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Mais um Grande Sertão: Cruzamentos entre Nação e Fotografia nas Obras de

Maureen Bisilliat

Kaíque AGOSTINETI
(E-mail: kaiqueagostineti@gmail.com);
Dr. Goiamérico Felício Carneiro dos SANTOS
(E-mail: goiamerico@gmail.com);
Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (Facomb/UFG);

Palavras-Chave: Nação; Sertão; Fotografia.

Introdução

No final do século XIX e início do século XX, os sertões brasileiros tornaram-


se espaços-chave para aqueles pensadores que desejavam projetar uma nação
moderna, integrada e positiva. Esse movimento ocorre porque o nascimento e a
morte do Movimento de Canudos, sucedido no interior baiano entre 1893 e 1897,
foram capazes de deixar marcas profundas no imaginário da nação, o que fez mudar
definitivamente a maneira de se entender o próprio Brasil.
Essas marcas estão longe de serem apagadas. Euclides da Cunha, quando
escreve o romance Os Sertões (1902), deseja deixar um relato vingador acerca
daquela barbárie civilizada vivenciada pelo escritor durante sua ida aos sertões
baianos, no contexto da batalha. E assim o fez. O romance é um texto precursor do
pensamento social brasileiro e suas proposições são retomadas por várias obras, de
diversos campos enunciativos, até a contemporaneidade.
Nesse trabalho, pretendemos apresentar nossa proposta de pesquisa de
mestrado que intenta investigar essa concepção de nação brasileira expressa,
especificamente, nas obras fotográficas de Maureen Bisilliat e disponibilizar alguns
resultados provisórios. Entendemos que nossa perquirição contribui para a
compreensão dos cruzamentos entre nação e sertão e as produções artísticas e
midiáticas da contemporaneidade. Isso poderá auxiliar análises posteriores, bem
como, abrir caminho para o estudo da brasilidade e do sertão no Campo da
Comunicação.

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Materiais e Métodos

Nossa pesquisa parte de uma revisão bibliográfica dos textos que discutem as
ideias de nação e sertão, daqueles que interrogam a fotografia e dos que
possibilitam as definições metodológicas adequadas para a resolução do nosso
problema de pesquisa. Entre essas obras, destacam-se: Comunidades Imaginadas,
de Anderson (2008); O Local da Cultura, de Bhabha (2001); Os Sertões, de Euclides
da Cunha (1991); Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (2006); A Câmara
Clara: nota sobre fotografia, de Barthes (2010); O óbvio e o obtuso, de Barthes
(2009); A Fotografia: entre documento e arte contemporânea, de Rouillé (2009);
Introdução à análise da Imagem, de Joly (1996).
Posteriormente, exploramos os livros fotográficos de Maureen Bisilliat - entre
eles A João Guimarães Rosa (1979) e Sertões: Luz & Trevas (1982). Procuramos
analisar semiologicamente as imagens, o encadeamento de imagens e a utilização
dos textos intercalados, como forma de compreender os sentidos possibilitados
pelas obras fotográficas. Tencionamos atentar também para seus diálogos com as
obras literárias.
Dessa maneira, partindo dos tensionamentos entre a bibliografia e as obras
fotográficas, buscamos alcançar nossos objetivos e responder nosso problema.
Desejamos, ainda, levantar novas problemáticas e caminhos que possibilitem uma
continuidade em nossa investigação, para além do âmbito da pesquisa de mestrado.

Resultados e Discussão

Os resultados de nossa pesquisa de mestrado não são peremptórios. Ela


encontra-se em pleno processo de desenvolvimento, o que possibilita apresentar
apenas alguns entendimentos até agora alcançados como alguns cruzamentos entre
sertão, nação e fotografia, além da pesquisa exploratória da vida e da obra de
Maureen Bisilliat.
As nações modernas são vividas como Comunidades Políticas Imaginadas
(ANDERSON, 2008), ou seja, são comunidades que se criam e se manifestam por
meio de um conjunto simbólico e narrativo. Segundo Anderson, essa capacidade
imaginativa é resultante da união explosiva entre o sistema econômico capitalista, a
tecnologia de impressão e a fatal diversidade da linguagem humana. Assim, a nação

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pode ser vista como um mercado local consumidor de narrativas, o que possibilita o
desenvolvimento de laços afetivos e da concepção da simultaneidade pressupostos
entre os indivíduos participantes dessa comunidade. Desse compartilhamento nasce
a ideia de um organismo social que atravessa conjuntamente um tempo histórico.
Porém, conforme aponta Bhabha (2001), as nações modernas devem ser
vistas para além dessa única linhas temporal. Seu funcionamento depende, na
verdade, de uma dupla temporalidade: uma pedagógica, outra performática.
Enquanto a primeira aponta para um passado imemorial, mítico, a temporalidade
performática reintroduz os mitos fundacionais no tempo presente. Assim, não basta
o compartilhamento de um corpus narrativo entre diversos indivíduos. São
necessárias constantes reencenações dessa pedagogia, que façam uma atualização
dos mitos em forma de narrativas suplementares. Estas assomam-se às narrativas
anteriores, criando uma engrenagem que possibilita uma coesão interna relativa das
comunidades imaginadas através do tempo.
No caso brasileiro, vemos o desenvolvimento dessa ideia de nação na
exploração da categoria sertão. Conforme analisa Souza (1997), com a publicação
do romance Os Sertões, no começo do século XX, origina-se um intenso movimento
de se pensar, imaginar, avaliar e projetar a nação brasileira, fundando o pensamento
social nacional. Euclides da Cunha (1991), quando elege os bandeirantes como
primeiros brasileiros, propõe reencenar as Bandeiras e Entradas, o que será seguido
pelos pensadores da brasilidade. Essas peregrinações rumo aos espaços ermos dá
origem as narrativas em variadas formas, mídias e linguagens.
Observamos, aqui, portanto, uma temporalidade pedagógica, sedimentada no
Mito das Bandeiras e na própria Guerra de Canudos, dando origem a uma
performance nacional, manifestada nas peregrinações narrativas, descritivas
avaliativas e projetivas dos territórios desconhecidos e apartados dos espaços
modernos da nação. As narrativas promovem, assim, um encontro entre o litoral –
signo que conota urbanização, industrialização, cosmopolitismo, modernização,
entre outros – e o sertão. Dessa alteridade nasceria, segundo Euclides da Cunha e
seus seguidores, um brasileiro de tipo elevado e uma nação integrada e posicionada
sobre uma linha de progresso – ideia que permanece atuante em nosso imaginário
ainda na contemporaneidade.
Nesse contexto de produção de narrativas que desejam apresentar o Brasil
desconhecido aos brasileiros, as fotografias são privilegiadas. Sua veiculação nas

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revistas ilustradas de grande prestígio e tiragem, em meados do século XX, fez
nascer vários fotógrafos que buscaram apresentar novas visibilidades do sertão em
todo o território nacional. Entre eles, encontra-se Maureen Bisilliat, fotógrafa da
revista Realidade na década de 1970 e da revista Quatro-Rodas, autora de diversos
livros fotográficos em que buscou traçar diálogos com obras literárias, entre elas
Grande Sertão: Veredas e Os Sertões.
Nascida na Inglaterra, mas naturalizada brasileira, Bisilliat faz confundir sua
busca própria pelo pertencimento e a performance nacional. Ela encena
constantemente os mitos fundadores como forma de construir uma identidade
própria, a partir da concepção de uma identidade nacional. A fotógrafa torna-se,
assim, personagem de suas próprias fotografias e faz aquela transição dos
interesses individuais para a generalidade típica das personagens dos romances
nacionalistas.
Assim, podemos entender as fotos de Maureen Bisilliat como engajadas na
manutenção da ideia de nação. Suas fotos utilizam o poder da retórica fotográfica
para comunicar significados presentes em uma ideologia – no sentido semiológico
do termo (BARTHES, 2009) – nacional. Porém, no diálogo com textos literários,
contatamos novas visibilidades, próprias dos contextos e das características da
atividade fotográfica, que suplementam essa ideologia da nação.

Conclusão

Nesse trabalho intentamos apresentar os resultados das discussões até agora


realizadas em nossa pesquisa de mestrado. Explicitamos, assim, os métodos e
algumas referências até agora utilizadas. Apresentamos também uma discussão
resumida dos resultados de nossa pesquisa, mostrando brevemente os cruzamentos
entre nação, sertão e fotografia, e a maneira como esses entendimentos podem
cruzar-se com as obras fotográficas de Maureen Bisilliat e com a própria história
individual da fotógrafa.
Obviamente, nossa pesquisa de mestrado estenderá essas proposições. Elas
devem ser intensamente discutidas de modo que nos possibilitem tensioná-los com
os resultados da análise das obras fotográficas de Bisilliat. Queremos também
realizar uma discussão mais ampla acerca da fotografia como um objeto de
dominação e consumo, porque tais noções estão presentes também na literatura

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sobre sertão e nação. É evidenciando as dominações que, talvez, conseguiremos
apontar outros caminhos na obra da fotógrafa.
Enfim, não intentamos com essa análise esgotar esse estudo do sertão, da
nação e da fotografia. Esperamos sim abrir uma vereda para os estudos dessas
temáticas no campo da comunicação, contribuindo com material para novas análises
de obras em quaisquer formatos, mídias e linguagens.

Referências Bibliográficas

ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a


difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre fotografia. Lisboa: Ed.70, 2010.

______. O Óbvio e o obtuso. Lisboa: Ed. 70, 2009.

BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

BISILLIAT, Maureen. A João Guimarães Rosa. 3.ed. São Paulo: Brunner, 1979.

______. Sertões: Luz e Trevas. São Paulo: Rhodia, 1982.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões: Campanha de Canudos. 35.ed. Rio de Janeiro:


Francisco Alves, 1991.

ECO, Umberto. A Estrutura Ausente. São Paulo: Perspectiva, 2007.

JOLY, Martine. Introdução a Análise da Imagem. 4.ed. Campinas: Papirus, 2001.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.

ROUILLÉ, André. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo:


Senac, 2009.

SOUZA, Candice Vidal e. A Pátria Geográfica: sertão e litoral no pensamento social


brasileiro. Goiânia: UFG, 1997.

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