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Considerações sobre a imunidade parlamentar no


ordenamento jurídico brasileiro.

A expressão “estatuto dos congressistas” se refere às regras


referentes aos parlamentares, o que inclui imunidades,
vedações, prerrogativas, hipóteses de perda de mandato
legislativo ou cassação e, etc.

Inicialmente, observaremos o artigo 53 da CF/1988 que se


refere às imunidades dos deputados e senadores. Tais
imunidades constituem as prerrogativas de ordem pública
são irrenunciáveis posto que sejam decorrentes do princípio
da separação dos poderes. E, são atribuídas ao Poder
Legislativo para o exercício de suas atribuições
constitucionais sem a ingerência indevida dos demais
Poderes.

É a diplomação e não a posse que marca o início da vigência


das imunidades. Lembremos que a diplomação, em
verdade, é ato posterior à posse, realizado pela Justiça
Eleitoral e, finalmente, proclama eleito o candidato.

A inviolabilidade prevista abrange a seara cível e penal por


quaisquer de suas opiniões, palavras ou votos. Quando não
há crime.
2

De sorte que as manifestações escritas ou verbais


realizadas durante o mandato, não acarretarão a
responsabilização civil ou penal seja durante e, mesmo
depois que deixarem o cargo parlamentar.

Sublinhe-se que tais condutas quando perpetradas pelo


cidadão comum poderiam tipificar crimes como os contra a
honra tais como calúnia, difamação ou injúria1 e, quanto
praticada por parlamentar serão atos lícitos posto que sejam
imunes à responsabilização.

Podemos classificar as imunidades2 parlamentares em


materiais quando referentes às manifestações e
pronunciamentos e em formais quando referentes às regras
procedimentais.

1
Na calúnia, o autor do delito atribui ao ofendido uma conduta que é definida na lei como
criminosa. Por exemplo, João, sabendo ser falsa a afirmação, diz que Carla, servidora pública,
recebeu dinheiro para acelerar o andamento de um requerimento administrativo. Existe calúnia
nesse caso, porque a conduta atribuída por João corresponde ao crime de corrupção passiva.
Na difamação, o agente atribui ao ofendido uma conduta ofensiva à reputação, mas que não
corresponde a crime (pois, nesse caso, seria calúnia). Na injúria, o agente ofende a dignidade ou
o decoro do ofendido por qualquer meio. Ocorre, por exemplo, se Júlia se dirige a Luís e o chama
de “desonesto, sem vergonha”. Os tribunais brasileiros costumam entender que não ocorre
crime contra a honra quando pessoas trocam ofensas durante discussão (é o que se chama de
retorsão imediata), mas isso também dependerá do exame das circunstâncias.

2
Segundo o Vocabulário jurídico de Silva: Imunidade – do latim immunitas (isenção, dispensa),
entende-se o privilégio outorgado a alguém, para que se livre ou se isente de certas imposições
legais, em virtude de que não é obrigado a fazer ou cumprir certo encargo ou certa obrigação,
determinada em caráter geral. Em princípio, é atribuída a certas pessoas, em face de funções
públicas exercidas (parlamentares, congressistas, diplomatas). E, por ela, é assegurada às
mesmas uma soma de regalias e prerrogativas excepcionais em relação às demais pessoas. A
imunidade coloca às pessoas, a quem se atribuem semelhantes prerrogativas ou regalias,
proteção especial. (In: GOMES, Enéias Xavier. Da Crítica de Hans Kelsen às Imunidades
Parlamentares. Disponível em:
https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1132/R%2520DJ%2520crit
ica%2520Kelsiana%2520-%2520Eneias%2520Xavier.pdf%3Fsequence%3D1+&cd=9&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 09.5.2018).
3

A imunidade material também chamada de freedom of


speech é a liberdade de discurso. A referida inviolabilidade
apesar de francamente admitida pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, somente foi introduzida
expressamente com o advento da EC35/2001.

Apesar de que excluía somente a responsabilidade civil e


penal, mas boa parte da doutrina entende que o parlamentar
está imune de qualquer responsabilidade, incluindo-se
também a política e a administrativa.

Ainda que as manifestações ocorram fora do recinto do


Congresso Nacional, exige-se, no entanto, que o ato esteja
relacionado ao exercício da atividade parlamentar (STF, Inq.
1944/DF, relator Ministra Ellen Gracie, 10/2003; STF, Inq.
1.344/DF, relator Min. Sepúlveda Pertence).

Em tese, as manifestações fora do recinto do Congresso ou


Parlamento, só estarão protegidas caso, mantiverem a
conexão com a atividade parlamentar. E, dentro do
Congresso vige a presunção3 absoluta de pertinência

3
Esclarece Lopes-Moreno que atendendo à raiz etimológica da palavra, percebe-se que
presunção segundo o Dicionário da Real Academia, vem da palavra latina praesumptio, assim
como esta deriva do particípio praesumptum, do verbo praesumo, composto da preposição prae
e do verbo sumo, que significa literalmente, tomar antes. Já Valentin Silva Melero aduz que o
termo latino presumere originariamente dá a entender um movimento corporal e, em muitas
passagens da literatura jurídica clássica ou moderna, vem acompanhado da reprovação de
ilicitude e atrevimento que implica em apoderar-se de algo. Só para recordar, o usurpador Juan
que depois da morte do Imperador Honório subiu ao poder, recebeu o epiteto de Preasumptor.
(In: MALUF, Carlos Alberto Dabus. As Presunções na Teoria da Prova. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67011/69621
Acesso em 09.5.2018).
4

existente entre a manifestação e o exercício da atividade


parlamentar.

No caso de uso de meios eletrônicos tais como e-mails ou


redes sociais quando utilizadas para veicular ofensas à
honra, de outrem, deve haver vinculação com a atividade
parlamentar para que persista a imunidade material
parlamentar. Do contrário se extrairia um uso abusivo da
prerrogativa que pertence à instituição e, não pessoalmente
ao parlamentar.

Repise-se que a imunidade material se estende ao fato


coberto pela inviolabilidade divulgado na imprensa ou mídia
em geral, seja por iniciativa parlamentar ou de terceiros.

Outrossim, o parlamentar deve restar imune à censura cível


e penal e, mesmo a resposta imediata à injúria perpetrada
por parlamentar e acobertada pela imunidade.

A natureza jurídica da imunidade penal corresponde a um a


causa excludente de tipicidade. Em caso de denúncia, esta
deverá ser rejeitada, por ausência de justa causa, não se
admitindo nem a instauração de processo penal até mesmo
após o término do mandato.

É a orientação adotada pelo STF quando ocorrerem as


manifestações contra a honra e que estão protegidas com a
5

imunidade parlamentar material, quando o ministro relator


do STF poderá determinar o arquivamento dos autos.

A imunidade material, no entanto, não alcança os discursos


com finalidade político-eleitoral (partidária), ocorridas, por
exemplo, em campanhas de reeleição do parlamentar.

A imunidade formal ou processual se refere mais


propriamente às condicionantes de prisão e ao processo
penal ou cível. E, se referem também aos atos praticados e
que não perderam o caráter de ilícito, de sorte, que os
parlamentares que sejam seus autores responderão por tais
atos.

Entretanto, ainda existem as prerrogativas quanto à prisão e


à possibilidade de sustação do andamento do processo.
Quanto à prisão, prevista no artigo 53, §2º da CF/1988 os
parlamentares não serão presos, salvo em flagrante delito
de crime inafiançável. Quando em 24 (vinte e quatro) horas
os autos serão remetidos à Casa respectiva (seja a Câmara
dos Deputados ou Senado) para que pelo voto da maioria se
decida e se resolva sobre a manutenção ou não da prisão).

Tal proibição de prisão também alcança mesmo a prisão civil


por inadimplência de pensão alimentícia, conforme o artigo
5º, LXVIII da CF/1988.
6

E, a imunidade formal se refere também à vedação de


condução coercitiva4 do parlamentar e, quanto ao processo
penal ou cível, a imunidade in casu implica também na
possibilidade de sustação do referido processo.

Assim, uma vez recebida a denúncia contra o senador ou


deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o STF
iniciará o processo de julgamento sem qualquer
necessidade de prévia autorização da respectiva Casa
legislativa para tanto.

Por outro lado, se já iniciado o processo e ocorrendo o


julgamento, o STF dará ciência à Casa Legislativa respectiva
que, a partir da iniciativa de partido político neste
representado e pelo voto da maioria de seus membros (ou
seja, maioria absoluta) poderá, até a decisão final, sustar o
tramitar da ação já iniciada pelo STF.

4
Em que pese que boa parte da doutrina alegue que os dispositivos legais que autorizam a
condução coercitiva pela autoridade policial não foram recepcionadas pela atual Constituição
brasileira. Argumentam, alguns, que o CPP advém antes do texto constitucional vigente. E,
assim, retratam, pois, a condução coercitiva do investigado como modalidade de prisão. E, nesse
sentido há forte entendimento que fundamenta a impossibilidade da condução coercitiva pela
autoridade policial. E, no cenário constitucional brasileiro vigente, somente o juiz poderia
determina a condução coercitiva, ainda que seja em sede de inquérito policial. Assim, sob os
argumentos do nobre processualista Guilherme Nucci, a autoridade policial jamais poderia
expedir mandado de condução coercitiva (modalidade de prisão) com base nos termos do artigo
5º, inciso LXI, da CF/1988. A finalidade da condução coercitiva é determinar que os submetidos
a esta medida colaborem com a Polícia Judiciária e a Justiça. Daí a clareza da total
incompatibilidade com o objeto, meios, objetivos e motivo da prisão. Por ter uma finalidade de
segregação é que a prisão somente poderá ser decretada pelo juiz competente, considerando-
se que sua aplicação é norma a ser utilizada em casos excepcionais, consequentemente,
revestida de uma série de requisitos que em nada se coadunam com a condução coercitiva.
(In:TARCHA, Patrícia Rosana Magalhães. As novas perspectivas da condução coercitiva e a
polícia judiciária. Disponível em: https://patriciatarcha.jusbrasil.com.br/artigos/121944123/as
novas-perspectivas-da-conducao-coercitiva-e-a-policia-judiciaria Acesso em 09.5.2018).
7

O pedido de sustação processual será apreciado pela


respectiva Casa Legislativa, dentro do prazo de quarenta e
cinco dias a contar de seu recebimento pela Mesa Diretora
e, caso aprovado, suspenderá o prazo de prescrição do
crime ou delito, enquanto durar o mandato do parlamentar.

As regras acima descritas também se aplicam aos


deputados estaduais. Mas, os vereadores só dispõem de
imunidade material apenas na circunscrição do município
(art. 29, VIII da CF/1988).

Há, ainda, as regras atinentes ao foro especial por


prerrogativa de função parlamentar. E, tal foro significa que
após a sua diplomação passarão a ter prerrogativa de serem
julgados somente perante ao STF ao que se refere às
infrações penais. Mas, não se aplica às ações de natureza
cível (tais como, ação popular) que segue seus respectivos
trâmites perante a Justiça ordinária competente (a justiça
federal de primeiro grau).

Uma vez diplomado o parlamentar, responderá perante ao


STF mesmo sobre as infrações ocorridas antes de sua
diplomação. Mesmo que o processo já tenha sido iniciado na
Justiça comum, com a sua diplomação este será transferido
para o STF. Mas, nesse caso, não haverá a imunidade
parlamentar e, sim, apenas foro especial, não haverá
também a possibilidade de sustação do andamento
processual, por decisão de maioria absoluta da Casa
Legislativa.
8

Há, tão-somente, o deslocamento da competência originária


do processo já iniciado. Repise-se que o foro especial por
prerrogativa de função parlamentar.

Sublinhe-se que o foro especial por prerrogativa de função


parlamentar só alcança crimes cometidos antes da sua
diplomação, mas só persiste durante o exercício do mandato
legislativo.

Uma vez findo o mandato parlamentar ipso facto termina o


direito ao foro especial, devendo, portanto, o processo ser
encaminhado à Justiça comum competente, exceto se o STF
já tiver iniciado o julgamento do processo.

No caso de haver cidadãos comuns envolvidos no mesmo


processo5 de um parlamentar, estes igualmente serão
julgados, em regra, pelo foro especial (STF).

Mas, no entanto, caso ocorra a sustação do processo do


parlamentar pela Casa Legislativa, os autos serão
separados e a documentação dos demais cidadãos comuns
sem o direito ao foro especial, será encaminhada para a
Justiça comum, para julgamento.

5
Coautor ou partícipe: havendo coautor ou partícipe no fato imputado a parlamentar, eventual sustação
do processo em relação a este não alcança o coautor ou partícipe. A Súmula 245 do STF (que diz que a
imunidade parlamentar não se estende ao corréu) só tem valor hoje para a imunidade processual
(exemplo: particular que ajuda deputado a cometer corrupção. Quanto ao parlamentar pode haver – em
tese – sustação do processo; mas essa sustação não alcança o coautor ou partícipe). (In: GOMES, Luís
Flávio; BIACHINI, Alice. Das imunidades e prerrogativas dos parlamentares. Disponível em:
https://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/315644894/das-imunidades-e-prerrogativas-dos
parlamentares Acesso em 9.5.2018).
9

É comum que alguns parlamentares depois de serem


eleitos, solicitem afastamento do cargo eletivo a fim de que
ocupe cargo no Executivo (tal como Ministro de Estado).
Trata-se de uma conduta permitida pelo texto constitucional
vigente, ao estabelecer que não perderá o mandato, seja
deputado ou senador que for investido em cargo de Ministro
de Estado, Governador, Secretário de Estado, Prefeitura de
Capital ou chefe de missão diplomática temporária.

O parlamentar apesar de afastado do Legislativo ainda


mantém o mandato eletivo, podendo ainda optar pela
remuneração do mandato.

O parlamentar afastado de suas funções no Legislativo para


exercer cargo no Executivo tendo a sua imunidade suspensa
durante o período de afastamento. Porém, não suspende o
seu direito ao foro especial por prerrogativa de função.
Assim, mantém o direito de ser julgado pelo STF nas
infrações penais.

O afastamento do parlamentar para exercer outros cargos,


conforme o artigo 56, I CF/1988 não impede a instauração
de processo disciplinar pela sua Casa Legislativa por quebra
de decoro parlamentar6 (artigo 55, §1º da CF/1988).

6
O decoro parlamentar é a conduta individual exemplar que se espera que seja adotada por
políticos na qualidade de representantes eleitos de seu povo. Está descrito no regimento interno
de cada Casa Legislativa. No atual texto constitucional brasileiro, está previsto no artigo 55,
parágrafo primeiro. O que fere o decoro parlamentar são, a saber: o uso de expressões que
configuram crime contra a honra ou que incentivem sua prática; o abuso de poder; recebimento
de vantagens indevidas; prática de ato irregular grave no desempenho de suas funções
parlamentares; revelação de conteúdo de debates considerados secretos pela Assembleia
10

A imunidade formal ou freedom of arrest, também chamada


de incoercibilidade pessoal relativa, o que não exclui o crime,
mas protege o parlamentar em relação à prisão e ao
processo penal.

A única hipótese de prisão parlamentar é em flagrante7 delito


sendo um crime inafiançável.
A vedação de prisão do parlamentar refere-se à prisão
cautelar (preventiva ou temporária) e à prisão em flagrante
de crime afiançável. Independentemente se o ilícito ter
ocorrido antes ou depois da diplomação.

Legislativa, entre outros; a exemplificação do que é exatamente o decoro parlamento está


constante no Regime Interno de cada uma das Casas Legislativas. É muito complexa é a questão
de atos praticados no passado, antes do exercício da atividade parlamentar, na vida pública ou
privada, e que só se tornaram conhecidos após a posse. Para agravar a análise, imagine-se a
prática de crimes hediondos ou atos de pedofilia antes do ingresso na vida pública e que só
foram descobertos e provados quando o indivíduo se encontrava no exercício de mandato
parlamentar. (In: RIBEIRO, Renato Ventura. Considerações sobre o decoro parlamentar e os
limites legais. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2007-ago-
31/decoro_parlamentar_quais_limites_legais Acesso em 9.5.2018.)
7
A palavra flagrante derivada do latim flagrans, flagrantis (do verbo flagrare, queimar) significa
ardente, que está em chamas, que arde. É o crime que ainda queima, ou seja, que está sendo
cometido ou acabou de sê-lo. Na conhecida lição de Hélio Tornaghi, "flagrante é, portanto, o
que está a queimar, e em sentido figurado, o que está a acontecer". Daí a expressão flagrante
delito, para significar o delito no instante mesmo da sua perpetração. Prisão em flagrante delito
é, assim, a prisão daquele que é surpreendido no instante mesmo da consumação da infração
penal. Ainda acerca do assunto Guilherme de Souza Nucci, leciona que o flagrante significa tanto
o que é manifesto ou evidente, quanto o ato que se pode observar no exato momento em que
ocorre. Neste sentido, pois, prisão em flagrante é a modalidade de prisão cautelar, de natureza
administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração
penal (crime ou contravenção penal). Autoriza-se essa modalidade de prisão na Constituição
Federal (art. 5º, LXI), sem a expedição de mandado de prisão pela autoridade judiciária, daí por
que o seu caráter administrativo, já que seria incompreensível e ilógico que qualquer pessoa,
autoridade policial ou não, visse um crime desenvolvendo-se à sua frente e não pudesse deter
o autor de imediato.
11

Além da possibilidade de prisão em flagrante em delito


inafiançável, a jurisprudência do STF tem admitido a prisão
em razão de condenação penal definitiva.

Mas, frise-se que a imunidade formal não é aplicável à prisão


civil em razão de dívida de obrigação alimentar. Em verdade,
a EC 35/2001 mitigou-se a imunidade processual em razão
da substituição do princípio da improcessabilidade que era
previsto originariamente, passando para o princípio da
processabilidade.

Assim, os deputados e os senadores poderão ser


processados criminalmente independentemente de qualquer
deliberação prévia da Casa Legislativa.

Durante o período compreendido entre a diplomação até o


fim do mandato, a competência até o fim do mandato, a
competência para julgamento dos parlamentares no caso de
infrações penais comuns será do STF (art. 53, §1º c/c art.
102, I b).

A sustação processual suspende a prescrição enquanto


durar o mandato parlamentar. Os prazos prescricionais
suspensos no regime de imunidade anterior (princípio da
improcessabilidade8) voltarão a fluir a partir da publicação da

8
É que o princípio da improcessabilidade de que tratava a norma constitucional anterior foi
substituído pelo da processabilidade. Os parlamentares, portanto, poderão sofrer processo
penal independentemente de qualquer deliberação prévia da Casa Legislativa respectiva. Com
a inovação da EC 35/2001, nesse tema, permite que a Casa respectiva, por maioria absoluta e,
por iniciativa de partido político suste, a qualquer momento, após o recebimento da denúncia,
o processo-crime, até a decisão final. (In: HORTA, Raul Machado. Imunidades parlamentares.
12

EC 35/2001, nos feitos em que aguardava a deliberação de


licença prévia.

A improcessabilidade não veda a ação penal. O ato


praticado, no seu domínio, é estranho ao exercício do
mandato.

E, por essa razão, a regra constitucional reclamar o


conhecimento do fato pela Câmara respectiva, para
deliberar sobre a suspensão da imunidade processual,
deferindo a licença para a prisão ou para o processo
criminal.

No Direito Constitucional pátrio enquanto a inviolabilidade é


duradoura no tempo, pois a proteção aos votos, opiniões e
palavras, manifestadas no exercício do mandato, não se
extingue no tempo, apesar da extinção do próprio mandato
legislativo, a improcessabilidade é temporária, tendo início e
término prefixados no texto constitucional vigente.

Mesmo no direito contemporâneo ainda há o debate sobre o


real alcance destas imunidades. A indagação abre espaço
para sérias controvérsias. Por esta razão, o STF
recentemente vem procurando mitigá-las para evitar a noção
de impunidade.

Disponível em:
https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1132/R%20DJ%20critica%
20Kelsiana%20-%20Eneias%20Xavier.pdf?sequence=1. Acesso em 09.5.2018).
13

Recentemente, dez dos onze ministros do STF já votaram a


favor da restrição do foro privilegiado. Desses, sete votos
para tirar do STF os crimes cometidos fora do mandato e
também aqueles não relacionados com o cargo, conforme
propôs o Ministro Luís Roberto Barroso.

E, ainda três ministros votaram na proposta mediadora do


Ministro Alexandre de Moraes, de manter no STF todos os
processos de crimes cometidos durante o mandato,
independentemente da relação coma atividade parlamentar.
(Vide a íntegra da notícia no link:
https://g1.globo.com/politica/noticia/stf-foro-privilegiado-
deputados-senadores.ghtml).

Em verdade o julgamento para discutir o mesmo tema,


começou em 2017, e fora interrompido por duas vezes,
sendo retomado no dia 02.5.2018, quando já contabilizava
com oito votos favoráveis à restrição do foro privilegiado dos
parlamentares9.

Cumpre salientar que a Ministra Cármen Lúcia, presidente


do STF, votou em junho favorável à restrição do foro, e

9
Segundo Kelsen, o princípio da liberdade que é dominante no parlamentarismo, apresentava-
se em dupla combinação, a saber: princípio da maioria caracterizado pela renúncia à exigência
da unanimidade de votos na criação da vontade coletiva e, a vontade indireta, segundo a qual a
vontade estatal não é emanação direta do povo, mas de um parlamento. Enfim, para superar o
impasse paradoxal, criou-se com a revolução francesa de 1789, a ficção da representação,
enxergando o Parlamento como representante do povo, legitimando-o do ponto de vista da
soberania popular.
14

criticou as manobras que os políticos realizam para mudar


de tribunal.

Afirmou ainda, que como cidadã, assim como todo brasileiro


sente-se numa sociedade em que a impunidade prevalece
em razão de situações como manobras ardilosas para
postergar ao máximo o julgamento.

E, a interpretação política e a interpretação jurídica da norma


constitucional podem conduzir a caminhos diversos. Enfim,
a interpretação infelizmente sofre o natural condicionamento
do meio e da época10.

A prerrogativa de foro se dirige apenas ao processo penal,


não se aplicando ao julgamento de outras causas de outras
naturezas, tal como a improbidade administrativa (Vide STF
– ADI 2797/DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence,
15.09.2005; STF Pet. 3270, Rel. Min. Celso de Mello, em
18.11.2004).

Também os inquéritos policiais devem tramitar perante o


STF, sob pena de caracterizar usurpação de sua
competência dando azo ao cabimento de reclamação. A
supervisão judicial da Suprema Corte pátria deve ser feita
durante toda a tramitação de investigações desde a abertura

10
STF eliminou o foro especial para ex-autoridades: depois de cancelada a Súmula 394 do STF, o
legislador ordinário, numa espécie de reação, aprovou a Lei 10.628/2002. Mas essa lei foi julgada
inconstitucional pelo STF (ADIns 2.797 e 2.860). O foro especial, desse modo, só vale enquanto
a autoridade exerce suas funções. Ex-autoridade não conta com o foro especial por prerrogativa
de função. Cessadas as funções, cessa o foro especial por prerrogativa de função.
15

de procedimentos investigatórios até mesmo a eventual


denúncia pelo dominus litis.

Nos casos de competência penal originária entende o STF


que a Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício, o
inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares
federais ou mesmo do próprio Presidente da República.

Lembremos que a competência para admitir processar e


julgar a exceção da verdade11, em regra, pertence ao juízo
competente para julgar a ação penal obrigatória.

Porém, quando deduzida em face de autoridades dotadas


de prerrogativas de foro especial (perante ao STF) sua
competência se restringe, unicamente, ao julgamento da
exceção da verdade. As competências para o juízo de
admissibilidade e para a instrução se situam mesmo na
instância ordinária.

A jurisprudência prevalente do STF na interpretação da


expressão “crimes comuns” compreende todas as
modalidades de infrações penais, alcançando até mesmo os

11
Relativamente aos crimes que atingem a honra objetiva, faz-se possível o exercício da exceção
da verdade, consistente possibilidade jurídica dada ao querelado de provar que o fato que
imputara a outrem é verdadeiro. De tal sorte, no crime de calúnia, provando o agente a
veracidade do alegado (pelo instituto da exceção da verdade), faz-se desparecer o elemento da
calúnia, observadas, todavia, quanto à possibilidade jurídica, as exceções constantes nos incisos
do § 3º do artigo 138 do Código Penal. Quais sejam: I - Se, constituindo o fato imputado crime
de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - Se o fato é imputado
a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141; III - Se do crime imputado, embora de ação
pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
16

crimes dolosos contra a vida, os delitos eleitorais e, incluindo


ainda, as contravenções penais12.

De qualquer forma, com a diplomação do parlamentar, a


competência para persecução criminal é deslocada para o
STF, restando mantida integridade jurídica dos atos
processuais já praticados anteriormente, inclusive de atos
decisórios. (STF HC 70620, rel. Ministro Celso de Mello,
16.12.1993; STF – Inq. 2.767, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
18.6. 2009).

Ratificamos que mesmo que ocorra o pedido de licença do


parlamentar para ocupar outro cargo em outro poder da
República, não afeta e nem se afasta a prerrogativa de foro
especial. Porém, a competência do STF, em regra, se
extingue em razão da renúncia, cassação ou fim de mandato
legislativo.

12
Contudo, com o advento da Lei nº 10.826/03, conhecido como “Estatuto do Desarmamento”,
tais dispositivos foram derrogados no que diz respeito às armas de fogo. Isso porque o referido
diploma legal tipifica tais condutas, cominando penas bem mais severas ao uso indevido de arma
de fogo do que as previstas no Decreto-Lei nº 3.688/41. Nesse sentido, cumpre registrar as
atuais sanções legais previstas pelo legislador para quem comete os crimes referentes a armas
de fogo: a) Posse irregular de arma de fogo de uso permitido – detenção, de um a três anos, e
multa; b) Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito)
anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua
posse ou que seja de sua propriedade - detenção, de um a dois anos, e multa; c) Porte ilegal de
arma de fogo de uso permitido – reclusão, de dois a quatro anos, e multa; d) Disparo de arma
de fogo - reclusão, de dois a quatro anos, e multa; e) Posse ou porte ilegal de arma de fogo de
uso restrito – reclusão, de três a seis anos, e multa; f) Comércio ilegal de arma de fogo – reclusão,
de quatro a oito anos, e multa. Percebe-se que, além do endurecimento das penas cominadas
para infrações penais referentes a armas de fogo, o estado passou a se preocupar muito mais
com o porte e a posse de arma de fogo por parte de população, já que tais direitos foram
restringidos significativamente. (In: MAUS, Victor. A APLICABILIDADE DA LEI DAS
CONTRAVENÇÕES PENAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO. Disponível em:
https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/1662/1/Victor%20Maus.pdf Acesso em
09.5.2018).
17

Apesar de que a Suprema Corte tem entendido pela


continuidade de sua competência para julgar a ação penal
em duas situações, a saber: a primeira exceção ocorre
quando já se iniciou o julgamento, quando o fim do mandato
eleitoral, assim não se desloca a competência para outra
instância; a segunda exceção ocorre no caso de renúncia
feita com o objetivo evidente de deslocar a competência do
Tribunal, o que caracteriza abuso de direito.

No caso de haver conexão entre o crime praticado por um


parlamentar e outro denunciado sem prerrogativa de foro
especial (perante o STF), caberá ao mesmo Supremo
Tribunal realizar o julgamento do conjunto dos denunciados.

A Súmula 704 do STF confirma o entendimento de que não


existe violação de garantias do juiz natural, da ampla defesa
e do devido processo legal a atração por continência ou
conexão do proceso do corréu ao foro por prerrogativa de
função de um dos denunciados.

Tal prerrogativa de foro especial, somente se estenderá ao


respectivo suplente no caso de efetivo exercício da atividade
parlamentar. E, em havendo o retorno do titular do cargo
legislativo, o suplente perderá o direito de ser investigado,
processado e julgado pelo STF.
18

O artigo 54 da CF/1988 prevê determinadas


incompatibilidades que instituem garantias com o fito de
preservar a independência e liberdade do Poder Legislativo.

A incompatibilidade não se confunde, realmente, com a


indelegabilidade que ocorre antes da eleição e decorre,
ainda, da ausência de capacidade eleitoral passiva. Já a
inelegibilidade absoluta se refere propriamente à condição
pessoal e impede a disputa para qualquer cargo eletivo
enquanto que a relativa, em geral, está relacionada a
determinados cargos do Executivo, podendo ser afastada,
mediante a desincompatibilização.

As incompatibilidades também não devem ser confundidas


com os crimes de responsabilidade, para os quais não há
previsão constitucional em relação à deputados e
senadores.

A incompatibilidade ocorre após a eleição e impede a prática


de certos atos pelo eleito ou exercício simultâneo de certos
cargos, funções ou empregos públicos remunerados.

O mesmo ocorre com as garantias, as restrições inerentes


ao exercício do mandato parlamentar não se estendem aos
suplentes.

Segundo o texto constitucional brasileiro vigente, após a


diplomação, os deputados e senadores não poderão: a)
19

firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito


público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia
mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo
quando o contrato obedecer às cláusulas uniformes; b)
aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado,
inclusive os de que sejam demissíveis ad nuttum.

Já a partir da posse, os parlamentares de: proprietários,


controladores ou diretores de empresa que goze de favor
decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito
público, ou nesta exercer função remunerada; ocupar cargos
ou funções de que sejam demissíveis ad nuttum; patrocinar
causa em que seja interessados pessoa jurídica de direito
público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia
mista, ou ainda, empresa concessionária de serviços
públicos ou mandato público eletivo.

Uma vez constatada a referida incompatibilidade, o


parlamentar poderá sofrer sanção constitucional da perda de
mandato (art. 56, I da CF/1988).

Lembremos que a classificação das referidas


incompatibilidades em contratuais, profissionais ou políticas.

De acordo com a uniformização de tratamento conferido aos


deputados estaduais, a CF/1988 lhe estendeu as regras
relativas às inviolabilidades e imunidades dos parlamentares
federais.
20

A competência para julgar os deputados estaduais por


crimes comuns é do Tribunal de Justiça. Não se aplicando o
enunciado da Súmula 721 do STF;

Existe entendimento tem como base o poder implícito


reconhecido ao Estado-membro para atribuir a seus agentes
políticos as mesmas prerrogativas de função de natureza
processual penal que a Constituição Federal outorga aos
deputados federais.

A competência para processar e julgar o deputado estadual


nos crimes praticados em razão de bens, serviços ou
interesses da União, autarquia ou empresa pública federal
será do Tribunal Regional Federal. E, no caso de crimes
eleitorais, a competência passa a ser a do Tribunal Regional
Eleitoral.

No que tange a imunidade formal introduzida pela EC


35/2001 e aplicável com a diplomação aos deputados
estaduais não poderão igualmente ser presos por crime,
exceto em flagrante delito em crime inafiançável, quando os
autos devem ser enviados e remetidos por vinte e quatro
horas à Assembleia Legislativa para que pelo voto da
maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (CF/1988,
art. 27,§1º c/c art. 53, §2º).

A imunidade material foi conferida de forma inédita aos


vereadores pela CF/1988 e também afastou a
21

responsabilização civil e penal quando as palavras, opiniões


ou votos forem proferidos em razão do exercício do mandato
eletivo e na circunscrição do município (art. 29, VIII
CF/1988).

Porém, os vereadores13 não possuem imunidade formal,


sendo vedada as Constituições estaduais ou leis orgânicas
municipais lhes atribuir essa garantia.

Também existe a prerrogativa de foro para os parlamentares


municipais, porém, não existe impedimento de que as
Constituições Estaduais atribuíam competência originária do
Tribunal de Justiça para processá-los e julgá-los
criminalmente.

Tal prerrogativa de foro, por ser atribuída somente pela


Constituição Estadual, não se estende aos crimes dolosos
contra a vida (Súmula 721 do STF).

As proibições e incompatibilidades no exercício da vereança


são fixadas pelas Leis Orgânicas municipais sendo similares

13
DECISÃO: STF – “Nos limites da circunscrição do município e havendo pertinência com o
exercício do mandato, garante-se a imunidade do vereador”. Esta tese foi assentada pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão desta quarta-feira (25), ao dar
provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 600063, com repercussão geral reconhecida. Os
ministros entenderam que, ainda que ofensivas, as palavras proferidas por vereador no exercício
do mandato, dentro da circunscrição do município, estão garantidas pela imunidade
parlamentar conferida pela Constituição Federal, que assegura ao próprio Poder Legislativo a
aplicação de sanções por eventuais abusos. (In: PEREIRA, Clóvis Brasil. Vereador Tem Imunidade
Parlamentar: STF garante imunidade de vereador no exercício do mandato. Disponível em:
http://www.prolegis.com.br/vereador-tem-imunidade-parlamentar-stf-garante-imunidade-de-
vereador-no-exercicio-do-mandato/ Acesso em 09.5.2018)
22

aos parlamentares federais e estaduais (art. 29, IX da


CF/1988).

Durante o estado de sítio14, em razão da excepcionalidade


da situação as imunidades parlamentares poderão ser
suspensas mediante o voto de dois terços de membros da
Casa Legislativa respectiva.

Tal suspensão se refere apenas aos atos praticados fora do


recinto do Congresso Nacional e que sejam incompatíveis
com a execução do estado de sítio (art. 55, § 5º da CF/1988).

É uma faculdade e, não uma imposição, se o parlamentar


achar conveniente, poderá, sim, torná-las, públicas as
informações de que dispunha.

14
O estado de sítio é um instrumento burocrático e político sobre o qual o chefe de Estado –
que, no Brasil, é o(a) Presidente da República – suspende por um período temporário a atuação
dos poderes legislativo (deputados e senadores) e judiciário. Trata-se de um recurso
emergencial que não pode ser utilizado para fins pessoais ou de disputa pelo poder, mas apenas
para agilizar as ações governamentais em períodos de grande urgência e necessidade de
eficiência do Estado. A forma como o estado de sítio funciona depende muito da legislação
constitucional que cada país possui. No Brasil e na maioria dos países, o estado de sítio possui
uma duração muito limitada – aqui, de 30 dias – e só pode ser estendido em casos de guerra,
tendo duração enquanto essa perdurar ou manter-se plenamente ativa. Na Constituição Federal
(CF/1988), o funcionamento do estado de sítio está fundamentado nos artigos 137 a 141.

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