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Acerca do prefácio e a introdução…

A “HERMENEUTICA” de Richard E. Palmer traz uma visão histórica, sintética e densa, do


problema e da constituição da Hermenêutica em-si, como ciência e método das implicações
filosóficas fundamentais da interpretação. R. Palmer analisa e expõe com subtileza as linhas
básicas do pensamento de alguns dos principais hermeneutas: Scheleiermacher, Dilthey,
Heidegger e Gadamer.

Este processo de «tornar compreensível», associado a Hermes enquanto ele é mediador e


portador de uma mensagem, está implícito nas três vertentes básicas patentes no significado
de hermeneuein e hermeneia, no seu antigo uso. Palmer (1969), assinala as três orientações,
usando a forma verbal (hermêneuein) para fins exemplificativos, significam: 1) exprimir em
voz alta, ou seja, «dizer»; 2) explicar, como quando se explica uma situação, e 3) traduzir,
como na tradução de uma língua estrangeira.

Os três significados podem ser expressos pelo verbo português «interpretar», e no entanto
cada um representa um sentido independente e relevante do termo interpretação. A
interpretação pode pois referir-se a três usos bastante diferentes: uma recitação oral, uma
explicação racional e uma tradução de outra língua quer para grego quer para português.
Podemos, no entanto, notar que o «processo Hermes» originário, está em acção: nos três
casos, há algo de diferente, de estranho e de separado no tempo, no espaço ou na experiência,
que se torna familiar, presente e compreensível; existe algo que requer representação,
explicação ou tradução e que é, de certo modo, «tornado compreensível», «interpretado».

De início deparámo-nos com a situação em que a tradução literal rodeia dois desses processos
e muitas vezes um terceiro. A literatura apresenta algo que deve ser compreendido. O termo
do texto pode estar longe de nós no tempo, espaço, linguagem e pode haver outros obstáculos
à sua compreensão. Isto também se aplica à compreensão de um texto bíblico. A tarefa da
interpretação deverá se tornar algo que é pouco familiar, distante e obscuro em algo real,
próximo e inteligível. Os diferentes aspectos deste processo explicativo são vitais e essenciais
quer para a literatura quer para a teologia. O livro convida portanto a examinar cada um deles
no que respeita ao seu significado na interpretação literária e teológica.

As origens e as três orientações significativas de «hermeneuein» e «hermeneia»

A palavra grega hermeios referia-se ao sacerdote do oráculo de Delfos. Esta palavra, o verbo
hermeneuein e o substantivo hermeneia, mais comuns, remetem para o deus-mensageiro-
alado Hermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivaram (ou vice-versa?)
(PALMER, 1969: p24).

Podemos, no entanto, notar que o «processo Hermes» originário, está em acção: nos três casos
subsequentes, há algo de diferente, de estranho e de separado no tempo, no espaço ou na
experiência, que se torna familiar, presente e compreensível; há portanto algo que requer
representação, explicação ou tradução e que é, de certo modo, «tornado compreensível»,
«interpretado».

O como dizer…

“A primeira orientação fundamental do sentido de hermeneuein é «exprimir», «afirmar» ou


«dizer». Isto relaciona-se com a função anunciadora de Hermes. É imprescindível lembrar da
relevância em se utilizar o dizer e a recitação oral enquanto formas de interpretação. Há que
se levar em consideração, que a linguagem escrita não possui a expressividade garantida pela
fala.

Do ponto de vista da teologia, tem significado uma polémica etimológica que nota estar a
forma inicial herme próxima do latim sermo, «dizer», e do latim verbum, palavra. Isto sugere
que o sacerdote ao apresentar a Palavra está a «anunciar» e a «afirmar» algo; a sua função não
é meramente explicar, mas sim proclamar. O sacerdote, tal como Hermes, e tal como o
sacerdote de Delfos, traz notícias fiéis da divindade. Naquilo que diz ou proclama, ele é, tal
como Hermes, um- mensageiro de Deus para com o homem. Mesmo o simples dizer, afirmar
ou proclamar é um acto importante de interpretação. Ainda dentro desta primeira orientação
significativa, há um matiz vagamente diferente, sugerido pela frase «expressar», que ainda
mantém um sentido de «dizer», mas que é um dizer que é em si próprio interpretação”. A
tarefa da interpretação oral não é de maneira alguma uma mera técnica que tem como
objectivo expressar um sentido totalmente copiado, ela apresenta-se como tarefa filosófica e
analítica jamais podendo afastar-se da própria compreensão, visto que segundo Palmer (1969:
p.28) o leitor fornece a expressão de acordo com a sua compreensão do texto. A interpretação
oral, apresenta dois caminhos, sendo o primeiro a necessidade de compreender algo para
posteriormente se exprimir e o segundo o alcance da própria compreensão a partir de uma
leitura interpretativa. Analisada sob a abordagem da interpretação como dizer e como
expressar, a hermenêutica levou à afirmação de determinados princípios fundamentais, quais

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sejam: a linguagem como um ser vivo, por emergir de um ser é um som não um mero sopro
ao se reduzir a imagens visuais perde algum de seu poder expressivo.

O como explicar…

“A segunda orientação significativa de hermeneuein é «explicar». A interpretação como


explicação dá ênfase ao aspecto discursivo da compreensão; aponta para a dimensão
explicativa da interpretação, mais do que para a sua dimensão expressiva. No final de contas,
as palavras não se limitam a dizer algo (embora também o façam e isso seja um movimento
fundamental da interpretação); elas explicam, racionalizam e clarificam algo” (PALMER,
1969: p 30).

Nesta segunda orientação significativa da hermenêutica, o aspecto discursivo da compreensão


aponta para a dimensão explicativa da interpretação, para observar que as palavras não
limitam-se a dizer algo qualquer apenas, mas sim, que explicam, racionalizam e classificam.
Essa forma de interpretação é a mais óbvia conforme aponta Palmer. Esta orientação é um
chamamento de atenção sobre a tarefa de transmitir informação encriptada, ou seja, explicar
não significa interpretar um texto preexistente, mas sim uma situação. Assim, em um sentido
os oráculos apenas diziam ou enunciavam e enquanto explicação orientavam-se para um
segundo momento interpretativo que é explicar algo. Neste parágrafo encontramos ainda que
Aristóteles, ao definir hermeneia como uma operação da mente que formula juízos, aponta a
interpretação como uma operação fundamental do intelecto quando este formula um juízo
verdadeiro sobre determinada coisa tendo como consequência a boa compreensão por parte
dos receptores. Para se chegar ao processo interpretativo não há que se falar em acção ou
provação de uma actuação política, por isso a interpretação não é lógica apesar de actuar no
nível de linguagem. Palmer (1969: p.35) entende que à medida que as orientações da
interpretação de dizer e explicar são confrontadas, a complexidade do processo interpretativo
começa a surgir formando a dinâmica da interpretação.

O como traduzir…

As implicações da terceira orientação do significado de hermeneuein são quase tão sugestivas


para a hermenêutica e para a teoria da interpretação literária como as outras duas. Nesta
orientação, «interpretar» significa «traduzir». “A tradução é uma forma especial do processo
básico interpretativo de tornar compreensível. Neste caso, tornamos compreensível o que é

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estrangeiro, estranho ou ininteligível, utilizando como medium a nossa própria língua”
(PALMER, 1969: p 37).

Tal como o deus Hermes, o tradutor é um mediador entre um mundo e outro. O acto de
traduzir não é uma simples questão mecânica de encontrar sinónimos. Os resultados ridículos
das máquinas tradutoras tornaram isso por de mais evidente. O tradutor é um mediador entre
dois mundos diferentes. A tradução torna-nos conscientes do facto de que a própria língua
contém uma interpretação. A tradução torna-nos conscientes de que a própria língua contém
uma visão englobante do mundo, à qual o tradutor tem que ser sensível, mesmo quando traduz
expressões individuais. A tradução apenas nos (torna mais totalmente conscientes do modo
como as palavras na realidade moldam a nossa visão do mundo), mesmo as nossas
percepções. Não há dúvida de que a língua é um repositório de uma experiência cultural;
existimos nesse medium e através dele. Vemos através dos seus olhos.

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Seis definições Modernas da Hermenêutica…

Palmer sente que nos dias de hoje o campo e os termos da hermenêutica tenha mudado muito
e adquirido seis diferentes concepções que a desvirtuam da sua original qualidade e natureza
como a ciência da interpretação. Procurava, como tal, “uma exegese de texto adequada”
(PALMER, 1969: p 43). Subsequentemente falamos de maneira cautelosa sobre as seis
definições do campo da Hermenêutica que Palmer (1969) traz para evidenciar a evolução
diacrónica e sincrónica da natureza da ciência hermenêutica. “1) Uma teoria da exegese
bíblica; 2) uma metodologia filológica geral; 3) uma ciência de toda a compreensão
linguística; 4) uma base metodológica das Geisteswissenschaften – todas as disciplinas
centradas na compreensão da arte, comportamento e escrita do Homem; 5) uma
fenomenologia da existência e da compreensão existencial; 6) sistemas de interpretação,
simultaneamente recolectivos e iconoclásticos, utilizados pelo homem para alcançar o
significado subjacente aos mitos e símbolos” (PALMER, 1969: p 43). Cada uma destas
definições indica um momento, que se diferenciam pela natureza da sua ênfase, ou uma
abordagem ao problema da interpretação. Um esboço destes seis momentos ilustrará este tema
e servirá de breve introdução histórica à definição da hermenêutica.

Hermenêutica Como Teoria da Exegese Bíblica

O significado mais antigo e talvez ainda o mais difundido da palavra' «hermenêutica» refere-
se aos princípios da interpretação bíblica. Há uma justificação histórica para esta definição,
visto que a palavra encontrou o seu uso actual precisamente quando surgiu a necessidade de
regras para uma exegese adequada das Escrituras. Provavelmente, o primeiro registo da
palavra enquanto título de um livro foi a obra de J. C. Danhauer, Hermeneutica sacre sive
rnethodus exponendarum sacrarum litterarum, publicada em 1654. Pode-se então palpar a sua
diferenciação em relação a uma outra abordagem com a qual ela é com frequência associada,
a exegese. Se a exegese se reporta ao comentário real, já a hermenêutica consiste nas regras,
métodos ou teorias que orientam esse mesmo comentário. O termo começa a surgir com cada
vez maior regularidade, motivada pela necessidade de auxiliar os sacerdotes na interpretação
das Escrituras, desligados que estavam de qualquer recurso à autoridade da Igreja. Depois da
Alemanha também na Inglaterra e nos Estados Unidos a utilização da palavra Hermenêutica
tinha como referência imediata uma leitura e interpretação da Bíblia. Mesmo após o aumento
dos contextos em que é usada, o texto em questão será “de um modo geral obscuro ou

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simbólico, requerendo um tipo especial de interpretação para que se alcance o seu significado
escondido” (PALMER, 1969: p 45).

Uma vez que existiam regras para interpretar correctamente a Torah, a hermenêutica estende-
se, retroactivamente, ao Antigo Testamento. “Existe uma relação hermenêutica importante
entre o Novo e o Antigo Testamento pois Jesus explica-se a si próprio aos Judeus, em termos
de profecia bíblica.” (PALMER, 1969: p 45). Já nos Evangelhos e nas Epístolas de S. Paulo
existem momentos de interpretação daquilo que Jesus diz aos seus ouvintes. A teologia
“enquanto intérprete histórica da mensagem bíblica, é já hermenêutica” (PALMER, 1969: p
46). Palmer procura sistematizar a história da hermenêutica bíblica sob duas categorias
fundamentais. Por um lado aquela que procura subsumir a interpretação de passagens
individuais num sistema de interpretação. Encontra-se, por exemplo, no Iluminismo quando o
texto bíblico é entendido como um receptáculo de grandes verdades morais, justamente
porque se “moldou um princípio interpretativo que as encontrasse” (PALMER, 1969: p 46).

A Hermenêutica seria o sistema que permitiria decifrar o significado oculto do texto. A


segunda é aquela que envolve o próprio campo da Hermenêutica. Pois permanece a questão
de saber se a hermenêutica envolve uma teorização explícita – consubstanciada em “regras de
exegese nitidamente expressas” (PALMER, 1969: p 46) – ou se, ao invés, permanece por
explicitar teoricamente sendo, no entanto, revelada pela prática.

Hermenêutica Como Metodologia Filológica

“O desenvolvimento do racionalismo e, concomitantemente, o advento da filologia clássica no


século dezoito teve um efeito profundo na hermenêutica bíblica” (PALMER, 1969: p 48).
Durante o Iluminismo sustenta-se que os métodos que seriam adequados à leitura das
Escrituras eram os já utilizados na compreensão das restantes obras. A sua interpretação
deveria estar dependente do primado da Razão. A sua leitura intelectualizou-se, “porque as
verdades acidentais da história eram encaradas como inferiores às «verdades de razão”
(PALMER, 1969: p 48), de maneira que a verdade profunda das Escrituras estaria acima do
tempo e da história. Dessa maneira, tudo o que elas dizem ao Homem poderia ter sido
descoberto por acção autónoma da própria Razão. “Trata-se apenas de uma verdade racional e
moral, revelada antes do tempo. “ (PALMER, 1969: p 49). A tarefa do exegeta seria descobrir
as grandes verdades morais escondidas sob uma determinada roupagem histórica, o de “captar
o espírito subjacente à obra e de o traduzir em termos aceitáveis para uma razão esclarecida”

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(PALMER, 1969: p 49). As consequências deste movimento – apesar de também se
caracterizarem por uma certa distorção da mensagem bíblica – foram, ainda assim, salutares.
Permitiu desenvolver “técnicas de análise gramatical de grande requinte” (PALMER, 1969,
49) e levou os seus intérpretes a procurarem um conhecimento do contexto em que tais
narrativas foram produzidas, expondo-as de um modo apropriado à presente época e
circunstância. “A verdadeira tarefa do intérprete torna-se uma tarefa histórica” (PALMER,
1969, 49). Desde o Iluminismo que os métodos de investigação bíblica se tornaram
inseparáveis da filologia. “Assim, a designação «Hermenêutica Bíblica» substituiu a de
hermenêutica enquanto referência à teoria da exegese bíblica” (PALMER, 1969, 49),
entendendo-se hermenêutica, sem mais, como uma metodologia filológica. Aqui basta-nos
simplesmente dizer que a concepção de uma hermenêutica estritamente bíblica, se
transformou gradualmente na de uma hermenêutica considerada como conjunto de regras
gerais da evolução histórica das línguas ou exegese filológica, sendo a Bíblia um objecto entre
outros de aplicação dessas regras.

Hermenêutica Como Ciência da Compreensão Linguística

Schleiermacher repensou a hermenêutica como ciência ou arte da compreensão o que levou a


uma crítica do ponto de vista da filologia, na medida em que a Hermenêutica cessa de ser
entendida como um conjunto de regras para passar a ser uma indagação às condições de
compreensão em qualquer diálogo. “O resultado não é simplesmente uma hermenêutica
filológica mas uma «hermenêutica geral» (allgemeine Hermeneutik) cujos princípios possam
servir de base a todos os tipos de interpretação de texto” (PALMER, 1969: p 50). É, dessa
maneira, posta uma Hermenêutica Geral cujos princípios podem servir de base a todos os
tipos de interpretação de texto. A Hermenêutica entende-se a si mesma como o estudo da sua
própria compreensão.

A Hermenêutica Como Base Metodológica Para As «geisteswissenschaften» “Disciplinas


Centradas na Compreensão”

“Dilthey viu na hermenêutica a disciplina central que serviria de base a todas as


Geisteswissenschaften (i. e. todas as disciplinas centradas na compreensão da arte,
comportamento e escrita do homem)” (PALMER, 1969: p 50).

Para que as expressões essenciais da vida humana sejam adequadamente interpretadas elas
deverão ser compreendidas historicamente, no que se manifesta diferentemente da quantidade
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de conhecimento que se possui da ciência ou do mundo da vida, que é regida por uma
espectativa de aparências de quantificação. Dilthey acreditava nas ciências humanas podia-se
encontrar diferente e não científica que determine com certa precisão quem o homem ele é,
correspondente àquela que Kant tinha feito nas ciências naturais – uma crítica da razão
histórica. Se no início Dilthey tentou encontrar na Psicologia o meio da realização desse
objectivo acabou por entender que apenas a Hermenêutica – voltada como está para a
interpretação de realidade histórica, seria apropriada.

A Hermenêutica Como Fenomenologia Do Dasein E Da Compreensão Existencial

Neste contexto, a hermenêutica não se refere à ciência ou às regras da interpretação textual


em uma metodologia para as Geisteswissenschaften mas antes à explicação fenomenológica
da própria existência humana. A análise de Heidegger indicou que a «compreensão» e a
«interpretação» são modos fundantes da existência humana. Assim a hermenêutica
heideggeriana do Dasein, transforma-se também em hermenêutica, especialmente na medida
em que apresenta uma ontologia da compreensão; a sua investigação é de carácter
hermenêutico, quer nos conteúdos quer no método (PALMER, 1969: p 51). Deste modo a
Hermenêutica torna-se a explicação fenomenológica da própria existência humana. Ora, o que
definição indica é que “a «compreensão» e a «análise» são modos fundamentais da existência
humana” (PALMER, 1969: p 51), o que revela como o seu projecto tem um carácter
fundamentalmente hermenêutico, quer nos métodos quer no conteúdo. Mas Heidegger, na
medida em que trata o problema ontológico, também associa a Hermenêutica com “as
dimensões ontológicas da compreensão”. A hermenêutica avança ainda mais um passo
entrando na sua fase linguística, com a controversa afirmação de Gadamer de que “um ser que
pode ser compreendido é linguagem” (PALMER, 1969: p 51). O qual dá a entender que a
hermenêutica é um encontro com o Ser através da linguagem. Ela coloca-se no centro dos
problemas filosóficos de hoje; não pode fugir às questões epistemológicas e ontológicas pois
a própria compreensão é defendida como um tema epistemológico e ontológico. Dessa
maneira, a realidade humana tem carácter linguístico e a Hermenêutica vem dar conta desse
encontro entre a linguagem e o Ser que precisa de ser compreendido.

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A hermenêutica como um sistema de interpretação: recuperação de sentido «versus»
iconoclasmo

Paul Ricoeur em De 1'Imerprétaiion (1965) adopta uma definição de hermenêutica que


remonta a uma centração na exegese textual considerando-a o elemento distinto e central na
hermenêutica. “Por hermenêutica entendemos a teoria das regras que governam uma exegese,
quer dizer, a interpretação de um determinado texto ou conjunto de sinais susceptíveis de
serem considerados como textos” (PALMER, 1969: p 52).

A psicanálise, e particularmente a interpretação dos sonhos, é muito obviamente uma forma


de hermenêutica; todos os elementos de uma situação hermenêutica estão nela contidos: o
sonho é o texto, um texto cheio de imagens simbólicas, e o psicanalista usa um sistema
interpretativo para produzir uma exegese que traga à superfície o significado oculto. A
hermenêutica é o processo de decifração que vai de um conteúdo e de um significado
manifestos para um significado latente ou escondido. O objecto de interpretação, i. e., o texto
no seu sentido mais lato, pode ser constituído pelos símbolos de um sonho ou mesmo por
mitos e símbolos sociais ou literários. Ricoeur distingue entre aqueles signos que têm um
sentido único – unívocos – como os que a Lógica Simbólica utiliza, e aqueles que são o
objecto apropriado da Hermenêutica – equívocos, “porque a hermenêutica tem a ver com
textos simbólicos com múltiplos significados” (PALMER, 1969: p 53).

É por intermédio da Hermenêutica que, naquelas narrativas que têm vários níveis de
significação – como os mitos – que se estendem para lá do mais superficial, se accede à
significação mais profunda. Mas esse processo de desvelar um sentido oculto para lá da sua
mostração de superfície leva a que nos tornemos “desconfiados do conhecimento consciente
que temos de nós mesmos” (PALMER, 1969: p 53), o que ilustra o carácter iconoclasta desta
hermenêutica psicanalítica.

Ricoeur tenta contemplar tanto a racionalidade da dúvida como a fé de uma interpretação


passada, numa filosofia reflexiva que não se refugia em abstracções nem degenera com
simples exercício de dúvida, uma filosofia que aceita o desafio hermenêutico de mitos e
símbolos e que tematiza reflexivamente a realidade que está por detrás da linguagem, do mito
e do símbolo. A filosofia hoje já se centra na linguagem; já é, num certo sentido,
hermenêutica; o desafio é fazê-la criativamente hermenêutica.

Remígio Clemente. Chechu


Portanto, a modo de fechamento desta leitura compreensiva das seis definições modernas da
hermenêutica, depreende-se que a hermenêutica moderna vale-se na tentativa de “contemplar
tanto a racionalidade da dúvida como a fé de uma interpretação passada, numa filosofia
reflexiva que não se refugia em abstracções nem degenera em simples exercício de dúvida”
(PALMER, 1969: pp 53 -54).

Bibliografia:

PALMER, Ricard. (1969). Hermenêutica, Edições 70.

Remígio Clemente. Chechu

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