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PARECER
RELATÓRIO
1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia
contra o Presidente do Conselho Universitário da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
2. O “writ” tem por objeto garantir ao impetrantes a realização das provas seletivas designadas
para o dia 25/11/2006, sábado, em horário a partir das 20h16min, horário do pôr do sol.
4. A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 5º, VI, a liberdade de consciência e
de crença, enquanto o inciso VIII garante o direito de não ser privado de direitos por motivo destas crenças,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todas imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei.
5. Tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 18, quanto a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (art. 12.2) e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (arts. 18, 25 e 26)
possuem disposições análogas as da Constituição brasileira.
16. Trata-se de uma medida adequada, uma vez que satisfaz a ambos os direitos em jogo: a)
direito à educação (acesso ao ensino superior); b) direito de exercício de crenças religiosas.
17. Quanto à necessidade, cumpre verificar se há outra medida alternativa que garanta o direito
dos impetrantes, mas afete os direitos da outra parte em medida menor. Não vislumbro no caso concreto
outra prestação possível que satisfaça tais requisitos.
18. É evidente que a prestação alternativa pleiteada causa um ônus financeiro à parte impetrada,
pois os impetrantes deverão ser mantidos em espaço afastado dos demais candidatos e em horário
extemporâneo. Isso implica no pagamento a maior de funcionários, que deverão permanecer no trabalho
além do horário inicial previsto.
19. Tal ônus gerado ao impetrado exige então que se proceda a uma ponderação entre o direito
dos impetrantes à realização das provas em horário alternativo e o ônus financeiro gerado por isso ao
impetrado.
20. De um lado temos um verdadeiro direito fundamental, que se reveste da máxima importância
para seus titulares e, assim, deve ser avaliado na máxima medida possível. De outro lado, um pequeno ônus
financeiro que deve suportar uma grande instituição. Ou seja, tal ônus não comprometerá em absoluto as
finanças e nem há notícias que causará qualquer transtorno aos demais candidatos.
22. Maria Emília Corrêa da Costa, em excelente dissertação de Mestrado sobre o tema,
“Liberdade religiosa como direito fundamental”, conclui igualmente pela necessidade de se alcançar “postura
que proporcione o exercício de dever a todos imposto com o menor sacrifício da crença professada pelo
cidadão, sem que para isso, por outro lado, seja criada intolerável desigualdade em relação aos demais” (p.
170).
1
A proporcionalidade em sentido estrito nos termos da proibição da insuficiência é objeto de obra de minha autoria:
Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais, Livraria do Advogado, 2006.
23. Cita como paradigma o julgado do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 33, 23 (1972),
que entendeu por liberar uma testemunha em processo criminal de prestar juramento de dizer a verdade,
tendo em vista razões religiosas.
24. Portanto, há uma exigência constitucional de que a prestação pleiteada não atinja direitos de
terceiros de modo intolerável.
25. No caso concreto, tal prestação não produz privilégio algum aos impetrantes e em razão
disso, não atinge o direito dos demais candidatos à educação e ao acesso ao ensino superior em condições
de igualdade entre todos os candidatos.
26. Roger Raupp Rios, em sua obra “Direito da Antidiscriminação”, atualmente no prelo pela
Livraria do Advogado, inclui a hipótese presente dentro da categoria discriminação indireta.
27. Ocorre uma discriminação indireta, no direito estadunidense “disparate impact”, quando um
ato aparentemente neutro e igualitário tem o efeito de colocar indivíduos ou grupos de desvantagem ou em
perda de direitos.
28. Então, enquanto na discriminação direta há um ato volitivo de discriminar, de retirar direitos
ou colocar um grupo em desvantagem, na discriminação indireta essa vontade não existe ou não é
detectável, porém resulta do ato essas conseqüências negativas.
29. O leading case do disparate impact no direito estadunidense é a decisão Griggs v. Duke
Power, Co., no qual a Suprema Corte julgou a ilegitimidade de exigência de requisito escolar (ou
alternativamente, obtenção de certa pontuação em testes de inteligência) para a contratação ou para a
promoção para certos cargos dentro da estrutura da empresa. Entendeu a Suprema Corte o caráter
discriminatório quanto aos resultados alcançados nos testes: uma percentagem muito elevada de negros era
reprovada.
30. Constatou a Suprema Corte, por exemplo, que 58% dos brancos era bem sucedida nos teste
de inteligência, contra apenas 6 % dos negros; bem como 34% dos brancos possuía o diploma secundário,
contra apenas 12% dos negros. Por fim assentou que tais exigências não eram absolutamente necessárias
para a consecução dos negócios.
32. Além disso, como afirma Roger Raupp Rios, o direito brasileiro pode conceber um dever geral
de evitar danos decorrentes de medidas de impacto diferenciado discriminatório decorre do dever geral de
evitar danos mesmo em razão de atos culposo (responsabilidade civil), mais precisamente em razão da
negligência.
33. No caso concreto, o ato contra o qual se insurge o impetrante (designação de horário de
prova em dia de guarda religioso), embora formalmente igualitário e certamente não direcionado para a
discriminação dos adeptos da Igreja Adventista, produz o efeito de excluí-los de direitos fundamentais.
34. Além disso, a condição de grupo religioso minoritário em nosso país gera uma presunção de
discriminação (mesmo que indireta) violadora de direitos fundamentais, o que vem a transferir o ônus
argumentativo ao impetrado. Ou seja, cabe ao impetrado demonstrar que não ocorre situação de
discriminação ou que a medida para cessar a discriminação é intolerável.
36. No direito alemão também é reconhecida uma fórmula semelhante. Em uma decisão de 26 de
janeiro de 1993, o Tribunal Constitucional Federal apresentou uma fórmula segundo a qual existem três
critérios especiais para determinar uma “intensidade graduada para a prática do exame de
constitucionalidade” quanto ao princípio da igualdade. Assim, deve-se aplicar um controle estrito: 1) quando
no caso de diferenciações relativas à conduta, os afetados não possam influir ou possam influir muito pouco
para mudar as propriedades sobre as quais se fundamenta a diferenciação; 2) quando as diferenciações
tenham efeitos negativos sobre o exercício de liberdades (grifos nossos) protegidas pelos direitos
fundamentais; 3) quando se trate de diferenciações relativas à pessoa que se aproxime das propriedades do
art. 3º, alínea 3, da Lei Fundamental (entre os quais está a proibição de discriminação por motivo de religião).
37. O grupo de impetrantes cumpre os critérios 2 e 3 acima, o que confere um rigor na avaliação
judicial do ato discriminatório. Isso significa também uma inversão do ônus argumentativo em favor dos
impetrantes.
CONCLUSÃO
Deste modo, presente a situação de discriminação indireta dos impetrantes e conseqüente violação
do princípio da igualdade, bem como considerando que a prestação alternativa pleiteada é proporcional no
sentido da proibição da insuficiência, cumpre dar provimento ao apelo.