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O rádio e as tecnologias: um percurso histórico 1

BESPALHOK, Flávia Lúcia Bazan (Doutora)2


Universidade Federal do Paraná/PR

Resumo: A história do rádio e dos demais meios de comunicação é afetada sempre que surge uma
nova tecnologia de comunicação e informação. Este artigo se propõe a mostrar como o percurso do
rádio foi sendo modificado desde as primeiras descobertas das ondas eletromagnéticas até a
chegada ao mundo digital. Partindo da posição do não determinismo das novidades tecnológicas
(Castells, 1999) aborda-se como as diferentes tecnologias (telegráfo, telefone e rádio) podem
causar euforia e não aceitação e como o uso e as necessidades da sociedade e do estado moldam o
destino dessas ferramentas. Trata-se ainda do percurso do rádio no Brasil e como a televisão, o
transistor, a Frequência Modulada, o telefone e a internet influenciaram os caminhos do primeiro
veículo sonoro, que hoje se defronta com o cenário de convergência preconizado por Fidler (1997)
e é classificado por Kischinhevsky (2011) como o “rádio expandido”.

Palavras-chave: história; rádio; tecnologia

Desde o final do século passado tem-se discutido que as novas tecnologias estão
transformando as comunicações e a vida das pessoas. Não há dúvida de que essas
transformações estão, de fato, ocorrendo, tanto nas mídias quanto no dia-a-dia da população.
É difícil conceber hoje uma vida aparte da informação e da comunicação. Claro também está
que cada localidade vive uma fase diferente desse processo de experiência digital. Entretanto,
afirmar que essas transformações são fruto apenas dessa época e que somente essas
tecnologias são novas, é furtar-se a olhar para um passado não tão distante. As tecnologias
têm influenciado a vida humana, e também são influenciadas por ela, desde que o homem se
entende por homem. Partindo deste preceito, a proposta desse artigo é pontuar os principais
momentos tecnológicos e históricos do rádio, que tiveram importância na formação de sua
configuração atual.
Para fazer esse trajeto, não se adota, aqui, a visão determinista de que a tecnologia é a
mola propulsora das mudanças, mas partilha-se da ideia de que há uma afetação mútua, assim
como defende Manuel Castells:
É claro que a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade
escreve o curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores,

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Sonora, integrante do 6º Encontro Regional Sul de


História da Mídia – Alcar Sul | 2016.
2 Professora do Curso Superior de Tecnologia em Comunicação Institucional da Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Doutora em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná
(UTP) e mestre em Comunicação pela Unesp/Bauru. Integra os grupos de pesquisa: Comunicação e
História/UEL, INCOM/UTP, COMXXI/UFPR e o de Rádio e Mídia Sonora da Intercom. E-mail:
flabespa@gmail.com
inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, intervém no processo de
descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações sociais, de forma
que o resultado final depende de um complexo padrão interativo.
(CASTELLS, 1999, p. 43)

Ao comentar esse trecho, Castells aprofunda essa ideia nas notas explicativas de final
de capítulo, afirmando que “a tecnologia não determina a sociedade: incorpora-a. Mas a
sociedade também não determina a inovação tecnológica: utiliza-a.” (CASTELLS, 1999,
p.62) Para exemplificar essa dupla influência tecnologia/sociedade, serão pontuados alguns
momentos importantes, de viradas tecnológicas, tomando o rádio como eixo de narrativa
principal, mas também abordando outras mídias como o telégrafo, telefone e a internet.
Quando se percorre a história das mídias, é comum encontrar depoimentos que
atestam a perplexidade, fascínio e deslumbramento ocasionados pelas mídias. Como afirma
Tim Wu, “tornou-se lugar comum dizer que nossa época não tem precedentes em toda a
história, em termos de cultura e comunicação.” (WU, 2012, p. 11) Um exemplo foi o
comentário da revista National Geographic quando a companhia americana AT&T fez a
demonstração do protótipo de um telefone sem fio, em 1916: “Talvez nunca antes, na história
da civilização tenha havido exemplo tão impressionante de desenvolvimento e do poder da
mente humana sobre as questões do mundo”. (WU, 2012, p. 11)
Esse otimismo com a chegada de novos dispositivos de comunicação está atrelado,
segundo Wu (2012), à ideia de que uma melhor comunicação vai propiciar um entendimento
mútuo melhor, acabando com desavenças e desastres desnecessários: “Talvez seja por isso
que qualquer nova tecnologia da informação sempre traga consigo uma esperança de
melhoria de todos os males da sociedade.” (WU, 2012, p. 47)
Mas nem sempre a tecnologia ligada à comunicação é vista com bons olhos. É
comum haver quem se deslumbre e também é comum encontrar os que recusam os avanços e
os encaram com olhos pessimistas, vendo em cada novidade uma ameaça. Um exemplo,
apontado por Nicoletta Castagni (1987), se deu com o desenvolvimento da prensa de
Gutenberg e a consequente produção de livros, não mais manuscritos, mas impressos:
As novidades podem assustar, as ligações com as tradições seculares são
difíceis de ser rompidas, tanto assim que para muitos expoentes do mundo
cultural italiano do final do século XV era uma coisa ignóbil colocar um
livro impresso na própria biblioteca. (CASTAGNI, 1987, p. 105)

Com relação ao rádio, a tecnologia que propiciou sua origem foi gradativamente
construída numa somatória de conhecimentos característica da ciência. As descobertas foram
fruto do trabalho de diversos pesquisadores que, cada um em seu tempo e em sua localidade,
foram fazendo experimentações até se chegar ao conceito do equipamento que transmite sons
à distância e sem a necessidade de fio. Essas descobertas estavam ligadas à efervescência
industrial vivida no século XIX. Alguns dos nomes que marcaram esse período foram James
Clerck Maxwell, que em 1863, demonstrou teoricamente a existência de ondas
eletromagnéticas; Alexandre Graham Bell3, que patenteou o telefone em 1876; Heimrich
Hertz, que em 1887 descobriu a energia do rádio, mediu seu comprimento de onda e a batizou
com seu sobrenome e Lee De Forest, que desenvolveu a válvula de tríodo, que permitia a
recepção das ondas hertzianas. Junta-se a esses homens, dezenas de outros inventores que,
cada um à sua maneira, contribuíram para o desenvolvimento desse novo meio de
comunicação à distância e aquele que conseguiu reunir todos esses aparatos num único
equipamento chamado rádio: o italiano Guglielmo Marconi4. Em 1894, Marconi realiza a
derradeira experiência com seu experimento, em Pontecchio, conseguindo captar os sinais em
código Morse, enviados por um transmissor distantes algumas centenas de metros. “Era a
prova de que a perturbação eletromagnética das ondas hertzianas podia ser captada sob a
forma de sinais, amplificada e retransmitida a distância com sinal análogo”. (SARTORI;
GRAZZINI, 1987, p. 218)
Dois anos depois dessa experiência, Marconi consegue a patente do primeiro aparelho
de rádio, mas não fica na Itália pois não encontrou respaldo para suas pesquisas por parte das
autoridades italianas. Vai pra a Grã Bretanha, onde foi “prontamente acolhido pelo Ministério
dos Correios Imperial, que financiou todas as suas pesquisas sucessivas, logo percebendo suas
aplicações excepcionais, especialmente no campo das transmissões da frota militar e
comercial inglesa, então a maior do mundo.” (SARTORI; GRAZZINI, 1987, p. 218) Esse
fato demonstra que o sucesso ou fracasso de uma tecnologia também sofre influência dos

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Ocorreram acirradas batalhas judiciais para determinar a paternidade do telefone embora Graham Bell
tenha passado para a história como seu inventor. O pedido de patente do aparelho foi feito por Bell no dia
14 de fevereiro de 1876 e duas horas depois, no mesmo dia, por Elisha Gray. Os dois pedidos usaram
esquemas técnicos quase idênticos. A patente foi atribuída a Graham Bell mas as discussões sobre o real
inventor se arrastou por anos. Em 1888, a Corte Suprema dos Estados Unidos avaliou que a invenção
deveria ser atribuída ao italiano Antonio Meucci. Mais recentemente, em 2002, mais uma vez, o
Congresso Americano reconheceu Meucci como o inventor a pedido do deputado de origem italiana Vito
Fossela.
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A Marconi é atribuída essa menção, pela maioria dos autores, por ter conseguido a primeira patente do
aparelho. Entretanto não se pode esquecer de um brasileiro que também conseguiu transmitir sons e voz à
distância: o padre Roberto Landell de Moura, que fez, no Brasil, várias demonstrações de transmissões
radiofônicas, mas por questões políticas e religiosas e por estar localizado fora do então “centro da
civilização” não conseguiu a patente do aparelho. Para saber mais sobre a história de Landell de Moura,
consultar ALMEIDA, Hamilton. Padre Landell de Moura: um herói sem glória. Rio de Janeiro: Record,
2006; RODRIGUES, Ivan Dorneles. Brasileiro, Gaúcho, um Gênio Diferente: Landell de Moura. Porto
Alegre: Corag, 2004 ou TAVARES, Reynaldo C. Histórias que o rádio não contou: do galena ao digital,
desvendando a radiodifusão no Brasil e no mundo. São Paulo: Negócio, 1997.
governos, como afirma Castells (1999, p.49): “O papel do estado, seja interrompendo, seja
promovendo, seja liberando a inovação tecnológica, é um fator decisivo no processo geral, à
medida que expressa e organiza as forças sociais dominantes em um espaço e uma época
determinados.”
É preciso ficar claro que, nesse início, a voz ainda não existia no rádio. Este valia-se
somente do Código Morse. A voz só invadiu as ondas sonoras em 1906, com uma experiência
feita por Reginald Aubrey. Outro aspecto importante que se precisa ter em mente é que o
rádio de então era uma tecnologia de comunicação ponto a ponto, ou seja, de um lado tinha-se
um emissor com um aparelho e de outro um receptor com outro aparelho e os dois trocavam
mensagens. Não se tinha ainda a ideia de um rádio massivo, transmitindo para mais de uma
pessoa ao mesmo tempo.
Essa [rádio transmitindo para muitos ouvintes] é uma aplicação social da
radiodifusão que não foi prevista pelos inventores do instrumento
tecnológico rádio e que se desenvolveu no decorrer de decênios, a partir do
século passado, através de várias tentativas levadas a cabo sobretudo pelas
indústrias de transmissores e de aparelhos receptores. A forma atual é
produto de uma drástica ‘seleção darwiniana’ entre as mais variadas formas
de utilização do meio, e desenvolveu-se através de experiências e erros que
fugiam de qualquer modelo precedente preestabelecido. Além do mais –
fato que nada tem de secundário – a forma atual do rádio desenvolveu-se
após um vagaroso processo social de aprendizagem do uso do novo meio
de comunicação. (SARTORI; GRAZZINI, 1987, p. 215-6)

Essa ideia do rádio emitindo de um para muitos surgiu, provavelmente pela primeira
vez, em 1916, por meio de um russo radicado nos Estados Unidos, chamado David Sarnoff,
que trabalhava na Marconi Company, uma empresa que produzia e vendia aparelhos de rádio,
criada por Guglielmo Marconi. Em um memorando aos diretores da empresa, Sarnoff
escreveu:
Concebi um plano de desenvolvimento que poderia converter o rádio em
um meio de entretenimento doméstico como o piano ou o fonógrafo. A
ideia consiste em levar a música aos lares por meio da transmissão sem fios
(...) Ao receptor poder-se-ia dar a forma de uma singela caixa de música
radiotelefônica, adaptando-a a vários comprimentos de onda de modo que
seria possível passar de uma a outra apenas fazendo girar uma chave ou
apertando um botão. (FERRARETO, 2011)

Os diretores da Marconi Company responderam: “A caixa de música sem fio (rádio)


não tem nenhum valor comercial. Não há mercado para mensagens enviadas para ninguém
especificamente.” (FERRARETO, 2011) Na época desse memorando, o rádio tinha uma
característica que era considerada um grave defeito: as mensagens enviadas a determinado
destinatário podiam ser facilmente captadas por qualquer um que tivesse um aparelho
receptor. Durante anos, técnicos e cientista tentaram corrigir esse “defeito” para garantir o
sigilo das comunicações, mas não conseguiram e anos mais tarde, a “caixa de música”
transmitindo para muitos começou a se espalhar em todo o mundo. A primeira emissora que
se tem notícia foi a KDKA, em 1920, montada em uma fábrica da Westinghouse, nos Estados
Unidos. A partir daí, as ondas eletromagnéticas passam a circular por todo o mundo, mas iam
adquirindo características diferentes dependendo da situação política, social, cultural e
econômica de cada país.
O rádio não tem a exclusividade de não ter sido reconhecido logo de início como um
importante e massivo meio de comunicação. Com um de seus antecessores, o telégrafo, a
rejeição inicial foi semelhante. Depois de descoberto e desenvolvido
estava-se perto de realizar ligações entre nações e continentes diversos,
porém a novidade perturbadora não parecia despertar o interesse adequado
por parte do grande público. Tinha se difundido a convicção de que
círculos restritos é que deveriam utilizar o novo meio de comunicação, sem
grandes repercussões sobre o modo de viver das pessoas de um movo geral.
(LOMBARDI, 1987, p. 157)

O mesmo aconteceu com o telefone. Um memorando dos diretores da Western Union


Telegraph também revela uma visão limitada sobre a nova tecnologia. Graham Bell entendia
que seu invento poderia ocupar todas as casas, facilitando a comunicação entre as pessoas e as
empresas, mas a indústria não tinha esse mesmo posicionamento e assim enumerou, em 1887,
quatro aspectos, dos quais, destaca-se os dois últimos:
3) A idéia de instalar o seu instrumento em todas as casas e em todos os
escritórios (...) é pura fantasia (...). Seriam necessários investimentos
astronômicos para pôr em funcionamento a central só no que diz respeito
aos imóveis, sem falar das aparelhagens elétricas.

4) É por isso que o comitê considera ser de seu dever desaconselhar


qualquer investimento no projeto de Bell. Não colocamos em dúvida que a
sua invenção, em circunstâncias especiais, poderia mostrar-se útil, porém as
previsões no tipo e na escala que Bell ousa com tanta ingenuidade são, sem
sobra de dúvidas, despropositadas. (LOMBARDI, 1987, p. 162)

Não se deve aqui julgar a decisão da Western Union Telegraph sobre o telefone ou da
Marconi Company sobre o rádio massivo. Olhando hoje para o que se tornou esses dois
inventos, claro fica que esse posicionamento foi equivocado. Entretanto é muito difícil, em
períodos históricos de transição, fazer conjecturas que apontem com toda certeza para onde
caminharão as invenções. Isso porque são muitas variáveis que incidem sobre esse possível
sucesso ou fracasso, em função, como já foi dito, das condições econômicas, sociais, políticas
e das próprias necessidades das pessoas.
No caso do rádio, nos Estados Unidos, o veículo encontrou as condições propícias
para se desenvolver rapidamente. O país se transformou no local para conduzir as pesquisas
que levaram a nova tecnologia a adquirir a configuração que hoje conhecemos porque, “a
frota comercial e a marinha militar estavam cada vez mais empenhadas em atividades
expansionistas na América do Sul e precisavam de ligações sem fios que fossem seguras.”
(SARTORI; GRAZZINI, 1987, p.219)
Em 1927, os Estados Unidos emitem o Radio Act, um conjunto de normas que
regulava as transmissões, organizava as frequências e instituía as propriedades do rádio
americano com a regulamentação e a consolidação da publicidade nas emissoras. Com isso as
transmissões passaram a ter um caráter mais regular e surgiu “o conceito de formato de
programação, ou seja, uma cadeia de programas com horários preestabelecidos segundo os
vários tipos de gênero”. (SARTORI; GRAZZINI, 1987, p.225)
Essa programação melhor organizada passava a ter como preocupação maior
alavancar a audiência e direcionar seus esforços na perspectiva de programas que trouxessem
divertimento aos ouvintes. Ao mesmo tempo, os pioneiros do veículo “foram gradativamente
elaborando programas mais próximos às características próprias do rádio e aos gostos mais
exigentes dos ouvintes.” (SARTORI; GRAZZINI, 1987, p.225) O rádio passou a ser pensado
como meio eletrônico e uma das características que começou a explorar foram as
transmissões ao vivo, fazendo uso do telefone para dinamizar as emissões, principalmente nos
noticiários. Segundo Sartori e Grazzini (1987), em 1931, a Columbia Broadcasting System
(CBS) transmitia 415 programas ao vivo e a National Broadcasting Corporation (NBC) tinha
256. Além dos programas informativos, herança da tradição dos jornais impressos, surgiram
gêneros totalmente novos: o programa de variedade, o de perguntas e
respostas e, no campo literário, a radionovela, baseada exclusivamente na
força das palavras, capaz de, sem o apoio das imagens e da cena teatral,
desencadear a máxima participação emotiva do ouvinte. (SARTORI;
GRAZZINI, 1987, p.226)

No Brasil
A primeira emissão oficial do veículo em terras brasileiras se deu em setembro de
1922, durante as comemorações do centenário da independência. Numa ação do governo de
então, foi montada uma emissora no alto do morro do corcovado, com equipamentos vindos
da empresa americana White-Westinghouse. No ano seguinte, já foi criada a primeira emissora
brasileira5, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por Roquette Pinto e Henrique Morize, com
o slogan “Trabalhar pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil”.
Esse lema traduz a característica do rádio que nascia no país: educativo e cultural. Segundo
Moreira (2000, p. 22) “aulas, conferências e palestras compunham a base da programação
inicial”. Na área musical o predomínio era da música erudita, principalmente de óperas,
sendo que os discos executados eram cedidos pela elite da época. Também ocorriam
apresentações musicais ao vivo, com “a colaboração graciosa de alguns artistas da sociedade.
Quase todos apresentavam números do mesmo estilo dos discos irradiados”. (MURCE, 1976,
p. 19)
Assim como nos outros países, os aspectos políticos, econômicos, culturais e sociais
também contribuíram para a chegada do veículo ao país. Desde o início do século XX, a
cidade do Rio de Janeiro, então capital da república, vinha sofrendo profundas mudanças
urbanas e sanitárias, nos mesmos moldes das que ocorriam na Europa, principalmente na
cidade de Paris. Foi na gestão do presidente Rodrigues Alves, com Francisco Pereira Passos à
frente da prefeitura, que começou o trabalho de modernização na cidade do Rio. Três frentes
de ação foram montadas: a readequação do porto, o saneamento da cidade e a reforma urbana.
Foi em função dessas metas que os velhos casarões do centro do Rio de Janeiro foram
derrubados para dar lugar a amplas avenidas, expulsando a população mais pobre para as
encostas dos morros e vacinas foram aplicadas, muitas vezes à força, em todos os moradores.
Houve também uma completa reformulação do porto e uma ampliação do serviço de
transporte, com o bonde elétrico percorrendo toda a cidade e ligando seus pontos mais
remotos. Havia nessas mudanças, no entendimento de Calabre (2004, p. 10), um desejo de
“romper, definitivamente, com o passado colonial”.
Depois da primeira emissora de Roquette Pinto, várias outras foram surgindo no país,
como a Sociedade Rádio Educadora Paulista e a Rádio Clube Paranaense. Segundo Sampaio
(2004), até a década de 1930, o país já dispunha de 19 emissoras em vários estados, como
Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, além de Rio de Janeiro, São Paulo, e Paraná. Todas as emissoras tinham a
característica de serem clubes ou sociedades que “[...] exigiam uma agregação em forma de
pagamento de taxa de sócio-contribuinte” (FEDERICO, 1982, p. 47). A consequência disso é
que o rádio desses primeiros tempos era um passatempo para poucos em função dessa taxa

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Com relação a primeira emissora montada no país existem divergências. Parte dos autores, como
Ortriwano (1985) reputa a Rádio Sociedade como a primeira, mas outra parte, como Ferraretto (2000),
entende ter sido a Rádio Clube de Pernambuco, em 1919.
que precisava ser paga, do alto preço dos equipamentos receptores e também pelo caráter
erudito da programação.
Embora tivesse nascido com esse desejo de Roquette Pinto de ser educativo e cultural,
o rádio brasileiro passou a trilhar novos rumos a partir da década de 1930. Mesmo proibida, a
publicidade começou a ser inserida na programação já em 1927 (VAMPRÉ, 1979) e foi
oficialmente legalizada com a emissão do decreto nº 20.047, de 1931, que foi regulamentado
pelo decreto nº 21.111, em 1932. De acordo com Vampré (1979, p. 48), o governo de Getúlio
Vargas baseou-se na legislação norte americana que instituiu o rádio comercial no país,
optando pela concessão dos canais de radiodifusão a particulares e legalizando a propaganda
comercial.
Com a nova legislação, as emissoras deixam ser clubes e sociedades e passam a atuar
comercialmente. As consequências dessa mudança incidem diretamente na programação, que
passa a ter um caráter mais popular buscando com isso angariar cada vez mais público para os
programas, gerando o espírito de concorrência entre emissoras. É quando o rádio brasileiro
entra na chamada fase de ouro ou fase do apogeu6 e se transforma em coqueluche nacional
com a proliferação de programas de auditório, humorísticos e radionovelas. Em função dessa
característica comercial assumida pelo rádio brasileiro, desgostoso, Roquette Pinto doa a
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro7 ao Ministério da Educação e Cultura, com a promessa do
então ministro Gustavo Capanema de que os ideais educativos e culturais do emissora seriam
preservados (MOREIRA, 2000). Com esse ato, o país passa a ter o Sistema de Radiodifusão
Pluralista (ORTRIWANO, 1985) com a convivência de emissoras comerciais e educativas.
Uma outra transformação ocorrida na programação foi quando o “Birô
Interamericano desembarca no Rio de Janeiro em 1941 e traz o american way of life, como
parte do plano do presidente Roosevelt – a Política da Boa Vizinhança –, de estabelecer
relações econômicas e culturais com a América Latina” (BESPALHOK, 2006). As
multinacionais que se instalaram no país passaram a anunciar maciçamente no rádio uma vez
que o veículo já atingia boa parte do país e penetrava em todas as camadas da população. Essa
entrada de produtos estrangeiros no Brasil e no rádio brasileiro também alterou a

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São vários os autores que dividem a história do rádio brasileiro em fases. Ortriwano (1985) classifica as
fases em Implantação (1922-1931), Comercial (1931-1936), Ouro (1936-1950), Novos Rumos (1950-
1980) e Segmentação e Formação de Redes (1980 em diante). Ferraretto (2000) divide as fases em
Implantação (1919-1932), Estruturação (1932-1940), Apogeu (1940-1955), Decadência (1955-1970),
Reestruturação (1970-1983) e Segmentação e as Redes via Satélite (1983-atual)
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A Rádio Sociedade transformou-se na atual Rádio MEC-Rio.
programação, que passou a ser feita “a partir da relação cada vez mais sólida entre emissora e
anunciante”. (MOREIRA, 2000, p.31)
Essa fase de pleno desenvolvimento do rádio no país foi abalada com a chegada da
televisão, em 1950, pelas mãos do empresário Assis Chateaubriand. Assim como nos dias
atuais se pergunta o que acontecerá com as mídias massivas depois da chegada da internet, no
período da chegada da TV, o questionamento era se o rádio sobreviveria depois da chegada
do aparelho que associava imagem ao som. No Brasil, a TV já chegou comercial e não
necessitou de muitos anos para encontrar seu caminho uma vez que “a tecnologia televisiva,
contando com a experiência do meio eletrônico anterior, não precisou, portanto, ir em busca
de um modelo exclusivo de utilização social e de uma configuração institucional própria: o
rádio já tinha aberto o caminho.” (SARTORI; GRAZZINI, 1987, p.225)
Enquanto a televisão avançava, o rádio passou por um período de adaptação depois
que perdeu seus profissionais, seus programas e seus anunciantes para a TV. A tecnologia
ajudou o veículo a encontrar seu novo rumo:
Em 1948, de fato os laboratórios da Bell anunciaram a descoberta dos
transistores, minúsculos semicondutores capazes de substituir as enormes
válvulas a vácuo como amplificadores, moduladores e reveladores de
ondas e correntes elétricas. A partir dos anos 60, os aparelhos a transistores
miniaturizados, portáteis e baratíssimos, invadiram o mercado ocidental e,
o que também é muito importante, assinalaram o início do uso de massa do
rádio nos países do Terceiro Mundo, a partir do momento em que, na falta
de corrente elétrica, também, se alimentam com baterias autônomas.
(SARTORI; GRAZZINI, 1987, p.236-7)

O transistor deu novo fôlego ao rádio e, mais do que isso, transformou-o mais uma
vez. Agora, ao invés de uma escuta atenta da família que se postava ao redor do enorme
aparelho, reverencialmente postado numa mesa com toalha de renda, passou a ser individual e
portátil, ao alcance de qualquer pessoa, pois podia-se levar o aparelho para qualquer lugar,
ouvi-lo em casa, no trabalho ou no carro. Isso, mais uma vez, provocou mudanças na
programação radiofônica:
As emissoras, paralelamente aos novos hábitos de consumo radiofônico por
parte de público, modificaram radicalmente a sua programação, dedicando
o melhor de seus programas às horas de baixa audiência televisiva, de
manhã (para as donas-de-casa) e de tarde (para os jovens) e abrindo mão da
noite como momento central. (SARTORI; GRAZZINI, 1987, p.237)

Essa mudança persiste até hoje, com o rádio tendo seu horário nobre, principalmente
na parte da manhã e a televisão no período noturno. Mas além do horário nobre, outra
importante modificação, que vem se acentuando ano a ano na programação radiofônica, teve
também início: a segmentação de público. Com a chegada da televisão, o rádio percebeu que
não havia mais a necessidade de emissoras de caráter nacional e o veículo voltou seu foco
para o local: “A fragmentação das rádios locais leva à descoberta de um público
extremamente segmentado, cujos gostos e interesses são bastante articulados. As rádio locais
procuram atender às exigências mais diretas das várias camadas de público.” (SARTORI;
GRAZZINI, 1987, p.239) Essa característica de segmentação, que ganha maior força a partir
da década de 70, é encontrada com facilidade quando se percorre o dial brasileiro. No lugar de
emissoras generalistas8, que tocam e fazem de tudo um pouco, há uma especialização cada
vez maior, com emissoras só de notícias, por exemplo, e outras que optam por ritmos
musicais específicos, como o sertanejo universitário, que domina o cenário radiofônico atual.
As emissoras em Frequência Modulada (FM) surgem no Brasil na década de 1960,
sendo a primeira do país a Rádio Imprensa do Rio de Janeiro. No início, essas emissoras
“fornecem ‘música ambiente’ para assinantes interessados em ter um back-ground que
parecesse apropriado”. (ORTRIWANO, 1985) A gama de assinantes era variada e os estilos
tocados também, indo de músicas suaves para hospitais e residências até melodias alegres e
agitadas para indústrias e escritórios. Isso demonstra que a transmissão não era aberta, como o
rádio até então, equivalendo-se a TV paga dos dias atuais. Mas essa experiência durou pouco
e a partir da década de 1970 o mercado das FM ganhou o dial de forma aberta e gratuita. A
primeira emissora nesse formato foi a Rádio Difusora FM, do grupo Diários Associados. A
expansão do FM no Brasil ganhou um impulso do governo federal com a instituição da
Portaria no. 333, de 27 de abril de 1973, que dava “incentivos à indústria eletro-eletrônica
para que se produzam transmissores e receptores”. (FERRARETTO, 2000, p. 157)
Também foi na década de 1970 que o rádio passou a usar com mais intensidade o
telefone para “realizar o feed-back do público, quer dizer aquele modelo de rádio comunitário
que recebe a participação do público também teorizado nos Estados Unidos.” (SARTORI;
GRAZZINI, 1987, p.239) O rádio sempre propiciou a participação do ouvinte, seja por carta9
ou pela presença nos programas de auditório. A partir do momento da intensificação do uso

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As emissoras generalistas ainda existem, principalmente no rádio AM, mas em quantidade menor se
comparadas às que cada vez mais procuram segmentos de público específico.
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Já na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro se estabeleceu essa parceria entre emissora e ouvintes. Numa
pesquisa feita nos arquivos da Rádio MEC Michele Cruz Vieira pesquisou as cartas enviadas à Rádio e
constata que desde o final da década de 1920 muitas correspondências eram enviadas à emissora, sendo
algumas endereçadas diretamente a Roquette-Pinto, com opiniões em relação ao que deveria ser o rádio
no Brasil. Para mais detalhes, consultar VIEIRA, Michele Cruz. De inventores a ouvintes: o rádio no
imaginário científico e tecnológico (1920/1930). 127 f. Dissertação. (Mestrado em Comunicação) –
Instituto de Arte e Comunicação Social. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.
do telefone para estreitar o contato com os receptores – como já foi mencionado, o telefone já
era usado na transmissão de notícia desde a década de 1930 nos Estados Unidos e a partir de
1950 no Brasil (BESPALHOK, 2006) – se estabeleceu uma parceria de sucesso que
permanece até hoje.
Com todas essas mudanças, o rádio passa a trilhar o caminho apontado como o da
reestruturação (FERRARETTO. 2000) ou de Novos Rumos (Ortriwano, 1985). Depois de
amargar um período difícil quando viu seus profissionais, programas e verbas migrarem para
a televisão, o rádio redesenhou sua configuração e passou a basear suas ações no tripé música,
informação e prestação de serviços.
Também é nesse período, enquanto o rádio reencontrava seu caminho e se
restabelecia dentro da ecologia da comunicação, que uma nova mídia tinha sua trilha sendo
aberta. Em 1971 é inventado o microprocessador de dados e em 1975 o microcomputador. É
por essa razão que Castells (1999, p. 91) afirma que “a revolução da tecnologia da informação
propriamente dita nasceu na década de 1970”. No final do século XX, o autor já previa esse
novo advento tecnológico como uma revolução que iria alterar profundamente o mundo da
comunicação e das relações interpessoais e trabalhistas:
Com base nessas tecnologias os cientistas da computação preveem a
possibilidade de ambientes de processamento nos quais bilhões de
microscópicos aparelhos de processamento de dados se espalharão por toda
parte ‘como os pigmentos da tinta de paredes’. Se isso acontecer mesmo,
então as redes de computadores serão, materialmente falando, a trama da
nossa vida.” (CASTELLS, 1999, p. 91)

Já em meados da segunda década do século XXI, vive-se essa trama, cada vez de
forma mais profunda. É bastante complicado falar de um processo enquanto ele está se
desenvolvendo, como é o caso desta “nova” revolução da tecnologia. Como foi tratado ao
longo deste artigo, toda tecnologia é nova quando surge e provoca profundas modificações
nas sociedades onde é inserida. Esse é o nosso momento e, por isso, a falta de distanciamento
dos fatos pode fazer com que ocorra um ou outro deslumbramento ou pessimismo. Fazer
qualquer previsão é, portanto, muito arriscado, mas pode-se pontuar algumas ideias em
circulação para que seja possível caracterizar, mesmo que ainda de forma prematura, esse
momento que se vive. Na visão de Castells, esse é “um evento histórico da mesma
importância da Revolução Industrial do século XVIII, induzindo um padrão de
descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura.” (CASTELLS, 1999,
p.68) Isso tudo está ocorrendo porque o processo de transformação atual “expande-se
exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre campos
tecnológicos mediante uma linguagem digital comum na qual a informação é gerada,
armazenada, recuperada, processada e transmitida.” (CASTELLS, 1999, p.68)
Com relação aos meios de comunicação, Henry Jenkins classifica esse fenômeno
atual como sendo o da cultura da convergência, e deixa claro que não é apenas um fenômeno
tecnológico:
A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança
tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes,
indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica
pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores
processam as notícias e o entretenimento. (JENKINS, 2008, p. 41)

É em função dessas características que o autor afirma que a palavra convergência vai
conseguir definir tanto transformações tecnológicas, que estão se processando a altíssimas
velocidades, quanto transformações mercadológicas, culturais e sociais:
Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos
suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao
comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que
vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que
desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações
tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está
falando e do que imaginam estar falando (JENKINS, 2008, p.27)

O que se observa hoje é que a convergência ocorre no campo da tecnologia, com


novos aparelhos com múltiplas e inovadoras funções e novas ferramentas para a construção e
difusão da informação, mas também é uma convergência no campo empresarial, de conteúdo
e profissional. A convergência afeta as relações econômicas e pessoais, as rotinas de trabalho
e de produção e afeta como se consome e se relaciona com os meios de comunicação. Por
isso Jenkins (2008, p.28) afirma que a convergência ocorre “dentro dos cérebros de
consumidores individuais e em suas interações sociais com outros.” Nesse novo cenário, “os
consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a
conteúdos midiáticos dispersos.” (JENKINS, 2008, p.27-8)
Essa participação dos consumidores é ponto essencial na cultura da convergência: o
receptor é alçado a um outro patamar e, em muitos casos, fica no mesmo nível do emissor. Se
antes essas duas peças do processo ocupavam papeis separados, nesse novo sistema,
produtores e consumidores são participantes e interagem entre si:
“A convergência exige que as empresas midiáticas repensem antigas
suposições sobre o que significa consumir mídias, suposições que moldam
tanto decisões de programação quanto de marketing. Se os antigos
consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são
ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde
mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios,
demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação.
Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos
consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de
consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores
são agora barulhentos e públicos.” (JENKINS, 2008, p.45)

Na visão de Jenkins, esse novo consumidor vai provocar mais e mais transformações
à medida que for ampliada a sua participação. Mas as mídias massivas vão continuar a
desenvolver um papel importante e haverá uma mescla de ideias vindo das corporações e
outras vindo dos consumidores.
“A cultura da convergência é altamente produtiva: algumas ideias se
espalham de cima para baixo, começando na mídia comercial e depois
adotadas e apropriadas por uma série de públicos diferentes, à medida que
se espalham por toda a cultura. Outras surgem de baixo para cima, a partir
de vários pontos da cultura participativa, e são arrastadas para a cultura
predominante, se as indústrias midiáticas vislumbrarem algum modo de
lucrar com elas.” (JENKINS, 2008, p.326)

Desse jogo que está sendo travado entre as mídias massivas e novas mídias do mundo
digital, ditas alternativas, resultará o conteúdo dessa comunicação que se estabelecerá nesse
início de século XXI, segundo Jenkins. Não se trata de uma substituição, mas de uma
convivência, nem sempre pacífica, onde velhas mídias vão interagir com novas mídias, e vice
e versa, isso de maneiras cada vez mais complexas e imprevisíveis.
O poder da mídia alternativa é que ela diversifica; o poder da mídia de
radiodifusão é que ela amplifica. É por isso que devemos nos preocupar
com o fluxo entre as duas: expandir os potenciais para a participação
representa a maior oportunidade para a diversidade cultural. Jogue fora os
poderes da radiodifusão e o que se tem é apenas a fragmentação cultural. O
poder da participação vem não de destruir a cultura comercial, mas de
reescrevê-la, modifica-la, corrigi-la, expandi-la, adicionando maior
diversidade de pontos de vista, e então circulando-a novamente, de volta às
mídias comerciais. (JENKINS, 2008, p.236)

Esse poder de reformular as mídias anteriores já foi presenciado toda vez que uma
nova mídia foi introduzida no cenário da comunicação. Exemplo disso foi a readequação
vivenciada pelo rádio depois da chegada da televisão, como já citado nesse artigo. Ou como a
pintura mudou com a chegada da fotografia ou, ainda, como se alterou a função do livro com
o surgimento do jornal. O que se percebe é que hoje, o rádio, sendo a mídia eletrônica mais
antiga, está mais uma vez à procura do seu lugar nessa cultura da convergência. O veículo já
sobreviveu à chegada de um segundo meio eletrônico e diante desse novo quadro de mudança
de paradigmas, mais uma vez, precisa se recolocar. A TV não matou o rádio, assim como as
novas mídias, principalmente a internet, não matará os demais meios, mas os transformará: “o
que morre são apenas as ferramentas que usamos para acessar seu conteúdo – a fita cassete, a
Betacam. São o que estudiosos dos meios de comunicação chamam de tecnologias de
distribuição (delivery Technologies).” (JENKINS, 2008, p.39 – grifo do autor)
A forma de receber o conteúdo radiofônico mudou desde que o veículo surgiu. O
rádio tem visto seu suporte de recepção mudar: de enormes rádios à válvula para minúsculos
aparelhos que podem caber em uma caixa de fósforo ou então no mais simples modelo de
celular ou no computador10. Algumas vezes, essa mudança também incidiu no seu conteúdo,
como já foi visto, mas isso não significa a morte do veículo e sim sua readequação.
Não se sabe claramente ainda como será essa reformulação que o rádio sofrerá nesse
processo de adaptação à chegada da internet, das redes sociais e dos dispositivos móveis. Para
Marcelo Kischinhevsky estamos vivendo o tempo do “rádio expandido” que é quando o rádio
transborda para “microblogs, pelos sites de relacionamento e pelas mídias sociais de base
radiofônica” (KISCHINHEVSKY, 2011b, p. 10). Diante desse cenário de transformações, o
autor ainda faz o alerta de que é preciso
debater, pesquisar, analisar suas diversas modalidades, suas interfaces,
prestando especial atenção às mudanças em andamento em termos de
linguagem, práticas interacionais, rotinas produtivas, emergência de
novos atores no mercado, estratégias de circulação e hábitos de escuta.
(KISCHINHEVSKY, 2011b, p. 10)

O que se vê, portanto, é que mais uma vez, as novidades tecnológicas estão
redesenhando a configuração do rádio e novos rumos estão sendo traçados. O que se percebe
hoje é o rádio se entremeando à rede mundial de computadores e esta assumindo
características do veículo sonoro, no processo de midiamorfose defendido por Fidler (1997).
Resta aos pesquisadores da história do veículo o processo de observação, análise e reflexão
deste novo caminho que se abre aos veículos eletrônicos, pois como afirma Jenkins (2008,
p.328) estamos num período em que “velhas e novas mídias colidem, onde a mídia
corporativa e a mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor e o poder do
consumidor interagem de maneira imprevisíveis. A cultura da convergência é o futuro, mas
está sendo moldada hoje”.

10
Pesquisa do IBOPE Media divulgada em fevereiro de 2014 aponta que o celular é o segundo aparelho
mais utilizado para ouvir rádio, perdendo apenas para o aparelho tradicional. Em terceiro lugar
aparece o computador.
Referências
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