Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Prática e o Talento Como Elementos de Constrangimento Da Pesquisa Do Desempenho em Música PDF
A Prática e o Talento Como Elementos de Constrangimento Da Pesquisa Do Desempenho em Música PDF
Desempenho em Música
César Augustus Diniz Silva
Universidade Federal da Bahia – UFBA
cesaraudiniz@yahoo.com.br
Resumo: Em toda história da humanidade, sempre houveram indivíduos que se destacavam dos
demais em algum domínio e compreender o que torna esses indivíduos proeminentes é uma dúvida
que sempre acompanhou esse fenômeno. No último século, pesquisas empíricas sobre o
desempenho experto começaram a surgir e, nas últimas décadas, o volume de pesquisas sobre o
assunto tem aumentado exponencialmente, e a psicologia é a principal responsável por essa
produção. O presente artigo é parte de uma pesquisa em andamento sobre o desempenho de elite
em música e busca apresentar e brevemente discutir três teorias representativas que abordam de
maneira distinta a relação entre genética (nature) e treinamento (nurture) como elementos
subjacentes ao desempenho de elite em musica.
Palavras-chave: desempenho em música, desempenho de elite, prática, talento, nature/nurture.
Abstract: Throughout human history, there have always been subjects who stood out from others
in some domain and understand what makes these individuals prominent is a question that has
always followed this phenomenon. In the last century, empirical research on expert performance
began to arise and, in recent decades, the volume of research on the subject has increased
exponentially, and psychology is the main responsible for this production. This article is a part of
an ongoing research on elite performance in music and aims to present and briefly discuss three
representative theories that approach differently the relationship between genetics (nature) and
training (nurture) as the underlying elements of musical elite performance.
Key-words: musical performance, elite performance, practice, talent, nature/nurture.
1. Introdução
Por volta das décadas de 1930 e 1940, o debate nature-nurture era o centro das
discussões em psicologia. Já duas ou três décadas depois, Anastasi (1958) considerava este
um assunto morto. Segundo a autora, já se era aceito que todo comportamento era originado
de uma junção entre genética e ambiente (Anastasi, 1958, p. 197). Mas ao que parece, esta
questão estava apenas adormecida. Com o alavancar dos estudos sobre o desempenho de elite
(década de 1980), esta dicotomia é reavivada e volta a mediar as pesquisas na área.
Ackerman (1987, p.3) aponta o cerne da dicotomia:
Quantidades iguais de treinamento fazem um grupo de indivíduos mais parecidos ou
mais diferentes em suas conquistas? Mais exatamente, ele [o treinamento] aumenta
ou diminui a variabilidade num grupo de indivíduos? (...) Se sujeitos convergirem
no desempenho com a prática, a inferência teorética seria que habilidades são
determinadas pelo ambiente. Em constraste, se os indivíduos divergirem no
desempenho com a prática, a inferência seria que habilidades são determinadas
hereditariamente.
Sendo assim, a abordagem experimental (nurture) do desempenho experto busca
identificar princípios gerais que expliquem esse fenômeno ao passo que a abordagem
hereditarianista (nature) busca identificar fatores individuais que expliquem o desempenho de
elite (Hambrick et al., 2013).
2.1. Nature
Esta abordagem busca explicar o desempenho de elite através das diferenças
hereditárias, sendo estas as responsáveis pelo sucesso do indivíduo num domínio específico.
Desde Sir Francis Galton, vários pesquisadores vêm investigando os efeitos da genética
na performance. Recentemente, seu mais influente e abrangente colaborador na área da
música foi Howard Gardner. Gardner em seu livro Frames of Mind: The Theory of Multiple
Intelligences (1983) propôs uma teoria que aborda a inteligência humana como sendo
composta de múltiplas competências autônomas, e, apesar de não ser uma teoria original de
Gardner, foi ele quem mais a desenvolveu, inclusive com evidências empíricas2 e sugeriu a
existência de sete (ou mais) inteligências independentes: linguística, musical, espacial, lógico-
matemática, corpóreo-cinestésica e duas inteligências pessoais, a inter e intrapessoais. As
inteligências seriam, em sua essência, inatas, necessitando apenas que o ambiente apresente as
condições mínimas para seu desenvolvimento, manifestando assim o talento (Gardner 1983,
p. 35). Portanto, possuir um perfil intelectual compatível com o domínio especificado seria
mister para um indivíduo alcançar um desempenho excepcional no domínio segundo este
paradigma.
No caso específico do desempenho em música, Gardner atribui importância ainda maior
ao perfil genético do indivíduo: “se existe uma área da realização humana que mais se
beneficia em possuir um fundo genético adequado ou pródigo, música seria uma candidata
formidável” (Gardner, 1983, p. 112).
A teoria das inteligências múltiplas de Gardner foi objeto de várias críticas (positivas e
negativas) e hoje, 30 anos depois, já se sabe com certa clareza que algumas de suas propostas
não representam a realidade. Klein (2012) vai um pouco mais a fundo e apresenta problemas
conceituais, empíricos, metodológicos e pedagógicos na teoria das inteligências múltiplas.
Todavia, meu objetivo neste momento não é discutir a teoria das inteligências múltiplas; o
foco neste momento é apenas apresentar um panorama geral de sua abordagem como visão
hereditarianista do desempenho em música.
2.2. Nurture
3. Outras abordagens
Existem ainda outras teorias que abordam a performance de diferentes maneiras, menos
inclinadas a um dos pólos (nature and nurture). Merece destaque a proposta desenvolvida por
Dr. Phillip L. Ackerman inicialmente em 1987, na qual é sugerido que o desempenho de elite
deve ser entendido como um estudo das diferenças inter e intraindividuais. Este arcabouço
parte do princípio de que “talento” deve ser entendido não como uma qualidade inata, mas
como uma qualidade desenvolvida através de uma complexa interação entre genética e
ambiente, e, uma vez desenvolvida, seria razoavelmente estável; o talento seria, portanto, uma
série de traços individuais (cognitivos, afetivos, conativos, etc.) que funcionariam como
fatores de facilitação ou impedimento para o desenvolvimento de conhecimentos e
habilidades em algum domínio. Já a prática seria fundamental, mas não suficiente para
explicar o desenvolvimento da performance de elite (Ackerman, 1988, 2013). As diferenças
individuais e a prática funcionariam como elementos de restrição do desempenho, variando de
importância de acordo com o tipo de tarefa em questão. Ackerman (1987) apresenta um
modelo de atuação das diferenças individuais, do tipo de tarefa e da prática sobre a
performance (ver Figura 1).
Figura 1 – Modelo das relações entre Capacidade e Performance (tradução minha) (Ackerman, 1987, p. 8).
4. Considerações finais
5. Referências bibliográficas
1
Ciência falida entre as décadas de 1930 e 1940, principalmente depois que o nazismo usou-a como
argumento para exterminação de pessoas, que previa uma “seleção de características hereditárias desejéveis, a
fim de aprimorar as gerações futuras, tipicamente em referência a seres humanos.” (Wilson, 2013).
2
Principalmente através do estudo de prodígios e idiot savants, por, segundo Gardner (1983, p. 63)
apresentarem a possibilidade de estudar as inteligências humanas em relativo isolamento.
3
Dr. K. Anders Ericsson. 2013. Google Scholar. <http://scholar.google.com/citations?hl=pt-
BR&user=Ym0clGUAAAAJ&pagesize=100&sortby=pubdate&view_op=list_works>. Acessado em 21 de
agosto de 2013.
4
“Uma premissa de nosso arcabouço teorético é que o desempenho aumenta monotonicamente de acordo
com a lei de potência.” (Ericsson, Krampe, & Tesch-Romer, 1993, p. 384).
5
Um aspecto que merece ser levantado aqui são as peculiaridades do desempenho em música em relação
à outros domínios de performance. Uma das grandes dificuldades que o domínio da música oferece está
relacionada à avaliação, necessária para o reconhecimento do desempenho proeminente em caráter científico.
Nos esportes existem parâmetros bastante objetivos de avaliação; o xadrez, por sua vez, é considerado o
“organismo modelo” para estudo da performance, por possuir um sistema de classificação considerado bastante
confiável (Charness et al., 2005), apresentando uma correlação com o desempenho do jogador entre .93 e .96;
música, no entanto, não possui um sistema claro de avaliação, principalmente entre músicos mais experientes,
uma vez que a avaliação de músicos inclui valores artísticos (Sloboda et al., 1996). Logo, medir e comparar
diferenças no desempenho em música, algo particularmente importante para o entendimento sobre os elementos
que influenciam o desempenho, não é uma tarefa simples, principalmente para pesquisas laboratoriais.
Obviamente que existem maneiras de classificar músicos, principalmente no que diz respeito ao domínio técnico
do instrumento e, para isso, pesquisadores já desenvolveram protocolos que capturam peculiaridades do
desempenho; mas a proficiência técnica no instrumento não é o suficiente para tornar um músico proeminente.