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e a Democracia
mentos sociais radicalizando-se no Marcelismo,
dirão que foi o movimento de crescimento econó
mico dos anos 60, com as suas novas classes
médias a demarcarem-se do regime, enquanto
outros irão ensaiar hipóteses conspirativas mais
Portuguesa
complexas, vendo nos militares, por exemplo,
uma vocação democratizante delineada desde os
anos 50. No entanto, estes elementos de explica
ção estão longe de ser claros e em várias ocasiões
a queda da Ditadura seria mais previsível: na
sequência da derrota do fascismo, em 1945; com o
A n tó n l o co s ta P i n to movimento de desafecção expresso na campanha
eleitoral do General Humberto Delgado; na con
juntura do início da guerra colonial e do golpe de
Estado do General Botelho Moniz; para dar ape
nas 3 exemplos.
A grande singularidade do caso português foi
precisamente a intervenção democratizante do
movimento dos capitães, rara senão única neste
século, e que estava longe de ser previsível, muito
embora a guerra colonial os tivesse tornado acto
res inevitáveis de qualquer mudança política! .
Apesar do efeito surpresa , a intervenção mili
tar deu-se num contexto ditatorial onde existiam
elites alternativas com laços sólidos com vários
segmentos da sociedade civil. A presença de uma
oposição semi-Iegal e clandestina diversificada ao
Salazarismo, e a emergência da «ala liberab>, dissi
dente do Marcelismo, muito embora com escassa
ligação ao militares que desencadearam o golpe
de estado, foi fundamental, pois constituiu de
imediato uma opção legitimada pelo combate à
Ditadura2 .
O 25 de Abril abriu a 3a vaga dos processos
de democratização, iniciados na Europa do Su13 .
Numa perspectiva comparada, no entanto, ela
apresentou singularidades marcantes. Ainda
sem grandes constrangimentos internacionais
o 25 de Abril abriu a 3' vaga dos processos de entre esta acentuada descontinuidade e alguma
democratização, iniciados na Europa do Sul.
1)iário Ó� lisbotl
radicalização subsequente.
Diário de Lisboa, 28 de Abril de 1974.
Centro de Documentação 25 de Abril, Coimbra. Muito embora uma mobilização anti-ditato
rial diversificada tenha sido determinante nos pri
meiros dias após o 25 de Abril, nomeadamente na
imediata dissolução das instituições mais conota
das com o Estado Novo, como a PIDE ou o Partido
NOVOS RUMOS PARA A VIDA PORTUGUESA único, e nas ocupações de muito sindicatos, orga
nismos corporativos e Câmaras Municipais, o pri
S P íNOLA meiro governo provisório, uma parte da elite mili
F RENTE tar e das organização de interesses apontavam
À I M P RE N SA para uma rápida institucionalização de um
E AOS regime democrático, baseado na convocação
POLíT ICOS rápida de eleições e com eventuais contornos pre
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sidencialistas. A própria dinâmica da formação
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o
HOJE: 32'PÂGINAS
gência política do MFA. Reside aqui, creio, a aber
tura de um espaço de mobilização política e social
e concomitante crise do Estado, que pode explicar
pró-democratizadores e em plena guerra fria, a a incapacidade das elites moderadas dominarem
ruptura provocada pelos militares, deu lugar a «por cima» a rápida institucionalização da demo
uma crise acentuada do Estado, potenciada pela cracia representativa. Muitas análises da transição
simultaneidade entre democratização e desco portuguesa salientaram justamente esta «revitali
lonizaçã04• zação da sociedade civil» , como factor de radica
Considerando transição como «o período flu lização, mas convém sublinhar que esta se desen
ido e incerto em que as estruturas democráticas volve em paralelo com a predominância deste
estão e emergio>, mas onde ainda não é claro que «chapéu» protector e é dificilmente imaginável
regime vai ser instaurado, a fase mais complexa do sem ele.
caso português decorre entre 1974 e 1976, com a Os tímidos movimentos de ruptura simbólica
aprovação da Constituição e as eleições legislati e de elites com o passado começaram então a
vas e presidenciais. Concentraram-se nestes dois desenvolver-se. O rápido e multidirecionado
anos tensões poderosas na sociedade portuguesa, movimento de «saneamentos» foi disso exemplo.
com alguns elementos de uma conjuntura revolu Após uma rápida decisão de afastamento dos ele
cionária. mentos mais «visíveis» da elite política da Dita
Ao contrário de Espanha, Portugal conheceu dura e de alguns militares conservadores, este
uma transição por mptura, ou seja sem qualquer movimento de «desfascização» começou a envol
pacto ou negociação entre a elite da Ditadura e as ver a administração pública e o sector privado,
203 oposições, mas não existe uma relação directa caracterizou-se pela sua progressiva radicalidade,
"o desenvolvimento de fortes estruturas politicas
de base, como as comissões de trabalhadores, o
desafio que a extrema esquerda representou nesta
conjuntura de crise, e a própria penetração política
desta nas forças armadas são exemplos de uma
maior complexidade, que passou pelos casos da
Emissora Católica Rádio Renascença e do jornal
República»,
poderosa. 204
Seria simplista considerar o «verão quente» estruturação dos partidos políticos, organiza
de 1975, apenas como a tentativa de o PCP impor ções da sociedade civil (como sindicatos e orga
um ditadura apoiada pela União Soviética. Muito nizações de interesse) e na estratégia anti
embora seja natural que a elite política democrá esquerdistas no «verão quente» de 1 975. Por
tica tenha concentrado aqui o fundamental do seu outro lado, o caso português foi tema divergente
discurso fundador, ele está longe de esgotar o nos forum internacionais, da NATO, à CEE,
tema. O desenvolvimento de fortes estruturas passando pela relações entre estas instituições
políticas de base, como as comissões de trabalha e o então bloco socialista, dirigido pela União
dores, o desafio que a extrema esquerda represen Soviética. Quaisquer que sejam os indicadores
tou nesta conjuntura de crise, e a própria pene escolhidos, parece não oferecer dúvidas que o
tração política desta nas forças armadas são período de 1 974-75 em Portugal conheceu
exemplos de uma maior complexidade, que pas grande «saliência internacional» .
sou pelos «casos» da Emissora Católica Rádio Apanhada de surpresa pelo golpe, a comuni
Renascença e do jornal República, ou pela dinâ dade internacional, com particular relevo para os
mica de ocupação de propriedade urbana em Lis EUA, concentrou-se no apoio às forças políticas
boa. As clivagens políticas no interior das forças democráticas de centro esquerda e de direita, na
armadas também introduziram alguma autono metrópole, e no acompanhamento e intervenção
mia que não pode ser recorvertida em mera no rápido processo de descolonização, particular
«conspiração programada» . Mais uma vez, como mente em Angola.
salientou um analista da transição portuguesa, Utilizaram-se então métodos herdados do
a crise de Estado foi um «factor de oportunidade» após guerra, particularmente em Itália. Perante
para alguma radicalização dos movimentos soci uma fortíssima mobilização política e social
ais e este factor não deverá ser evacuado da aná esquerdista, um tecido económico com um forte
lise do períodos . sector nacionalizado e a fuga generalizado de
Portugal conheceu então uma conjuntura de capitais e da própria elite económica, os partidos
polarização rara neste século, sobretudo pela moderados só conseguiram um mínimo de
mobilização anti-revolucionária da província. implantação e funcionamento nesta conjuntura
Muito embora protagonizada pelo PS e PSD em de crise com um apoio financeiro e de formação
Lisboa e no Porto, à medida que o sector mode de quadros significativo por parte da administra
rado do MFA se preparava para o 25 de Novembro, ção norte-americana e das organizações interna
a mobilização de província a norte do Tejo só é cionais das «famílias políticas» europeias, com as
possível com a entrada em cena da hierarquia da segundas servindo por vezes de mediadoras do
Igreja Católica e a mobilização paroquial, em con apoio da primeira.
junção com a notabilidade local. Acompanhada A intervenção militar de 25 de Novembro
pela mobilização de elementos de direita e marcou o passo do processo de consolidação da
extrema direita, militares e civis, a ofensiva anti democracia, com as eleições legislativas e presi
esquerdista passou por uma onda de violência denciais de 1976. Muito embora com heranças
política contra as sedes do PCp, da extrema importantes da transição inscritas na Constitui
esquerda e sindicatos e eles associados. ção e uma presença militar no sistema político
Portugal sofreu, durante o curto período de que se arrastará até ao final dos anos 70, deram-se
1 974-75, uma significativa intervenção externa, neste período os passos fundamentais da conso
205 não só diplomática, como também na própria lidação da democracia.
A opção europeísta do segmento maioritário apoio chegou a Portugal, e os seus efeitos começa Primeiro número d o jornal do Caso República,
29 de Maio de 1975.
das elites políticas portuguesas foi um produto da ram a ser sentidos, com as estatísticas a reflectirem
transição para a democracia, e foi um elemento uma melhoria visível nas condições de vida, com
central da sua consolidação. O caso português um desemprego relativamente pequeno.
ilustra bem a tese segundo a qual a Comunidade Nos anos 80, Portugal assistiu a um segundo
Europeia, enquanto referência da Europa desen ciclo de crescimento e mudança social. Acentua
volvida, foi um «símbolo disponível» para as elites -se a litorização da população e a urbanização
democráticas legitimarem uma nova ordem
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interna, após uma transição por ruptura bastante
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conflitual e o fim do império colonial, que tinha
sido o argumento final do Estado Novo. JOJI'NltL
Foi fundamentalmente no contexto das cliva »O CASO
gens políticas de 1975 que os partidos políticos de -
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direita e de centro-esquerda reforçaram a conste :"LO:U!S/ JCSf: "I.\� ARONS DI::: CAltV....U10.l!\IA;!CI':L1X3 ;m::SQHl'A / XU;';D COtlTlllilOj l'.\7. I'ERRt;mA/J'EDIlQ rOYCS/ROCIU
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lação «europeia» e «comunitária» como referência
A LIVRE INFORMACAO
polarizada em 1974-75, a opção europeísta foi um Por RAUL REG'J
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elemento central de ruptura com o passado dita II:>.
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torial, isolacionista e colonial. tojo, O� honH"-S � '" lod,,� ,,� "''''-imonto>, po!l:lcO'l .. ETAPAS DO ASSALTO CONSUMADO EM 19 DE MAIO
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papel importante na promoção da democracia na r.lhlld"
AOS NOSSOS
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Europa do Sul, a sua verificação para Portugal foi lL.naluo;.i D.
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interna e como uma alavanca para a moderniza uma classe oU'de um regime, mas digna e pa/ti
clpante n a vida civica nacionaL
.; com a boa �'Ontadc dos no;sos leItores e
ção do país.
A TENTATIVA UE CALAR (REPUBLICA, TEM C�MO �BJEClIUO
com os seus Obulos que conlôme,s p ara prosse·
gui/ na caminhada. enquanto nos estiver vedada
a S�de da �RepLjbllca� e Iodas as suas eSlrulU
Ao longo dos anos 80, a sociedade portuguesa
INUTILIZAR A PRÕPRIA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
ras de organização. Ouals:tuer donativo
-s podem
ser enviados para a nos�a sede provisória, na
RUE d a Eroonda, 13-3: andar - Lisbo a · 2. -
afastou-se da dupla herança do Estado Novo e do - lembrou Salgado Zenha \
. lesle primeiro número o jornal n1l0 loi eslru·
lurêdo na sua venda, mas os vendedores Que o
SANTIAGO C A R R I L l O
�>I.. t;>l,,",� �, C" ....� . .. ... .
�� O� Pfc"OH quo fMI'olvo pU "c"n.',,"· "r,,,,,,
A NIVERSÁRIO �...'.:., .. P••� ",,' oc,>=' .
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aquando do pedido de adesão. �,�.'.':.!'!:;�:. tr,"'ç�t1 r�:
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No !l1illislério
do Trabalho
comissões legislatil'as Em Paris com Senghor
estudam
a delegação. pOlltu�uesa
/lova ,.egulamclZtaçtlo
às conversações de Londres
Administração local.:
partidos não querem
representação unitária
fomal "Revolllçrro "
6rgc1o do P. R. P.
deu um novo salto, muito embora Portugal per Europeia e a integração portuguesa ao longo dos
maneça ainda abaixo da média europeia. Mais anos 80, os portugueses, tanto quanto os estudos
importante, a quebra da população activa na de opinião publica permitem avaliar, não passa
agricultura foi muito significativa. Sintoma da ram por sérios problemas de identidade com o fim
desagregação da sociedade rural tradicional, do império colonial, em 1975, e a sua nova inser
ainda dominante no final dos anos 70, na pro ção internacional no espaço europeu, em 1986.
víncia do centro e norte do país, que em vez de
emigrar, se dirigiu agora para os centros urbanos
I Vide José Medeiros Ferreira (Coord.l, Portugal em Transe,
nacionais. Acentuou-se também a terciarização Vol. 8 de José Mattoso (Oir. de) História de Portugal, Lisboa,
e o crescimento das classes médias, com a taxa Editorial Estampa, 1994.
de escolarização a aumentar significativamente 2 Vide António Costa Pinto, The Salazar's Dictalorsllip and
European Fascism, Nova Iorque, SSM-Columbia University
neste período. Press, 1995.
Contrariando as perspectivas mais catastro 3 Vide contribuições de Maria Carrilho e Manuel Braga da
Cruz in António Costa Pinto (edited by), Nlodem Portugal,
fistas dos anos 70, Portugal consolidou a sua Palo Alto, SPOSS, 1998.
democracia e deu um salto importante na moder 4 Vide Kenneth MilÀ'Well, The Making of Portllguese Demo
nização económica e social, já como membro da cracy, Cambridge, Cambridge University Press, 1 995.
5 Rafael Ourán Muiioz, Acciones Colectivas y Tmnsiciones a la
União Europeia. Reafirmando a sua identidade Democrócia. Espana y Portugal, 1974-1977, Madrid, Insti
207 europeia, mantendo-se optimistas sobre a União tuto Juan March de Estudios e Investigaciones, 1997.