Você está na página 1de 7

27/04/2019 Chegamos ao colapso final do capitalismo?

Por Wilton Moreira - GGN

Chegamos ao colapso final do


capitalismo? Por Wilton Moreira
Colapso é a fase final do ciclo de desenvolvimento que se inicia no pós-guerra. Podemos assistir a
mais uma grande crise mundial ou um novo ciclo capitalista euroasiático. Acabaria a financeirização
da economia ou seria impossível um retorno à economia real?

Por Wilton Moreira - 27/04/2019

Foto: Divulgada na Revista Razón y Revolución n˚ 29

Fim de ciclo ou colapso final do capitalismo?

Por Wilton Moreira

Em 1991, Robert Kurz publica “O colapso da modernização”, uma releitura da obra de Marx
que questiona, entre outras coisas, se a emancipação do capitalismo poderá mesmo ser
efetuada pela classe trabalhadora, como sujeito histórico da revolução. Kurz argumenta que o
trabalho (e o trabalhador) é uma categoria estritamente capitalista, assim como o capital, o
valor e a mercadoria.

Por isso não seria possível uma revolução socialista/comunista POR MEIO do trabalho, como
se quis fazer na antiga URSS, pois a emancipação do capitalismo só se efetivaria CONTRA o
trabalho, ou seja, abolindo-o como categoria social e, em consequência, abolindo também a
figura do trabalhador/operário.

Para Kurz, numa sociedade emancipada não haveria trabalho, nem valor (ou sua expressão, o
dinheiro) ou mercadoria, como categorias sociais. Haveria certamente atividades humanas e
riqueza material na forma de bens úteis, mas sem se conformar às categorias do capital.

Mas se os trabalhadores não são o sujeito histórico da emancipação e a luta de classes não
conduz à revolução, mas somente a uma relativa democratização do capital, ao melhorar a
distribuição de renda em momentos de crescimento econômico, como seria a passagem de
capitalismo para outro sistema social? Ou melhor, o que poderia causar o fim do capitalismo?

A crise final do capitalismo

Para Robert Kurz, a crise final do capitalismo se iniciou em meados da década de 1970 e nada
tinha a ver com a luta de classes. A crise, que atingia em cheio os países centrais do

https://jornalggn.com.br/artigos/fim-de-ciclo-ou-colapso-do-capitalismo-o-que-estamos-vivenciando/ 1/7
27/04/2019 Chegamos ao colapso final do capitalismo? Por Wilton Moreira - GGN

capitalismo, com baixo crescimento e inflação; e que iria resultar no neoliberalismo, não fora
causada pelo choque do petróleo nem por decisões equivocadas dos governos.

A causa, sustenta Kurz, estaria na esfera da produção, com a introdução da microeletrônica e


da informática na indústria, responsável pela maior parte de produção de valor. As novas
tecnologias são racionalizadoras da produção e poupadoras de trabalho, resultando em
grandes lucros para as empresas que as implementasse primeiro (daí o culto à inovação da
fase neoliberal), pois o aumento da produtividade permite baixar os preços e o lucro por
unidade de produto e, como resultado, ganhar imensas fatias de mercado dos concorrentes.

Mas não tardaria, outros capitais se lançariam ferozmente na disputa por inovação e
produtividade, implementando também as novas tecnologias na linha de produção,
provocando uma queda generalizada no lucro por unidade de mercadoria. Ou então, se a
sociedade o permitisse, as empresas aumentam a exploração da mão de obra, pagando-a
menos e fazendo-a trabalhar mais horas por dia e de forma mais intensa, como no caso da
China.

O resultado desse “corrida do ouro” da inovação e da produtividade é que o volume global de


valor produzido pela indústria (que produz o grosso do valor no capitalismo) começa a
decrescer, ou seja, a se desvalorizar. O resultado prático para os trabalhadores é a estagnação
salarial, o desemprego e o subemprego em suas várias formas: temporários, trabalho parcial,
terceirizados, informalidade, uberização etc.

O desemprego e o subemprego estruturais significam que contingentes cada vez maiores de


pessoas se tornam supérfluas para o capital, uma vez que são improdutivas (de valor) e
acabam abandonadas à sua sorte ou vivendo da assistência social do estado, onde ela ainda
funciona. Situação que produz uma tensão social explosiva nas periferias do terceiro mundo
(que se torna ingovernável) e perigosamente crescente nos países centrais, cujo nível de vida
das classes médias começa a decair.

Neste contexto de desvalorização do valor, a adoção do neoliberalismo, ou do financismo, é


vista por Kurz como uma fuga para a frente do sistema. Como a verdadeira riqueza do
capitalismo não é material (fábricas, bens, terras, alimentos) e sim o valor/dinheiro, que é
grandeza abstrata, o que o neoliberalismo fez foi adiantar valor aos estados, empresas e
famílias na forma de crédito (capital fictício), criando uma demanda artificial para que a roda
da economia continuasse a girar.

Só que estes valores adiantados não poderão ser pagos pela economia real, justamente
porque ela não gera valor suficiente para saldá-los, o que leva a um capitalismo altamente
instável de dívidas crescentes e bolhas financeiras, que explodem sucessivamente nos
mercados ao redor do globo.

A adoção do neoliberalismo, no entendimento de Robert Kurz, não se deveu à ganância da


banca conjugada com decisões errôneas de governos, que desregularam finanças de forma
descuidada na década de 1980. O neoliberalismo financista, foi, pelo contrário uma
necessidade estrutural do capitalismo e possibilitou, com a injeção de capital fictício no
sistema, sua sobrevida depois que a produção de valor da economia industrial entrou em
crise.

Colapso final ou crise cíclica? A crítica (neo)keynesiana

Em 1993 Luiz Carlos Bresser Pereira escreve um artigo contestando o tom catastrofista do
livro de Kurz. Para Bresser, onde Kurz via o colapso do capitalismo, haveria somente mais
uma grave e longa crise cíclica do capital, que logo seria superada por uma nova fase
expansiva, baseada na produção real e numa maior intervenção estatal, ou seja, na
superação dos dogmas neoliberais financistas e de estado mínimo.

https://jornalggn.com.br/artigos/fim-de-ciclo-ou-colapso-do-capitalismo-o-que-estamos-vivenciando/ 2/7
27/04/2019 Chegamos ao colapso final do capitalismo? Por Wilton Moreira - GGN

Bresser se aventura até mesmo em fixar um prazo para o término da crise, baseado nos ciclos
de Kondratieff, cujas fases durariam em torno de 25 anos. Se a crise começa efetivamente em
1975, ela findaria por volta da virada do milênio, dando início a um novo ciclo expansivo de
crescimento econômico e pleno emprego.

O ponto de vista de Bresser-Pereira é interessante porque representa, grosso modo, a


perspectiva dos economistas progressistas, keynesianos e neokeynesianos, acerca da longa
crise iniciada em 1975. (Os economistas neoliberais ou “de mercado”, como bem observa
Bresser, se recusam a reconhecer a existência de uma longa crise – estão imersos demais no
sistema que manejam para poder pensá-lo).

Robert Kurz escreve seu livro em 1991 e Bresser o critica em 1993. A realidade, ora parece
dar razão ao alemão, ora ao brasileiro, dependendo do ângulo que a observamos. A longa
crise iniciada com a crise do petróleo em 1973 não seguiu os prognósticos de Bresser-Pereira,
que previra o seu fim na virada do milênio. As crises cíclicas das bolhas financeiras
continuaram até explodir na maior de todas, a do mercado imobiliário norte-americano em
2008. A partir daí, a crise se agravou, passando a ser também política e social, com a revolta
irracional dos povos levando ao crescimento explosivo da extrema direita de caráter fascista
em todo o mundo, chegando a assumir o poder político em vários países, como EUA, Brasil e
Itália.

Por outro lado, se pensarmos no imenso e inesperado sucesso econômico da China a partir
dos anos 2000, parece que os neokeynesianos têm razão. A China jogou fora a cartilha
neoliberal, interviu e regulou fortemente a economia, controlando o câmbio e os fluxos de
capitais, investiu em educação, ciência e tecnologia próprios e se tornou a maior nação
industrial do planeta. Sem dúvida, é um caso de vitória da economia real sobre o financismo
neoliberal.

Enquanto isso, o Ocidente persistiu no erro neoliberal e perdeu suas fábricas (e empregos)
para o gigante asiático. A narrativa que os economistas progressistas costumam desenvolver
para explicar o fenômeno chinês é que, diante do erro continuado do Ocidente, incapaz de
reformular sua economia em bases industriais, a China o fez e, agora, está destinada a se
tornar a locomotiva que irá puxar a máquina capitalista mundial.

O que assistimos, então, seria um colapso, não do capitalismo como sistema, mas do ciclo
capitalista ocidental capitaneado pelos EUA e secundado pela Europa e Japão, iniciado no pós-
guerra. Quando o ciclo terminar, provavelmente com uma grande crise mundial, o dólar
deixará de ser a moeda de referência mundial e a China se tornará a potência que vai
comandar o sistema capitalista, baseado novamente na economia real e numa forte presença
estatal. Da mesma maneira que o eixo capitalista se moveu, em 1945, da Inglaterra para os
EUA, agora se moverá deste último para China.

A contracrítica de Robert Kurz

Robert Kurz faleceu em 2012. Teve, então, tempo suficiente para testemunhar o milagre
chinês e a crise de 2008. A China, do seu ponto de vista, longe de representar uma vitória da
economia real sobre o financismo, é apenas uma consequência da desvalorização do valor que
torna a produção insustentável no centro do capitalismo.

Por um lado, a exploração absurda do trabalhador chinês, em conjunto com políticas de


câmbio desvalorizado e baixos impostos, permite manter a lucratividade das empresas que
ainda podem funcionar sem investimento intensivo em automação. A deslocalização das
fábricas, nas condições de quase trabalho escravo chinês, simplesmente custa menos que o
investimento em máquinas, principalmente em indústrias de baixa intensidade tecnológica –
pelo menos enquanto as máquinas não têm seus custos diminuídos, o que sempre acontece
num processo maciço de automação.

https://jornalggn.com.br/artigos/fim-de-ciclo-ou-colapso-do-capitalismo-o-que-estamos-vivenciando/ 3/7
27/04/2019 Chegamos ao colapso final do capitalismo? Por Wilton Moreira - GGN

Por outro lado, a maior parte da produção industrial da China não é consumida internamente,
com capital próprio, mas com o capital fictício do ocidente desenvolvido. Trata-se de uma
produção de mercadorias reais, mas “lastreada” em capital fictício. Como no dito popular, a
China seria um santo com pés de barro e seu enorme desenvolvimento industrial estaria
lastreado nas bolhas de consumo ocidentais e não na produção real de valor. E não parece
haver indicações de que o gigante asiático esteja em vias de desenvolver um mercado interno
autossustentável, uma vez que a alta exploração do trabalho impede um consumo vigoroso.
Se em função de lutas trabalhistas, a exploração do trabalho diminuir e o salário real
aumentar, haverá sempre a opção de automatizar a produção (ainda mais com os custos dos
robôs baixando), repetindo o ciclo vicioso europeu e norte-americano de perda dos empregos
industriais para a automação.

A revolução 4.0 e a obsolescência do trabalho humano

Há um velho argumento keynesiano, mas adotado também pelos economistas neoliberais, de


que a tecnologia aplicada à indústria e o aumento da produtividade dela decorrente, embora
fechem boas vagas em alguns setores, acabam por criá-las em outros, mais à frente. E que,
ao final, os trabalhadores acabam por se beneficiar do desenvolvimento tecnológico da
economia de mercado. Esta foi uma verdade empírica durante os 30 anos dourados do
capitalismo (1945-75), quando a tecnologia, a produtividade e o emprego industriais
explodiram simultaneamente. Muitos economistas, progressistas e liberais, argumentam que
se trata de uma verdade sistêmica, válida para qualquer momento do regime capitalista.

No entanto, há sérias evidências, descobertas não raro por pesquisas de orientação liberal,
portanto insuspeitas “torcerem” contra o sistema, de que desta vez a automação se estenderá
da indústria para o setor terciário e, nesse processo, os bons empregos perdidos ou não serão
substituídos, ou abrirão espaço para vagas piores, normalmente preenchidas na condição de
subemprego.

Se estes prognósticos se confirmarem e a maior parte das pessoas se tornarem inúteis como
trabalhadoras, então estaremos, em breve, diante de um impasse sistêmico até então inédito
e que provavelmente irá agravar a tensão social em quase todos os países até a situação
extrema da ingovernabilidade. Nunca é demais lembrar que, no capitalismo, a única forma de
sustento pessoal da imensa maioria da população é a venda de seu trabalho. E mesmo que o
estado socorra as pessoas com redes de proteção social, o sujeito moderno é constituído
fundamentalmente como “sujeito trabalhador”. No capitalismo, negar às pessoas o “direito”
ao trabalho, mesmo que elas sejam mantidas com ajuda do estado, é como que negar-lhes a
realização como ser humano pleno.

Isto porque, diferente de outras culturas, a ideologia capitalista diz que, ao trabalho o sujeito
moderno deve sua liberdade e sua honradez e respeito perante a sociedade. O cumprimento
dos deveres do trabalho permite ao sujeito se manter a si e aos seus e a reclamar seus
direitos como cidadão e consumidor. Nestas condições de formação da subjetividade
capitalista, o desemprego provoca, além da miséria material do trabalhador e sua família, a
sua degradação moral e psíquica, perante a si mesmo e aos outros. Quando o desemprego e o
subemprego passam a ser estruturais e massivos, esta condição de crise subjetiva se
transforma em crise social de condições imprevisíveis.

A emergência da extrema direita de caráter fascista pode estar, em boa medida, ligada a esta
crise psíquica coletiva do sujeito trabalhador, que se sente impotente diante da máquina
capitalista que o transforma numa peça supérflua. O(neo)fascismo seria uma reação violenta
e irracional para compensar a degradação moral do “homem trabalhador” que não mais
encontra emprego ou cujo trabalho é insuficiente para seu sustento pessoal e familiar.

Se a indústria 4.0 tornar a maior parte do trabalho humano desnecessária, esta


obsolescência do trabalho, além de jogar as pessoas no precipício da miséria material, se
chocará com a psique do homem moderno, constituída fundamentalmente como “homem

https://jornalggn.com.br/artigos/fim-de-ciclo-ou-colapso-do-capitalismo-o-que-estamos-vivenciando/ 4/7
27/04/2019 Chegamos ao colapso final do capitalismo? Por Wilton Moreira - GGN

trabalhador”. Esta contradição entre uma realidade econômica que não mais necessitaria do
trabalho humano, com uma psique estruturada sobre o trabalho e que não consegue sequer
imaginar uma vida honrada sem ele, é um caminho certo para reações irracionais, como o
fundamentalismo religioso, o fascismo e o reacionarismo de extrema direita.

As fases do ciclo iniciado em 1945

Quando publicou “O colapso da modernização” em 1991, Robert Kurz afirmou que o


capitalismo começou a entrar em colapso após as crises de meados da década de 1970, que
redundaram na solução neoliberal de criação de capital fictício para sustentar “artificialmente”
um sistema já incapaz de criar valor com o trabalho abstrato e, em consequência, de se
reproduzir a partir da economia real.

Olhando em retrospectiva, com mais de uma década de distância da crise de 2008, podemos
estabelecer uma periodicização mais precisa que nos ajude a compreender o que se passa. O
período que Kurz chamava de “colapso” talvez seja melhor definido como decadência. A fase
de colapso ocorreria, de fato, somente a partir da crise de 2008.

Em primeiro lugar, parece claro que, como dizia Bresser-Pereira, estávamos, já em 1993
numa longa crise que representava o fim do ciclo capitalista que se iniciou no pós-guerra em
1945 e que tinha como grande potência, os EUA. As fases deste ciclo são melhor
compreendidas se as dividirmos em três.

A primeira fase é a dos “Trinta anos dourados” (1945-1975), período de explosão simultânea
da produtividade e do emprego, com altas taxas de crescimento do PIB, que permitiu a
implementação do Estado do Bem Estar Social no Primeiro Mundo e melhoria das condições
de vida nos países do chamado Terceiro Mundo, como o Brasil. Neste período de abundância,
as elites e os trabalhadores prosperaram, aliados sob as bênçãos da social democracia

A segunda fase é a da “Decadência neoliberal” (1975-2008), embora Robert Kurz o identifique


como fase de colapso. Segundo ele, o sistema recorreu à criação de capital fictício para suprir
a incapacidade da economia real em reproduzir o capital por meio da criação de valor na
economia real, dando início às recorrentes crises financeiras (das bolhas) que assolaram as
décadas seguintes. Para os (neo)keynesianos, a causa da crise parece ser subjetiva, advinda
de decisões errôneas dos governos ultraliberais como os de Reagan nos EUA e Thatcher na
Inglaterra, que reagiram à estagflação dos anos 80 desregulando irresponsavelmente a banca.
Ao mesmo tempo aumenta-se a exploração do trabalho para a manutenção da lucratividade e
renda e riqueza voltam a se concentrar fortemente.

Esta segunda fase não se trata ainda de colapso do sistema, mas de decadência. Esta
pressupõe:
– a continuidade das instituições, mesmo que tendam à disfuncionalidade;
– o descenso lento e ainda administrável das esferas econômica, política e social;
– a relativa previsibilidade dos eventos e uma leitura (interpretação) aceitável deles;
– uma relativa capacidade de ação, principalmente da esfera governamental.

Na decadência, o todo cai inabalavelmente, mas o descenso é lento e (relativamente)


administrável. É a época dos regimes de administração de crise. FHC, Clinton, Lula, Obama e
os líderes europeus das décadas de 1990 e 2000 são estadistas da decadência, grandes
administradores de crise, ora com receitas mais liberais, ora mais progressistas. Berlusconi é
um ponto fora da curva nas democracias ocidentais desta época, mas agora sabemos que seu
governo burlesco e fascistoide (e sua Itália em crise eterna) já era o prenúncio da extrema
direita que cresceria e tomaria o poder em vários democracias na era colapso, que começa, de
fato, com a crise de 2008.

A terceira fase do cilclo que se inicia em 1945 é a do “Colapso” propriamente dito (2008 até
os dias atuais), que se caracteriza pela disfuncionalidade das instituições, quedas bruscas de

https://jornalggn.com.br/artigos/fim-de-ciclo-ou-colapso-do-capitalismo-o-que-estamos-vivenciando/ 5/7
27/04/2019 Chegamos ao colapso final do capitalismo? Por Wilton Moreira - GGN

partes do sistema, surgimento de fenômenos imprevisíveis e desorientação geral de todos os


saberes (senso comum, opinião especializada, inteligência estatal e conhecimento
acadêmico), que se veem de incapazes interpretar os eventos caóticos do colapso, bem como
de propor ações efetivas para enfrentá-los. No colapso, as instituições são desacreditadas e o
estado de direito se enfraquece, abrindo espaço para fenômenos reacionários, como a
ascensão da extrema direita, a implementação do estado de exceção e da política do porrete
contra minorias e ativistas sociais.

As elites, principalmente nos países subdesenvolvidos, deixam de ter qualquer projeto de


longo prazo, mesmo que subordinados a interesses imperialistas, e passam a pensar em
curtíssimo prazo. Como observa o economista argentino Jorge Beinstein, as elites
subdesenvolvidas passam então a se comportar como máfias sedentas, promovendo uma
política de rapina dos recursos nacionais, sem nenhuma preocupação com as consequências
desta espoliação para o país.

Se na decadência as instituições democráticas e a negociação ainda mediam, mesmo com


dificuldades crescentes, as tensões sociais, no colapso é a violência, discursiva e física, que se
torna o meio de resolução dos conflitos. Seja a violência praticada pelo estado, por
organizações para-estatais (como milícias, máfias e grupos terroristas) ou por criminosos
comuns, ela ocupa cada vez mais o lugar da negociação política.

Fim de ciclo ou colapso final do capitalismo?

Não resta dúvida que o mundo capitalista entrou numa fase de colapso a partir de 2008. O
estado de exceção e o neofascismo de extrema direita ronda as democracias antes
consideradas sólidas, como EUA, França e Inglaterra. No Brasil, ele já se instalou
“oficialmente” a partir do impedimento de Dilma e a prisão política de Lula.

A economia mundial não se recuperou da crise de 2008. A imensa quantidade de dinheiro


injetada no sistema financeiro apenas impediu a implosão do sistema, ao permitir a
continuidade (com menos intensidade) da farra consumista do mundo desenvolvido. Uma
farra custeada com capital fictício, de onde se deduz que o problema das bolhas financeiras
apenas aumentou de tamanho. Empresas, governos e famílias encontram-se
superendividadas e nada indica que os passivos serão pagos ou ao menos vão para de
crescer.

Sem dúvida, este colapso é a fase final do ciclo de desenvolvimento que se inicia no pós-
guerra. Se for apenas o colapso de uma ciclo capitalista, os (neo)keynesianos estarão certos e
provavelmente vamos assistir mais uma grande crise mundial. Depois dela, começaria um
novo ciclo capitalista, provavelmente euroasiático, cuja potência principal seria a China,
secundada pelo seu entorno geográfico, pela Rússia e talvez Índia, Irã e Truquia. Neste
cenário, como ficaria a financeirização da economia? Acabaria ou seria impossível um retorno
à economia real, que continuaria com dificuldades em produzir valor?

Mas se as previsões sobre o desemprego estrutural causado pela automação estiverem


corretas, é bem provável que o capitalismo não resista. Como administrar as tensões sociais
quando a grande maioria da população se tornar supérflua para o sistema e for abandonada à
sua sorte, se tornando desamparada material e psiquicamente? Sem falar que para produzir
uma quantidade minimamente significativa de mais valor (lucro) o sistema necessitaria
produzir volumes cada vez maiores de mercadorias. A quem vendê-las? À população
subempregada, financiada com bolhas de crédito? Mas não é exatamente o paliativo das
bolhas financeiras de capital fictício que está se tornando inviável a partir de 2008? E como o
sistema ecológico, que já dá sinais de exaustão, suportaria uma explosão da produção de
mercadorias sem se degradar ainda mais, tornando inviável até mesmo a vida humana no
planeta?

https://jornalggn.com.br/artigos/fim-de-ciclo-ou-colapso-do-capitalismo-o-que-estamos-vivenciando/ 6/7
27/04/2019 Chegamos ao colapso final do capitalismo? Por Wilton Moreira - GGN

No caso de Robert Kurz estar certo, o colapso do ciclo de 1945 seria também o colapso final
do capitalismo, derrotado não pela revolução da classe trabalhadora, mas por suas próprias
contradições. O capitalismo sucumbiria a seu limite interno, paradoxalmente vítima de seu
sucesso produtivo, que leva à substituição massiva de trabalho humano por máquinas,
provocando uma desvalorização global de valor (diminuição do lucro) e tornando a maior
parte das pessoas supérfluas para o sistema. Ou sucumbiria a seu limite externo, a natureza,
cujo equilíbrio ecológico se romperia com a agressão provocada pela produção descontrolada
de mercadorias, necessária para a manutenção da lucratividade. Ou talvez sucumba, ao
mesmo tempo, a ambos os limites, internos e externo.

Recomendamos

https://jornalggn.com.br/artigos/fim-de-ciclo-ou-colapso-do-capitalismo-o-que-estamos-vivenciando/ 7/7

Você também pode gostar