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PROTÓTIPO DE EDIFICAÇÃO COM USO DE

DIFERENTES ESPÉCIES DE BAMBU

Antonio Ludovico Beraldo, Anísio Azzini, Wilza G.R.Lopes,


Martha del C.M.Valenciano e Sandra C. F. Martins

RESUMO: Este artigo relata o processo de produção de um protótipo com uma área útil de
12 m2, executado em bambu, e situado no Campo Experimental da Faculdade de Engenharia
Agrícola da UNICAMP, na cidade de Campinas, SP. São descritas as etapas de coleta,
tratamento, preparação das peças de bambu e o processo de construção. O material principal,
o bambu, foi originado de quatro espécies Phyllostachis purpuratta, Guadua angustifolia,
Dendrocalamus giganteus e Bambusa vulgaris, buscando em cada uma delas, a exploração
das suas vantagens e possibilidades construtivas. Os colmos de bambu, logo após o corte,
foram deixados imersos em água, por sete dias, para eliminação do amido e depois foram
submetidas a tratamento químico, em solução de sulfato de cobre e dicromato de sódio. O
sistema construtivo foi composto por estrutura formada de colunas, vigas e tesouras de
bambu-madeira e vedação com painéis pré-fabricados com colmos de bambu, abertos em
forma de esterilhas e revestidos com argamassa tradicional. Na cobertura usou-se telhas de
“Biokreto®”, confeccionadas com bambu desfibrado. As portas e janelas foram executadas
com colmos de Phyllostachis purpuratta, fixados em moldura de madeira e revestidos com
resina. Verificou-se que a construção apresentou facilidade e simplicidade no processo de
execução, economia, e bom acabamento final, demostrando uma vez mais a possibilidade de
uso deste material.
Palavras-chave: habitação alternativa, bambu, compósitos

PROTOTYPE OF CONSTRUCTION USING DIFFERENT SPECIES OF BAMBOO

ABSTRACT: This article reports the production process of an small house (as a prototype)
made from bamboo in 12 m2 area. The procedure for collecting, handling, and preparation of
the bamboo parts and the construction process are described. Four different spices of bamboo
were studied: Phyllostachis purpuratta, Guadua angustifolia, Dendrocalamus giganteus and
Bambusa vulgaris, in order to analyse the advantages and possibilities of each one. Bamboo
pieces were collected in the Saint Elisa Farm, from the Agronomic Institute of Campinas. The
bamboo’s pieces, after cut, were left immersed in water, during seven days, for partial starch
extraction and later were submitted to the chemical treatment, in sulphate copper and sodium
dichromate solution. The constructive system was composed of a structure formed by
columns, beams and truss-frame made from bamboo-wood and walls all of them
manufactured with bamboo poles opened in form of thin ribbon and coated with ordinary
mortar. In the covering it was used roofing tiles of " Biokreto®", made with mortar reinforced
by bamboo fibers. The door and windows were executed with P. purpuratta pieces, fixed in
wooden frame and coated with resin. It was verified that the construction system presented is
simple, easy in the execution process, economically feasible, demonstrating that the bamboo
could be an alternative material for hosing construction.
Keywords: alternative house, bamboo, composite
1 INTRODUÇÃO

A utilização de materiais regionais e renováveis tem sido uma das preocupações de


profissionais e técnicos, especialmente quando se tem por finalidade as construções
econômicas. O bambu, vegetal pertencente à família das Gramineas, da classe das
Monocotiledoneas, apresenta-se como um material com grandes possibilidades de utilização,
devido a sua facilidade de reprodução, resistência, rápido crescimento e grande número de
espécies adaptáveis a climas e solos diferentes. Além disso, é fácil de ser trabalhado,
requerendo apenas ferramentas simples.

O bambu é utilizado para os mais diversos fins e de formas variadas. No setor da construção
civil seu uso é bastante difundido na Ásia e em vários países da América Latina, como Peru,
Equador, Costa Rica e Colômbia, onde vários exemplos de edificações confirmam sua
potencialidade. Neste sentido, JANSSEN (1995) salientou que, embora seja possível executar
uma construção apenas com bambu, costuma-se também associá-lo a outros materiais, como
madeira e terra, dependendo da disponibilidade local e adequação de uso. O autor destacou
ainda, que é comum seu uso em construções populares, mas que em países, como Costa Rica
e Japão são encontrados exemplos de edificações de alto padrão.

Já, de acordo com BARBOSA e INO (1998), na Costa Rica a produção habitacional em
bambu gira em torno de 1500 casas por ano, as quais apresentam desempenhos que atendem
aos requisitos exigidos pela ONU para construção de unidades residenciais. As autoras
salientaram ainda, que este país não possuía espécies adequadas, nem o costume de utilização
do bambu em construção, o que foi desenvolvido através da implantação de programa
habitacional voltado para o uso deste material.

O método construtivo utilizado foi similar ao empregado nas construções realizadas na Costa
Rica, adotando-se estrutura em bambu gigante e vedação com painéis pré-fabricados,
executados com varas de bambu, revestidas com argamassa tradicional. Procurou-se usar o
bambu em várias etapas da construção, com a intenção de mostrar a sua viabilidade e
versatilidade. A construção não foi desenvolvida para um uso específico, e sim com a
finalidade de testar e avaliar os materiais e o método construtivo empregados.

2 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS ESPÉCIES EMPREGADAS

Para esta construção foram utilizadas quatro espécies de bambu: Phyllostachis purpuratta,
Guadua angustifolia, Dendrocalamus giganteus e Bambusa vulgaris, facilmente encontradas
no Brasil.

Segundo AZZINI e SALGADO (1992a) as espécies de bambu mais utilizadas no Brasil são as
exóticas como Bambusa vulgaris, Bambusa vulgaris var. vittata, Bambusa tuldoides,
Dendrocalamus giganteus e Phyllostachis, originárias do continente Asiático. Dentre estas a
Bambusa vulgaris é a mais produtiva e mais facilmente propagável por métodos vegetativos.

O Dendrocalamus giganteus é considerado uma espécie de grande porte. É descrito por LIN
(1968) como possuindo colmos grandes, com altura que varia de 20 a 30 m, diâmetro de 20 a
30 cm e internós de 30 a 45 cm de comprimento e espessura de paredes entre um e três cm. É
natural da Thailan, Burma, Índia e Ceilão. Neste contexto, CAMUS (1913) considerou o D.
giganteus como a maior espécie de bambu existente, chegando a atingir altura de 25 m e o
diâmetro de 15 a 20 cm, possuindo os colmos revestidos de bainhas de 25 a 30 cm de
comprimento.

Segundo AZZINI & SALGADO (1992b), a alta velocidade de crescimento dos colmos de
bambu é uma de suas características mais marcantes. Estudando as espécies de bambu:
Bambusa tuldoides, Bambusa vulgaris, Bambusa vulgaris var. vittata, Dendrocalamus
giganteus e Guadua angustifolia, nas condições de solo e clima de Campinas, SP, os autores
concluíram que a maior velocidade de crescimento, tanto para o valor médio (10,63 cm/dia)
como máximo (22,00 cm /dia), foi observada nos colmos de D. giganteus, enquanto que os
menores valores foram apresentados pelos colmos de Guadua angustifolia, com velocidade
média de 5,70 cm/dia e máxima de 7,88 cm/dia.

De acordo com UEDA (1981), todos os bambus de todas as espécies completam seu crescimento
em alguns meses após o aparecimento dos brotos do solo, porém não aumentam seu diâmetro e
altura após o término do crescimento. O autor cita o recorde máximo de crescimento diário de
121 cm, atingido pela espécie japonesa "madake" (P. bambusoides).

HIDALGO LOPEZ (1974) descreveu as características de resistência de várias espécies de


bambu;
• resistência à tração no entrenó: 2.636 kgf/cm2; no nó, 2.285 kgf/cm2;
• módulo de elasticidade à tração: máximo = 316.395 kgf/cm2; mínimo = 140.000 kgf/cm2;
• resistência à compressão máxima: 863 kgf/cm2; mínima: 562 kgf/cm2;
• módulo de elasticidade à compressão: máximo = 199.000 kgf/cm2; mínimo = 151.869
kgf/cm2;
• resistência à flexão máxima: 2760 kgf/cm2; mínima: 763 kgf/cm2;
• módulo de elasticidade à flexão: máximo = 220.000 kgf/cm2; mínimo = 105.465 kgf/cm2.

TARGA e BALLARIN (1991), em ensaios com as espécies Bambusa multiplex, Bambusa


vulgaris e Bambusa vulgaris vittata, constataram que as tensões médias de ruptura à tração
variaram de 215,8 MPa a 292,6 MPa, consideradas altas para um material de origem vegetal. Foi
observado ainda que, as maiores tensões de ruptura ocorreram em corpos-de-prova com menor
teor de umidade.

A espécie Phyllostachis pertence ao grupo de bambu alastrante (leptomorfos) sendo muito


usado para controle de erosão e paisagismo e na confecção de móveis e artigos de lazer.

3 PREPARAÇÃO DO MATERIAL

3.1 Coleta do bambu

Os colmos de bambu utilizados na construção, foram colhidos em touceiras uniformes, com


no mínimo três anos de idade, localizadas na Fazenda Santa Elisa, do Instituto Agronômico de
Campinas, em Campinas, SP. A coleta se deu no final de março, após o período das chuvas,
utilizando-se facão e moto-serra, para as espécies de maior porte. Os colmos do
Dendrocalamus giganteus, usados como pilares, foram numerados e cortados em colmos de
3,50 m, na dimensão em que seriam utilizados, para facilitar o transporte.
3.2 Tratamento

Logo após o corte, os colmos foram transportados para a Faculdade de Engenharia Agrícola, e
deixadas submersos em água, por sete dias para, através do processo de fermentação, se
conseguir a eliminação de parte do amido, responsável pelo ataque de caruncho e de insetos.
Após este período, os colmos da espécie de D. giganteus, utilizados como pilares, foram
submetidos a tratamento químico, que consistiu na colocação dos colmos em tambores
metálicos, em solução de 1,5 kg sulfato de cobre, mais 1,5 kg de dicromato de sódio,
dissolvidos em 100 litros de água. Os colmos de 3,50 m foram colocados nos tambores na
posição vertical, por um período de sete dias e depois invertidos, para melhor absorver a
solução, pelo mesmo período de tempo. Após o tratamento os colmos foram deixados secar à
sombra, por um período em torno de 30 dias.

4 DESCRIÇÃO DO PROCESSO CONSTRUTIVO

4.1. Desenho do protótipo

Trata-se de uma construção de apenas um módulo de 4,00 x 3,00 m, no total de 12,00 m2, e pé
direito de 3,00 m. O protótipo possui duas janelas, uma porta e cobertura de duas águas com
caimento para o maior lado, e beirais de 0,60 m (Figura 1).

Figura1. Planta baixa e vistas dos painéis.


4.2 Fundação

Foi feita fundação de sapata corrida, executada com duas fiadas de blocos de concreto de 39 x
9x 19 cm, reforçados com ferro de ¼” preenchidos com concreto. Nos quatro cantos e nas
metades dos vãos da construção, foram utilizadas fôrmas de compensado para concretagem
das bases dos pilares de 10 x 10 x 80 cm. Os colmos de bambu foram revestidos com arame
farpado na base para obter uma maior aderência com o concreto (Figura 2 e 3).

Figura 2. Detalhe da fundação.

Figura 3. Seqüência construtiva da fixação do pilar na fundação.

4.3 Estrutura

O esquema estrutural foi composto com oito pilares de bambu da espécie D. giganteus de
altura de 3,00 e em torno de 12 cm de diâmetro, e vigas de bambu da espécie G. angustifolia.
No internódio superior dos pilares foi concretado um ferro de espera de ¼” para a fixação das
vigas. As tesouras foram executadas com sistema bambu-madeira e os caibros e ripas de
madeira (Figura 4 e 5).
Figura 4. Detalhe geral da estrutura da construção.

Figura 5. Seqüência construtiva da estrutura da cobertura.

4.4 Pisos

O contrapiso foi realizado de forma convencional, sendo compactado manualmente. O piso


foi executado com argamassa de cimento e areia com palha de arroz no traço de 1:3:2
(cimento, areia e casca), desempenado e regularizado com sarrafo de madeira (Figura 6).

Figura 6. Seqüência construtiva da execução do piso.

4.5 Vedação

Os painéis de vedação foram fabricados com uma moldura de madeira (cedrinho) e lascas de
bambus das espécies P. purpuratta, G. angustifolia, D. giganteus e B. vulgaris, cortadas em
seis pedaços, sendo dispostas suas faces alternadamente. Os painéis foram confeccionados de
acordo com as medidas do projeto variando entre painel janela, painel cego e painel porta e
fixados aos pilares com uma barra de ferro dobrada na ponta (Figura 7).
Figura 7. Montagem dos painéis e acabamento com argamassa.

4.6 Coberturas

As telhas para a cobertura foram fabricadas na UNIMEP (Universidade Metodista de


Piracicaba) com a máquina PARRY-ASSOCIATES de acordo com a metodologia de
fabricação especificada em SKAT (1994), com argamassa de cimento ARI V e bambu da
espécie G. angustifolia desfibrado em solução de soda cáustica, utilizando o traço de
1:1,25:0,05 (cimento, areia e fibras de bambu), como apresentado na Figura 8.

Figura 8. Seqüência da fabricação das telhas.

4.4 Acabamentos

As taliscas de bambu dos painéis foram impermeabilizadas com piche e salpicadas com areia
grossa para proporcionar uma maior aderência com a argamassa. Foi utilizado argamassa
convencional para o revestimento dos painéis, finalizando com uma pintura de cal (Figura 9)

Figura 9. Vista final da construção.

A porta e as janelas foram confeccionadas com uma moldura de madeira e bambu da espécie
P. purpuratta colocados diagonalmente e revestidas com resina cristal transparente
proporcionando um efeito estético diferenciado (figura 10).
Figura 10. Detalhes das janelas e porta.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a coleta e preparo do material até a construção propriamente dita foi observado
facilidade de execução durante todas as etapas do processo construtivo do protótipo.

De uma forma geral as espécies de bambu utilizadas, de acordo com suas características
dimensionais e de resistência mecânica, mostraram um excelente desempenho, comprovando
a versatilidade do bambu como material de construção.

Ao sistema construtivo estrutural básico empregado (pilar/viga) foram feitas adaptações que
viabilizassem os encaixes e junções dos pilares/vigas, pilares/painéis e tesouras para o
telhado. Tais alternativas mostraram-se adequadas e de simples execução.

A solução utilizada, no que diz respeito à variação de diâmetro dos colmos e a sua não
verticalidade, consistiu no acabamento das interfaces dos pilares com os painéis, através de
um contramarco de madeira de seção retangular que os unia. Além desta peça de madeira
empregou-se corda de sisal para o fechamento final.

Este projeto, cuja finalidade foi a de contribuir para os possíveis programas habitacionais e de
construções rurais, está aberto para, junto com outros estudos referidos à aplicação do bambu,,
ser incorporado em futuras pesquisas.

O protótipo encontra-se em análise de pós-ocupação, tendo sido instrumentado para avaliar-se


o desempenho térmico do conjunto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZZINI, A.; SALGADO, A. L. B. (1992a). Posibilidades del Bambú como materia prima
industrial. In: I CONGRESO MUNDIAL DE BAMBÚ GUADUA. Pereira, Colômbia, 1992.
Anais: Pereira. p.139-144.

AZZINI, A.; SALGADO, A. L. B. (1992b). Avaliação quantitativa do material fibroso e


vazios em colmos de bambu. O Papel. p.49-52, jul.

BARBOSA, J. C.; INO, A. (1998). Utilização do bambu na produção de habitação de interesse


social - Compilação dos exemplos construtivos. In: VI Encontro Brasileiro em Madeiras e
em Estruturas de Madeira. Florianópolis, SC, 1998. Anais, vol. 4. p.307-318.
CAMUS, E.G. (1913). Les Bambusées. Paris, Editeur Paul Lechevalier.

JANSSEN, J.J.A. (1995). Building with Bamboo.London, UK. Intermediate Yechnology


Publications, 65p.

LIN, Wei-chih. (1968). The Bamboos of Thailand,Tawain, China. Taiwan Forestry Research
Institute, 52p.

SKAT. Manual Técnico, Vol.22; Manuel de Production-Tuiles en Fibro et Vibro- Mortier,


1994 pp 2-10.

TARGA, L.A.; BALLARIN, A.W. (1991). Determinação da resistência à tração do bambu. In:
Congresso Brasileiro de Engenharia Agrícola, XX, Londrina, PR, 1991. Anais, vol. 1. p. 132-
139.

UEDA, K. (1981). Bamboo Industry in Japan, Present and Future. In: XVII JUFRO WORLD
CONGRESS DIVISIONS, Anais. p. 245-255.

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