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EDUCAÇÃO CARCERÁRIA

1 Educação: Direito de todos

O desenvolvimento humano e de uma sociedade, no seu sentido integral e


orgânico, passa, imprescindivelmente, pela educação. A educação é, por sua origem,
seus objetivos e funções um fenômeno social construtivo, estando relacionada ao
contexto político, econômico, científico e cultural de uma sociedade historicamente
determinada. Álvaro Pinto (1987, p. 29) vai afirmar que “a educação é o processo pelo
qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus
interesses”. Dessa forma, pode-se deduzir que, não obstante a educação ser um
processo constante na história de todas as sociedades, ela não se aplica da mesma
maneira em todos os tempos e em todos os lugares, e se acha vinculada ao projeto
de homem e de sociedade que se quer ver emergir através do processo educativo.
Paralelo ao pensamento de Pinto (1989), Dermeval Saviani (1991) afirma que
“o estudo das raízes históricas da educação contemporânea nos mostra a estreita
relação entre a mesma e a consciência que o homem tem de si mesmo, consciência
esta que se modifica de época para época, de lugar para lugar, de acordo com um
modelo ideal de homem e de sociedade” (SAVIANI, 1991, p. 55).
Dentro desta perspectiva, a educação como um fenômeno de construção e de
transformação, não pode ser vista de forma reducionista, como uma educação
simplesmente formal. Ela deve estar imbuída não tanto do “fazer”, mas do “ser”. Ou
seja, a educação deve conduzir o ser humano à sua própria construção e ao seu
desenvolvimento, isto em diversos aspectos. Por isso, ela deve visar a transformação
da sociedade e, impreterivelmente, a transformação do homem.
Nesse sentido, educação passa a ser sinônimo de transformação de realidades
e de condição de possibilidade de uma vida qualitativamente melhor e utópica. Utópico
não somente no sentido de sonhar, mas no sentido de possibilitar e concretizar
sonhos.
Dessa maneira, Demo (1994) vai afirmar que educação tem sido o termo para
designar qualidade, isso em diversos aspectos:
a) como instrumento, sinaliza a construção do conhecimento e, como fim, a
preocupação em torno da humanização da realidade da vida; b) ligada à
construção do conhecimento, impacta de modo decisivo tanto a cidadania
quanto a competitividade, ganhando o foro de investimento mais estratégico;
c) como expediente formativo, primordial das novas gerações, apresenta
procedimento dos mais pertinentes em termos de qualificar a população,
tanto para fazer os meios como para atingir os fins; d) principalmente, estando
na base da formação do sujeito histórico-crítico e criativo, educação perfaz a
estratégia mais decisiva de fazer oportunidade (DEMO 1994, p. 15). Grifo
nosso.

Ainda segundo o autor, educação é um conceito mais rico que conhecimento,


porque abrange o desafio da qualidade formal e política ao mesmo tempo. O próprio
termo já remete para aquilo que é direito, isto é, a construção de uma educação que
perpassa pela qualidade formal e política.
Neste intento, a Constituição de 1988, Art. 205 e 206, dá algumas diretrizes
para garantir e possibilitar tal acesso. Assim afirma a Constituição:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Tal compreensão expressa na Constituição Federal coloca em destaque a


garantia de uma educação que não está limitada à condição social, nacional, cultural,
de gênero ou étnico-racial da pessoa. A dignidade da pessoa humana e o bem de
todos, sem distinção, estão expressos de forma bem definida no Art. 3º.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (CONSTITUIÇÂO
FEDERAL, 1988).

Da mesma forma o Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos humanos de


1948 corrobora com a premissa de que a educação é um direito humano e deve ser
garantido a todos:
§1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como
a instrução superior, está baseada no mérito.
§2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais.

Portanto, a educação como direito garantido na Lei, como um direito humano e


universal, não pode ser reduzida à condição social, cultural, étnico-racial ou de gênero
da pessoa.
2 Educação carcerária no Brasil

Partindo do que foi exposto acima, abordar-se-á neste ponto o aspecto da


educação nas carceragens do Brasil. Antes, vale a pena ressaltar que a dignidade da
pessoa humana é pilar para a reinserção social e de fundamental importância jurídica
no âmbito constitucional, onde o princípio da dignidade humana é abordado de forma
soberana em relação aos ângulos éticos da personalidade ali consolidados.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (CONSTITUIÇÂO
FEDERAL, 1988).

Sendo assim, a dignidade da pessoa humana passa a ser um dos fundamentos


da Constituição e não mero direito fundamental. Como fundamento primordial de uma
nação confere identidade e concede direitos. Tavares (2008), contudo, vai afirmar que
não raras às vezes este fundamento, tão essencial à consciência de um povo, é
agredido e denegrido na sua essência. Não raras às vezes este fundamento é
violentado, colocando o ser humano em situação degradante. A dignidade da pessoa
humana perpassa por condições que propiciem oportunidades de acesso aos direitos
garantidos pela Lei.
De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), aos
Estados competem:
Respeitar: essa obrigação refere-se a que os Estados não devem criar
obstáculos ou impedir o gozo dos direitos humanos. Isto implica obrigações
negativas, pois trata daquilo que os Estados não deveriam fazer (por
exemplo, impedir que as pessoas se eduquem);
Proteger: essa é uma obrigação de caráter positivo, pois exige que os
Estados atuem, e não se abstenham de fazê-lo. Esta obrigação também exige
medidas por parte dos Estados para impedir que terceiros criem obstáculos
para o exercício dos direitos;
Realizar: é uma outra obrigação positiva para os Estados em relação ao
cumprimento dos padrões de direitos humano. Refere-se às determinações
que devem ser tomadas para a realização e o exercício pleno dos direitos
humanos. Estas medidas podem ser de caráter legislativo, administrativo,
orçamentário, judicial, social, educativo, entre outros.

Dentro desta perspectiva, no que que se refere à educação nas carceragens


do Brasil, constata-se um verdadeiro abandono e descaso com as pessoas que ali se
encontram. “Apesar da diversidade sociocultural no Brasil, os problemas no sistema
prisional são semelhantes. O alto índice de reincidência e a superlotação refletem uma
crise no sistema que repercute fora dos seus muros” (SILVA, 2011, p. 28).
É dever do Estado garantir acesso à educação aos privados de liberdade, o
cuidado e a ressocialização na sociedade. Também é notória a falência no sistema
carcerário brasileiro, onde são apontados um dos maiores problemas do modelo
repressivo na atual conjuntura do Brasil. Os detentos são mandados às penitenciárias
para serem reabilitados ao convívio da sociedade, e o que se verifica é uma não
reabilitação da pessoa em processo de reclusão. De outra forma, “pensar a educação
como uma válvula de escape para os problemas do sistema carcerário é mascarar a
realidade de desigualdade e exclusão do nosso país. Por outro lado, é importante
refletir sobre o papel da educação dentro deste sistema” (Ibid.).
A escola, dentro dessa realidade, torna-se um espaço improdutivo,
principalmente porque não faz parte da dinâmica da prisão: ela está
desarticulada da proposta política e de segurança das instituições penais. A
aplicabilidade das leis educativas emperra em normas e muitas vezes na boa
vontade dos funcionários dos presídios que nem sempre veem com bons
olhos a escola e o contato dos presos com outras pessoas. O planejamento
escolar fica engessado nos regulamentos dos presídios e no entendimento
dos dirigentes das instituições (Ibid., p. 29).

De acordo com Foucault (2008), a prisão tem o objetivo de tornar os corpos


dóceis e úteis; a instituição prisional, responsável primeira pelo cuidado e
ressocialização da pessoa, passa a ser uma forma de punir aqueles que erraram, mas
com o papel preponderante de recuperá-los para o convívio social.
O atual sistema prisional do país passa por uma crise sem precedentes. Vê-se
em todas as partes do Estado evidências de um acelerado e perigoso processo de
deterioração. As penitenciárias são uma bomba-relógio que a sociedade resiste a
enxergar, apesar da frequência e das violentas rebeliões. Observa-se lotação das
cadeias e situação degradante dos modelos prisionais. Na maioria delas a educação
é precária e sem recursos, não possibilitando ao preso o exercício do seu direito e
nem a condição de transformação. “Portanto a prisão, enquanto instituição executora
da pena restritiva de liberdade, tem como missão cuidar para que os condenados não
voltem a cometer crimes, estabelecendo um conjunto de normas que objetivem a
transformação dos sujeitos” (MELLO; SANTOS, 2015, n.p).
Pereira (2011, p. 45) vai afirmar que a educação:
é um elemento importante no processo de ressocialização do preso, mas é
apenas um dos elementos, não significa que seja o principal, pois outras
políticas precisam ser construídas a favor deles, a qual lhes garanta os
direitos que não terminam porque eles estão presos, pelo contrário. E o
Estado como tutor da vida dessas pessoas tem a obrigação dessa garantia,
que vai desde a preservação da integridade física, passando pela moral até
a psíquica, independente do crime que o preso tenha cometido. A educação
não pode ser vista novamente como redentora da humanidade e
especificamente da pessoa que está presa, pois existem outras faltas
históricas que inclusive impulsionaram que a pessoa presa esteja nessa
condição.

A educação carcerária chegou ao Brasil por volta de 1950, com o intuito de ser
um instrumento de ressocialização para os privados de liberdade, e teve como
incentivador o Estado de São Paulo, percebendo na educação a possibilidade
concreta de inserção e inclusão na sociedade. A educação nas cadeias passaria a ser
a condição de possibilidade de diminuir a violência (SILVA; ALBUQUERQUE, 2016,
n.p).
Essa educação surgiu com o objetivo de reintegrar as pessoas que se
encontravam fora do convívio social, sem nenhuma perspectiva de vida, pois
foi através de ações dos órgãos governamentais junto com as secretarias
estaduais de educação, que essa iniciativa de expandiu em muitos estados
com a finalidade de ressocialização dos detentos através da Educação (Ibid.).

Foucault (2008, p. 45), nesse sentido, ratifica essa ideia ao afirmar que: “A
educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução
indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento”. Às
vezes no senso comum é tido a ideia de que o detento é um ser destituído de direito
e como tal deve apenas cumprir com a execução penal.
Pereira (2011, p. 45) chama a atenção para essa ideia quando afirma que a
educação é vista, por muitos, como uma esmola para o detento, e não como um
processo de possiblidades e transformações. “A educação é vista então como uma
“esmola” do Estado e da sociedade para o preso, uma esmola cara porque desvia
verbas da educação para atender quem está à margem da sociedade por uma opção,
não por uma determinação das condições materiais postas por um sistema”.
Talvez por causa dessa representação, a educação que vem acontecendo
nas prisões ainda seja muito tímida em termos pedagógicos, muito parecida
com a que acontece na escola regular, e diversas vezes ela é pautada no
ensino de regras para o bom comportamento do preso (Ibid., p. 46).

Dessa forma, pode-se dizer que a educação assume duas áreas distintas no
sistema carcerário que nem sempre é clara para aqueles que defendem arduamente
uma educação nas carceragens. São áreas distintas, porém, com sutilezas nas suas
apresentações, a saber: Educação carcerária e educação no cárcere. Aparentemente
pode parecer uma coisa só, no entanto, as diferenças são enormes. Uma está no
âmbito daquilo que é o ideal, daquilo que a Lei pede e daquilo que as organizações
apresentam como direito (educação carcerária). A outra está na prática da execução
daquilo que se pede ou do que deveria ser (educação no cárcere). A prática se mostra
muito aquém do Plano de Execução Penal.
A educação no sistema carcerário não pode ser atendida como um privilégio
ou benefício para os internos e nem para obter a redução de pena pelos
estudos, ele tem que ser vista como uma forma de reintegrar as classes
desfavorecidas da sociedade que são os que se encontram fora do convívio
social (SILVA; ALBUQUERQUE, 2016, n.p).

Mas dentro do histórico da educação penal no Brasil, observa-se um grande


avanço com a promulgação da Lei de Execuções Penais 7.210 de 11/07/1984. A partir
dessa Lei a educação nas prisões passa a ter maior legitimidade e garantia. No Art.
11 da referida Lei, referindo-se à assistência ao preso, afirma-se que a assistência
será: “I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI – religiosa
(grifo nosso).
Ou seja, compete ao Estado a assistência educacional, entre outras. Nos
artigos seguintes são apontados como essa assistência se aplicará em relação à
educação. Assim está expresso na Lei 7.210 de 1984:
Art.17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a
formação profissional do preso e do interno.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, reintegrando-se do sistema
escolar da unidade federativa.
Art.19. o ensino profissional será em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento
técnico.
Art.20. As atividades educacionais podem ser objetivo de convenio com
entidades publicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos
especializados.
Art.21. Em atendimento ás condições locais, dotar-se- a cada
estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de
reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

A legislação tem como finalidade proporcionar a inserção social aos presos


que não poderiam concluir seus estudos enquanto se encontram privados da
liberdade, tendo como objetivo principal resgatar a pessoa presa para o convívio
social, para que elas possam ter dignidade e cidadania (SILVA; ALBUQUERQUE,
2016).
Outra novidade é a redução da pena por estudo. Antes só se podia reduzir a
pena através do trabalho prestado na carceragem. A lei que dá essa possibilidade é:
12.433, de 29 de junho de 2011, onde altera a lei 7.210 da LEP que poderá dispor de
remição de pena também por estudo: “o condenado que cumpri pena em regime
fechado ou semiaberto, poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tema por
execução da pena” (Art. 126, LEP).
Outros artigos da Lei também dão suporte a tal compreensão. O Art. 83 postula
que: “O estabelecimento penal, conforme a sua natureza deverá contar em suas
dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho,
recreação e prática esportiva”.
A partir do Art. 83 foi criado o Decreto Presidencial 7.626, de 24/11/2011, no
qual criou-se um Plano Estratégico no Âmbito do Sistema Prisional (PEESP), com o
intuito de melhorar e colaborar com a educação nos sistemas carcerários. Neste
Decreto, o Art. 3º afirma que: “ é diretriz do PEESP, a reintegração social da pessoa
em privação de liberdade por meio da educação”.
Nesta perspectiva, o estado tem a “obrigação legal de gerar ações em relação
à Educação, com a finalidade de qualificar os internos para o mercado de trabalho,
seja na educação formal ou informal, essas ações ocorrem por meio de parcerias dos
Sistemas Penitenciários de cada Estado e a Secretarias de Educação” (SILVA;
ALBUQUERQUE, 2016, n.p.).
Ainda de acordo com o referido Decreto, o Art. 6º afirma que: “cabe ao
Ministério da Educação (MEC), junto com o PEESP, promover a distribuição de livros
didáticos e a composição de acervos de bibliotecas nos estabelecimentos penais,
junto com a capacitação de professores e profissionais que atuam na educação em
estabelecimentos penais”.
Outro instrumento que corrobora com tais afirmações e possibilita acesso à
educação a todos é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/1996 (LDB).
Dois artigos são preponderantes para fundamentar a educação carcerária:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo
qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização
sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o
Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.

A referida Lei enfatiza que a educação e dever do Estado e da família e um


direito público subjetivo podendo qualquer cidadão exigi-lo. Um dos princípios são o
desenvolvimento humano, o exercício da cidadania e a qualificação.
O Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), na Meta 17 salienta:
“Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam
adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível
fundamental e médio, assim como de formação profissional, contemplando para esta
clientela as metas nº 5 e nº 14”.

Meta 5. Estabelecer programa nacional de fornecimento, pelo Ministério da


Educação, de material didático-pedagógico, adequado à clientela, para os
cursos em nível de ensino fundamental para jovens e adultos, de forma a
incentivar a generalização das iniciativas mencionadas na meta anterior.
Meta 14. Expandir a oferta de programas de educação a distância na
modalidade de educação de jovens e adultos, incentivando seu
aproveitamento nos cursos presenciais.

Dessa maneira, além de leis citadas acima, uma gama de documentos1 e outras
políticas2 enfatizam o direito incondicional que a pessoa encarcerada tem à educação.
Portanto, afirmar que a “educação é um fenômeno próprio dos seres humanos
significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de
desenvolvimento humano e da cidadania, bem como processo de trabalho” (SAVIANI,
2008 apud PEREIRA, 2011, p. 46).

3 A educação carcerária na Bahia

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Infopen, junho 2014) a


população prisional do Estado da Bahia é de aproximadamente 15.399 detentos
distribuídos entre os 20 estabelecimentos penais. O órgão responsável pelo Sistema
Penitenciário é a Superintendência de Assuntos Penais - SAP, um órgão do regime
especial da administração direta, integrante da estrutura da Secretaria da Justiça,
Cidadania e Direitos Humanos – SJCDH, que tem por finalidade planejar, coordenar,

1 Resolução n.º 02/2010, de 09/03/2010 (CEB - Conselho Nacional de Educação);


Resoluções n.º 14/1994 e 03/2009 (CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária) - Regras Mínimas para o Tratamento do Preso e Diretrizes Nacionais para a Oferta de
Educação em Estabelecimentos Penais;
I, II, III e IV Seminários Nacional de Educação nas Prisões; Ações anuais realizadas em
conjunto e contam com a participação dos gestores de educação prisional de todas as Unidades da
Federação;
Relatório Nacional para o Direito Humano à Educação: Educação nas Prisões brasileiras;
Recomendação n.º 44/2013 (CNJ) – dispõe sobre as atividades educacionais complementares
para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura.

2 Programa Brasil Profissionalizado - Repassar recursos do Ministério da Educação para que


os estados invistam em construção, ampliação ou reforma de escolas públicas de ensino médio e
profissional, melhoria da gestão e das práticas pedagógicas. Levantamento dos espaços disponíveis
para construção, reforma ou ampliação nas unidades prisionais;
Projovem Urbano – Resolução n.º 08, de 16 de abril de 2014, incluindo os jovens das unidades
prisionais como um dos públicos a serem atendidos pelo programa e também trata do valor da bolsa;
ENEM PPL 2014 – Aplicação do Exame para certificação no Ensino Médio (prazos: adesão em
outubro; inscrição em novembro e realização das provas em dezembro.
executar, supervisionar, controlar e avaliar, em harmonia com o Poder Judiciário, os
serviços penais do Estado.
O Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da Bahia, elaborado pela
Comissão de Monitoramento e Avaliação do Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania - PRONASCI e o Departamento Penitenciário Nacional
DEPEN, traçou em 2007 um diagnóstico da situação atual da Execução Penal no
Estado da Bahia (SILVA, 2011). A meta 15, que aborda a educação, estabelece entre
suas etapas a ampliação da oferta de ensino nas Unidades Prisionais, compra de
equipamentos, construção de salas de aula e contratação de professores. Também
propõem na ação nº 2 do Plano Diretor como meta a implantação com ampliação de
turmas de ensino fundamental e médio, nas Unidades Prisionais da Capital e do
Interior do Estado (SILVA, 2011).
A Secretaria da Educação do Estado da Bahia tem adotado proposta de
educação a EJA: “Educação de Jovens e Adultos: aprendizagem ao longo da vida”. O
Estado se compromete e assegura o direito à Educação Básica para os jovens e
adultos por meio de medidas que devem ser adotadas, entre elas:
1. Inserir a EJA no campo de Direitos Coletivos e de Responsabilidade
Pública.
2. Assumir a Política de EJA na atual política do Estado, definida no
documento Princípios e Eixos de Educação na Bahia.
3. Assegurar a EJA como oferta de educação pública de direitos para jovens
e adultos, com características e modalidades adequadas às suas
experiências de vida e de trabalho, garantindo as condições de acesso e
permanência na EJA, como direito humano pleno que se efetiva ao longo da
vida (SEC, 2009).

O documento não cita diretamente a Educação em ambientes prisionais, no


entanto, a proposta quando regulamentada, deverá beneficiar a educação no sistema
prisional, pois a EJA é a modalidade de ensino da escola na prisão e nela também
destacam-se os sujeitos da EJA referidos no documento citado:
No cenário educacional, configuram-se enquanto aqueles que não tiveram
passagens anteriores pela escola ou, ainda, aqueles que não conseguiram
acompanhar e/ou concluir a Educação Fundamental, evadindo da escola pela
necessidade do trabalho ou por histórias margeadas pela exclusão por
raça/etnia, gênero, questões geracionais, de opressão entre outras (SEC,
2009).

As Varas de Execuções do Estado adotam a remição de pena pelo estudo. De


acordo o art. 13, § 1º do Provimento CGJ nº14/2007 da Corregedoria Geral de Justiça
da Bahia, a cada 18 horas de atividade intelectual (estudo) é remido um dia da pena.
Todavia, diante da dinâmica do sistema prisional essas 18 horas de estudos ficam em
desvantagem se comparado ao trabalho. O Artigo 126 da LEP garante um dia de pena
por três de trabalho (SILVA, 2011).
As ações isoladas dos Estados testificam a falta ou a ineficiência de políticas
públicas de âmbito nacional. Mesmo reconhecendo as especificidades que cada
estado possui é necessária uma lei que normatize e fiscalize as ações de cada um
deles. Um olhar mais atento perceberá que questões como superlotação, alto índice
de violência e estrutura físicas precárias são comuns nos sistemas prisionais de todo
país (Ibid.).

4 Projeções futuras

Segundo o Infopen (junho de 2014), hoje o Brasil tem uma população carcerária
que é a 4ª maior do mundo, com 607.731 presos. Fica atrás somente dos Estados
Unidos, China e Rússia. Tem um déficit de 231 mil vagas, e uma taxa de ocupação
de 161%, ou seja, há superlotação em todas as penitenciárias e em todos os estados.
A maioria dos presos vem de uma situação de pobreza, são negros,
analfabetos ou com o Ensino Fundamental incompleto, e com idade de 18 a 34 anos.
É uma realidade difícil e que só aumenta a cada ano, pois a reincidência é muito alta
e o preso quando saí se vê sem possibilidades de inserção.
Uma possível saída seria a aplicação da Lei de forma efetiva, possibilitando
educação para todos e possibilitando que pessoas privadas da liberdade tenham
condições de se inserirem efetivamente na sociedade após o cumprimento da pena.
A prisão serve não só para punir, mas para possibilitar um caminho diferente, assim
pelo menos deveria ser.
A Educação no Cárcere nessa via seria um processo de acessar
conhecimentos para aquelas pessoas que estão presas, desenvolvendo-as
cognitiva e socialmente para que possam se reintegrar à sociedade. Essa
educação é tanto para a sua escolarização (formação dentro do sistema
oficial de ensino) e profissionalização (formação para o mundo do trabalho)
(PEREIRA, 2011, p. 46).

Portanto, Freire (1995) vai afirmar que o melhor alcance da pratica educativa
frente aos limites a que se submete é a seguinte: não podendo tudo, a prática
educativa pode fazer alguma coisa. Sendo assim, pensar a educação do homem
preso é considerar que o ser humano é inacabado, incompleto, que se constitui ao
longo da própria história, é pensar que o cárcere não é a definição daquele que está
preso, mas pode se tornar lugar de um novo recomeço e de uma nova postura.
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TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva,


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