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Tema: O perigo da confiança na justiça própria: uma reflexão sobre a misericórdia

divina e a soberba humana

Texto: Lucas 18. 9-14

Introdução:

Na parábola do fariseu e do publicano, Jesus usa o tema da oração a fim de


continuar a explicar o caráter e o comportamento demonstrados pelas pessoas aptas
para o Reino de Deus. Jesus claramente contrapõe um fariseu e um publicano, com a
intenção de levar os ouvintes a identificar o publicano como um modelo positivo. O
texto parece aludir Ezequiel 33.13, texto em que o profeta havia criticado os de sua
época por confiarem na própria justiça.

O orgulho que advém do senso de justiça própria é condenado em diversos textos


judaicos. Em um texto judaico antigo há a menção de um judeu que agradece a Deus
por não ser “gentio, nem camponês, nem mulher”. Há uma oração escrita, de certo
rabino que diz assim: "Agradeço-te, ó Deus, meu Senhor, que me separaste com
aqueles que se sentam na academia, e não com aqueles que o fazem nas esquinas.
Porque eu me levanto cedo, e eles também; eu o faço para as palavras da lei, e eles
para as coisas vãs. Eu trabalho, e eles também o fazem. Trabalho e recebo uma
recompensa; eles trabalham e não recebem nada. Eu corro, e eles também; eu corro
para a vida vindoura, e eles correm para o abismo da destruição."

Conta-se que uma vez o rabino Simeão Ben Jochai disse: "Se só houvesse dois homens
retos neste mundo, seríamos meu filho e eu; se só houvesse um, esse seria eu!"

Ao lermos essa passagem temos a impressão que o fariseu não foi orar, mas informar a
Deus a respeito de quão bom era ele. Na sua oração (18.11) ele faz referência aos
“ladrões, injustos, adúlteros”. Temos aqui alusões ao sétimo e o oitavo mandamento
(ver: Êx 20.14,15; Dt 5.18,19).

A referência ao jejum, em 18.12, ecoa a estipulação de jejuar no Dia da expiação (Lv


16, 29-31; 23. 27, 29,32; Nm 29.7), durante o Purim (Ester 9.31) e durante outros dias
de jejum anuais( Zacarias 7.3 e 8.19). Textos judaicos (Ta’ na 12a) antigos afirmam o
costume judaico de jejuar duas vezes por semana: na segunda e na quinta-feira

A referência ao dízimo lembra Levítico 27.30-32, Números 18.21-24 e Deuteronômio


14.22-27. Aqueles que jejuavam branqueavam suas caras e vestiam roupas
desordenadas, e procuravam que a maior quantidade possível de gente os visse.

Os levitas recebiam o dízimo de todos os produtos (Números 18:21; Deut. 14:22). Mas
este fariseu dizimava tudo, até aquilo que não era obrigação dizimar. Sua atitude era
característica do pior farisaísmo.
A oração do Publicano ecoa Salmos 51.1-3.

Esta parábola nos diz sem dúvida certas coisas a respeito da oração:

(1) Nenhum orgulhoso pode orar. A porta do céu é tão baixa que ninguém pode entrar
a não ser ajoelhado.

(2) Ninguém que menospreze a seus semelhantes pode orar. Na oração não nos
elevamos acima de nossos semelhantes. Recordamos que somos um do grande
exército da humanidade pecadora, que sofre e está contrita, ajoelhados todos perante
o trono da misericórdia de Deus.

(3) A verdadeira oração brota da aproximação de nossas vidas a de Deus. Sem dúvida
tudo o que o fariseu dizia era verdade. Jejuava; dava meticulosamente, o dízimo; não
era como os outros homens; sem dúvida não era como o coletor de impostos. Mas a
pergunta não é: "Sou tão bom como meus semelhantes?" A pergunta é: "Sou tão bom
como Deus?"

O fariseu enaltece suas próprias obras meritórias. Começa a classificar a grande


multidão dos pecadores em grupos especiais. Ele próprio, que ao contrário das outras
pessoas não se designa como pecador, condena com muito desdém todos os demais,
chamando-os de injustos, ladrões, adúlteros. A essa glorificação geral ele acrescenta
ainda uma comparação pessoal: “Ou também como esse publicano!” Olha com
especial desprezo para o publicano, a quem considerava injusto e ladrão.

A oração do fariseu mostrou inicialmente quem ele é. Na segunda parte de sua oração
ele passa a destacar as obras excedentes que ele realiza. Excedia o jejum anual
prescrito na lei (cf. Lv 16.29ss) com mais dois jejuns semanais, de acordo com o
costume farisaico. A lei prescrevia que se entregasse o dízimo do produto da terra e
dos rebanhos para o sustento dos levitas (Lv 27.30,32; Nm 18.21,24). O fariseu, porém,
pagava o dízimo de todas as receitas. Para não correr o risco de consumir algo de que
não pagara o dízimo, ele dava o dízimo de tudo o que comprava, embora muitas vezes
os produtos agrícolas já tivessem sido tributados pelo produtor. Excedendo o preceito
da lei, ele dava o dízimo de todas as hortaliças, como a hortelã, o endro e o cominho
(Mt 23.23) e da arruda (Lc 11.42). O fariseu agradece no começo de sua oração não
apenas por “quem ele é”, mas também pelo que ele faz para Deus.
A oração do publicano

Não é sem razão que se descreve a atitude de oração do publicano. Fica parado ao
longe, para que o fariseu pudesse vê-lo e apontar para ele. Ao contrário do fariseu,
que se projetou do grupo dos demais devotos, o coletor de impostos permanece
solitário no fundo. O publicano, que não possuía direitos honoríficos civis e era evitado
por todas as pessoas de bem, não ousava erguer os olhos ao céu. Erguer os olhos ao
céu significava na pessoa que orava a postura em que a alma se elevava para Deus. Em
contrapartida, o publicano, baixa os olhos porque se sente culpado perante Deus. O
motivo de não orar de olhos levantados é evidenciado também pelo fato de que
golpeava o peito. O termo grego aqui utilizado, typtein, é uma expressão forte e
definida para uma contrição dolorosa e arrependida (Lc 23.48). Nessa contrição ele
bate no peito, de olhos e cabeça abaixados. O publicano tampouco consegue formular
muitas palavras. Nem mesmo com asserções e promessas ele conseguiria obter
quaisquer direitos. O publicano tem consciência disso. Pode apenas render-se
inteiramente às mãos de Deus.

O pecado do fariseu foi se achar superior aos demais homens. Ele se acha o melhor, o
mais íntegro, o mais correto, o mais justo. Ele se gloria na justiça própria, nas suas boas
obras. Acha que tem algum direito espiritual só porque faz boas obras.

O Publicano foi declarado justo porque se posicionou corretamente diante de Deus,


reconheceu não ter méritos próprios, reconheceu suas falhas, reconheceu que
dependia da misericórdia divina. O publicano não confiou em si mesmo, mas agarrou-
se a graça divina.

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