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Ascensão e declínio da pirataria marítima no Chifre da África: Territórios,

territorialidades, escalas de ação e políticas de seguridade internacional

Luana Alves Lessa1

Resumo
A pirataria marítima é uma atividade antiga que data desde 735 a.C (Botting, 1978). Em processos de ascensão e
declínio, a pirataria marítima veio ao longo da história acompanhando as grandes rotas comerciais no globo. A atual
conjuntura internacional marcada pela globalização de intensas trocas comerciais, onde 90% dos transportes comerciais
são efetuados via transporte marítimo (Guedes, 2008; Kirby, 2008), se configura enquanto um cenário atraente para
emersão dessa atividade. Nas últimas décadas, a região do Chifre da África despontou como um dos espaços de ação
privilegiados da pirataria marítima, tendo seu ápice em 2011, contabilizando 237 ataques (IMB). Contudo, nos últimos
anos, os números de ataques reportados vêm despencando nessa região, observando-se apenas 9 ataques em 2014
(IMB). Compreendendo a importância das estratégias de luta contra a pirataria marítima para a seguridade
internacional, o presente artigo busca colaborar para a discussão de temas em voga na política internacional.

Palavras-chave: Territórios; Territorialidades; Escalas de Ação; Políticas de Seguridade Internacional.

Introdução

A pirataria marítima, localizada em diversos pontos estratégicos (chock points) da circulação


marítima mercantil, consiste em uma atividade criminosa que desafia o equilíbrio e a segurança do
comércio internacional. Nesse âmbito, a pirataria marítima no Chifre da África, se insere enquanto
importante caso a ser solucionado por agências internacionais de repressão a pirataria marítima,
sendo a pirataria nessa região o objeto de estudo dessa pesquisa.
O presente artigo tem como foco principal compreender a vital importância da manutenção
da segurança nos mares como estratégia de luta contra o terrorismo. Desse modo, busca-se analisar
com o objeto de estudo supracitado, as motivações que culminaram no surgimento da pirataria no
Chifre da África, suas escalas de ação, seus territórios e territorialidades, no intuito de compreender
as formas de atuação das estratégias de repressão dessa atividade, assim como o seu impacto sobre a
pirataria nessa região.
Para atingir o objetivo desse artigo, se faz necessário compreender os múltiplos contextos
inseridos em diferentes escalas, para que se possa ter um entendimento amplo sobre o fenômeno em
análise. Sendo assim, as escalas utilizadas nesse trabalho serão a nacional, regional e global, na
busca de compreender como e de que forma o contexto de crise na Somália, acoplado com uma

1
Graduanda de Licenciatura em Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. luana_lessa@hotmail.com .
UFRJ.

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instabilidade geopolítica regional, possibilitou o surgimento e desenvolvimento da pirataria, assim
como também compreender os impactos dessa atividade no mundo globalizado.

Somália (um Estado Nacional esfacelado) e a dinâmica geopolítica regional

A Somália é um dos países mais críticos do ponto de vista da seguridade internacional.


Estando no topo do ranking de Estados Falidos (Failed States)2, seu solo, ao longo dos últimos
anos, se tornou em um cenário de constantes crises políticas, pobreza, disputas territoriais e atuação
de atividades ilícitas como a pirataria marítima. Nesse âmbito, Kowalski (2011) atenta para o fato
de que a falência de um Estado Nação pode ser um agravante e/ou um facilitador para a ocorrência
e surgimento de atividades criminais.
“(...), contudo uma outra questão que deve ser tida em conta é a de que estados
incapazes de exercerem a sua soberania serem potenciais bases de actividade para
grupos de criminalidade organizada transnacional, ligados ao tráfico de seres
humanos, ao tráfico de armas, ao narcotráfico ou à pirataria, bem como de
organizações terroristas” (KOWALSKI, 2011).

A atual situação político-administrativa da Somália é fruto de um passado recente de


constantes conflitos geopolíticos na região do Chifre da África, assim como também possui forte
relação com a incapacidade de adequação das estruturas, político-sociais-administrativas, que
compõe os Estados Nação modernos ocidentalizados às sociedades africanas tradicionais.
Mendonça (2004) endossa, que essa falta de adequação estrutural tem como reflexo a ineficácia de
legitimidade desses Estados perante as suas populações. Nesse âmbito, se tratando especificamente
da Somália, Gerard Chaliand (1982) afirma que a estrutura organizacional somali é baseada na
divisão entre diversos clãs. Sendo assim, esse modelo social esbarra no molde estrutural dos
Estados Nação, tendo como reflexo a busca dos clãs por influência política e poder dentro do
governo.
O panorama conflituoso na região do Chifre da África assume seu ápice no período referente
a Guerra Fria, onde muitos países africanos buscaram o apoio dos EUA, da URSS e seus aliados
para angariar forças e armamentos em seus próprios conflitos territoriais. Nesse sentido, a Somália,
que havia iniciado suas disputas territoriais após a sua independência em 1960, sofre um golpe de
Estado nove anos depois, na qual Siad Barré, um general militar, assume o poder e estreita laços

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Deve se ater que o termo Estados Falidos (Failed States) não se finca em um terreno conceitual sólido, pois os
diversos casos de falência estatal ainda desafiam os teóricos e estudiosos sobre o fenômeno a criar um conceito que
abarque e explique com exatidão a falência de Estados Nação.

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com a URSS, em prol de fortificar seus exércitos promover os seus conflitos territoriais. Os países
fronteiriços com a Somália, que possuíam regiões historicamente somalis – como a região de
Ogadén na Etiópia -, receosos com uma invasão somali em seus territórios, começaram a
implementar alianças para defesa mútua entre si e com grandes potencias (PREISS, 2005). Com a
expansão somali e a derrubada de Hailé Selassié do poder em 1974, a Etiópia assinou um tratado de
amizade e cooperação com Moscou e Cuba, revertendo o quadro conflituoso com a Somália em
1977. Abandonada por seus aliados da URSS, a Somália então resolve aceitar a ajuda oferecida
pelos EUA, que apoiavam o movimento somali de unidade nacional (PREISS, 2005). O poio
soviético e cubano à Etiópia pressionou a Somália, fazendo com que essa retirasse suas tropas de
Ogadén. Desse modo, em um jogo geopolítico complexo, a região do Chifre da África era palco de
intensos conflitos territoriais, dos quais tinham o apoio e o financiamento dos EUA e URSS, com o
intuito de expandir suas áreas de influência na região.
A situação da Somália era crítica, pois além da insuficiência na produção alimentícia
desafiar a segurança alimentar da população, também havia rastros fortes da guerra e um abuso dos
direitos humanos exercido por Barré, que embargava as ajudas humanitárias vindas do ocidente.
Nesse âmbito, a crescente insatisfação popular na Somália culminou na formação de movimentos
insurgentes, jogando o país em uma guerra civil. Em 1991, com a atuação de diversos grupos
militantes, o governo de Siad Barré foi deposto, aumentando, assim, as disputas por controle
territorial dentro do país. A incapacidade de promover um governo que controlasse toda a extensão
territorial da Somália e centralizasse o poder no Estado nacional, mergulhou o país em um total
descontrole estatal, deixando o governo reprimido a agir apenas na capital Mogadíscio. Ferreira
(2010) afirma, “Mesmo com a criação de condições para a resolução formal de vários conflitos na
presente década, derivada em boa parte de um maior protagonismo de actores africanos nesses
processos, as condições que determinam a fragilidade do Estado permanecem no longo-prazo”.
Desse modo, como atentado anteriormente, a incapacidade do governo Somali de controlar o seu
território possibilitou o surgimento de atividades ilícitas como a pirataria marítima e atuação de
grupos ligados a criminalidade como as milícias locais. Nesse sentido, Ferreira (2010) atenta, “(...)
uma fraca capacidade institucional, propicia o ressurgimento de conflitos e dificulta a consolidação
de uma verdadeira cultura democrática”.

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Surgimento e desenvolvimento da pirataria marítima no Chifre da África

O esfacelamento do Estado Nacional da Somália propiciado através da guerra civil, em um


processo de reterritorialização do espaço somali por grupos clânicos e milícias locais, teve como
consequência a reorganização espacial do poder no país, gerando assim, um cenário de
multiterritorialidades. Nesse sentido, de acordo com Haesbaert (2004), “ o que entendemos por
multiterritorilaidade é, assim, antes de tudo, a forma dominante, contemporânea ou „pós-moderna‟,
da reterritorialização, a que muitos autores, equivocadamente, denominam desterritorialização”
(HAESBAERT, 2004). Nesse âmbito, a Somália se tornou em um espaço de disputas territoriais,
caracterizando, assim, um processo de múltiplas territorialidades exercidas por diversos clãs e
milícias armadas no país. Para Sack (1986), a territorialidade é definida como sendo a “ tentativa,
por indivíduo ou grupo, de afetar, influenciar, ou controlar pessoas, fenômenos e relações, ao
delimitar e assegurar seu controle sobre certa área geográfica” (SACK, 1986). Desse modo, a
existência de vários territórios, que de acordo com Lopes (2013), seriam “relações de poder
espacialmente delimitadas e operando, destarte, sobre um substrato referencial” (LOPES, 2013),
acoplado a um processo de desterritorialização do Estado Nacional Somali, que Haesbaert (2004)
define como sendo fruto do afastamento ou da fragilidade do Estado, impossibilitando a existência
de um aparato judicial nacional que vigore e seja legitimado em todo o país. De acordo com
Bonavides (1967), “chama-se princípio de legitimidade o fundamento do poder numa determinada
sociedade, a regra em virtude da qual se julga que um poder deve ou não ser obedecido”, desse
modo " a legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração", onde “a legalidade é referente ao
aparato jurídico, onde o Estado e o seu poder deve agir em legalidade, ou seja, agir de acordo com o
aparato legal das legislações vigentes em seu território nacional” (BONAVIDES, 1967). Sendo
assim, o processo de falência do Estado Nação da Somália, culminou em uma completa ineficácia
dos aparatos estatais que garantem a seguridade territorial do país e serviços de bem-estar social,
possibilitando, assim, a existência de espaços de atuação de atividades ilegais e a entrada de jovens
(desprovidos de expectativas de sobrevivência e melhora de vida) nos meios criminais.
Dentro desse panorama, a ineficácia de um patrulhamento marítimo atrelado a uma
inexistência de um aparato jurídico forte para manter o mar territorial da Somália protegido, fez
desse um espaço vulnerável perante a outros Estado, se tornando, assim, um alvo da prática de
pesca ilícita e depósito de lixo tóxico (GUEDES, 2010). Assolados pela fome; pobreza; faltas de

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recursos à saúde e sem um aparato estatal forte a quem recorrer, populações pesqueiras e antigas
guardas costeiras – frente a crise dos recursos piscatórios e o caos salutar causado pela ressurgência
dos barris de lixo tóxico (trazidos através do tsunami de 2004) do fundo do mar para a orla das
praias, atrelado pela impunidade que sustentavam os atos de pesca ilícita – desenvolveram
estratégias de proteção da costa marítima somali. Essas estratégias consistiam em práticas de
pirataria marítima, onde o principal alvo eram os navios pesqueiros estrangeiros, tendo como
objetivo o ataque seguido de sequestro e liberação após pagamento de resgate (ZAGO e MINILLO,
2008).
Desse modo, a pirataria marítima definida pela Organização Marítima Internacional (OMI) –
agência da ONU especializada em assuntos marítimos - como sendo “Qualquer ato ilícito de
violência, detenção ou qualquer ato de depredação cometidos: (I) em alto mar, contra outro navio
ou aeronave, ou contra pessoas ou bens a bordo dos navios ou aeronaves; (II) um navio ou uma
aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido à jurisdição de qualquer Estado; (art 101 –
UNCLOS , 1982), surge na região do Chifre da África à priori como estratégia de proteção à costa
somali, contudo, a prática dessa atividade se mostrou altamente lucrativa, atraindo, assim, novos
atores como senhores da guerra e milícias locais, fato este que propiciou o desenvolvimento e
especialização da mesma, tornando-a, posteriormente, em uma atividade econômica ilícita
endêmica na região (ZAGO e MINILLO, 2008).
Desse modo, no que tange a sua localização, a Somália é beneficiada por sua posição
geoestratégica privilegiada, ocupando uma extensão de 3.025 km de costa, contornando a maior
parte da zona costeira do Chifre da África, que por sua vez, consiste em um espaço chave para a
circulação marítima mercantil entre a Ásia a Europa. Desse modo, de acordo com as lógicas
territoriais de atuação da pirataria marítima, onde os ataques piratas têm como prioridade espacial
de atuação os pontos estratégicos (chock points) das redes marítimas de circulação de mercadorias,
a região do Chifre da África se torna um espaço interessante para a prática dessa atividade, pois o
alto fluxo de navios se reverte em um alto lucro para atividade pirata (ver mapa 1).

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Mapa 1

(Fonte: Revista de Marinha)

Nessa perspectiva, a transformação da pratica da pirataria em uma atividade econômica para


muitos somalis, fez com que se alargasse o perfil dos alvos de ataques, ou seja, se em um primeiro
instante os piratas tinham como objetivo proteger a costa da Somália atacando apenas os navios
pesqueiros, em um segundo momento há uma mudança de objetivo, onde o foco passa a ser
puramente o lucro da atividade, fazendo com que qualquer navio que transitasse pela região se
tornasse em um alvo em potencial (ZAGO e MINILLO, 2008).
A especialização da pirataria marítima na região, assume características próprias de
organizações criminosas, onde segundo Gomes (1999) a atuação dessas contam, entre outros
fatores, com: estrutura hierárquica; utilização de tecnologias sofisticadas; recrutamento e
direcionamento de funções; estrutura empresarial de planejamento da atividade; intuito de obtenção
de lucros ilícitos; poder de intimidação e conexão com outras organizações criminosas (GOMES,
1999). Nesse sentido, o desenvolvimento dessa atividade passa por uma lógica econômica de
ampliação de lucros, que, por sua vez, é possibilitada através de dinâmicas territoriais, onde a
ampliação das escalas de ação é o principal trunfo estratégico da pirataria marítima nessa região.

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Segundo Cox (1998), a atuação de atividades econômicas, políticas e sociais tendem a se
territorializar em áreas denominadas por ele como “espaços de dependência”, onde a partir das
necessidades de expansão econômica e/ou territorial, sobrepujam suas fronteiras de dependência,
expandindo suas áreas de atuação, caracterizadas de “espaços de engajamento”, onde se formam
diferentes escalas de ação (Cox,1998). Sendo assim, a atuação da pirataria marítima segue em linha
cronológica uma expansão de suas escalas de ação (ver mapa 2).
Mapa 2

Desse modo, a expansão de suas escalas de ação propiciou um aumento expressivo na


quantidade de ataques ocorridos. Esse fato é endossado quando se compara a ampliação dos espaços
de atuação, demonstrados no mapa 2, com os dados fornecidos pela International Maritime Bureau
(IMB), onde foram reportados à instituição, 45 ataques em 2005, tendo uma evolução quantitativa
em 2011, marcando, assim, 237 ataques (ver gráfico 1). Nesse sentido, de 2005 a 2011, verifica-se
um período de ascensão da atividade pirata no Chifre da África.

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Gráfico 1

Impactos da pirataria marítima no mundo global

Em um mundo marcado pela globalização de intensas trocas comerciais, onde essas são
efetuadas majoritariamente por transporte marítimo, constituindo cerca de 90% do movimento de
cargas comerciais (GUEDES, 2008), a pirataria marítima atinge um grau de importância
proeminente.
O processo de globalização, ao mesmo tempo em que dinamiza a circulação de fluxos
comerciais, financeiros e informacionais, também potencializa a dimensão de certos fenômenos de
uma escala local para uma global. Nesse sentido, a pirataria marítima, situadas em escalas locais e
regionais, podem vir a tomar proporções problemáticas em escala global, uma vez que ameaçam a
segurança e a fluidez do mercado mundial. Sendo assim, a globalização aumenta o potencial de
ameaças à seguridade internacional, o que por sua vez reflete numa modificação da percepção e
proposição de soluções de organizações internacionais perante à conflitos ocorridos em escalas
locais, como a pirataria marítima no Chifre da África.
Nesse âmbito, a pirataria ocorrida nessa região, em especial, impacta e assusta a comunidade
internacional, devido a magnitude da quantidade de ataques já ocorridos e pela extensão de seus
espaços de ação. De acordo com o relatório expedido pelo Banco Mundial (THE PIRATES of
SOMALIA: Ending the Threat, Rebuilding a Nation), os impactos gerados pela pirataria no Chifre

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da África chegam a equivaler um aumento de 1.1 percentual sobre os valores das cargas que
transitam pelo Golfo de Áden. Esse relatório afirma que em 2010, as estimativas de gastos gerados
pela pirataria no mundo chegam a marca de US$18 bilhões (±US$6 bilhões), sendo que os
transportes comerciais que transitam por ano na região do Chifre da África carregam em valores
uma média de US$1.62 trilhões. Outro relatório expedido pelas Nações Unidas em 2010 (The
globalization of crime: a transnational organized crime thresat assessment), estimava que os lucros
obtidos pelos piratas da Somália chegavam a contabilizar 100 milhões por ano (UNODC, 2010). A
UNDC, aponta que de 2008 para o final de 2009, houve um aumento considerável dos prêmios de
seguros para navios que operam nas águas dessa região, onde os valores despontam de US$ 20.000
para US$ 150.000. Nesse sentido, os impactos causados pela pirataria na região implicam
fundamentalmente em gastos exorbitantes à economia mundial, que por sua vez refletem um
aumento expressivo no valor final das mercadorias que transitam por regiões de instabilidade de
segurança.

Estratégias de repressão e declínio da pirataria marítima no Chifre da África

O impacto financeiro gerado pela pirataria marítima no Chifre da África ameaça


circunstancialmente a estabilidade do comércio internacional. Nesse sentido, há um grande interesse
da comunidade internacional em garantir a segurança dos mares. A criação de novas rotas que
evitam a passagem por regiões de periculosidade, no entanto, nem sempre se mostram enquanto
alternativas mais eficazes, sendo muitas vezes mais dispendiosas e custosas. Sendo assim, a
segurança da circulação marítima através de patrulhamento dos mares e guarda armada, é tida como
o método mais eficaz na estratégia de luta contra o terrorismo.
A criação de organizações internacionais de monitoramento de crimes marítimos, como a
International Maritime Bureau (IMB), que fornece dados expressivos sobre os casos de pirataria no
mundo, assim como acordos entre diversas nações que compõem a Combined Maritime Forces (ver
figura 1), se tornam essenciais para compreender a dispersão espacial e o modo operatório das redes
de pirataria marítima, criando assim estratégias eficazes de repressão a essa atividade.

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Figura 1

De acordo relatório da UNODC (2010), citado precedentemente, o Conselho de Segurança


da ONU, estabeleceu em 2009 a criação de um grupo denominado Contact Group on Piracy off the
Coast of Somalia (CGPCS), para facilitar os esforços empreendidos por 60 países e 20 organizações
internacionais na luta contra a pirataria marítima. A criação de uma base de monitoramento em
Djibuti, a Regional Anti-Piracy Prosecutions Intelligence Coordination Centre (RAPPICC) junto
ao programa de parceria da Comissão Anti-Pirataria no Oceano índico, são um trunfo estratégico na
luta contra essa atividade no Chifre da África, complementando assim, a atuação de prevenção e
segurança marítima na região (UNODC, 2010). Essas organizações internacionais buscam o
reconhecimento das escalas de ação utilizadas pelos piratas, para atuar nos pontos específicos de
maior vulnerabilidade, garantindo assim a segurança nos mares. Nesse sentido, os esforços anti-
piratia buscam ampliar suas escalas de ação em um processo de acompanhamento e controle sobre
os espaços de ação da pirataria marítima na região (ver figura 2).

Figura 2

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As estratégias de prevenção contra a pirataria marítima contam com duas linhas de atuação:
ação setorial, que consiste na prevenção (a partir de divulgação de manuais de instrução e difusão
de informações) e na autodefesa com contratação de empresas de segurança; e ação internacional,
formada a partir de organizações internacionais que garantem a vigilância e a presença militar nos
mares.
Os esforços de prevenção a pirataria marítima tiveram como reflexo a expressiva queda dos
números de ataques exercidos nessa região nos períodos de 2011 a 2014 (ver gráfico 1). Nesse
âmbito, é visível a importância da defesa internacional na resolução dos casos de pirataria marítima
no Chifre da África.

Conclusão

As ações da pirataria marítima impactam diretamente sobre a atividade econômica global,


em especial a pirataria localizada no Chifre da África, uma vez que essa região ocupa um local
proeminente e estratégico para as rotas comerciais. Os valores em dinheiro que essa atividade
movimenta e impacta à economia global são exorbitantes, o que por sua vez revela a necessidade de
ações internacionais em reverter essa situação.
No âmbito do surgimento da pirataria marítima, o presente artigo busca atentar sobre o fator
principal de sua ocorrência, que consiste no esfacelamento do Estado Nacional somali e sua
consequente ineficácia em dispor as condições necessárias para a manutenção da segurança/controle
territorial e qualidade de vida aos cidadãos da Somália. Desse modo, o intuito do artigo é relatar que
para além da necessidade de combater os atos de pirataria praticados na região, também se faz
importante empreender ações internacionais que auxiliem a Somália a se reestabelecer
economicamente e politicamente, vendo nesse caminho uma possível alternativa de minar as
possibilidades de mais jovens somalis ingressarem em organizações criminosas, como a pirataria
marítima. Nesse sentido, acredita-se que em um ambiente de falta de emprego e qualidade de vida,
o ingresso às atividades criminosas se torna uma opção viável para populações em situação de
pobreza. Desse modo, a ideia trazida aqui é de que o fim da pirataria nessa região passa por dois
importantes caminhos, sendo eles o reestabelecimento e fortalecimento do Estado Nacional da
Somália e a prevenção e combate dessa atividade.
No que concerne ao considerável declínio da pirataria marítima no Chifre da África, a
atuação de diversas organizações internacionais na prevenção e combate a essa atividade foram o

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ponto primordial para a queda da mesma. Sendo assim, o presente artigo busca endossar a
importância da atuação dessas organizações na luta contra o terrorismo, demonstrando, a partir
desse estudo de caso, que a cooperação entre as nações, no intuito de minimizar e erradicar as ações
de terror e insegurança internacionais, é um caminho eficaz e frutífero.

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