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Semiótica Greimasiana aplicada à

Semiótica Televisiva*
Adenil Alfeu DOMINGOS (Unesp/Bauru)
Jean Cristtus PORTELA (G - Unesp/Bauru)
Maria Lúcia Vissotto Paiva DINIZ (Unesp/Bauru) - Coordenadora
Valdenildo dos SANTOS (PG - Unesp/Assis)

ABSTRACT: The greimasian semiotics is a safe device to analyse sincretic texts. This
paper intends to explain the meaning effect and the discoursive organization of the
television publicity by the deconstruction of the enunciation, fiduciary contract, thymic
category and the relations between sincretic semiotics.

KEY WORDS: Television publicity; enunciation; fiduciary contract; thymic category;


sincretic semiotics.

1. Apresentação

Os participantes desse grupo de trabalho apresentam alguns resultados de pesquisas


que vêm realizando com o instrumental semiótico greimasiano através da aplicação
prática em textos verbais, não-verbais e sincréticos. A aplicação na publicidade
televisiva da Folha de S. Paulo, transcrita em anexo, pretende evidenciar a
complexidade da enunciação e do enunciado nos relatos apresentados na seguinte
ordem: 1. Anatomia da enunciação (Adenil A. Domingos); 2. Exumação do contrato
fiduciário (Jean C. Portela); 3. Ecografia do tímico (Valdenildo dos Santos) e 4. Sutura
do sincrético (Maria Lúcia Vissotto P. Diniz. Acreditamos que um exercício prático
como este - não exaustivo - pode demonstrar a operacionalidade do método em outros
tipos de discurso e apontar a visão semiótica como possível e, sobretudo, necessária.

2. Anatomia da enunciação

O discurso publicitário, impresso ou fílmico, encontra, em sua enunciação, um dos


seus mais férteis elementos para um estudo semiótico. O princípio de que o contexto
também é texto e que a enunciação produz marcas contundentes em seu enunciado,
nos mais diferentes tipos de linguagem - verbal ou não-verbal - levou-nos a um estudo
anatômico dessa grandeza semiótica na publicidade. Para caracterizar seus
componentes básicos, descartamos, de imediato, os sujeitos de carne e osso (autor e
leitor) que não aparecem na enunciação senão como simulacros em enunciadores e
enunciatários. Essas entidades discursivas exercem o papel de produtores e
receptores do enunciado, enquanto grandezas semióticas. Assim, no discurso
publicitário televisado, tanto o enunciador é um actante coletivo - logomarca + agência
publicitária + equipe de filmagem -, quanto o enunciatário (público-alvo), pois esse
discurso não tem só por objetivo atingir aos consumidores do produto, como também,
entre outros, aos críticos e estudiosos de sua linguagem, já que a própria agência de
propaganda se auto-enuncia ao produzir um enunciado desse tipo.

Esse enunciador-coletivo exerce, por sua vez, vários papéis actanciais, cognitivos,
pragmáticos e/ou tímicos: informador do saber, focalizador e mostrador da enunciado,
manipulador (por sedução, intimidação, provocação ou tentação) do seu enunciatário.
Desse modo, o enunciado produzido torna-se um objeto de uso do enunciador, cujo
objetivo é levar seu enunciatário a crer no que diz. Entre ambos, trama-se, portanto, um
contratado fiduciário, que só será sancionado positivamente pelo enunciador-judicator
se este /crer/ for efetivado pelo enunciatário.

Além disso, dentro dessa própria entidade enunciadora-coletiva há um complexo


sucedâneo de manipulações. Assim, por exemplo, a agência de publicidade manipula
um actante redator do texto narrativo, que também pode ser outra entidade coletiva.
Este produz, por sua vez, uma narrativa, figurativizando idéias abstratas no processo
de discursivização. Assim sendo, essa entidade produtora do discurso, pode criar um
narrador no enunciado, que se torna operador-enunciador da narrativa, já que a
entidade redatora delegou-lhe o papel de operador-enunciador do enunciado-
enunciado, como simples testemunha e/ou enunciador-observador-narrador das ações
narradas (caso do olho-da-câmara). Essa entidade narrada pode ainda ser um actante
do enunciado em um "eu" enunciador-observador-narrador-protagonista, (papel que
pode ser desempenhado, ainda pelo antagonista ou adjuvante, por exemplo). Desde o
olho-da-câmara, como entidade filtradora da imagem, objeto de uso de um
cameraman, até um figurinista, ou um iluminador, etc., da equipe de filmagem, todos se
tornam elementos de manipulação nessa entidade enunciadora coletiva. Assim, a
equipe de filmagem delega ao cameraman (sujeito manipulado pelo diretor de
filmagem), o papel de manipulador do olho-da-câmera (grandeza semiótica actancial,
que desempenha os papéis de mostrador e focalizador da cena(s), já que é, por meio
desse olho-filtro, que os planos e o ângulo de visão da percepção do enunciado
chegam ao enunciatário). É que o olho do observador-enunciatário coloca-se, assim,
no lugar do olho-da-câmera no momento da recepção do enunciado, como se um
estivesse às costas do outro (Fontanille, 1989:15). Precisamos considerar que o
enunciatário também se torna um sujeito ativo de produção de discurso, no ato de
recepção, e não um sujeito passivo. Segundo Fontanille, os elementos da enunciação
não são entidades colocadas de um lado e do outro do enunciado, mas no mesmo
lugar em relação a ele, embora de maneira dissimétrica, polêmica, já que a
significação reconstruída e reconhecida, não coincide com a significação proposta e
construída pelo enunciador.

É por um processo de embreagem/debreagem, (existência ou ausência de marcas do


enunciador no enunciado como o ponto de vista, o ângulo de visão, a presença das
logomarcas e do produto anunciado, etc.), pela qual depreendemos como o sujeito da
enunciação delega parte do seu fazer cognitivo ao seu observador-enunciatário.
Segundo Fontanille (l989, 17), a debreagem é uma ruptura da isotopia que fundamenta
as categorias do enunciado e da enunciação, sendo a ruptura entre o aqui e o lá, entre
o eu e o ele, entre o agora e o então, que fundamenta a existência conjunta e separada
do espaço, do tempo e dos atores do enunciado e das figuras da enunciação. É nessa
busca das marcas do enunciador no enunciado que podemos falar semioticamente da
instância enunciadora como textualmente tramada no enunciado.

Foi dentro desse prisma que enfocamos o processo de enunciação como o programa
narrativo (PN) de base do discurso publicitário. É na relação enunciador/enunciatário
que se encontra o /querer/, o /poder/, o /saber/ e o /dever/ fazer do enunciador sobre
seu enunciatário (dependendo, também, do /crer/ ou /não-crer/ por parte deste), para
que o discurso publicitário possa ser sancionado como um programa narrativo
completo. Basta a quebra do /querer-crer/ por parte da entidade enunciatária para que
esse processo se desfaça. O enunciado, em si mesmo, torna-se, assim, o meio
interativo dessas duas entidades da enunciação.

3. Exumação do contrato fiduciário

O termo fiduciário foi tomado do vocabulário do Direito Romano (fiduciarius) e é


derivado de fiducia, do latim, confiança, segurança, designando uma relação em que
há confiança de ambas as partes ou contrato que a estabeleça. Vejamos, por etapas, o
que o verbete Contrato Fiduciário (GREIMAS, 1984:184) nos diz: "O contrato fiduciário
põe em jogo um fazer interpretativo de parte do destinador e, em contrapartida, a
adesão do destinatário...". Podemos, desde já, salientar que se o fazer é interpretativo,
ele pertence ao plano cognitivo; e que se entre o destinador e o destinatário deve
haver uma concordância, uma adesão por parte do destinatário, então, deve ocorrer
uma sanção. Na relação fiduciária, o /saber/ está colocado em segundo plano, já que o
/crer/ (modalidade epistêmica) é que garante o /saber/, ou melhor, a consistência do
/saber/. Claude Zilberberg (1986:39) caracteriza o sujeito fiduciário como aquele que
está conjunto do /crer/ do destinador, ou seja, do /crer-crer/.

O Contrato Fiduciário pode ser: 1. Enunciativo ou de veridicção - garante as bases do


enunciado, instaura a coerência e a coesão. Implica em um /saber/ que transita entre
destinador e destinatário. Ele põe o destinatário na condição de sancionador do
destinador. A prova glorificante do destinador é justamente levar o destinatário à
sanção positiva do seu Programa Narrativo (PN); 2. Enuncivo - COURTÉS &
GREIMAS (1984:184) dizem sobre esse tipo de contrato: "... se o contrato fiduciário
sanciona um programa narrativo no interior do discurso, falar-se-á então de contrato
enuncivo". Na verdade, nesse tipo de contrato, o /saber-fazer/ do destinador - após ser
tido como verdadeiro através do estabelecimento de um Contrato Fiduciário do tipo
Enunciativo - vai ser aplicado na sanção de um outro PN qualquer.

GREIMAS (1983: 229) conceituará em De La Colère a "attente fiduciaire", que,


diferentemente do Dicionário de Semiótica, traduzimos "espera fiduciária". Essa
espera que Greimas introduz entre o conceitos da teoria semiótica, diz respeito a uma
espera particular, aquela que, no sujeito de estado, é "anterior à frustração", ou seja, é
um período de tensão, que se transformará em distensão, seja a sanção eufórica ou
disfórica. A espera fiduciária instala uma suspensão do lado do destinatário, e uma
continuação do lado do destinador. O sujeito da espera fiduciária " acredita poder
contar com o sujeito de fazer para a realização de suas esperanças e/ou de seus
direitos". Há um "/dever-fazer/ atribuído ao sujeito de fazer". Apesar da relação de
confiança estabelecida entre sujeito de estado e o sujeito de fazer, Greimas chama
nossa atenção para o fato de não podermos denominá-la um "verdadeiro contrato de
confiança" ou mesmo um "pseudocontrato", mas, sim, um "contrato imaginário", já que
"o sujeito de fazer não está de modo algum engajado" nesse processo. A espera
fiduciária apresenta-se, então, como delírio do sujeito de estado, simulacro produzido
pela projeção de suas ansiedades. Ela implica em duas formulações, a saber: S1
querer [S2 à (S1 Ç Ov)] e S1 crer [S2 dever à (S1 Ç Ov)].

No Discurso Publicitário, podemos entender o enunciado como um programa de


produção, que visa a construção de um objeto de valor (ou simplesmente de um valor),
supostamente irresistível para o Sujeito. Na publicidade aqui analisada, na instância
da enunciação, o contrato feito entre o destinador Folha de São Paulo e o destinatário
telespectadores é um contrato de veridicção. Ele garante o discurso-enunciado.
Obviamente, esse contrato além de firmado entre duas instâncias extralingüísticas tem
caráter virtual, pois, se o fazer persuasivo é realizado, o mesmo não podemos dizer do
fazer interpretativo, já que o destinatário-enunciatário não realiza a sanção do
programa do destinador-enunciador. A Folha de São Paulo não pode saber a opinião
dos telespectadores que assistem ao comercial, a não ser pelo aumento da vendagem
do produto anunciado. A sanção, desse modo, não é realizada pelo menos
concretamente, ou melhor, de modo a possibilitar um registro, de forma a inserir-se no
enunciado. Um exemplo de fazer interpretativo que pode ser registrado seria um
programa interativo no estilo de "Você Decide" (programa veículo pela Rede Globo),
no qual a interatividade proporciona a realização da sanção.

No interior do enunciado vários contratos são rompidos e estabelecidos. Poderíamos


No interior do enunciado vários contratos são rompidos e estabelecidos. Poderíamos
falar sobre eles - o que efetivamente não é nossa intenção, já que trabalhamos
somente a Enunciação. O que nos interessa aqui, no entanto, é mais o movimento, a
tensão entre a ruptura e o estabelecimento dos contratos do que as suas implicações
no discurso-enunciado. Esse quadro de transição, de "re-assentamento" é traçado por
ZILBERBERG (1986:39) quando da definição de "sujeito tético", sujeito que está
conjunto (ou não) do objeto-valor, habitando uma temporalidade diversa do sujeito
fiduciário, o qual afirma o valor do valor. O conflito entre o sujeito tético e o sujeito
fiduciário é travado quando há um descompasso entre o possuir o objeto-valor e o
próprio valor. Assim, é possível possuir e não desejar, ou ainda desejar e não possuir.
Esse permanente devir - fluxo/refluxo - que não pode ser interrompido ou satisfeito,
amalgama sujeito e objeto, enunciador e enunciatário, produtor e produto, e, em nosso
caso, o enunciado publicitário e o telespectador.

4. Ecografia do tímico

Segundo Greimas (1979: 462-3), a categoria tímica é motivada pelo sentido da palavra
timia (cf. grego thymós, "disposição afetiva fundamental") e "serve para articular o
semantismo diretamente ligado à percepção que o homem tem de seu próprio corpo",
articulando-se como eufórica (grande prazer) ou disfórica (grande dor), tendo a aforia
(estado de inconsciência) como termo neutro e a foria (estado de consciência) como
elemento complexo. Greimas chama a categoria tímica de "primitiva", proprioceptiva,
verificadora da sensação e reação do destinatário, como ser vivo que, integrado num
contexto, se transforma num sistema de atrações e repulsões, diante de determinada
mensagem. Quando o telespectador sente-se atraído pelo anúncio televisivo, seu
estado é de euforia pela sensação de prazer, com o enunciado. Todavia, a sua não-
atração pode conduzi-lo à repulsão, situação de disforia, não assinando aquele
contrato apelativo com os destinadores do texto. Assim, o jogo euforia/disforia assume,
não apenas valores descritivos, mas também axiológicos, pela firmação do contrato de
aceitação da mensagem por esses enunciatários. Uma ecografia do tímico é
importante, portanto, não só sob o prisma de sua aplicação sobre o descritivo, mas
também para explicar as tensões vividas pelos sujeitos em relação ao objeto, porque
essa timia revela, sob o processo modal, as paixões dos sujeitos que, sem refletir
direito, acabam atendendo o apelo dos profissionais do "marketing", comprando uma
idéia que nem sempre é verdadeira, nem tão sincera assim.

Claude Zilberberg em Essai sur les modalités tensives (1981), partindo do pressuposto
que o sema varia entre os estados de tensão e relaxamento, elabora o quadrado
semiótico das modalidades tensivas: /tensão/ /relaxamento/ (termos contrários)
/distensão/ /intensão/ (como termos contraditórios). É por meio deste quadrado que
Zilberberg procura melhor explicitar o sentido. A categoria /tensão/ vs. /relaxamento/ é
apresentada como oposição matriz, instalando-se o processo de descontinuidade na
continuidade sistêmica do sema, verificando-se, assim, a unidade sêmica e, ao mesmo
tempo, seu esvaziamento, podendo-se enxergar sua forma em oposição à sua
substância, posto que as modalidades tensivas funcionariam como modalizadoras das
categorias semânticas, estando sob toda unidade de sentido. Greimas, por sua vez,
atribui esse papel à categoria tímica em termos de estruturas fundamentais, sendo,
portanto, reveladora não mais apenas da positividade em oposição à negatividade,
mas também da maior ou menor tensão e relaxamento do sujeito diante da cena que
assiste.

Estes estados passionais podem ser vistos no enunciado, nos vários programas de
uso que convergem ao programa narrativo de base. Contudo, sob o ângulo dos atores
discursivos e mesmo no nível dos enunciatários do discurso, são relativizados, por
uma questão de valores. No primeiro take, o depósito para o depositante, em princípio,
é positivo. Ao ser informado pelo actante-sujeito "caixa", que o Banco está "quebra-
é positivo. Ao ser informado pelo actante-sujeito "caixa", que o Banco está "quebra-
não-quebra" e encorajado a retirar tudo que tem, num processo de manipulação
intimidatória, passa por um estado de tensão aumentada, diminuindo,
conseqüentemente, o relaxamento. No segundo take, o assalto, para o actante-sujeito-
coletivo ladrão, é, em princípio, eufórico. Esta euforia, registrada no modo como entram
na agência bancária, na ânsia do dinheiro, passa a uma situação disfórica pela não-
conjunção com o seu objeto de busca. Entre um estado e outro, temos a frustração
como reveladora de elementos passionais. O terceiro take mostra a metamorfose do
actante-sujeito "caixa", que passa a trabalhar no jornal, devido a sua suposta
sinceridade para com o depositante, para com os ladrões, para com os
telespectadores. É a figura do ator discursivo que sintetiza e procura representar a
todos que têm sede de justiça, diante das falcatruas e o alto nível de corrupção em
algumas instituições. O seu programa narrativo de base começa num processo de
manipulação por intimidação, em relação ao cliente, demonstrando uma "sinceridade"
questionável, porque a caixa foi insincera com sua instituição.

Portanto, ao utilizá-la como sujeito-operador do programa narrativo da Folha de São


Paulo, a Agência Almap, é sujeito delegado-manipulado pelo destinador Folha, que
procura, no nível do parecer, resgatar a honestidade corroída não só na esfera de
algumas instituições financeiras, mas nos mais variados setores públicos. Esse é, no
entanto, o efeito de sentido que provoca nos destinatários de sua mensagem,
seduzidos pelo suspense, entre uma cena e outra, pelos movimentos dos atores, a
dinâmica e a plástica do enunciado televisivo que passam, igualmente, de um estado
de tensão a um estado de relaxamento e, na oscilação entre um estado e outro,
devem-crer que a mensagem veiculada é verdadeira, numa prazerosa euforia que não
deixa ver o "falso", entre o ser e o parecer, forjado pelo "segredo" existente entre o ser
e o não-parecer e levado pela "mentira" camuflada entre o parecer e o não-ser.
Dizemos que, o destinador Folha de São Paulo busca, assim, não importando a
maneira utilizada para chegar ao seu objetivo, uma forma de angariar mais leitores e
assinantes, como objetos modalizadores do conseqüente lucro. Seu programa
narrativo, todavia, termina virtualizado, até que os destinatários de seu discurso
assinem esse contrato fiduciário, sancionando a Folha, num processo de identificação,
com uma assinatura, momento em que também estariam realizando seu próprio
programa narrativo em busca da justiça.

5. Sutura do Sincrético

O sujeito da enunciação recobre de intencionalidade o enunciado. Como a enunciação


é responsável pela produção da semiose, o ato de significar encontra as coerções da
substância da expressão, que obrigam a fazer uso de procedimentos de textualização
tridimensional do texto sincrético. Como a publicidade televisiva é elaborada para
atender o público alvo, cada detalhe é devidamente estudado e escolhido para
produzir este e não aquele efeito de sentido.

Diante de um texto apresentado na forma teatral, o instrumental analítico deve assumir


o espetáculo encenado. Os dois takes iniciais realizam no tempo convencional o fazer
somático (Greimas & Courtés, 1984:145-6), colocado os atores figurativos agindo na
dimensão pragmática (atitude corporal programada) e comunicativa (o corpo humano
enquanto suscetível de significar por gestos, atitudes, expressões faciais). O take 3 é
misto (filme mudo + narrador + logotipo), pois ali o fazer somático da jornalista (cena
muda) ao fazer comunicativo (voz do narrador).

Todos os elementos da sincretização são formas significantes. A entonação (Greimas


& Courtés, 1984:145), também denominada gestualidade oral, pode ser reconhecida,
no plano da expressão (curva ascendente/descendente), e representar sentido,
articulando-se em categorias sêmicas (aprovação/recusa). Do mesmo modo, os gestos
articulando-se em categorias sêmicas (aprovação/recusa). Do mesmo modo, os gestos
e expressões faciais, ou gestualidade visual (Greimas & Courtés, 1984:209), são
fenômenos paralingüísticos, que auxiliam a comunicação intersubjetiva, capazes de
enunciar categorias abstratas que articulam o universo semântico coextensivo a uma
cultura.

A proxêmica (Greimas & Courtés, 1984:359-60) é um projeto da teoria semiótica que


visa analisar a disposição dos sujeitos e dos objetos no espaço e o uso que os sujeitos
fazem dele para a significação. Em semióticas artificiais, como a publicidade televisiva,
a proxêmica deve ser tratada, juntamente com a linguagem gestual, espacial e
sonoplastia, como componente da semiótica discursiva que é a espacialização.

A segmentação espacial-actorial permite distinguir três momentos: take 1, em que o


cliente é orientado pela caixa do banco a sacar se dinheiro; take 2, em que o ladrão é
logrado e take 3, em que surgem na tela a caixa do banco travestida em jornalista e a
voz do narrador, catalisadora do sentido pretendido. Embora apresentem alguns
aspectos comuns, os takes 1 e 2 contrastam pelas oposições: no nível verbal,
depósito/assalto, linguagem elegante/ vulgar da caixa, verbos e expressões no tempo
presente/passado e, no não-verbal: cliente/ladrão, escolha de atores: homem bem
apessoado/vulgar. No procedimento da caixa, temos: o olhar confiante/desconfiado,
voz normal/alterada, entonação ascendente/ descendente, ritmo acelerado/pausado,
gesto de apoio (entrega o boleto ao cliente)/gesto de desprezo (devia com o dedo o
revólver), ruídos normais/fortes, silêncio/tumulto, figurantes em estado normal/pânico.
Assim, no tratamento conferido pela caixa, observa-se que ela premia o cliente e logra
o ladrão, o que conduz às oposições: informação/ironia, persuasão/dissuasão, fatores
que agem no sentido de agradar a moral ingênua ou senso comum do espectador.

Da mesma forma, os takes 1 e 2 opõem-se ao 3, contrastando: agência


bancária/redação do jornal, caixa do banco/jornalista, que trabalha em pé/sentada,
atrás de um balcão/frente ao computador, atende clientes/troca idéias com colegas,
numa relação de subserviência, indicando contração/descontração,
dependência/independência, em que a caixa está nervosa/calma, utiliza gestos
rápidos/ausência de gestos, o corpo em movimento/só o movimento do olhar. Nos dois
takes iniciais, o banco falido contrasta com o jornal promissor do take 3, o que conduz
à oposição temática: insegurança/segurança. A oposição banco/jornal evidencia
trabalho desgastante/edificante, pois, no banco, a caixa deve mentir, não deve ser
autêntica, enquanto no jornal, seu trabalho é edificante e pode ser autêntica.

O narrador do take 3, que fala em nome da Folha de S. Paulo, assume também o papel
de observador, estratégia que faz o espectador identificar-se com ele. Ao captar o
sentido pretendido do texto fílmico (interpretar a ação da caixa como demonstração de
sinceridade), esse narrador-observador realiza a persuasão-manipulação do
espectador.

Nos dois takes iniciais, as atitudes da caixa aparentam a ruptura dos padrões
estabelecidos socialmente: ela rompe o contrato com o banco para premiar o cliente e
punir o ladrão. Esse estranhamento provoca a espera no espectador que será satisfeito
ao vê-la logo a seguir, trabalhando no jornal. Portanto o pretendido pela publicidade é
fazer o espectador passar da ansiedade à satisfação. O que aparenta ser uma ruptura
("a sinceridade acima de tudo" dessa jovem), na realidade, é a manutenção dos
valores pré-estabelecidos se considerarmos o tratamento dado ao cliente e ao ladrão.
Por isso, o esquema pretendido : camuflado :: ruptura : manutenção sinaliza, não a
transparência do texto publicitário, mas o simulacro que manipula o espectador.

RESUMO: A semiótica greimasiana é um dispositivo seguro para a análise de textos


sincréticos. Este trabalho pretende explicitar o efeito de sentido e a organização
discursiva de uma publicidade televisiva, através da desconstrução da enunciação, do
contrato fiduciário, das categorias tímicas e das relações entre as linguagens
sincréticas.

PALAVRAS-CHAVE: Publicidade televisiva; enunciação; contrato fiduciário; categoria


tímica; linguagens sincréticas.

ANEXO

TRANCRIÇÃO DO COMERCIAL DE TV
FOLHA DE S. PAULO - Série "Sinceridade acima de tudo"
Agência: ALMAP. Direção: Fernando Meirelles

1. Take 1

(Silêncio e tranqüilidade numa agência bancária. Um cliente (homem de 50 anos,


aproximadamente) chega (demonstrando confiança e calma) diante da moça que
trabalha como caixa - jovem, esperta, gestos rápidos)

Cliente: Por favor (++) quero fazer um depósito,Caixa: DEPÓSITO " (++) NESTE
BANCO " (++) meu senhor (+) isto aqui está quebra não quebra.

Cliente: Todo meu dinheiro está aqui.

Caixa: Nesse banco" (+) saca logo que desse fim de semana não passa.

2. Take 2

(Um pontapé na porta giratória provoca um barulho seco. Um grupo de homens


invadem a agência aos berros...)

Ladrões: BAIXANDO (+) Isso é um ASSALTO (Confusão de vozes. Uma cliente


mulher é focalizada gritando assustada). PRO CHÃO (+) TODO MUNDO PRO
CHÃO (Gritos...confusão geral...)

Ladrão: PASSA O DINHEIRO PA:SSU:DINHE:IRO: (um dos ladrões,


aparentando mais de quarenta anos, ar ameaçador, apontando uma arma na
cabeça da moça do caixa).

Caixa: DINHEIRO ( , ) NESTE BANCO ( , ) Chegou tarde ( , ) Os donos já


raparam o dinheiro Ó (++) (e com o dedo indicador desvia a arma do ladrão) faz
tem:po.

3. Take 3

(A caixa do banco, numa tomada mais próxima e em meia tela, está frente a um
monitor numa redação de jornal, ao mesmo que tempo em que surge a voz do
narrador...)

Narrador: Algumas pessoas são TÃO sinceras (+) que só existe UM trabalho para
elas (++) escrever na Folha de S. Paulo (++).

O logotipo da Folha aparece no vídeo: "Folha de S. Paulo não dá pra não ler" e,
ao mesmo tempo:

Narrador: Folha (++) sinceridade acima de tudo.


(Transcrição conforme Marcushi, L. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 1986.)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, D. L. P. Teoria do Discurso. São Paulo: Atual, 1988.

GREIMAS, A. J. & COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Cultrix, 1984.

GREIMAS, Algirdas Julien. Du sens II. Paris: Editions du Seuil, 1983.

FONTANILLE, Jacques. Les espaces subjectifs. Paris: Hachette, 1990.

ZILBERBERG, C. Reconhecimento do universo fiduciário. In Cruzeiro Semiótico, nº


4, Lisboa, 1986. p. 31-45.

*DINIZ, M. L. V. P. et alii "Semiótica greimasiana aplicada à publicidade televisiva" In


Estudos Lingüísticos, vol. 29, GEL - Grupos de Estudos Lingüísticos do Estado de
São Paulo, ISSN 1413-0939 (p.174-181) USC/Bauru, 2000.

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