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Jean Lauand2
Enio Starosky3
Resumo: O artigo – continuação de sua parte I (in International Studies on Law & Education 33,
http://www.hottopos.com/isle33/143-154JeanChie.pdf) – apresenta exemplos concretos de alguns dos
tipos psicológicos de David Keirsey a fim de ajudar na compreensão de como eles se dão na realidade.
Palavras Chave: David Keirsey. tipos psicológicos. tipos de temperamento.
Abstract: This article – its part I is in International Studies on Law & Education 33, www.hottopos.
com/isle33/143-154JeanChie.pdf –intends to show concrete examples of some psychological types of
David Keirsey in order to help understanding how they are in reality.
Keywords: David Keirsey. psychological types. temperament types.
1. O realismo SP x o realismo SJ
O fator S (de sensible) em Keirsey é um dos componentes essenciais de dois
tipos de temperamento: SP e SJ (em oposição aos dois outros tipos, N: NF e NT). S é a
visão da realidade atendo-se aos fatos, de pés no chão, sem apegar-se a devaneios e
fantasias.
Mas os temperamentos não são formados por “átomos” e sim por “moléculas”,
no caso: SJ e SP, que terão algumas características em comum; outras, em forte
oposição.
Recordemos, brevemente, que J é o átomo da preferência por situações de
decisões tomadas, fechadas e resolvidas; das coisas organizadas em relação a tempo e
prazos, rotinas de funcionamento, a ordem material etc. P é o átomo da preferência por
situações abertas, não decididas, deixando amplo espaço para a improvisação,
criatividade (boa ou má...), etc.
Ao indicar as características comuns ao tipo de temperamento SP (que como
todos os temperamentos admite 4 modalidades de sub-tipos), o site oficial de David
Keirsey (abreviaremos por DK) indica:
São Paulo.
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Já os SJ:
4.Já um típico NF, voltado para as possiblidades (N), pode afirmar, como tipicamente o fez certa vez – a
propósito da situação da Hispanoamérica – o grande pensador espanhol Julián Marías: “otimista em
relação às possibilidades; pessimista, em relação à realidade” (1986, p. 62).
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A caricatura extrema do SP era o Chacrinha: no palco do velho guerreiro tudo
era dionisíaco e improvisação; até para o tempo – sagrado na televisão – cantava o
jingle: “...um programa que acaba quando termina”; alegria desenfreada etc. Uma
imagem exponenciada do Brasil SP. Mais do que ausência de regras, nosso Mega
Palhaço, nosso Chaplin investia contra os formalismos, as hierarquias e as regras,
escalando para sua carnavalesca bancada de jurados o contraponto de algum tipo
serião, sisudo, mal humorado e rígido, como o Dooooooooooutorrr Clécio Ribeiro
(mais realista para o papel do que o folclórico Pedro de Lara) ou como quando, em seu
gesto mais característico, levava a mão ao nariz e dizia: rrrrrrealllllmente...,
esculhambação para com as afetações dos locutores de rádio da época, empenhados
em pronunciar “corretamente” os R e os L...
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planejamento ou responsável preparação e ensaio. Não. Eles pintam,
cantam, fazem piruetas, dançam, correm, patinam ou seja lá o que for,
simplesmente porque they must. A montanha é escalada porque ela está
aí! (Keirsey 1984, p. 204)
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do palácio de Buckinkgam. Mas, claro, esse seu trabalho importantíssimo permanece
invisível.
Dezembro de 2011, meu irmão [de JL], João Sérgio, tinha acabado de
defender seu doutorado sobre DK na Feusp e calhou de, na véspera de Natal, estarmos
ambos sós em São Paulo e resolvemos passar a Ceia do dia 24 no restaurante do
Fernão. Naturalmente, falamos de seu doutorado, ainda fresco, e de como o Fernão era
um ISTJ chapado. Conversa vai, conversa vem, propus ao João uma aposta: se eu
conseguisse fazer o Fernão chorar, ele pagaria a conta. Claro que nunca usei meus
(parcos) conhecimentos de DK para manipular ninguém: tratava-se de comover às
lágrimas o Fernão, por gratidão sinceríssima e verdadeira.
Como abalar o todo certinho e (aparentemente) blindado a sentimentos ISTJ?
Lembrei dos ensinamentos de DK: que os SJ, e mais ainda os ISTJ, se ressentem de
que seu trabalho, importantíssimo, raramente é reconhecido, dá-se por assente que o
SJ, com sua vocação de cuidar, tem mais é que prestar seus serviços mesmo. E que o
ISTJ, como todos os SJ, preza datas, comemorações, tradições, reuniões de família
(especialmente o Natal!) etc.
Lá pelas tantas chamei o Fernão e disse: “Não, não está faltando nada, está
tudo ótimo. Eu só queria dizer que estamos todos nós aqui, famílias inteiras, passando
um Natal maravilhoso e ninguém repara que isto só é possível porque, você, Fernão,
para prestar-nos esse precioso serviço, renunciou ao seu próprio Natal, ao convívio
com a família da qual você é o patriarca, à companhia de filhos e netos, numa data
como a de hoje e eu não queria que esta noite acabasse sem que você ouvisse o nosso:
muito, muito obrigado, Fernão!”.
O Fernão ouviu, não respondeu nada e retirou-se. O João já estava
comemorando e ia pedir champanhe por minha conta (já que ele achava que tinha
ganhado a aposta), quando volta o Fernão, acompanhado do dono do restaurante e de 3
ou 4 colegas gerentes, choroso de emoção e dizendo-me: “Por favor, repita... repita
para eles o que o senhor me disse agora há pouco”. Eu, claro, repeti, também muito
emocionado pelo bem que tinha feito ao amigo, e ao final, recompus-me e disse: “Ah,
sim, Fernão, por favor, vê uma garrafa de champanhe para nós!”
Se os ISTJ tendem a nunca aparecer (por mais que seu trabalho seja
importante), os ESTP agitam e brilham (em alguns casos até com o esforço de
outros...). DK reiteradamente fala do pouco reconhecimento que se presta aos SJ (seu
serviço é taken for granted) e da mágoa que isso pode lhes causar. Isso é reproduzido
em uma postagem do Facebook do ISTJ Geraldo Alckmin:
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Escrevemos este artigo em pleno processo eleitoral. O jornalista Otávio
Guedes, no programa “Globo News em Ponto” de 30-08-18, logo após as entrevistas
dos candidatos à presidência da República ESTP, Ciro Gomes (27-08) e Bolsonaro
(28-08), e do ISTJ Alckmin (29-08); a propósito do estilo insosso deste, o famoso
“picolé de chuchu” (José Simão), em comparação com o dos citados ESTP, ponderou:
Não basta você ter uma boa proposta; é preciso que o eleitor entenda a
boa proposta (...). Por exemplo você pode dizer: “Eu vou aquecer a
economia, atacando o problema da inadimplência das famílias”; outra
coisa é dizer: “Vou tirar seu nome do SPC” – mensagem clara, curta,
objetiva, que está falando a mesma coisa. Você pode dizer o seguinte:
“Vou dar garantias jurídicas aos agentes em caso de ações que resultem
em letalidade por parte do policial”. Ou você pode dizer: “Eu vou
prestigiar o policial que der trinta tiros no bandido.” [...]
(https://globosatplay.globo.com/globonews/v/6983962/)
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Glória é um conceito que os ISTP entendem melhor do que os outros
tipos. Ou, pelo menos, o ISTP está mais interessado nela do que a
maioria. Na batalha há glória porque na batalha podem exercitar, com
aprovação, sua habilidade mortífera.
Nas estrofes seguintes (94 a 104), o Velho despeja longamente suas críticas e
maldições aos aventureiros do mar:
Etc. Etc.
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4. SJ e SP na religião
Como sabemos, a teoria keirseyana dos temperamentos também tem
extraordinária e surpreendente aplicação no campo religioso. Textos religiosos em
geral, particularmente os que se referem à liderança religiosa, podem ser analisados
com maior profundidade quando lidos à luz dessa teoria tipológica. Um dos mais
impressionantes nos vem do antigo Decálogo (Dt 6.5)6, que é registrado pelo médico
Lucas, autor de um dos evangelhos da Bíblia: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o
teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com toda a tua mente”
(Lucas 10.27).
Podemos muito bem estabelecer um paralelo com os quatro temperamentos da
teoria keirseyana: “Com todo o teu coração” – remete ao tipo SP; “com toda a tua
alma”, ao NF; “com todas as tuas forças”, ao SJ; e “com toda a tua mente”, ao NT.
Neste tópico exploraremos apenas os tipos SP e SJ, apontando as correlações
desses temperamentos keirseyanos com a liderança religiosa. Os principais dados
reunidos neste estudo estão fundamentados no livro “Personality Type and Religious
Leader”, de Roy Oswald e Otto Kroeger.
O líder religioso SP é orientado para a ação. Sua atividade é realizada de
maneira intensa, “com todo o coração”. Tem necessidade compulsiva de agir e fazer
coisas e é naturalmente atraído a se engajar em alguma atividade. Assim como o líder
SJ, está enraizado nos sentidos e deseja estar com contato direto com a realidade
exatamente como experimentada pelos sentidos; é pé no chão e prático e tem pouca
tolerância para a abstração. O fator P leva a procurar novas possibilidades e, no caso
do SP, permanente ação. Por isso mesmo o líder SP é impaciente com discussões
estáticas, longas teorias ou encontros que não “levam a lugar algum”. O SP é um dos
temperamentos mais extraordinários (lembremos especialmente S. Francisco de Assis,
entre outros). Os SPs sempre buscam inserir bom humor e algo prático nas situações
estáticas. Porém, quando falham nisso, perdem rapidamente o interesse e passam a
outro projeto.
De acordo com os estudos de Roy e Otto, menos de 8% dos líderes religiosos
são SP, enquanto na população em geral são 38%. Isso mostra que as atividades
religiosas, de modo geral, atraem poucos SPs. De fato, se compararmos o número
expressivo de outros profissionais de temperamento SP – atletas, artistas, comediantes,
mecânicos, vendedores, soldados ou médicos – constataremos que esse tipo seja pouco
atraído para atividades religiosas por achá-lo muito estático e teórico (dependendo, é
claro, do grupo religioso ser mais “animado” ou não...). É importante considerar esse
aspecto, sobretudo porque, enquanto os SJs querem organizá-las, os NFs tentam amá-
las e os NTs teorizam sobre elas, os SPs querem se engajar nelas – de todas as formas
sempre em atividades e assuntos práticos. Mas, é muito provável que este também seja
o motivo porque tão poucos SPs estão presentes nas lideranças religiosas. SPs são
encarados como hedonistas e hedonistas têm pouco espaço nas religiões de modo geral
– especialmente nas mais tradicionais que prezam a ordem e a organização.
O aspecto paradoxal é que a enorme variedade das atividades práticas nas
religiões estariam melhor supridas e mais bem executadas se tivesse um SP em postos
de liderança. Isso é ainda mais significativo quando consideramos que particulamente
o atendimento das necessidades práticas é muito valorizado nos grupos religiosos.
Portanto, mais SPs na liderança poderia suprir uma importante lacuna nas atividades
6
O texto veterotestamentário não inclui “com toda mente” (o tipo NT). Parece ter sido um
acréscimo de Jesus (que – para os cristãos – reunia perfeitamente o equilíbrio dos quatro
temperamentos). E, Lucas, que provavelmente conhecia a mais antiga teoria tipológica que se
tem conhecimento, Hipócrates – seu colega de profissão –, fez o registro sem hesitar.
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religiosas que deveriam estar mais disponíveis para o expressivo número de SPs na
população em geral (38%).
Ainda que sejam em número muito reduzido, os SPs se destacam onde
estiverem. Seu jeito espontâneo, atrevido e impulsivo se aplica também ao seu estilo
de pregar. Os pregadores SP, especialmente os extrovertidos, levam as pessoas às
lágrimas com suas palavras comoventes e bem-humoradas. Muitas situações na vida
do grupo religioso exigiriam a presença de um líder SP, pois muitas ocasiões estão
voltadas mais para a ação e menos para a organização.
Outra característica cativante e deliciosa de alguns SPs é que eles são
perpetuamente jovens – nunca crescem. Como seu foco é liberdade e espontaneidade,
esperar (wait) por qualquer coisa é sua morte psicológica. O Evangelho SP é o de São
Marcos.7 Jesus é retratado como um homem (Leão de Judá) de ação, sempre em
movimento; ele é visto como aquele que tem uma missão urgente. No primeiro
capítulo do Evangelho, Jesus já reuniu alguns discípulos em volta dele; fez milagres
na Galileia e se envolveu em um problema político. No evangelho todo, Jesus trata
uma crise depois da outra até ser crucificado.
Talvez as religiões seriam muito mais interessantes sem a grande escassez de
líderes SPs e, a vida religiosa, mais interessante e animadada. Especialmente porque
SPs preservam fortemente a sua maior grandeza: um coração inteligente e uma
inteligência cordial (no caso F)!
Disfunções:
Os outros três temperamentos (SJ, NF e NT), mas especialmente os SJs – que
são a grande maioria nas comunidades religiosas em geral – tendem a ver os SPs como
vagabundos. (O exemplo clássico é São Francisco, cuja história e tipo já foram
analisados em outro artigo de nosso Grupo de Pesquisas). E os próprios SPs
frequentemente se consideram loucos de alguma forma. A habilidade SP para
permanecer aberto, flexível e espontâneo também pode deixá-lo com problemas
quando sua comunidade religiosa clamar por maior conformidade com as regras e
principios regimentais. Por um lado os liderados querem exatamente um SP autêntico;
querem familiaridade, boas e empolgantes pregações, mas, por outro, também querem
estabilidade, organização e seriedade. Aí o líder SP pode ter dificuldade. E, por não
gostar de rotina, pode se entediar e negligenciar os aspectos mais rotineiros do
trabalho de administração. Como a maioria dos SPs não gosta de planejamentos,
tendem a enfrentar tensão com a comunidade religiosa que gosta de viver na ordem e
na estrutura bem ordenada.
O líder religioso SJ
Sua atividade é conservadora e é realizada “com todas as forças”. É um
servo, procura pertencer ao grupo e servir aos outros. É um tipo que sabe se instalar
perfeitamente nas comunidades religiosas. É um líder que já vem “pronto”. Oferece
naturalmente maneiras concretas, práticas de assistir aqueles que estão em dor,
necessidade ou angústia. Já na sua formação os SJs se preparam docilmente e suas
perspectivas são ampliadas e aprofundadas e com natural facilidade também se tornam
a norma pela qual seu trabalho será julgado. SJs são os mais dependentes de
autoridade de todos os tipos. Eles podem ser criticados, já que possuem grande força
resiliente, e seguem em frente porque entendem que é isso mesmo que a instituição
7
Não por acaso São Jerônimo ligou o Evangelho de Marcos à figura de um leão, representando
a ação e a força.
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requer deles. Submetem-se às regras e aprendem com elas e as repetem com maestria.
Seu estilo de liderança está focado na denominação e a ela mantém fidelidade e nela
constroi o melhor que vem do passado. Enfatizará os fundamentos da religião, ,
procurará transmitir a tradição às pessoas, a fé simples e as regras práticas, pé-no-
chão, apontando para o modo de viver a vida religiosa.
O líder SJ tende a ser o mais tradicional de todos os temperamentos religiosos,
trazendo estabilidade e continuidade em qualquer situação. Tenderá a ser leal aos ritos
denominacionais e às doutrinas. Preocupar-se-á com uma rigorosa instrução dos fiéis.
O líder SJ deseja ser um servo da sua religião e leal às autoridades. Só deixa de lado
sua rígida fidelidade quando acredita que aqueles que têm autoridade “abandonaram a
fé”. O líder SJ pode fazer mudanças, mas, de preferência, paulatinamente e só se
reconhecer a mudança como necessária. O líder NT pode enxergar as mudanças
necessárias, mas o líder SJ é o mais apto para implementá-las. É politicamente sagaz e
enraizado na realidade; sempre está ciente dos passos necessários para a mudança e
jamais permitirá uma mudança se a achar desnecessária. Para ele, o que é testado e
validado pelo passado deve ser preservado. Adora a continuidade do passado e se vê
como protetor e conservador da riqueza do passado. Se a mudança for necessária, ela é
entendida como uma evolução, nunca como uma revolução. Como seu espírito é
conservador e naturalmente servidor, anseia por associação e pertencimento; ele se
destaca na construção e preservação de uma comunidade religiosa. Deseja que o grupo
ao qual pertence e lidera seja saudável e útil. E que aqueles que pertencem à sua
comunidade religiosa sejam tão leais quanto ele e trabalhará para que todos adotem
esse mesmo senso de lealdade e pertencimento.
Uma das frases preferidas do líder SJ é "vocês devem e vocês não devem",
procurando implantar o senso de obrigação social, moral e espiritual. Gosta de se
sentir necessitado e trabalha melhor com pessoas que têm motivação similar. Procura
maneiras tangíveis, concretas para se doar aos outros. Ser "salvo pela graça"é quase
negar ao SJ seu temperamento, pois dever e obrigação são parte de sua personalidade.
A admoestação de Jesus ao jovem rico: "faça isso e você terá vida eterna"é o caminho
espiritual natural do líder SJ. Como líder, o SJ traz ordem e estabilidade às suas
comunidades. Raramente comete erros e tende a ser excepcional no trabalho. Não
descansa até que as coisas sejam estabelecidas e decididas. É superconfiável e
geralmente trabalhará com uma agenda planejada, ordenada.
Como bem sabemos, o temperamento SJ é a coluna vertebral que sustenta a
maioria das instituições da sociedade – a família, a comunidade religiosa, os clubes
sociais, as escolas, governos, indústria. O líder religioso SJ verá a família nuclear
como a unidade familiar mais básica da sociedade que precisa ser preservada. Para ele,
uma sólida família é a melhor maneira de cuidar das crianças e pessoas mais velhas.
As pregações do líder SJ são discursos bem organizados e centrados nos textos da
tradição religiosa. Sempre será pé-no-chão, realista e direto, refletindo as lições
apontadas para o dia. E o fará que tal modo que os que estão nos bancos facilmente se
lembrarão do seu trabalho e obrigação.
O Evangelho do líder SJ é São Mateus, o mais organizado dos quatro
Evangelhos. O Sermão da Montanha contém vários “deves” do tipo SJ. Jesus é
apresentado como o cumprimento das profecias do Antigo Testamento e não como
alguém que apresenta uma nova religião. Mateus se refere a Jesus como “Mestre”
doze vezes e registra cinco longos sermões. O Antigo Testamento é citado mais do
que nos outros três Evangelhos. Mateus se deleita em mostrar como Jesus recapitula a
experiência de Israel em sua própria vida. É apresentado como o novo Moisés, o novo
Davi, o novo Salomão, o profeta por Excelência, o novo Israel. Curiosamente também
somente o Jesus de Mateus fala de ekklesia. E é o único Evangelista interessado na
fundação da Igreja de Cristo. Os doze apóstolos são reverenciados como líderes
hierárquicos da igreja, sendo Pedro o principal líder. São aspectos que refletem o
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estilo da liderança SJ: ser o guardião da genialidade criativa do passado. Os outros
temperamentos podem censurar os SJs pelo seu tradicionalismo e sua inflexibilidade.
Porém, sem os seus esforços, sem o seu amor “com todas as suas forças” qualquer
instituição religiosa difícilmente sobreviveria.
Disfunções:
As potenciais dificuldades do temperamento SJ não são poucas. E, a bem da
verdade, o líder religioso SJ não se desenvolve sem ao menos um pequeno
desenvolvimento do fator N. A preferência para o tipo J implica menos tolerância para
a natureza aberta e não-estruturada do tipo P.
Áreas em que pode necessitar atenção:
Literalismo: o líder SJ tende a ler literalmente tudo o que está escrito. Isso em
geral resulta em uma abordagem mais conservadora da Escritura e da Doutrina. Torna-
se nervoso quando as mensagens são interpretadas figurativa ou simbolicamente –
acha que as fronteiras desaparecem e ninguém mais sabe esboçar novas diretrizes e em
que base. Por isso mesmo acha que deve tomar as coisas escritas simplesmente como
estão escritas.
Pessimismo: Um tipo de cinismo/pessimismo pode acompanhar o
temperamento do SJ. Como David Keirsey pontua no seu livro, os realistas SJ em
geral tendem a antecipar reveses e eventos desfavoráveis. Eles são simplesmente
realistas sobre erros e faltas. A lei de Murphy também é completamente SJ: "Se algo
pode dar errado, dará”.
Esgotamento: O fenômeno do esgotamento se aplica a todos os tipos; cada
tipo se torna esgotado a sua maneira. Porém, o líder SJ parece ser particularmente
vulnerável, pois adiciona mais e mais fardos para a sua já longa lista de “tu deves”. E
este mesmo senso de dever pode ser constantemente martelado com suas regras,
políticas e moralismos aos seus liderados. A habilidade do SJ em organizar e ordenar a
vida paroquial é uma força que, quando usada desmedidamente, pode direcionar
muitos ao completo aborrecimento da vida religiosa. O líder SJ precisa observar essa
tendência. Se não a corrigir, pode tornar-se mesquinho e levar as pessoas a fazer o que
supostamente devem fazer de maneira artificial. O líder SJ poderá se irritar quando
seus liderados não seguirem os seus procedimentos padrão, por violarem os prazos ou
por não cumprirem o que foi estabelecido. Como tende ao pessimismo, o líder SJ pode
arrastar seus liderados para o mesmo caminho.
Para esta série de artigos que nosso Grupo de Pesquisas está publicando, uma
distinção importante a se ter sempre em conta quando aplicamos a metodologia dos tipos é que
os tipos não são conceitos.
O tipo é, assumidamente, aproximativo, incerto e não pretende ser a realidade. Para
utilizá-lo, sempre devem ser reiteradas as devidas ressalvas metodológicas, que afirmam:
- seu caráter caricato (no sentido de “carregado”);
- a possibilidade de mistura de fatores opostos dentro de um mesmo sujeito (que pode
ser, por exemplo, em alguma medida S e N ao mesmo tempo e não necessariamente um tipo
puro S ou N);
- a neutralidade ética e valorativa dos diversos tipos (um tipo não é “melhor” do que o
outro).
133
E sobretudo não confundir tipos e conceitos. E ter em conta que o tipo psicológico é
só um fator para a compreensão do indivíduo; ao lado de tantos outros fatores: gênero, classe
social, família (p. ex. pai tirano ou ausente), geração, classe social, substrato cultural etc. etc.
etc.
A própria linguagem comum já nos ensina algo sobre os tipos e previne contra sua
absolutização: em espanhol, “tipo (ou tío)” é qualquer pessoa, equivalente ao nosso “cara”;
afinal, ninguém é tão original que não se encaixe em algum tipo… Já a relativamente recente
gíria “tipo” (ou “tipo assim”) indica imprecisão, inexatidão: “500 francos suíços, sei lá, acho
que é tipo 300 ou 400 dólares”. “Tipo” serve também como eufemismo para o inautêntico ou
Ersatz: um salame “tipo” italiano é não italiano, mas de Pirituba mesmo. E a “baiana típica”
não existe senão para marcar presença em banca de acarajé ou para figurar em selfies de
turistas…
O próprio Max Weber adverte:
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E também:
O tipo, como uma nova metodologia para o Direito, vem a ser uma ordem que
se opõe ao conceito classificatório rígido e exato. Consiste em uma nova
metodologia que vem proposta tanto para ordenar o conhecimento jurídico
científico, como para aplicar o Direito em cada caso concreto. Em face dessa
concepção, o pensamento conceitual abstrato e fechado, como observa Leenen,
é considerado arcaico, vale dizer, tanto antiquado, a merecer uma superação,
como originário. (Derzi, pp. 221-222)
Mesmo para o Direito Tributário, Castro alerta para casos nos quais há a necessidade
do emprego de tipos e em que os conceitos não são apropriados:
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Do mesmo modo, o então candidato a assumir o lugar do falecido Teori Zavascki no
STF, o ministro do TST Ives Gandra Filho, provocou polêmica ao evocar o conceito de família
e afirmar: “casais homoafetivos não devem ter os mesmos direitos dos heterossexuais; isso
deturpa o conceito de família”. (https://www.revistaforum.com.br/cotado-para-stf-ives-gandra-
filho-defende-submissao-da-mulher-ao-marido/)
Sem pretender relativizar a doutrina e a moral cristãs, lembramos o fato de que Cristo
não elaborou conceitos. Se o pensamento grego tem seu lugar no logos, nos conceitos e na
argumentação lógica; o mashal, a parábola é “a cara” do Oriente. Cristo não está preocupado
em elaborações conceituais nem empreende requintados debates lógicos: dEle, o evangelho diz
- Mt 13, 34-35 – que só falava em mashalim, parábolas: “E sem parábolas nada lhes falava,
para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: ‘Abrirei a boca em parábolas; proclamarei
coisas ocultas desde a fundação do mundo’”. E quando é perguntado pelo “próximo”, Cristo
não procura estabelecer aristotelicamente uma conceituação teórica (“A diz-se próximo de B
se, e somente se, tal e tal ...), mas simplesmente conta a parábola do bom samaritano...
Referências
Barreto, Maria Cristina Rocha A Sociologia em Max Weber Mossoró: DCS/URRN,
1999. https://dokumen.tips/documents/leituras-de-sociologia-3-weber.html
Castro, Aldemario Araujo “Uma análise crítica acerca da idéia de serviço consagrada
na súmula vinculante 21 do STF” Revista da PGFN, ano 1 número 1, jan/jun. 2011.
http://www.sinprofaz.org.br/2014/artigos/uma-analise-critica-acerca-da-ideia-de-
servico-consagrada-na-sumula-vinculante-21-do-stf
Derzi, Misabel de Abreu Machado “Tipo ou conceito no Direito Tributário?” Revista
da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte: UFMG, No. 30-31, 1988.
https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1046/979
Keirsey, David; Bates, M. Please understand me. Del Mar: Prometheus Nemesis, 4th
ed., 1984.
Marías, Julián Hispanoamérica, Madrid: Alianza, 1986.
Quintaneiro, Tania; et al. Um toque de clássicos : Marx, Durkheim, Weber. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
Roy M. Oswald & Otto Kroeger. Personality Type and Religious Leadership. An
Alban Institute Publication, 1988.
136