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Blog de Alfabetização

Mara Mansani

Poemas de grandes
escritores para alfabetizar
os pequenos
Bons modelos de texto devem ser oferecidos desde os
primeiros anos

07 de Agosto 2017 - 12:00

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Os alunos em
processo de alfabetização conseguem refletir sobre textos
aparentemente complexos e produzir versos incríveis. Foto: Mara
Mansani

Há um mito entre nós, professores, que diz: "textos pequenos e


simplificados são próprios para alfabetizar". Porém, para uma
alfabetização de qualidade, precisamos nos libertar disso. Muitos
desses textos não fazem sentido e trazem vocabulário "pobre", sem
desafios. Não é o caso, por exemplo, das parlendas, que são ótimas
para a alfabetização. Além de fazer parte das brincadeiras orais das
crianças, esse tipo de texto de memória possui elementos que
facilitam a reflexão sobre a escrita, entre outros pontos positivos.

É necessário ir além: ampliar o repertório textual na alfabetização e


oferecer diferentes gêneros, mais elaborados, com mais
complexidade, nas atividades de leitura e escrita. Quando
oferecemos bons modelos de textos para nossos alunos, ampliamos
as suas possibilidades de aprendizagem.

Como eu já disse em outros posts, ninguém escreve do nada. As


leituras de referência são muito importantes, porque é com base
nelas que o aluno constrói as referências para a escrita. A isso
damos o nome de "modelização". Modelizar significa repertoriar o
aluno por meio da apresentação de textos que sirvam como modelo
para as produções escritas.

Temos excelentes textos modelos em nosso país! Precisamos


pesquisar um pouco, em livros e na internet, mas logo descobrimos
uma infinidade de textos de escritores reconhecidos, que podem
render boas práticas de escrita de textos autorais com os pequenos.

Vejam uma prática de escrita na alfabetização que venho


desenvolvendo com meus alunos a partir de poemas de grandes
escritores brasileiros:

Em uma roda de leitura, apresentei aos alunos vários textos de um


determinado escritor, que pode ser Cecília Meireles, Vinícius de
Moraes, Manuel Bandeira, Otávio Roth, entre outros. Preparei um
ambiente especial, com fotos e outros materiais, como vídeos, textos
musicados para apresentar a vida e a obra do escritor.

Apresentada a obra, os alunos escolheram seus poemas preferidos


para declamar e ilustrar. Conversamos então sobre as características
em comum entre os textos e os temas explorados pelos escritores.
Chamo a atenção para os recursos de linguagem que eles utilizam,
como repetições e rimas.

Na hora de escrever os textos, dividi os alunos em grupos, que


podem variar de duplas a quartetos, dependendo da hipótese de
escrita e do nível de autonomia que apresentam.

Previamente, escolhi um dos poemas do escritor da vez e ofereci


impresso em papel a cada grupo, para que eles usassem como
referência e apoio. Quando a fase da modelização é bem
desenvolvida, os alunos se sentem seguros e preparados para
escrever suas próprias produções.

Propus, então, que os alunos escrevessem seus próprios poemas


para apresentar para os colegas e expor no mural da sala. Fui
orientando os alunos e fazendo as devidas intervenções pedagógicas
para que escrevem alfabeticamente.

Quando os alunos estão descobrindo suas potencialidades e os textos começam a surgir, fica mais complexo atender

a todos. Por isso, essa prática durou vários dias. Mas é maravilhoso e emocionante ver tantas produções de

qualidade. Veja, abaixo, alguns poemas que já serviram de inspiração, e ao lado deles, as produções dos alunos:

Leilão de Jardim Leilão na Praça

Cecília Meireles Alunos do 1º ano


E. E. Clementino Vieira Cordeiro
Quem me compra um jardim com flores? Piedade/SP. 2008

borboletas de muitas cores, Quem me compra muitas flores,


lavadeiras e passarinhos, Uma praça com muitas cores?
ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra aqueles namorados,
Quem me compra este caracol? Que tem filhos endoidados?
Quem me compra um raio
de sol? Quem me compra um pouco de chuva,
um casamento de viúva?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera? Quem me compra um macaquinho
e um passarinho?
Quem me compra este formigueiro? Quem me compra uma praça,
Com muita grama no jardim,
E este sapo, que é jardineiro? cheio de alecrim?

E a cigarra e a sua Quem me compra uma praça


canção? cheia de graça?

E o grilinho dentro Esse é o nosso leilão!


do chão?

(Este é meu leilão!)


A porta A nossa porta

Vinícius de Moraes Alunos do 1º ano


E. E. Professora Laila Galep Sacker
Eu sou feita de madeira Sorocaba/SP. 2014
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo Eu sou feita de vidro
Mais viva do que uma porta. De vidro, material transparente
Mas só passa pela porta
Eu abro devagarinho Quem for meu parente
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado Eu abro bem rapidinho
Pra passar o namorado Pra passar meu irmãozinho
Eu abro bem prazenteira Eu abro que nem champanhe
Pra passar a cozinheira Pra passar minha mamãe
Eu abro de supetão Eu abro com muito carinho
Pra passar o capitão. Pra passar o papaizinho.
Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa...)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.

Eu sou muito inteligente!

Eu fecho a frente da casa


Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!
Duas dúzias de coisinhas à toa que deixam a gente feliz Uma dezena de felicidades

Otávio Roth Alunos do 1º ano


E. E. Clementino Vieira Cordeiro
Passarinho na janela, Piedade/SP. 2008
pijama de flanela,
brigadeiro na panela. Carrinho que carrega nenenzinho,

Gato andando no telhado, Jogar bola no campinho,


cheirinho de mato molhado,
disco antigo sem chiado. Brincar com o irmãozinho,

Pão quentinho de manhã, Salada verde com tomatinho,


drops de hortelã,
grito do Tarzan. Passarinho no murinho,

Tirar a sorte no osso, Ver o peixe no laguinho,


jogar pedrinha no poço,
um cachecol no pescoço. Um sapato bem novinho,

Papagaio que conversa, Assistir desenho no friozinho,


pisar em tapete persa,
eu te amo e vice-versa. Ir em Piedade comer salgadinho,

Vaga-lume aceso na mão, Ir na biblioteca para ler livrinhos!


dias quentes de verão,
descer pelo corrimão.

Almoço de domingo,
revoada de flamingo,
herói que fuma cachimbo.

Anãozinho de jardim,
lacinho de cetim,
terminar o livro assim.
Trem de ferro Quanta roupa

Manuel Bandeira Alunos do 1º ano


E. E. Clementino Vieira Cordeiro
Café com pão Piedade/SP. 2008
Café com pão
Café com pão Quanta roupa, quanta roupa,
quanta roupa, quanta roupa
Virge Maria que foi isso maquinista? quanta roupa no varal.

Agora sim Foguista ponha lenha


Café com pão Pro caldeirão esquentar
Para o trem andar
Agora sim Com o vapor
Voa, fumaça O trem vai falar
Corre, cerca Quanta roupa no varal
Ai seu foguista Que legal!
Bota fogo Passa o morro, passa o sol
Na fornalha É o dia do Natal
Que eu preciso Mas que legal,
Mas que legal
Muita força Mas que legal.
Muita força
Muita força

Oô…
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte

Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
de cantar!

Oô…
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô… Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede

Oô…
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô…
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente…

Os textos são incríveis! Foram escritos alfabeticamente e revisados


pelo grupo de autores, antes de serem apresentado aos demais
alunos. Dá para perceber que, mesmo sendo escritores iniciantes,
eles já se apropriaram das características e dos recursos linguísticos
presentes nos textos modelos. Bons modelos de escrita favorecem
textos de qualidade.

E vocês, queridos professores? Quais bons modelos textuais estão


utilizando em sala de aula? Como estão desenvolvendo a escrita de
seus alunos? Contem aqui nos comentários!

Um grande abraço a todos e até a próxima segunda-feira,

Mara Mansani

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