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Direito Urbanístico – 2017.

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Profª. Rosangela Cavallazzi

Introdução

Como normatizar uma cidade? A primeira coisa é o zoneamento, divisões territoriais, sendo a
primeira entre o espaço rural e o espaço urbano. Para tanto, vai influenciar o ambiente que já existe.
O que vai definir o espaço rural e o espaço urbano é a atividade exercida. No campo, exerce-se
atividade agropecuária. O Brasil, atualmente, é um país urbano, devido à população. 85% vivem no
espaço urbano, que ocupa 1% do território. Os outros 99% são plantações, áreas de preservação,
comunidades indígenas, floresta etc. No espaço rural, desenvolve-se a atividade primária; as demais –
inclusive um pouco da primária – são exercidas no espaço urbano. Mas essa divisão tem sido
questionada.
Juridicamente, quem faz o zoneamento é o Município. A divisão rural x urbano faz diferença
para fins de imposto, já que o ITR compete à União, enquanto o IPTU compete ao Município. Segundo
a jurisprudência, o que define se incidirá ITR ou IPTU é a destinação do imóvel.
Dentro do espaço urbano, também haverá zoneamento, definindo-se o que é de uso permitido
(que é o desejável), tolerado ou proibido.
A cidade é algo dinâmico, que se constrói sempre. O direito, portanto, também deve se
renovar. Diz-se que o direito à cidade é o direito a uma cidade que está em constante renovação. Na
CF, prevê-se a função social da cidade, que está definida no Plano Diretor – que, por sua vez, deve ser
renovado a cada 10 anos. O Plano Diretor deve ser feito democraticamente; por isso, fala-se em gestão
democrática. O direito à cidade é um direito coletivo, composto por um feixe de direitos, que
possibilita uma vida urbana digna, proporcionada por serviços públicos e privados.

O direito urbanístico é um campo recente com os marcos da Constituição e do Estatuto da


Cidade. O direito à cidade é um feixe de direitos, pela concretização desses direitos. É uma expressão
da própria dignidade humana. A cidade é um lugar porque tem identidade (um aeroporto, por
exemplo, é um não-lugar). Conceito de lugar de Milton Santos: reconhecimento do espaço, identidade
e até mesmo jogo de dinâmica política.
A Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) é um microssistema, que traz princípios (art. 2º), como
a função social da cidade, e instrumentos jurídico-urbanísticos (art. 4º), que devem ser incorporados
nos Planos Diretores e muitos devem ser regulamentados.

TEXTO HENRI LEFEBVRE (“O direito à cidade”)


“A experiência mostra que pode haver crescimento sem desenvolvimento social (crescimento
quantitativo, sem desenvolvimento qualitativo). Nessas condições, as transformações na
sociedade são mais aparentes do que reais. (...) O desenvolvimento da sociedade só pode ser
concebido na vida urbana, pela realização da sociedade urbana.”
“O duplo processo de industrialização e de urbanização perde todo seu sentido se não se
concebe a sociedade urbana como objetivo e finalidade da industrialização, se se subordina a vida
urbana ao crescimento industrial.”
“Para esta realização não bastam nem a organização da empresa, nem a planificação global,
ainda que necessárias. A racionalidade dá um salto para a frente. Nem o Estado nem a Empresa
fornecem os modelos indispensáveis de racionalidade e de realidade.”
“A realização da sociedade urbana exige uma planificação orientada para as necessidades
sociais, as necessidades da sociedade urbana. Ela necessita de uma ciência da cidade (das relações
e correlações na vida urbana). Necessárias, estas condições não bastam. Uma força social e política
capaz de operar esses meios (que não são mais do que meios) é igualmente indispensável.
“Em condições difíceis, no seio dessa sociedade que não pode opor-se completamente a eles e
que no entanto lhes barra a passagem, certos direitos abrem caminho, direitos que definem a
civilização (na, porém frequentemente contra a sociedade – pela, porém frequentemente contra
a “cultura”). Esses direitos mal reconhecidos tornam-se pouco a pouco costumeiros antes de se
inscreverem nos códigos formalizados. Mudariam a realidade se entrassem para a prática social:
direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida. Entre esses
direitos em formação figura o direito à cidade (não à cidade arcaica mas à vida urbana, à
centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo
que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais etc.). A proclamação e a realização
da vida urbana como reino do uso (da troca e do encontro separados do valor de troca) exigem o
domínio do econômico (do valor de troca, do mercado e da mercadoria) e por conseguinte se
inscrevem nas perspectivas da revolução sob a hegemonia da classe operária.”

MILTON SANTOS (“Por uma nova globalização”): a proposta de Milton Santos é sair do mercado como
eixo para passar par ao homem como eixo da globalização.

TEXTO HENRI ACSELRAD (“Vulnerabilidade social, conflitos ambientais e regulação urbana”)


“(...) a busca de elementos para a caracterização objetiva das condições de vulnerabilidade dos
sujeitos tende a esbarrar em duas dificuldades correntes – a de não se considerar a
vulnerabilização como um processo e a condição de vulnerabilidade como uma relação.”
“(...) recursos urbanos e ambientais que permitem aos sujeitos protegerem-se dos agravos –
incluindo-se aqueles recursos que não são objeto de apropriação privada – têm seu acesso
desigualmente distribuído, configurando uma condição que é, por sua vez, com frequência
atravessada por uma diagrama de forças e por processos conflitivos.”
“(...) os processos de produção social da vulnerabilidade nas cidades são submetidos a
dinâmicas de ‘regulação’, a saber, mecanismos destinados a prevenir que – dada a desigualdade –
certos grupos sociais venham desencadear conflitos capazes de instabilizar o terreno político.”
“(...) os mecanismos de regulação são, neste caso [no campo das ciências sociais]
historicamente construídos. Assim é que, na vida social, há um conjunto de normas, incorporadas
ou explícitas, de instituições, de mecanismos de compensação e de dispositivos de informação,
que operam de modo a ajustar permanentemente as antecipações e os comportamentos
individuais à lógica de conjunto do regime de acumulação. No caso da cidade capitalista, não se
trataria, pois, de um ajuste funcional determinista-sistêmico, mas de modos de administração de
riscos de ruptura das relações sociais urbanas de modo a que a cidade não perca sua
funcionalidade ao ‘projeto histórico capitalista’ – ou seja, que ‘regulações urbanas’ sejam capazes
de impor ‘ao devir de cada parte da cidade capitalista uma regra de conformidade à estrutura de
um todo’.”
“Se nós sabemos que o capital nasceu com a criação da propriedade privada da terra, o que
terá ocorrido, por outro lado, com os espaços comuns formalmente não-mercantis como os da
água e do ar?”
“Tratando-se de relações sociais não amparadas por contrato, o que prevaleceu foram, pois,
relações de força; isto é, o exercício da potência de certos proprietários disporem livremente dos
espaços comuns em detrimento de outros atores. Ao se mencionarem as ansiedades e
inquietações públicas, evidencia-se tratar-se de um problema eminentemente político: o da
prevalência de um determinado uso privado dos espaços não-mercantis sobre os demais usos -
uma questão política que foi silenciada, um ato de força que foi naturalizado, despolitizado. Para
tanto, foram acionados expedientes de resposta às críticas, de antecipação às crises e de
institucionalização desta espécie de privatização de fato dos espaços comuns – este foi o caso da
intervenção tranquilizadora do saber perito de médicos e engenheiros e a constituição de
conselhos de salubridade destinados a amortizar e neutralizar as críticas ao uso indevido dos
espaços comuns pelos agentes fortes no mercado.”
“As práticas espaciais dominantes, pois, da grande indústria e da agricultura comercial em
grande escala impuseram, de fato, seus usos privados aos espaços comuns do ar e dos cursos
hídricos, neles lançando os produtos não vendáveis da produção de mercadorias, impactando - e
eventualmente comprometendo – o exercício de outras práticas espaciais não dominantes.”
“Nos anos 1960, observamos o surgimento de lutas sociais por meio das quais se fez a denúncia
- como “males ambientais” - dos processos de dominação de fato dos espaços comuns praticados
desde os primórdios do capitalismo, ou seja, da imposição, a cidadãos supostamente livres, de um
consumo forçado de produtos invendáveis da produção mercantil – resíduos sólidos, efluentes
líquidos e gasosos. Tentou-se então politizar o debate antes silenciado. Tal debate foi, em seguida,
enfrentado pelos detentores dos poderes econômicos e políticos tendo por base a ideologia do
desenvolvimento sustentável e a pretensão do capitalismo se apresentar como capaz de
incorporar discursos e práticas conducentes à sua modernização ecológica.”
Lógica de Lawrence Summers, economista chefe do Banco Mundial em 1991: deslocar a migração
de indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos, por dois motivos. “O primeiro, é que
os mais pobres, em sua maioria, não vivem mesmo o tempo necessário para sofrer os efeitos da
poluição ambiental. O segundo alega que na “lógica econômica”, pode-se considerar que as mortes
em países pobres têm custo mais baixo do que nos ricos, pois os moradores dos países mais pobres
receberiam, em média, salários mais baixos. Deste modo, a racionalidade econômica de Summers
justifica a desigualdade ambiental, ou seja, a distribuição locacional das atividades portadoras de
riscos de forma concentrada para áreas ocupadas por populações mais suscetíveis a agravos.”
“(...) na geografia histórica do novo capitalismo ocorre uma reversão competitiva – não é mais
o capital que busca vantagens locacionais, mas as localidades é que oferecem vantagens
“competitivas” para atrair investimentos internacionais. Como o fazem? Estas localidades
competem entre si oferecendo vantagens fundiárias, fiscais e regulatórias, flexibilizando leis e
normas urbanísticas e ambientais.”
“Donde, a desigualdade ambiental exprimiria o processo de concentração de poder, por parte
dos agentes das práticas espaciais dominantes, de impactar a terceiros – os promotores de práticas
espaciais não dominantes – e de não ser por estes impactados. Para isso, justificam-se, no plano
discursivo, licenças ambientais pouco criteriosas, flexibilização de normas e regressão de direitos.
Por certo que com o avanço do processo de acumulação, foram se criando outros tipos de usos
privados conexos – os do uso do automóvel estimulado pelo fordismo, da contaminação das águas
por falta de saneamento, da ocupação de mananciais por falta de políticas habitacionais, entre
outros, mas sempre se constituíram a partir das prioridades asseguradas à lucratividade das
atividades dos agentes econômicos hegemônicos.”
“(...) para equacionar a questão da cidade dividida realmente existente, experimentam-se
diversos instrumentos passíveis de regular o todo urbano fraturado: (i) polícia urbana (...); (ii)
autorreclusão em condomínios fechados (...); (iii) uma simbólica da conexão – surgem esforços de
conexão simbólica do tecido fragmentado das cidades: o meio ambiente aparece como discurso
unificador; o planejamento urbano centra seu discurso na comunicação, cooperação e conexão.”
“(...) o novo modo de regulação urbana pós-fordista se caracterizaria pelo fato das condições
de reprodução do capital serem menos coordenadas pelo estado central, com os poderes locais
assumindo um papel proativo nas estratégias de desenvolvimento econômico. A ligação direta
entre as estratégias de governos locais e o mercado mundial não quereria dizer maior força deste
poder local, mas sua maior presença no campo de disputa das políticas urbanas. Os processos
econômicos passam a subordinar as políticas sociais e de mercado de trabalho, fazendo com que
surja um ‘empreendedorismo urbano” voltado para um urbanismo de negócios. A nova
“governança” urbana envolveria atores não-governamentais, privados e semi-públicos e a parceria
público-privada configuraria novas formas de investimento privado com fundos públicos.”
“Quando a distribuição locacional discriminatória das práticas espaciais danosas é objeto de
crítica no espaço público e o acordo simbiótico entre as diferentes práticas se mostra impossível,
conflitos ambientais urbanos se desencadeiam. Uma tal expressão da ausência de acordo entre
práticas espaciais nas cidades poderia dar substância sociológica à noção de ‘insustentabilidade’
urbana.”
“Esses conflitos podem ser ignorados ou neutralizados; ou então reconhecidos, discutidos e
politizados. O tratamento desses conflitos na esfera política poderia ser, nessa perspectiva, o
caminho para uma « sustentabilidade urbana » vista desde a perspectiva da democratização das
cidades, ou seja, de enfrentamento das condições de vulnerabilização dos grupos sociais mais
despossuídos e menos representados nas esferas do poder. (...) só o tempo dialético da política,
que inova e surpreende, pode reconstituir a cidade como espaço, ao mesmo tempo, público e
diverso.”

TEXTO JAMES HOLSTON (“Espaços de cidadania insurgente”)


“As cidades estão cheias de histórias no tempo: umas, sedimentadas e catalogadas, outras,
dispersas, em forma de rastros e vestígios. (...) Uma vez vividas na condições de irredutíveis umas
às outras, elas são registradas como parte da multiplicidade e da simultaneidade dos processos
que convertem a cidade numa infinita geometria de superposições.”
“(...) o arquiteto holandês Aldo Van Eyk afirmou que ‘não sabemos nada sobre a vasta
multiplicidade – não conseguimos nos entender com ela – nem como arquitetos, nem como
planejadores ou qualquer outra coisa... Porém, se a sociedade não tem forma, como podem os
arquitetos construir sua contraforma?’”
“A declaração é particularmente amarga, porque assinala o fim de um século no qual a doutrina
modernista formulou as questões urbanas de nosso tempo propondo justamente o planejamento
e arquitetura como soluções para a crise social do capitalismo industrial. Pelo menos em suas
versões europeias e latino-americanas, o modernismo forjou isso que poderíamos chamar de um
imaginário do planejamento, desenvolvendo seus tipos revolucionários de construções e suas
convenções de planejamento como instrumentos de mudança social, e concebendo a mudança
em termos do futuro imaginado corporificado nas narrativas de seus planos-diretores.”
“(...) condições teóricas que estruturam a atual produção de conceitos, sobre a paisagem
urbana naquelas disciplinas: (i) a rejeição do poder redentor do modernismo, que deriva não só da
percepção dos fracassos de seu método utópico, mas também da dissolução mais generalizada da
própria ideia do social no planejamento, na arquitetura, na administração pública e nas ciências
sociais; (ii) a incapacidade de arquitetura e planejamento, enquanto profissões, moverem-se além
dessa rejeição para desenvolver uma nova imaginação social ativista; e (iii) a preocupação da teoria
pós-moderna com o formalismo estético, as tecnologias de comunicação e os conceitos de
realidade virtual que tendem a desencarnar o social para rematerializá-lo como imagens
reificadas.”
“(...) um dos problemas mais urgentes na teoria do planejamento e da arquitetura, atualmente,
é a necessidade de desenvolver uma imaginação social diferente – uma que não seja modernista,
mas que, no entanto, reinvente os compromissos ativistas do modernismo com a invenção da
sociedade e com a construção do estado. Sugiro que as fontes desse novo imaginário não estão
em numa produção especificamente arquitetônica ou de planejamento da cidade, mas sim no
desenvolvimento da teoria, em ambos os campos, como uma investigação do que eu chamo de
espaço de cidadania insurgente – ou espaços insurgentes de cidadania. (...) Enfatizo também, ao
usar o termo, uma oposição ao projeto político modernista que absorve a cidadania num plano de
construção do estado e que, no processo, tende a reforçar um projeto elitista de contenção das
classes trabalhadoras. No cerne desse projeto político acha-se a doutrina – também claramente
expressa na tradição positivista do direito – de que o estado é a única fonte legítima dos direitos,
sentidos e práticas da cidadania. Uso a noção de insurgente para referir a novas e/ou outras fontes
de cidadania e à afirmação de sua legitimidade.”
“Os espaços de uma cidadania insurgente constituem novas formas metropolitanas do social
ainda não absorvidas nas velhas, nem por elas liquidadas. Como tal, encarnam possíveis futuros
alternativos.”
“Mas a insurgente e a modernista são expressões concorrentes, que distinguirei como
etnográfica e utópica, respectivamente. Na arquitetura e urbanismo modernos, a utopia deriva
especificamente da cidade-modelo dos Congrès Internationaux d’Architecture Moderne (CIAM),
(...) impondo ao caos das cidades existentes a construção de um novo tipo de cidade baseada em
seus planos-diretores. Mas tal modelo deriva, por sua vez, do conhecido ideal da modernidade de
que o estado, geralmente sob a forma de um governo nacional, pode mudar a sociedade e
administrar o social pela imposição de um futuro alternativo cristalizado em planos. (...) supõe-se
que o fragmento radical crie novas formas de experiência social, associação coletiva, percepção e
hábitos pessoais. Ao mesmo tempo, supõe-se que impossibilita a existência daquelas formas
consideradas indesejáveis ao negar as expectativas sociais e arquitetônicas anteriores sobre a vida
urbana.”
“A doutrina dos CIAM sustentava que essas propostas de transformação iriam criar uma cidade
que materializaria condições revolucionárias de trabalho, moradia, transporte e recreação. (...) De
fato, no decorrer deste século, os novos tipos de construção, estruturas urbanas e convenções de
planejamento dos CIAM triunfaram de tal modo que se transformaram na prática padrão dos
profissionais de arquitetura e planejamento em todo o mundo.”
“Contudo, se poucas promessas de mudanças prenderam a imaginação do mundo em grau
maior do que esse projeto idealista de futuros alternativos, poucos geraram também maior
perversidade.”
“Minha crítica ao planejamento modernista não é a de que ele pressupõe uma sociedade
igualitária inexistente ou sonha com uma. (...) Minha crítica, na realidade, é de que o planejamento
modernista não admite nem desenvolve produtivamente os paradoxos de seu futuro imaginado.
(...) Supõe uma dominação racional do futuro em que seu plano total e totalizador dissolve
quaisquer conflitos entre a sociedade imaginada e a existente na coerência imposta de sua ordem.
Tal suposição é ao mesmo tempo arrogante e falsa. Por um lado, ela não inclui como elementos
constitutivos do planejamento o conflito, a ambiguidade e a indeterminação características da vida
social. Por outro, deixa de considerar o inintecional e o inesperado como partes do modelo.”
“A questão crucial a considerarmos, por conseguinte, é como incluir o presente etnográfico no
planejamento, ou seja, as possibilidades de mudança encontradas nas condições sociais
existentes.”
“Se o planejamento modernista depende do estado e o constrói, então o seu antídoto é um
tipo de planejamento que dê conta das formações de cidadania insurgente. A teoria do
planejamento precisa estar ancorada nesses complementos antagônicos, ambos baseados numa
possibilidade etnográfica, e não utópica: de um lado, o projeto de futuros dirigidos pelo estado,
que podem ser transformativos mas resultam sempre de uma política específica; e, do outro, o
projeto de comprometer planejadores com as formas insurgentes do social, que muitas vezes
derivam do primeiro e o transformam, mas que de importantes maneiras estão fora do estado e
são heterogêneas. Essas formas são encontradas tanto em manifestações organizadas de base
quanto em práticas cotidianas que, de diferentes maneiras, legitimam, parodiam, desordenam ou
subvertem as agendas do estado.”
“A cidadania muda à medida em que novos membros emergem para fazer suas reivindicações,
expandindo seu alcance, e em que novas formas de segregação e violência se contrapõem a esses
avanços, erodindo-a. Os lugares de cidadania insurgente são encontrados na intercessão desses
processos de expansão e erosão. (...) introduzem na cidade novas identidades e práticas que
perturbam histórias estabelecidas. Essas novas identidades e as perturbações que elas causam
podem ser de qualquer grupo ou classe social.”
“Esse dinamismo e sua percepção constituem os objetivos teóricos de um planejamento ligado
às formas insurgentes do social. Ele difere dos objetivos modernistas de planejamento porque visa
a entender a sociedade como uma contínua reinvenção social, do presente, do moderno e de seus
modos de narrativa e comunicação.”
“(...) o planejamento precisa envolver não só o desenvolvimento das formas insurgentes do
social, mas também os recursos do estado para definir, e ocasionalmente impor, uma concepção
mais abrangente de direito do que a que, às vezes, é possível encontrar ao nível local. (...) Acima
de tudo, o planejamento precisa incentivar um antagonismo complementar entre esses dois
envolvimentos. Precisa atuar simultaneamente em dois teatros, por assim dizer, mantendo uma
tensão produtiva entre o aparato dos futuros dirigidos pelo estado e a investigação de formas
insurgentes do social embutidas no presente.
Tombamento

PEGAR AULA DO DIA 25/08/2017

TEXTO CLAUDIO RIBEIRO (“A relação entre o patrimônio histórico e a disputa urbana da memória no
espaço cordial”):
“Habitar o patrimônio requer certa estratégia de conduta social que envolve diversos fatores,
os quais vão desde o reconhecimento do lugar em que se vive como sendo representante de uma
memória coletiva – ou seletiva – até reações às regras e normas que são fruto dessa condição.”
“Essa condição complexa, pautada pela não neutralidade, é percebida por diversos moradores
de diversos sítios históricos em todo o mundo, onde a necessidade de memória e de história atuam
de forma a criar a necessidade desses espaços simbólicos.”
“Os espaços simbólicos nacionais brasileiros, representados aqui pela cidade de Ouro Preto,
não permitem, pela forma como foram forjados, essas percepção e ação transformadoras de seus
habitantes como alimento constante das relações sociais que se pautam no âmbito da memória. É
preciso que se conheça e se reconheça a dinâmica autoritária da produção e reprodução desses
símbolos para que se adquira força teórica e prática suficientes para transformar um espaço que
pode ser considerado como sendo um espaço cordial.”
“O espaço cordial será produzido onde e quando houver a convivência de discursos
inconciliáveis que não se evidenciem como tal em forma de conflito. Essa relação sempre se dará
de forma opressiva e extremamente individualizada, por exemplo, quando espaços públicos se
transformam, disfarçadamente, em privados, em nome de um progresso técnico. A técnica, aliás,
nesse espaço, será sempre naturalizada, posto que a naturalização de uma atividade humana é,
por si só, conciliação de discursos opostos. Foi esta característica que garantiu a progressão dócil
e o convívio amistoso, embora ao mesmo tempo opressor, de um passado c om um futuro
garantidor de uma finalidade social e espacial ‘desenvolvimentista’, que negou a heterogeneidade
da história em nome de uma formação que se forjou como nação.”

Operações Urbanas Consorciadas

Caso-referência: Porto do Rio de Janeiro (grande exemplo de parceria público-privada).


A operação urbana consorciada pressupõe uma parceria público-privada, mas uma PPP não
será obrigatoriamente uma operação urbana consorciada. Tem uso bastante amplo nos EUA; teve em
São Paulo (mas com muitos problemas). Deve haver um equilíbrio. Cada vez mais o Poder Público tem
sido privatizado. Hoje, já não se enxerga mais o Estado descolado da sociedade civil. Afinal, o Estado é
formado por instituições variadas; o Poder Público está embrincado com toda a sociedade civil e seus
atores. Mas é essencial que haja equilíbrio. Não há neutralidade, mas se deve buscar uma efetiva
contribuição econômica do privado.
No caso do Porto do Rio, buscou-se essa contribuição a partir do índice de aproveitamento da
área: o setor privado adquiriu títulos para edificar e ampliar seu potencial construtivo. A operação
urbana consorciada viabiliza a parceria à medida que o Poder Público vai receber mais se as empresas
requerem maior índice de aproveitamento.
O Porto teve uma previsão de duas fases.
Quanto à situação fundiária, havia terras da União (62%), do Estado (6%), do Município (6%) e
privadas (25%). Como fazer para que uma sociedade de economia mista (a CDURP) pudesse fazer a
gestão? Isso foi feito por Protocolo de Cooperação assinada entre a União, o Estado e o Município, em
que se propôs a transferência das áreas da União e do Estado para o Município.
Marcos legais e institucionais começaram em 2009 para normatizar como se daria a Operação
Urbana Consorciada. LC 101/2009: criação de área especial de interesse urbanístico. LC 102/2009:
criação da CDURP. LC 105/2009: criação do programa em si (PROPAR). Lei 5.128/2009: incentivos
fiscais (isenção de ITPU, ITBI e ISS).
CEPAC: Certificado de Potencial Adicional de Construção (índice de aproveitamento do
terreno). Trata-se de outorga onerosa, sendo que o título ia para a bolsa. No caso do Porto, houve
exigência de que os CEPACs fossem vendidos em bloco. A Prefeitura emitiu os títulos, comprados em
bloco pela Caixa com o dinheiro do FGTS (prevendo-se retorno por meio da viabilização imobiliária).
Consórcio Porto Novo: parceria público-privada para obras e serviços. O problema foi a
ausência de equilíbrio na relação.
A rigor, toda terra pública da União deveria ser priorizada para moradia, mas a maior parte das
ofertas foram para negócios.

TEXTO DA MADALENA (“A operação urbana consorciada da Zona Portuária do Rio de Janeiro e o direito
à moradia: questionamentos e reflexões”):
“(...) o direito à cidade é composto por um feixe de direitos que se complementam e reafirmam
mutuamente, que inclui o direito à moradia (implícita a regularização fundiária), à educação, ao
trabalho, à saúde, aos serviços públicos, ao lazer, à segurança, ao transporte público, à preservação
do meio ambiente natural e construído e do patrimônio cultural, histórico e paisagístico, os quais
requerem, para sua garantia, a sustentabilidade urbano-ambiental.”
Situações de desrespeito aos direitos dos ocupantes da área (Morro da Providência): “A
começar pela falta de informação básica a respeito dos procedimentos que estão sendo adotados,
no âmbito da Secretaria Municipal de Habitação, para a remoção dos moradores, considerando
que já está em andamento o projeto Morar Carioca da Favela da Providência/Pedra Lisa; e a
ausência de informações em linguagem clara e objetiva sobre o projeto que será implantado no
local. Por fim, pelos instrumentos de pressão e violência simbólica que são realizados, na medida
em que há casas marcadas com a sigla SMH (Secretaria Municipal de Habitação) e com uma
numeração que varia de 1500 a 1800, sem que os moradores saibam, efetivamente, qual o
significado disso, além da previsão de que 800 pessoas terão de deixar o local, sem que se saiba
quando terão de sair, para onde vão e em que condições isso se dará.”
“Portanto, sob o prisma da gestão democrática da cidade (art. 2º, II da Lei 10257/2001),
questiona-se a legitimidade de tais normais, posto que o processo legislativo deveria assegurar a
participação pública efetiva, o que não ocorreu. Nesse sentido, é importante ressaltar que, para
que esta seja garantida, necessário o maior número de informação previamente obtido, sobre os
fatos e dados existentes tanto nos setores públicos como privados. E, também, que tal informação
seja de qualidade, mas não técnica, já que os destinatários dela, em regra, são leigos. Daí, quanto
maior a qualidade e a quantidade de informação, maior será a intensidade da participação pública
e, por conseguinte, mais concretizados a democracia e o Estado de Direito.”
“Sobre o instituto da Operação Urbana Consorciada, é importante esclarecer que possui como
marco normativo o Estatuto da Cidade, através dos arts. 32 a 34, os quais estabelecem ser a
operação urbana consorciada um conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder
Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e
investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas
estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. E para a implantação da OUC há
necessidade prévia de se ter uma lei específica, que deve estar articulada com o Plano Diretor da
Cidade.”
“A aludida OUC [da Zona Portuária do Rio], com um prazo máximo de realização de trinta anos
e com previsão de custo de oito bilhões reais, pretende seguir o modelo internacional adotado por
outras cidades globais na trilha das políticas de empreendedorismo urbano, que teve como foco a
reestruturação de antigas zonas portuárias vocacionando-as para a cadeia produtiva do turismo e
do lazer, com o processo de enobrecimento de regiões degradadas e mudanças significativas na
dinâmica população-moradia-território.”
“Trata-se do fenômeno conhecido como empreendedorismo urbano ou empresariamento
urbano ou, ainda, planejamento urbano estratégico, que, surgido a partir das dificuldades
enfrentadas pelas economias capitalistas no pós-recessão de 1973, buscava ocupar o lugar do
ultrapassado modelo modernista e retirar as cidades de um período de estagnação econômica
causado pela desindustrialização e pelas conseqüências da crise do capitalismo e da reforma do
Estado. Esse modelo de gestão urbana, guardando semelhança com a gestão empresarial, pregava
a produtividade, a competitividade e a subordinação dos fins à lógica do mercado.” (cidades
standard)
“Ocorre que, no caso brasileiro, da zona portuária do Rio de Janeiro, questiona-se a importação
irrestrita de tal modelo, já que a realidade econômico-social brasileira é bem diversa da maior
parte dos países em que o modelo acima foi adotado.”
“(...) planejamento e gestão urbanos devem garantir o direito à cidade, que se preocupa com a
integração socioespacial, considerando a cidade como um bem coletivo e, portanto, um direito
difuso de todos os cidadãos que nela estão inseridos. No referido modelo, para minimizar as
disfunções decorrentes da desigualdade econômico-social reforçada pelo capitalismo e pela
política de desenvolvimento neoliberal, o Estado tem o papel de “equilibrador social” (2011),
editando normas que garantam a tutela dos vulneráveis e, também, buscando a eficácia social de
tais normas. Nesse sentido, uma das questões que deveriam ser privilegiadas na OUC da zona
portuária seria o combate ao déficit habitacional, com a construção de novas moradias e a
regularização fundiária dos moradores das favelas da região, como forma de se enfrentar o grave
problema habitacional existente para a população de baixa renda.”
“(...) o direito à moradia, apesar de direito autônomo, com proteção e objeto próprios, possui
estreita vinculação com outros direitos fundamentais, tais como o direito à vida, à saúde, ao meio
ambiente, à alimentação, à privacidade, à propriedade, reforçando sempre a ideia de que o Estado
Democrático de Direito contemporâneo deve ser compreendido como Estado Socioambiental.”
“Assim, na condição de direito de defesa representa um direito subjetivo que impõe ao poder
público a obrigação de não-afetação e, por outro lado, na qualidade de direito prestacional, o
direito à moradia exige a criação e estruturação de órgãos, a edição de normas que estabelecem
procedimentos de tutela e promoção dos direitos, o fornecimento de bens e serviços ou outras
ações comissivas. Na sua dimensão negativa, o direito à moradia tem por objeto imediato a
resistência a uma intervenção, sendo possível que, na falta ou insuficiência de lei especifica, o
poder judiciário e demais operadores jurídicos apliquem os dispositivos constitucionais,
autorizando-se, assim, a concretização do direito à moradia pela via interpretativa.”
“(...) a legislação brasileira já é dotada de instrumentos jurídicos suficientes à garantia do direito
à moradia, inclusive para a regularização fundiária dos imóveis (públicos ou privados)
irregularmente ocupados. Além da usucapião25 para fins de moradia (art. 183 da CF/88) e a
concessão para fins de moradia, já mencionada (art. 183, parágrafo único), regulamentada pela
MP 2220 (art. 1º e 2º da MP n. 2220/2001), como instrumentos de regularização fundiária, que se
distinguem pela natureza da área ocupada, se privada ou pública, atualmente, é possível se valer
da legitimação da posse e da usucapião extrajudicial, previstos no art. 59 da Lei n. 11977/09.”
“Pelos dados acima expostos, a OUC da Zona Portuária não tem como preocupação e finalidade
precípuas empreender metas e ações que visem à garantia do direito à moradia da população
carente que ali já reside há diversos anos, especialmente, no Morro da Providência. A própria
dinâmica do instrumento, aliás, com a criação da CDURP (Companhia de Desenvolvimento Urbano
da Região do Porto do Rio) – pessoa jurídica sob a forma de sociedade por ações - sociedade de
economia mista –, controlada pelo Município, tem como interesse preferencial o desenvolvimento
econômico da região, com a requalificação de reurbanização do tecido urbano, dando novos
destinos a áreas que estariam ociosas, além de buscar o incremento do turismo na região e do
desenvolvimento de outras atividades econômicas na região.”
“Em verdade, os projetos de ampliação de habitações existentes para a área não se destinam
à classe mais vulnerável, pois o público alvo dos novos empreendimentos será a classe média e
classe alta. O que se busca com o projeto Porto Maravilha é uma nova dinâmica na região, com a
renovação da infraestrutura urbana e do novo padrão de ocupação, sem a preocupação com a
melhoria da condição de moradia dos moradores da região.”
“Apesar de já haver condição de aplicação dos direitos que garantem a moradia dos
vulneráveis, tal como já amplamente previstos pela legislação brasileira e internacional, tais
normas carecem de eficácia social, já que não conseguem produzir efeitos no mundo dos fatos.
Neste momento em que, implantada a OUC, há aporte financeiro tanto público como privado,
através das contrapartidas dos entes públicos e privados, bem como de organismos estrangeiros,
perde, assim, a cidade e todos os cidadãos que nela habitam, vulneráveis ou não, a oportunidade
de produzir soluções para a questão da moradia, conferindo segurança à posse de imóveis dos que
preenchem os atributos legais, bem como regularizando a titularidade do domínio para aqueles
que também já reúnam condições de usucapião. O desenvolvimento urbano efetivo não significa,
apenas e tão somente, o aumento da área urbanizada e a modernização do espaço urbano, mas,
sobretudo, deve promover a melhor qualidade de vida para um número crescente de pessoas e,
ao fim e ao cabo, a justiça social tão almejada.”

Porto de Gênova

“Cidade standard”: cidades formatadas a partir de uma lógica mercantil; formatos impostos
que engessam a cidade no modelo mercantil, assim como um contrato de adesão, dificultando
mudanças e implicando fortes desigualdades sociais. O objetivo é legitimar a apropriação dos recursos
também por empreendimentos privados. É um projeto que se instaura para que a cidade se lance no
mercado para ganhar investimentos. A cidade, assim, adquire um novo status, assim como o próprio
poder público, qual seja, de investidor.
Gênova se desenvolve pelas relações mercantis do porto; tem uma forma própria de
anfiteatro. É uma cidade medieval, com pequenos lotes. A malha urbana é completamente densa
(jamais aconteceria a venda de terras que houve no caso do Porto do Rio). Há duas identidades
principais, porque, do lado oposto à parte medieval, há uma área industrial com lotes maiores. É uma
cidade entre a montanha e o mar, o que dificultou a sua expansão. Em 1926, foi criada a região
metropolitana, cuja maioria das cidades tem relação com o mar, sendo Gênova o principal centro. Há
vários níveis atuando: Comuna, Província, Região, Governo Central e União Europeia. Há também
disputa entre as cidades por financiamento.
Um projeto quase simultâneo ao Porto Antico foi o Il cono di Portman (arquiteto americano
que criou um projeto para o porto). Esse projeto previa a criação de uma ilha na baía – o que hoje seria
um crime ambiental – com um cone, maior do que as montanhas e competindo com o farol, que
sempre foi o grande símbolo de Gênova; o cone seria um complexo multiuso, com hotel, centro
comercial, aquário, para resgatar a cidade economicamente. À época, havia várias associações que
pressionaram para vetar o projeto. Houve, pois, comprometimento por um projeto que respeitasse os
valores históricos e paisagísticos, para preservar a identidade mercantil. Houve alinhamento entre
todas as esferas de poder e, em pouco tempo, conseguiu-se organizar uma feira internacional (grande
interferência que girou em torno de um grande evento: os 500 anos do descobrimento da América, já
que Colombo era genovês, o que levou à abreviação dos processos de aprovação).
O Porto Antico não foi a única intervenção urbanística; há vários programas complementares
mais pontuais das esferas, separadamente ou não.
Em 1999, Gênova se lança no planejamento estratégico, mas sempre com um viés econômico
(não há muito um viés social). Mas há também uma pegada ambiental. Lança-se, assim, o Ponte Parodi,
que, a despeito da pegada ambiental, visa basicamente a atender os turistas, fazendo uso do espaço
público. Mas, do lado, por exemplo, há um bairro de imigrantes (espaço insurgente: resistência contra
esse sistema, contra a lógica capitalista), com muitas moradias irregulares, bem como um centro
histórico abandonado. Trata-se de negação dos conflitos sociais, já que há um conflito muito grande
nesse centro social e o projeto era completamente desconexo disso.
Os megaeventos acabam sendo grandes motores dessas intervenções – assim como aconteceu
no Rio. Há também o caso dos Archstars, que ocorreu tanto em Gênova quanto no Rio (Museu do
Amanhã: Santiago Calatrava – desejo por deixar uma marca forte na paisagem). Outra coisa que se
repete é o Programa de Necessidades: prioriza-se principalmente a questão turística (uso do espaço
público para fins privados). Também há um esvaziamento desses espaços de sentido para trazer um
novo sentido. Em Gênova, por exemplo, remodelou-se um Armazém que tinha sido destruído na
Segunda Guerra Mundial, para que ele virasse um centro comercial. Há, desse modo, a inserção de
uma nova ordem, ignorando o que havia antes (imposição de formas de comportamento, como
demonstra o próprio Regulamento do Porto Antico). Será que houve superação da questão
modernista? No caso do Rio, também há tentativa de impor novos comportamentos, de impor uma
nova ordem nesses espaços, uma nova lógica (exemplo: não há mais barraquinhas de churros, pipoca,
que eram dos próprios moradores da região; o que há são food trucks).
Em Gênova, manteve-se a volumetria arquitetônica. Já no Rio se ampliou o gabarito para atrair
mais investimento, mas hoje 90% desses espaços que foram construídos estão vazios. Outra diferença
é quanto às concessionárias: a concessionária de Gênova era mista, com duração de um ano; no Rio,
a duração é de quinze anos e a concessionária é formada por três empresas privadas.
Nessas cidades standard, a lógica mercantil se repete, dificultando o diálogo. A solução dos
problemas trazidos pela cidade industrial não pode desconsiderar as questões sociais; não basta ser
algo técnico (Henri Lefebvre).

Patrimônio e arte urbana

Caso-referência: Muro do Jóquei


No enfrentamento de um conflito, buscam-se os instrumentos, bem como os direitos por eles
protegidos, sendo que tudo isso deve estar no Plano Diretor. O Rio de Janeiro é patrimônio da
humanidade e uma das áreas protegidas é a área do Jardim Botânico. O entorno é a área de
amortecimento. Os muros e parte do Jóquei também constituem área de amortização. Há Conselho
Municipal que protege a arte urbana, com o reconhecimento de que ela deve ser preservada.
O Jóquei é uma área de concessão e a instituição que a administra pintou os muros de branco,
sob a alegação de que estava preservando. Diante disso, há duas leituras: Juliana Mansur e Daniele
Bissol.
O que se quer é que a cidade funcione de acordo com a sua função social, o que acaba afetando
o próprio direito à moradia. A função social se torna um poder-dever. Função social da cidade x direito
à moradia, portanto, é um falso dilema. A questão da paisagem envolve toda uma diversidade. Ela não
é um cenário. A paisagem é sempre cultural. Paisagem não é a soma de meio ambiente natural e
construído; ela é constantemente construída pelos atores, que refletem seus próprios valores e sua
própria noção de belo. Isso envolve a própria identidade e história dos indivíduos. Classificar como
“belo” ou não é uma afronta a quem construiu.
No caso do Jóquei, os muros foram pintados com participação das pessoas; não é um cenário,
é paisagem e todos têm direito a isso. Por isso, quando as pinturas são cobertas pela instituição que
administra o Jóquei, tem-se uma violação a esse direito de todos.

Juliana Mansur: Arte x Direito. Análise da paisagem urbana à luz dos princípios constitucionais.
Visa identificar os obstáculos e possibilidades na tutela do direito à cidade na perspectiva da eficácia
jurídica e social da norma urbanística. Arte e direito são complementares. “Paisagem” como princípio
de interpretação da norma urbanística e como patrimônio público estabelece novos parâmetros para
o estudo do direito urbanístico. A tutela da paisagem consagra a dignidade da pessoa humana.

TEXTO MOEMA (“O projeto no espaço urbano: riscos na paisagem”)


“Na primeira parte buscamos a recuperação dos verbetes Projeto e Projeto-Urbano na
construção de sentidos. Frisamos mais uma vez a importância do verbete Projeto como processo,
um sistema aberto que se inicia quando parece ter terminado e que vive em um estado de devir.
Paralelamente o Projeto-Urbano reconhece a cidade aberta, sobretudo a cidade que permite a
expressão dos conflitos.
Sugerimos, então, pensar o Projeto-Urbano ou o Projeto no espaço urbano como um cenário.
Algo instantâneo que com o tempo vai se redefinindo e que se insere dentro das temporalidades.
Um cenário que não deixa de ser um gesto de previsibilidade, mas que abre margem ao
imprevisível.
Ao mesmo tempo este artigo é uma manifestação contrária aos Projetos que buscam a
continuidade do que existe ou do que percebemos e denominamos realidade.
Acreditamos que o desafio do Projeto no espaço urbano está no transbordamento da realidade,
o Projeto precisa ir além do que somos ou do que pretendemos ser. O projeto no espaço urbano
como construção de forças, não como construção de formas.
Na Paisagem encontramos as forças do Projeto, pois a Paisagem aproxima o Projeto das suas
dimensões mais naturais; aproxima o homem da sua natureza sensível. E para que projetamos?
Não seria para construir blocos de sensações?
Existe sem dúvida uma linha tênue entre romper e transbordar. O transbordamento poderia
ser um tipo de ruptura. Voltamos aos modernos? Ou à sensibilidade moderna alinhada ao
reconhecimento da imprevisibilidade?”

Princípios do Direito Urbanístico a partir da Constituição de 1988

a) “Princípio da função social da propriedade (arts. 5º., XXII, XXIII, XXVI; 170, III; 182, caput e §2.º; 184, caput; 185,
parágrafo único e 186), segundo o qual a propriedade pode ser utilizada de forma condizente com os fins sociais
a que ela se preordena;
b) Princípio da subsidiariedade (art. 173), pelo qual se confere preferência aos particulares na implementação do
planejamento urbanístico, desde que estes possam faze-lo de maneira adequada e suficiente;
c) Princípio de que o urbanismo é função pública (implícito no Texto Constitucional – arts. 21, IX, XX, XXI; 23, IV;
25, §3.º; 30, VIII; 43; 216, caput e §§ 1.º e 5.º), segundo o qual o Urbanismo é um poder-dever do Estado, na
medida em que se constitui como o poder enquanto dirigido a uma finalidade de interesse coletivo e cujo
exercício se revela num dever jurídico;
d) Princípio da afetação das mais-valias ao curso da urbanificação (arts. 5.º, XXIV, e 145, inc. III da Constituição da
República e art. 4.º do Decreto-lei 3.365/41), pelo qual os proprietários devem satisfazer os gastos dela
decorrentes dentro dos limites do benefício por eles auferido, e cuja aplicação prática é demonstrada pelos
instrumentos da desapropriação por zona, quando é expropriada área contígua à necessária para obra em face
da previsão de um aumento extraordinário em seu valor e, da contribuição de melhoria.”

Princípios específicos do Direito Urbanístico:


1) Função Social da propriedade
2) Função pública do Urbanismo (Antônio Carceller Fernandez)
3) Remissão ao Plano
4) Princípio da equidade, a partir do qual derivam outros dois:
4.1) Afetação das mais-valias ao custo da urbanificação
4.2) Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes da atuação urbanística
5) Princípio da Gestão Democrática da Cidade
6) Princípio da proteção ao meio-ambiente
7) Princípio da sustentabilidade das cidades
8) Princípio da Prevenção
9) Princípio da Precaução
10) Princípio da vedação do retrocesso

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