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Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF

Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF


V Turma de Especialização em Estudos Latino-Americanos

Disciplina: Desenvolvimento do capitalismo na agricultura


Professor: João Pedro Stédile

O desenvolvimento do capitalismo no campo cearense.

Paulo Henrique de Oliveira Lima

Guararema, 26 de janeiro de 2017


O desenvolvimento do capitalismo no campo cearense.

1. O período colonial
O processo de ocupação e colonização da capitania do Ceará ocorreu de forma tardia.
Enquanto o processo de conquista do território litorâneo que se estende da Paraíba até a Bahia, com
objetivo de produção da cana-de-açúcar para exportação inicia em meados do século XVI, a
colonização do território cearense, vinculada à produção pecuária se dará somente no final do
século XVII.
Com o avanço da produção açucareira na Zona da Mata, a pecuária como uma atividade
complementar e subordinada ao açúcar foi sendo expulsa do litoral, passando a ocupar e colonizar o
sertão nordestino através das principais bacias hidrográficas da região. Segundo Antonil, a expansão
da pecuária está relacionada a três fatores fundamentais: a necessidade dos engenhos de grande
quantidade de animais de tração; o fornecimento de carne para o consumo interno; e a exportação
do couro. Esta função exportadora da pecuária no período colonial teve uma importância
significativa comparável à exportação de fumo e algodão.
No litoral açucareiro predominou a grande plantagem escravista, baseada numa alta
especialização na produção de gêneros, beneficiamento do produto, unidades produtivas com uma
complexa divisão social do trabalho, sob um comando unificado. Já a unidade produtora de gado
recebeu o nome de fazenda, se constituindo como estabelecimentos especializados de produção e
contando com um vastíssimo território natural.
No Ceará, a produção pecuária durante o período colonial ocupou as margens dos principais
rios do estado: o Jaguaribe e o Acaraú. Capistrano de Abreu, importante historiador do período
colonial ressalta a importância da pecuária para a economia cearense, afirmando tratar-se de uma
verdadeira “civilização do couro”:

“de couro era a porta das cabanas; rude leito aplicado ao chão, e mais tarde a cama para os
partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou o alforje para
levar comida, a mala para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-
lo em viagem , as bainhas de facas, as brocas e os surrões, a roupa de montar no mato, os
banguês para curtumes ou para apanhar sal; para os açudes o material de aterro era levado
em couro por juntas de bois, que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco
para o nariz”.
O gado cearense abastecia principalmente as vilas de Olinda e Recife. Devido à distância, o
gado chegava em piores condições e com custos mais elevados do que o paraibano e o potiguar. A
partir de meados do século XVIII, os cearenses passam a comercializar o gado já abatido,
transformado em carne seca, salgados no Aracati na foz do rio Jaguaribe. A carne seca era
beneficiada em oficinas, conhecidas como charqueadas.
A pecuária ainda articulou-se à pequena produção açucareira em pequenas zonas úmidas do
interior do estado, em especial nas serras de Ibiapina, da Meruoca, de Baturité e no Cariri cearense.
“Engenhos pequenos, com uma moenda de madeira, movidos quase sempre a tração animal”.
Existiam mais de quinhentas engenhocas neste período que produziam rapadura e aguardente para o
consumo interno. Segundo Manuel Correia de Andrade, estas engenhocas constituíam “uma
miniatura, distanciada no tempo e no espaço, da civilização canavieira da Zona da Mata”.
No que se refere às relações sociais de produção, o trabalho escravo articulou-se com o
trabalho livre de mestiços e indígenas. Estima-se que cada fazenda criadora de gado, em média
utilizavam a mão de obra de 10 a 12 escravos africanos. Esta compreensão contraria uma visão
eurocêntrica de que a produção pecuária é contraditória com o escravismo, o que por sua vez, faria
com que as relações sociais de produção no sertão nordestino fossem classificadas como feudais ou
semifeudais.
Segundo Capistrano de Abreu, a utilização de mão de obra escrava na pecuária também
evidencia o seu dinamismo, “não como fator econômico, mas como elemento de magnificência e
fausto”.
À medida que o gado avançava, intensificava-se o conflito pela terra entre conquistadores e
povos indígenas. Estes já haviam sido expulsos do litoral açucareiro pela ação colonizadora e
buscaram refugiar-se nos sertões nordestinos. A resistência indígena perdura por mais de dez anos,
no processo conhecido como a Guerra dos Bárbaros. Articula-se ao processo de colonização
cearense os jesuítas, como importante elemento de doutrinamento dos indígenas, constituindo
grandes aldeamentos, com o objetivo de fixar os povos originários em determinados territórios,
buscando diminuir o conflito com a produção pecuária.

2. O período monárquico.

Durante o século XIX, em especial a partir de 1840, acrescenta-se à pecuária e à pequena


produção açucareira, o cultivo do café e do algodão. As regiões de mancha úmida como as serras de
Ibiapina, da Meruoca, de Baturité e o Cariri passaram a produzir grandes quantidades de café,
abastecendo o mercado da região. Em 1871, esta produção recebe um forte estímulo com a
construção da Estrada de Ferro Baturité, que interligava Fortaleza ao Cariri, perpassando Baturité,
escoando a produção cafeeira em todo estado. Segundo, Raimundo Girão, a produção cafeeira
durante ao século XIX estimulou o desenvolvimento de uma “pequena nobreza dos cafezais”.
No mesmo período, estimulado principalmente pela Guerra Secessão norte-americana ocorre
um surto algodoeiro no Ceará. Este produto abasteceu parte importante do mercado europeu,
provocando uma certa internacionalização da economia cearense no período. O algodão
inicialmente comercializado cru, e mais vulnerável a flutuações de preço no mercado mundial,
passa a ser beneficiado, com a introdução de ferramentas e maquinarias. Esta produção estimulará a
nascente indústria têxtil do estado, com a famosa Fábrica de tecidos Progresso.
Esta atividade agrícola contraditoriamente por ter um ciclo vegetativo bastante curto, não
necessitou da utilização intensiva de mão de obra escrava. A população escravizada no Ceará, em
especial a partir da Lei Eusébio de Queirós que proibia o tráfico transatlântico, somada às
intempéries climáticas, passa paulatinamente a ser comercializada para os cafezais da região
Sudeste. Na década de 70, do século XIX, havia no Ceará apenas 31.915 escravos, constituindo
aproximadamente 5% da população do estado no período.
Apesar do número reduzido, a luta abolicionista no estado do Ceará obteve uma grande
importância política, com episódios como a Greve dos Jangadeiros, liderada por Francisco do
Nascimento, o Dragão do Mar, que se rebelou contra o tráfico de escravos no estado, afirmando que
nos portos cearenses não desembarcam mais escravos.

3. Período Republicano.

Após a Abolição da Escravidão e a proclamação da República, ocorre no Ceará a associação


da pecuária, do café e do algodão no âmbito do latifúndio, combinando o trabalho assalariado com
formas camponesas de parceria, com o pagamento de renda produto e renda trabalho, tais como o
pequeno arrendamento, a meação, a quarteação dos bezerros e o cambão. Nas regiões de caatinga
do estado, o trabalhador sertanejo sem-terra combinava a produção de gêneros alimentícios como o
feijão, o milho, a mandioca com a produção do algodão.
Acrescenta-se neste período a produção de oiticica e carnaúba, destinada a produção de
óleos vegetais e velas para iluminação urbana. Outro produto que ganha destaque é a castanha de
caju, que passa a ser bastante valorizada no mercado internacional. Também neste período, em 1891
é criada a primeira indústria de couros, a Companhia Cearense de Curtumes.
Neste primeiro momento, o desenvolvimento do capitalismo na agricultura cearense ainda é
bastante embrionário, marcado pela predominância da grande propriedade de terra, dependente dos
ciclos econômicos e da importação de bens de capital. A nascente industrialização cearense é
praticamente um prolongamento das atividades agrícolas, com a produção econômica e o poder
político concentrado em oligarquias familiares.
Este processo receberá um salto de qualidade na segunda metade do século XX, durante os
governos desenvolvimentistas, em especial com a criação do Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), do Banco do Nordeste (BNB), da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF)
e da Universidade Federal do Ceará (UFC). Neste período, ocorreu uma forte política de
modernização das atividades agrícolas, com a criação de diversas fábricas de beneficiamento de
óleos vegetais e da castanha de caju.
O Ceará dentre os estados da região Nordeste recebeu um importante montante de
investimentos, o que teve impacto direto no seu crescimento industrial e urbano:

[...] das 910 indústrias incentivadas através do mecanismo 34/18-FINOR, 63,6% se


localizavam nos estados da Bahia (19,5%), de Pernambuco (24,3%) e do Ceará (19,8%).
Ademais, daquele total de indústrias incentivadas, 46,9% se localizavam nas regiões
metropolitanas daqueles respectivos Estados. Sendo 17,4% na Região Metropolitana de
Recife, 15,9% na de Fortaleza e 13,6% na de Salvador.

Este processo continuará durante a Ditadura Militar, com a modernização das atividades já
existentes e a manutenção do latifúndio, o que gerou um forte êxodo rural da população camponesa
aos grandes centros urbanos. O projeto de modernização conservadora da Ditadura consistia em
desenvolver a infraestrutura necessária à acumulação capitalista, com a manutenção da antiga
estrutura agrária.
Com a redemocratização da sociedade brasileira, um novo grupo de empresários, liderados
por Tasso Jeiressati, estimula o desenvolvimento de relações de produção capitalistas no campo
com a política de investimentos através da inserção de grandes empresas multinacionais no campo.
Esta política de investimentos era baseada na construção de infraestrutura necessária à grande
produção agrícola, construção de grandes açudes para o desenvolvimento de agricultura irrigada;
de estradas para o transporte da produção agrícola; de portos para interligar esta produção ao
mercado internacional; e uma forte política de isenção de impostos. Deste modo, que se constitui o
agronegócio no estado do Ceará, em especial na região do Vale do Jaguaribe e na Chapada do
Apodi, com a criação de perímetros irrigados, centrada na fruticultura destinada ao mercado
internacional e com a forte utilização de agrotóxicos.

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