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COMPORTAMENTO CRIMINOSO

to

Iniciei csttí livro sob o calor de Honolulu, no decorrer de


tiMut rsliiíln do u m ano na Universidade do Havaí, e completei-o
Ml) ilimii hcrn diverso dc Birmingham, Sou grato à Universidade
ilu liinningliam por ter-me concedido esta licença, e à Universi-
(liidc do Havaí por ter-me acolhido, mostrando-se generosa em
icliiçno aos meus deveres de professor. Inúmeros estudantes de Capítulo 1
pós-gruduação de ambas as universidades contribuíram com valio-
Nos comentários e devo mencionar particularmente John Allsopp,
Li/. Kuipcrs, David Crawford, Colin Reynolds e Julian Fuller. Peter
Descrição: Delitos e Delinqiientes
Moodic, da Faculdade de Direito da Universidade de Birmingham,
nioslrou-sc um valioso orientador na legislação criminal e nas
abordagens sociológicas ao crime. Meus colegas do Departamento Delitos: Definições e Cifras
de Psicologia, Derek Blackman e Ray Cochrane, mostraram-se úteis
c pacientes nos debates sobre a aprendizagem e o desvio. Nenhuma
Definições
dessas pessoas mencionadas pode ser de modo algum responsabi-
lizada pelos inevitáveis erros de fato e julgamento que eu tenha
Antes de definir os termos é preciso observar que "crime"
cometido. Sou particularmente grato às várias secretárias que bata-
e "delito", "criminoso" e "delinqiiente", tendem a ser usados como
lharam com as minhas igualmente difíceis gravações e caligrafia,
sinónimos e a ter o mesmo significado. Nos Estados Unidos, assim
em especial Chris Benkwitz, Chris Thomas, Barbara Hudson e como na Grã-Bretanha, "delinquente'* e "delinquência" são usados
Eileen Brookes. em especial no contexto do crime juvenil e tendem a ser sinónimos
Para terminar, meus agradecimentos a minha agente literária de "infrator" e "criminalidade", respectivamente. Neste livro usa-
Frances Kelly e aos editores, que possuem o necessário misto de remos com frequência os termos "crime" e "comportamento crimi-
percepção, paciência e firmeza. noso", que se referem a todas as ocorrências comportamentais asso-
M . P H I L I P FELDMAN ciadas à comissão_de. um-comportamento juridicamente definido
como cfinie.
1976
Na Grã-Bretanha, embora não haja definição estatutária da
palavra "crime", a definição apresentada pelo eminente jurista
Glanville Williams é provavelmente de aceitação geral: "Crime é
um ato passível de ser acompanhado de processo criminal, saben-
do-se que um tipo de consequência (punição, etc.) se seguirá a
esse processo" (1955, pág. 2 1 ) .
Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais difícil por causa
da distinção entre "direitos federais" e "direitos estaduais". Con-
tudo, o Código Legal Modelo que se acha no momento em elabo-
ração não diferirá muito em princípio do acima dito, embora
exponha com mais detalhes os atributos que definem o termo
"crime", assim como as finalidades da lei criminal.
Decidir S C um evento comportamental deve ou n ã o ser consi-
derado como um crime e, portanto, sujeito ou não a processo, é
em grande pai-tc uma questão policial, tanto na Grã-Bretanha como
nos Estados Unidos (com exceção, na Grã-Bretanha, do homicídio) .
Além do mais, c a polícia quem decide qual o crime em particular

2 - C . C .
IH i . i r n s I! n r i J N o i i í Nii:s
IK
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(jiie O comportamento representa, podendo assim "amenizá-lo" ou y-r roiili/íidíi cm tais populações. Existe ainda outra similaridade,
"iigravá-lo". "Polícia", neste contexto, significa às vezes um poli- nu scjii. (|nc cm ambos os campos asseverou-se — os teóricos da
cinl da ronda, às vezes o sargento de plantão na delegacia. Assim, rolitliição cm especial (ver capítulo 8) — que ato algum é intrin-
a polícia tem consideráveis poderes decisórios, com óbvias conse- Kociinicntc desviante; o critério segundo o qual o comportamento
(liicncias para a estatística oficial do crime, conforme veremos. é considerado anormal depende do ponto de vista referente ao
compoi-tamcnto defendido por especialistas sancionados pela socie-
Quando há acusação, o acusado comparece em juízo. Segundo dade: juízes, psiquiatras e outros profissionais. O corolário desta
as leis britânicas, na maioria dos casos (as exceções incluem deli- assertiva é que o que é considerado psicologicamente anormal varia
tos dc estrita responsabilidade, tais como infrações de trânsito) entre as culturas. No setor criminal, o ponto de vista da rotulação
certas condições devem ser preenchidas. É preciso que tenha havido apresenta como suposição básica que os comportamentos conside-
uma ocorrência, ou um estado de coisas proibido pela lei criminal, ( rados criminosos do ponto de vista legal variem similarmente de
e que tenha sido causado pela conduta do réu, e ocorrido em cir- [ uma cultura para outra, sendo o rótulo de "crime" aplicado pelos
cunstâncias específicas. Tradicionalmente, os quesitos acima são poderosos para controlar os menos poderosos, a fim de incrementar
rotulados como actus reiís. Até aqui estamos na área dos eventos seus próprios objetivos económicos e políticos. No capítulo 8,
descritivos, imediatamente observáveis. Passamos agora à área examinaremos a explicação do crime pela teoria da rotulação no
explanatória e contenciosa, mais hipotética, dos "eventos mentais". contexto de um exame das abordagens sociológicas. No momento
A conduta do réu precisa ter sido acompanhada de um estado de nos concentraremos na asserção do relativismo cultural (e na
espírito específico {mens rea). Finalmente, tais quesitos devem ser asserção correlata, a do relativismo temporal). De fato, segundo
comprovados pela acusação para além de qualquer dúvida razoá- Lcnicrt (1972), praticamente todas as sociedades desaprovam deter-
vel. A dificuldade reside no quesito do mens rea. O ''actus" só se minados comportamentos, destacando-se entre eles o homicídio, a
torna ''reus" quando a "mens" é "rea" no grau exigido. Os "esta- violação, (estupro) e o roubo. Conclusão similar resultou de um
dos de espírito" que conduziriam à responsabilidade criminal são estudo de Hoebel sobre as leis criminais ( 1 9 5 4 ) . Welford (1975)
os do "intento" e "imprudência", enquanto que os de "negligên- divide os atos criminosos entre aqueles nos quais existe consis-
c i a " e "inadvertência desculpável" não o fariam. Esta é a situação tência cultural e temporal e os que provocam dissensão e tenta-
na Grã-Bretanha. A s leis americanas parecem similares com res- tivas de remoção da lista dos comportamentos proscritos ou proi-
peito ao "elemento mental". Deve-se notar que a "mens" é consi- bidos (chamada descriminalização). O primeiro grupo constitui,
derada "rea" na maioria dos delitos que vão a julgamento (isso é segundo Welford, " a verdadeira lei criminal" e o foco de estudo
uma inferência, porque informes sobre o "estado de espírito" são da Criminologia. Consiste em "violações da propriedade e de pessoas
exigidos apenas numa minoria de casos). É óbvio que termos por outrem". Este livro se ocupará também de tais delitos, nos
como "espírito" e "intento" representam um papel insignificante quais uma pessoa, ou pessoas, causam dano a outra pessoa ou a
na Psicologia contemporânea. Voltaremos ao problema no capítulo ou Iras pessoas. O criminoso e a vítima são indivíduos diferentes.
6, ao discutirmos o delinquente mentalmente anormal, tópico de Devemos em primeiro lugar, porém, examinar o último dos dois
crescente importância prática. grupos de Welford,

O Contexto Social Delitos sem Vítima


Dois campos aparentemente díspares, o comportamento
Além de proteger a propriedade, as pessoas e o bem-estar
anormal e o comportamento criminoso, apresentam em comum geral da sociedade (a vítima é com frequência remota e até poten-
diversas facetas importantes. E m ambos o número de indivíduos cial, cm lugar de real, como é o caso de diversas infrações do
que apresentam comportamento desviante, indicado nas estatísticas íriílego. ou infrações fiscais), a lei criminal tem sido também
oficiais, é bem inferior à cifra verdadeira. E m ambos, para con- ulili/,ada para dirigir o comportamento de indivíduos em situações
veniência dos estudos de populações abrigadas em instituições espe- chamadas, em geral, "morais" e que se referem à bebida, drogas,
ciais — prisões e hospitais de doentes mentais — a pesquisa tendeu 8 C X 0 e jogo. O "delinquente" em tais situações é também, em
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grande parte, a "vítima", embora se possa alegar que a sociedade como delito um comportamento privado onde não h á vítima) e
em geral virá a sofrer com o abuso das drogas (em conseqiiência CNpccuIu acerca do verdadeiro dano resultante de um período de
dc uma possível redução da capacidade de trabalho) e a família cnciirccramcnto, assunto ao qual voltaremos no capítulo 9. A s con-
próxima do jogador sofrerá com suas atividades — pelo menos se MCiiiicncias da supercriminalização das atitudes gerais para com a
ele perder continuamente. lei criminal, e daí para com o comportamento criminal, forarn
H á dois pontos de vista distintos nesta área. O primeiro con- cxposlas por Kadish (1967) da seguinte maneira:
sidera, segundo o Presidente do Supremo Tribunal da Grã-Bretanha, 1. A raridade da imposição da lei inclina à seletividade e à
Dcvlin: " A sociedade n ã o pode ignorar a moralidade do indivíduo, nrhilraricdade.
assim como a sua lealdade; ela floresce com ambas e sem elas
2. A dificuldade de detecção pode levar a práticas policiais
morrerá" (Devlin, 1959). A alternativa foi vigorosamente apre- indesejáveis.
sentada pelo Relatório da Comissão Wolfenden (1957), que levou
à reforma das leis britânicas relativas ao comportamento homosse- 3. Cria uma subcultura desviante.
xual: " N ã o é, a nosso ver, função da lei interferir na vida privada 4. O conhecimento de que a lei está sendo violada cria
do cidadão, ou procurar reforçar qualquer padrão de comporta- ilcsrcspeilo pela lei.
mento além do necessário para a execução das finalidades que 5. Não foi comprovado nenhum dano real em resultado da
esboçamos". O relatório prossegue: " A menos que a sociedade conduta desviante.
faça uma tentativa deliberada., agindo através da lei, para equa-
cionar a esfera do crime com a do pecado, deve haver um domínio 6. Permite a extorsão e a corrupção policial, a chantagem
de homossexuais, por exemplo.
de moralidade e imoralidade privadas que, em palavras breves e
cruas, não é da conta da l e i " . Várias das recomendações da Comis- 7. Está em desacordo com o consenso da comunidade.
são Wolfenden foram finalmente aceitas e o comportamento homos- Inúmeras e fascinantes questões são levantadas pelas afirma-
sexual entre adultos acima de 21 anos, com mútuo consentimento, (ivas acima, por exemplo, o efeito sobre as atitudes e comporta-
já não é delito criminal na Grã-Bretanha. De fato, o número de mcnlos relativos aos delitos contra a "propriedade" e a "pessoa"
pessoas condenadas por tal delito não ultrapassava 250 por ano, das tentativas de imposição da lei criminal referente aos delitos
mas o número de delinquentes potenciais se achava próximo às "morais". Concluindo, a nossa consideração da descrição, expli-
centenas de milhares e o número de delitos, nos milhões. De um cação e controle do comportamento criminal se circunscreverá às
só golpe, para uma substancial minoria da população passou a duas principais classes de delitos, contra a propriedade e contra
haver um comportamento a menos pelo qual estaria sujeita a pro- n pessoa.
cesso criminal (o comportamento em questão nunca foi problema
para a maioria heterossexual — ao contrário, por exemplo, do
roubo, que é uma tentação relevante para todos). {) Número de Delitos: As Estatísticas Ojiciais

Debate semelhante realiza-se em todo o mundo ocidental no Wolfgang (197!) fez uma relação das seguintes razões que
que respeita à posse e uso da cannabis, conhecida em geral como respondem à pergunta: por que estatísticas oficiais?
maconha. O número de detenções é, evidentemente, diminuto em
1. Para mensurar o volume total do crime e planejar as
relação ao número total de delitos (Schofield, 1971). Contudo, contramedidas.
na Grã-Bretanha, em 1969, houve 4.683 condenações pelo uso e
4.094 pela posse da cannabis. U m quarto de todos os condenados 2. Para levantar a distribuição estatística dos atos crimi-
por tais delitos em 1967 foi mandado para a prisão, a maioria nosos na população em geral, por índices de idade, sexo, classe
c raça.
sem qualquer registro criminal anterior, apesar da relativa ausência
de dano para os usuários da maconha comparado ao álcool ou ao 3. Pa^a classificar atos criminosos segundo a sua gravidade.
fumo (Schofield, 1971). Schofield considera as leis relativas à 4. Para estabelecer dados básicos para a elaboração de teorias
maconha como um exemplo da "supercriminalização" (rotulando o o teste das hipóteses.

2-\\
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5. Para mensurar a possibilidade de imposição das normas da seguinte maneira: infrações do trânsito, cerca de 60-65%; deli-
legais. tos contra a propriedade, cerca de 12-15%; contra a pessoa, cerca
6. Para mensurar a eficiência das medidas preventivas e a de 2-4%. Os restantes incluem um grande número de casos de
eficácia do tratamento dos diferentes tipos de delinquentes. embriaguez, sonegação de impostos, infrações ferroviárias e viola-
ções de regulamentos municipais e coisas semelhantes (Walker,
7. Para mensurar o impacto, sobre o crime, de outras
1971). A s proporções relativas de delitos contra a propriedade e
variáveis sociais, como, por exemplo, a televisão.
contra a pessoa parecem ser semelhantes às dos Estados Unidos.
8. Para mensurar as alterações nos índices criminais dos As estatísticas oficiais de ambos os países sugerem um aumento
subgrupos étnicos. (Supõe-se que a queda dos índices indique um líipido e contínuo de delitos "conhecidos da polícia". Por exemplo:
progresso social e económico geral dos subgrupos.) cm 1974, a cifra britânica para os delitos indiciáveis chegou pela
9. Para mensurar a amplitude dos empecilhos à liberdade primeira vez a dois milhões, o que representou um aumento de
do cidadão. (índices criminais "elevados" poderiam indicar sim- 84% em 10 anos. Comparações internacionais são difíceis por uma
plesmente um número opressivo de comportamentos definidos variedade de razões, inclusive falta de consenso geral em torno do
como crimes, assim como a imposição eficiente do sistema legal.) que constitui um crime, falta de uniformidade nos métodos de
10. Para calcular os custos totais atuais da imposição da denúncia, registro e imposição diferencial da lei nos grupos e classes
lei e planejar futuros orçamentos. dos diferentes países. Contudo, é possível fazer certas compara-
ções, em especial entre os países industrializados (Estados Unidos,
11. Para avaliar a eficácia do sistema penal quanto a dife-
Inglaterra, Japão e Alemanha Ocidental), nos quais as definições
rentes tipos de delinquentes.
e a comunicação são relativamente semelhantes. A s populações
12. Para fornecer dados para tomadas de decisão racionais. conjuntas dos três últimos países perfazem mais ou menos a dos
Essa é uma lista de objetivos, todos admiráveis, contanto que 1'stados Unidos, no entanto os homicídios por arma de fogo nos
as estatísticas coletadas apresentem um quadro preciso dos verda- lí.U.A. foram 48 vezes mais freqiientes na década de 60 do que
deiros fatos do comportamento criminoso. Sérias omissões ou pre- rH)s outros três países reunidos. Além do mais, enquanto que o
conceitos podem levar a graves distorções, tanto na pesquisa como índice de homicídios por arma de fogo (a cifra para cada 100.000
nas descobertas da política social. pessoas) nos Estados Unidos estava aumentando nos anos pesqui-
sados, o índice nos outros três países revelava pouca alteração.
Relações minuciosas de estatísticas oficiais podem ser encon-
Grandes diferenças no mesmo sentido foram também encontradas
tradas nos Relatórios Sobre o Crime Uniforme, anualmente cole-
nu violação (estupro), roubo (furto incluindo violência) e assalto
tadas nos Estados Unidos pelo F B I e na Grã-Bretanha pelo Minis-
com agravante (o que inclui as categorias mais sérias do dano
tério do Interior, sob o título de "Estatísticas Criminais". Exce-
pessoal). Contudo, por arrombamento (invadir uma residência com
lentes avaliações do significado das estatísticas oficiais são forne-
a finalidade de roubar), os índices nos quatro países revelaram-se
cidas por Walker (1965; 1971). Os Relatórios Sobre o Crime
semelhantes, sendo os dos Estados Unidos ligeiramente mais eleva-
Uniforme dividem os delitos em duas partes. Os delitos da Parte
dos. Conclui-se, sendo a proporção registrados/não-registrados mais
I são os mais graves, por exemplo, roubo de cinqiienta dólares ou
ou menos a mesma, que uma das principais diferenças no setor
mais. Os menos graves, por exemplo, roubo inferior a cinquenta
criminal entre os Estados Unidos e os outros três países industria-
dólares, com menos probabilidade de ser registrado na polícia,
lizados é o uso da violência contra a pessoa.
pertencem à Parte I I . Na Grã-Bretanha faz-se distinção mais ampla
entre delitos indiciáveis e não-indiciáveis (chamados também deli-
Há consideráveis dificuldades na elaboração das estatísticas
tos sumários). Os primeiros são mais graves e incluem a maioria
oficiais, tanto de delitos como de delinquentes, conforme obser-
dos crimes contra a propriedade e a pessoa, sendo os últimos consi-
vamos sob diversos cabeçalhos, e que se referem em grande parte
derados menos graves e consistindo, de modo geral, em infrações
a determinado aspecto de subestima ou tendenciosidade. Uma difi-
de trânsito.
culdade específica relaciona-se com o crime resultante em morte
No decorrer de um ano, na Grã-Bretanha, as pessoas conside- — ocori-ência que é provavelmente denunciada e registrada, na
radas culpadas diante do tribunal serão provavelmente divididas Urandc maioria dos casos. O índice de homicídios, em contraste
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r)i:i,ITOS E DELINQUENTES
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com O da maioria dos crimes, parece constante em ampla medida,


dc imposto de renda). Os patrões n ã o gostam em geral de chamar
apesar da revogação (na Grã-Bretanha) da pena de morte. Além
(I polícia por causa do clima geral de desconfiança que isso cria
do problema de definição — quando a morte violenta deve ser
na firma. Robin (1970) declara que apenas 17% dos delitos
legalmente julgada como assassínio e quando como homicídio cul-
ct)mctidos por empregados de lojas de departamentos americanas
poso — existe outro; é que progressos da Medicina permitem que
c que chegaram ao conhecimento do patrão resultaram em pro-
se mantenham vivas vítimas que anteriormente teriam morrido.
cesso. Estudo semelhante realizado na Inglaterra (Martin, 1962)
Ainda que venham a morrer, depois de ter sobrevivido por um
constatou que a cifra variava segundo o tamanho da firma, sendo
ano ou um dia, a acusação não pode ser de homicídio. U m ato
mais provável que a polícia fosse chamada nas grandes organiza-
comportamental que há vinte anos teria levado à morte e talvez
ções.
a um acréscimo nas estatísticas de homicídio resulta hoje na acusa-
ção mais leve de algum tipo de agressão. A ampla maioria dos furtos em lojas, cometidos por fregueses,
passa despercebida, mesmo quando se empregam detectives. U m
estudo de campo americano, executado por Saul Astor {New York
O Número de Delitos: A "Cifra Negra" 'Vimes, 1970) é particularmente expressivo. Mais de 1.500 compra-
O problema da "cifra negra" — a porcentagem não-registrada dores, em quatro lojas de três grandes cidades americanas, foram
dos acontecimentos em estudo — é comum a todas as Ciências cuidadosamente observados. U m em cada quinze revelou ser lara-
Sociais (Walker, 1971). É consenso geral entre os criminologistas pio; apenas 1 em 100 dos que furtaram foi surpreendido. Não se
que a "cifra negra" do crime não-registrado é consideravelmente registrou se as lojas notaram o desaparecimento dos artigos ou
mais elevada do que a do crime registrado, e maior com respeito deram parte à polícia. Dorothy McArdle, escrevendo para o
a alguns crimes do que a outros. Washington Post (1972), observou o desaparecimento em grande
escala de souvenírs após as festas oficiais na Casa Branca, citando
Crimes deixam de ser registrados por diversos motivos. Primei-
como exemplo uma recepção oferecida a 4.000 Filhas da Revo-
ro, as pessoas envolvidas — quer como participantes, quer como
lução Americana, organização renomada por sua observância às
testemunhas — podem simplesmente n ã o perceber que elas, ou os
leis, e aos membros masculinos dessa sociedade, na primavera de
outros, estão infringindo a lei; grande número de brigas escolares
1969. "No final da festa, todos os cinzeiros haviam desaparecido".
e infrações de trânsito se enquadram nesse grupo. Segundo, os inte-
Perdas semelhantes foram registradas quanto aos talheres e sabo-
ressados talvez saibam que foi cometido um delito, mas são "víti-
mas" voluntárias. Exemplos são o aborto e os comportamentos netes (por estranho que pareça, apenas no toalete das senhoras,
homossexuais de mútuo acordo entre adultos, nos países em que não no dos homens). Este é um bom exemplo da importância da
tais comportamentos são ilegais. Este último caso é particularmente situação na determinação do comportamento criminoso — quanto
notável; apenas uma diminuta proporção de atos homossexuais maior a "recompensa" e mais baixo o " ó n u s " (presume-se que
privados levam a processo (Feldman, 1973). Terceiro, embora o seria extremamente embaraçoso revistar convidados da Casa
delinquente esteja cônscio do seu delito, a vítima talvez não esteja. Itranca), mais elevado o nível do delito.
Por exemplo, mercadorias podem ser furtadas por um empregado
Modificações havidas no decorrer do tempo quanto à proba-
sem que o patrão o perceba, a menos que haja severo controle do
bilidade de um dehto ser ou não denunciado podem sugerir ten-
estoque. Quarto, e possivelmente a mais ampla de todas as cate-
dências na verdadeira freqiiência da ocorrência do delito, tendên-
gorias, talvez não haja " v í t i m a " imediata, por exemplo, lixo despe-
cias que talvez sejam enganadoras. Por exemplo, McClintock et al.
jado em local público, ou declaração de imposto de renda incor-
(1963) sugeriram que o então recente aumento na denúncia de
reta e conscientemente mal interpretada. Para terminar, ainda que
casos de violência em Londres talvez indicasse apenas a crescente
haja uma vítima consciente e relutante, ela talvez não denuncie o
convicção de que o comportamento violento é rcpreensível e deve
delito por medo de represália do delinquente, dúvida de que a
ser denunciado. Ê possível que, longe de aumentar, a violência
ação policial seja eficaz, ou porque fazê-lo revelaria sua própria
estivesse na verdade decrescendo. Seja como for, não há correspon-
culpa (a quantia roubada talvez nunca seja revelada por motivos
dência direta entre ocorrência e denúncia.
COMPORTAMENTO CRIMINOSO OFIITOS E DELINQUENTES
27

Delitos Não-Registrados próprias vítimas eram então entrevistadas. Especialistas jurídicos


avaliaram a verdadeira natureza criminal dos incidentes relatados.
Conforme era de esperar, quanto mais grave a perda sofrida, Exemplos de casos não-denunciados foram examinados para se esta-
mais provável é que a vítima dê parte à polícia. Contudo, num belecer os motivos da ausência de denúncia. U m número conside-
estudo das estatísticas oficiais de Washington em 1965, citado por rável de casos não-rcgistrados foi revelado (em comparação com
Hood e Sparks (1970, pág. 3 4 ) , cerca de um terço dos crimes mais os índices dos Relatórios sobre o Crime Uniforme), com exceção
graves (isto é, agressão e roubo acima de cinquenta dólares) em do homicídio. Por exemplo, a polícia não foi notificada em um
que a vítima alegou ter dado parte, não foi registrado pela polícia. terço dos casos de roubo e agressão e em dois quintos dos furtos.
Assim, ainda que um delito seja denunciado, não é necessaria- Possíveis defeitos na amostragem e na técnica de entrevista acau-
mente registrado como tal pela polícia, que exerce considerável telam contra o atribuir-se excesso de peso às cifras exatas da ausên-
arbítrio, mesmo sobre os delitos observados pelos próprios poli- cia de denúncia, mas é claro que o não-registro de queixa é coisa
ciais. Quase todo motorista viveu a experiência de ser liberado generalizada, em especial nos delitos menos graves. O motivo iso-
após um "aviso" de natureza bem pouco oficial (comparado à lado mais importante para se deixar de denunciar crimes contra
"advertência" oficial). Delitos denunciados e que se verificou a propriedade é o fato da polícia ser considerada ineficiente ou
terem sido cometidos por jovens que ainda não haviam atingido desinteressada. Pelo contrário, nos crimes contra a pessoa, o motivo
a idade da responsabilidade criminal não são em geral registrados. mais importante era que tal delito era assunto privado. Outros
A polícia está sobrecarregada; é razoável supor que selecionará para motivos estudados eram bem menos importantes em ambos os
registro e ação os delitos considerados mais graves e mais detec- grupos de delitos. Incluíam o fato de não querer perder tempo,
táveis. Isso ê um exemplo do ponto de vista recompensa-ônus do confusão ou ignorância de como dar parte, e temor de represálias.
comportamento humano (os seres humanos tendem a agir de modo
a maximizar suas recompensas e minimizar os custos), ponto de
vista igualmente aplicável ao comportamento tanto dos delinqiien- Denúncias Feitas pelos Delinquentes. Hood e Sparks (1970) apre-
tes como dos guardiães da lei. Há uma fonte diversa de variação sentam uma relação de três importantes finalidades nos estudos
nos registros quando determinado distrito policial decide dar mais de autodenúncia: a primeira, uma avaliação do número de pessoas
atenção a certo delito. Por exemplo, de vez em quando um chefe que cometeram delitos e com que frequência; segunda, abolição
de polícia resolve realizar uma campanha contra o comportamento da ideia de tipologia dos "delinqiientes" e "não-delinqiientes",
homossexual em lavatórios públicos. O resultado é um súbito substituindo-a por uma dimensão; e, terceira, possibilitar uma com-
"aumento" no índice dos delitos homossexuais, donde seria incor- paração entre delitos "oficiais", rotulados como tais em juízo, e os
rcto concluir que houve um aumento na atividade homossexual. que n ã o foram assim rotulados. A maioria dos estudos cxplanató-
rios do delito foram realizados com indivíduos condenados, acom-
panhados de todos os problemas até agora examinados. O uso
O Número de Delitos: Preenchendo a "Cifra Negra" controlado do método da autodenúncia nos permitirá estudar o
delinquente, seus antecedentes e correlatos na população em geral.
A natureza insatisfatória das estatísticas oficiais como indica- Antes de consultar os dados obtidos pelo método da autodenúncia
dores seguros do volume total do crime, devido tanto à ausência precisamos considerar diversos problemas metodológicos a ele
de denúncia como de registro, sugeriu duas outras abordagens: a ligados.
denúncia das vítimas e a denúncia dos delinqiientes.
Quando um réu confessa um delito será a sua resposta verda-
Denúncias Feitas pela Vitima deira? (Terá sido ele realmente culpado do comportamento crimi-
noso, ou estará procurando criar um efeito?) Se de fato é culpado,
U m bom exemplo é a avaliação de uma amostra de probabi- saberia tratar-se de um crime, ou presumiria, acreditaria até, tra-
lidades realizada em 10.000 lares nos Estados Unidos, no verão tar-se de algo legal? Se ele negar qualquer crime estará fazendo o
de 1966 (Ennis, 1967). Os membros adultos das famílias foram oposto (ocultando um comportamento de que foi culpado, sendo
entrevistados para que identificassem todas as pessoas da família sabedor do crime) ? Serão determinados grupos sociais mais incli-
que tivessem sido vítimas de um crime nos 12 últimos meses. A s nados do que outros a exagerar sistematicamente? Serão certos
28 COMPORTAMENTO CRIMINOSO DELITOS E DELINQUENTES 29

grupos mais inclinados a negar? O exagero e a negação depen- o detector de mentiras. Usar o detector de mentiras como um estí-
derão do elo perceptível entre as autoridades legais e a pessoa que mulo à honestidade da denúncia parece aumentar a sinceridade da
íaz o questionário ou a entrevista? Para responder à maioria das resposta, devido à crença do réu na infalibilidade do aparelho. De
perguntas acima precisamos de um método para comparar a ocor- fato, sua verdadeira validade é um tanto reduzida (Martin, 1973).
rência dos "verdadeiros" delitos com a denúncia ou negativas que Contudo, usar o detector de mentiras para tal finalidade exige uma
os indivíduos em questão alegam ter feito; em suma, um método verificação inicial da sofisticação científica do sujeito que será
para validar a técnica da autodenúncia. O único método inteira- submetido ao teste. A inclusão de escalas de mentira nos questio-
mente satisfatório é observar a população em questão na situação nários de personalidade (o Inventário de Personalidade Eisenck,
de interesse, conforme se fez no estudo de furtos em lojas ameri- por exemplo — capítulo 7) pode ser usada também para identi-
canas, acima mencionado. Não seria necessário, assim, interrogar ficar possíveis negadores (um índice elevado seria motivo para
a população em questão a respeito do seu comportamento — este d ú v i d a s ) , mas não indicaria o verdadeiro estado de coisas. Final-
já foi observado por um estudioso atento e imparcial •— a fim de mente, os métodos para detectar mentiras são inteiramente inade-
comparar os indivíduos caracterizados por diferentes níveis de com- quados quando quem é a eles submetido pretende responder com
portamento delituoso. U m método menos satisfatório, usado por toda a correção, mas é simplesmente incapaz de recordar com
Gold (1966), é interrogar outros informantes que estejam envol- minúcias acontecimentos que podem ter ocorrido muito antes.
vidos no comportamento denunciado ou negado pelo réu. Se ambos (Estudos de autodenúncias prolongam-se às vezes por vários anos,
os informantes concordam, e o fazem com independência, aumenta retrospectivamente.)
a probabilidade de que a denúncia seja correta, embora seja ainda
possível que ambos estejam exagerando ou negando. Contudo, se Qualquer estudo que procure generalizar de uma amostra de
os relatos diferem, é possível saber qual deles é o correto. Gold respondentes para a população em geral precisa comprovar o cará-
encontrou pouca diferença sistemática na disparidade entre réus e ter representativo da amostra. Os estudos de autodenúncia têm
informantes de acordo com raça ou sexo, descoberta que vem em sido em geral realizados sem levar em conta as exigências de pro-
apoio da aplicabilidade da técnica da autodenúncia para além dos cessos de amostragem satisfatórios. A níaioria foi realizada com
limites de sexo e classe social. escolares, em ambiente escolar, omitindo assim os que haviam
abandonado os estudos na idade observada, ou gazeteavam naquele
Faz diferença a anonimidade da denúncia? K u l i k et aí. (1968) dia. Ambas as omissões resultariam provavelmente na subestima
ministraram uma relação de delitos a rapazes de escola secundária, do nível total dos infratores. U m excelente exemplo de amostra
que preencheram o questionário tanto em caráter anónimo como cuidadosamente construída, com a qual se pode fazer sem perigo
não-anônimo. Os que responderam confessaram mais delitos na generalizações, é a apresentada por Schofield (1965a), que estu-
primeira condição, mas apenas de furto, e não delitos como o uso dou o comportamento sexual dos adolescentes ingleses. No campo
de drogas e violência. Mesmo no caso da diferença em relação ao criminal, um estudo britânico sobre a autodenúncia feita por
furto, embora significativa do ponto de vista estatístico, pouca dife- meninos adolescentes (Belson, 1975) parece ser o melhor do ponto
rença substantiva teria para finalidades da pesquisa sobre o uso de vista da amostragem.
de respostas dadas de preferência numa condição e não na outra;
U m problema final que precisa ser mencionado referc-se à
por exemplo, as classificações dos rapazes (números de delitos
comparabilidade dos estudos. Isso exige não apenas semelhança
confessados) eram quase as mesmas em ambos os métodos.
da amostragem usada, mas também semelhança dos itens do ques-
É possível detectar fraude consciente por meios objetivos? tionário. Infelizmente, há pouca padronização no conteúdo dos
Clark e Tifft (1966) utilizaram o chamado "detector de mentiras" itens, inclusive do mesmo pesquisador (Box, 1971). A padroni-
(na realidade um polígrafo que registra simultaneamente várias zação pode ser auxiliada pela identificação de grupos semelhantes
reaçÕes fisiológicas, taís como pulsação e transpiração) para estimar de comportamentos delituosos usando-se técnicas de análise fato-
a validade das respostas em autodenúncias. Verificaram que o rial (Gibson, 1967), que contribuirão para a redução das centenas
simples fato da pessoa se submeter ao detector de mentiras aumen- de possíveis itens a um número manipulável. Outro método para
tava o volume de comportamentos desviantes confessos, volume se obter a comparabilidade é estabelecer a gravidade estimada de
comparado a um informe anterior sobre autodenúncias, feito sem um comportamento utilizando classificações dos juízes (Sellin e
30 COMPORTAMENTO CRIMINOSO DELITOS E DELINQiJENTES 31

Wolfgang, 1964). A cada delito é atribuído então um escore; por de 10 a 2 0 % da população masculina terá sido condenada em
exemplo, arrombamento = 2, homicídio = 26 (um homicídio será tribunal por um crime. . . Estudos de autodenúncias indicam que
assim equivalente a 13 arrombamentos!). Uma das maneiras de isso representa era média apenas um quarto dos que realmente
usar essa escala seria estudar as circunstâncias anteriores ao come- cometeram tais delitos (pág. 4 7 ) . Exemplos de estudos americanos
timento de determinado delito por um determinado grupo de sobre a autodenúncia entre adolescentes, que apoiam a conclusão
pessoas. Seja qual for a finalidade da sua utilização, os juízos de Hood e Sparks, são os de Short e Nye (1958), Porterfield (1946)
de gravidade deveriam ser obtidos numa amostra representativa e Empey e Erickson ( 1 9 6 6 ) . Estudos escandinavos (Elmhorn,
da população em estudo. O índice Sellin-Wolfgang foi elaborado 1965; Christie, 1965) revelam um quadro semelhante. O estudo
a partir de amostras de policiais, juízes e universitários, todos mino- inglês de Belson (1975) baseou-se em longas entrevistas com 1.445
rias da população em geral. meninos londrinos, quase todos entre as idades de 13-16 anos,
colhidos por amostragem aleatória num universo de 60.000 lares.
Após o exame dos problemas associados à técnica da autode-
Tais meninos foram levados de carro ao Centro de Pequisas e
núncia, que dizer dos resultados? H á diversas avaliações disponí-
pagos por sua participação. Oitenta e seis por cento da "amostra
veis (Hood e Sparks, 1970; West, 1967; Box, 1971), e apenas
de referência" foram entrevistados. A idade e os atributos de classe
uma breve menção será feita sobre os resultados obtidos. Nosso
dos restantes sugeriram que sua inclusão pouca diferença faria nos
principal interesse reside no valor potencial do método para testar
resultados. As perguntas foram elaboradas e apresentadas com
hipóteses de pesquisas em delinquentes na população em geral, de
grande cuidado, mas restritas ao delito de furto — 44 tipos ao
preferência ao uso de amostras oficiais de delinquentes. É impres-
todo — e variaram entre "guardei algo que encontrei" (admitido
sionante que os estudos referentes à autodenúncia tenham em grande
por quase todos os respondentes) até "roubei um carro ou camio-
parte ignorado os adultos, com uma exceção, um estudo de Wallers-
nete" ( 5 % ) . Setenta por cento haviam furtado em lojas; 3 5 % da
tein e AVyle (1947), realizado h á mais de 25 anos: no entanto,
família ou de parentes; 2 5 % do trabalho, ou de um carro, cami-
infrações da lei raro oficialmente indexadas, são encontradas em
nhão ou camionete; e 17% haviam "entrado no local e roubado".
ampla medida nos grupos etários mais avançados, conforme veri-
É claro que a maioria dos meninos havia cometido pelo menos um
ficaremos ao estudar os crimes de empregados "de paletó e
delito que, se tivesse sido surpreendido, registrado e processado
gravata" e outros delitos ocupacionais.
poderia levar ao comparecimento nas estatísticas oficiais. A con-
Wallerstein e Wyle (1947) enviaram pelo correio um ques- clusão de Hood e Sparks (ver acima) é bem justificada.
tionário sobre 49 delitos a 1.800 homens e mulheres de Nova
Y o r k . (Observe-se que a amostra dos que responderam foi quase
certamente não-aleatória, de modo que é duvidosa a sua genera- A Cifra Negra: Informe Diferencial?
lização. Contudo, os resultados são no mínimo sugestivos e dão
forte apoio à conveniência de estudos sobre autodenúncia entre Tanto a denúncia da vítima como a autodenúncia apoiam o
adultos,) ponto de vista de que as estatísticas oficiais encontram-se muito
aquém das verdadeiras cifras na maioria dos delitos, com exceção
A relativa ausência de diferença entre os sexos é interessante,
do homicídio. Difere o índice de denúncias segundo a classe da
sendo a média geral 18 para os homens e 11 para as mulheres.
" v í t i m a " — indivíduo ou organização? Segundo Box (1971), o
Wallerstein e Wyle registraram que até ministros rehgiosos confes-
saram uma média de 8,2 entre os 49 delitos abrangidos pelo ques- que ele chama de crimes mais "respeitáveis", como peculato, fraude,
tionário. (De passagem, vale a pena observar que as mulheres con- falsificação, sonegação de impostos, crime em firmas e furto em
fessaram mais delitos do que os ministros religiosos.) Dois terços lojas, tipicamente executados contra organizações, mais dificil-
dos homens e 2 9 % das mulheres confessaram pelo menos um mente serão denunciados que, furto, agressão, roubo, assalto e roubo
crime grave. T a l estudo indica a ampla ocorrência de delitos e a de automóvel. Devido à oportunidade proporcionada pela situação
natureza artificial da divisão entre os delinqiientes e os outros. de trabalho, o primeiro grupo constitui os delitos da "classe média".
O segundo, de acordo com as estatísticas oficiais de criminosos
Segundo Hood e Sparks (1970): "Tanto nos Estados Unidos condenados, são em grande parte delitos da classe operária, e têm
como na Inglaterra sugeriu-se que, com a idade de 18 anos, cerca mais probabilidade de ser denunciados. Donde se conclui que os
DELITOS E DELIN0UEN1ES 33
32 COMPORTAMENTO CRIMINOSO

diferentes índices de denúncia dos crimes da "classe média" e da que a proporção que abrangem na população em geral: jovens,
"classe baixa" podem constituir origem importante para a aparente homens e (nos Estados Unidos) negros.
associação entre crime e status social inferior, o que analisaremos Segundo Chambliss (1969), é isso de fato o que ocorre. Ele
em breve. verificou que uma pessoa da "classe baixa" tem: i ) mais proba-
Poucos estudos compararam a ocorrência de um crime contra bilidade de ser investigada e, portanto, surpreendida em qualquer
uma organização com os crimes contra indivíduos denunciados à violação da lei; i i ) mais probabilidade de ser presa quando sur-
polícia, como o estudo das vítimas nos lares, feito nos Estados preendida em circunstâncias suspeitas; i i i ) mais probabilidade
Unidos e anteriormente mencionado, e nenhum empregou processos de passar o tempo, que decorre entre a detenção e o julgamento,
de amostragem aceitáveis. Contudo, a evidência disponível sugere na prisão; i v ) mais probabilidade de comparecer a juízo; v) mais
que, no furto em loias, o único delito sujeito até aqui à investi- probabilidade de ser considerada culpada; e v i ) caso seja conside-
gação minuciosa, as organizações vítimas desse tipo de crime mos- rada culpada, terá mais probabilidade de receber um castigo mais
tram-se menos inclinadas a dar parte à polícia do que os indiví- severo do que o seu equivalente da classe média ou superior.
duos que dele são vítimas (Martin, 1962). Para que um crime
seja registrado é preciso que dele tenha conhecimento um queixoso Delinqiientes: Estatísticas Oficiais e Autodenúncia da Delinquência
potencial. Indivíduos percebem mais facilmente o desaparecimento
de seus bens e os ladrões que invadem uma casa provavelmente Chambliss assegura que, caso haja uma super-representação
deixam sinais de sua entrada. Inúmeras organizações, pelo contrá- de vários grupos sociais, não é por serem eles de fato mais incli-
rio, não possuem um controle minucioso do inventário e muitos nados a cometer dcHtos, mas devido à reação dos órgãos oficiais;
dos que cometem delitos contra firmas são empregados que a elas assim, as estatísticas oficiais representam não um quadro correto
têm fácil acesso. Assim, a percepção diferenciai dos crimes da da realidade e sim uma construção tendenciosa.
"classe média" e crimes da "classe operária" pode ser tão impor-
tante como a denúncia diferencial feita pelas vítimas, se não mais Examinamos em primeiro lugar as estatísticas oficiais dos
importante. delinquentes e o quadro que revelam com respeito às caracterís-
ticas de raça e classe social. O mais ambicioso dos estudos reali-
zados até hoje é o de Wolfgang et al. (1972), que analisou os
Delinqiientes: Do Delito à Sentença registros da polícia de Filadélfia relativos a todos os meninos nas-
cidos em 1945 e que viveram na cidade pelo menos entre o décimo
Vimos que muitos delitos não são denunciados, e observamos e o décimo oitavo aniversários. Conseguiram levantar a vida pre-
a possibilidade de que isso seja mais frequente entre os chamados grcssa da grande maioria do grupo, 9.9^5 ao todo, dos quais 3 5 %
delitos da "classe m é d i a " do que entre os da "classe operária". (chamados deUnquentes) haviam estado às voltas com a polícia
Uma vez feita a denúncia, deve seguir-se ação policial. Apenas pelo menos uma vez, o que resultara num registro policial do ato.
certa proporção dos crimes "notificados à polícia" são "solucio- Utilizaram de preferência os registros da polícia e não os dos tribu-
nados", isto é, atribuídos a um delinquente em particular, ou pelo nais como fonte básica de dados, considerando-os as fontes mais
próprio delinquente que confessa a culpa em tribunal, ou pelo recuadas no processo de informação. Além de relacionados todos
tribunal que apresenta o veredicto de culpado. A proporção dos esses atos, cada qual recebeu uma cotação quantitativa, baseada
homicídios registrados e esclarecidos na Grã-Bretanha ultrapassa no índice Sellin-Wolfgang (Sellin e Wolfgang, 1964). Os autores
tSO%; em contraste, o número de furtos de veículos sem ocupantes admitem a possibilidade de um contato registrado com a polícia
solucionado acha-se pouco acima de 2 0 % (Walker, 1971). Regis- e a resultante acusação da qual a pessoa foi finalmente considerada
tra-se aqui nova disparidade: muitos delinquentes jamais são puni- inocente, mas sugerem (e apresentam certas evidências em apoio)
dos. Haverá uma disparidade de acordo com a classe social, isto que esse fator é relativamente sem importância. Aceitam a conve-
é, terão os delinquentes da classe operária mais probabilidade de niência da indexação dos deHnqiientes que se autodenunciam, mas
aparecer nas estatísticas oficiais da delinquência? Perguntas seme- não o fazem. As autodenúncias teriam constituído uma valiosa
lhantes podem ser feitas com referência aos demais grupos repre- comparação; dado o maciço investimento de tempo e dinheiro nesse
sentados nas estatísticas oficiais de modo bem mais marcante do
COMPORTAMENTO CRIMINOSO DELITOS E DELINQÍJENTESl 35
^4

amplo projeto, a ausência dos dados de autodenúncia é lamentável. equivalentes brancos de S E S mais elevado, de modo que os rapazes
Mesmo os registros policiais cuidadosamente mantidos de Fila- não-brancos e de S E S inferior acham-se representados em números
délfia não podem ser melhores do que os dados neles inscritos. bem marcantes.
A divisão dos delinquentes em brancos e não-brancos foi Um estudo inglês de Wadsworth (1975) sugere também con-
franca; a divisão por status sócio-econômico ( S E S ) , bem menos. siderável super-representação de rapazes da classe operária nas esta-
Os autores optaram por uma divisão em S E S superior e inferior tísticas oficiais dos delinquentes. Wadsworth conseguiu acompanhar
por renda média da área em que residia o sujeito. H á possibilidade 8 8 % de todos os sujeitos do sexo masculino nascidos na Inglaterra
de outras divisões, por ocupação paterna, por exemplo, e o estudo e no País de Gales em determinada semana de março de 1946, e
de Wolfgang et ai é nesse ponto passível de crítica. que alcançaram a idade de 20 anos na época do estudo. E l e dis-
punha de dados acerca dos seus delitos, inclusive advertências e
As descobertas mais importantes são as seguintes: veredictos de culpa. A s contribuições relativas das classes média
1. Os 3 5 % registrados como delinquentes estavam desigual- superior, média inferior e operária superior e operária inferior
mente distribuídos por classe e raça; 2 6 % do total pertenciam ao estavam na proporção de 1:3:3:6, respectivamente. Levando-se em
grupo de branco de S E S superior; 3 6 % , aos grupos de brancos conta apenas rapazes com mais de um comparecimento ao tribunal,
de S E S inferior e não-brancos de S E S superior; e 5 2 % ao grupo a disparidade era ainda maior. Além do mais, os rapazes da classe
de não-brancos de S E S inferior. operária cometiam seu primeiro delito mais cedo que os da classe
2. Dividir os delinqiientes em primários, reincidentes (2-4 média.
infrações) e crónicos (mais de quatro infrações) produziu resul- Contudo, uma gritante omissão, tanto no estudo de Filadélfia
tados ainda mais extraordinários. A proporção nas quatro catego- como no de Wadsworth, foi a total ausência de dados sobre auto-
rias de delinqiientes com um só delito decresceu nitidamente a denúncias, de modo que precisamos recorrer a outros estudos para
partir dos brancos de S E S superior (dois terços) até os não-brancos verificar se aqueles que figuram nas estatísticas oficiais (quer da
de S E S inferior (um t e r ç o ) , constituindo-se cerca de metade dos polícia, quer autos dos tribunais) são representativos, ou uma
outros dois grupos em delinquentes com um só delito. Além do amostra tendenciosa dos que delinqiiem.
mais, enquanto que apenas um menino branco de S E S superior em U m dos mais cuidados estudos americanos é o de Gold ( 1 9 6 6 ) .
50 se tornava criminoso crónico, isso ocorria na proporção de um Uma amostra aleatória de 552 escolares entre 13-16 anos, de Flint,
em 7 entre os não-brancos de S E S inferior. Michigan, foi entrevistada por pessoas da mesma raça e sexo que
3. A disparidade racial torna-se ainda mais nítida quando se os estudantes. Isso permitiu a exclusão de comportamentos consi-
estuda a medida quantitativa da gravidade. Por exemplo, os 14 derados ilegais pelos entrevistados, mas na verdade não oficialmente
homicídios, que congregam os mais elevados escores de gravidade, ilegais. Os delitos observados foram os cometidos nos três anos
foram atribuídos a não-brancos, assim como 38 em 44 violações anteriores ao estudo. Uma tentativa para torná-lo mais válido foi
ou estupros (razão de 13,1 por mil sujeitos a favor dos não- feita graças ao uso de outros informantes, conforme observamos
-brancos, contra 0,9 para os brancos no delito de violação). As anteriormente. E m consequência, 7 2 % dos respondentes foram
disparidades raciais foram bem maiores no que concerne aos delitos considerados "verazes", 1 1 % "duvidosos" e 17% "falsos". Não
contra a pessoa do que contra a propriedade (exceto quanto a houve diferenças estatisticamente significativas entre raça ou sexo
roubo, que combina elementos de ambos). em qualquer das três categorias. A possibilidade de diferenças
sistemáticas de personalidade na confissão da verdade não foi
4. Rapazes brancos tendiam a "especializar-se" em delitos
investigada, nem foi possível verificar as autodenúncias de delin-
contra a propriedade; os não-brancos, em agressões. Contudo, os (liientes individuais. Os delitos mais graves eram ocultos com mais
brancos cometeram menos furtos, porém roubaram mais em cada frequência. A "seriedade" ou "gravidade" ( S , uma adaptação da
delito. escala de Sellin e Wolfgang, 1964) e a "frequência" ( F ) foram
O estudo revela claramente que, no que respeita aos registros utilizadas para quantificar os delitos.
policiais de Filadélfia, rapazes não-brancos de S E S inferior infrin-
Embora o status social se relacionasse inversamente com os
gem com mais freqiiência e maior gravidade a lei do que seus
delitos autodenunciados, o volume da relação era considerável-
COMPORTAMENTO CRIMINOSO DELITOS E DELINQiJENTES
1(1 37

mento menor do que sugeriam as estatísticas oficiais. E m todo o lizmente, nem todos os itens incluídos eram obviamente ilegais,
flmbilo das escalas, tanto os índices S como F revelaram uma dife- como, por exemplo, desafiar a autoridade dos professores, fumar,
rença entre o staíus social inferior e o superior, de apenas 1,5:1, etc. É possí>'el que uma alta freqiiência de respostas a esses itens
contra 4,5:1 indicados pelos autos do tribunal da mesma cidade. não-ilegais tenha inflacionado o total de escores de autodenúncia.
Contudo, no mais elevado dos quatro níveis em que os escores S
As correlações encontradas entre as várias medidas foram um
c F foram arbitrariamente divididos, a proporção do status inferior
tanto elevadas: entre a delinquência autodenunciada e todos os
para o superior foi de 3,5 contra 1. Utilizando-se os dois níveis
comparecimentos ao tribunal (passados e futuros) foi de 0,95, ou
superiores, a proporção foi de 1,75:1. À medida que subiam os
0,78, dependendo do tipo de estatística correlacionai empregado
escores de S e F , o mesmo acontecia com a probabilidade de
(sendo o número inferior mais satisfatório, pois corrigia as auto-
detecção. Ainda assim, apenas 2 8 % dos que alcançaram o mais alto
denúncias feitas por lealdade). A s segundas correlações mais ele-
índice de S nunca haviam sido presos. A cifra comparável para o
vadas foram entre comparecimentos ao tribunal passados e futuros
mais elevado nível do índice F foi 1 9 % . Gold concluiu que entre
(0,71 ou 0,58). Assim, o estudo sugere que a reação oficial reflete
os rapazes do seu estudo havia determinadores do comportamento
o comportamento da vida real: quanto mais criminoso o compor-
delituoso mais importantes do que o status social, embora este
tamento, mais comparecimentos ao tribunal. Seria importante repe-
fator n ã o pudesse ser ignorado. Quanto às mulheres estudadas, a
tir o estudo numa grande comunidade urbana (Provo rem uma
delinquência autodenunciada foi reduzida e não tinha relação com
população de 53,000 habitantes), com os itens não-ilegais elimi-
o status social.
nados das escolas de autodenúncia e controle sobre a possibilidade
O estudo de Gold sugere que a reação oficial (desde a fisca- de uma vigilância mais zelosa por parte das autoridades legais
lização zelosa até o comparecimento ao tribunal) aos de staíus sobre os que possuem registro em tribunal.
social inferior é bem mais severa do que aos de status social supe-
O estudo inglês sobre a autodenúncia feito por Belson está de
rior, sobretudo nas infrações mais leves. Isso é apoiado por um
acordo com as descobertas americanas de Gold, isto é, embora as
estudo de Erickson a 9 7 l ) relativo à impressão transmitida pelas
estatísticas oficiais as exagerem, certas diferenças de classe perma-
estatísticas oficiais sobre a natureza grupai da delinqiiência juvenil.
necem — pelo menos ao nível da autodenúncia. Se continuariam
( A natureza grupai da delinqiiência relaciona-se com a questão do
exatas no que respeita ao comportamento criminoso diretamente
status social porque o pertencimento a uma gang é mais típico dos
observado é coisa que se ignora (é possível que os rapazes da
rapazes de status inferior.) Erickson informa que uma proporção
classe média denunciem a menos, ou que os da classe operária
de delitos autodenunciados realizados em grupo foi significativa-
denunciem a mais, ou que ocorram ambas as distorções). Belson
mente inferior ao número sugerido pelos tribunais. Contudo, é
dividiu os respondentes em seis grupos, de acordo com as ocupa-
exato que os delitos mais graves tendiam a ser executados em
ções paternas, desde A (profissional, semiprofissional e executivo)
grupo. Erickson concluiu que as reações oficiais aos delitos come-
até F (não-qualifiçado). Houve pouca diferença entre os grupos
tidos em grupo foram mais severas do que aos delitos solitários
no que se refere à declaração "Guardei algo que encontrei", mas
e cita isso como exemplo das muitas profecias autoconfirmadas que
a porcentagem dos que admitiram "Roubei de uma loja" elevou-se
se encontram nos sistemas judicial e penal.
um pouco de acordo com os grupos — de 3 7 % ( A ) a 6 5 % ( E )
O mesmo pesquisador (Erickson, 1972) informou resultados (semiqualifiçado) — antes de cair novamente para 5 5 % ( F ) .
que apoiam o ponto de vista oposto ao de um estudo de Gold sobre Disparidades ainda maiores foram registradas em "roubar no tra-
as autodenúncias e as estatísticas oficiais — isto é, que as últimas balho" e "entrar num lugar e furtar". No primeiro caso, a eleva-
distorcem os fatos reais da delinqiiência. Erickson correlacionou ção de A a E foi de 9 a 3 8 % e, no segundo, de 6 a 2 3 % : o grupo
o comportamento delituoso autodenunciado de 282 alunos de escola F relevou uma pequena queda e um pequeno aumento em relação
secundária da cidade de Provo, Utah, com as próprias estimativas ao E nas duas questões, respectivamente. O quadro da classe
de futuras violações, número de prisões e comparecimentos ao social erg um tanto diferente nas declarações referentes aos furtos
tribunal, tanto no passado como nos três anos seguintes. As téc- de pessoa da família, ou de alguém da escola. O primeiro tendia
nicas de escalonamento de Guttman foram usadas para a elabo- a declinar do grupo A para o grupo F , o último não revelava ten-
ração de uma escala de 12 itens para a futura delinquência. Infe- dência nítida. Além do mais, o furto no trabalho é uma oportuni-
COMPORTAMENTO CRIMINOSO
58 DELITOS E DELINQUENTES
39

dade para os que já se encontram ern açao — uma proporção como evidência descritiva fidedigna, para o que é necessário buscar
mais elevada de rapazes da classe operária, em comparação com explicações, talvez estejamos fazendo as perguntas erradas, pelo
os da classe média, estava provavelmente trabalhando aos 16 anos menos em parte. A dramática declaração de Barbara Wootton
de idade, à época do estudo. Contudo, as incidências médias regis- (1959): " . . . se os homens se portassem como as mulheres, os
tradas em todos os tipos de furto aumentam constantemente do Tribunais estariam ociosos e as prisões vazias", talvez seja exata
grupo A ao grupo E — de 22 a 3 6 % , com um ligeiro declínio no que se refere aos delinqUeníes condenados; seria bem menos
para 3 3 % no grupo E . Além disso, os rapazes da classe operária exato que o índice de delitos diminuísse de modo marcante, em
que furtaram tendiam a registrar um volume mais elevado de furtos especial naqueles em que a força física é relativamente sem impor-
do que os de classe média que furtaram. Pode-se mais uma vez tância. Se isso for de fato correto, a questão-chave da pesquisa
concluir que existe realmente uma disparidade de classe social no seria: por que uma maioria deixa de delinqiiir quando se torna
furto autodenunciado de um grupo de rapazes londrinos, mas que adulta e uma minoria continua a fazê-lo? Contudo, é também pos-
é menor do que sugerem as estatísticas oficiais. A revisão e análise sível que, embora a maioria dos jovens adultos deixe de cometer
estatística de diversos estudos referentes à delinquência juvenil o lipo de delitos que confessam quando adolescentes, ao penetrar
(Bytheway, 1975) apoiam a conclusão de que os dados da auto- no mundo profissional encontra novas oportunidades de aumentar
denúncia revelam uma tendência pequena, mas estatisticamente u sua renda legítima através de práticas ilegais. Isso tem sido estu-
significativa, a favor de mais infrações entre os rapazes da classe dado principalmente nas ocupações mais de classe média, sob o
operária do que entre os da classe média. título de "crime de empregado de paletó e gravata", mas os "delin-
(liientes ocupacionais" (termo mais abrangente, Clinard, 1968)
O problema da representatividade das estatísticas oficiais da serão provavelmente encontrados tanto nas oficinas das fábricas
delinquência surge novamente quando estudamos as variáveis de como nos escritórios dos executivos. A questão é que uma combi-
idade e sexo. Uma análise dos dados dos delinquentes condenados nação de recompensas financeiras fáceis de se obter e a escassa
por delitos indiciáveis na Grã-Bretanha sugere que o crime é em probabilidade de detecção quase inevitavelmente aumentam a pro-
grande parte uma ocupação da juventude: a proporção por milhar babilidade de delinquir. Tais condições parecem existir amplamente
de população atinge o ápice no meio da adolescência, para declinar cm toda a indústria e classes profissionais. O lucro financeiro ou
constantemente em seguida. Além disso, parece que os jovens do económico por meios ilegais e a baixo risco será provavelmente
sexo masculino foram super-representados. E m todas as idades, em menos possível para o escolar que para seu pai, que passa o dia
todos os países em que se fazem estatísticas, a disparidade entre os Inteiro na situação em que o ganho ilegal é possível. A s escolas
sexos é considerável, cerca de cinco vezes mais elevada entre os lulvc/ sejam fontes mais escassas de oportunidades do que as fábri-
homens, para todos os delitos reunidos, e 35 vezes mais elevada, cas e os escritórios. Clinard (1968) inclui sob a rubrica de delin-
nos casos de arrombamento (Wootton, 1959). Apenas nos furtos (|llcn(cs ocupacionais grandes e pequenos homens de negócios, polí-
em lojas é que as mulheres são condenadas com mais frequência ticos, funcionários públicos, médicos, farmacêuticos e outros. A s
do que os homens e mesmo assim em proporção insignificante. Investigações, sobretudo nos Estados Unidos, revelaram corrente
Isso tem sido explicado com base no fato de que as mulheres violação da lei criminal nas firmas de negócios, até as maiores,
fazem compras com muito mais frequência do que os homens, de o cm todas as áreas da indústria e do comércio. As atividades
modo que, segundo se assevera, uma análise em termos da propor- Ilegais incluíam atos de obstrução ao comércio, tais como mono-
ção dos sexos revelaria que os homens que fazem compras furtam jiólios, violação de patentes, manipulações financeiras e (em tempos
com mais frequência do que as mulheres que fazem compras. dl' Hucrra) mercado negro. A condenação de funcionários públicos
Contudo, o estudo de campo feito pelo americano Astor sobre VI clritos americanos ocorre com certa freqiiência. O Time (1972)
compradores, citado anteriormente, não apoia esse ponto de vista. <'liNoi'vou num artigo intitulado "Denúncia de Funcionários Públi-
Das mulheres observadas, 7,4% furtavam qualquer coisa; quanto i " que somente em Nova Jersey 67 funcionários haviam sido
aos homens, a cifra era de 5 % . E a juventude não se saiu muito nullcindos c 35 condenados nos últimos três anos, inclusive prefei-
pior. Pessoas com mais de 35 anos furtavam apenas ligeiramente liifi. Icííisladorcs, juízes, rodoviários, chefes de agências do correio
menos do que as com idade inferior a 35 anos. Ê claro que, se iiin congressista. Outros exemplos relacionados vinham de Miami,
usarmos os dados oficiais sobre as diferenças sexuais no crime
COMPORTAMENTO CRIMINOSO DELITOS E DELINQIJENTES
40 41

Filadélfia. Nova Orleans, Baltimore, Nova Y o r k e Albany, N . Y . ocultas para comparar o comportamento dos cidadãos comuns que
Processos criminais contra os funcionários públicos e políticos encontram uma carteira "perdida" e do policial submetido a
ingleses parecem mais raros, mas a aparente diferença nacional "testes de integridade" pelo Departamento de Polícia. Enquanto
talvez reflita apenas o zelo bem mais marcante da imprensa ameri- que 8 4 % do público guardavam a carteira, apenas 3 0 % dos poli-
cana — devido talvez às leis relativas à calúnia menos severas ciais a embolsavam quando a recebiam das mãos de um agente
— e a tradição pela qual os advogados americanos conquistam secreto que se fazia passar por um membro da comunidade. Esse
prestígio público denunciando os crimes dos funcionários em exer- resultado pode ser considerado como uma prova tranquilizadora
cício. Membros dos sindicatos trabalhistas (também aqui a evidên- de que o policial é mais respeitador das leis do que o cidadão
cia é em grande parte americana) têm-se envolvido em atividades comum, ou como um indício inquietante de que muitos deles são
criminosas, como apropriação indébita de fundos e uso de meios bastante humanos.
fraudulentos para manter o controle do sindicato. Tudo isso não se destina a demonstrar que o adulto médio
Atividades ilegais exercidas por médicos incluem a partilha passa toda a sua vida profissional em busca de lucros ilegais, mas
de honorários (ilegal, nos Estados Unidos, e contrária ao código simplesmente que tais atividades n ã o se acham confinadas às
de autocensura da ética médica, na Grã-Bretanha), isto é, o médico "classes criminosas", encontrando-se em graus variáveis de fre-
que faz o tratamento partilha seus honorários com aquele que o qiiência e em diferentes formas, segundo a natureza da ocupação,
indicou. Ê ilegal porque as indicações podem basear-se no volume na maioria da população, e uma verdadeira amostra de todos os
dos honorários e não na competência do médico. Clinard menciona delinquentes, tanto os detidos como os que não o foram, tenderia
que o D r . Paul R . Hawley, diretor do Colégio Americano de Cirur- com menos vigor na direção dos jovens negros da classe operária
giões, declarou: " O povo americano ficaria escandalizado se sou- e do sexo masculino do que sugerem as estatísticas oficiais.
besse. . . da quantidade de cirurgias desnecessárias realizadas em
pacientes do país inteiro" (Clinard, 19ò8, pág. 2 7 1 ) . Práticas ile- Delinquentes: Quem é Surpreendido
gais são também comuns entre os advogados. Incluem a apropriação
indébita de fundos a eles confiados, e a busca de falsos teste- O estudo inglês de Belson (1975) proporciona surpreendente
munhos. N ã o devemos esquecer os contribuintes adultos em geral, evidência referente à questão-chave de classe e outras disparidades
particularmente aqueles cujo imposto n ã o é deduzido diretamente entre os ladrões autodenunciados surpreendidos pela polícia e os
da fonte. Quantos autónomos poderão alegar que nunca fraudaram que n ã o o são. Belson dividiu os rapazes em quatro grupos, de
o fisco? Segundo Sutherland (1941): " O prejuízo financeiro para acordo com o número de furtos autodenunciados. Uma análise de
a sociedade, resultante do 'crime de empregados de paletó e gra- setor, que dividia os rapazes por ocupação paterna em quatro
vata* é provavelmente maior do que o prejuízo decorrente de grupos ( A , B C , D -h E , F ) , indicava que a porcentagem dos
assaltos, roubos e furtos". Escrevendo a respeito do "crime de surpreendidos era desproporcionalmente elevada entre aqueles
empregados de paletó e gravata", na Grã-Bretanha, Box (1971) cujos pais eram trabalhadores não-qualificados e desproporcional-
declara que "Todos (isto é, delitos ocupacionais c fiscais) refle- mente baixa entre rapazes cujos pais eram profissionais liberais
tem-se apenas de leve nos registros oficiais. . . porque.. . quase ou executivos. Assim, entre os que roubam, é bem menos provável
nunca estão sujeitos à interferência policial". Talvez o mais óbvio que os abastados sejam surpreendidos. Infelizmente, Belson não
de todos os crimes de adultos refira-se às infrações de trânsito, registrou dados relativos ao tipo de roubo. A possível disparidade
com minúscula proporção alcançando o estágio de comparecimento entre furtos " p ú b l i c o s " (em lojas, casas, etc.) e furtos "particula-
res" (a própria casa, amigos, etc.) é importante para a questão da
ao tribunal (Willett, 1964).
tendenciosidade oficial. Contudo, a grande maioria dos 44 tipos de
Wallerstein e Wyle (1947) documentaram o comportamento
furtos foi realizada em locais "públicos", de modo que as dispari-
criminoso por parte do clero (ver acima). Nem mesmo a polícia
dades registradas entre os surpreendidos não são provavelmente
está imune. Na verdade, isso a priori é bastante improvável; eles
responsáveis mais do que em pequena proporção pelo fato dos
se encontram peculiarmente expostos a oportunidades criminosas.
rapazes de classe média optarem por furtar de alvos menos inclina-
U m estudo realizado em Nova Y o r k para a Associação Benefi- dos a denunciar um furto patente, embora tal possibilidade n ã o
cente do Patrulheiro (Sunday Times, 1974) utiUzou câmaras

3-C.C.
COMPORTAMENTO CRIMINOSO IH'r,lT()S !•: r i E I . I N O U E N T E S
42 43

deva ser ignorada. Belson constatou também que os rapazes mais Nem sequer a polícia parece estar imune à tendenciosidade.
educados têm menos probabilidade de ser surpreendidos pela (Isso tem relação com o estudo do grupo de Filadélfia, anterior-
polícia. Ao que parece, os de origem operária têm mais probabili- rncnlc mencionado.) A polícia tem poderes discricionários bas-
dade de ser surpreendidos do que os de classe média. Por que isso lunle amplos, dentro dos quais pode atuar a tendenciosidade.
é assim? H á pelo menos duas explicações: um aumento de vigi- Podo optar por não processar uma pessoa detida. Informa-a
lância da polícia sobre os rapazes "com aparência de operários'* nitno de sua decisão por entrevista direta, ou por carta. Tanto
quando um crime foi cometido ou há suspeita de crime, juntamente nos F.stados Unidos como na Grã-Bretanha, quanto mais jovem
com a maior probabilidade de serem presos e acusados os rapazes o suspeito, mais provável ê que seja advertido, de preferência a
da classe operária, e maior habilidade na perpetração de um tipo processado (Hood e Sparks, 1970). E m todas as idades, as mu-
de furto fora da família pelos rapazes (em média) mais inteligen- lheres têm mais probabilidade do que os homens de receber adver-
tes da classe média. N ã o h á constatação acerca desta última possi- tências (Walker, 1955). Gold (1966) informa que a advertên-
bilidade, mas de algumas que se relacionam com a primeira. Nós cia seria ministrada mais provavelmente aos rapazes de classe
as estudaremos a seguir. média que aos da classe operara. Finalmente, Wilson (1968)
constatou que os jovens brancos tinham mais probabilidade de
Hcrcm liberados com u m a advertência do que os jovens negros.
Delinquentes: Quem é Processado
O comportamento da polícia ao advertir ou deter parece rela-
H á algumas constatações adicionais em apoio da possibili- clonar-se com sua previsão da probabilidade de outros organis-
dade de tendenciosidade contra determinados grupos durante a mos que não os tribunais de controlarem efetivamente o compor-
sequência do delito até o comparecimento ao tribunal. Uma ten- tnnicnto futuro do delinquente (Hood e Sparks, 1970). É bem
denciosidade sistemática tanto na vigilância dos clientes como na possível que o adolescente mais velho, negro, da classe operária
atuação de ladrões de lojas surpreendidos é demonstrado por um o do sexo masculino esteja na verdade mais inclinado a rein-
estudo de Cameron ( 1 9 6 4 ) . Os detectives de lojas n ã o só incli- cidir do que o seu equivalente mais jovem, branco, da classe
navam-se mais a observar e seguir adolescentes e negros, de niótlia e do sexo feminino, mas existe aqui um forte elemento de
preferência a adultos brancos, em especial os que aparentavam profecia auto-realizada.
pertencer à classe média, como se mostravam também seletivos
ao processar os que haviam sido detidos. Embora apenas 6,5% Idade, sexo e cor são características imediatamente óbvias.
de todos os adultos detidos fossem negros, eles contribuíram com Oulra característica evidente que parece influenciar a atitude da
2 4 % dos processados, a tendenciosidade estendendo-se aos negros polícia é a aparência geral do suspeito: tanto os seus aspectos
expressivos, como gesto e atitude, quanto os seus atributos está-
tanto do sexo masculino como do feminino.
ticos, tais como o comprimento do cabelo. Vernon (1964) estu-
Tendenciosidade seletiva semelhante verificou-se num estudo dou evidência demonstrando que ambos os tipos de dados físicos
feito por Robins (1970) numa agência de detectives particulares sno frcqiientemente usados por entrevistadores para prever a per-
empregada por várias firmas americanas. Apenas um terço dos N o n n l i d a d e e o futuro comportamento; a verdadeira relação entre
executivos surpreendidos em conduta ilegal foi processado pelas OH atributos expressivos e estáticos e o futuro comportamento é,
firmas que os empregavam, contra dois terços dos faxineiros sur- |«>réni, mínima. Segundo Hood e Sparks ( 1 9 7 0 ) , os principais
preendidos. A tendenciosidade se relacionava apenas superficial- l'iitt>rcs levados em conta pela polícia (mais no processo do que
mente com o valor da propriedade em questão e com o tempo de na advertência) são: gravidade do delito, condenações anteriores,
serviço do empregado, e bem mais acentuadamente com o status (|ualidadc do controle paterno, maneira de vestir e, o que é mais
Importante, a atitude do delinquente diante da polícia. Piliavin
da pessoa na firma. Black e Reiss (1970) verificaram que depois
o Hriar (1964) informaram que a pista mais importante usada
de feita uma detenção, os queixosos eram mais favoráveis a um
pclii políca é a maneira de reagir do suspeito; por exemplo, uma
processo quando o suspeito era negro ou pobre do que quando
rrtpida confissão, ao contrário de uma negativa, aumenta a possi-
era branco ou da classe média.
COMPORTAMENTO CRIMINOSO ni'1 i m s E IH-LINQÍJENTES
44 45

bilidade de uma reação informal da polícia. Constataram ainda ..inde parte devida à raça e n ã o ao S E S superior e inferior e
que os jovens classificados entre os que " n ã o cooperaram" tinham ocorria entre os não-brancos de S E S superior e inferior. Os auto-
significativamente maior probabilidade de ser presos do que os res realizaram então uma análise para verificar o impacto da dis-
classificados entre os que "cooperam". Resultados muito seme- posição relativa a determinado delito sobre a probabilidade de
lhantes foram registrados por Werner et al. (1975), sendo os ililiios subsequentes, o que revelou maior probabilidade de um
comportamentos-chave a polidez, a cooperação, a pronta apre- 'lindo delito, se o primeiro tivesse resultado em prisão do que
sentação de documentos de identidade e responder às perguntas tivesse levado a uma disposição corretiva. O mesmo se dava
dos policiais. Box (1971) sugere, embora não cite dados efe- com os delitos subsequentes. E m suma, "dois fatores, gravidade
tivos, que as pessoas de classe média são mais hábeis do que seus do delito e disposições severas, estão associados a uma substan-
equivalentes da classe operária em dar à polícia a impressão de- cial proporção de reincidência" (pág. 2 3 7 ) , Assim, a sugestão
sejada. dc que a marcante representação de rapazes não-brancos, de
SI'S inferior, nas categorias dos reincidentes e dos crónicos, ante-
riormente observada, pode ser em parte devida à severidade da
Delinquentes no Tribunal polícia — prisão em lugar de disposição corretiva. Segue-se que,
por exemplo, se os rapazes brancos, de S E S superior, que come-
O estágio final da "construção social das estatísticas ofi- tem o mesmo delito inicial que os não-brancos tivessem sido tra-
ciais", segundo Box (1971) chama ao processo, ocorre quando tados com a mesma severidade que os últimos estariam repre-
o acusado chega ao tribunal. sentados em números mais expressivos nos grupos dos reinci-
O estudo do grupo de Filadélfia (Wolfgang et a/., 1972) dentes e dos crónicos. Um exame mais amplo dessa possibilidade,
proporcionou dados interessantes acerca do encaminhamento de (jue se encontra no âmago da explanação do crime pela rotu-
delinqiientes juvenis, desde o momento da detenção até a sentença lação, será adiada até o capítulo 8. Basta, por enquanto, concluir
pronunciada pelo tribunal. U m funcionário para isso designado que a super-representação dos não-brancos, de S E S inferior, entre
maneja as disposições de acordo com determinados critérios, inclu- os que comparecem ao tribunal e, portanto, potencialmente mais
sive contatos anteriores com a polícia, delito atual, situação fami- sujeitos a ser condenados, o que os incluiria nas estatísticas ofi-
liar do delinqiiente, atitude para com a polícia e perspectiva da ciiiis dos delinquentes, talvez não reflita apenas o comporta-
providência do tribunal de menores em caso de detenção. A aná- mento criminoso mais amplo do grupo. Belson (1975) registrou
lise das disposições foi feita de acordo com as variáveis anterior- o mesmo na Grã-Bretanha: os filhos dos trabalhadores menos
mente descritas de raça, S E S e tipo de disposição — um "corre- qualificados têm mais probabilidade de ser enviados ao tribunal.
tivo" (ação não-oficial da polícia) ou prisão, conduzindo em
geral a um comparecimento ao tribunal. Os autores comentam: O veredicto de culpado n ã o é, naturalmente, o único possí-
"Por mais que dividamos e distribuamos o material em m ã o , vel: muitos réus são absolvidos, proporcionando uma base po-
os não-brancos foram objeto de disposições mais severas" (pág. tencial para as proporções diferenciais de absolvição — entre as
2 2 0 ) . E mais adiante: "Disposições diferenciais baseadas na raça classes sociais, os sexos, etc. Infelizmente, pouco trabalho empí-
podem ser resultantes de discriminação, preconceito, tendenciosi- rico foi efetuado sobre a relação entre o pertencimento de grupo
dade" (pág. 2 2 1 ) , Embora apenas 1 3 % dos delinqiientes bran- c a absolvição.
cos, primários, fossem presos, a cifra dos não-brancos era de
Baseados nos autos de 3 . 5 0 0 julgamentos, Kalven e Zeisel
3 0 % . Disparidade semelhante foi constatada entre reincidentes
(1966) descobriram 27 de homens que haviam assassinado a
brancos e não-brancos. A disparidade parecia ser principalmente mulher e 17 de mulheres que haviam assassinado o marido.
para apontar os delitos mais graves, nos quais havia a progres- l',nquanto que a proporção de absolvições entre os primeiros era
são familiar, desde os não-brancos de S E S inferior até os brancos lie apenas 7 % , entre as últimas era de 4 1 % . A o estudar essa
de S E S superior, sendo que os primeiros tinham o dobro de pro- constatação, Walker (1971) frisa as maneiras pelas quais os dois
babilidade de ser presos. Além do mais, a disparidade era cm grupos estudados podem ter diferido além do elemento sexo — por
COMPORTAMENTO CRIMINOSO DIÍI.MOS E DELINQiJENTESj
46 47

exemplo, idade e cor — afetando assim o resultado observado. públicos. (De acordo com a hipótese contrária, os advo-
Ele poderia também ter chamado a atenção para a possibilidade gados, como grupo, seriam em média mais altruístas do que os
de uma defesa sistematicamente mais eficaz (ou pelo menos outros seres humanos.) Embora ajude estar legalmente represen-
apelações mais hábeis para mitigação da sentença) apresentada lado, de qualquer modo, ter acesso financeiro aos advogados mais
pelos advogados das mulheres. Os jurados e juízes talvez se capazes ajuda ainda mais. A classe média n ã o só tem mais pro-
tivessem mostrado menos severos para com homicidas do sexo babilidade de pagar um bom advogado; mas também tem maior
feminino do que do sexo masculino. U m veredicto de culpado, incentivo para "limpar o nome", pois tem mais a perder caso
ou uma apelação, não levam a uma sentença uniforme; os não o consiga. A concessão de fiança, que permite prolongar
advogados de defesa, jurados e promotores podem todos influenciar o prazo para a preparação da defesa — e, portanto, uma defesa
o resultado. mais eficaz — relaciona-se com o nível económico da pessoa que
pede a fiança (Nagel, 1970). E m consequência de todos os fa-
lares acima, uma nova contribuição potencial é feita à consti-
Advogados de Defesa. O calibre do advogado de defesa rela-
luição das estatísticas oficiais. (As observações acima aplicam-se
ciona-se com a probabilidade de um acordo (um trato entre o
ao defensor público americano; o sistema britânico de assistên-
acusado e a polícia para que o primeiro se confesse culpado de
cia jurídica cobre as custas, inclusive de processos muito dispen-
uma acusação menos grave, o que permite uma rápida solução do
iliosos.)
caso). Isso é compensador para todos os interessados: o crime, ou
crimes, passam a integrar o número dos "solucionados pela polí- Os veredictos de culpa são apresentados por jurados leigos
cia"; a máquina do tribunal, sempre sobrecarregada, corre mais ou por magistrados, juízes ou outras autoridades sentenciadoras
rápido; e o acusado recebe uma penalidade mais leve do que oficiais.
obteria noutro caso. Newman (1956) constatou que 2 7 % dos
legalmente representados conseguiram admitir culpa numa acusa- Comportamento dos Jurados. Uma avaliação abrangente feita por
ção menos grave, em comparação com 12% dos que não tinham Mitchell e Byrne (1973a) concluiu que três classes principais de
advogado, e 5 7 % dos primeiros, em comparação com 3 2 % dos vai-iávcis influenciavam as decisões dos jurados.
últimos, ouviram a promessa de que o processo tenderia a uma 1. A s características pessoais do réu, inclusive aparência
sentença mais leve. Os acordos de apelação poderiam também física, raça, sexo e idade, status e renda da família, assim como
figurar em qualquer alteração do delito oficialmente relacionado, UH descrições de seu comportamento feitas por outras pessoas,
entre o indiciamento e o comparecimento ao tribunal. Garfinkel
2. A s características do processo, tais como a ordem de
(1949) constatou que, embora 7 0 % dos negros inicialmente indi-
apresentação dos argumentos e sua novidade, o depoimento e
ciados por homicídio em primeiro grau fossem finalmente acusa-
comportamento das testemunhas, o conhecimento pelos jurados
dos daquele crime, a cifra para os brancos era 4 0 % . Outra ma- iU\H possíveis punições.
neira de se obter uma concessão do judiciário é conseguir que
o caso seja encerrado com uma audiência preliminar, ou num 3 . A s características pessoais dos jurados, tais como grau
tribunal de instância inferior. Ê de esperar que a qualidade do do autoritarismo (os que empregam muitas medidas autoritárias
advogado contratado faça diferença. Oaks e Lehman (1970) nioslram-se deferentes para com os supervisores e antagónicos para
constataram que o encerramento de casos de delitos graves em com os subordinados, inferiores sociais e membros de grupos
Cook County, Illinois, foi conseguido por 2 9 % dos que contra- minoritários), atitude em relação à punição, em especial o cas-
taram advogados particulares, em comparação com 8% dos re- lljj.o corporal, status social, educação e sexo.
presentados por um defensor público (o equivalente aproximado A terceira das conclusões acima foi prevista por Winnick
do sistema britânico de assistência j u r í d i c a ) . E razoável inferir (1961): " É lógico esperar que o Jurado X veja o mundo como
que os advogados mais hábeis, capazes de obter honorários ele- II via cjuando era o Sr. X , não se tomando da noite para o dia
vados, não necessitam dos honorários pagos pelo sistema de assis- tim jtulicioso avaliador de depoimentos de testemunhas só por-
tência jurídica e portanto mais dificilmente agirão como defen- ipu' prestou juramento" (pág. 1 0 7 ) . É razoáve t a m b é m esperar
COMPORTAMENTO CRIMINOSO 1)Í:LIT0S E DELINQUENTES

que as descobertas experimentais relativas à influência do grupo uma área de pesquisa relativamente recente, a da prática de sen-
(McGuire, 1969) se apliquem aos debates do júri, por exemplo (cnciar. Variações nas sentenças dadas pelo mesmo delito são de
a maior influência sobre o resultado de uma discussão daqueles interesse para os criminologistas, por diversos motivos: primeiro,,
que possuem status social mais elevado e, portanto, com capa- podem influenciar a atitude diante da lei, tanto dos sentenciados
cidade para conferir recompensas relevantes, tais como aprovação como do público em geral, e daí o futuro comportamento delin-
social. Não parece improvável que os jurados de classe média se t|ucnte de ambos; segundo, sugerem a natureza variável da pu-
inclinem a favorecer os réus de classe média contra os de classe nição na matriz decisória, com respeito a valer ou não a pena
operária (e vice versa), e de modo geral o grau de semelhança cometer determinado delito; terceiro, variações na experiência de
entre jurados e acusado será uma variável importante no compor- aprendizagem consequente à punição podem afetar o futuro com-
tamento do júri. A questão foi experimentalmente estudada por portamento delinquente (a experiência carcerária será diversa da
Mitchell e Byrne (1973b) através da apresentação a estudantes (Ic sursis). A s amplas variações encontradas na prática sugerem
de um questionário sobre um caso de furto de gabarito de pro- a importância das características pessoais das autoridades senten-
vas. Detalhes dos pontos de vista do réu com respeito a certos ciadoras e sua interação com as da pessoa sentenciada, exata-
tópicos foram também fornecidos e as semelhanças perceptíveis niente como ocorre noutras situações de percepção interpessoal.
entre o réu e o "jurado" (de escore baixo ou alto na escala do
autoritarismo, Byrne e Lamberth, 1971) foram também manipu-
Práticas de Sentenciar e Autoridades Sentenciadoras. Ampla evi-
ladas. Solicitou-se também que decidissem se havia culpa e reco-
dencia de grosseiras diferenças nas práticas de sentenciar entre
mendassem a punição. Constatou-se que os jurados com alto teor
tribunais do mesmo país e até da mesma área é citada por Hood
de autoritarismo se inclinavam mais em favor de um réu seme-
c Sparks: "Nos tribunais federais dos Estados Unidos, em 1962,
lhante, e se inclinavam mais contra um dessemelhante do que
a sentença média de prisão em todos os casos oscilou entre 12,1
os jurados igualitários (pouco autoritários) no que respeita tanto
à culpa como à punição. Mitchell e Byrne (1973b), usando um meses no circuito norte de Nova Y o r k (65 casos) até 57,6 meses
julgamento simulado, constataram que, embora os pouco autori- no distrito sul de lowa (41 casos)" (Hood e Sparks, 1970, pág.
tários fossem sensíveis a uma instrução judicial no sentido de n ã o 142). Variações semelhantes foram encontradas em delitos espe-
darem atenção ao testemunho acerca das características do réu ciricos, prisão por falsificação, por exemplo, variando entre 7,2
— quer de natureza negativa, quer positiva — ao recomendarem meses a 54 meses. O mesmo tipo de constatação foi feito na
a punição, os muito autoritários, ainda assim, reagiram a essas Inglaterra. Nos tribunais de duas cidades vizinhas do Norte, Ro-
características. A s recomendações dos autores serão consideradas tlu-rdam e Halifax, as proporções de jovens em liberdade vigiada
um tanto revolucionárias pelos advogados, infringindo os direitos no início da década de 50 foram 12 e 7 9 % respectivamente
civis dos jurados em potencial, segundo os libertários. Sugerem (Cirtinhut, 1956), Vários anos mais tarde (1962-3), em Barnsley,
eles excluir do júri as pessoas muito autoritárias e ocultar-lhes outra cidade do Norte da Inglaterra, constatou-se o mesmo com
toda informação irrelevante e tendenciosa, a ponto de registrar respeito a 7 3 % dos rapazes com menos de 14 anos e 6 5 % entre
o julgamento em videotape e "prepará-lo" antes da transmissão. I I e 17 anos. A s cifras nacionais correspondentes eram 17%
Berg e Vidmar (1975) confirmaram que, embora os muito auto- • -!H';(') respectivamente (Patchett e McClean, 1956).
ritários recordem mais os depoimentos relacionados com o ca-
Hood e Sparks (1970, pág. 146) consideram um estudo de
ráter do r é u , os pouco autoritários recordam melhor os depoi-
Clrcon (1961) " a mais sofisticada enquête sobre o sentenciamento
mentos situacionais. O estudo foi também feito em situação de
litmais feita" (à época em que foi escrito o livro de Sparks e
júri simulado, mas é razoável esperar que os jurados da vida real
llooti. cl'. Hogaríh, abaixo). Green estudou 1.437 casos julgados
se comportem de modo semelhante — de acordo com seu nível
por IH juízes do Tribunal Trimestral de Filadélfia e encontrou
de autoritarismo.
' i/oávcl coerência entre os magistrados, tanto nos casos de maior
Finalmente, precisamos considerar o estágio no qual a sen- Ntvliladc, como nos de menor, mas " à medida que os casos
tença é em geral pronunciada. Para fazer isso, retornarmos a tem dos extremos de gravidade ou brandura para a faixa inter-
COMPORTAMENTO CRIMINOSO
50 nríLITOS E DELINQiJENTES
51

mediaria, os padrões judiciais tendem a tornar-se menos estáveis observacional. Contudo, o estudo de Hogarth não é inteiramente
e a sentença reflete cada vez mais a individualidade do j u i z " generalizável com respeito à verdadeira situação no recinto do
(Green, 1961, citado por Hood e Sparks, 1970, pág. 1 4 7 ) . (i-ibunal: os participantes não viram o acusado, de modo que n ã o
Outros estudos examinados por Hood e Sparks enfatizam também poderiam ser influenciados por sua aparência, comportamento e
a "individualidade do juiz", sem definir o que isso significa. "atitude" geral durante o julgamento. (É preciso lembrar que a
Parece sugerir tanto a personalidade do magistrado como a sua maneira como se porta um suspeito diante da polícia constitui
atitude em relação aos delinquentes e as finalidades do processo um dos determinantes principais nas decisões do policial com
sentencioso. respeito a deter, advertir, etc.)
Uma tentativa ambiciosa para delinear as variáveis das ati-
H á evidências recentes quanto a essa omissão. Dion et al
tudes que afetam as decisões das autoridades sentenciadoras foi
(1972) demonstraram que as pessoas de boa aparência, compa-
feita num estudo canadense de Hogarth ( 1 9 7 1 ) . Quase todos
i-atlas às não-atraentes, tendiam mais a ser consideradas possui-
os magistrados da província de Ontário dele participaram (71 em
ik)ras de uma variedade de atributos sociais desejáveis e ser bem-
7 8 ) . Minuciosas descrições por escrito foram preparadas de 150
succdidas. Vários estudos (ver Berscheid e Walster, 1969) de-
casos que abrangiam sete delitos indiciáveis contra a proprie-
mt)nstraram que o atrativo aumenta a simpatia, e Landy e Aron-
dade e contra a pessoa, incusive dados tanto do delito como do
son (1969), que a simpatia por um réu aumenta a clemência.
delinqiiente. Solicitou-se aos magistrados que dessem a cada qual
Ulilizando uma tarefa de júri simulado, Efran (1974) informa
uma "sentença". Além disso, foram também minuciosamente
(|uc os sujeitos atribuíam castigos mais leves às pessoas de boa
entrevistados com respeito a sua atitude geral para com a lei e os
aparência do que aos agressores não-atraentes. Constatação seme-
delinqiientes. E i s alguns dos resultados obtidos:
lliante foi registrada por Dion (1972), que verificou ainda
1 . A seleção da sentença institucional estava associada à que os não-atraentes eram considerados mais capazes de reinci-
ficha criminal anterior do delinqiiente e sua culpabilidade atual. dência — possivelmente devido a seus recursos pessoais mais
2. O prazo da sentença imposta correlacionava-se de modo litnitados, o que também lhes dava menos oportunidades para
significativo com a extensão da ficha e a gravidade do crime lecompensas obtidas de maneira não-criminosa. Assim, a genera-
(índice Sellin-Wolfgang) e n ã o com a ocupação, status civil, lização parece razoável: as autoridades sentenciadoras serão mais
idade e sexo do delinqiiente, a natureza da apelação ou os atri- elemcntes para com os mais atraentes; se as pessoas da classe
butos da vítima. Contudo, todos os fatos "objetivos" reunidos média são mais hábeis em se apresentar de modo agradável do
representavam apenas 7 % da variância total no comportamento t|ue as da classe operária, temos aí nova fonte de inclinação
sentencioso. contra estas últimas. Uma limitação foi demonstrada por Sigaíl e
Ostrove ( 1 9 7 5 ) : numa situação simulada, sentenças um tanto
E m contraste, a atitude geral dos juízes de três áreas era
mais severas foram dadas a um vigarista atraente, de preferên-
responsável por 5 0 % da variância: sua "preocupação com a jus-
cia a um não-atraente, pois a vigarice é considerada um crime
tiça"; "tolerância diante dos desvios sociais" e "confiança na efi-
relacionado com o atrativo pessoal. A relação atrativo-clemência
cácia da p u n i ç ã o ". Por exemplo, os magistrados que se baseavam
manteve-se forte nos furtos, já que um ladrão não-atraente re-
fortemente nas multas não achavam que " a punição corrige", os
cebeu "sentença" bem mais severa do que um atraente. É pre-
que enviavam os delinqiientes para as instituições pensavam assim.
ciso observar que os jurados, na vida real, não sentenciam, mas
O estudo sugere que os magistrados agem individualmente, é razoável esperar que as autoridades sentenciadoras sofram a
de acordo com as suas convicções gerais referentes, por exemplo, influência das pessoas atraentes.
à eficácia de diferentes tipos de punição. Esta pauta pessoal
ajuda-os a resolver as diividas e incertezas despertadas por cada E m comparação com a potencialidade, em que medida a
caso individual. Uma vez estabelecido um estilo pessoal de sen- tetidcnciosidade das autoridades sentenciadoras opera de fato, sis-
tenciar é provável que ele permaneça e sirva de modelo aos ti*maticamente, pró ou contra certos grupos sociais? U m estudo
novos membros da corte, através dos princípios da aprendizagem realizado por Hood (1962) sobre as sentenças nas cortes dos ma-
COMPORTAMENTO CRIMINOSO DELITOS E DELINQUENTES!
52 53

gistrados da Grã-Bretanha concluía: " H á certa evidência a favor masculino a enveredar pelo último caminho quando o delito em
da hipótese de que os magistrados da classe média que lidam questão tiver sido relativamente semelhante.
com delinqiientes da classe operária em comunidades de classe
média relativamente pequenas e estáveis tendem a mostrar-se rela-
tivamente severos". A evidência americana de tendenciosidade na Conclusões e Implicações
sentença é mais nítida, porém refere-se quase toda á tendenciosi-
dade entre raças. Por exemplo, um estudo de furtos em lojas, efe-
tuado por Cameron (1964), revelou que, embora 2 2 % das mu- Conclusões Sobre Delitos e Delinqiientes
lheres negras consideradas culpadas fossem enviadas para a pri-
são, apenas 4 % das mulheres brancas culpadas foram sentencia- Vê-se que em cada estágio subseqiiente ao mesmo comporta-
das da mesma maneira. Ademais, apenas 10% das mulheres bran- mento delituoso inicial — queixa, busca, prisão, julgamento, con-
cas condenadas à prisão foram enviadas para a prisão por mais denação e tipo de sentença — existe para certos grupos sociais
de 30 dias, enquanto que o mesmo aconteceu a 2 6 % das mu- da população uma possibilidade maior do que para outros grupos
lheres negras. de passar ao estágio seguinte. Além do mais, certos delitos, mais
do que outros, tendem a levar os delinquentes à custódia. A dis-
Hood e Sparks (1970, págs. 168-9) apresentaram um mo- posição final dos que se acham em custódia será função tanto
delo minucioso das muitas variáveis que entram na decisão da dos fatos do delito e da detenção como do preconceito sistemá-
sentença e sugerem que em qualquer tribunal seria possível pre- tico na seleção que ocorre em cada estágio do processo. Uma
dizer a sentença em determinado caso. Observam que as limi- avaliação conservadora dos dados sugere a existência de dispari-
tações comuns a todos os juízes — as convenções e regras esta- dades iniciais na frequência e gravidade dos delitos entre pessoas
belecidas pelos tribunais de recurso, por exemplo — tendem a da classe operária e da classe média, homens e mulheres e (nos
reduzir a variação. Os seminários sobre a prática de sentenciar, K . U . A . ) negros e brancos. Contudo, a seqiiência das reaçÕes
organizados periodicamente para todos os tipos de autoridades oficiais amplia significativamente as várias disparidades, de modo
sentenciadoras e agora traço comum do sistema penal britânico, que a aparência de realidade proporcionada pelas estatísticas ofi-
destinam-se a exercer efeito semelhante. Continuará possível que ciais é em parte uma construção. Uma analogia é proporcionada
tanto os juízes do tribunal de recursos como os seminários sobre pela psicologia das diferenças sexuais (ver capítulo 5 ) . Parece
a prática da sentença sejam influenciados por, e propaguem, provável que em média homens e mulheres difiram potencial-
certas crenças relativas aos delinqiientes em particular, e ao com- mente ao nascer, devido à hereditariedade biológica, em impor-
portamento humano em geral, que talvez se comuniquem aos que tantes áreas do comportamento. Contudo, experiências de socia-
se encontram nos tribunais de instância inferior. A semelhança lização ampliam e agravam a diferenciação. Divergências de com-
na prática de sentenciar pode indicar apenas que seus agentes portamento entre adultos do sexo masculino e feminino são,
foram todos expostos ao mesmo treinamento sistemático; não nos nssim, devidas a um amálgama de influências biológicas e so-
diz se o treinamento libertou-os de, ou reforçou, modalidades ciais, sendo a mesma a direção do efeito.
estereotípicas de pensamento.
No que se refere aos estudos explanatórios do comportamento
Pode-se concluir que no estágio da sentença um novo pro- delituoso é bem clara a implicação desta abordagem geral: os
cesso seletivo talvez ocorra; certas pessoas passarão a integrar as estudos realizados exclusivamente em populações de detentos po-
fileiras dos que se encontram nas instituições penais, com a con- dem rcvelar-nos o comportamento dos agentes da lei e do siste-
sequente exposição a diferentes ambientes de aprendizagem e, ma penal e os efeitos das instituições sobre o comportamento
portanto, a comportamentos futuros potencialmente diversos. H á dos delinquentes, assim como sobre as causas do comportamento
possibilidade de que a classe média, os brancos e as mulheres criminoso. Além do mais, as várias fontes dos dados obtidos por
icnclam mais que os da classe operária, os negros e os do sexo tuis estudos serão bem difíceis de se destrinchar.
COMPORTAMENTO CRIMINOSO
54 |ii:iJTOS E DELINQUENTES
55

Talvez o mais importante de todos os processos de seleção | lucm literalmente uma população cativa. Contudo, ambas as de-
é que os indivíduos que se encontram em instituições provável- j cisões implicam hipóteses importantes, que podem ou não estar
mente não são apenas os que são tirados de determinados gru- ' correias. O preço, caso estejam incorretas, é muito elevado —
pos sociais; constituem um grupo especial pelo fato de terem estudos explanatórios que procuram explicar os "fatos" descri-
sido apanhados. A probabilidade de detenção não se relaciona tivos podem dedicar-se a um quadro distorcido e incompleto da
apenas com a queixa da vítima, a vigilância e a eficiência poli- realidade, deixando assim de proporcionar uma explicação com-
ciais, mas também com a habilidade do delinqiiente em escolher
pleta. Assim, os pesquisadores tendem a iniciar com o quadro
um delito com pouca probabilidade de detecção, em executá-lo
tio crime e dos criminosos revelado pelas estatísticas oficiais.
com eficiência e encobrir suas pistas. Se estudássemos os homens
Conforme vimos, as estatísticas distorcem um tanto a realidade.
de negócios, dificilmente restringiríamos nossa atenção aos que
Não só incluem apenas uma amostra da população total de cri-
entram em falência, debatem-se com lucros reduzidos, ou se en-
mes e criminosos (muitos delinqiientes não são apanhados), como
contram de qualquer modo no lado fracassado da dimensão da
essa amostra parece ser tendenciosa, constituindo o resultado de
competência nos negócios. É igualmente injusto estudar apenas
inna prolongada sequência, que passa pela fiscalização, deten-
os delinqiientes que fracassam, pois é assim que se pode des-
crever os que se encontram nas instituições penais. ção, processo e sentença. A impressão transmitida pelas estatís-
licas oficiais é que o criminoso " t í p i c o " é jovem, do sexo mas-
culino, da classe operária e, nos Estados Unidos, negro. Isso tem
Implicações para a Pesquisa levado a uma forte concentração de estudos explanatórios do
da Explicação do Comportamento Criminoso crime (ver capítulo 8) e tentativas de controlar o crime na ativi-
dade criminosa de determinado grupo de indivíduos e não no
Estudos do crime e dos criminosos repousam, como os es-
rcsiante da população —• pessoas de ambos os sexos, mais ve-
tudos do comportamento em geral, sobre certas hipóteses (que se
lhas c da classe média. U m a fonte óbvia de tendenciosidade adi-
tornam então estratégias de pesquisa) referentes à população de-
cional é o fato de que os criminosos oficiais são os que foram
sejável para o estudo e certos modelos de diferenças individuais
ítu-prccndidos no ato. Se é exato que as estatísticas oficiais são
no comportamento humano. A s suposições feitas e o modelo sele-
Icndcnciosas, segue-se que as atividades de pesquisa nelas basea-
cionado orientam inevitavelmente as atividades dos pesquisadores
no estágio descritivo, afetando de modo marcante a escolha das das levarão inevitavelmente a explanações incompletas e a mé-
teorias a serem testadas no estágio explanatório, assim como os loilos de controle inferiores aos de eficácia ótima.
métodos adotados para a resposta e o controle sociais. Assim é de
Uma estratégia alternativa para se obter representatividade
crucial importância estabelecer tanto as estratégias adotadas pelos
nas amostras de pesquisa é estudar os delinqiientes autodenun-
pesquisadores desse campo como os modelos de comportamento
ciados. Isso acarreta certos problemas, conforme verificamos.
humano que informam sua conduta nos três estágios da pesquisa.
AlHiins dos respondentes talvez declarem a menos, em especial
Estratégias e modelos se fundem de certa maneira, mas convém,
no í|uc se refere a delitos mais graves, outros talvez denunciem
para finalidades de exposição, considerá-los separadamente.
ti mais. Contudo, os estudos de autodenúncia cuidadosamente
oxcculados proporcionarão amostras de indivíduos menos sujeitos
Estratégias de Pesquisa. E m todas as áreas do comportamento a Icndcnciosidade do que as colhidas nas estatísticas oficiais.
humano os pesquisadores defrontam-se com o problema de como
fazer as perguntas em que estão interessados. N a prática, isso Os condenados por crimes podem receber sentença de pri-
significa selecionar os grupos de indivíduos destinados a apre- iifio, ou outra espécie de detenção, ou um castigo de tipo não-
sentar o comportamento em questão. No contexto do comporta- cuNlodial. Inúmeros estudos de delinquentes ocuparam-se do pri-
mento criminoso parece óbvio, e com razão, estudar delinquen- meiro grupo. Nesse caso, a estratégia de pesquisa faz a impor-
tes condenados. Dentro do grupo dos condenados, às vezes é hmtc suposição adicional de que não só os prisioneiros são repre-
mais conveniente estudar os sentenciados à prisão — eles consti- dcntalivos dos delinquentes em geral, mas que também não se
COMPORTAMENTO CRIMINOSO
56 DEUTOS E DELINOiJENTE^ 57

modificam durante a sua permanência na instituição penal. Esta tecimentos contingentes ao comportamento criminoso — noutras
hipótese é particularmente importante para estudos que compa- palavras, dos determinantes situacionais.
ram as medidas de personalidade dos prisioneiros com as dos
não-delinqiientes. Ê possível que os prisioneiros permaneçam con- Uma segunda abordagem às diferenças individuais acha-se
venientemente congelados nos traços de personalidade que ma- representada no ponto de vista dimensional; isso sugere que a
nifestavam ao entrar, mas é mais provável que as medidas da "criminalidade", como outras variáveis da personalidade, varia ao
personalidade tomadas no início sejam afetadas pelas experiên- longo de uma dimensão quantitativa contínua, onde cada posição
cias especiais vividas no ambiente da prisão. Assim, os escores se dissolve na seguinte. Essa abordagem está bem representada
de personalidade são um amálgama das experiências vividas ante- por Eysenck, cujo trabalho é minuciosamente debatido no capí-
riormente ao delito que levou à sentença de prisão e os efeitos do tulo 6. A abordagem dimensional desenvolveu-se historicamente
aprisionamento. Torna-se assim completamente insatisfatório tes- a partir da ideia de tipos, mas agora rejeita definitivamente essa
tar sobre uma população carcerária uma teoria que antevê dife- abordagem simplista. Os que a defendem reconhecem a impor-
renças de personalidade entre delinquentes e não-delinqiientes tância da situação corrente e das experiências de aprendizagem,
devidas às divergências de hereditariedade genética, ou de expe- mas tendem a enfatizar sobretudo as predisposições biológicas
riências anteriores ao delito, ou ambas as coisas. Estratégia pre- nlé um determinado nível de "criminalidade" potencial.
ferível é estudar delinqiientes processados e não-processados, ou
Tanto o ponto de vista tipológico como o dimensional insis-
possivelmente ainda melhor, delinqiientes não-condenados, auto-
tem no que as pessoas trazem consigo para as situações nas
denunciados.
quais se portam ilegalmente, de preferência ao efeito exercido
Bobrc os indivíduos pelas oportunidades e limitações concernen-
Modelos de Diferença Individual no Comportamento. Essencial- tes aos comportamentos ilegais, proporcionadas pela situação.
mente, os psicólogos e outros interessados em explicar o compor- Essa é a ênfase do terceiro modelo de diferenças individuais, a
tamento humano têm-se baseado em três modelos de diferenças (pic podemos chamar sem rigidez modelo behaviorista. E l e su-
individuais. O primeiro, o modelo tipológico, supõe que as pes- íícrc que o comportamento, inclusive o comportamento crimi-
soas possam ser divididas em grupos nítidos, sem sobreposição noso, em determinada situação, é função tanto das característi-
no comportamento em questão. Um simples exemplo é a divisão cas da situação corrente como dos resultados das experiências
em "extrovertidos", em vez de em graus de extroversão (ver nnicriores naquela situação e noutras semelhantes. O ponto de
abaixo). O modelo tipológico implica que as diferenças sejam visia "behaviorista" é, portanto, aparentemente apenas ambiental
permanentes e se apliquem a todas as situações. Assim, o "psico- lia verdade os que o defendem inclinam-se a subestimar as
pata" é um "psicopata" em todos os tempos e lugares, indepen- iiilhicncias biológicas sobre o comportamento. Mas isso não é abso-
dentemente das circunstâncias que o instigam. Por definição, em- hilnnicnte um quadro inevitável e representa, na verdade, uma
bora isso raramente seja dito com clareza, o "não-psicopata", ou concepção errónea da posição behaviorista, que é essencialmente
"normal", nunca é psicopata em qualquer ocasião ou lugar. A um meio de considerar o comportamento, e não uma exposição
idéa da tipologia tem sido também aplicada à produção de tipo- dc suas causas. No decorrer deste livro sugeriremos que tanto
logias dos dehnquentes. Gibbons ( 1 9 7 5 ) , que gastou muitos anos OH dolcrminantes biológicos como os ambientais conjugam-se para
nessa tentativa, concluiu recentemente que está cada vez mais produ/ir diferenças individuais no comportamento criminoso.
" c é t i c o " a respeito das perspectivas de descobrir um grupo rela- ÍJnui importante implicação da abordagem behaviorista, e até certo
tivamente limitado de "carreiras" criminosas (pág. 1 5 3 ) . Consi- ponto também dimensional, particularmente conforme exposta por
dera que os esquemas válidos, classificatórios, que levam, espe- Eysenck, é que os métodos e descobertas da Psicologia experi-
rançosamente, a descobertas etiológicas significantes podem reve- mental, originalmente baseados no laboratório e centrados no com-
lar-se muito difíceis, se não impossíveis de se construir. Além portamento "normal", são também aplicáveis aos comportamentos
disso, talvez n ã o seja necessário fazê-lo para intervir com eficiên- "anormais" da vida real. Por conseguinte, os princípios respon-
cia. E m vez disso, ele afirma a necessidade da pesquisa dos acon- Rrtvcis pela aquisição, conservação e desempenho dos comporta-

4.C.C.
COMPORTAMENTO CRIMINOSO DELITOS E DELINQUENTES 59
38

mentos em geral aplicam-se também a comportamentos "desvian- panhar desde o início uma amostra aleatória da população, obser-
tes" especiais. Do ponto de vista da estratégia de pesquisa, uma vando no seu decorrer a hereditariedade genética, o comporta-
vez que as abordagens tipológicas e dimensionais tendem a enfa- mento da primeira infância, os métodos educacionais dos pais, o
tizar as pessoas de preferência ao seu comportamento, focalizam grupo de pares (ou colegas), as influências da escola e do tra-
a pesquisa sobre comparações de criminosos e não-criminosos balho, o verdadeiro comportamento criminoso, a reação social a
per se. Dependem grandemente, portanto, da representatividade e tais comportamentos e os efeitos dessas respostas sobre o indiví-
ausência de tendenciosidade das estatísticas oficiais sobre delitos duo em questão, etc. A s três amplas abordagens à explicação po-
e delinqiientes. A abordagem behaviorista é menos focalizada; deriam ser então adequadamente testadas., A s limitações de tem-
po significam que na prática a escolha fica entre um estudo
indica-nos o comportamento criminoso — quer exemplificado
contemporâneo ou uma retrospectiva a ser eítecutada numa popu-
por pessoas assim oficialmente designadas, quer por delinqiien-
lação carcerária ou n ã o . A s três abordagens à explicação serão
tes autodenunciados — e as experiências anteriores que mantêm
provavelmente melhor testadas em grupos de composição o menos
e as situações correntes que evocam tal comportamento. Assim,
possível tendenciosa. Isso significa que as pesquisas deveriam in-
argumenta-se, a relativa neutralidade da abordagem behaviorista
cluir pelo menos populações não-encarceradas. Na verdade, é pos-
adapta-se melhor ao estágio descritivo da nossa investigação do
sível observar que os efeitos conjugados da seleção tendenciosa
comportamento criminoso. Pode ocorrer que certas pessoas se
e da vida encarcerada de tal modo distorcem os resultados dos
apresentem como coerentemente criminosas, devido talvez a fortes estudos de prisioneiros que levam os pesquisadores a uma prefe-
predisposições biológicas, a experiências ambientais coerentes, ou rência positiva por estudos de grupos não-encarcerados. Contudo,
à ação conjunta de ambas, mas isso é a conclusão de uma inves- concentrar-se unicamente em pessoas que não estejam encarce-
gação. No início é preferível ser o mais imparcial possível e, por- radas excluiria muitos delinqiientes que cometeram os mais sérios
tanto, estudar tanto os delinquentes condenados e como os não- crimes, tais como homicídio. Pelo contrário, estudos destinados
condenados, e aqueles que ainda não delinqiiiram, como também a traçar a aquisição de comportamento criminoso por aqueles
usar tanto as disposições experimentais como as situações de que ainda n ã o delinqiiiram precisam ser executados com tais indi-
campo. Noutras palavras, uma estratégia de pesquisa desejável víduos, e não com delinquentes, estejam, ou n ã o , encarcerados,
no campo do crime acompanharia a da Psicologia experimental É claro que a natureza do assunto da pesquisa ditará a estra-
em geral: o estudo do comportamento criminoso, real e poten- tégia adotada. E m todos os casos, a pesquisa será mais útil e
cial, das pessoas em geral, e não apenas de determinados grupos mais generalizável quando a tendenciosidade da amostragem es-
especiais. tiver reduzida ao mínimo. Os dados analisados neste capítulo
deixam claro que as amostras dos delinqiientes encarcerados
Como prática padrão, os pesquisadores comparariam as van- sofrem de grave tendenciosidade na seleção. Ê essencial que os
tagens e desvantagens relativas das populações carcerárias antes IKsquisadores estejam atentos ao problema' e planejem estudos
de planejar as pesquisas sobre o comportamento criminoso. A s três cxplanatórios do comportamento criminoso'de modo a reduzir os
principais abordagens à explanação do crime enfatizam respecti- efeitos da tendenciosidade ao menor grau possível. Conclui-se que
vamente experiências de aprendizagem específicas (ver capítulos os pesquisadores deveriam fazer uso considerável do método da
2-4), predisposição a diferenças individuais (capítulos 5-7) e fato- autodenúncia ao selecionar as pessoas para o estudo, e que re-
res sócio-econômico-políticos (capítulo 8 ) . A estratégia de pes- quintes na padronização, confiabilidade e Validade dos métodos
quisa do comportamento criminoso, inclusive uma seleção da po- são prioridades urgentes.
pulação em estudo, deveria ser de molde a permitir que as três
explicações fossem submetidas a um teste tão completo, minu-
cioso e não-tendencioso quanto possível. É provavelmente exato
que o tipo de estudo prospectivo seja a maneira mais satisfatória
de se realizar a pesquisa explanatória dos comportamentos hu-
manos de todos os tipos na vida real. Assim, seria desejável acom-

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