Crítica Cinematográfica - O Tempo entre o sopro e o apagar da vela
Amália Coelho de Souza
É sabido que o exercício crítico prescinde, e isto é um traço necessário, de alguma
sorte de generosidade. Esta, entretanto, não pode ser confundida com a boa apreciação. A generosidade a uma obra de arte, diz respeito a tentar, num pressuposto ético com os autores, definir parâmetros de apreciação que estejam inscritos na obra e que se façam possíveis a partir dela. Em suma poderíamos dizer que o exercício crítico prescinde mais daquilo que podemos arrancar da obra, seus aspectos viscerais, seus jogos de significados, suas operações sígnias transcendentais, sua cadência emotiva, suas sutilezas sensíveis, etc. Arrancar, digo, porque o dever do crítico, a meu ver, é mais o de potencializar os aspectos expressivos do autor do que necessariamente preencher as suas lacunas, tentação idônea daqueles que amam, pesquisam e afetam-se pela arte, pelo que ela é ou o que achamos que deveria ser. É com certa dose de generosidade que tentarei escrever sobre o filme “O Tempo entre o sopro e o apagar da vela” de Rodrigo Fernandes. O curta-metragem aborda os dilemas de dois jovens de 23 anos que se encontram aparentemente solitários numa vida na grande metrópole. O filme que abusa da fotografia escura e de uma elaboração dramática silenciosa e agonizante, transmite incisivamente o estado de letargia dos dois personagens, somados às minúcias do cenário que localizam de forma bastante pontual a morada de uma classe média baixa, talvez universitária: colchões baixos, poucos móveis, quadros pregados com fita crepe, livros e apartamentos-cubículos. Uma das melhores cenas do filme, apresenta uma trecho pronunciado em língua inglesa em um plano sobreposto do rosto do personagem e um prato do famoso macarrão instantâneo. O filme acaba com um diálogo desesperador que procura resgatar o espectador do mix de morbidez e desolação a que é entregue. O filme, ainda que goze de benevolência crítica, pode se inserido em um alta gama de produções que buscam, apesar das advertências clássicas do cinema brasileiro, retratar os dilemas de uma subjetividade branca, classe média e intelectualista no seio de um país rasgado pela desigualdade social, pelo racismo, pela multiculturalidade, pela ostensividade de suas paisagens, enfim, por um porção de aspectos que não se encontram nas paredes de um apartamento num bairro classe média, para o qual infelizmente muito da produção nacional insiste em mirar.