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o T. A. T.

E A PSICOTERAPIA
ESTIlER FRANÇA E S!LVA

MURRAY, em seu Manual do T.A.T., fala da utilidade dêsse teste, di-


zendo que êle será útil em qualquer estudo compreensivo da personalidade,
e na interpretação de alterações da conduta, enfermidades psicossomáticas, neu-
roses e psicoses.
Da literatura que consultamos sôbre êsse assunto, chegamos à concluir que
o objetivo dos investigadores tem girado em tômo de vários conhecimentos da
personalidade do indivíduo examinado, e da descoberta de fatôres que, reunidos,
dêem caráter individual a essa personalidade.
Com êsse objetivo principal, numerosos investigadores têm demontrado a
utilidade do teste quanto a seu valor diagnóstico e prognóstico e o de coope-
ração à psicoterapia para apreciação de sua eficácia.

Nosso proposito não é salientar a utilidade clínica em geral das conclusões


que se podem tirar do teste.
Contudo, consideramos oportuno, dizer com MURRAY HARRISON e outros
que seu valor diagnóstico, sendo indiscutível, é mais de caráter complementar.
O RORSCHACH tem, sem dúvida, maior valor diagnóstico.

Existe, entretanto, uma conclusão a mai:;, que pode ser obtida do T. A. T


e que serviu de ponto de partida ao nosso estudo: a de uma noção clara do
conflito (ou grupo de conflitos) que em dado momento esteja perturbando
a vida psíquica do paciente. O T. A. T. permite projetar tais conflitos, que
hajam conduzido o examinando à sua crise.
Essa é a conclusão mais útil do ponto de vista clínico.
Outros investigadores assinalaram, como MASSERMAN e BALKEN que os pa-
cientes dão indício, em suas fantasias, não só da natureza de seus conflitos
intrapsiquicos, mas também das formas pelas quais inconscientemente dese-
28 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTOCNICA

jariam que se resolvessem êsses conflitos (franca realização de desejos, maior


repressão, ou sublimação) .
ROTTER assinala também que o teste pode servir de base para uma com-
preensão bastante profunda da personalidade e dos problemas do indivíduo,
fornecendo material relativo às atitudes e conflitos reais.
o fundamental, a nosso ver, é a diferente orientação a buscar no teste;
não só uma série de dados sôbre a estrutura da personalidade do indivíduo
examinado, senão também de seus conflitos e da dinâmica que êles apresentem.

Essa maneira de conceber o teste, amplia enormemente sua utilidade de


aplicação na psicoterapia.

MURRAY diz: "A técnica se recomenda especialmente como uma introdução


a uma série de entrevistas psicoterápicas, ou a uma psicanálise curta."

Vamos ilustrar, com um exemplo, como se realiza na prática a aceitação


intelectiva e afetiva do indivíduo aos conflitos apresentados pelo T. A. T. e
seu valor como prognóstico e auxílio à psicoterapia.

Trata-se de uma mulher de menos de 30 anos, casada, de situação econô-


mico-social boa. Trabalha como educadora especializada.

A/ativo da consulta: Acessos de angústia. Não se sentia tranqüila em


nenhum lugar. Criada em ambiente de pouca compreensão e amor. Fêz o
T.A.T. e, um ano depois, voltou a fazê-lo novamente. Vamos mostrar os resul-
tados obtidos com essas duas aplicações e as diferentes reações.

PRANCHA I

l.a aplicação:

5" "Um menininho pensando, sonhando com uma música de Chopin, com
certeza, e imaginando um dia uma maneira triste ou alegre de como
êle irá interpretar as músicas num violino. Parece que êle conversa
com o violino e quantas coisas estas cordas não hão de dizer para
êle. .. Êle sonha com o futuro, não com a vida, com a música."

o
tema focaliza uma criança que se afasta da realidade e se pro-
jeta no futuro; não há, no momento, nenhuma ação ou realização.
Existe apenas o pensamento que pode ser triste ou alegre, de qual-
",
o T.. A. T. E A PSlCóTERAP!A

modo, desligado da realidade e, por isso, não se podendo prever o


epílogo.
Há um sentimento de mais profunda evasão das coisas reaIS.

?a aPlicação:

5" "Pensando em uma mUSlca, talvez que irá compor ou quem sabe se
não recorda agora alguma cousa, alguma lembrança ligada à mesma.
Há uma expressão de tristeza e de cansaço, . , "

A reação é desta vez mais sintética. Há menos expansão, mas,


ao mesmo tempo a reação parece mais normal, pois, embora o tema
ainda esteja desligado da realidade, com o mesmo sentido de evasão,
como na anterior, o Pr, se fixa na figura da criança, a quem empresta
uma expressão de tristeza e de cansaço, o que está de acôrdo com a
catexis da figura.
Há melhor conformidade com a situação real.

PRANCHA 2

I.a aplicação:

5" "Ai! Ai! Meu Deus! Esta criatura olha a vida, o mundo parece que
nem vive nêle, os olhos distantes enquanto que êste homem traba-
lhando com êste cavalo, na luta pela vida, êle se sente tão distante,
as coisas tão irreais, que se sente fora dêle, vivendo um mundo di-
ferente, procurando pelos linos se instruir e pela meditação tirar con-
clusões para auxiliar êstes outros, mais infelizes que precisam da coope-
ração de alguém. Engraçado, o rosto dela parece que, sei lá, mesmo
ela vendo necessidade de trabalhar por estas coisas, quer se afastar
de tudo. Sonha com um mundo melhor, uma alegria mais pura, mais
fora do tempo, talvez na eternidade". 3'10"

Poder-se-á traduzir tôda a reação como: identificação de uma per-


sonalidade extremamente reacionável aos estímulos do meio, dos quais
recebeu grandes decepções, ficando por isso numa atitude de médo
diante da vida. Apresenta o que os americanos denominam complexo
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"burnt-child", isto é, como foi machucada, teme a vida e dela procura


fugir, para um mundo irreal. Há o mesmo sentimento de evasão) que
já aparece na história. l.

2. a aPlicação:

2" "Esta criatura olha a vida, tudo é brilho e luz! ela estuda para melhor
ajudar aos que precisam de compreensão, orientação ... entretanto seu
rosto parece pensativo, a vida em dois aspectos; prático, mas às vêzes ...
não sei o que dizer. Os outros trabalham e a vida continua ora serena,
ora com alguns trancos ... "

Como na l.a figura, esta 2. a reação representa um grau de ajusta-


mento psicoafetivo bem maior; não são tão evidentes os mesmos traços
de temor do meio de evasão, embora tenha o Pr. encontrado um
caminho, e êsse foi o do trabalho, num sentido humano, pois que
conseguiu vencer o mêdo, a inibição, diante do grupo social, sendo
útil, procurando ajudar e servir. Há ainda uma atitude de insegu-
rança, de certo receio. Há mesmo uma forma depressiva de reação.

PRANCHA 3

l.a aplicação:

4" "O desespêro pela partida de algo. Entretanto tenho a impressão de


que ela está perfeitamente de acôrdo com a vontade de Deus, quem
sabe. Dentro dêstes sofrimentos ela não irá encontrar um meio de
ser mais compreensiva e procurar elevar-se mais a Deus."

2.0 aplicação:

5" "Não sei o que poderia deixar esta criatura tão triste pois para tudo
há remédio na vida; um dia traz outro e, com o nôvo dia, nova vida
pode surgir e com a nova vida, a compreensão de tudo e de todos,
e sentir também que a tristeza nada constrói e que o ânimo tudo
pode conseguir." 2' 14"
Analisando as duas reações obtidas com intervalo de um ano, ve-
rifica-se o seguinte: enquanto na l.a, a identificação com a persona-
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gem da figura leva o Pro a uma atitude passiva de resignação, de con-


formidade (depressão), na 2.a a atitude não só não é mais de deses-
pêro mas simplesmente de tristeza; e o remédio consiste em lutar,
dentro de uma compreensão humana. Aqui parece esboçar-se, em-
bora ainda muito tênuamente, um sentimento de culpa que já foi
mais intenso, e de que o Pro aceita o sofrimento como punição, ou
melhor, como resgate.

PRANCHA 4
l.a aplicação:

10" "Esta môça parece querer impedir uma luta, ou talvez uma briga, ou
qualquer coisa e procura acalmar esta criatura. Parece desesperado,
sei lá, por alguma perda. .. Não sei. .. l' 40"

2. a aplicação:

"}\ môça parece querer animar o rapaz um pouco triste ou cansado.


Talvez diz-lhe que, com seu carinho, se esforçará por ajudá-lo a vencer
na vida. A compreensão tudo pode vencer, ou pelo menos, acomodar."

A mesma diferença, observada na figo 3, nota-se entre as duas


interpretações desta prancha, pois a l.a é mais depressiva. Há mesmo
comentários evasivos, em que o Pro tenta fugir à intenção de uma cena
de luta: uma mulher parece querer impedir uma cena de desespêro;
no 2.° o problema é mais simples: êle está apenas triste ou cansado
e ela procura animá-lo, acreditando que a compreensão tudo pode;
maior otimismo, maio,. segurança em si mesma, portanto.

PRANCHA 5
l.a aplicação:

4" -"Meu Deus! O que mais me atraiu foram os livros e as flÔres. A mu-
lher está com cara espantada de quem viu assombração. 50"

2. a aPlicação:

5" "Noite, hora tranqüila. O abajur aceso ... a luz, os livros e as flôres ...
a môça sente-se feliz em poder estar só, ou então com alguém que
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• j.

sinta como também ela sente e então, ler, pensar, meditar nas coisas
boas com que Deus presenteou as criaturas e procurar dar aos outros
aquilo que ela também tem e pode dar".

Aqui a diferença de reações se torna mais flagrante, pois, no


1.0 caso, ela repele a mulher espantada - identifica-se a uma perso-
nagem que tem mêdo (a assombração) representa um símbolo sobrena-
tural (punição depois da morte?) . .. Procura fugir à mulher decla- ,
rando o que mais a atraiu; no 2.° caso, a mesma figura traz idéias de
paz, de calma, e a mesma mulher é vista completamente feliz, com a
solidão, compensando qualquer tristeza com a leitura, meditação, etc.
Formas mais adequadas d eajustamento (sublimação). Embora de
forma vaga, sente-se ainda um desejo de resgate de uma possível culpa.

PRANCHA 6 G. F.

l.a aPlicação:

3" "A carinha de espevitada. Não gosto da cara dêste homem nem dos
olhos. Está com cara de estar falando qualquer coisa sem interêsse." l'

2. a aplicação:

2" "Conversa. O rapaz pergunta algo à môça, mas está tudo simples;
não há mais nada nesta gravura. 50"

Também nesta figura, as reações são de tipo diferente: na 2. a tudo


é mais natural, há apenas, uma pergunta, o que sugere que ela teme
qualquer coisa que êle venha a saber, ou que não confie inteiramente
nela; no l.0 caso, porém, há o completo desinterêsse do homem e,
simbolicamente, a reação pode ser interpretada assim: o homem não
me interessa (rejeição do desejo) porque sei que não poderei ser
amada por êle. A 2.a é mais adequada que a l.a, pois implica num
desejo de responder, explicar, libertar-se de qualquer coisa que pese.

PRANCHA 7
l.a aplicação:

10" "Que gracinha! Parece que a mãe está dando um conselho à menina,
procurando contar alguma coisa que seja por ela ignorada, ou que
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aguce a curiosidade dela. Quadro muito delicado I Mãe e filha, com-


preensão e amizade." l'

2.a aplicação:
"Mãe e filha - amor e compreensão. Ternura. É um lindo qua-
dro; a mãe quer dar tôda a sua experiência de vida à filha, tôda a
sua ternura, procurando dar-lhe felicidade em compreensão e amor,
para todos e para tudo."

Ambas as reações indicam instinto maternal muito desenvolvido;


na l.a, porém, ressalt ao fato da revelação, enquanto na 2.a há mais
transfer llcia de experi ncias realizadas - esta, mais positiva. Nela
não há nem tabus, nem mistérios, há uma atitude, mais espontânea e
natural. O tema do conflito parece, de acôrdo, com esta reação e com
as que se vêm esboçando, localizar-se num problema sexual, de onde
se origina um sentimento de culpa.

PRANCHA 8
l.a aplicação:

5" "Ela está pensando numa maneira de fugir, nem sei se é ficar dentro
da vida. Talvez uma maneira de esquecer alguma coisa passada, ou
presente, para se dedicar, em benefício dos outros que sofram mais.
Enfim, é um complexo, esta vida, um misto de dor, saudade, tristeza,
mas uma grande alegria ou conformismo em Deus." 2"

2.a aplicação:
4" "Meditar, pensar é uma coisa boa! A môça parece meditar. Tem um
aspecto delicado e um olhar inteligente. Ao mesmo tempo se me
afigura um quadro de pintura, belo, representa bem um tipo delicado
e interessante da mulher." 2'
A l.a reação, em que o Pr. nitidamente se identifica com o per-
sonagem, destaca um mecanismo de evasão, mas, ao mesmo tempo,
sentimento de culpa muito vivo, e que o Pr. sente que precisa resgatar;
no 2.°, ainda que havendo uma evasão mais passiva, pela meditação,
há na mulher possibilidades de ser feliz, isto é, de libertar-se do que
a oprime (ela é interessante, inteligente, etc.) tem recursos para vencer
na vida.
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PRANCHA 9 G. F.

l.a aplicação:

4" "Parece que esta criatura vai correndo em busca de um mar, um


horizonte maior, nem ela mesma sabe o que é. A praia, as ondas, o
céu, o vento, as árvores, tudo isso, ela parece nem notar, tamanha a
ansiedade com que ela corre à procura de que? .. E esta outra môça
parece espreitar, espionar, ou por inveja, ou por maldade, não sei:
quem sabe o que vai no coração humano? é um poço aberto nas som-
bras, a alma humana; bom, mau, traiçoeiro, mas da maneira que foi
é sempre um coração, por ser uma alma, por ser criada por Deus, por
ser um próximo nosso e porque também sofre e mesmo que não nos
faça mal, é digno de compaixão." l' 55"

2. a aplicação:

"A môça correndo aflita, em busca de algo, mas talvez, logo veja
o que ela buscava lá fora não estava tão longe dela, pois que tinha
dentro de si o motivo da felicidade. Entretanto, a outra môça olha-a
serena, porque sabe que a busca incontida cansa: é melhor buscar com
calma, saber esperar."

A l.a é uma reação típica de angústia, nos moldes dos pesadelos


de angústia, em que se busca alguma cousa que não se alcança, e nem
se sabe ao certo o que é. Há ainda nessa imagem feminina que corre
sem destino, como Judeu Errante, à qual se identifica o Pro uma figura
bíblica, que sofre as conseqüências de um castigo. Ainda na l.a reação,
a 2. a imagem representa a culpa, o êrro que ficou escondido, de que
ninguém desconfia, "como não se percebe um poço aberto nas sombras.
A 2. a reação, embora ainda revele a angústia, pois parece decorrer do
sentimento de culpa, já é mais adequada; que a redenção está na
própria pessoa, ela tem em si mesma as fôrças para se libertar; a 2.2 a
imagem não é mais de culpa, mas é de serenidade de quem sabe que
o tempo tem valor e traz em si a solução para todos os males, desde
que se saiba esperar.

PRANCHA 10
l.a aPlicação:

7" "Pai e filho, despedida, bênção. Aliás, mãe e filho, cabelo de mulher,
parece que êle vai para a guerra e ela chora por isso." 50"
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2.a aplicação:
"Belo quadro! Parece-me pintura: marido e mulher, compreensão,
serenidade, paz, dedicação." 50"
No 1.° caso, a mãe é castigada, ou melhor a mulher com a qual
o Pr. se identifica (fugindo a identificar-se à mulher sexual, espôsa
a que faz na 2. a reação mais adequada), vai ser punida no seu amor
maternal: o filho lhe é arrancado pela guerra. No 2.° caso a reação
é mais adequada, a heroína resolve por fim seu problema de vida,
encontrando a paz.

SíNTESE DA l.a SÉRIE DE GRAVURAS

Quando fêz pela l.a vez o T.A. T., o Pro debatia-se num conflito
bastante sério, apresentando uma atitude depressiva, diante da vida,
quase sem esperanças, evadindo-se completamente, como que fugindo
a si mesma, pois que, no fundo do conflito, havia um sentimento muito
vivo de culpa (que parece de origem sexual, talvez infantil ou juvenil?)
e o superego exigia o resgate. De outra parte, deve ter havido uma
formação moral-religiosa um tanto rígida, o que talvez tenha con·
corrido para desenvolver o problema. Já na 2. a vez, há maior confiança
em si mesma, o Pr. sente-se muito mais seguro: ainda que perdurem
vestígios de sentimento de culpa, a atitude é de maior decisão. Per-
manece, porém, certa angústia, determinando mecanismos de evasão.
A personalidade tende mais para o misticismo, embora procure, atual-
mente, integrar-se à realidade do ambiente.

2. a PARTE (Gravuras II à 20)

PRANCHA 11
l.a aplicação:

10" "Não estou distinguindo. .. uma noite de tempestade, umas criaturas


que vão correndo, fugindo, de alguma coisa. O céu está escuro parece
até fantasmas, por traz dêle tem-se a impressão de um castelo em
ruínas. Esta ponte parece que liga a vida com a morte. De lá, a vida
escura, sombria, cheia de tropeços, mas tem a claridade do amor de
Deus, que nos pode conduzir por esta pontezinha, que é o amor de
Deus, até alcançar êste clarão imenso da Eternidade."
36 ARQUIVOS BRASII..JmROS DE PSIOOTltCNICA

2. a aplicação:

12" "Ponte... Sombria obscura de um lado, fantasmas, duendes, correm,


voam, sem direção, ao acaso ... do outro lado, um clarão vem aquietar
tudo ... Não sei mas isto para mim assemelha-se à vida, e ao além
da vida. . . vida, por vêzes, sombria, por vêzes difícil, por vêzes clara ...
Entretanto, êste clarão final parece-me o despontar tranqüilo de paz,
compreensão, alegria, eternidade, Deus. .. Não sei bem explicar tudo
o que sinto no momento." l'

Em ambos as aplicações, reações tipicamente angustiadas (tipo


pesadelo) sendo que, no 1.0, transparece de maneira mais clara e viva
o mêdo da punição (lembra uma passagem do inferno de Dante);
no 2.° caso, já há possibilidade de claridade na vida e o Pr. não dis-
tingue tão bem - vida - morte - como sombra - luz, isto é, não
tenta se evadir da vida, encontrando refúgio, apenas na Eternidade,
junto a Deus.

PRANCHA 12 F

l.a aplicação:

5" "Esta môça aqui pensa em alguma coisa e a morte espreitando atrás
dela. Que bom morrer, gente!" 3"

2. a aplicação:

"A vida em duas faces: mocidade, fôrça, energia, vontade ... ve-
lhice, doçura, compreensão, tolerância, amor... A môça parece triste,
não sei por quê - talvez porque queira fazer tanto pelos que mais
quer e tão pouco tem conseguido fazer. .. Mas quem sabe? para tudo
há remédio na vida, e só os minutos que passam podem contar
o que passou e como aproveitar aquelas experiências para melhoras
futuras." 50"

Na La reação, evasão muito clara da vida; atitude angustiada e


depressiva; sentimento de culpa, receio da punição. Na 2. a, já a reação
é bem mais adequada: segurança em si mesma, pois que a decisão
não está numa eternidade distante, mas ela mesma, no esfôrço próprio.
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PRANCHA 13
l.a aplicação:

10" "Preparando uma operação. O caso parece que é desesperador. Ela


parece estar meio morta. Mesmo êle, sendo médico, sente a impo-
tência da ciência ante a grandiosidade da morte." 2'

2.a aplicação:
5" "O môço parece chorar a morte da mulher. .. que teria acontecido
a ela? tle parece desesperado... Há livros neste quarto, é do que
mais gosto. Ela talvez tenha se ido dêste mundo de horror, de tanta
COIsa que por aí existe, talvez tenha agradecido a Deus a sua hora
ter chegado."
Identificação em ambos os casos, COm a heroína; mecanismo muito
claro de evasão pela morte; na l.a reaçãõ, nenhuma fôrça real poderá
arrancá-la a isso, que para ela é uma libertação. É ainda uma forma
simbólica do sentimento de culpa, diante da vida, do desejo de
resgatá-lo.

PRANCHA 14
l.a aPlicação:

7" "Sonho! Luar! Céu! Estrêlas! Pensamento! Pensando como trans-


por esta vida, como passar por cima de tudo! Um meio de tornar
melhor a vida das criaturas! E que bobagem! Quem pode re-
formar o mundo?.. A vida, as criaturas, são tão complexas e a na-
tureza é tão simples. Ah! deixa prá lá! Não posso resolver as coisas
como eu quero, como desejo, contento-me em pensar que estão direitas.
Mesmo porque não é só o que eu desejo que é certo, que é direito.
Pode ser até errado; são diversos os caminhos que conduzem à per-
feição. Não há de ser por serem diferentes do meu que não hão de
caminhar para a verdade. Deixai que cada um seja, no grande mo-
saico da existência humana, a pedrinha que é. À sua maneira, cada
um contribuirá para a beleza que é o quadro da vida." 3'

2. a aplicação:
5" "O céu estrelado, tranqüilo, sereno ... Gosto do céu, é o que há de
mais belo na natureza. .. assemelha·se muito com a alma humana ...
por vêzes calmo, sereno e límpido ... outras vêzes, triste, sombrio,
38 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSlOO~CA

coberto de nuvens negras... chuvas da alma, orvalho do coração ...


Mas por trás das nuvens está sempre o céu tranqüilo, firme, imutá-
vel. .. para quando de nôvo tornar a aparecer, deixar a alma e o
coração tranqüilos e felizes, alma humana misteriosa. .. alegre, triste,
sombria, resoluta ... é sempre um eternO poço aberto nas sombras." 2'

Em ambos os casos, é sempre o mesmo tema de desespêro diante


da vida que a atingiu, de fuga. No 1.0 caso, ressalta, no entanto, a
dúvida, a insegurança da atitude; a reação é tôda calcada na angústia;
no 2.°, há melhor atitude, mais confiança em si mesma, embora ainda
se delineie a culpa: o céu manchado por nuvens negras é a alma
manchada pelo pecado; há, no entanto, esperança de redenção, pois
as chuvas tudo lavam e, por traz do que é sombrio, está o céu
tranqüilo.

PRANCHA 15

l.a aplicação:

5" "Risos! Ai meu Deus! uma doida a fazer o teste. Cemitério! Morte,
cruz! Nem Saudade! Só decepção. Na morte, alívio. E esta cara de
bôbo aqui parece que está com mêdo, ou será alma do outro mundo?
Sei lá! Mas é escuro ... a morte só pode ser boa, porque o espírito
repousa em Deus. Morrer é partir um pouco, mas não de todo, porque
se permanece na lembrança dos que nos quiseram bem, é partir um
pouco para tudo que se adora." 3'

2. a aPlicação:
(Senti diferente neste) "Morte ... isolamento ... A vida é bela,
se Deus nô-Ia deu foi para que dela fizéssemos algo que fôsse digno
de oferecer ao seu Criador. .. embora a morte pareça sombria, a mim
não parece, é como se a gente partisse um pouco para algum lugar
que não se sabe onde... Mas deixa-se também um pouco da gente
mesma em tudo que se tocou, física ou espiritualmente... no amor
que se deu a tudo e a todos, está sempre a presença do que partiu ...
Morrer é partir um pouco para tudo que se adora. .. 4'
Ambas as reações são de base angustiosa e atestam o sentimento
de culpa e o grande desejo de resgatá-lo; mecanismos de evasão se
mostram muito nítido, num e noutro caso; a 2. a reação, porém, há
o T .. A. T. E A PSICOTERAPIA 39

mais confiança em si mesma: a vida é bela, há como que uma res-


ponsabilidade em saber utilizá-la e em não desertar. O mesmo tema,
com variações, se tem repetido, até agora, em tôdas as gravuras.

PRANCHA 16

(BRANCO) lO" "Paz, alegria, compreensão! Não vejo nada, mas posso
imaginar muita, muita coisa: um céu azul, um horizonte claro. Mon-
tanhas lindas, natureza! Um mar imenso. Uma vela longe. Ah! meu
Deus! Só morrendo para ver isto ...

2. a aPlicação:

(BRANCO) "Singeleza, paz ... imenso campo, repleto de flôres ... ao longe,
montanhas se perdendo no azul do céu. .. Como é belo o céu. '. e é
nosso a um simples olhar. .. tudo na vida material requer um preço
material, mas o céu-não; êle é nosso a um simples olhar... às vêzes,
gôsto de perder-me, a mim mesma, nesta imensidão azul; parece-me
que quanto mais próxima dêle tanto mais liberta, tanto mais próxima
a Deus... Neve... brancura mais linda... branco e azul. São as
côres mais lindas que já pude ver. .. Gosto de meditar, ficar só, um
pouco também, pois quando isso não se dá parece que estou me per-
dendo a mim mesma, no turbilhão da vida ... Meditar é como tra-
balhar, fazer para tornar mais felizes os que me cercam, fazer-me hoje
melhor que ontem, amanhã melhor que hoje... deixar dar a todos
o cantinho de paz, amor que Deus lhes preservou, um lugar ao sol
para cada um." 6'

O Pro projeta em ambos os casos, no cartão em branco, o desejo


intenso de liberação, de ficar livre enfim daquilo de que se sente
culpada; na 2. a reação, a atitude é mais adequada e coloca em si pró-
pria a fôrça para se aperfeiçoar.

PRANCHA 17 G.F.
l.a aplicação:

4" "Esta môça está pensando em suicidar-se, mas está com mêdo, porque
tem um povo em baixo e ainda podem salvá-la. Entretanto, que tolice!
Ela não vê que, mesmo no sol, está tudo coberto de nuvens e amanhã
40 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSlOO~CA

já não estará assim, quem sabe?.. Tomará a brilhar radioso e a


natureza tôda parecerá mais bela, cantando um sussurro com o vento!
Que a vida pode ser bela! Quem sabe que Deus espera, ainda, um
dia ver parte da humanidade esquecer a tristeza individual para tornar
maior a fraternidade geral. Sei lá, mas morrer, bem que é bom." 5'

2.0 aplicação:

15" (Senti dificuldade nesta) O rio corre. .. a môça olha-o e nêle parece
ver uma comparação à própria vida ... o rio correndo, com murmúrio
suave, ora encontrando pedras, pedregulhos, mas ou passa por cima do
que está no seu caminho, banhando e refrescando as pedras a êle
expostas. .. ou deixa-as, mas vai sempre para a frente, para confun-
dir-se com o mar imenso do amor e da compreensão em Deus, as
criaturas ... "

Identificação imediata, em ambos os casos, com a personagem fe-


minina; no 1.0, porém, reage francamente, por um mecanismo de
evasão, decorrente do mesmo tema já assinalado nas demais histórias;
no 2. 0 , sentindo-se perturbada, mas não podendo mais t~r a reação
do mesmo tipo, foge a ela, e interpreta apenas a natureza. Nesta reação
torna-se bastante definido o temperamento introvertido do Pro com
tendências contemplativas. A agressividade é predominantemente au-
to-dirigida.

PRANCHA 18 G.F.

l.a aplicação:

5" "Mãe e filho. Parece que êle está bêbedo e a mãe chora da tristeza
de ver um filho com um vício tão triste. Mas ela é mãe e confia um
dia em vê-lo liberto desta tremenda agonia." 2'

2.a aplicação:

4" "Mãe e filho. Parece querer aconselhá-lo, ou então, consolá-lo de algo


ou animá-lo do que está por vir ... Parece-me agora, entretanto, ma-
rido e mulher que ternamente se abraçam, com carinho. Ela está triste
e pensativa ... "
t o T. A. T. E A PSICOTERAPIA 41

I Identificando-se com a figura feminia, no 1.0 caso, o Pro sente-se atin-


gido no seu mais profundo instinto maternal - é o castigo: é como
se sentisse que será punida nesse ponto. Já em sua 2. a reação, porém,

I o castigo se transforma em mulher - o que, neste caso, representa


melhor ajustamento.

PRANCHA 19
l.a aplicação:
12" "Neve! Gracinhal Parece aquelas casinhas de esquimós, cobertinhas de
neve. Tem um trem atrapalhado cá em cima, parecendo fantasma
da morte! FantasiaI Hum! Quanta gente olhando, sei lá. Chega!" 2'

2.a aplicação:
10" "Paisagem da terra dos esquimós ... a casinha ... a neve que cai
constante lá fora... pela janela se vê o clarão do fogo, o aconchêgo
do lar. .. Esta paisagem me afigura dois aspectos: um belo, tranqüilo,
agradável. .. o outro um tanto sombrio, parece sôbre a casa, haver
um enorme duende, com dois grandes olhos, lembrando-me as histórias
que ouvi em minha infância; dêste aspecto eu não gôsto." 3'
As reações são do mesmo tipo, mas, na 2. a, o Pro ressalta, de
maneira muito precisa, o aspecto agradável - o lar aconchegado -
embora havendo, de longe, uma sombra ameaçadora. São reações,
ambas, de base angustiosa, angústia que deve ter tido raízes na
infância.

PRANCHA 20
1.a aplicação:

lO" "Esta criatura parece que não tem casa! Noite fria, nevando, e êle
ao relento. Nada. Quem sabe, coitado, mais um peregrino, na estrada
da vida; o que estará êle pensando? Será um artista? Um poeta aban-
donado, ou será algum desiludido da vidal Pode ser que seja, mas
também pode ser que não seja."

2.4 aplicação:
2" "Noite de natal, me parece ... sempre recordo tanto o Natal da m.
fância, nem sempre foi como eu imaginara, mas eram bons também ...
42 ARQUIVOS BRASILEmOS DE PSlCO~CA

o homem está só, esperando alguém, quem será, talvez seja um filósofo
que gosta das noites para passear e pensar ... mas ... sei lá, cada um
sabe o que traz dentro de si, em seu próprio coração... se triste, se
alegre, se boa, se ruim, a recordação, dada um sabe o que lá dentro
de si mesmo está." 2' 50"

Embora do mesmo tipo, na 2.a reação há maior ajustamento, não


há tanta depressão nem angústia. Há, no entanto, motivos infantis
que devem ter deixado no Pr. sua marca muito profunda.

SíNTESE DA SEGUNDA SÉRIE DE GRAVURAS

Reafirma-se o que ficou patenteado na l.a, e mais, assinala o


temperamento essencialmente introvertido, e a agressividade autodiri-
gida. Além disso, ressaltam os motivos infantis (traumas) que devem
ter deixado sua marca perturbadora na afetividade do Pr. Pensamos
que a influência da constelação familiar, notadamente da figura pa-
terna, deve ter sido negativa.

Salientam-se traços obsessivos e uma natureza exageradamente es-


crupulosa. Masoquismo.

Da comparação entre as duas realizações ressalta o fato seguinte:


O Pr. tem conseguido diminuir a base angustiosa intensa nas las.
reações, embora não a tendo eliminado ainda; além disso, tem con-
quistado uma certa segurança em si mesma. Apresenta uma sensibili-
dade fina, delicada, que deveria ser cultivada através da arte. Para
seu bom equilíbrio, porém, deverá realizar, amplamente seu trabalho,
mas, ao lado da reeducação que, no fundo, é uma punição a si mesma
imposta. Deverá ter outra atividade que satisfaça melhor as exigências
de seu temperamento, atividade artística_

Resumindo, podemos dizer que o Pr. aceitou e reconheceu os


conflitos assinalados pelo T. A. T ., experimentando uma modificação
favorável de seus sintomas, que oscilaram entre uma melhoria apre-
ciável e a cura.

Queremos ressaltar que neste caso contribuíram para o êxito


a) a oportunidade de projetar seus problemas e falar dêles com o
psicólogo e a atitude compreensiva dêste; a aceitação dos conflitos;
o T. A. T. E A PSICOTERAPIA 43
------------------------------------------------------------)
b) a uma simples catarsis psíquica, seguiu uma atitude de melhoria
momentânea, produzida por essa catarsis, seguida depois por uma ati-
tude angustiosa e depressiva, que desapareceu com a aceitação afetiva
da solução proposta pelo psicólogo.

Houve uma estreita relação entre o grau de melhoria e as circuns-


tâncias da vida real do Pr. Referimo-nos às possibilidades de orien-
tação, de psicoterapia, com as possibilidades de modificação da
realidade (objetiva e subjetiva), e modificação do paciente em face
da realidade imodificável.

BIBLIOGRAFIA

MURRAY, H. A. Thematic Apperception Test Manual, Cambridge, Mass., Harvard Univ.


Printing Office, 1943.
MURRAY, H. A., Explorations in Personality.
RAPAPORT, D., Diagnostic Psychological Testing, Chicago: The Year Book, Publishers, 1946.
LASAGA Y TRAVIESO, J. lo, Some suggestions concerning the administration and interpreta-
tion 01 the T. A. T., J. of Psychology, 1946.
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