ciência que considera o ser enquanto ser e as propriedades que Ihe cabem
enquanto tal"4. Ela não se identifica com nenhuma das ciências particulares: com efeito,
nenhuma das outras ciências considera o ser enquanto ser universal; com efeito, depois de
delimitar uma parte dele, cada uma estuda as características dessa parte." O "ser", para ele,

1
REALE, D.; ANTISERI, G. História da Filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2003, p. 195.
2
Ibidem, p. 195.
3
Uma aporia é uma dificuldade ou dúvida racional decorrente da impossibilidade objetiva de obter resposta ou
conclusão para uma determinada indagação filosófica.
4
REALE, D.; ANTISERI, G. Op. Cit., p. 197.
1
tem múltiplos significados e é, basicamente, "substância, alteração da substância ou atividade
da substância ou, de qualquer modo, algo-que-reporta-à-substância"5.

Há quatro grupos fundamentais de significados. O ser como categorias, ou o ser


em si, onde as categorias são o grupo principal de significados do ser, os supremos gêneros do
ser, e que se dividem em: substância ou essência, qualidade, quantidade, relação, ação ou agir,
paixão ou sofrer, onde ou lugar, quando ou tempo, ter e, por fim, jazer, embora as últimas
duas sejam as menos citadas ou comentadas por Aristóteles. Chamamos atenção ainda para o
fato que somente a primeira categoria apresentada, a substância, tem subsistência autônoma.
Todas as outras advêm dela. O ser como ato e potência, ou seja, aquele que caminha, quando
o faz, é em ato. Se, por outro lado, estiver em repouso, sentado ou deitado, é caminhante em
potência. O ser como acidente é aquele que "acontece de ser", não guarda nenhum vínculo
essencial com o ser, é um ser casual, um "acontecer". Enfim, o ser como verdadeiro, daí o
não-ser como falso. O ser verdadeiro, próprio da mente humana, pensa e vê as coisas como
são na realidade enquanto o não-ser faz o oposto.

A metafísica ocupa-se dos dois primeiros tipos de ser, sendo inclusive também
chamada de "teoria da substância". A substância é "o eixo em torno do qual giram todos os
significados do ser"6. Podemos dizer que o ser é a substância, o ser é a matéria, em grau mais
elevado é o sinolo7, no sentido mais forte o ser é a forma.

Já em relação à lógica, ela não se encaixa na subdivisão das ciências conforme


proposto, pois ela é a forma que qualquer discurso que pretenda provar ou demonstrar algo
deve assumir. Ela é um instrumento mental que pode ser utilizado em qualquer investigação.
As categorias, supracitadas, são na lógica os "gêneros supremos"8, indefiníveis porque
primários e irredutíveis. A substância e seus predicados são, como vimos categorias. Já os
indivíduos são indefiníveis por seu particularismo. É através dos "horismós" - ou definições -
que conhecemos o que está "entre a universalidade das categorias e a particularidade dos
indivíduos"9, a definição, para Aristóteles é "o discurso que expressa a essência"10.

Na lógica, temos a proposição, que é a expressão lógica do juízo, que, por sua vez,
é a forma de afirmar ou negar um conceito em relação a outro. Esta é a forma mais elementar
de conhecimento, que nos mostra diretamente a ligação entre um sujeito e um predicado.
Quando elaboramos uma proposição, entretanto, ainda não estamos raciocinando, nem quando

5
Ibidem, p. 197.
6
Ibidem, p. 198.
7
Sinolo o todo constituído pela matéria e pela forma.
8
Ibidem, p. 227.
9
Ibidem, p. 228.
10
Ibidem, p. 228.
2
reunimos uma série desconexa de juízos. Já o estamos fazendo quando reunimos uma série de
proposições que tenham nexos entre si, que de alguma forma sejam causas umas das outras. O
silogismo é o raciocínio perfeito, ou seja, "aquele raciocínio em que a conclusão a que se
chega é efetivamente a consequência que brota, necessariamente, do antecedente"11. No caso
do silogismo científico, é necessário ainda que, além da correção formal da inferência, as
premissas sejam verdadeiras e "primeiras", que não precisem de mais nenhuma demonstração,
mais universais que as conclusões por serem as suas razões.

Pode-se chegar a tais premissas por indução ou intuição. Esta última é "a captação
pura dos princípios primeiros por parte do intelecto"12 e a primeira é "o procedimento pelo
qual do particular se extrai o universal"13, opõe-se à dedução, que se move do universal ao
particular, por se mover em sentido oposto. Há ainda que se levar em conta o princípio da
não-contradição que afirma que "não se podem negar e afirmar dois predicados contraditórios
do mesmo sujeito no mesmo tempo e na mesma relação"14. Aristóteles afirma que é possível
uma dialética por refutação desse princípio, que consiste em provar que aquele que o nega é
obrigado a utilizá-lo e, portanto, reafirmá-lo.

As teorias aristotélicas foram as bases para o pensamento tudo tido como racional
no Ocidente durante séculos. Todas as investigações relacionadas à razão estiveram direta ou
indiretamente ligadas a elas ao longo de todo esse período. Para Freud, entretanto, a
consciência e, logo, a razão não correspondem a totalidade do psiquismo. Há uma outra
dimensão que ele nomeia "inconsciente". Há fenômenos psíquicos que não são racionais,
como a memória, por exemplo. Ou é necessário que haja um mundo além do físico, uma
influência externa, ou há fenômenos da mente que não são conscientes, não são racionais.

O inconsciente tem um certo número de características que não são encontrados


no consciente. Primeiro ele é movido pela pulsão e não pela razão. Se dois impulsos
instintuais se contradizem eles se unem para a formação de um objetivo intermediário no
lugar de disputarem por espaço ou um ser eliminado.

Nele não há dúvida e nem negação. Isso só é trazido pela censura que pode ou não
levar ao recalque. Tudo produzido pelo inconsciente deve passar por um sistema de censura
antes de ser capaz de atingir o consciente. Se reprovado, dado conteúdo é recalcado, ou seja,
permanece inconsciente.

11
Ibidem, p. 229.
12
Ibidem, p. 230.
13
Ibidem, p. 230.
14
Ibidem, p. 231.
3
Há, além disso, uma mobilidade maior na intensidade dos investimentos. O
deslocamento, quando dado afeto se desloca na cadeia de significantes para poder emergir, já
que a censura não permite que um dado afeto emerja relacionado a um significante específico,
e a condensação, quando a substituição fonética de uma palavra por outra como "glance" por
"glanz", são considerados processos primários por Freud.

Os processos do inconsciente são também atemporais, ou seja, "não são ordenados


temporalmente, não são alterados pela passagem do tempo, não têm relação nenhuma com o
tempo"15. Também desconsideram a realidade externa ao psíquico.

No sistema aristotélico, como vimos, toda a pluralidade é reduzida a uma


binariedade. O sim e o não. O verdadeiro e o falso. Além de ser baseada eminentemente na
razão, nesse contexto no consciente. Para Freud, há um sem número de elementos que são
possíveis, a cada conteúdo que emerge ao consciente outros tantos foram recalcados.
Ademais, o consciente não é o todo do psíquico, destarte ignorá-lo quando fazemos incursões
nos processos relacionados à mente humana certamente nos levará a cometer enganos.

Referências Bibliográficas

FREUD, Sigmund. O Inconsciente. In:__________. Introdução ao narcisismo: ensaios de


metapsicologia e outros textos (1914-1916). Tradução e notas Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010. PP. 99-150.

REALE, D.; ANTISERI, G. A Metafísica e A lógica, a retórica e a poética. In:__________.


História da Filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2003. PP. 193-205 e 225-232.

15
FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos
(1914-1916). Tradução e notas Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras,
2010, p. 128.
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