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Matthias

Josef
Scheeben P.
Fr. Fuchs
SVD

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O ESPIRITO SANTO

O objeto da Teologia de Schee-


ben é Deus como fonte de vida in­
terior divina. Depois do pecado ori­
ginal, na encarnação do Verbo, Deus-
penetrou na criação para elevá-la
à participação em sua própria vida.

Mediante esta especial orienta­


ção para Deus, a Teologia de Schee-
ben, como a de Santo Alberto Mag­
no, se converte na “ Ciência Afeti­
va” . .. Esta ciência não vai diri­
gida de uma maneira diversa à in­
teligência e à vontade, senão que
toda a alma se sente comovida pe­
la contemplação sobrenatural de
Deus.

Da própria experiência existen­


cial, Scheeben suscita a reflexão
que obriga a olhar para a luz, que
brota de Deus, e desde essa altura
contempla também os homens.
Este livro pretende apresentar
em linguagem simples, a doutrina
do Espírito Santo que Scheeben
deixou consignada em toda a sua
oora.

O compilador, Pr. Fuchs, esforçou-


-se por formar frases breves e cla­
ras, evitando, no possível, os ter-
T O rasàN m eiite técnicos.
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Dedicado ao zeloso adorador do Espirito Santo
Pe. ARNOLD JANSSEN
fundador
da Sociedade do Verbo Divino
e das companhias das Servas
do Espirito Santo

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP

Scheeben, Matthias Josef, 1835-1888.


S333e O Espirito Santo: o estudo de Scheeben
simplificado e sistematizado por Pe. Fr.
Fuchs (tradução de Gastão de Carvalho Sou­
za) São Paulo, Ed. Loyola, 1977.
1. Espirito Santo. I. Fuchs, Friedrich,
1890-

77-1344 CDD—231.3

Índice para catálogo sistemático:


1. Espirito Santo : Teologia dogmática cristã 231.3

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MATTHIAS JOSEF SCHEEBEN

O ESPÍRITO SANTO
O estudo de Scheeben
simplificado e sistematizado
por Pe. Fr. Fuchs, SVD

EDIÇÕES LOYOLA
SÃo P a u lo
1977

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Título do original a lem ã o:
DER HEILIGE GEIST
Verlag: St.-Josephs-Druckerei, Wangen im Allgäu, 2.* ed. 1971

T radução:
Dr. GASTAO DE CARVALHO SOUZA
Rio de Janeiro

COM AS DEVIDAS LICENÇAS

____________________Todos os direitos reservados____________________


EDIÇÕES LOYOLA
Rua 1822 n.° 347 — Caixa Postal, 42.335 — Tel.: 63-9695 — São Paulo
I mpresso no B rasil

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SIGLAS

NG = S cheeben , Natur und Gnade, escritos reunidos, v. I.


HG = S cheeben , Herrlichkeiten der Göttlichen Gnade,
escritos reunidos, v. I.
M = S cheeben , Mysterien des Christentums, escritos
reunidos, v. II.
D = S cheeben , Dogmatik, escritos reunidos, v. III-VII.
Os volumes desta obra são enumerados de uma
maneira especial: I-VL Indica-se o volume com
cifras romanas; os números marginais são cifras
arábicas.
GA = S cheeben , Gesammelte Aufsaetze, escritos reuni­
dos, v. VIII.
HZ = R omano G uardin i , Los signos sagrados. Barcelo­
na 1957.
MZ = A lfons K irchgaessner , El simbolismo sagrado en
la liturgia. Fax, Madrid 1963.
IK = P h o tin a R e c h , Inbild des Kosmos, Otto Müller,
Salzburg 1966.

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PRÓLOGO À PRIMEIRA EDIÇÃO ALEMÃ

Matthias Josef Scheeben


é um teólogo do século passado, porém ainda muito
apreciado hoje em dia. Para corroborar esta afirmação,
queremos citar alguns textos do prólogo à nova edição das
obras de Scheeben, 1949-1967, feito pela Editora Hsrder, em
Friburgo, e que foi preparado por Jossf Hófer, Roma, em
colaboração com vários eminentes eruditos.
Josef Hõfer escreve, entre outras coisas (Natur und
Gnade, V -XX):
“ O objeto da teologia de Scheeben é Deus com o fonte de
vida interior divina. Depois do pecado original, quando o
Verbo se encarnou, Deus penetrou na criação para elevá-la
em Cristo à participação em sua própria vida.
Mediante esta especial orientação para D eus. . . a teolo­
gia de Scheeben, com o a de Santo Alberto Magno, se conver­
te na ‘ciência afetiva’ . . . Esta ciência não vai dirigida de
um modo diverso à inteligência e à vontade, senão que toda
a alma se sente comovida pela contemplação sobrenatural
da vida de Deus (X V ).
Com delineamentos existenciais, Scheeben suscita a re­
flexão interior no leitor meditante, e ao mesmo tempo dá uma
resposta que nos faz olhar a luz que brota de Deus, e desde
esta altura nos contempla, a nós, os homens.
Distinguem-se claramente a continuidade do mundo cria­
do e a magnificência da vida sobrenatural, para pôr em claro
a grande unidade de ação do mundo divino. Dita unidade

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de ação glorifica a Deus em Cristo, mediante ele e com ele,
e nisto encontra finalidade, sentido e dignidade. Esta visão
há de ser conseguida, aprofundada e ampliada com um tra­
balho sério (X V III).
Em seus trabalhos, Scheeben se apóia sempre na sagrada
escritura, nos santos padres e nos teólogos acreditados na
Igreja desde há muito tempo, especialmente em Santo To­
más e São Boaventura. Scheeben prefere, entre os santos
padres, aos gregos, e assim nos oferece a vantagem de
poder ouvir algo deles e de seus sublimes pensamentos”
(Herrlichkeiten der Göttlichen Gnade, 2; cf. Dogmatik, 1,
X X X II).
Scheeben tinha recopiado citações dos padres gregos e
com elas encheu em Roma toda uma maleta, levando-a con­
sigo para Colônia e a utilizou com esmero. Pôs assim a
nosso alcance os padres gregos com seus magníficos sím­
bolos e maneiras de pensar, e neste sentido pode ser consi­
derado com o um precursor do ecumenismo. Precisamente
em nosso livro encontramos esses símbolos sobre o Espírito
Santo, que já não esqueceremos, uma vez que tenhamos pen­
sado e refletido sobre eles. Tornaremos a recordar depois.
TJmas palavras mais de Hôfer para os sacerdotes e m es­
tres: "Para o teólogo e o sacerdote, as obras de Scheeben
serão sobretudo uma fonte inesgotável de alegria e elevação
sobrenaturais, que brotam do conhecimento e amor de Deus
trino e uno. O com ércio entre um profundo estudo de teolo­
gia, a doutrina sagrada e uma autêntica piedade e vida inte­
rior cristã e sacerdotal, levam ao coração do sacerdote os
ardores do amor de Jesus Cristo e de sua Igreja, que em ocio­
nam depois e entusiasmam aos fiéis em uma cura de almas
concebida e fecundada de um modo sobrenatural” .
Juntamos ainda algumas palavras de Scheeben (Herrli­
chkeiten der Göttlichen Gnade, 3): “A finalidade prática é,
em particular. .. fazer que os cristãos cheguem a sentir-se
satisfeitos de sua fé, porque a beleza e o orgulho da fé cató­
lica consiste precisamente em que esta fé nos oferece, dentro
dos mistérios da graça, uma elevação altíssima de nossa na­
tureza e uma inefável união interior com Deus” .
Scheeben já não pôde abordar em sua dogmática a
doutrina da Igreja, dos sacramentos e da escatologia.

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Este livro se esforça por apresentar, com uma linguagem
simples, a doutrina sobre o Espírito Santo, que Scheeben
conseguiu em suas obras. Serviu como base para o mesmo,
os oito volumes de seus Gesammslte Schriften, preparados
por Josef Hõfer, em Roma, e publicados pela Herder, de
Friburgo, de 1949 a 1967.
Já o índice mesmo dos distintos volumes mostra que
Scheeben fala do Espírito Santo em muitas passagens; de
vez em quando há diversas indicações breves que não po­
diam ser desatendidas.
Como Scheeben trabalhou na teologia dogmática duran­
te toda sua atividade docente, não faltam as repetições, que
não tem sido possível eliminar. Aparecem com freqüência
novos resplendores e novas relações; por isso o leitor não
pode tomar a mal que se repitam alguns pensamentos.
Ajunte-se que a atuação do Espírito Santo no âmbito exter­
no, a expõe e explica sempre o grande teólogo, partindo dos
mistérios da Santíssima Trindade.
Como aqui não temos nenhuma pretensão científica,
senão som ente a de chegar a conhecer melhor ao “ doce hós­
pede de nossa alma” para amá-lo com maior intimidade, não
se fala no texto de questões disputadas, senão que se têm
retransmitido da melhor maneira possível os pensamentos
de Scheeben em sua pureza e sem falseamento. Os títulos
das distintas secções os têm redatado o compilador.
Sobre os Mistérios, há que notar que, ainda que sejam
a primeira obra de Scheeben, contudo manifestam também
a opinião que ele tinha em sua velhice, já que Hõfer encon­
trou o manuscrito dos Mistérios, que estava já emendado
e a ponto de uma nova edição. Não se levou a cabo esta
publicação, porque Scheeben morreu. Hõfer incluiu estas
correções nos Gesammelte Schriften. (O compilador tinha
já publicado anteriormente um extrato dos Mistérios: “ Mat-
thias Josef Scheeben, Die Mysterien des Christentums, zu-
sammenfassend für weitere Kreise” , exposto por Friedrich
Fuchs, SVD, Editora Steyl. Foi traduzido para o francês,
italiano e espanhol.)
Não foram indicados os lugares onde se encontram as
passagens dos santos padres, cita Scheeben, já que ditas

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indicações tivessem, excedido o tamanho do livro. Podem
encontrar-se no texto original.
O estilo das explicações varia muito amiúde, por­
que Scheében escreveu para. diferentes leitores e trabar
lhou em seus originais durante 28 anos. Sua obra consta
de umas 4000 páginas, em grande parte com letra pequena.
O compilador esforçou-se por formar frases breves e claras
e por evitar tanto quanto possível as palavras estrangeiras
e os termos técnicos.
Em Rickenbach, Floresta Negra, festa de Santo Arnaldo,
18 de julho de 1970.

P e. F r. F u c h s , S V D

PRÓLOGO À SEGUNDA EDIÇÃO ALEMÃ

Dou graças a meus colegas pelas palavras de ânimo e


as propostas. Tenho-me esforçado por incluí-las no texto. Fo­
ram omitidos os capítulos II, 1: “ Unser Geist — ein Bild des
dreieinigen Gottes" (Nosso espirito — uma imagem de Deus
trino e uno) e III, 1: “Nur das W ort ist Fleisch geworden”
( somente a palavra se fez carne), porque são demasiado
difíceis de entender e não trazem tampouco nada essencial.

P. F r. F.

Em Rickenbach, a 23 de abril de 1971.

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O ESPIRITO SANTO

1 — CREIO, SENHOR, AJUDA A MINHA INCREDULIDADE!

1. De alguma forma temos de ser movidos, iluminados


e vivificados pelo Espírito de Deus, se temos de compreender
com vivacidade a doutrina do Espírito Santo sobre as pro­
fundidades da divindade, e os dons que emanam destas pro­
fundidades (cf. 1 Cor 2,10). O Espírito Santo irradia sua
luz sobre nós e nos põe realce e nos faz compreensível a
vida sobrenatural; esclarece a verdade e ilumina nossa inte­
ligência.
2. A graça da fé está naturalmente vinculada com esta
luz, porque o Espírito Santo abre o ouvido de nosso coração
e os olhos de nossa alma, para que compreendamos devida
e claramente, de boa vontade e com vigor, as riquezas da
herança divina (cf. Ef 1,17). As idéias de nossa razão se
transfiguram, se tom am vivas e concretas, correspondem
às verdades sobrenaturais, enquanto é possível explicar estas
verdades.
Se, com humildade, nos damos conta de que por nós
mesmos não podemos entender nada da vida sobrenatural,
estamos maduros para a iluminação do Espírito Santo.
O olho do coração tem que estar livre do orgulho, assim
como de toda imundície.
A humildade e a pureza não nos conduzem ainda acima
de nossa natureza, mesmo que tenham sua origem no Espíri­
to Santo; afastam somente os obstáculos para a fé e nos
predispõem para a irradiação e o calor vital do Espírito
Santo.

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3. Ele irradia sobre nós seu amor e sua vida. Faz com
que as verdades da fé cintilem em nós cálida e vitalmente
e procura que nos adaptemos a elas. Compreendemo-las
com maior facilidade, já que podemos experimentar e com ­
provar sua realidade. A vida que brota da fé, por intermé­
dio do Espírito Santo, vivifica em nós o que esta fé significa
para nosso espírito e para toda nossa vida.
Esta fé viva e amante nos une especialmente com as
verdades, nas quais Deus se mostra infinitamente bom e
amável. Abraçamos a verdade amada e penetramos nela.
A razão é arrastada no vôo do coração. Sua vista se aclara
e aumenta com o desejo do coração de possuir o bem infi­
nito, que brilha para nós na verdade. A fé atrai o coração;
o gozo e a alegria que nos produz cada raio de sua beleza
nos atestam com quanta magnificência, mas também com
quanta efetividade, nos oferece a vida sobrenatural.
O amor infundido pelo Espírito Santo assemelha-se à
verdade da fé; a verdade se reflete em nosso coração que
crê. Tornamo-nos semelhantes especialmente ao amor ex­
celso e à bondade divinos. Estes são fundamento e raiz de
todos os mistérios, por meio dos quais Deus, o supremo
bem, quer comunicar-se a nós. A quem compreende isto
com vivacidade, resultam mais inteligíveis e claros os mis­
térios mais excelsos e sublimes. Experimenta em si a força
e a graça deste amor divino, porque este amor é infundido
nele pelo Espírito Santo. Deste modo, em certo sentido, nos
transformamos em Deus e adivinhamos o amor que Cristo
sente por nós (cf. as cartas de São Paulo). Ser-nos-á muito
mais fácil entender de que forma o Pai, que é infinitamente
bom, comunica sua natureza ao Filho e ao Espírito Santo,
como enviou seu Filho ao mundo e com o pôde conduzi-lo
à morte mais infame e dolorosa.
Desta fé se desenvolve toda a vida sobrenatural que o
Espírito Santo nos inspira. Imprimimos dentro de nós mes­
m os suas leis e procuramos reformar nossa vida segundo
elas. Então nossa vida da graça manifestará e provará ainda
mais as verdades que cremos. A forca sobrenatural e a
calma espiritual, que tiramos desta manifestação, nos outor­
gam uma existência segundo a fé. Esta vida se ajusta admi­
ravelmente às nossas necessidades espirituais e aos nobres
impulsos da natureza. Resulta daí um cristianismo mais
compreensível e atraente para o próximo, em virtude do
exemplq de nossa vida cristã, porquanto os mistérios do

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cristianismo são conduzidos de uma distância longínqua pa­
ra uma presença próxima e íntima.
4. Quando o Espírito Santo irradia em nossa inteligên­
cia as verdades da fé de um m odo tão intuitivo, não desapa­
rece por isso a fé ou resulta supérflua, uma vez que continua
sendo a raiz de nossa vida sobrenatural. Sem a âncora da
fé, nosso coração nos poderia induzir ao erro; seu impulso
e seus sentimentos poderiam deformar a verdade e reduzi-la
a uma mera colocação solitária. A voz do coração nunca
pode substituir a luz da revelação. Só a luz interior não
nos faz contemplar as verdades da fé; estas degenerariam
em uma ilusão sentimental sem um testemunho externo obje­
tivo. Ainda que o Espírito Santo nos conceda a graça de
uma luz interior, esta somente se manifesta com o se fosse
meia luz na noite da razão, a aurora do dia celestial que nos
conduz com segurança, desde que adiramos com fé a nosso
guia divino que nos presta a informação sobre o que se vê.
A fé é somente substituída no céu pela luz da contemplação
glorificada de Deus, em virtude de Deus derramar sobre nós
de um m odo muito mais efetivo ainda sua luz interior, de
cuja plenitude ele fala e nos acolhe em seu seio, fonte e cen­
tro de todos os mistérios.
5. Os dons do Espírito Santo, especialmente o entendi­
mento e a sabedoria, nos permitem crer vitalmente e com
amor. Nossa vista toma-se penetrante, acima de nossa inte­
ligência para poder penetrar nas verdades acreditadas e as­
sim compreendê-las com clareza e precisão. O amor que se
nos outorga faz que o sobrenatural seja para nós doce e
saboroso.
Estes dois dons são a causa de que as almas sem instru­
ção, porém simples, puras e amantes de Deus, respondam
claramente e com segurança a altas questões de teologia,
maravilhando assim aos eruditos. Porém estes dons condu­
zem os teólogos, inclusive com a maior rapidez e segurança,
a usar de sua razão, devida e sobrenaturalmente.
Então seus pensamentos e palavras ficam impregnados
daquela unção celestial que outorga luz e gosto aos santos
mestres, para deixar maravilhados com vigor e persuasão a
vista e o coração de seus discípulos.1

1. M/108; D I 778ss.

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Vem, Espírito Criador,
visita a mente de teus fiéis.
Enche com excelsa graça
as almas que tu criaste.

Faze que por ti conheçamos


ao Pai e também ao Filho,
e creiamos em ti sempre,
o Espírito de ambos.

Hino de pentecostes

2 — 0 MISTÉRIO DA FÉ

1. O mistério cristão é uma verdade que Deus nos tem


revelado na palavra encarnada, e que nunca podemos medir
só com nossa razão. Podemos compreendê-la com maior
clareza, se a comparamos com verdades naturais que estão
mais próximas de nossa razão.2
2. Se Deus, para introduzir-nos em toda verdade, en­
via seu próprio Espírito, o Espírito da verdade que habita
em seu interior e ali perscruta as profundezas da divindade
(1 Cor 2,10), este Espírito não deveria revelar-nos algo novo
e maravilhoso, para que pudéssemos conhecer melhor o que
pertence à divindade?*
3. Não é a escuridão que nos torna valioso e querido
o mistério, senão a luz que nos descobre. Não nos parece
mais bela a aurora que o dia claro, precisamente porque,
por meio dela, se dissipa a noite escura e amanhece o dia
radiante?
Os mistérios são por si verdades luminosas, brilhantes;
não se subtraem à nossa vista porque sejam escuros ou
pouco claros, senão porque são demasiado brilhantes, subli­
mes e belos. Mesmo porque o olho humano mais forte não
pode acercar-se deles sem ficar deslumbrado.
Se o Espírito Santo, por meio de sua graça, nos tom a
aptos a dirigir, ainda que seja de longe, um olhar (cheio de
deslumbramento) às profundezas dos mistérios, há então em

2. M /2; D I 861SS.
3. M /l; D I 34 ad 2.

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nosso interior um maravilhoso amanhecer, e vemos a aurora
de um mundo celestial. Já então não nos damos conta da
escuridão que nos rodeava e que ainda nos rodeia; porque
um só raio da luz superior que nos ilumina, é bastante pode­
roso para pôr-nos em um êxtase indescritível.4
4. Damos graças a Deus, ao Espírito Santo, porque nos
revela os mistérios da fé, que ultrapassam de muito a nossa
razão; são incomparavelmente mais excelsos, sublimes e valio­
sos que os mais altos resultados da ciência humana.
Ainda que Deus levante só um pouco o véu de sua ma­
jestade, isto é para nós uma graça não merecida que temos
de apreciar e estimar em alto grau.5

4. M /l; D I 35ss.
5. M/3; D I 28ss.

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O ESPÍRITO SANTO EM DEUS

Nesta parte também vamos tratar mais extensamente das inter­


nas relações divinas da palavra divina, Já que, do contrário, só se
pode explicar com dificuldade a posição do Espírito Santo em Deus.

3 — 0 ESPÍRITO SANTO É DEUS

1. Ainda que o Espírito Santo, em nenhum lugar da


sagrada escritura, seja simplesmente designado com o Deus,
aparece, no entanto, em muitas passagens pelo contexto co­
m o único e verdadeiro Deus, da mesma forma que o Pai e o
F ilh o.1
2. O Espírito Santo pode permanecer como Deus em
nosso interior para encher-nos de vida divina e brotar, ao
mesmo tempo, amorosamente do Pai e do Filho no mais
íntimo de Deus. No Novo Testamento é apresentado como
a fonte de vida. Para nós, para o corpo e para a alma, é a
origem da vida sobrenatural, da vida eterna. Ilumina e ins­
trui, inspira e embebe, santifica e transfigura, purifica e
robustece. Derrama sobre nós o amor de Deus. Comunica-
-nos a vida e a glória dos filhos de Deus. Oferece-nos esta
filiação com todas suas graças e dons. Mora em nós com o
em seus templos. Enche-nos para falar conosco e atuar em
nós.
O Espírito Santo quer ser honrado também com o senhor
deste templo. Devemos reconhecê-lo com o nossa vida e nos-

1. D II 770.

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sa glória, já que possui a mesma santidade divina. Pode
morar no mais íntimo de nosso espírito, porque somente
com o Deus é simples e imenso. Nossa vida sobrenatural se
mostra com o divina e espiritual, porque é dom do Espírito
Santo.2
3. O Espírito Santo tem também que ser Deus, já
que se diz dele no Credo: “falou pelos profetas” . Segundo
a escritura, o Espírito Santo penetra tudo, por isso também es­
quadrinha e examina todos os mistérios das criaturas, inclu­
sive seus desejos mais íntimos e tudo o que resolvem ou
decidem para o tempo futuro. Porém, ao mesmo tempo co­
nhece também os mistérios que estão latentes nas profunde­
zas de Deus, com o se diz em muitas passagens da escritura.
Conhece-os em sua última origem e nos pode comunicá-los.
Está em nós com o somente Deus pode estar em si mesmo.5

4. O Espírito Santo, por ser Deus, é digno de ser ado­


rado por nós. Também tem naturalmente direito de per­
doar-nos os pecados, de proporcionar a determinados ho­
mens poderes espirituais, sobrenaturais, e de enviá-los a ou­
tros homens. 4
5. O Espírito Santo acredita-se a si mesmo como Deus,
porque na escritura as qualidades divinas e sobrenaturais
da humanidade de Cristo são atribuídas em última análise
ao Espírito Santo; Ele as dirige e domina. A Ele se atribui
a unção divina, pela qual Jesus vem a ser o ungido, “ Cristo” .
Consegue a unção pessoal da segunda pessoa de Deus com
Cristo. É designado com o o óleo da divindade, que se verte
na humanidade de Cristo.
No capítulo oitavo da carta aos romanos se atribuem
ao Espírito Santo, com o outras vezes ao Pai, a ressurreição
e a glorificação de Cristo.5

2. D II 762-777. Mais adiante se trata mais extensamente da


maioria dos textos da sagrada escritura nesta secção. Os textos são
os seguintes: Jo 6,63; 2 Cor 3,6; Rom 8; 1 Cor 6,11; 2 Cor 3,18; Rom 5,5;
Jo 14,26; At 1,8; Rom 8,15; 1 Cor 12,16; Mt 10,20; cf. a este respeito
Die Allgegenwart G ottes in allen Dingen (D II 360-375).
3. D II 778s.
4. D II 776s; cf. Jo 20,22; At13,2; 20,28; o Credo da missa.
5. D II 781s; cf. Jo 6,63; Lc 4,1; 18;Hbr 9,14; Mt12,28; cf. tam­
bém a terceira parte deste livro.

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4 — A PROCEDÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO

1. No Credo da santa missa, confessamos que o Espí­


rito Santo procede do Pai e do Filho. Isto se testemunha
com tanta freqüência no Novo Testamento, que não o pode­
m os pôr em dúvida. Assim com o se lhe chama Espírito do
Pai, se o chama também Espírito do Filho, e também Espí­
rito de Cristo. Se procede do Pai com o Espírito da verda­
de, também procede do Filho, já que o Filho é a verdade
pessoal do Pai. Toma somente o que a palavra recebe do
Pai e possui simultaneamente com Ele. Além disso, Cristo
fala também de que Ele, com o o Pai, enviará o Espírito, o
qual somente é possível se este recebe também da palavra
de Deus sua eterna existência.6
2. Os santos padres, nos países orientais, para a pro­
cedência do Espírito Santo no seio de Deus utilizam sempre
a fórmula: “ do Pai por meio do Filho” , enquanto no ocidente
se tem propagado paulatinamente a fórmula: “ do Pai e do
Filho” . Porém, inclusive Leão III, que morreu em 816, não
quis tolerar esta fórmula, quando Carlos Magno lhe pediu
que se permitisse rezá-la no Credo. Somente a partir de
Leão IX, falecido em 1054, esta fórmula foi empregada
também habitualmente no ocidente. Nos esforços por conse­
guir a união nos séculos X III e XIV, os papas nunca exigi­
ram a fórmula ocidental, o que demonstra uma grande pru­
dência. 7
3. O Espírito Santo, em sua procedência do Pai e do
Filho, não se alheia da substância destes. Permanece unido
ao coração de ambos, com o a chama às brasas, das quais ela
procede, como a flor à planta, da qual brota.
O Pai não pode existir sem o Filho, e o Filho e o Pai
não podem existir sem o Espírito Santo. Cada um recebe
a natureza divina dos outros e a possui para os outros.
Esta posse diferente é essencial para sua comunicação.
O Espírito Santo une ao Pai e ao Filho com o resultado
de seu mútuo amor. É coroa e selo de Deus trino e u n o.8

6. D II 784-788: Gál 4,1; Rom 8,9; 1 Pdr 1,11; Flp 1,19; Jo 16,13-15;
14,16; 26; 15,26; 16,7.
7. D II 875; 883.
8. M/19; D II 849ss.

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4. Os santos padres comparam a origem que o Espí­
rito tem do Pai por meio do Filho, com a formação que Eva
teve de Adão.
Adão foi criado imediatamente por Deus, com o o Filho
foi engendrado imediatamente pelo Pai. Porém, Deus for­
mou a Eva valendo-se de Adão; portanto, Eva procedeu de
Deus e de Adão, como o Espírito Santo procede do Pai e do
Filho. Adão aparece com o imagem do Pai, por isso é seme­
lhante ao Filho, que também procede com o figura do Pai.
Eva, no entanto, é uma figura do Espírito, já que foi criada
por Deus por meio de Adão, com o o Espírito Santo procede
do Pai por meio do Filho.
A coragem e sabedoria da palavra divina se refletem
em Adão, o homem, enquanto que em Eva, a mulher, encar­
nam a doçura e bondade do Espírito Santo.
O símil corresponde mais à doutrina dos gregos, e mos­
tra, de um m odo muito belo, como Deus nos põe sua ima­
gem ante os olhos na natureza humana.9
5. Eva se parece também com o Espírito Santo, por­
que este é efusão e foco do Amor do Pai ao Filho e do Filho
ao Pai. Eva é a mãe do gênero humano, e vem do Pai por
meio de seu marido Adão. Não é engendrada por Adão,
senão que é tomada de seu coração. Adão lhe dá com amor
a origem, porém somente da parte de Deus, que dá a vida
a ele e a ela. O Espírito Santo tampouco é engendrado pelo
Pai, como o é o Filho, senão que flui dele por meio do Filho.
O nome de Eva significa vida irradiante, mãe de todos os vi­
ventes, ela é a alma mãe (mater alma), a mãe vivificante. Não
chamamos também ao Espírito Santo o Espírito vivificador,
o Spiritus almus, o Espírito vivificante?
6. Esta comparação nós a podemos estender ao segun­
do Adão, Cristo. Fluiu de seu coração sangue vivo, quando
ele pendia da cruz, e deu a vida à sua esposa virginal, a
Igreja. Com o sangue do coração do redentor fluiu também
seu Espírito, por meio do qual a Igreja obsequia com seu
amor ao esposo divino. Como o sangue flui do coração e
com ele o Espírito, assim na divindade o alento divino flui
do Pai ao Filho e com o alento o Espírito Santo, no qual o
Filho faz refluir o amor ao P ai.10

9. D III 375.
10. D II 1019-1024: especialmente 1019, nota 6.

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5 — COMUNICAÇÃO DE VIDA EM DEUS

1. Deus, trino e uno.


1. A natureza divina é absolutamente viva; o que nela
se produz é tão vivo com o ela mesma. Os nomes das comu­
nicações divinas de vida, “ engendrar” e “ exalar” , manifes­
tam uma vida suprema.
Como a atividade vital em Deus somente pode ser ima­
terial, tem que comunicar sua vida conhecendo e amando.
Porém o conhecimento e amor de Deus são infinitos e perma­
nentes; por isso também produzem resultados infinitos e
permanentes. Ainda que esta doutrina não seja dogma de
fé, no entanto dificilmente pode ser negada.
2. Ainda que Deus não nos houvesse revelado, podemos
saber que em Deus tem de haver conhecimento e amor, porém
por nós nada sabemos dos resultados destas atividades. A
sagrada escritura nos ensina que Deus dá uma expressão
a seu conhecimento e que o manifesta em uma palavra inter­
na. Ensina-nos assim mesmo que Deus faz florescer seu
amor e que em um suspiro interno de amor: 1) exala o
amor que leva em si mesmo e em sua palavra, e 2) este amor
é selado com um beijo e colocado em uma prenda.
3. Entre nós, os homens, se podem expressar o conhe­
cimento e o amor dirigidos para fora e para dentro.
A expressão externa é por sua vez dupla: o que conhece­
mos, o expressamos por meio de uma palavra. Deste m odo
designamos nosso pensamento e simultaneamente a imagem
que está estampada por meio deste pensamento.
Algo parecido sucede com Deus.
Todas as coisas que Ele chama à existência são uma ex­
pressão de seus pensamentos. As palavras que Ele tem pro­
nunciado, nas quais se revela, são imagens que Ele tem for­
madas de acordo com suas idéias.
A expressão de nosso amor é o suspiro ou o alento de
vida, no qual se derrama nosso amor; é a prenda na qual
colocamos o dom com o amor e pela qual queremos unir-nos
com a pessoa amada.
Qualquer vida e qualquer felicidade das criaturas é ex­
pressão e eflúvio do amor divino, uma exalação que emana

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de Deus, uma prenda e um dom pelo qual Deus ama a cria­
tura e a une consigo.
4. É distinta a expressão interna do conhecimento em
Deus e no homem.
Quando conhecemos uma coisa, esta se grava em primei­
ro lugar em nossa alma com o imagem; depois, esta imagem,
por meio do conhecimento, se estampa em uma palavra da
inteligência, que é distinta do conhecimento.
Em Deus não há transição do conhecimento ao desco­
nhecido, ou vice-versa; Deus é imutável e onisciente. Como
Deus é simples, seu conhecimento tampouco pode ser distinto
de sua sabedoria. Seu conhecimento tampouco pode ter ori­
gem no tempo, já que Deus é eterno. Não se podem distin­
guir Deus com o conhecedor e a palavra ou imagem conheci­
da de Deus.
Deus tampouco pode criar sua palavra ou imagem para
conhecê-la, senão somente porque se conhece com a plenitu­
de e realidade exuberantes de seu conhecimento infinitamente
fecundo, que por isso somente o pode expressar de uma for­
ma perfeitamente adequada uma palavra que permanece no
seio de Deus. Esta palavra é o Filho de Deus. Isto não nos
ensina nossa razão, senão a fé. A sagrada escritura fala do
Filho do Pai com o palavra, imagem, figura ou caráter do
Pai, com o a nítida emanação da claridade do Deus Todo-Po-
deroso, com o o fulgor da luz eterna, com o o espelho imacula­
do da divina majestade, com o a imagem de sua bondade.
5. Entre nós, os homens, só com grandes dificuldades
se pode distinguir do amor a expressão interna do mesmo.
No entanto, todos sabemos que se distinguem da alma com
clareza e evidência.
Em Deus não há nenhum momento no qual não ame;
o amor de Deus é Ele mesmo em sua realidade mais pura.
O amor de Deus não é menos fecundo que o divino conheci­
mento, porque é ubérrimo e eterno. Não se faz brotar como
pessoa o mesmo amor, senão a exalação do amor: o Espíri­
to Santo. Ele é a chama, a exalação, o penhor, a dádiva, a
união, o abraço, o vínculo, a unidade, por meio dos quais
o Pai e o Filho estão unidos em uma paz imperturbável.11

11. M /10; D II 833ss.

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6. As comunicações de vida em Deus são eternas com o
o mesmo Deus; não têm princípio nem fim, com o o têm
a criação ou o conhecimento e o amor nos homens. Nem o
Espírito Santo, nem a palavra têm em algum lugar sua
causa em Deus por meio de algum movimento que começa
ou passa. Pernetuamente são produzidos e perpetuamente
têm sua origem em Deus. São eternos; o Pai é eterno, o
Filho é eterno e o Espírito Santo é eterno, com o a vida de
Deus é eterna: igualmente eternos — igualmente divinos.12
7. A palavra e o Espírito Santo procedem natural e
imediatamente da natureza de Deus; a palavra, com a mais
clara consciência do entendimento divino; o Espírito Santo,
com a suma complacência da vontade divina.15
8. Se fazemos algo, aperfeiçoamo-nos; porém, se Deus
comunica sua vida às pessoas, não pode deste m odo aper­
feiçoar-se, posto que as comunidades de vida já pertencem
essencialmente às pessoas respectivas; mais ainda, são as
mesmas pessoas. Portanto, no fundo somente são relações
sem as quais as pessoas não existiriam. O Pai não pode
existir sem o Filho, e o Filho não pode existir sem o Pai,
como o Espírito Santo tampouco pode existir sem o Pai e o
Filho, e estes não podem existir sem o Espírito Santo.14
9. Por isso fica inteiramente excluído que o Espírito
Santo seja menos que o Pai e o Filho, exatamente com o o
Filho não pode estar abaixo do Pai. O Pai não pode existir
sem o Filho, assim como tampouco podemos pensar no Pai
e no Filho sem o Espírito Santo; sempre estão mutuamente
relacionados, já que as comunicações de vida não existem
em Deus com discrição, senão natural, perene e perpetua­
mente. 10
10. Em Deus, nenhuma pessoa tem uma dignidade su­
perior às outras; todo o ser de cada pessoa existe essencial­
mente para as outras; as três são Deus em sua origem. O
Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. Cada
pessoa possui essencialmente a divindade que as vincula
entre si na dignidade e igualdade suprem a.16

12. D II 981.
13. D II 983.
14. D II 984.
15. D II 990.
16. D II 991.

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2. Palavra e imagem. Prenda e dom.
1. A palavra designa a expressão do conhecimento e a
imagem do objeto conhecido. Em Deus, o conhecimento e o
objeto são iguais: sua divina essência. A palavra e a ima­
gem são irradiação e clarão de luz divina, porque Deus é
luz; já que Ele é a verdade permanente, reúne o cognoscível
e o conhecimento em um sd ser: na divina essência.17
2. Na segunda comunicação de vida, Deus ativa seu
amor perfeito, e o resultado deste amor é o Espírito Santo.
Por isso na escritura se chama hálito, dom ou prenda. É
próprio do conhecimento buscar uma expressão de si mes­
mo; no entanto, é próprio do amor verter-se em outro ser.
Se duas pessoas humanas se amam, o amor que levam em
seus corações o derramam um no outro, e se tornam mútuos
regalos com o prendas de seu amor. A prenda forma então
um laço entre os amantes.

17. D II 948s. A palavra não é um som passageiro. Tem poder


para separar e unir; como palavra consagrante, une; como palavra
exorcizante, separa. É rede e arma. É criadora. Por meio de sua
palavra, Deus cria o universo. A palavra divina não somente é afir­
mação e instrução, senão que sempre é chamada e ordem, "cortante
mais que espada de dois gumes" (Hbr 4,12). Consegue o que preten­
de. E um profeta em cuja boca está a palavra divina. Jesus é a
palavra do Pai. Logra, mediante sua palavra, o perdão dos pecados,
a cura. Isaías descreve o poder benéfico da palavra de Deus, dizendo
que não voltará vazia (55,11).
Para o judaísmo é muito mais importante ouvir que ver...
A bênção é uma transferência de forças saudáveis, efetuada por
meio da palavra...
A saudação também é uma palavra de bênção...
A convocação é um chamamento de poderes...
O juramento é uma invocação... A sentença de excomunhão ex­
pulsa o homem da esfera sagrada. O exorcismo é uma maldição dos
poderes pessoais do infortúnio. A fórmula transmitida de culto é
intangível; sua mudança significaria um debilitamento de sua força
ativa. Têm ficado sem traduzir importantes palavras usadas nas
orações, como Amém, Aleluia, K yrie...
A invocação da divindade é mais que uma saudação; é um cha­
mamento real...
A pronunciação do nome já significa participação... A forma pri­
mitiva da oração é o hino que invoca a Deus com respeito e confian­
ç a ... Tendo em conta tudo isto, não se pode dar assentimento ao
parecer de Heiler, segundo o qual a oração primitivamente foi a pes­
soal efusão do coração do indivíduo e, só mais tarde, se converteu
"na forma imóvel, rígida", no “ofício impessoal do sacerdote"; este
parecer desconhece a prioridade da palavra de culto e a fé primordial
no poder das palavras que se dizem na comunidade... (MZ 247ss).

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Entre o Pai e o Filho não há em Deus nada externo que
seja suficientemente grande para expressar seu amor mútuo.
A efusão de seu amor somente pode ser um hálito interno,
uma prenda interna: a terceira pessoa da divindade, ou seja,
o Espírito Santo.18
Deus é a suma bondade e a mais perfeita beleza. Deus
não pode proceder de outra maneira, há de amar-se, há de
ter uma interna complacência em si mesmo, na palavra que
expressa esta beleza. O Pai e o Filho têm que amar-se,
porque gozam da posse comunitária desta única bondade e
beleza. O Pai exala de certo m odo seu amor ao Filho e
confirma assim sua viva solidariedade. O Pai exala na pala­
vra o ardor e a força de seu amor. O Pai sela conjuntamente
seu amor e o amor do Filho.
Este hálito, este suspiro form a o laço que os une, con­
verte-se na prenda deste laço de amor. Nele, o amante se
oferece em posse ao amado, e o amado ao amante. Este laço
se converte no beijo entre o Pai e o Filho. Ambas as pessoas
se abraçam no Espírito Santo; esta é a prenda, o laço, o
beijo, o abraço com que se unem o Pai e o Filho.
Deus, o bem infinito, só pode comunicar-se de uma ma­
neira infinita. Como seu amor se manifesta com o doação e
efusão de amor, o fruto desta liberalidade se chama dom.
Também este nome é próprio do Espírito Santo. Contudo, a
palavra dom é equívoca, já que pode designar também a co­
municação externa da bondade de Deus.
O amor divino flui entre o Pai e o Filho com infinito
gozo e bem-aventurança, com o um arroio que esparge gozo
e doçura de Deus, com o um fogo com o qual arde a chama,
com o um fogão cheio de brasas, do qual procede o calor do
alento. Este simboliza, com o um beijo, a união com o ama­
do e a entrega a e le .19

18. D II 946, 950; cf. todo o parágrafo.


19. D II 951. O vento é como um alento mundial, presente em
todas as partes, que vivifica, refresca, leva longe a semente (regalo
dos camponeses: "muito vento, muita fruta” ), quebra as rodas e
arranca árvores da raiz, causa tormentos e aguaceiros. O vento é
designado em muitas línguas com o mesmo nome que o alento d~s
animais e dos homens, que se identifica por sua vez com o espírito
vital, a alma, o espírito (ruaj, pneuma, spiritus). O vento é o lugar
dos espíritos dos mortos Ca legião de Wotan, a casa silvestre, os
espíritos que estão nos ares). É experimentado como vida, como
divulgação do deus misterioso no Universo. Levam-se-lhe sacrifícios

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3. Verdade. Santidade.
1. Tem de ser distinguido em Deus o conhecimento da
palavra, que é a expressão do conhecimento, com o também
a efusão do amor, o Espírito Santo, do mesmo amor; porém
tampouco se lhes pode separar nem desligar um do outro,
como se fossem muito diferentes, já que têm lugar em Deus
com o comunicações de vida e também encontram seu termo
em Deus, o simples e imutável. Nos pensamentos de Deus
resplandece e vive o conhecimento divino, com o é em si pró­
prio: ele mesmo é colocado com o essência de Deus em sua
expressão, a palavra.
A efusão do amor de Deus tampouco é somente a força
ativa deste amor, senão que o mesmo amor se inflama e
cresce com o essência de Deus no Espírito Santo. 20
2. A palavra e o hálito de amor são muito perfeitos e
reais, já que estão inteiramente em Deus. A palavra está no
mais íntimo de Deus, vitalmente e em infinita transcendência.
A efusão de amor, o Espírito Santo, também está no mais
íntimo de Deus, com perfeita santidade e indescritível gozo.
Como o conhecimento de Deus não só é um débil reflexo
da verdade, senão a verdade permanente, que pode subsistir
em si mesma, também a palavra tem que ser a verdade mes­
ma. E com o o hálito de Deus é a santidade permanente
do mesmo Deus, também o Espírito Santo tem que ser a
santidade mesma.
Dado que o conhecimento e o amor estão arraigados na
essência de Deus, a verdade e a santidade, a palavra e o
espírito são idênticos à substância do Pai, com a única dife­
rença de que participam da substância de Deus de distinta
maneira.
3. O coração de Deus verte toda sua força vital e toda
sua substância em seu alento, o Espírito Santo. Nesta pren­
da de amor, o Pai e o Filho estão unidos e fundidos entre

de cereais ou farinha (forragem do vento). É poderoso como tor­


menta e delicado como hálito ligeiro. Ao mesmo tempo é criador
("o espírito (ruaj) de Deus estava incubando sobre a superfície das
águas”, Gên 1,2) e destruidor. MZ 116, quando se trata do tema:
K osm ische Sym bole (símbolos cósmicos). (A palavra alemã "Atem”
(alento) provém do antigo vocábulo índio “atman", que equivale a
hálito, alma, espirito).
20. D II 955.

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si, não só simbolicamente, senão de acordo com toda sua
substância. Toda sua vida e toda sua bondade estão essen­
cialmente contidas nessa prenda de amor. Neste fruto da
generosidade vive a vontade liberal de Deus, essencialmente
unida com toda sua riqueza e sua infinita bondade.21

6 — 0 ESPÍRITO SANTO COMO PESSOA

1. O conceito de “pessoa” .
1. Depois que a Igreja foi perseguida nos três primei­
ros séculos, teve que se haver, enquanto pôde gozar de liber­
dade, com as heresias que tinham brotado em seu próprio
seio. Via-se obrigada a designar a unidade de Deus com o
unidade de essência e de natureza, e ao mesmo tempo tam­
bém devia encontrar para os três participantes desta natu­
reza um nome comunitário que os designasse com o possui­
dores da natureza e os distinguisse também entre si. Já
Tertuliano (t 220) utilizou para este fim o nome de “ pes­
soa” , que se impôs paulatinamente com grande dificuldade
e amiúde sem ser com preendido.22
2. A pessoa é possuidora digna e potente de uma natu­
reza intelectual; apresenta-se ante outros possuidores de dita
natureza sem fundir-se com eles e tem que ser apreciada por
esses com o ela se aprecia a si mesma. Tudo isto diz respeito
às três pessoas divinas, Pai, Filho e Espírito Santo.
As pessoas criadas não são totalmente independentes,
porque têm sobre si a Deus como origem e último fim.
Ademais, sua natureza é criada de novo em cada pessoa par­
ticular; diferenciam-se portanto entre si por parte da natu­
reza. Não procedem da mesma natureza e tampouco se têm
que apreciar e amar necessariamente, senão seguindo o man­
damento moral do amor ao próximo.
Como as pessoas divinas são partícipes da infinita natu­
reza divina, possuem uma dignidade e uma perfeição abso­
lutamente supremas e só se distinguem entre si como pes­
soas, porém não na natureza. O Pai tem a natureza divina
primordialmente, o Filho a recebe do Pai, e o Espírito Santo
a recebe do Pai e do Filho. Esta relação de origem é eterna

21. D II 956ss.
22. D II 893s.

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e vincula essencialmente as três pessoas entre si, de tal for­
ma que, necessariamente, se têm de apreciar e am ar.23
3. Em uma pessoa criada somente pode haver uma na­
tureza, que faz da pessoa uma substância particular, porém
a natureza divina é tão rica e poderosa que pode subsistir
em uma forma tripla e aparece em três pessoas.
Cada uma das três pessoas possui desde toda a eterni­
dade a natureza divina para si, porém só enquanto simulta­
neamente a possui também para as outras duas pessoas ou
a obtém delas: assim, pois, estão necessariamente relaciona­
das entre si por meio de seu caráter pessoal; cada uma re­
presenta de distinto m odo a natureza divina com o perten­
cente a si mesma. Os nomes das pessoas expressam estas
relações: o Pai gera ao Filho, e ambos exalam ao Espírito
Santo.24
4. Deus não passa, com o as criaturas, de não-ser a ser,
de não-atuar a atuar, do imperfeito ao perfeito. Deus é o
ser, a mais pura realidade, a perfeição ilimitada; por isso
somente Ele pode comunicar toda sua essência indivisa. O
receptor possui também a natureza inteligente de Deus; é
pessoa divina. Por conseguinte, os resultados das comuni­
cações da vida de Deus, de seu conhecimento e de seu amor,
são verdadeiras pessoas que só se diferenciam das outras
na maneira com o possuem a natureza divina.25

2. As pessoas divinas.
1. Em Deus tem que haver um portador e possuidor
original da natureza divina, uma pessoa não produzida. A
esta chamamos Pai. Tem o conhecimento divino original­
mente, conhece-se a si mesmo e sua substância. É a origem
da palavra, na qual se expressa este conhecimento.
Por meio desta palavra anterior, não somente se comu­
nica um pensamento, senão que esta palavra acolhe em si
também simultaneamente o conteúdo do pensamento que não
é mais que a essência de Deus, que assim também fica conti­
da na palavra. O Pai não somente fala por meio da palavra,
senão que fala também a ela.

23. D II 901s.
24. D II 904; 909s.
25. D II 910; M/13.

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2. O Pai e o Filho são infinitamente bondosos e amá­
veis; têm que amar-se mutuamente. O prazer com que o
Pai e o Filho amam e possuem a mesma natureza, e gozam
dela, é ubérrima e somente se se pode expressar de tal form a
que o Pai e o Filho façam fluir esta natureza para uma ter­
ceira pessoa que acolhem em sua comunidade. O que pos­
suem os dois, sem perdê-lo, comunicam inteiramente ao Espí­
rito Santo.
O Espírito Santo é a prenda que o Pai e o Filho permu­
tam êm seu amor. O Espírito Santo coroa este amor, não
de m odo impessoal, com o um regalo que se dão aos homens,
senão que uma terceira pessoa que se reúne com as duas e
vive entre elas. É o hálito e o beijo, no qual o Pai e o Filho,
com a absoluta unidade e plenitude de seu coração comuni­
tário, demonstram seu amor com uma eficácia infinita, aco­
lhendo nesta unidade à terceira pessoa. O Pai, o Filho e o
Espírito Santo são em verdade e com plenitude um coração
e uma alma.
Em Deus não pode produzir-se uma quarta pessoa, já
que a natureza espiritual não pode ter mais que conhecimen­
to e amor. A palavra como pessoa representa a divina sabe­
doria; o espírito corresponde à fecundidade do amor divino.

3. O espírito criado necessita de sua inteligência e com


ela expressa uma palavra interior para ter consciência da
mesma; o espírito criado necessita de sua vontade e com
ela ama a si mesmo para desfrutar de si próprio. Porém
Deus expressa sua palavra para revelar à palavra a plenitude
de seu conhecimento próprio em um ato eterno que nuncà
se modifica: o Pai e o Filho exalam seu amor para comunicar
ao Espírito Santo sua própria bondade ubérrima. 26

3. Companheiro do amor.
1. A palavra de Deus, não somente é uma palavra por
meio da qual Deus fala, senão que é uma pessoa à qual
Deus-Pai fala, comunicando sua sabedoria; esta pessoa tam­
bém pensa e fala. Pode ser enviada ao mundo e representa
ao Pai.

26. D II 912ss; M/13.

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Assim mesmo, a efusão do amor divino, o Espírito San­
to, não somente é hálito ou prenda do amor entre o Pai e o
Pilho, senão que é também uma pessoa que é acolhida na
aliança do Pai e do Filho, é amante e assim mesmo amada,
e aparece com o companheiro do a m or.27
2. A vida que provém da natureza de Deus se comu­
nica com o um ato de conhecimento à palavra divina.
O Espírito Santo obtém a vida por meio da decisão da
vontade do Pai e do Filho, de acolhê-lo em sua comunidade
com o terceira pessoa e companheiro. Ele recebe do amor
divino a vida divina.28
3. A ordem de sucessão: Pai, Filho e Espírito Santo,
é fixa e inamovível. O conhecimento supõe uma pessoa co­
nhecedora, que expressa a palavra e a quer também amar.
O amor, por meio do qual o Espírito Santo é exaltado, supõe
essencialmente duas pessoas, já que o amor tem sua origem
no conhecimento fecundo entre o Pai e sua viva imagem, a
palavra, e por isso é essencialmente amor recíproco. Por
meio deste amor, o Pai e o Filho se entregam ao Espírito
Santo.29

4. Os nomes ãa terceira pessoa.


a) Espirito
1. Deus vive com o espírito puro, com poder e por to­
da a eternidade. Sua vida superabundante penetra nas
três divinas pessoas.
O conhecimento de Deus irradia luz e sabedoria; por
isso na sagrada escritura se designa a segunda pessoa da
divindade com os nomes de palavra, sabedoria, imagem,
cópia, espelho ou reflexo.30

27. D II 967; 969.


28. D II 970.
29. D II 974.
30. D II 927-936;1002; 1004. Os homens, nos temos tornado
rudes. Já não sabemoscoisaalguma de coisas profundas e delica­
das. A palavra é uma delas. Pensamos que é algo externo, porque
já não percebemos seu interior. Pensamos que é algo passageiro, por­
que Já não experimentamos sua força.
A palavra não empurra, não golpeia, 6 somente produto delicado
de som e timbre, porém é um pouco sutil para algo espiritual. A
essência de uma coisa e algo de nossa própria alma, que aparece ante
dita coisa, se encontram e adquirem expressão na palavra...

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Na escritura, não se chama tão claramente à terceira
pessoa da divindade com nomes determinados, porém nunca
se a atribui ao conhecimento de Deus, de tal forma que sua
vida somente pode estar comunicada por meio da vontade
de Deus. Atribuem-se ao Espírito Santo muitas coisas pelas
quais ele representa o amor divino. Quando no século IV

As palavras são nomes. E a linguagem é a arte excelsa de dedi-


car-se ao nome das coisas; à essência das coisas e à essência da
própria alma em sua consonância querida por Deus.
Temos pronunciado nomes de uma maneira cada vez mais rápida,
superficial, externa, e cada vez temos pensado menos na essência
interna. Nós os temos transmitido, como se transmite uma moeda de
mão em mão: não se sabe que aspecto tem, que há acima, somente
se sabe que se obtém tanto e tanto por e la ...
Só às vezes nos assustamos. Então clama de pronto a nós desde
essa palavra como desde causas primitivas. A essência nos chama...
Destaca-se o "nome", a essência, a resposta da alma. Sentimos de
novo então a primitiva experiência, na qual o espírito encontrou a
essência da coisa... e a palavra é outra vez aquela primeira obra
que Deus chamou ao espírito humano. Porém logo tudo se funde
outra vez, e a máquina de contar soma de n ovo...
O nome de Deus é misterioso. A essência do infinito brilha atra­
vés dele; é essência de Deus, "é o que é” , com uma santidade infi­
nita e uma plenitude imensa do ser... (HZ 62ss).
Mediante o nome, se manifesta a essência de uma pessoa ou coi­
sa. .. O nome é o símbolo do pensado e pode representar sua posi­
ção. Em primeiro lugar, o nomeado é "digno de linguagem”. Cf.
"fazer-se um nome”, "perder o bom nome". O que precisa de nome,
carece de essência...
Adão deu nome aos animais. O nome dado ao recém-nascido o
introduz na realidade social. O fato de dar o nome de um santo
coloca o homem sob a custódia do seu patrono...
O nome dura mais tempo que a existência física. Em muitos
povos não se podem dizer os nomes dos m ortos...
Os exorcismos também podem ser feitos por incrédulos “em
nome de Jesus”, porque o que interessa é o nom e...
Em quase todas as línguas têm um significado simbólico os
nomes próprios, que estão unidos com as pessoas que os levam,
formando uma unidade indissolúvel...
Quem pronuncia um nome, participa na pessoa que o leva...
Cf. a proibição judia de pronunciar o nome de Deus...
A comunicação do nome próprio é um ato de suma confiança e
de autêntica doação de si mesmo (cf. Êx 6,3; Moisés chega a saber
o nome de D eus)...
A mudança de nome é uma ingerência gravíssima na existência.
Regra geral, a existência deve ser elevada deste modo. A Simão se
chama Cefas. Os apodos podem elevar ou também rebaixar.
As estrelas, os meses, os dias entre os romanos obtiveram nomes
dos deuses. As cidades, os povos, os rios e montanhas obtêm nomes,
e são postos assim em relação com seus superiores...
O apagar de nomes de listas ou pedras comemorativas, significa
a morte civil... (MZ 258ss).

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teve que ser defendida a divindade do Espírito Santo contra
os hereges, os padres gregos falaram dele com o de santida­
de vivente no amor mais luminoso e puro. No ocidente se
designava mais com o amor recíproco, com o amor de comu­
nidade e unidade do Pai e do Filho. Este amor se apresenta
por sua maneira de ser com o amor santo.31
2. As outras duas pessoas também poderiam chamar-
-se Espírito ou Espírito Santo, porque elas possuem a natu­
reza de Deus, que é espiritual e santa em sumo grau.
Poder-se-ia designar ao Espírito Santo com o procedên­
cia, porém também o Filho procede do Pai; além disso, tam­
bém se pode conceber esta palavra de um m odo impessoal.
O nome de entrega tampouco nos dá uma imagem clara da
origem da terceira pessoa, porque qualquer ser espiritual
pode entregar-se a Deus.
Se se explicam mais estas expressões, se logra uma ima­
gem viva da terceira pessoa da divindade, que nos reflete
o Espírito Santo com bastante clareza. O melhor é consi­
derar conjuntamente as duas expressões: Espírito e pro­
cedência.
Também se usa a palavra espírito para designar o alen­
to ou o hálito. Em Deus notamos a efusão de sua vida no
hálito de seu coração. Como no engendramento do Filho,
vemos nesta efusão a procedência de uma pessoa.
Se duas pessoas estão unidas, são de “ um mesmo espí­
rito” ; simpatizam entre si amorosamente, vivem uma para a
outra e uma em outra. Tudo fazem uma para a outra, com o
se fizessem para si mesma; tudo o que uma sofre e experi­
menta, a outra o acolhe com o se o houvesse sucedido a si
própria. Desejam com ardor ser uma só coisa, viver uma
com a outra; ficam dominadas pelo êxtase do amor. Este
desejo de ser uma só coisa com o amado, aspira natural e
poderosamente a unir-se com ele também em realidade. Os
amantes procuram fundir suas vidas.
Quando o amor tem seu fundamento mais natural e efe­
tivo, e se dá a conhecer da maneira mais pura e delicada,
o anelo tem também sua máxima força. A mãe levou sob
seu coração ao menino que agora descansa em seu seio, o
menino recebeu dela sua vida e ainda tira vida e vigor do

31. D II 939.

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peito materno. Como manifestará o menino com mais viva­
cidade seu amor interno, senão pelo beijo que imprime na
boca da mãe? E que outra coisa exige o coração materno,
senão dar uma vez mais sua vida ao fruto de seu seio por
meio de um beijo? O alento vital de ambos se fusiona em
um, seus corações concordam em uma vida, suas almas em
um espírito.
3. O hálito, com o alento vital, facilita a unidade preten­
dida pelo amor no beijo e expressa esta unidade. Assim o
beijo vem a ser para nós um símbolo gráfico e vivente da
terceira pessoa da divindade. São Bernardo, com os Santos
Padres, chama ao Espírito Santo o “ beijo do Pai e do Filho,
o beijo mais doce e misterioso” . Porém em Deus não há
duas vidas que anseiem fundir-se, aqui somente há um alen­
to, um coração, uma vida. E o beijo não somente expressa
este anelo, senão que é portador da vida. O Pai e o Filho
exalam o alento vital na terceira pessoa com o ardor vivo
de seu coração comum. Este alento é o Espírito Santo.
Porque os amantes comunicam com o alento a própria vida:
o Espírito Santo vem a ser receptor, portador e possuidor
desta vida, por conseguinte é uma pessoa, com o também o
são o Pai e o Filho. Como o Filho aparece engendrado por
meio da unidade da palavra e da imagem, assim também o
Espírito Santo é uma substância independente, viva, por meio
da unidade do alento vital. A corrente de vida não flui atra­
vés de alento, senão que penetra no alento do Pai e do Filho,
para descansar e concluir neste alento, porque o Pai e o
Filho são uma só coisa em sua vida. Assim, pois, o alento
de Deus é portador da vida, e, com o é imat-srial, também
é uma pessoa.
Não é, pois, o espírito ou o alento do Pai e do Filho o
nome mais rico, vivente e expressivo para a terceira pessoa
da divindade?
Ainda que tomemos a exalação com o respiração, pode­
mos dar um sentido mais profundo a esta expressão. A ins­
piração é a força motora, a expiração é a efusão da vida.
No alento flutua e voga a vida. Na expiração vemos suscinta
e substancialmente o transbordamento de toda a vida. Tam­
bém neste sentido o nome de exalação nos põe ante os olhos
a verdadeira mediação de vida e a procedência pessoal que
o Espírito Santo tem do Pai e do Filho (cf. Gên 2,7 e Ez 37,4).

33

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4. Porém, também a palavra procedência tem um senti­
do mais profundo (cf. Jo 15,26).
A impressão da essência paterna, a irradiação do conhe­
cimento divino na palavra é tranqüila e completa. O Pai e
o Filho se acham face a face, conhecendo-se e contemplando-
-se; porém, ao produzir ao Espírito Santo, se relacionam
mutuamente, se juntam, vivem um no outro. Há um eterno
sair, uma entrega e aceitação, um vivo hálito ilimitadamente
poderoso que procede de ambos, uma vigorosa pulsação do
coração infinitamente dilatado de Deus. Este coração arde
nas mais sublimes brasas da vida afetiva com o chama incan­
descente de um fogo universal do amor. Neste amor que
se verte e é rápido e ativo, a substância do Pai e do Filho se
comunica ao Espírito Santo. Por isso também soprou a forte
rajada de vento que sacudiu, no dia de pentecostes, a casa dos
apóstolos; por isso apareceram as móveis línguas de fogo
sobre os apóstolos; por isso o Salvador compara também
o Espírito Santo com uma fonte espumante de água viva
(Jo 7,38).
Não se perturba deste m odo a dominante e eterna
serenidade de Deus. Em Deus reina a paz mais absoluta, a
bem-aventurança mais inalterável. As pessoas divinas não se
movem para buscar algo, já têm tudo; possuem, saboreiam
e abraçam o Espírito Santo com uma paz não perturbada
desde toda e para toda a eternidade.
5. Diz Santo Agostinho mui acertada e engenhosamen­
te: “ O Espírito Santo não procede com o nascido, senão com o
dado” . O Espírito Santo não é gerado, senão dado, porque
o Pai e o Filho entregam ao Espírito Santo sua natureza por
meio do amor e se fazem também mutuamente doação do
Espírito Santo com o prenda de seu amor; e assim o possuem
em comum. O fato de que o Espírito Santo nos seja enviado,
é de certo m odo a continuação da sempiterna entrega, na
qual ele mesmo tem sua origem e que se realiza nele. O Espí­
rito Santo é oferecido a nós com o dom livre, porém em Deus
o Espírito Santo é tão necessário com o o amor é essencial
em Deus. Assim, pois, é próprio do Espírito Santo ser o
primeiro e supremo dom em Deus e ao mesmo tempo fonte
e finalidade de todos os dons que Deus nos dá por amor
livre e propício. Deus nos oferece, antes de tudo, o dom de
poder amá-lo, com o qual Ele também nos faz doação da
prenda infinita que está colocada neste amor, ou seja, o
Espírito Santo. Deste m odo, a torrente de transbordante

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amor divino também sai de si, a fim de inundar-nos com a
riqueza de seus dons. Este prodígio ocorre especialmente
por meio da graça, pela qual participamos do amor de Deus,
e, unidos sobrenaturalmente com Ele, podemos desfrutar da
doçura e bem-aventurança que o Pai e o Filho possuem no
Espírito Santo, e gozar delas.
6. Como espírito, com o alento de Deus, o Espírito San­
to sai do coração de Deus e entra no nosso, formando um
laço vivo ao redor de ambos: o criador e a criatura.
Como espírito, nos impregna de seu calor amoroso e
nos enche de prazer inefável.
Como espírito, nos comunica seu amor e introduz em
nós centelhas luminosas desde a luz do Filho, convertendo-as
em chama radiante para que conheçamos mais e mais a
Deus.
Como espírito, nos embebe, a nós, suas criaturas, de
sua força vital, nos livra da morte e da putrefação e nos
enche de amor imorredouro a Deus.
Por seu espírito, o vemos com o o beijo mais doce, com
o qual Deus sela sua aliança de amor conosco, suas criaturas
agraciadas. Como alento de vida, o Espírito Santo, com seu
calor benéfico e sua frescura restauradora, é a floração mais
pura no amor divino: nós podemos fazer alguma idéia de
com o o Espírito Santo é em Deus “ a fruição, a felicidade, a
bem-aventurança, a doçura do engendrador e do engendrado”
(Santo Agostinho).
O Espírito Santo, que é o paráclito, o consolador, sara
nossas feridas com seu hálito benéfico e eleva nossa alma
deprimida com o um forte vento. O coração paternal e amo­
roso de Deus palpita no Espírito Santo e apresenta nosso
coração receioso ao abraço paterno.

b) Santo
1. A terceira pessoa da divindade não se chama sim­
plesmente Espírito, senão Espírito Santo. Ainda que o Pai
e o Filho sejam santos, ou mais precisamente porque o Pai
e o Filho são santos, o Espírito que exalam é santo de um
m odo muito particular.
O amor e a unidade entre o Pai e o Filho são divinos;
não deve ser sua prenda de infinito valor? Não tem pois que

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ser sacrossanto e sagrado o vínculo que os enlaça? Não tem
que ser puro e genuíno seu selo? E, resumindo, em poucas
palavras, não tem que ser seu Espírito a mesma santidade?
O santo significa para nós o bem mais excelso, adorável
e preciso. Santos são para nós os laços mais fortes e invio­
láveis, santa é também a fidelidade inquebrantável com que
dites laços são mantidos e terminados. Santo é, para nós,
o nítido, o imaculado que nada pode turvar ou alterar. Espe­
cialmente santo é para nós o amor não contaminado por
egoísmo algum ou pela sexualidade.
2. Quando chamamos santo ao Espírito do Pai e do
Filho, este espírito nos parece com o um diamante de imen­
so valor, cristalizado pelo hálito de amor e de vida do Pai
e do Filho. Parece-nos com o um diamante de solidez inque­
brantável e de pureza muito acendrada. Com uma sublimi­
dade notável, o Pai e o Filho empunham seu amor no Espí­
rito Santo, selam nele sua aliança e afiançam e coroam sua
felicidade.
O Filho é igual ao Pai, e o Espírito Santo é santo em
ambos.

c) Espirito Santo
À terceira pessoa da divindade, a Igreja sempre a chama
Espírito Santo, e ao chamá-la assim, procede acertada e
profundamente. O Espírito Santo é infinitamente mais per­
feito e santo do que os homens podemos expressar neste mun­
do. Que riqueza, que profundidade há nestas palavras! Espí­
rito e santo. O que aqui neste mundo vemos sobre estes
dois conceitos é só remotamente semelhante; só podemos
falar do Espírito Santo com expressões análogas. E, no
entanto, nos parece já tão rico, tão vital, tão acertado. Ainda
que só logremos considerar e entender um pouquinho estas
expressões, o mistério do Espírito Santo está já diante da
nossa vista clara e expressamente.
O Pai, o Filho e o Espírito Santo nos têm revelado
estas verdades e demonstrado uma vez mais com que
infinita sabedoria e bondade se acomodam a nós, que
somos pobres membros da humanidade.32

32. M/18; NG 109-132; D II 940-942; 762.


Nossa vida depende do vento, o grande alento do cosmos...
Javé é o verdadeiro e único soberano, que "voa sobre a pluma
dos ventos" (SI 103,3)... Javé cria os ventos, tira-os de seus esconde-

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5. Símbolos do Espírito Santo.
a) Fragrância da flor
Quando respiramos, exalamos nosso próprio eu; quan­
do a flor exala, solta uma fragrância. O bálsamo, o incenso,
o mel, o óleo e o vinho fazem sair o aroma da planta. O aro­
ma se difunde com o o éter, o ar se enche do aroma de for­
ma límpida e invisível. A fragrância é o mais delicado e
nobre da flor, que derrama na fragrância o mais íntimo que
rijos (SI 134,7; Jer 10,13). Chama-os de seus mensageiros e executores
de suas obras (SI 103,4).
O vento vivifica ao recém-nascido (indugermanos)... A alma é
um hálito de ar. (indugermanos, mongóis, persas).
Antes do batismo, sopra-se sobre o que há de ser batizado. O
alento purifica.
"Vento, tens safdo cedo!
Ainda trazes o alento úmido
e fecundo da noite.
Porém ao mesmo tempo te rebelas
em vastas regiões
e desgarras aguerrido
o vento morno ao esplendor da aurora,
e fazes soar a alma
como um golpe metálico.
Penetra bem em mim,
Faze que meu coração seja tua vela,
empurra-a, enche-a, infla-a,
impulsiona meu barco para mui distantes costas,
a costas azuis, brilhantes, do infinito.
Ou melhor, lança-te contra a vela, faze-a em pedaços,
rompe o mastro, rebenta a quilha,
e nos lustrosos arrecifes de coral,
que chanfram as eternas ondas com vigor,
arroja os escombros com um jogo espumante.
Vem efusão urgente,
vem, corrente vermelha de fogo,
vem, espirito criador.”
(Bergengruen IK II 9ss.)
A santidade é o conceito central dos pensamentos sobre o culto
e da religião em geral.
A idéia da santidade procede da experiência. Em cada mani­
festação de força, em cada caso fortuito e em cada catástrofe, o
homem primitivo vê a atuação de poderes excelsos. O homem
se vê impotente ante este império de poderes superiores... Por
meio do rito se supera a flutuação entre o temor e a esperança...
O rito é simultaneamente entrega e afirmação de si mesmo. Supera
a situação de estagnação. Atreve se a esbarrar com o avassalador
por meio da ação. O homem, fascinado pela vista do mistério, se
move do lugar e se dirige para o inexplorável... A santidade é um
conceito de limite e distância... A palavra latina sacer significa o

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tem, sua alma. Sua fragrância nos fala de pureza, saúde e
frescura com que a flor se abre. A fragrância conduz a
abelha para a violeta, a fim de recrear-se no cálice de sua
flor e preparar o mel aromático. A flor aromática também
se dirige a nossos sentimentos; a alegria, ou também a tris­
teza, penetra em nossa alma. A fragrância emana também
do Espírito Santo, porém não com o dom sem alma, senão
com o amor divino, pessoal, que no coração do Pai e do
Filho somente causa gozo, um gozo infinito, eterno, em uma
convivência ditosa. Sua fragrância é bondade natural, santi­
dade suprema e gozo indivisível, tão inspirada que aperfei­
çoa a vida divina e a faz refulgir na Trindade bem-aventu­
rada. Sua fragrância se dirige para dentro, ao Filho como
a flor, e ao Pai como raiz e tronco; somente assim podem
ser uma só substância e estar unidos em sua essência.33

que mancha ou o que é manchado, se alguém o toca. Assim se explica


o esmerado ocultamento ou fechamento do que é santo, o qual tam­
bém se mantém ocu lto... A palavra santo significa incólume...
O santo é tremendo, faz-nos estremecer, porém também é fasci­
nante, faz-nos felizes. A genuflexão é manifestação do temor, o beijo
santo é manifestação do amor.
É santo o que não é profano. Ambas vozes somente resultam
mais claras mediante comparações reciprocas. Não se podem anali­
sar conceitos fundamentais...
O santo se mantém contra o embate do profano, quer superá-lo
ou transformá-lo. Faz-se sagrado o espaço do mundo: colocação
de cruzes e quadros, ereção de capelas, consagrações, dobrar de
sinos...
Mediante o progresso da ciência e da técnica, que desde há muito
tempo estão separadas do âmbito sagrado, o profano sc tornou cons­
ciente de si mesmo, e em plena oposição à mentalidade arcaica tem
a sensação de ser o único importante, certo e adequado à realidade
frente ao mundo antiquado, inútil, imaginário do sagrado. Também
aqui se produz uma reação: o profano faz ressaltar a exigência do
santo e impõe condições religiosas, como se faz patente de uma
maneira especial em sistemas totalitários...
Sempre se mostra que o homem em um mundo nivelado não o
suporta. Abre-se caminho através das barreiras da vida profana e
se desvia, impulsionado pelo desejo de aventuras, seja que busque o
trágico do delito, da revolução ou da guerra, seja que com o heroís­
mo da entrega de si mesmo procure ganhar o mundo superior e reno­
var o terreno. Perdura o apetite do culto, e são numerosos os intentos
de substituir a perda do tradicional com novas formas (tumba do solda­
do desconhecido, cemitérios de heróis, horas solenes, chama olímpica,
desfiles, culto das vedetes, consagração da juventude, dia do pai etc.).
Segundo MZ 218ss.
33. D II 1006ss. Tudo o que verdeja, aumenta de tamanho ou
floresce, é simbólico e causa de bênçãos. A maravilha (flor azul) e a

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b) óleo confortante
Também o óleo brota da planta, também o óleo emite
aroma, especialmente se está misturado com o bálsamo per­
fumado. É o símbolo da bondade, da santidade e do gozo
do Espírito Santo. O bálsamo também é considerado com o
imagem do Espírito Santo, porque a fragrância emana espe­
cialmente do bálsamo. Também nós, os homens, somos un­
gidos na confirmação com o bálsamo da salvação, para que
o Espírito Santo nos restaure e fortaleça (veja-se também:
III. O Espírito Santo em C risto).34

c) Vinho restaurador
De um m odo semelhante à fragrância, o vinho também
reanima e restaura nossa vida afetiva. É a “ alma da uva” .

erva maravilhosa já por seu aspecto restabelecem, satisfazem dese­


jos e dão sabedoria. A flor de lótus sai com mil folhas das águas
cósmicas, com uma beleza dourada, sinal do centro, da perfeição,
trono dos deuses. O narciso é a flor de Koré, da moça divina. A rosa
está dedicada a Afrodite (MZ 132).
Segundo Lv 2,15, tem-se que ajuntar incenso (aroma) a cada
oblação; também se põe incenso nos pães da proposição (24,7). Com
isto se relaciona provavelmente o costume cristão de juntar grãos
de incenso às relíquias (e às hóstias da Idade Média) encerradas em
uma parede e de cravá-los no círio pascal (MZ 475).
No oriente se tinha o costume de misturar com o óleo essências
aromáticas. Era um uso que também passou aos santos óleos desde
o século V. De uma maneira semelhante com o aroma do sacrifício
e o incenso, o aroma destes óleos é considerado como substância
etérea e pelo mesmo como alento dos que moram no céu. Os teólogos
armênios criam que o Espírito Santo estava no crisma tão presente
como Cristo sob as espécies de pão (MZ 518).
O aroma do holocausto e o incenso, que também é aroma do
sacrifício, segundo a mentalidade antiga servia de alimento à divin­
dade, já que tem a potência de subir. Cf. a complacência de Javé
no aroma do sacrifício (Gên 8,21; Lv 1,17. MZ 532). O incenso é empre­
gado nos atos cristãos de culto aproximadamente desde o ano 300,
com uma freqüência surpreendente nas liturgias orientais (MZ 533s).
34. D II 1008. O simbolismo do óleo tem uma analogia com o
do vinho. O óleo também é fruto de árvores, que tem passado pela
destruição, forma parte da celebração da festa, é semelhante ao fogo
(MZ 135).
Desde tempos imemoriais, o óleo tem um poder especialmente
forte (mana). É um meio importante de fortalecimento, purificação
e santificação. O óleo é a seiva da árvore, e como este é um excelso
símbolo da vida. o óleo é algo assim como um “elixir da vida". É a
sublimação de todas as forças que estão contidas na oliveira, no
ramo da oliveira, na coroa da oliveira; mais ainda é um concentrado
de árvore, ramo e coroa. Assim, pois, a unção é uma aplicação das
forças da árvore. Cf. a secção sobre a "unção" (MZ 516ss).

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Que grande correspondência tem também com o Espírito
Santo! Em primeiro lugar, quando o vinho se transforma
no sangue de Cristo. Com o sangue do Senhor, fluiu tam­
bém o Espírito Santo à esposa imaculada do Filho, a Igreja
(cf. III, 1 0).”

d) Beijo do amor
Pode-se comparar a maneira com o o Filho procede do
Pai, com a procriação de um ser humano, e a maneira como
o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, com o beijo
que une a dois amantes. O beijo é o alento que emana do
coração e representa no homem o desejo de comunicar a
própria vida a outra pessoa. O que no homem não passa
de ser uma respiração importante, em Deus é muito eficaz.
A interna emanação do alento divino, o beijo que une ao Pai
e ao Filho, é uma comunicação de vida que desde toda a
eternidade é verdadeira e real. O alento de Deus não emana
de dois corações separados, com o sucede entre os homens;
procede de um coração único que o Pai e o Filho possuem
em comum; por isso seu alento manifesta e confirma a uni­
dade de vida mais própria e verdadeira. Como o alento de
Deus é espiritual e vivo, tem que produzir também um espí­
rito vivo, a terceira pessoa da divindade, o Espírito Santo.
O símbolo do beijo é ao mesmo tempo espiritual e gráfico,
já que o alento provém de partes psíquicas e espirituais do
homem, especialmente se se expressa pura e castamente no

35. D II 1008. Os elementos primitivos da nutrição são o pão e


o vinho... O vinho é sangue das uvas; desempenha um grande papel
no sufrágio dos defuntos, na magia da salvação e do amor; tem-se
fé em seu poder purificador, porque guarda afinidade com o sangue...
É considerado como água que está transformada pelo fogo. O vinho
reforça a vida (MZ 133). Photina Rech escreve 70 páginas sobre o
simbolismo do vinho! (JK 394-466).
Na 424, esta autora escreve: a idéia corrente, que se une
remotamente com o vinho, é aquele aspecto amistoso da vida.
Também a alegria da vida natural é dom de vinho, um dom
que procede de Deus — é o último embate das ondas do oceano
da bem-aventurança da vida divina. Uma vida plenamente riso­
nha é a idéia espontânea que suscita o mero nome de vinho.
Se o vinho nasceu, a alegria lança gritos de regozijo e desborda
a língua muda da criatura que sofre e se desvanece. Poda-se a
cepa, pisa-se a uva. Porém a vindima na vinha e a festa do lagar são
o tempo eminente da vida jubilosa que dança e faz a festa. Donde
flui o vinho, o homem desfruta da vida e joga no esquecimento os
quadros sombrios de indigência, dor e morte com um entusiasmo
delirante... (IK 424).

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beijo de duas pessoas que se amam. O beijo está junto com
o amor que emana imediatamente do coração.36
O Pai e o Filho podem ser representados na arte com o
seres humanos, porém não o Espírito Santo, porque é sim­
bolizado com o espírito por meio do alento invisível. Contu­
do, também se poderia dizer do Pai e do Filho que são espí­
rito, porém tem que se ajuntar: o Espírito Santo é de certo
m odo a alma comum de ambas as pessoas que estão unidas
no amor, por isso a ele se chama com maior razão Espírito
da Trindade. Estes pensamentos foram especialmente con­
siderados por São Cirilo de Alexandria ( f 4 4 4 ).37

e) A pomba
Na Bíblia se representa o Espírito Santo com o sím­
bolo de uma pomba, como depois da criação do mundo e no
batismo de Jesus no Jordão. Em geral, a pom ba é conside­
rada com o símbolo do amor e da fidelidade, especialmente
do amor casto, terno, paciente, inofensivo.
A pom ba nos representa também o Espírito Santo co­
m o Espírito de Deus, tal com o procede do Pai e do Filho.
O Espírito Santo sai do coração de Deus com o uma pomba,
enquanto o Pai e o Filho o exalam; com o uma pomba, voa
com as asas estendidas com uma móvel tranqüilidade e uma
tranqüila mobilidade sobre eles; o Espírito Santo coroa,
aperfeiçoa a aliança do Pai e do Filho, proclama, por meio
de um suspiro, a infinita bem-aventurança e santidade do
amor do Pai e do Filho; também aparece sob a representação
de uma pom ba com o o beijo, abraço e suspiro de amor do
Pai e do Filho; para eles é simultaneamente virgem e es­
posa. 38
Por isso a pom ba é também símbolo do Espírito Santo
porque, por ser uma ave, está relacionada com o ar, o vento,
o hálito e o alento; move-se no ar, deixa-se levar por ele
em rápido vôo. Parece que é o ar mesmo, o alento vivo
com form a corpórea.
Não se pode comparar o Espírito Santo com um cor­
deiro, com o faz São João Batista falando do Salvador, po-

36. D II 1015.
37. D II 1016-1018.
38. D II 1025.

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rém, sim, se o pode comparar com uma águia vigorosa e
valente. Esta comparação não tem nenhum ponto de apoio
na sagrada escritura. O Espírito Santo se nos apresenta
com o a graça amorosa e doce de Deus. Contudo seriam sím­
bolos acertados, que manifestariam simultaneamente pólos
opostos:
Cristo: cordeiro e leão
Espírito Santo: pom ba e águia 59

39. D II 1026. Brehm encontra 15 diferentes cores na pomba


silvestre, origem de nossa pomba doméstica. Anda bem, porém incli­
nando a cabeça, voa com perfeição, com murmúrio sibilante, percorre
uns 100 quilômetros por hora, bate as asas antes de voar e plana no ar
antes de posar, gosta de subir muito alto e com freqüência dá voltas
durante algum tempo em bandos compactos (Brehm, Der Farbige,
Herder 1966, 293). Em IK, trata-se da pomba nas págs. 280-305.
Em 287: a pomba celestial sobre a cabeça do messias é o prodígio
que a fé venerou na pomba como às apalpadelas: radiante hierofa-
nia, divina epifania, aparição do pneuma como plenitude de luz, de
vida e de amor eternos.
Um mosaico na Capela Palatina de Palermo mostra em um
círculo a pomba de Deus, da qual partem faixas vermelhas nas cabe­
ças dos apóstolos, e nestas faixas se pode encontrar de novo a pomba,
ainda que em tamanho reduzido. A pomba está acima e também a
baixo; a cor vermelha sai irradiando desde o círculo e é simultanea­
mente chama de fogo nas cabeças: isto é uma representação clássica
da participação mística.

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O ESPÍRITO SANTO EM CRISTO

7 — CRISTO, O UNGIDO

1. Os santos padres dizem que Cristo está ungido por


meio do Espírito Santo, já que este mora na palavra, da
qual procede, e assim desceu com ela à humanidade de
Cristo com o o eflúvio e fragrância da unção, que representa
o símbolo da palavra. A fonte da unção somente pode ser
Deus-Pai, porque só Ele comunica ao Pilho a dignidade e
natureza divinas:
fonte — unção — fragrância
Pai — Filho — E spírito1
2. Somente Deus pode unir uma alma (que é um espí­
rito e está imediatamente criada por Deus) com o corpo,
para form ar um ser humano e infundir-lhe assim a vida
natural.
É mais divino que o Espírito Santo se una com a alma
do homem por meio da graça, porque somente Deus pode
obsequiar a alma (que Ele criou) com a vida divina, por
meio de um ato de graça inteiramente extraordinário e so­
brenatural.
Porém o mistério é ainda infinitamente maior, quando
a segunda pessoa da divindade, a palavra divina, toma carne,
faz-se homem. Então Deus não dispõe de algo finito, como
a alma humana, senão que comunica seu próprio ser, infun­
de a Deus na humanidade de Cristo. Como Deus aqui pro-

1. D II 1001; 1006-1008.

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cede para fora, não só atribuímos ao Pai a encarnação,
senão a toda a Trindade.
A palavra flui tão intimamente para a humanidade de
Cristo, que esta passa a ser uma só pessoa com a palavra,
a pessoa da palavra. Como o Espírito Santo não pode ser
separado da palavra, também o Espírito mora com a palavra
na humanidade de Cristo. Se comparamos o Pai com a
oliveira, o Filho com o fruto e o Espírito Santo com o óleo
que sai do fruto e serve aos homens para conforto e unção,
temos um símbolo muito oportuno para a unção de Cristo
por meio do Espírito Santo:
A oliveira produz O Pai produz
por meio do fruto por meio do Filho
o óleo ao Espírito Santo
para os homens para a humanidade de Cristo.
Assim Cristo é realmente um filho do óleo, com o se
chama em Zac 4,14 aos protótipos Zorobabel e Josué, segun­
do a tradução de Nácar-Colunga.
Posto que o Filho de Deus tampouco pode separar-se do
Pai — que é a última causa que tudo domina — , também
o Pai com o Filho e o Espírito Santo mora em Cristo.2
3. O fato de que Cristo esteja ungido pelo Espírito
Santo, significa mais ainda que a mera inerência do Espírito
Santo em Cristo. Os santos padres atribuem também ao
Espírito Santo a encarnação, e o fazem pelas seguintes ra­
zões:
A encarnação procede do livre e superabundante amor
de Deus, que quase sempre é atribuído ao Espírito Santo.
O Espírito Santo procede também" do’ Filho.’- Não é
nenhum sinal de indigência que o Filho seja unido pelo Espí­
rito Santo com a humanidade, senão que a palavra toma
carne graças à plenitude de vida e força que ela mesmo
manifesta no Espírito Santo.

2. D II 981-1016. É antigo o emprego do óleo para fins curativos.


Cf. Mc 6,13: "Expulsavam todos os demônios e, ungindo com óleo aos
enfermos, devolviam a todos a saúde" ... Unge-se tudo o que se
quer prover de poderes sagrados... Cf. as unções nos sacramentos.
Na consagração também se unge o altar; assim mesmo a Igreja
(MZ 516ss).

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O Espírito Santo procede do Pai e do Filho; portanto,
é conveniente que precisamente ele una Deus com o homem.
Assim com o ele é o laço coroador entre o Pai e o Filho,
também é o laço de amor entre Deus e a criatura; neste
caso a humanidade de Cristo.
Assim com o no homem a palavra de seu espírito se une
com a palavra de sua boca por meio da respiração, de um
m odo similar a palavra divina se une com a humanidade
de Cristo e se tom a visível na terra. Assim com o em nós
a respiração leva para fora a palavra interior, assim também
o alento de Deus, o Espírito Santo, que une a palavra eterna
com a humanidade de Cristo, e nos faz visível.
Deus uniu alma e corpo no primeiro homem, soprando
sobre ele com o alento sua vida divina. Assim também
Deus exalou a palavra eterna na humanidade de Cristo. Que
outra coisa é o alento, o hálito de Deus, senão o Espírito
Santo?
Mediante a encarnação, Deus se comunicou na forma
mais sublime a uma criatura, a quem divinizou, santificou
e agraciou em sumo grau. Não são sempre atribuídas ao
Espírito Santo tais ações de Deus? 3
4. Se no santo batismo é infundido o Espírito Santo
em um homem normal, é ungido também com o Espírito
Santo; contudo, esta unção se diferencia fundamentalmente
da unção de Cristo. Deus se comunica a ambos para aperfei­
çoar sobrenaturalmente sua natureza espiritual. Em nenhum
dos dois a unção é essencial ou necessária, senão uma graça
de Deus livremente outorgada. Porém quando a humanida­
de de Cristo foi ungida, toda a humanidade de Cristo foi
aperfeiçoada em uma medida tal, que a natureza humana de
Cristo divinizada form a com a natureza divina da palavra
etema somente uma pessoa, a pessoa da palavra. 4

8 — CRISTO, NOSSO MEDIADOR

1. Cristo é enviado pelo Pai a nós com o o verdadeiro


e perfeito mediador. Ele nos transmite a salvação de uma
fonte que não flui fora dele, senão nele. Cristo nos obtêm

3. D V 387-391; 511-515.
4. D V 523.

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desta fonte ao Espírito Santo que ele possui com o seu pró­
prio espírito. Contudo, Cristo é Filho de Deus, que recebeu
do Pai o Espírito para comunicá-lo a n ó s.5

2. Quando um homem vem a ser filho de Deus por


meio da graça santificante, e o Espírito Santo mora nele,
suas ações adquirem mais valor ante Deus. Cristo tem todos
esses dons, e ademais está ungido com o Espírito Santo.
Sua humanidade está unida pessoalmente com a graça in-
criada, com a palavra divina. O Espírito, que está na pala­
vra, santifica todas as ações de Cristo. Suas virtudes estão
aperfeiçoadas pelo Espírito Santo, já que Cristo está ungido
pelo Espírito Santo para ser Deus feito homem. Seus atos
são divinizados, possuem uma dignidade, glória e santidade
divinas. Se este Cristo comparece ante o Pai celestial com o
nosso redentor, com o nosso mediador, seus atos e seu sacri­
fício têm então um valor infinito no Espírito Santo; por
conseguinte, Cristo também é apto para reparar a infinita
culpa do gênero humano. Uma mera criatura, por muito
intimamente que esteja unida com Deus, não pode ser nosso
mediador ante Deus, já que suas ações nunca podem ter
um valor infinito. 6

3. Cristo, nosso mediador, nos penhora ante Deus, com


o qual por ambas as partes se fundamenta e assegura a inal­
terável e mais íntima e sublime amizade e amor. Tertulia-
no chama a Cristo simplesmente a custódia da prenda entre
Deus e o homem. Porém a prenda não é mais do que o
Espírito Santo. Deste m odo, Deus nos regala em seu Filho
o mais valioso e doce que Ele possui, o espírito do seu cora­
ção. Deus-Pai também há de amar a natureza humana de
Cristo, com o pertencente a si mesmo, já que esta natureza
humana leva o nome de seu Filho e cobiça a seu Espírito
com o prenda. Esta prenda valiosíssima faz que nós, pobres
homens, esperemos conseguir a herança dos filhos de Deus,
com o também confiamos que nosso Pai nos encherá de sua
própria vida, porque tem reconhecido como própria a natu­
reza humana no Filho por meio do Espírito Santo.7

5. D v 395.
6. D V 1030; 1038.
7. M/62.

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9 — ESPIRITO E SANGUE

1. A idéia do sacrifício de Cristo faz penetrar suas


raízes mais profundas até os abismos da Santíssima Trinda­
de. Assim com o a encarnação continua e prossegue a eterna
geração para fora, e só assim pode ser entendida, Deus feito
homem devia sacrificar-se e entregar-se para expressar aque­
le amor divino, por meio do qual Cristo com o Filho de Deus
exala e transmite ao Espírito Santo. Por meio de seu sacrifí­
cio, Cristo mostra, da form a mais sublime, o amor que ele
com o Filho tem ao Pai. “ Para que conheça o mundo que
amo ao Pai e que obro conforme o Pai me mandou, levan­
tai-vos, vamo-nos daqui” (Jo 14,31).
Assim com o o Pai e o Filho transmitem ao Espírito
Santo todo o sangue de seu coração e se oferecem a ele
com o prenda de seu amor infinito, assim também a palavra
divina em sua humanidade quis derramar todo o sangue de
seu coração até às últimas gotas, para mostrar dignamente
sua perfeita entrega a seu Pai. Por meio deste sangue, o
Espírito Santo vivificou a humanidade de Cristo, já que o
sangue dos viventes está no organismo. O sangue de Cristo
foi penetrado, sazonado, santificado pela suavidade do Espí­
rito Santo. Assim pôde na cruz subir ao Pai com suave
fragrância. O Espírito Santo o oferece, facilita o sacrifício;
é o amor sacerdotal na liturgia da Cruz; é o anjo que eleva
o sacrifício ao altar de Deus. No cânon romano, depois da
santa transubstanciação, oramos dizendo: “ Nós te pedimos
humildemente, Deus Todo-Poderoso, que esta oferenda seja
levada à tua presença, até o altar do céu, pelas mãos de teu
anjo” (cf. Hbr 9,14). O Espírito Santo impulsionou o Salva­
dor para o sacrifício e apresenta ao Pai o sangue oferecido
em sacrifício. A palavra e o Espírito rendem homenagem
ao Pai no sangue do cordeiro.
Assim, pois, o sangue derramado por Cristo se converte
na prenda real e no santíssimo sacramento para a efusão do
Espírito Santo: o Pai e o Filho nos comunicam no Espírito,
por assim dizer, seu mais interno vigor. O sangue de Jesus,
com sua virtude purificante, inflamante e vivificante, não é
o sacramento das graças que o Espírito de Deus produz em
nós? E não se forma também do sangue do coração do reden­
tor o corpo místico e a esposa corporal de Deus feito ho­
mem, a Igreja, por meio do vigor do Espírito que mora nele,
de uma maneira semelhante com o do coração do Pai e do
Filho brota seu espírito e companheiro nupcial?
47

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Por isso a devoção ao sacratíssimo coração de Jesus,
ao altar do amor divino, está estreitamente enlaçada com
a devoção ao Espírito Santo com o representante divino deste
amor. Penetremos profundamente no mistério do coração di­
vino e do Espírito Santo, especialmente em nosso tempo in­
diferente e frívolo.
0 sangue do coração de Cristo é assim o laço entre Deus
e o mundo, no qual se juntam o céu e a terra, com o na
Trindade o Espírito Santo, por ser a emanação da mútua
entrega do Pai e do Filho, é o eterno laço que une ao Pai e
ao Filho entre si e também com as criaturas.8
2. O derramamento do sangue de Cristo e a vinda do
Espírito Santo são apresentados na sagrada escritura de uma
forma muito similar. Comparem-se somente os seguintes
textos da sagrada escritura:
Hbr 12,22.24: "Vós haveis ch eg a do... a Jesus, mediador
de uma aliança nova, e da aspersão daquele sangue que fala
melhor que o de Abel” , e Rom 8,26: “ .. .o espírito mesmo
advoga por nós com suspiros inenarráveis” .
Em muitos textos: " . . . o sangue da aliança e da heran­
ç a . . . ” e em E f 1,14: " . . . o Espírito é prenda de nossa
herança” .
1 Pdr 1,2: " . ..e l e it o s ... para, mediante a santificação
do Espírito . . . serem aspergidos com o sangue de Jesus
Cristo” , ou Ef 1,13: " . . . haveis sido selados com o selo do
Espírito Santo prometido” .
Jo 6,55: " . . .meu sangue é verdadeira bebida” , e 1 Cor
12,13: " . . . a todos se nos tem dado a beber um mesmo
espírito” .
Ef 2,13: “Porém agora, incorporados a Cristo Jesus...
fostes aproximados pelo sangue de Cristo” , e Ef 2,18: " . . .
por meio dele temos os dois (judeus e pagãos) acesso ao
Pai em um só espírito” .
Hbr 9,22: " . . .sem efusão de sangue, não há remissão” ,
ou Apc 22,14: "Bem-aventurados os que lavam suas túnicas”
(no sangue do cordeiro), e 1 Cor 6,11: “ fostes lavados...
pelo espírito de nosso Deus” .

8. M/65; D V 1480. Pe. Amold Janssen, fundador da Sociedade


do Verbo Divino, compôs com este espirito orações para a devoção
do mês de junho.

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O sangue de Cristo é o sangue do cordeiro; é doce, puro,
mui suave e agradável a Deus, porque nele mora o Espírito
Santo com o a pura pom ba que desceu sobre ele para mostrá-
-lo ao mundo com o cordeiro de Deus.
A pom ba divina inspira no sangue do cordeiro aquela
maravilhosa suavidade e grande valor, por meio dos quais
o sangue do cordeiro se converte no bálsamo que nos traz
graça e paz.
3. O simbolismo da sagrada escritura nos põe sempre
ante os olhos, de uma maneira substanciosa e conseqüente,
as idéias mais profundas e ricas de nossa redenção e santi­
ficação. 9

10 — ESPIRITO E SACRIFÍCIO

1. Assim com o Cristo form ou do seio da Virgem seu


corpo e o acolheu em sua pessoa pela virtude do Espírito
Santo, assim também renova este prodígio com a virtude do
Espírito Santo por meio de cada transubstanciação do pão
em seu corpo, e deste m odo reproduz sem cessar sua per­
manente presença através do espaço e do tempo.
Como o Espírito Santo mora de um m odo mui especial
no corpo de Cristo, assim também se derrama nos que, por
meio da Eucaristia, se unem com o corpo de Cristo para
form ar um só corpo. As antigas liturgias fazem ressaltar
com clareza precisamente este ponto. A liturgia da Consti­
tuição Apostólica (antes do ano 400) diz assim: “ . . . que nos
enche o Espírito Santo” . A liturgia de São João Crisósto­
mo: “ ...q u e nós, os que participamos na eucaristia, ve­
nhamos a ser a comunidade do Espírito Santo” . A liturgia
de São Basílio: “ . . . que todos nós estejamos mutuamente
unidos para form ar a comunidade do único Espírito Santo” . 10
No holocausto da Santa Missa, o fogo espiritual do
Espírito Santo produz a vítima. Simultaneamente apresen­
ta a Deus-Pai celestial por meio da representação do sacri­

9. M/65, nota 19. Sobre isto observa Hõfer: "A última frase é
importante para a adequada inteligência da doutrina teológica cientí­
fica de Scheeben".
10. M/71.

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fício da cruz e funde a Igreja imolante com o eterno holo­
causto do cord eiro.11
2. No sacrifício da eucaristia, o espírito de Deus que
mora em nós, e que também é o espírito de Cristo, nos une
em um só espírito. Porém, com o o espírito de Cristo sopra
em seu corpo, temo-nos de unificar com este corpo para re­
ceber nele o espírito e a virtude que nele vive e atua.12

3. Nossos sacrifícios externos carecem de valor se nos­


so coração não pensa em imolar-se ao Pai com Cristo. Estes
pensamentos evocam em nós o sacrifício da carne de Cristo;
este sacrifício nos dá força para sacrificar nossas almas a
Deus e levá-las ante seu trono com o sacrifícios dignos e aro­
máticos. Deve perfumar nossas almas com o aroma do
Espírito Santo, pelo que a carne e o sangue de Cristo está
recebida e cheia.
Nosso sacrifício deve chegar a ser espiritual, porque deve
ser impregnado, possuído e purificado pelo Espírito Santo,
deve ser apresentado a Deus. Somente o sacrifício espiritual
da carne de Cristo pode levantar nosso corpo no Espírito
Santo e por meio do mesmo sobre todos os limites e defeitos
da matéria e da carne.13
4. O Espírito Santo, unido essencialmente como o Espí­
rito do Filho com o Corpo de Cristo, vem com este corpo
a nós e se une conosco e se nos dá em propriedade. Como
o alento da vida divina e do amor, e assim mesmo com o
prenda e selo de nossa filiação e de nossa unidade com Deus,
o Espírito Santo se derrama nos membros do corpo místico
de Cristo: o sangue brota do coração a todo o corpo.
O vinho é símbolo do sangue — sangue das uvas — e
nos representa ao Espírito Santo com seu ardor de fogo,
sua fragrância intensa e ao mesmo tempo agradável, sua
força que restaura e vivifica. Sua procedência é uma ema­
nação do coração do Pai e do Filho; seu envio a nós, os
homens, é uma efusão; em si mesmo é fluxo e fragrância
da vida divina. O Espírito de Deus é para nós o vinho do
amor fervente que restaura e conforta, embriaga e faz ditoso.
Este vinho brota eternamente da palavra divina com o da

11. M/72.
12. M/73.
13. M/73.

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uva divina. Este vinho-sangue é espremido do coração hu­
mano do Salvador com a força de seu amor na cruz, é der­
ramado sobre todo o mundo e é infundido nos corações de
todos nós.
O Espírito Santo, com o hálito amoroso do Pilho, impul­
siona ao Filho a entregar-se na encarnação e na eucaristia.
O Corpo de Cristo dimanado do fogo do Espírito Santo com o
um dom espiritual, é oferecido a nós por Deus-Pai, e o apre­
sentamos de novo com o sacrifício. Este corpo o penetra,
transfigura e espiritualiza o Espírito Santo de tal forma que
ambos — com o o fogo e o carvão — parecem ser uma só
coisa. Este corpo extravasa de Espírito Santo, cuja fra­
grância solta este corpo no sacrifício e cuja força vital a
derrama em nós, se se nos oferece com o comida.
O nome de “ eucaristia” — o bom dom — também assi­
nala ao Espírito Santo, o qual está dando a existência e
produzindo o supremo dom. Todos estes pensamentos mis­
teriosos estão indicados de um modo esquisito na forma
do peristerium (sacrário) da antiga Igreja, que como sím­
bolo do Espírito Santo, tinha a forma de pomba. Nele
estava contida a eucaristia entre os atos de culto. u

11 — ESPIRITO E TESTEMUNHO

1. Jesus testemunha sua divina essência remetendo-se


a seu Pai celestial e a suas obras neste mundo. Sela este
testemunho com seu sangue e fala de que esta certificação
divina de seu testemunho será ainda aperfeiçoada depois de
sua ressurreição: promete o Espírito Santo que descerá e
provará sua divindade com milagres espirituais e visíveis.15
2. Cristo enviou pela primeira vez o Espírito Santo
depois de subir ao céu, porque então estavam consumadas
sua própria dignidade e bem-aventurança, e no céu devia
reinar por toda a eternidade sobre todas as criaturas com o
chefe perfeito, devia estar sentado à direita do Pai com o
mediador poderoso, e devia distribuir suas graças às cria­
turas com o rei supremo. Quando envia o Espírito Santo,

14. M/75.
15. D V 151. Para os textos da escritura a este respeito, cf.
V, 14,3: Testemunho da verdade.

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demonstra que o envia com uma solidariedade total com o
Pai. O Espírito Santo pode testemunhar que Cristo vive e
atua para sempre. Também nos prepara para as graças que
necessitamos com o discípulos separados ainda de Cristo aqui
neste mundo. Estas graças, delas necessitamos para tender
ao céu e ser presos ao Cristo com am or celeste e espiritual,
a fim de que mais tarde, juntamente com Ele, desfrutemos
no céu do triunfo e esplendor da eterna glória .10

16. D V 1234.

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4

O ESPÍRITO SANTO EM MARIA

12 — MARIA, A ESPOSA DO ESPIRITO SANTO

1. Quando o anjo anunciou à virgem a concepção de


Cristo, disse: “ O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder
do Altíssimo te envolverá com o uma nuvem". Não disse
o anjo com estas palavras que o espírito e o poder atuarão
sobre a virgem, porém a ela deixarão incólume, com o a luz,
o alento, o orvalho também atuam sobre a flor, porém a
deixam incólume, em certo m odo não a tocam? O Espírito
Santo é infundido espiritualmente na virgem com o o porta­
dor de poder divino e engendrador; porém, com o este é espi­
ritual, a virgem permanece incólume. Este poder procede
em último termo do Pai, por isso ao Espírito Santo também
se o chama a divina semente que penetra na virgem para
trazer-lhe vida divina.
Este engendramento é apropriado ao Espírito Santo que,
além disso, com o alento de Deus, vivifica a matéria inani­
mada. O Espírito Santo flutuava sobre o caos do mundo
primitivo e lhe infundia vida natural — agora descansa sobre
a virgem e configura nela a vida natural e sobrenatural de
Cristo.1
2. Maria, antes do nascimento, no nascimento e depois
do nascimento do Salvador, tinha que permanecer virgem,
porque a carne de Cristo devia dar-nos nova vida. A carne
de Cristo é sede e órgão do espírito de Deus, que vivifica e
espiritualiza. O pão da vida, que leva em si o poder do

1. D V 547-549; 553.

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Espírito Santo, somente podia ser preparado no fogo de um
tal espírito. Esta carne espiritualizada foi concebida em
Maria e nasceu com o um espírito.2
3. Por isso veneramos com razão a Maria com o a espo­
sa do Espírito Santo. O Espírito Santo mora em Maria com o
em um templo, inclusive depois do nascimento de Jesus
alcança e aperfeiçoa com sua graça a vida sobrenatural de
Maria.
Este esposo de Maria se dá a conhecer na sagrada escri­
tura com o pomba. Também podemos chamar com razão
pomba de Deus a sua esposa, a sua imagem. Ela, com o sua
esposa, é uma pessoa jurídica com o ele, de tal forma que
ele também pode designá-la com seu nome.
E ainda que sejamos templo do Espírito Santo, agracia­
dos e vivificados por ele, a sua esposa, a doce, a bondosa,
com segurança e cheios de confiança, também a podemos
chamar “mãe da graça” e “ mãe nossa” .
A palavra divina diviniza a Jesus Cristo, que é um ho­
mem. Chama-se o cordeiro de Deus, porque se imolou por
nós.
O Espírito Santo traz uma vida nova e sobrenatural a
uma mulher por ser esposa sua e sua viva imagem. Ela, co­
mo ele, se nos apresenta com o pomba.
O cordeiro e a pomba unidos harmoniosamente na obra
da redenção de Deus.
Sacrifício e graça, maravilhosamente preparados para
nós.
“ Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, ten­
de piedade de nós.”
“ Pomba minha, deixa-me contemplar-te e ouvir-te. Tua
voz é suave, e é amável teu rosto” (Cânt 2,14).3

2. D V 546.
3. D V 771; 1545ss; 1610ss; 1618. Sem estudar as explicações
profundas e também muito acertadas de Scheeben sobre a "sponsa
Verbi" — máxime quando também se chama a Maria no mesmo texto
"soror Verbi” —, poderia alguém ficar confundido se junto à expres­
são "sponsa Spiritus Sancti” aparecesse a designação de "sponsa Verbi”.
Por isso omitimos os respectivos textos de Scheeben. Cf. C. Peckes,
Die bräutliche G ottesm utter, Herder 1936.

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13 — MARIA, ÓRGAO DO ESPÍRITO SANTO

1. Maria é eleita na encarnação de Cristo com o templo


do Espírito Santo, por isso é inteiramente e sem reserva
seu órgão, com o nenhuma outra criatura o poderia jamais
experimentar. O poder natural do seu coração, de sua alma
e de seu corpo, foi movido e apoiado pelo Espírito Santo
para form ar o corpo de Cristo e converter em uma realida­
de a vida humana do Senhor. Em particular, com o Mãe de
Deus, levou ao menino Jesus em suas entranhas e o deu à
luz em Belém; o Espírito Santo a atendeu com grande amor,
já que ela fazia as vezes de seu órgão eleito. Todo seu ser
maternal foi guiado e sustentado por ele. Também a exce­
tuou, com o órgão seu, do castigo que Eva e seus descenden­
tes têm que sofrer. A ela não se aplicava a sentença: “ Pa­
rirás com dor os filhos” . Como poderia Maria ter dores de
parto, se inclusive no nascimento do Salvador permaneceu
virgem? Na noite de Natal ela, com o instrumento do Espí­
rito Santo, pôde cooperar no nascimento de Jesus Cristo;
ela o ofereceu à humanidade e o ajudou para que a luz eter­
na irradiasse no mundo, a fim de iluminar a todos os homens.
2. Quando um sacerdote administra os sacramentos,
só transmite os dons de Deus na ordem da graça, porém
Maria com o esposa e órgão do Espírito Santo, cooperou com
muito maior perfeição que o sacerdote, porque ela, por meio
de sua vitalidade natural, juntamente com o Espírito Santo,
formou a constituição corpórea do menino celeste. Maria
e o Espírito Santo nos fazem doação deste menino divino.
O corpo de Maria esteve habitado durante nove meses
pela carne vivificante de Cristo, e sua alma esteve fecundada
pelo orvalho do Espírito Santo. O seio de Maria foi o berço
do menino que nos traz a vida. Seu coração é a raiz viva do
rebento que nos consegue as graças de Deus. Todas as gra­
ças da redenção provêm, com o Salvador, do seio e do cora­
ção de Maria. Ò coração imaculado de Maria se mostrou
digno de ser um órgão perfeito do Espírito Santo.
3. Como mãe do Senhor, Maria só colaborou uma vez
com o Espírito Santo; porém, com o Mãe da Igreja, atua
ainda hoje em dia com o órgão do Espírito Santo sobre seus
filhos na Igreja de Cristo, já que sempre nos procura as
graças de Cristo, ainda que mais que cooperar, o que faz é
orar.

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Honra em grau sumo ao Paí Celestial que Maria preste
serviços maternais ao Pilho de Deus e à sua Igreja; e quando
ela (o ) sacrificou a Cristo sob sua cruz com o vítima, coope­
rou na redenção; o Espírito Santo, com este fim também,
havia infundido nela ricas e eminentes graças sobrenaturais.
4. Sua dignidade pessoal mais característica correspon­
de a Maria por ser a esposa, o templo e o órgão do Espírito
Santo. Desta dignidade emanam os méritos de Maria e o
valor de suas virtudes. Nós, os cristãos, já somos templos do
Espírito Santo, que ora em nós com gemidos inenarráveis;
porém isto pode dizer-se muito mais de Maria, sua esposa,
nosso modelo e a mãe da Igreja. A Igreja ora e canta de
contínuo os louvores de Deus, porém Maria também ora e
outorga a sua liturgia, força e dignidade sobrenaturais, por­
que o Espírito Santo em ambas, em Maria e na Igreja, glo­
rifica ao Pai por meio do F ilho.4

4. D V 1705-1767.

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5

O ESPÍRITO SANTO NA IGREJA

14 — ALMA DA IGREJA

1. Espírito e m em bros da Igreja.

1. O Espírito do esposo converte a todos os membros


da Igreja em 'tem plos seus, nos quais ele mora e revela seu
poder divino e divinizante. Guia a Igreja com sabedoria e
ordem, cura as enfermidades da alma perdoando os pecados,
e mais, atua na Igreja de um m odo semelhante com o no
corpo de Cristo; enche-a de divindade. Cobre de sombra à
esposa de Cristo: por meio de seu ardor, transfigura-a con­
vertendo-a na imagem da natureza divina. Transforma todo
o ser da Igreja purificando-a mais e mais. Penetra nela
com sua vida divina tão intensa e profundamente, que já
não vive ela, senão que Deus vive nela. A Igreja, por meio
do Espírito Santo, se tom a tão semelhante a seu divino
chefe e esposo, que parece ser o mesmo Cristo.
Somente é uma comparação o que nas comunidades hu­
manas seus membros pareçam ser um corpo e uma alma,
ou que sejam com o ramos de uma árvore. Porém o homem,
com o membro da Igreja, é realmente plantado em um solo
novo e celestial; é enxertado em um novo tronco que é Cris­
to. Sua essência interior, a raiz de sua vida é transformada
por m eio do Espírito Santo. Se lhe infunde uma nova vida
que é mantida e cuidada pela luz e o orvalho do novo céu.
Assim com o o Espírito Santo mora e atua na humani­
dade de Cristo, assim também atua na Igreja. Em Cristo

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e por meio de Cristo, o Espírito Santo habita no meio de
nós; é de certo m odo a alma da Igreja .1
2. Segundo o plano de Deus feito homem, a Igreja é
realmente mãe de seus filhos, já que é a esposa de Cristo.
Por isso, Cristo, por meio do sinal indelével do sacramento
da ordenação sacerdotal, desposa com seus sacerdotes, os
órgãos da Igreja; põe as graças místicas de sua Igreja em
mãos de sacerdotes e os cobre de sombra com o especial
poder do Espírito Santo, para que dêem a luz de Cristo para
seus filhos, em nome da Igreja, unindo-os com Cristo. O
sacerdote serve de mediador entre Cristo e seus filhos, com o
uma mãe entre o pai e os filhos. Como Maria foi coberta
de uma nuvem pelo Espírito Santo e ofereceu ao mundo o
Filho de Deus, assim também o sacerdote, quando pronun­
cia as palavras da consagração, pelo poder do mesmo Espí­
rito Santo recebe ao Filho eucarístico de Deus para oferecê-
-lo à Igreja. O sacerdote, graças ao Espírito Santo, reproduz
a maternidade misteriosa de Maria e a torna extensiva à
Igreja.2

2. Espírito e sacramento.
1. O corpo místico de Cristo, a Igreja, é visível, pelo
qual os méritos de Cristo nos são aplicados por meio de
sinais e ordenações externas e nos é oferecida a filiação de
Deus.
2. Como os sacramentos são instrumentos de Cristo,
também são instrumentos do Espírito Santo, já que ele nos
transmite uma força divina por meio da santa humanidade.
Cristo, em virtude do Espírito, fez seus milagres no
mundo através de palavras e ações externas. Em sua Igreja,
os sinais externos dos sacramentos tampouco são unicamen­
te prendas, senão portadores reais do poder que por meio
do Espírito flui do chefe divino e humano para os membros
do corpo místico. Para nós continua sendo um mistério co­
mo acontece isto, porque é tão sobrenatural com o a mesma
encarnação, pela qual nos acompanham estas graças.
3. A relação dos sacramentos com o Espírito Santo
aparece com a máxima clareza na eucaristia. Nela está con­

1. M/78. Em sua Dogmatik, Scheeben Já não trata da doutrina


sobre a Igreja; cf. M VI; D I XI.
2. M/79.
58.

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tido o Espírito Santo, incluso pessoalmente, com seu recon­
fortante poder na carne vivificante da palavra divina que se
oculta nas formas eucarísticas. Nos demais sacramentos,
não está contido o Espírito Santo, já que ditos sacramentos
são ações; neles somente seu poder é eficiente.3
4. Os administradores dos sacramentos, os sacerdotes,
são membros da Igreja, que foram chamados por Deus e
estão unidos irrevogavelmente com Deus feito homem como
o chefe do corpo místico e o verdadeiro dispensador dos
sacramentos. Em virtude de uma causa especial, que so­
mente pode ser sobrenatural, os sacramentos têm que san­
tificar os membros da Igreja e conduzi-los a Cristo pelo
poder do Espírito Santo.4
5. Por meio do caráter do batismo, confirmação e orde­
nação sacerdotal, são ligados os membros do corpo místico,
para serem unidos com o chefe. Como a alma humana for­
ma e vivifica os membros do corpo, assim também o Espí­
rito Santo imprime nos membros de Cristo o cunho de seu
chefe e lhes leva a vida divina da graça. Por isso o caráter
sacramental também se lhe chama selo do Espírito Santo;
está unido, tão intimamente quanto possível, com a graça
e o amor, no qual está estampada a essência do Espírito
Santo, o ardor de sua vida e de seu amor. O caráter com o
selo indelével e a graça como vida sobrenatural da filiação
de D eus.5

3. Testemunho da verdade.
Os relatos finais dos evangelistas delineiam um quadro
rico e harmônico de com o Cristo instituiu o magistério da
Igreja. Já antes havia preparado aos apóstolos e os havia
instruído de com o o Senhor prometeu o Espírito Santo com o
testemunho da verdade.
Lc 24,47s: "V ós sois testemunhas destes fatos. E eis
que eu mando sobre vós o Prometido por meu Pai” .
At 1,8: “ Recebereis a fortaleza do Espírito Santo que
descerá sobre vós; e assegurareis a verdade de minha dou­
trina e de minhas obras em Jerusalém, em toda Judéia e
Samaria e até as extremidades da terra” .

3. M/82.
4. M/83.
5. M/84,

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Jo 14,16s: "E eu pedirei ao Pai, e ele vos dará outro
advogado, para que esteja no meio de vós para sempre.
Ele é o espírito da verdade” .
Jo 15,26s: "Quando vier o advogado, que lhes enviarei
da parte do Pai, o espírito da verdade, que procede do Pai,
ele mesmo falará em meu favor. Também vós sereis teste­
munhas, porque desde o com eço estais com igo” .
Jo 16,13: “ Quando vier aquele, o espírito da verdade, os
conduzirá à verdade completa. Porque não falará por conta
própria, senão que lhes dirá quanto se lhe comunique e lhes
anunciará as coisas futuras” .
Estas promessas estavam dirigidas evidentemente aos
apóstolos, para que testemunhassem e anunciassem as pala­
vras e ações de Cristo com o testemunhas de vista e ouvido.
Cristo fala com muita insistência do Espírito Santo com o o
espírito da verdade, que procede da verdade eterna e pes­
soal, a palavra divina, e por isso transmite somente a ver­
dade aos homens. Cristo descreve o Espírito Santo como
mestre e testemunho; ele conduz à verdade e também custo­
dia esta verdade na Igreja. Somente assim e por isso os
apóstolos e seus sucessores proclamam a doutrina de Cristo
perfeita e infalivelmente. 6

4. Os apóstolos e seus sucessores.


Quando os bispos ordenam sacerdotes, exercem este po­
der com o órgãos do Espírito Santo. Quando estes bispos
nomeiam um sacerdote pároco de uma comunidade, o fazem
em virtude de seu cargo com o representantes de Cristo.
Aqui não há antagonismos, nem tampouco pode havê-los.
Como revestidos do poder de ordenar, procedem com o
instrumentos e são canais de graça, porque neles o Espíri­
to Santo, que é a alma da Igreja, está vivo e é fecundante
e eficaz. Conquanto os bispos também sejam órgãos de Cris­
to, a cabeça, não representam à cabeça tal como esta atende
e domina os membros do corpo místico.
Os bispos, com o portadores da autoridade, representam
em primeiro lugar a cabeça, ainda que também sejam guia­
dos pelo Espírito Santo. Aqui sobressai mais a obediência
à cabeça.

6. D I 94.

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Assim, pois, os apóstolos e seus sucessores têm uma
dupla relação: a da graça com respeito ao Espírito Santo
com o alma da Igreja, e a da obediência a Cristo com o cabeça
da Igreja.7

5. Os dotados do Espírito.
Muitos membros da Igreja têm conseguido o Espírito
Santo com o graça especial (carisma), estão dotados sobre­
natural e naturalmente para recolher, elaborar e transmitir
a doutrina eclesiástica com pureza e clareza em todos os
aspectos e com segurança. Podem imprimir, apoiar com
razões, difundir a doutrina, sobretudo por meio da palavra
e da escrita; secundam o poder de ensinar, orientando com
seu conselho e ação. Não necessitam ser ordenados ou envia­
dos por homens; estão chamados e capacitados pelo mesmo
Espírito Santo para indagar e ensinar. O Espírito Santo os
oferece à sua Igreja. Por isso têm uma eficácia especial
e um alto prestígio. São luz e facho para sacerdotes e se­
culares. Porém têm que estar reconhecidos, autorizados e
recomendados pelo magistério eclesiástico, para que sempre
e em todas as partes permaneçam organicamente unidos
com a Igreja. Hão de ser focos que façam fluir a luz do Espí­
rito Santo. Nunca podem trabalhar contra o magistério ecle­
siástico, opor-se a ele nem ensinar contra ele. Ajudam-no e
servem-no em qualquer coisa que empreendam. Se defendem
a doutrina eclesiástica, que aceita toda a Igreja, e estão reco­
nhecidos nesta tarefa pelo magistério eclesiástico, então seu
testemunho vale com o testemunho infalível do Espírito San­
to, e confirmam de novo o juízo do magistério e o iluminam
com nova luz. Os profetas e evangelistas que se mencionam
em Ef 4,11 eram homens assim dotados. Posteriormente o
foram os santos padres e teólogos, que não foram ilumina­
dos imediatamente pelo Espírito Santo com o os apóstolos,
porém, no entanto, estavam enviados por ele para manifes­
tar clara e distintamente determinados dogmas da Igreja.
Poder-se-ia chamá-los um magistério extraordinário, que
sempre tinha que ser confirmado pelo magistério ordinário.
Uma proclamação independente do magistério seria o
princípio de uma heresia, com o já escreveu Tertuliano ( f
220): “Demonstramos a fé por meio de algum homem ou
conhecemos ao homem por meio de sua fé?” . Vicente de

7. D I 112.

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Lerins (t antes do ano 450) disse: “ Temos de aceitar ao
mestre com a Igreja, porém não temos de abandonar a
Igreja com o mestre” . 8

6. A comunidade do Espirito Santo.


Posto que a fé da comunidade é sobrenatural, está sob
a influência do Espírito Santo, com o também o está a dou­
trina da Igreja. Quando a comunidade faz profissão de sua
fé, manifesta e atesta a proclamação que se faz do magistério,
se a proclamação é guiada e dirigida por ele. O magistério
e a comunidade são inseparáveis, desde um ponto de vista
orgânico formam uma só coisa, são com o a cabeça e os
membros, porque o mesmo Espírito Santo, que vivifica e
dirige o magistério, em virtude da graça do batismo capa­
cita e estimula exterior e interiormente, por meio do magis­
tério e da graça, a todos os que são realmente fiéis, os capa­
cita e estimula para crer, proclamar e testemunhar a verda­
de cristã. A palavra de Deus ressoa nos fiéis. Está inspira­
da pelo Espírito Santo, e dos corações dos fiéis se propaga
a toda a comunidade. Esta profissão unânime de todo o povo
da Igreja é uma força interior produzida pelo Espírito San­
to, a qual é tão intensa que apresenta um testemunho do
mesmo Espírito, um testemunho que é tão infalível com o o
testemunho do magistério. O magistério e a comunidade são
uma coisa. O testemunho e a fé de ambos tornam tão visí­
veis os prodígios do Espírito Santo, que já somos movidos
a só crer no Senhor. O povo da Igreja pode adiantar-se ao
magistério e repercutir nele, porém tampouco então é o últi­
mo juiz e testemunho da fé. >

15 — MESTRE DA IGREJA

1. Os livros do Antigo e Novo Testamento.


1. Os livros do Antigo e Novo Testamento são do­
cumentos santos e autênticos da revelação, porque são guar­
dados e publicados pela Igreja com o a palavra escrita de
Deus. São livros que em toda sua amplitude tem por autor
a Deus; os escritores humanos têm redigido a sagrada escri­

8. D I 166s.; cf. 341-346.


9. D I 168-171. Um exemplo da última fase, o oferece a entrada
corporal de Maria no céu. Esta entrada Já foi reconhecida durante
séculos por quase todos os fiéis na oração do rosário.

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tura somente com instrumentos do Espírito Santo, que os
dirigiu (inspirou), de uma forma semelhante a que os se­
cretários escrevem um ditado de seu patrão, porém são livres
para exprimir à sua maneira as idéias do mesmo. Os escri­
tores sagrados falaram com o profetas de Deus, impulsiona­
dos e sustentados pelo Espírito Santo. “ Nenhuma profecia
foi proferida jamais por vontade de homem algum, senão
que falaram da parte de Deus homens que eram movidos pelo
Espírito Santo” , disse São Pedro em sua segunda carta
(1,21). Segundo a opinião geral, este texto não somente pode
aplicar-se aos profetas propriamente ditos, senão a todos os
que têm escrito a palavra de D eus.10
2. As formas externas não têm sido inspiradas ao
autor da escritura pelo Espírito Santo, com o as idéias expres­
sas por ditas formas; a eleição das expressões tem sido
deixada em maior ou menor grau à discrição dos autores.
Somente se fazia necessário fossem retransmitidas de uma
forma unívoca as idéias que o Espírito Santo queria que
estivessem escritas. Por isso não se trata da língua ou esti­
lo, que nunca podem notar-se com absoluta fidelidade nas
traduções. O Espírito Santo não está ligado a uma expressão;
incluso poderia tomar-se inteligível sem nenhuma expressão,
dado que é E spírito.11
3. Daí que as palavras da escritura não somente têm
o sentido literal, senão que com muita freqüência têm tam­
bém um sentido espiritual, mais profundo, que procede assim
mesmo do Espírito Santo. Segundo a intenção do Espírito
Santo, que tudo abarca e domina, os fatos, instituições, apa­
rições e imagens expressadas com palavras estão destinadas
a modelar, indicar, confirmar ou ilustrar ainda outras coisas.
Por isso temos de atribuir ao sentido literal das palavras,
precisamente porque são instrumentos do Espírito Santo,
uma importância muito superior e um alcance maior do que
teriam em mãos de um homem normal. As palavras são usa­
das amiúde de uma form a mais adequada e convenien­
te, e muitas frases, segundo a intenção do Espírito Santo, ex­
pressam algo que de ordinário não significariam. A isto se
chama o sentido mediato; é muito mais importante que em
meros escritos humanos, já que o conhecido pelo homem
mediante comparações e conseqüências é reunido pelo Espí­

10. D I 215-217.
11. D I 233.

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rito Santo em uma só visão, e também pode ser compen­
diado em uma só expressão. Por isso é um equívoco tratar
a sagrada escritura como um mero livro humano, especial­
mente quando fala o mesmo Jesus Cristo, Filho de Deus.
Um belo exemplo de sentido mediato da escritura é a aplica­
ção litúrgica de Prov 8 e Ecl 4 à Santíssima Virgem. As
passagens tratam da origem, as propriedades, a aparição e
a eficácia da eterna sabedoria. Maria, com o Mãe de Cristo,
é inseparável e tem uma íntima união com a sabedoria en­
carnada; por isso é o espelho das perfeições, com o também
a aurora da sabedoria eterna, e com o tal a teve presente o
Espírito Santo, quando descreveu a sabedoria. Quando este
sentido mediato é reconhecido com o tal pelo magistério ecle­
siástico, tem plena força probatória, ainda que colocado atrás
do sentido literal, enquanto só se manifesta indiretamente.
4. A sagrada escritura é também uma obra de arte,
de uma maneira parecida com o livro da natureza, porém
tem uma importância muito maior e um sentido muito mais
profundo. É posta ante nossos olhos com o um quadro pin­
tado pelo Espírito Santo, ou nos é apresentada com o um
drama composto pela sabedoria divina. Deste m odo o Espí­
rito Santo nos quer estimular a que meditemos na escritura
para conhecer melhor e amar mais intensamente o mundo
espiritual e sobrenatural, ilustrado de m odos tão diversos.
A poesia do Espírito Santo não pode trocar-se com a
arte poética humana, e as palavras da escritura não podem
converter-se em meras fábulas. Tampouco queremos ler a
escritura com excessiva sobriedade, nem quedar-nos atrás
de sua profundidade e abundância. Há que precaver-se an­
tes de tudo de dedicar-se somente à crítica e à filologia, sem
tomar muito em consideração a força das verdades reve­
ladas pelo Espírito Santo.12

2. A tradição eclesiástica.
1. A tradição eclesiástica não se realiza por meio de
quaisquer pessoas, senão somente através dos membros efe­
tivos da Igreja fundada por Cristo. As verdades divinas
no-las transmite a Igreja com o uma instituição orgânica,
formada pelo mesmo Deus e vivificada e dirigida por seu
Espírito, com o uma instituição que continua vivendo sem
cessar. Por conseguinte, seu testemunho não é um mero

12. D l 237-242.

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testemunho humano, senão um testemunho do Espírito. É
tanto mais valioso quanto os portadores deste testemunho
têm no organismo da Igreja uma categoria e importância
mais especiais em relação com o Espírito Santo. A infalibi­
lidade deste testemunho permanece inalterável em qualquer
época, ainda que esteja muito distante do princípio da reve­
lação, porque o Espírito Santo preserva de erro a Igreja
em todos os tem pos.13
2. Os santos padres e doutores da Igreja são especial­
mente os olhos por meio dos quais a Igreja consegue pene­
trar na verdade revelada, e também são a boca por meio da
qual o Espírito Santo fala à Igreja e a seus filhos. Por isso
os escritos dos santos padres são fianças do caráter divino
de seu conteúdo.14
3. Apesar de que os teólogos, que até hoje e segura­
mente também no tempo futuro escrevem e às vezes dispu­
tam sobre o tesouro da fé, não têm nenhuma promessa
direta do Espírito Santo, gozam, sem dúvida, de sua assis­
tência que os preserva de erro em seu conjunto, porque, do
contrário, a Igreja que confia neles e os segue seria natural­
mente conduzida ao erro, pois muitos teólogos mais cedo
ou mais tarde são chamados ao magistério.“

3. A infalibilidade do papa.
Se o papa, com o representante imediato e efetivo de
Deus, pronuncia um juízo definitivo sobre a fé ou a moral,
este juízo tem de ser necessária e absolutamente intangível
e irrevogável, e tem de impor a obrigação de assentir inte­
rior e exteriormente a este juízo. Um tal juízo expõe infali­
velmente o juízo do Espírito Santo, e por conseguinte não
pode ser falso. Por isso, nunca nem de nenhum m odo pode
ser anulado ou essencialmente mudado pelo papa. Ctomo
o Espírito Santo interveio eficazmente neste juízo, tampouco
se pode alegar que o juízo se tem levado a termo com um
processo ilegal, porque então já não seria um juízo definitivo.
Teria que haver então uma instância ulterior que abolisse
este juízo; porém não pode haver uma tal instância. Daqui
se deduz que a fórmula: "Porque pareceu bem ao Espírito

13. D I 309.
14. D I 376.
15. D I 391.

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Santo e a n ó s . . (At 15,28), tem de ser interpretada no
sentido mais estrito.16

4. Fundamentos da teologia.
1. Nosso conhecimento espiritual depende de nossos sen­
tidos, e, em conseqüência do pecado original, está sujeito a
prejuízos desconcertantes, paixões, maus sentimentos e in­
clusive aos espíritos malignos. Este é muito mais certo nas
verdades que cremos, especialmente no mistério da cruz,
já que a fé é muito mais excelsa que todas as idéias naturais.
Isto o expressa São Paulo na primeira carta aos coríntios
(2,14), com as seguintes palavras: “ O homem em quem não
reside o espírito de Deus, não compreende as verdades
que ensina o espírito” . Ainda que nossa inteligência na­
tural teria que crer em Deus confiando em suas pala­
vras, tão logo com o haja conhecido claramente que Deus
tem falado, isto lhe resulta contudo praticamente im­
possível. O Espírito Santo tem que influir em nós, purifi­
car-nos e transfigurar-nos, para que nossa razão se dedique
de uma maneira proveitosa e realista a entender o conteúdo
da fé e a conseguir um conhecimento vivo e frutuoso. Há
que entender uma tal iluminação sempre que a sagrada escri­
tura fala da graça da fé, com o quando diz São Paulo: “ Quei­
ra o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da Glória,
conceder os dons da sabedoria e da revelação, para que
chegueis à ‘superciência’ de Deus. Assim, iluminados os olhos
de vosso espírito, sabereis qual é a esperança de sua Igreja,
quais as riquezas da glória de sua herança em comunhão
com os santos, e que sublime grandeza desenvolve seu poder
em nós, os que cremos, segundo a eficácia de sua onipotente
virtude” (Ef 1, 17-19). A esta iluminação que nos instrui em
tudo, São João acertadamente chama também uma unção
para o coração e para a vista (1 Jo 2, 27). O ensinamento
erudito, o próprio esforço e o desenvolvimento natural são
assim apoiados, completados, em parte inclusive substituídos
sobrenaturalmente.17
2. O orgulho e a sensualidade procuram dominar-nos,
estendem-se em nosso coração e sufocam bons germes. Isto
vem a ser muito pior, se estamos educados em sentido con­
trário, influenciados pelo demônio ou ofuscados pelo peca-

16. D I 473s.
17. D I 997-999; cf. 806s.

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do em nossa faculdade de julgar. Para resistir a estas más
influências, o Espírito Santo nos faz doação das graças da
humildade e da pureza, da ciência e do entendimento.18
3. A pureza e a humildade capacitam nosso coração
a receber as verdades da fé. Logo são necessárias para
julgar e proceder com o é devido no âmbito da moralidade
natural. Se o Espírito Santo não atua sobre nds com essas
virtudes, não nos deixamos influenciar serenamente pela gra­
ça. Já o livro da Sabedoria (1,4) fala disto: “ Em alma
maliciosa não entrará a sabedoria, nem morará no corpo
escravo do pecado” . Quando Cristo diz: “ Tens descoberto
aos pequenos estas coisas que escondestes aos sábios e pru­
dentes” , isto se refere em primeiro lugar à visão de Deus;
porém também pode aplicar-se já aqui neste mundo, para que
se possa conhecer sobrenaturalmente a Deus. Com olhos pu­
ros contemplamos mais facilmente a luz transfigurante e pu­
rificadora da graça. Os meninos e os simples fiéis, os dotados
do Espírito Santo e os santos compreendem com freqüência
os mais sublimes mistérios com mais clareza e pureza que
os orgulhosos filósofos, cuja faculdade mental está formada
no grau máximo. O Espírito Santo atua por meio do dom
da piedade. Este dom é com o um sol que dá pleno desenvol­
vimento à vida da fé em n ó s .19
4. Nossa fé logra plenitude de força e uma vida cinti­
lante, se floresce em nossa alma a vida sobrenatural que
emana do Espírito Santo. Somente esta fé nos une intima­
mente com os mistérios da fé, grava em nosso interior a
viva imagem destes mistérios, faz-nos saborear e sentir, nos
tom a afins e familiares. A raiz e a floração desta vida são
o amor de Deus. Este amor faz que nossa fé seja viva e
fecunda em boas obras; faz que nosso conhecimento seja
vital, íntimo, agradável, delicioso, e configura em nosso pró­
prio eu a sabedoria perfeita, representando-nos os mistérios
de Deus de tal forma que estes mistérios se convertam
para nós no gosto antecipado da futura visão. Um ho­
mem assim dotado pode gozar aqui já de Deus na con­
templação mística. Aqui atua o Espírito Santo por meio
da graça da sabedoria, o mais excelso dos sete dons. Quando
aqui falamos de contemplação mística, expressamos simul­
taneamente quão luminosa é a luz da fé, porém expressamos

18. D I 807; 1007.


19. D l 1000; 1001; 1007.

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com o, apesar dela, a fé é tão obscura que se diferencia da
visão de Deus na eternidade, como o dia da noite. Esta sabe­
doria não se obtém, senão que nos é regulada, somos ilumi­
nados e agraciados por Deus. Um homem assim se mantém
passivo, recebe. Sua inteligência, por assim dizer, descansa.
Tão logo faz esforços e medita, a contemplação já não é
passiva, senão adquirida.
5. Um homem que não tem nenhuma formação teoló­
gica, pode ser também agraciado com a contemplação pas­
siva. Contudo ordinariamente esta contemplação se prepara
e favorece com a própria diligência. A contemplação passiva
vivifica a ciência teológica, a faz mais íntima, rica e perfeita;
teria que ser, portanto, o objetivo de todos os teólogos, e
ainda de todos os cristãos. As pessoas contemplativas conhe­
cem a Deus e seus mistérios muito mais fácil e profunda­
mente que um investigador, que sobressai por sua inteligên­
cia, busca incansavelmente a verdade, porém que se apóia
unicamente em seus próprios talentos.
6. A contemplação passiva ou a experiência interior da
alma não podem substituir a certeza da fé, porém podem fazer
que esta certeza seja mais íntima, alegre e afiançada. Se
fossem decisivas para a segurança da fé, ficaríamos expostos
a um entusiasmo enganoso e sentimental. Arriscaríamos a
revelação exatamente com se fosse uma ciência, que é inde­
pendente da fé sobrenatural. Às vezes a falsa mística é ainda
mais nociva que a falsa ciência.20
7. O Espírito Santo influi muito intensamente nos co­
nhecimentos teológicos, os aperfeiçoa e sela, os santifica em
sua origem, conteúdo e finalidade. Por isso estes conheci­
mentos também são santos em si mesmos. Da mesma forma
a teologia mesma tem que ser colocada, como a fé de uma
maneira muito particular sob a tutela e a direção da Igreja,
que é o órgão do Espírito Santo, porque a teologia de ne­
nhum m odo é uma ciência profana. Enquanto as ciências
profanas só têm de ser examinadas indiretamente pela Igre­
ja, para ver se a verdadeira fé fica em risco através delas,
a teologia, com o um tesouro santo e eclesiástico, com o meio
muito importante e influente para conservar a fé, tem que
ser custodiada e dirigida imediata e decisivamente pela Igreja.
Por sua maneira de ser, a Igreja está destinada a fomentar
cientificamente a disciplina teológica. Só a Igreja possui o

20. D I 1002-1007.

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poder de autorizar e regular a exposição pública. O cultivo
proveitoso da teologia somente é possível no seio da Igreja,
na adesão mais ajustada à sua autoridade e a seus recursos.
Somente assim a Igreja e os teólogos podem manter-se se­
guros da influência benéfica e infalível do espírito da verda­
de, sem o qual a Igreja e os teólogos não sabem absoluta­
mente nada da ciência sobrenatural. Portanto, nem os cien­
tistas nem o estado podem explicar a teologia com o uma
ciência meramente natural. De nenhum modo depende deles,
e por isso tampouco pode ser dirigida por eles. Se fosse
possível tal dependência, o matrimônio seria, por exemplo,
somente um contrato social e um bem jurídico que depen­
deria unicamente do estado. Assim se profanaria o que é
santo e se poderia ver ordenado o “ sacerdócio da ciência” . 21

21. D I 1009s. No matrimônio, hoje em dia, já chegamos com


amplitude a este ponto; não se diz já em geral: “ o casamento tem
lugar no registro civil"?

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O ESPÍRITO SANTO EM NÓS

16 — AS APROPRIAÇÕES EM DEUS

1. A sagrada escritura e os escritores eclesiásticos atri­


buem sempre às distintas pessoas da divindade nomes, atri­
butos e atividades que se designam com o nome de “ apro­
priações” . São atribuídas à pessoa respectiva, porque estão
ligadas a seu caráter pessoal de um m odo particular. As
outras pessoas não ficam excluídas, porque Deus somente
está ativo para o exterior e por isso procede com o Deus
trino e uno.
2. Estas apropriações nos representam vivamente as
pessoas; vemos a Deus em seu vivo retrato.
Ao Pai se atribui a origem, o ser, a eternidade, a unida­
de, o poder;
ao Filho a verdade, a sabedoria e a beleza;
ao Espírito Santo o amor e a bondade.
O Pai é considerado com o a causa efetiva, o Filho com o
a idéia segundo a qual está orientada a ação, e o Espírito
Santo com o a finalidade pela qual o Pai atua.
A decisão é própria do Pai; o plano, do Filho, e a exe­
cução, do Espírito Santo.
O Pai cria e dá a força, o Filho configura e ilumina, con­
fere cargos e dignidades, o Espírito Santo vivifica, move,
santifica e regula os dons do espírito.
O Pai obra por meio do Filho no Espírito Santo. Assim,
pois, o Filho é a mão e o Espírito Santo é o dedo que aper­
feiçoam, dirigem, escrevem, desenham, selam e distribuem.

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No Pai estão contidos os mistérios de Deus, a palavra
nos comunica-os; por isso ao Filho se chama também a face,
a boca do Pai que nos inicia nos mistérios íntimos de Deus.
O Espírito Santo nos inspira as verdades de Deus, nos im­
pulsiona a seguir proclamando-as; por isso é o vivo, móvel,
ardente, cálido e amoroso alento de Deus, que exala o amor
até o fundo de nosso coração; também é a língua de Deus,
que nos capacita para proclamar o amor de Deus e seus
atos amorosos; torna eloqüentes nossas línguas. Uma rajada
de vento e umas línguas de fogo fazem sair aos angustiados
apóstolos diante da multidão, para informar valorosamente
do maior milagre amoroso de Deus e para testemunhá-lo.1
Deus-Pai, por meio de sua sabedoria, manifesta seu poder
em seu amor.
Digamos ainda com mais precisão: Deus-Pai, o repre­
sentante do poder divino, por meio de seu Filho, que é a
expressão de sua sabedoria, obra no Espírito Santo, que é
a efusão do seu a m or.2

17 — OS ENVIOS

1. Conceito de envio.
1. A Trindade das diversas pessoas estende para fora
os ramos de sua estrutura interna. Continuam as eternas
procedências e se enviam as pessoas à criatura agraciada.
A sagrada escritura e os santos padres falam sem cessar de
que o Filho se hospeda em nós, com o que o Filho renasce
em nós, e também falam de que a palavra centelha em nós,
com o que o Pai é revelado pelo Filho.
Com freqüência se menciona também que o Espírito
Santo se verte nas criaturas, pelo que mora em nós e nos
une com o Pai e o Filho, dos quais proced e.3
2. A sagrada escritura somente diz do Filho e do Espí­
rito Santo que são enviados; do Pai diz que envia ao Filho
e ao Espírito Santo. O Filho é enviado pelo Pai, e com o

1. D II 1043-1056; cf. também VII, 20.


2. M/23.
3. D II 1057-1059; M/26.

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Pai envia ao Espírito Santo. No entanto o Espírito Santo
somente é enviado.
Quando as divinas pessoas vêm a nós para atuar em
nós, então Deus nos visita. Assim se diz sem cessar na sa­
grada escritura. Quando, por exemplo, o Espírito de Deus
atua em nós, então Deus nos consola e nos inicia em toda
verdade, como nos promete o Salvador.4
3. Quando Deus cria o homem, lhe faz doação de gra­
ças auxiliares, concede graças ao sacerdote para que possa
ajudar a seu próximo; assim não vai unido a esta concessão
nenhum envio. O Espírito Santo somente é enviado a nosso
coração na graça santificante; é gravado em nós com o um
selo, é reproduzido em nós com o uma imagem. Esta imagem
ou este selo vivem, estão unidos com a pessoa, não são uma
emanação de sua força. A não ser que a divina pessoa não
estivesse presente em nós, em virtude do envio teria que
estar com o o selo em sua impressão. O selo material se
afasta depois de estar em contato com a reprodução, porém
o Espírito Santo permanece em nós, porque sua imagem
somente pode existir nele e tirar sua existência dele.5

4. M/27; HG 59-70; D II 1060-1064.


5. M/28.
1) Hofer escreve, a este respeito, na Introdução a toda a obra:
"O principal problema da teologia de Scheeben, já não há que
buscá-lo na doutrina da inabitação do Espirito Santo na alma do
cristão. Hoje em dia aumentam as vozes que, como os santos
padres, assim também Scheeben, compreendem com uma visão do
conjunto a doutrina da Santíssima Trindade e pelo menos não
recusam reconhecer o decisivo pensamento fundamental: na vida
interna de Deus, o Pai, como ‘fons et origo’, tem uma primazia de
índole própria. No entanto, na comum atuação da Trindade para
fora, a pessoa do amor tem a primazia da atuação. Esta pessoa con­
duz o Filho e o Pai ao mundo que deve ser redimido e juntado inte­
riormente com a Santíssima Trindade. Assim não se rompe a unida­
de da essência e da atuação. Tampouco se prejudica a unidade pela
dignidade do Pai na vida interior divina. Portanto, o Espírito Santo,
a pessoa do amor, é o condutor desta atuação" (NG XII).
2) Para dar uma olhada sobre o “ câmbio” na doutrina de Sche­
eben, veja-se M 134ss, nota de Hõfer; cf. também D II 1065, nota 2a,
onde indica também a literatura. Da mesma forma cf. M/30, 2, 144,
nota de Hõfer. Grosche em HG 59, nota, se ocupa desta questão.
3) Hõfer explica a opinião de Scheeben sobre Petavio em NG
119, nota.
4) Frente a seus adversários, Scheeben se expressa mui extensa­
mente, tanto antes de 1870 com também em 1883/1884. Veja-se GA,
especialmente desde a pág. 165 até a conclusão do livro.

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2. Raiz dos envios.
1. O envio do Espírito Santo a nós tem seu fundamento
e seu modelo na procedência que este Espírito tem do Pai
e do Filho. Quando o Espírito Santo vem a nós, passamos
a ser filhos de Deus, porém não por uma procriação natu­
ral, mas sim mediante o amor, o dom, a liberalidade de
Deus. O fruto mais perfeito do amor, ou seja, o Espírito
Santo, no qual o Pai e o Filho se abraçam com amor, é
germe e raiz de todos os frutos que Deus produz em nós
por este seu amor. O amor do Pai pelo Filho, que já se
revelou no Espírito Santo de uma maneira tão imensa­
mente fecunda e deliciosa, deve também revelar-se em
nós, suas criaturas, fora da vida interna de Deus.
2. A natureza divina se comunica a nós por uma raiz
de dupla fibra. Esta raiz está contida na Santíssima Trinda­
de. Assim com o o Filho procede do Pai à maneira de um
menino, assim também é concebível que nós possamos com ­
parecer ante Deus-Pai como irmãos do Filho. Isto resulta
possível porque o Pai e o Filho comunicam seu amor ao
Espírito Santo, que nos regala, enquanto nós com o criaturas
som os capazes de tal regalo. O Espírito Santo, que é o resul­
tado da unidade do Pai e do Filho, procura que nos possa­
mos unir com Deus.
Se refletimos sobre estes mistérios, compreendemos que
era absolutamente necessário para nossa vida sobrenatural
fazer-nos saber algo da geração do Filho, da procedência do
Espírito Santo e de-toda riqueza da Santíssima Trindade,
porque do contrário nunca poderíamos vislumbrar como
Deus trino e uno nos ama e nos cumula de graças.
3. Não é tão só o Espírito Santo quem nos vivifica por
meio da graça e mora em nós; toda a Santíssima Trindade
nos agracia e nos tom a partícipes da natureza divina. Porém,
não obstante a sagrada escritura não nos chama templos do
Pai ou do Filho. A infusão da vida divina ressalta com a
máxima clareza na pessoa que é o alento pessoal desta vida.
Por isso o Pai aparece com o o que nos gera como filhos seus,
o Espírito Santo, exalado pelo Pai e o Filho, infunde-nos a
vida divina. O Filho não é para nós nem o criador nem o
5) Hõfer diz terminantemente: "a melhor maneira de julgar im­
parcialmente a Scheeben, é que o leitor não indague tanto as que se
chamam ‘doutrinas próprias’ de Scheeben, senão que com solícita dili­
gência procure fazer-se cargo do conjunto como conjunto. Aquelas
doutrinas logram sua importância no conjunto e pelo conjunto. Os
investigadores poderiam ser hoje em dia mais numerosos que nos
decênios passados" (M VIII).
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viviíicador, senão que começa a viver novamente em nós.
Renasce do Pai em nós, por meio do Espírito Santo, vem a
nós com o palavra, com o imagem do Pai. Também se pode­
ria dizer do Pai e do Espírito Santo que começam a viver
em nós, porém não se poderia dizer que renascem em nós,
porque não têm sua própria vida divina e seu próprio ser
divino por engendramento com o o F ilho.6
4. O Espírito Santo desce do coração de Deus a nós
com o beijo, com o abraço; traz a nosso coração o amor divi­
no e nos enriquece com seus dons. Penetra-nos e nos infla­
ma com seu fervor, vivifica-nos e reanima-nos com seu amor
casto. Mantém a mais íntima relação entre Deus e nós. É
para nós a prenda do amor de Deus. Desce a nosso coração
com o a seu templo. Por meio dele, nossa alma se converte na
esposa virginal de Deus, e ainda na mãe virginal que pode e
deve suscitar de novo a vida divina em seus irmãos e irmãs.
Maria, a esposa ideal e genuína do Espírito Santo, é o m o­
delo, proteção e ajuda de nossa alma.
Podemos falar assim, porque somos filhos da Igreja;
todos, com o consagrados a Deus, somos também símbolos do
Espírito Santo, pombas agraciadas em seu vôo para Deus.7
5. Como o Espírito Santo é um só Deus com o Pai e o
Filho, e as três pessoas, por causa de sua unidade na subs­
tância, estão inseparavelmente unidas entre si, o Pai, o Filho
e o Espírito Santo vêm a nosso coração, ainda que com di­
ferente apropriação. Para nós, esta honra é infinitamente
grande, porque somos infinitamente pequenos ante o Deus
Infinito. E, no entanto, para Ele é uma delícia estar conos­
co, os filhos dos homens, apesar de que a nossa pequenez
ainda ajunte à nossa propensão o pecado (cf. Prov 8,31).
Disse Santo Agostinho: O Pai, o Filho e o Espírito San­
to vêm a nós, se nós vamos a Eles; Eles Vêm, ajudando-
-nos — nós vamos, obedecendo; Eles Vêm, iluminando-nos
— nós vamos conhecendo; Eles Vêm, enchendo-nos — nós
vamos, recebendo.
Seu olhar não seja para nós exterior — senão interior.
Sua morada não seja passageira — senão eterna.8
3. Finalidade dos envios.
O Espírito Santo é enviado a nós para que cheguemos
a ser partícipes da natureza divina e deste m odo consigamos
6. M/25; HG 70-75; D II 1065-1073.
7. D II 1025; cf. o símbolo da antiga Igreja; as pombas bebem
da ânfora.
8. HG 67-70.
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a companhia do Filho de Deus, que renasce em nós. Por
conseguinte, acercamo-nos com o irmãos de Cristo, de seu
Pai, que também é nosso Pai. Assim, pois, o Filho e o Espí­
rito Santo nos conduzem a nosso último fim: com o filhos
do Pai divino som os conduzidos a Ele para ser unidos com
Ele.
Som os acolhidos sem reserva no seio do Pai, quando o
Filho de Deus renasce em nós com sua total e completa
glória, e vemos ao Pai com o Filho face a face — na eterni­
dade. Aqui está o último fim de todos os envios. Aqui neste
mundo, somos ainda conduzidos; na eternidade, estaremos
unidos: o Pai se nos oferece na Paz da divina Trindade
para dar-nos um gozo sem piterno.9

4. O envio do Espírito Santo.


a) Beijo e prenda
1. A interna efusão do amor entre o Pai e o Filho, que
se efetua no Espírito Santo, é reproduzida e continuada em
nós quando se nos derrama o amor sobrenatural, divino
e filial. Neste amor é oferecido a nosso coração o Espírito
Santo, a corrente do amor divino. Ele se verte em nós e
nos enche. A divina virtude do amor domina nossa vontade
e a capacita a fazer, inclusive, atos explícitos de amor. “ O
amor de Deus é derramado em nossos corações por meio
do Espírito Santo que nos é dado” . A chama divina do amor,
que arde no Espírito Santo, penetra também em nossos
corações e os inflama com o santo fogo do amor. O Pai e o
Filho são os que inspiram seu espírito em nosso coração,
assim com o "Deus inspirou alento de vida no rosto de Adão”
(cf. Gên 2,7 e 1 Cor 15,45). Dificilmente há uma comparação
mais viva e acertada para fazer-nos ver com o o Espírito
Santo é enviado a n ó s .10
2. O Espírito Santo habita com o pessoa em nós com o
beijo de amor e sua prenda. Conhecendo e amando ao doce
hóspede de nossa alma, gozamos dele, correspondemos ao
beijo de Deus e saboreamos sua inefável meiguice. “ Ser
beijado pelo beijo não é mais que ser pleno do Espírito San­
to", disse São Bernardo.

9. M/31; D II 1074-1077.
10. M/28; a este respeito veja-se Rom 5,5; cf. 1 Jo 4,13; Rom 8,9ss;
1 Cor 2,12.

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3. O Espírito Santo vem a nós como o presente incria-
do, pessoal; é protótipo e ao mesmo tempo é móvel deste
obséquio que nos comunica o amor divino. Entre nós, os
homens, o dom é o sinal do amor, porém o amor mesmo
não está no dom. Deus nos dedica seu amor paterno no
Espírito Santo, e este amor o possuímos em seu natural m o­
do de ser e em sua emanação pessoal. O Filho disse ao Pai:
“Para que o amor com que me tens amado, esteja neles”
(Jo 17,26). São Pedro nos disse: “ . . . o espírito de Deus
repousa em nós” (1 Pdr 4,14).
4. Como beijo e prenda, o Espírito Santo é nosso pro­
tetor, nosso consolador, nosso paráclito que nos tem prome­
tido o Filho de Deus e que a Igreja venera afetuosamente.
Que nos consola e ajuda mais que o saber que somos amados
por Deus com amor paterno no Espírito Santo, e que pos­
suímos os dons nos quais este amor paterno se nos comuni­
ca? Este amor verte em nós a fonte do amor filial, o Espí­
rito do Pai e do F ilh o.11
5. Assim com o o Espírito Santo é o ósculo com que o
Pai nos adota com o filhos, assim também é o ósculo do Filho
com que nossa alma vem a ser sua esposa. ‘‘Beije-me com
beijos de sua boca!” , roga a alma agraciada no Cântico dos
Cânticos, para que, por meio do beijo espiritual do Filho, a
alma fique unida com Ele em seu Espírito. “ Quem se une
ao Senhor é um espírito com Ele” (1 Cor 6,17). Assim tam­
bém nos unimos com o Filho de Deus no Espírito Santo.
O Filho suscita em nós o alento de vida, por meio do qual nos
fundimos com Ele: uma chama acende a segunda, e ambas
vêm a ser uma labareda. O espírito do esposo mora em sua
esposa, une-os a ambos no matrimônio espiritual. No ma­
trimônio humano, este está representado pela unidade corpo­
ral, que é ambicionada pelo amor recíproco entre o esposo
e a esposa. São Bernardo escreve: “ Reconhece que sois
filha do Pai e esposa do Filho no Espírito do Filho: ‘Vem
a meu jardim, irmã minha, esposa’ (Cânt 5,1). Irmã, porque
procede de iam Pai; esposa, porque procede de um Espírito” . 12
O Espírito Santo é algo assim com o o beijo da palavra,
o hálito vital que procede do Pai, e com o esposa da pala­

11. M/29; HG em muitos textos; GA 36-39, donde HG põe de re­


levo as linhas fundamentais (cf. nota 5 precedente).
12. M/30.

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vra vivifica nossa alma, inspirando em seu rosto a vida di­
vina. 1}
O Espírito Santo, outorgando-nos a nobreza divina, nos
eleva à mesma nobreza que o Filho de Deus e nos faz dignos
de sua boda. Comunica à nossa alma aquela beleza e atra­
tivos celestiais que embelezam de tal m odo ao Filho de Deus,
que desce de seu trono divino para abraçar-nos e conduzir-
-nos ao Pai. O Espírito Santo, o laço do amor divino, é
padrinho de boda, prenda e anel nupcial de nosso casamento
com a palavra divina. Dá-nos a audaz confiança, com o a
esposa no Cântico dos Cânticos, de pedir a nosso esposo
celeste o beijo de sua boca, e — ó maravilha! — este beijo é
precisamente o Espírito que o Filho de Deus nos inspira,
para fazer-nos receber seu amor e sua mais íntima presença.
O Espírito Santo nos introduz na glória da palavra e coloca
nossa alma no trono, para que “ à direita esteja a rainha,
ouro de Ofir” (SI 44,10). Que outra coisa nos resta por
fazer, senão cantar cheios de amor e profundo respeito: “Meu
amado é para mim e eu sou para ele. Eu sou para meu
amado, e a mim tendem todos seus desejos” ? (Cânt 2,16;
7,10).14
6. Não é esta a participação do Espírito Santo, da qual
fala São Paulo em suas cartas? (2 Cor 13,13; Flp 2,1). E não
dourado do Espírito Santo. “ Sede solícitos por conservar
com todos os que estão juntos, unidos por meio do vínculo
dourado do Espírito Santo. “ Sede solícitos por conservar
a unidade do espírito, mediante o vínculo da paz” (Ef 4,3).
Esta unidade é o mesmo Espírito Santo. É o vínculo da paz
que nos entrelaça a todos nós. Nele somos todos “ um corpo
e um espírito" (Ef 4,4). Assim como o Pai e o Filho se exa­
lam no beijo eterno com o prenda irrevogável do Espírito
Santo, assim também nós devemos estar e permanecer uni­
dos no beijo deste Espírito por toda a Eternidade.15

b) Luz e vida
1. O Espírito Santo é comunicado a nós com o espírito
que nos dá nova vida, que nos ilumina. O Espírito Santo
para nossa inteligência é farol, para nosso coração é vida.
Não só ilumina a partir de longe, como o sol irradia a luz

13. D VI 28.
14. HG 113.
15. M/30.

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à terra, senão que desce e é derramado em nós; nele estamos
batizados, submergidos, com ele estamos ungidos.16
2. O Espírito Santo reina em nós, com o o sol no firma­
mento ilumina, transfigura e embeleza a terra. O bosque e

16. D VI 27.
Guardini escreve em Licht und Glut: ali está o círio, leva uma
chama radiante. Nossos olhos vêem sua luz, a acolhem em si, mistu­
ram-se com ela e, contudo, não a tocam. A chama permanece em si,
e os olhos também, e, contudo, se leva a cabo uma unificação; uma
união com profundo respeito e honestidade, se poderia dizer, sem
que se toquem nem juntem, meramente na contemplação. Uma pro­
funda semelhança daquela união que se efetua entre Deus e a alma
no conhecimento.
Na chama há também uma união por meio de seu calor. Perce­
bemos a chama no rosto, na mão; notamos como nos penetra aque­
cendo, e contudo a chama está intacta em si mesma. Assim é o amor:
uma unificação com a chama de Deus por meio do ardor, e, contudo,
nada toca a chama de Deus. Porque Deus é bom, e para quem ama
o bem, este vive no espírito. O bem é meu, enquanto o amo.
Conhecer e amar a Deus é unir-se com Ele. Por isso a eterna
bem-aventurança será contemplar e amar. E isto não significa estar
adiante com fome, senão estar no mais profundo do interior; satisfa­
ção e saciedade (HZ 41s).
Kirchgássner descreve o simbolo do s o l: o sol é centro e causa
primitiva do céu. É a luz e a saída de todas as luzes. Sem o sol,
não há vida nem crescimento. Capacita o olho para receber o con­
torno e a cor. Regula o dia e o ano. Um exemplo eloqüente da im­
portância religiosa deste símbolo é a orientação de templos e sepul­
cros egipcios, babilónicos, semitas e dos primeiros séculos do cris­
tianismo. É um costume geral orar olhando para o oriente. O dia
de aniversário dos romanos era dia do “sol invicto’’ e foi transforma­
do no dia do nascimento cristão; ... sinais solares (um círculo com
raios de luz, cruz cramponada etc.) se encontram freqüentemente en­
tre as figuras da época glacial e entre os homens (casas sepulcrais de
pedras colocadas em sentido vertical, com uma pedra que cobre). Em
uma figura rupestre do Saara, que tem uma antigüidade de mais
de cinco mil anos, um carneiro leva o disco solar em seus chifres.
Em Seeland encontrou-se um disco de ouro colocado em um carro
brônzeo de cavalos. A coroa de raios e a roda são assim mesmo
representações do sol e por isso simbolizam uma dignidade celestial
(MZ 112).
A cham a é uma centelha solar e por isso é um símbolo do s o l...
A "chama mordaz” se nutre de vítimas e se converte assim na imagem
da divindade, que se manifesta robusta por meio de sacrifícios...
Não é só um elemento aniquilador, senão também um elemento que
libera de poderes sombrios e glorifica. A liturgia cristã também
conhece o fogo do sacrifício no incenso e no círio ardente, do qual se
diz no canto de consagração: "o sacrifício vespertino deste círio
ardente". Segundo a lei romana, não se podia preparar nenhum
sacrifício sem fogo. Ardem lâmpadas diante dos altares e imagens
santas. O candelabro de sete braços no templo; a luz eterna; círios
na celebração da missa; círio meteorológico etc. (MZ 112ss).

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o prado, a montanha e o vale resplandecem com mais clari­
dade e beleza à luz do sol, que na névoa sombria. Porém,
o mesmo sol não penetra na flor, não cresce com a folha na
árvore, não produz por si mesmo uma nova vida. O sol do
Espírito Santo penetra em nós e traz a nossas almas a nova
vida do filho de D eus.17
3. Em nossa procriação corporal, Deus nos faz doação
da vida natural que vivifica o corpo, move-o, o faz sentir.
Provê a nossa alma de razão e livre vontade, para que possa
conhecer e amar a verdade, o bem e a beleza. Assim já so­
m os vivas imagens de Deus.
Porém esta vida natural apenas é uma sombra da vida
divina que Deus nos regala no batismo. É tão pequena, tão
débil, tão limitada, que está mais morta que viva, se se com ­
para com a vida sobrenatural que o Espírito Santo suscita
em nós.
O Espírito Santo, com o alento da vida divina, fertiliza
o solo de nossa alma com o germe da vida celeste. Antiga­
mente, na criação, o Espírito Santo pairava sobre as águas
e vivificava a terra morta com germes vitais das plantas,
animais e homens. Porém quando a água batismal flui sobre
o batizado, o Espírito Santo fecunda a alma morta com
germe de vida divina e faz germinar e brotar nela as virtu­
des divinas da fé, da esperança e da caridade. O profeta
Eliseu se debruçou sobre o menino, pondo sua boca sobre
a boca do menino, seus olhos sobre os do menino e suas
mãos sobre as mãos do menino (2 Rs 4,34). Assim também
o Espírito Santo se inclina sobre nossa alma com afeto e
amor. Sua boca inspira em nossa boca o alento de sua vida
divina; seu beijo traz ao nosso coração o espírito de seu
amor; ilumina os olhos de nosso espírito com seus olhos
oniscientes, faz que se derrame em nós o vigor sobrenatural
para que vivamos em Deus e Ele viva em nós.
Eliseu abandonou o menino depois de havê-lo ressuscita­
do, porém o Espírito Santo tem que permanecer conosco;
sem ele não podemos conservar em nosso peito a vida divi­
na. Permanece em nós com o nossa alma em nosso corpo e

17. D III 901. Hoje sabemos que o sol produz e consegue uma
nova vida na planta. A quantidade de luz que vem do sol penetra
na folha e por melo da clorofila dissocia o anidrido carbônico
(da planta), o carbono e oxigênio; o carbono nutre a planta dando-lhe
vigor e o oxigênio toma ao ar.

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nos vivifica com vida sobrenatural. Enxerta o divino rebento
de sua vida em nosso débil e enfermiço espírito para que,
ao contrário do que sucede na natureza (Rom 11,24), este re­
novo aperfeiçoe o tronco, transforme nossa vida na sua. O
Espírito divino penetra em nós para que, nutridos por sua
luz, possamos dar impulso a florações celestes e, cheios de
fervor divino, possamos produzir frutos de amor espiritual,
que não desapareçam em toda a eternidade.
4. A vida natural é tão valiosa, que inclusive o menor e
mais desprezado verme tem mais valor que o sol, sem o
qual o verme não pode viver. O sol não vive, não pode sele­
cionar matéria para crescer com o o verme; somente diminui
em forças quanto mais irradia sua luz.
O que vive, se move de dentro para fora, sem necessitar
de um empurrão externo. As plantas vivem, desenvolvendo-se
desde a semente, absorvendo com sua raiz matéria inanima­
da, juntando-a a seu corpo vivo e com pondo assim sua confi­
guração para produzir flores e frutos. Porém as plantas não
podem mover-se do lugar com o o animal, que além disso
pode também ver, ouvir, farejar, gostar e comer. Assim,
pois, o animal é muito mais rico que a planta. O homem,
com sua razão, busca, ele mesmo, os meios para conservar
sua vida; inclusive pode penetrar no interior das casas, pode
investigar sua maneira de ser; pode caminhar pelo terreno
do possível, e compreender e investigar coisas e verdades
sensíveis e inclusive abstratas, espirituais. Desde a profundi­
dade, levanta seu olhar para as alturas nas quais reina o infi­
nito. Porém, enquanto o Espírito de Deus não vem a nós
com sua graça sobrenatural, nossa alma jaz de certo modo
no solo, semelhante a uma pedra que não pode conter a luz
do sol nem desfrutar dela. Como um verme, aderimo-nos ao
solo e somente com esforço reconhecemos as criaturas com o
pegadas de DEUS, estamos simplesmente mortos para os
sobrenaturais. Porém se a vida sobrenatural nos invade, ele­
vamo-nos às alturas imensas da divindade. Então o Espírito
Santo sopra em nós com seu poderoso hálito e nos leva até
o trono do Pai celestial: o Espírito Santo — nossa luz e vida.
5. Nossa vida natural não pode durar eternamente,
avança cada dia para a morte, cujo germe já leva em si desde
o dia em que foi engendrada. Para subtrair-nos à morte,
ainda que só seja por um par de dias, tomamos os mais
amargos medicamentos e sofremos as mais difíceis opera­
ções. Que grande bem é para nós a vida natural! Quanto

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mais há de ser a vida divina que o Espírito S 'n to nos regala!
Também hoje vale a sentença do Salvador: “ Quem ama sua
vida, perde-a; e quem odeia neste mundo sua vida, guardá-
-lará para a vida eterna” (Jo 12,25).18

c) Alma de nossa alma


1. Não estamos neste mundo abandonados nem sós;
conosco se tem unido no batismo, de uma maneira misterio­
sa, a terceira pessoa da divindade, ou seja, o Espírito Santo.
Estamos amalgamados com o divino hóspede mais intima­
mente que os seres humanos nas núpcias terrenas. O Espí­
rito de cima nos imprega, penetra em nós que somos homens
miseráveis. Não mora em mim com o minha alma, de tal
m odo que ele e eu nos fundimos formando uma só natureza.
Isto é inconcebível, porque Deus, com o espírito puro, não
pode unir-se com a matéria ou com um espírito imperfeito
formando uma substância permanente. O Espírito Santo
somente se une a nós para entrar dentro de nós. Porém
nos enche até a perfeição, e ainda com maior perfeição que
aquela com a qual minha alma vivifica e configura o corpo
terreno. Precisamente o Espírito Santo adorna e coroa so­
brenaturalmente a nossa alma. Vem a nós com o a alma de
nossa alm a.15
2. O Espírito Santo, penetrando em nossa alma, tem
que invadir simultaneamente também nosso corpo, de uma
maneira parecida com a carne vivificante de Cristo que, glo­
rificada, também se une com nosso corpo quando comun­
gamos. Na encarnação não se tem unido também a palavra
de Deus em Cristo com sua humanidade? Também aqui
persiste a diferença: Deus segue sendo Deus, e o homem
segue sendo homem, porém ambos se unem formando uma
pessoa, a divina. Quando o Espírito Santo vem a nosso co­
ração, continua ele próprio resultando duas naturezas e duas
pessoas, que vivem separadas uma ao lado da outra, e con­
tudo o Espírito Santo penetra em nós, ainda que não tão
perfeitamente com a palavra divina se une com Cristo.:o
O Espírito Santo é a raiz e fonte de nossa vida sobf5-
natural da alma; só por meio dele a alma pode crescer e

18. HG 70-74; 247-253.


19. D III 850.
20. D III 851.

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desenvolver-se vigorosamente, já que ele está unido conosco
mais intimamente que o coração vivo e protetor da mãe
com a vida do filho que leva em seu seio.21
Quando o fogo penetra no ferro, já não podemos distin­
guir o que é fogo e o que é ferro e, no entanto, ambos con­
tinuam separados em sua natureza. O ferro resplandece
com o fogo e no entanto antes era negro, escuro; torna-se
flexível e se submete docilmente ao martelo do ferreiro. A
massa compacta de ferro pode ser transformada, inclusive
em obras de arte, as quais fazem que o ferro se converta
fácil e suavemente em grades já montadas. O fogo transfi­
gura e anima o ferro que passa a ser calor e luz. Assim
também o Espírito Santo vivifica nossa alma morta por meio
de sua luz e sua vida, e a transfigura em glória celestial.22
3. Os santos padres chamam também ao Espírito San­
to semente do Pai, porque é plantado com o uma semente
em nosso coração para vivificá-lo, dar-lhe alento, robuste­
cê-lo, a fim de que cresça e dê frutos para a vida eterna.23
Como Espírito do Pai, nos gera fazendo-nos filhos de
Deus, que devemos herdar a bem-aventurança eterna no céu.
Como Espírito do amor paterno, desce a nós para pro­
teger-nos e cuidar-nos, a fim de que seja cada vez mais a
alma de nossa alma.
Como Espírito do Filho, nosso chefe e esposo, nos faz
semelhantes ao Filho (cf. Gál 4,6), porque nos ama de uma
forma inefável na palavra divina. Quando ao Espírito Santo
o chamamos também “ Espírito da Graça” , “Espírito da Vi­
da” , “ Espírito da Santidade” , “ Espírito do qual e pelo qual
vivemos” , estes nomes podem designar também a graça cria­
da, e significam então emanação, reflexo ou órgão da graça
incriada. Assim reunimos organicamente a graça criada e
a incriada. Algo parecido sucede na alma humana: é um
espírito e pode existir também de per si, porém envia suas
correntes aos nervos do corpo que movem os músculos e

21. D IV 27
22. D III 901. Aqui a física nos oferece uma comparação acer­
tada: a corrente elétrica flui pelo fio na lâmpada elétrica, e o fio se
torna incandescente. Assim também o Espirito Santo se aloja na
alma, que em seguida se inflama com o brilho natural da graça.
23. D VI 28; cf. D V 545ss; IV, 11.

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por meio dos nervos podemos ver, apalpar, ouvir e ter sensa­
ções. 24
4. Nosso espírito não somente deve viver segundo as
inclinações naturais, senão que está animado pela natureza
divina, que é plantada em nosso espírito no batismo (cf. 2
Pdr 1,4). Comunica-se-nos o Espírito Santo que é a alma de
nossa alma. Ser espiritual no amor ou levar uma vida espi­
ritual no sentido cristão, não se opõe somente a nossa vida
instintiva que foi deteriorada pelo pecado original, senão
que estamos capacitados e somos conduzidos por meio do
Espírito Santo para amar a Deus e fazer o bem. Somos
cheios da alma e do amor do Espírito Santo. Com ele nos
movemos e vivemos no amor divino que brota então de nos­
so coração com o de uma fonte. Não amamos já tanto as
coisas terrenas, ainda que sejam espirituais, senão sobretu­
do ao espírito mais puro, ao mesmo Deus, e assim somos
transfigurados e divinizados.
O apóstolo Paulo, na carta aos romanos, contrapõe esta
espiritualidade à concupiscência da carne; esta espiritualida­
de nos pertence com o filhos de Deus, nos faz donos do espí­
rito de Cristo, o Filho de Deus. Como Cristo vive, assim
também vivemos nós; de tal form a que vimos a ser um espí­
rito com o espírito do Filho (cf. 1 Cor 2).
Assim podemos vencer e dominar a luxúria, o que na
ordem natural com grande dificuldade o poderíamos conse­
guir, porém agora, quando levamos uma vida no espírito,
este nos ajuda a obter a vitória.
“ E nós não temos recebido o espírito do mundo, senão
o espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que
Deus nos tem dado graciosamente. Disto falamos não com
palavras que possam ensinar a humana sabedoria, senão com
linguagem aprendida do espírito; e àqueles nos quais resi­
de o espírito, expomos as verdades que nos ensina ele mes­
mo. O homem no qual não reside o espírito de Deus, não
compreende as verdades que ensina o espírito; são uma ne­
cessidade para ele; e não pode compreendê-las porque só se
compreendem com ajuda do espírito. No entanto, o homem
que o possui pode conhecê-lo todo sem que ele possa ser
conhecido por nenhum outro. Porque: quem conhece a men­

24. D VI 28.

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te do Senhor, e quem pode instruir-lhe? Nós sim temos a
mente de Cristo” (1 Cor 2,12-26).26
Cristo seja nossa comida,
nossa bebida seja a fé:
bebamos alegres
a sóbria profusão do espírito!
(Lauães de 2^-feira)

d) Imagem e selo
1. Os santos padres gregos designam ao Espírito Santo
com o imagem do Filho, porque manifesta em si toda a vita­
lidade da palavra, de tal form a que esta vitalidade nos faz
semelhantes à imagem de Nosso Senhor. Como um selo no
qual está representada a imagem do Filho, o Espírito Santo
é gravado em nosso espírito. Deste m odo, ele nos adorna
com o se aformoseia um anel com uma jóia . 26 Esta metáfo­
25. NG 112-114; cf. todo o capítulo: ü b em atü rliche Geistigkeit,
no qual Scheeben mostra a indiferença entre espiritualidade natural
e sobrenatural.
26. D III 1011; D III 853. Não se inventa nem se acha a imagem,
senão por intuição ou meditação se descobre em uma experiência
inspiradora um rasgo que é imitável, e portanto é compreensível pelos
próprios meios. Formando a imagem, tem-se o conjunto ainda que
somente seja um trecho ou inclusive só uma idéia da totalidade do que
se tem experimentado, porque a parte participa no conjunto. Ali
onde está a imagem, o espaço se tem condensado por meio de forças
invisíveis. A potência da primitiva imagem tem conseguido neste lugar
um posto que ela mantém contra outros poderes. A imagem refulge e
se faz presente de um novo modo. Impõe-se a comparação com
ondas etéreas que invadem o universo e são captadas por instrumen­
tos e transformadas em sons. A origem da imagem é uma repetição
da cosmogênia. Assim, pois, as imagens são muito mais que ajudas
para recordar ou formas de comunicação (entre as quais há que
contar a escritura hieroglífica).
Quando na perseguição japonesa dos cristãos se exigia que se
pisassem as imagens santas, perseguidores e perseguidos estavam
inteiramente de acordo com o juizo de um tal ato: o que se fazia
com a imagem, afetava a realidade representada, era mais que um
desprezo externo; a intenção, pelo menos, era destruir o santo.
As imagens do culto são "ritos externos que nunca cessam de
manter ativas as forças salvadoras" (tempo sobre as imagens das
catacumbas). . . A força da forma exemplar da imagem primitiva
sobressai, constitui uma esfera que está governada pelo “pneuma"
da imagem primitiva... O homem que se acerca em atitude de vene­
rar, é incluído na existência superior e dai se o provê de novas for­
ças... As pinturas rupestres... não tiveram sua origem na inclina­
ção a configurar, senão na fé, na necessidade... Nossa expressão
“fixada (ou reproduzida) na imagem", manifesta com muita precisão
o que queria dizer primitivamente a imagem. A imagem participa
no original e deve proporcionar as forças deste... (MZ 142ss).

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ra da imagem e o selo está firmemente arraigada na Escri­
tura:
2 Cor 1,21: "Deus nos dá fortaleza em Cristo, e co­
nosco a dá a vós; ele nos ungiu e ele nos marcou com seu
selo, depositando em nossos corações o penhor do Espí­
rito” .
Ef l,13s: . .Tendes sido selados com o selo do Espí­
rito Santo prometido, Espírito que é penhor de nossa he­
rança . . . ”
Ef 4,30: "E não provoqueis o Espírito Santo de Deus,
com o qual fostes marcados para o dia da redenção” .
2. O selo, enlaçado com a prenda, nos outorga um título
de propriedade sobre o pleno gozo de Deus, e com este títu­
lo somos acolhidos na família de Deus. Somos exaltados na
comunidade com o que concede a herança, ou seja, com
Deus-Pai. No selo do Espírito Santo somos unidos com
Deus e possuímos o penhor de que já aqui neste mundo so­
m os transformados cada vez mais segundo a imagem do
P ilho.27

e) Guia para ir ao Pai


1. O Espírito Santo, dando-se a nós, possuindo-nos e
morando em nós, nos tom a filhos do Pai e nos conduz a
Ele. "Todos quantos se deixam guiar pelo Espírito de Deus,
são filhos de Deus” (Rom 8,14). Somos guiados e dirigidos
pelo Espírito Santo, para que cheguemos a ser semelhantes
a Deus e levemos em nós uma imagem da natureza e da
vida divinas. A graça e o amor nos fazem possuir o espí­
rito mais próprio de Deus: vimos a ser irmãos do Filho e
obtemos o Espírito que ele possui. Por isso o Espírito
Santo é "Espírito de adoção filial, pelo qual clamamos:
Abba! Oh Pai!” (Rom 8,15). Para coroar e selar a dignidade
da filiação, Deus enviou o espírito de seu Filho a nossos
corações, donde ele clama: Abba! Oh, Pai! (cf. Gál 4,4).
Assim com o o Espírito, por sua procedência do Pai e do
Filho, coroa e aperfeiçoa a filiação da palavra, de um modo
parecido o Espírito de Deus sela também em nós a filiação.
“ Tendes sido marcados com o selo do Espírito Santo prome­
tido, Espírito que é penhor de nossa herança” (E f 1,13).

27. D III 853SS.

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O Espírito Santo, o mais sublime penhor do amor do
Pai, clama em nós: “ Oh Pai!” . Dá este brado com o filial e
confiado amor ao Pai, que tem derramado em nós. Dá este
brado em nós, porque nos aproxima do Pai e nos infunde a
mais afetuosa confiança nele. “ P orque... tem os... acesso ao
Pai mediante um só Espírito” (E f 2,18). Chegamos a ser
dignos de toda a afeição do Pai, porque o Espírito Santo
habita em nós. Reclama seu amor e seus benefícios em
favor de nós (cf. Rom 8,26). Oramos e suspiramos com o
Espírito Santo para que a glória dos filhos de Deus se ma­
nifeste plenamente a nós. Deus “vivificará também vossos
corpos mortais por obra de seu Espírito que habita em vós”
(Rom 8,11). Deus nos ressuscitará a uma vida gloriosa,
imortal, para glorificar-nos com o filhos de Deus com Jesus
Cristo, nosso irmão maior.
O Espírito Santo se hospeda em nós como laço e selo,
para que sejamos unidos com Deus com o filhos, assim com o
ele também é laço e selo da mais estreita unidade do Pai e
do Filho. Ouvimos orar ao Filho de Deus: "Eu te rogo que,
assim com o tu, Pai, estás em mim e eu estou em ti, sejam
eles uma coisa em nós” (Jo 17,20ss).28
2. Como filhos de Deus, som os irmãos e irmãs do
Filho; participamos em seu amor ao Pai, em sua vida no
Pai e em sua glória com o Pai. Ele é seu Filho, porque está
engendrado pelo Pai e por isso é essencialmente uma só
substância com ele. A nós se nos regala a dignidade de filhos
somente pela adoção; também estamos unidos com Deus,
porém esta unidade só é semelhante à que existe entre o
Pai e o Filho desde toda eternidade; contudo esta unidade
é efetiva, e Jesus, no cenáculo, disse diante de seus discí­
pulos: “ Eu te ro g o . . . que, assim com o tu, Pai, estás em
mim e eu estou em ti, sejam eles uma coisa em n ó s ...
Eu dei-lhes a glória que tu me deste, para que sejam consu­
mados na unidade, e para que o mundo conheça que tu me
enviaste e que os amaste, com o amaste também a mim. Pai,
quero que onde eu estou, estejam também comigo aqueles
que me deste, para que vejam a glória, a glória que me des­
te, porque me amaste antes da criação do m undo. . . Eu fiz-
-lhes e far-lhes-ei conhecer o teu nome, a fim de que o amor
com que me amaste esteja neles e eu neles” (Jo 17,22-26).

28. M/30.

87

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O apóstolo continua as palavras de Jesus, quando diz:
“ Deus nos marcou com seu selo, depositando em nossos cora­
ções o penhor do Espírito Santo” (2 Cor 1,21). Também fala
de que “o Espírito do Filho” nos é enviado, porque somos
filhos de Deus (Gál 4,5). “ A participação do Espírito Santo”
(2 Cor 13,13) é a expressão mais acertada para “nossa co­
munhão com o Filho” (1 Jo 1,3) e também para nossa filia­
ção de D eus.29
3. No eterno engendramento, o alento do Pai é exala­
do ao Filho com o substância de Deus, e a natureza espiritual,
viva, do Pai e do Filho, emanada por ambos, se verte no
Espírito Santo. Portanto este alento, esta natureza divina
é também própria do Espírito Santo, que por esta razão é
também a imagem do Pai e do Filho. Por isso o Espírito
Santo é considerado com o a natureza divina segundo a ma­
neira com que se comunica às criaturas: a semente espiri­
tual, viva, vivificante de Deus para engendrar filhos de Deus
e enxertar neles a natureza divina.
O Espírito Santo não nos gera como filhos de Deus se­
gundo a maneira com o o Pai engendra o Filho: necessária
e eternamente, na vida interna de Deus, senão com amor
livre, no tempo, no exterior. Não obstante, é uma verdadeira
imagem do benevolente e paternal amor e bondade de Deus,
que está disposto a comunicar-nos seus bens. Vimos a ser
filhos de Deus e irmãos de Cristo. Contudo, isto ainda não
é suficiente. O mesmo Espírito Santo, com o o alento vivifi­
cante de Deus, entra em nós juntamente com a graça criada,
de tal forma que não só venhamos a ser filhos de Deus,
senão também templos do Espírito Santo.30
4. Somos divinizados, quando som os adotados por
Deus com o filhos: nossas aptidões naturais não são simples­
mente aperfeiçoadas, desenvolvidas e saciadas, senão que são
elevadas, transfiguradas e glorificadas sobrenaturalmente
para “poder parecer-nos a Deus” , de tal m odo que chegamos
a ser semelhantes a Deus em sua glória, bem-aventurança e
santidade. Somos elevados até o seio de Deus, de onde ve­
remos face a face a Deus trino e uno. O Espírito Santo é
princípio e fonte de todas estas graças; a palavra divina é
causa das m esm as.31

29. D III 662-664; 795.


30. D III 856; 857.
31. D III 674ss.

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5. “Este mesmo espirito se une a nós para testemunhar
que somos filhos de Deus; e, se filhos, também herdeiros
de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rom 8,17). E o discí­
pulo amado nos instrui dizendo: “ Considerais que amor nos
mostrou o Pai que nos chama seus filhos. E o somos de
verdade” (1 Jo 3,1). Na oração do Senhor, a Deus chama­
mos Pai Nosso e nos designamos com o seus filhos. De longe
é para nós indiferente o que significa isto. Não fazemos
idéia a que altura nos podemos elevar, acima de todas as
criaturas até o seio de Deus Todo-Poderoso. São Pedro Cri­
sólogo ( f 451) nos adverte: “ O mesmo Deus nos ensina a
orar: ‘Pai Nosso’. Impele-nos a rezar assim e nos manda.
Por isso seguimos a graça que nos chama, seguimos o amor
que nos arrasta, seguimos o carinho que nos convida. Que
Deus é nosso pai sente-o nosso coração, confessa-o nossa
alma, proclama-o nossa língua; e tudo o que há em nós cor­
responde à graça e não ao temor. Porque quem de juiz
passou a ser nosso pai, quer ser amado, não temido” .
6. Nós os homens não somos propriamente filhos de
Deus, senão seus servos. Estamos em um nível muito mais
baixo que os anjos, que também são tão só seus servos.
Somos criaturas de Deus, obras de suas mãos, estamos
submetidos a Ele absolutamente em tudo, pertence-lhe tudo
o que somos e temos, estamos estritamente obrigados a ser­
vi-lo, que é Nosso Senhor, e a adorá-lo. Se o olharmos
de nós mesmos, Deus nunca pode ser nem chegar a ser nosso
pai. Ele nos tem criado e nos conserva na existência, dis­
pensa-nos muitos benefícios, não com o um tirano, senão co­
mo um senhor bondoso e benigno; com o nosso criador é
mais pai do que pode sê-lo um pai corporal.
Porém entre Deus e nós há um abismo infinito. Nunca
estamos tão perto de Deus com o um menino está perto de
seu pai aqui neste mundo. Ainda que sejamos uma viva
imagem natural de Deus, somos somente criados, porém não
engendrados por Deus. Somente o Pilho de Deus, a palavra
divina, é engendrado pelo Pai, e por isso ele forma com o
Pai uma só natureza. É a imagem da essência do Pai, a
palavra de seu conhecimento; procede do Pai com o luz de
luz, com o Deus de Deus, é o mesmo Deus e um só Deus com
o Pai. — O chegar a ser seus irmãos não é uma espoliação
que fazemos a Deus? Não lhe arrebatamos seu direito mais
excelente, isto é, o direito de ser Filho de Deus? Pode cada
um de nós pôr-se a seu lado, a fim de ser acolhido com ele

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no seio do Pai, compartir o amor e a herança do Pai eterno,
a fim de ser um com o Pai, com o o Pilho é um com o Pai?
7. Podemos chegar a ser irmãos e co-herdeiros de Cris­
to? Pelo que depende de nós, isto é impossível; porém, por
parte de Deus, é possível. O que não podemos pretender
nos regala o Deus infinitamente dadivoso. Temos de chegar
a ser seus filhos por meio da graça, irmãos e irmãs de Cristo,
e co-herdeiros do reino celeste. O mesmo obteve a vida dos
filhos de Deus por meio de seu sangue; fez-se carne para
“ dar aos que crêem em seu nome o poder de chegarem a ser
filhos de Deus” (Jo 1,14). Ele quer “ ser o primogênito de
todos os irmãos” (Rom 8,29). Fala de Deus com o de seu
Pai e nosso Pai, e nos ensina a rezar o Pai Nosso.
Isto se refere a nós, que por natureza estamos infinita­
mente mais por baixo de Deus do que um súdito pode estar
com respeito a seu rei terreno. Ainda que o último escravo
fosse adotado por um rei, isto nunca se poderia comparar
com o que Deus nos oferece, se nos adota como seus filhos.
8. De forma alguma nos temos tornado dignos desta
suprema honra; diante de Deus somos única e somente de­
vedores e pecadores; ofendemo-lo inclusive quando já temos
chegado a ser seus filhos, perdemos a filiação e a herança
do céu, e nos tornamos dignos da eterna condenação. E, no
entanto, Jesus Cristo, o Filho de Deus, se sacrifica por nós
para tornar-nos novamente dignos da filiação de Deus por
meio de seus sofrimentos e méritos, enquanto estamos neste
mundo, e para adotar-nos novamente com o seus irmãos.
Há um amor maior? *2
9. Não somente nos chama filhos, senão que também
o somos. Devemos “ reproduzir a imagem do Filho, para que
este seja o primogênito de todos os irmãos” (Rom 8,29).
Nosso irmão primogênito nos garante que somos filhos
de Deus por meio do Espírito Santo: “ Sede perfeitos, com o
é perfeito vosso Pai celestial” . A nós, os filhos de Deus, não
nos basta aperfeiçoar-nos com o pretendem fazê-lo os homens
ordinários; cônscios de nossa excelsa dignidade, tomamos
por modelo ao niesmo grande Deus, nosso Pai. O mesmo nos
chama por meio da fé e amor para que procedamos assim.
Se já somos filhos de Deus por meio do Espírito Santo, tam­
bém temos que nos deixar guiar por Ele (cf. Rom 8,14).

32. H G 76-81.

90

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Porém o Espírito de Deus é o amor, amor puro, amor ardente
a Deus e aos homens; Ele é a luz temida por todas as trevas
do pecado; é o fogo ardente que destrói manchas e vícios.
Na sua luz queremos caminhar, acreditar-nos com o filhos
da luz e não tornar-nos nunca às trevas. Nunca nos entre­
garemos a estes poderes sombrios, de cuja servidão nos tem
liberado a graça do Espírito Santo. “ Demos graças a Deus-
-Pai, por me?o de seu Filho no Espírito Santo, que se apiede
de nós pelo grande amor com que nos tem amado, e quando
estávamos mortos pelo pecado, nos tem vivificado em Cristo
e com Cristo” (São Leão Magno, f 4 61 ).”

f) Doce hóspede da alma


1. Disse São Paulo: “ Não sabeis que sois templo de
Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1 Cor 3,16).
“ Não vos pertenceis a vós mesmos, senão que vosso corpo
é templo do Espírito Santo” (1 Cor 6,19). Somos proprie­
dade do Espírito Santo, e ele nos pertence. Vem a nós para
habitar-nos como em seu templo. As três divinas pessoas
possuem em comum nossa alma, porém a posse é atribuída
ao Espírito Santo, porque o Pai e o Filho se entregam a nós
no Espírito Santo e tomam posse também de nós nele. Po­
rém o Espírito Santo nos possui também pessoalmente.
Ele é o penhor por meio do qual o Pai e o Filho nos possuem,
ele mesmo nos coloca este penhor. Como pode fazê-lo se
não vem pessoalmente a nós?
Podemo-nos alegrar no Espírito Santo e gozar dele. Con­
sagramo-nos a ele para pertencer ao Pai, nele por meio do
Filho. Nele apresentamos o cordeiro divino como sacrifício
de ação de graças. Nós o saudamos com o penhor e hóspede,
com o rei do templo de nosso coração, com as deliciosas pa­
lavras da seqüência de pentecostes: “ Não há consolo como
o teu, doce hóspede das almas, meu descanso” . Como hós­
pede, habita em minha alma, para abraçá-la amoroso, con­
solá-la e oferecer-se a ela para dar-lhe gozo. ”
2. Na nova aliança, se designa com o santidade a con­
dição, destino e vida dos filhos de Deus. Somos chamados
simplesmente santos, porque o Espírito de Deus, o santíssi­
mo, é hóspede de nossa alma; mediante a solidariedade com

33. HG 82-88.
34. M/30.

91

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ele, participamos também de sua santa dignidade e devemos
levar uma vida santa que corresponda a sua santidade. Esta­
mos santificados, estamos cheios do Espírito Santo, somos
templos do Espírito Santo. Este templo, ele o enche de san­
tidade. “ Não sabeis que sois templo de Deus, e que o Espí­
rito de Deus habita em vós?’’ (1 Cor 3,16). Estamos enobre­
cidos e consagrados. Chegamos a ser partícipes da nature­
za divina. A glória de Deus e o amor do Espírito Santo nos
levantam, homens indigentes, muito acima de nossa fragilida­
de, para que passemos a ser filhos santos do P ai.35
3. O Novo Testamento nos ensina em muitas passagens,
que o Espírito Santo habita e atua em nós com o doce hós­
pede.
Gál 4,6: “ E a prova de que sois filhos é que Deus tem
enviado a nossos corações o espírito de seu Filho, que clama:
Abba, Pai!” .
O Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é co­
municado a nós, de tal forma que nos corresponde de um
modo parecido a como corresponde ao Filho e ao Pai.
Rom 5,5: “ O amor que Deus nos tem se derramou
em nossos corações pela ação do Espírito Santo que se nos
tem dado” .
0 Espírito Santo é infundido já em nós antes que os
sete dons, inclusive antes que a caridade, de uma forma pare­
cida a como a alma tem que ser infundida primeiro no cor­
p o para que possa mover os membros.
1 Cor 3,16: “ Não sabeis que sois templos de Deus, e
que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém violar o
templo de Deus, Deus o destruirá. Porque é santo o templo
de Deus, que sois vós” . Como o Espírito Santo habita em
nós, som os santos até nos membros de nosso corpo. O Espí­
rito infinitamente santo penetra em nós, nos adom a e coroa,
nos enche e nos impregna, ainda que, por ser Deus espírito
puríssimo, nunca pode penetrar em nós de tal forma que
chegue a ser uma substância conosco (cf. também 1 Tes
4,3-8).
Rom 8,11: “ E se o Espírito daquele que ressuscitou a
Jesus dentre os mortos, habita em vós, o mesmo que ressus-

35. D III 672.

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citou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também
vossos corpos mortais, por obra de seu Espírito que habita
em vós” .
Também nosso corpo é templo do Espírito Santo, e por
isso também ressuscitará. O mesmo Espírito Santo lhe dá
o direito e a força para chegar a ser imortal depois da morte
e para viver por toda a eternidade.
Rom 8,26: “Da mesma maneira, também o Espírito co­
labora conosco ajudando nossa fragilidade, porque não sa­
bemos o que é pedir com o convém; e o Espírito mesmo
advoga por nós com suspiros inenarráveis” .
0 Espírito Santo obra em nós, clama, roga. Perten­
ce-nos. Guia nossa mão, com mais suavidade e firmeza que
o mestre guia a mão do menino que ainda não sabe escrever.
A nós só nos está encomendado seguir ao Espírito sem ofere­
cer resistência.
1 Tes 5,23: “ Que o mesmo Deus da paz os santifique
inteiramente, e que todo vosso ser, o espírito, a alma e o
corpo, se conservem sem mancha para a parusia de Jesus
Cristo, Nosso Senhor” .
“ Vosso espírito” designa aqui ao Espírito Santo com o
nosso princípio de vida sobrenatural. Deve ser conservado
incólume, enquanto mantemos irrepreensíveis a alma e o
co r p o .36

g) Nossa fonte de graça


1. Graça é a benevolência de Deus, com a qual nos dá
o mais sublime e melhor que nos pode dar, e que ultrapas­
sa as reclamações de todas as criaturas. Deus nos faz parti­
cipar de sua bem-aventurança, da qual só Ele pode gozar por
exigências da natureza, Ele nos ama, é condescendente co­
nosco com um amor magnânimo. Vimos a ser seus prote­
gidos, seus mais íntimos amigos, seus filhos. Mais ainda,
elege nossa alma com o esposa sua.
Este amor de Deus a nós se chama graça do Espírito
Santo. Deus nos ama com o amor com que Ele abraça a
seu Pilho unigénito, e do qual procede o Espírito Santo;
p or meio desta graça, Deus exala em nós seu próprio alento,

36. D III 397; 853; H G 59-67.

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o Espírito Santo. Os dons do Espírito Santo são os obsé­
quios que ele traz consigo, quando vem a n ós.37
2. Deus pode atuar em um homem de um m odo mera­
mente externo, admoestando-o por meio de outros homens
ou influenciando em suas aspirações morais por meio de
coisas. Porém é da exclusiva incumbência divina que o Espí­
rito Santo nos arraste ou obrigue interiormente, nos suste­
nha ou emocione, nos guarde ou ampare. A sagrada escritura
descreve muito nitidamente com o o Espírito Santo nos faz
doação de graças ou influi em nossa vontade. Ele exerce
seu poder divino sobre o espírito criado. Converte-se em
manancial vivo que obtém, pela força de seu poder, que
queiramos o bem. Sua força nos impulsiona e produz o
bem. Engendra vida sobrenatural em nossos corações. Sem
violar nossa liberdade, o Espírito Santo obra vigorosa e in­
tensamente em nossos corações. O jorro desta fonte de salva­
ção penetra em mim tão poderosamente, que outorga à mi­
nha vontade debilíssima a força de efetuar tudo o que hei
de fazer segundo a vontade de Deus; também afasta da fren­
te tudo o que estorva.38
O Espírito Santo nos comove e inflama, nos estimula e
sustenta; Ele é a fonte que realmente vivifica. Oferece e
engendra nossa filiação sobrenatural. Nutre-nos e infunde-
-nos abundância de sangue. "Todos quantos se deixam guiar
pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus” (Rom 8,14).
3. Às vezes esta fonte de graça nos inspira afetos e
desejos para os quais não estamos preparados e nos quais
não havíamos pensado. Estas águas vitais também empa-

37. D III 616. A água que brota maravilhosamente da terra e


baixa maravilhosamente também de cima, é considerada nos mitos da
origem do mundo como elemento primitivo do qual têm saido o
céu e a terra. É por antonomásia "fons et origo”, "a totalidade das
virtualidades" (Eliade)... Sem água, não pode nem formar-se nem
manter a vida, nem o fruto no corpo materno, nenhuma árvore,
nenhuma erva, nenhum animal. A água vital dá de beber à árvore
da vida... Das águas se alimentam o homem e o animal, porque
ali vivem os peixes e outros animais. Segundo antiga crença, a água
corrente não pode ser encantada (por isso se davam aos cães nomes
de r io s )... A água purifica... A água extingue o fogo, apaga a sede...
Aguas minerais; torrentes e mananciais santos; para o hindu, a água
é, por antonomásia, o símbolo divino; é "donvcilio de Deus” ... A
água é muro contra a perseguição, porém também (por isso) devora
a vida; dilúvio, inundações e aguaceiros (MZ 120ss).
38. D VI 28; 30.

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pam nossa vida de oração e o fundo de nossa alma. Esta
água se transforma no alento ardente da força do amor do
Espírito Santo e se apodera de nós com ímpeto irresistível.
Veja-se “ o amor de Deus que se tem derramado em nossos
corações” (cf. Rom 5 ,5 ).39
4. O Espírito Santo leva e nos procura a força vital
que depende do Cristo. Ele a faz brotar com o uma fonte.
Muitos textos da sagrada escritura falam dessa fonte de
graças. Veneramos ao Espírito Santo com o a “ fonte viva”
(véspera de pentecostes), cuja água nos dá vida e nos san­
tifica. 40
5. Alguns desses pensamentos já ressoam no Antigo
Testamento.
Na bênção da água batismal, na vigília pascal, se chama
ao Espírito Santo “ mãe da graça” (cf. Sab 16,25). Ele é a
fonte de graça, que no manancial do batismo nos dá vida,
nos engendra e santifica com o nascentes filhos de Deus.
Mãe da graça corresponde à mãe de todos os viventes,
ou seja, a Eva, cujo nome significa vida, força vital ou sopro
de vida; veio a ser fonte de vida do gênero humano, cuja
vida ela faz palpitar e reinar. Por esta água, ela é também
símbolo do Espírito Santo.41
Os israelitas, no deserto, receberam o batismo em Moisés
na nuvem que resplandecia para eles durante a noite e os
precedia, inclusive no Mar Vermelho, do qual foram salvos.
Esta nuvem luminosa (cf. Êx 13,22; 1 Cor 10,2ss) também

39. D VI 27.
40. D VI 27; 326. Na psicologia da profundidade de C. G. Jung,
se prescinde por completo do "sobrenatural” ; ainda que Jung "conhe­
ce a Deus como arquétipo e diz que cada homem que envelhece se
comunica com ele, mais ainda, há de comunicar-se”, contudo, disse
também: "No desenvolvimento do problema de Deus, não se trata
em primeiro lugar nem da fé nem da ciência, senão da coincidência
de nosso pensamento com os originais de nosso inconsciente... e um
destes pensamentos primitivos é a idéia da vida para além da morte"
(citação de Goldbrunner, Individuación, Fax, Madrid 1962; cf. também
a critica de Helwig na pág. 130 deste livro).
41. D VI 94-97; 102; os parágrafos 285-288 são uma antropologia
da graça, que ainda há de dizer muitas coisas aos modernos psicólo­
gos, já que na psicologia um não se ocupa de ordinário do "transcen­
dental”, tampouco de fenômenos que na vida da alma se manifestam
claramente, porém que são causados pelo sobrenatural; cf. nota em
D VI 37, entre outras passagens.

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nos faz sombra, nos cobre de orvalho e nos ilumina: o Espí­
rito Santo nos satura de graças, a nuvem se converte na
fonte de água viva, na vida eterna (cf. Jo 4,14; 7,39). Em
J1 3,1 se prediz que o Espírito de Deus será derramado
sobre os homens: “ Depois disto, derramarei meu espírito
sobre toda a carne” (cf. também Is 32,14s; 44,3 e Ez 36 25-27).
De uma maneira muito parecida ao que se diz do Espí­
rito Santo no Novo Testamento, também se diz da sabedoria
que deve nascer de Deus, ser enviada e derramada sobre nós
(Sab 7,7; 22; 9,17).
Sirac, no capítulo 24, fala de com o a água da graça, que
deve fecundar-nos e forma uma fonte fecunda de água em
nosso coração, há que vincular-se com a nuvem luminosa que
desce.
A fonte também é símbolo da maternidade, já que en­
gendra a água da mãe terra. A eficácia maternal da graça
do Espírito Santo é comparada com a água mãe do cântico
que Moisés cantou antes de morrer, para despedir-se do
seu povo:
Como a águia que estimula sua ninhada,
esvoaça sobre seus filhotes,
assim ele estendeu suas asas e os colheu,
e os levou sobre suas plumas.
Só Javé o guiava (ao povo);
e não estava com ele nenhum deus estranho.
(Dt 32,1 ls )
Na linguagem da escritura se complementa mutuamente
o sol vivificante e a ave maternal. A luz do sol simultanea­
mente irradia e voa pelo éter. As asas do sol irradiante so­
correm maternalmente as flores que se abrem, e lhes outor­
ga força vegetativa e impulsora para desenvolverem-se: a luz
do sol vem a ser vida para a planta, fonte de luz e de vida.
Malaquias faz alusão às asas do sol da justiça que hão
de curar-nos (Mal 3,20).
Também Zacarias, ao final da antiga aliança, fala em
seu cântico (Lc 1,78) da vida do alto, a qual deve fazer que
Deus apareça aos que jazem submersos nas trevas da morte.
Deste modo se nos apresenta a imagem da águia mãe, de uma

42. D VI 27-30; 326.

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maneira ainda muito mais íntima, viva e sobrenatural: o
filho do homem é ressuscitado da morte e conduzido ao sol
eterno. Ai

h) Santidade de nossa santidade


1. O Espírito Santo é o fundamento essencial de nossa
santidade. Se nossa alma é santa, é pura e boa na ordem
sobrenatural. Reflete a santidade de Deus. O Espírito Santo
impregna nosso coração da santidade de Deus, porque é a
causa efetiva e ideal da dita santidade. Ou mesmo vem a
nós com esta santidade. Uma Igreja já é um lugar santo,
se está adornada e a consagrou o bispo. Porém esta igreja
é muito mais santa ainda, por abrigar o santíssimo sacra­
mento do altar. Assim também nossa alma, já que está
adornada com graças, chega a ser muito mais santa ainda,
se o Espírito Santo se dá a ela, se une com ela e habita nela.
A alma de Cristo, que já era santa pela graça santifican-
te, veio a ser infinitamente mais santa ainda pelo Filho de
Deus, quando este se uniu com a alma de Cristo formando
uma só pessoa.
Também o Pai e o Filho são já santos em si mesmos
pela divina essência, porém vêm a ser santos de uma ma­
neira ainda mais própria pelo Espírito Santo que os une
no beijo santo e procede deles.
Possuímos ao Espírito Santo com o nosso tesouro, que
ao mesmo tempo é também hóspede e proprietário de nosso
coração. Este é com o um recipiente dourado e precioso,
porém ainda mais precioso pelo santo tesouro que guarda.
Nosso coração vem a ser com o um magnífico palácio no
qual entrou um hóspede augusto, excelso e santo; vem a ser
um palácio mais magnífico, ainda que se só estivesse revesti­
do da graça criada.44
2. O Espírito Santo, por ser “ santo” , nos santifica; por
ser “espírito” , nos espiritualiza.
Chamamos santo ao bem porque é firme, puro e excelso.
Todos os povos designam com o santa à divindade que vene­
ram, e consideram ímpio e maligno opor-se hostilmente a
ela.

43. D VI 27-30; 369.


44. M/30 (acerca da santidade cf. a segunda parte, nota 32).

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Deus, o Senhor, é o ilimitado: no mais íntimo é firme
e robusto; é o mesmo bem; todos os defeitos estão longe
dele. Temos que reconhecer a esse Deus com o senhor su­
premo, temos de respeitá-lo e amá-lo.
Porém Deus tem que amar-se também a si mesmo, por­
que sua natureza se eleva acima de tudo, é inviolável e santa.
Deus é santo em sua natureza e santo em seu amor. Ama
sua natureza santa com amor santo. A natureza santa de
Deus reina e existe no Pai e no Filho. O amor santo entre
eles corresponde ao Espírito Santo.
3. A santidade inviolável somente é própria de Deus.
Uma criatura é santa, se está unida de algum m odo com
Deus, seja exteriormente como um templo com seus utensí­
lios de culto, ou interiormente com o um homem que ama
e honra a Deus. Logo que um homem seja batizado é santo,
já que o Espírito Santo lhe faz doação da vida santa que
participa da natureza santa de Deus. O apóstolo chama san­
tos a todos os cristãos, porque seu Pai celestial é santo.
Somos elevados de uma maneira invejável até ele, e unidos
com ele por intermédio do Espírito Santo para participar
de sua santidade. Em todos os cristãos se pode reconhecer
na fé esta consagração digna de respeito. Recebemos a luz
da santidade divina, como um espelho puro que reflete a luz
e a plena glória do Senhor com uma beleza admirável e uma
claridade celestial.
Se conseguirmos contDmnlar a Deus no céu. esta santi­
dade será inviolável e absolutamente firme; jamais será
contaminada nem destruída. O Espírito Santo penetrará tam­
bém em nós e com uma intimidade ainda muito maior nos
encherá de seu amor santo que brilha com fulgores celestes,
de tal forma que não possamos amar algo que se oponha a
esta santidade.
Contudo, aqui, neste mundo, aonde ainda vivemos com
a luz da fé, podemos amortecer e suprimir nossa santidade
e nossa vida sobrenatural. Por isso esta ação perversa e
maligna se chama também com razão pecado mortal.
4. Nunca podemos entender a santidade sobrenatural
sem esta dignidade superior e santa do homem. Porém como
muitos — inclusive cristãos — o tentam, tampouco entendem
nem estimam a moral cristã, e consideram uma necessidade
seguir o caminho dos mandamentos de Deus e deixar-se guiar
pelo Espírito Santo. Assim, pois, a santidade cristã tem

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que se retirar ante a justiça e a honradez meramente huma­
nas. No humanismo de orientação antiga e moderna, inclu­
sive a mais recente, esta doutrina herética sempre faz brotar
novas flores venenosas.
Porém, se meditamos e experimentamos interiormente
estes ensinamentos sublimes da santidade cristã, esta se con­
verte para nós no estímulo poderoso que nos impulsiona a
uma nova e entusiástica vida religiosa.43
5. Uma alma é bela, se Deus a santifica e a adorna
com um vestido bordado em ouro, isto é, o vestido precioso
das virtudes. Porém a alma é bela em um duplo aspecto
pela beleza incriada do Espírito Santo, se este pôs seu santo
trono na alma adornada com a graça. O palácio já adorna­
do adquire, por meio do Espírito Santo, seu ornamento mais
sublime, o templo santo e suntuoso da alma, seu santuário,
seu altar. A alma santificada é com o um anel dourado no
qual está engastada a pedra mais preciosa, o Espírito Santo.
O ouro e a pedra preciosa formam um conjunto, uma beleza.
O Espírito e a alma parecem ser tão só uma santidade. A
alma se assemelha a um vaso de cristal iluminado por fora
pelo fulgor das virtudes, radiante por dentro através do
sol do Espírito Santo: a glória da filha do rei está no inte­
rior (SI 44,14). Ante a suprema beleza e santidade do Espí­
rito Santo, toda a harmonia criada natural e sobrenatural,
todo brilho, todo vigor vital são somente sombra e treva.
Todo o brilho, vida e encanto que há em nós, se assemelham
a um esplêndido arco-íris que se form a por meio do sol do
Espírito Santo, e sem ele desaparece. i6

18 — A VERDADEIRA MÍSTICA

1. A mística é nossa vida sobrenatural.


1. Pode-se ouvir com freqüência que o cristão comum,
e ainda mais um menino, não pode levar uma vida so­
brenatural, e portanto não pode crer, esperar, amar, adorar,
porque não tem nenhuma idéia ou só idéias confusas dessa
vida sobrenatural e de Deus.

45. NG 123-132.
46. HG 108S.

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Porém o que nos "instrui em todas as coisas” não é
nossa inteligência nem nossa reflexão, senão a "unção” do
Espírito Santo (1 Jo 2,27). Ele nos mostra o que é necessá­
rio, ensina-nos a pensar e proceder de um m odo sobrenatu­
ral. A inteligência e a vontade não causam de per si a vida
sobrenatural de nossa alma. Se seguimos a luz interna e o
impulso sobrenatural do Espírito Santo, ele forma em nós
as virtudes divinas.
Não temos que refletir sobre cada ação que levamos
a cabo, nem temos que representar com todas as relações.
Isto para nós é completamente impossível. Um jovem
que ama sua noiva não necessita, para poder amar, estudar
primeiro livros grossos e científicos.
O que menos compreendemos é nossa mais profunda
e íntima vida da alma. As virtudes infusas são movimentos
sobrenaturais de nossa alma, estão colocadas com suma sim­
plicidade sobre o solo natural da mesma. Só ternos que
manter aberto nosso coração para as inspirações do Espírito
Santo. Deus obra em nós. Crer em Deus — esperar em
Deus — amar a Deus sobre todas as coisas.
Só e unicamente estas virtudes equivalem à nossa
vida sobrenatural. Elas apóiam, interior e exteriormente,
toda nossa conduta moral. Por conseguinte, se a moral não
se apóia no dogma, toma-se pouco natural, deformada e in­
consistente.
Se estimulamos as três virtudes teologais, interior, deli­
berada e livremente e se também as experimentamos pessoal­
mente na medida do possível, já nos movemos na verdadeira
mística. É graça de Deus que Ele nos faça experimentar fun­
damentalmente a fé e a caridade. Por isso não há nenhuma di­
ferença essencial entre diversos “ altos graus da mística” (co­
mo sói expressar-se a teologia mística). Temos que escutar
ao Espírito Santo com atenção e rapidez; não temos de
dirigir nossos olhares a nós, senão ao guia divino. 47
2. Por isso, para amar a Deus, de nenhum m odo é
necessário estudar muito nem refletir profundamente. Muito
menos auxilia ainda angustiar-se e fazer esforços, buscar

47. NG 132ss; 104. O Concilio Vaticano II não pôde realçar


bastante a importância das trés virtudes teologais para a vida sobre­
natural.

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palavras amorosas. Se isto tem de fazer uma noiva, sabe­
m os que não ama deveras seu noivo. É muito mais impor­
tante pedir ao Espírito Santo sua graça com humildade e
confiança. Aqui também podem aplicar-se as palavras do
Salvador: “ Não estejas com cuidado de que m odo respon­
dereis, ou que direis, porque o Espírito Santo vos ensinará
naquele mesmo momento o que deveis fazer” (Lc 12,12).
Para um professor de teologia ou de religião é natural­
mente uma obrigação refletir também sobre a fé e o amor
e estudar o que os mestres e santos têm dito sobre estes
temas. Tudo isto é matéria da inteligência, é ciência, porém
em si mesmo não é uma virtude teologal. Um pregador,
em suas palavras mais eloqüentes, pode permanecer frio,
enquanto seus ouvintes são inflamados pelo amor de Deus.
A luz do Espírito Santo tem que nos iluminar, e seu
amor tem que nos conduzir a Deus. Por meio dos dons do
Espírito Santo, as almas simples são tão iluminadas e inspi­
radas por seu fogo, levantam-se tanto para Deus e se unem
com Ele, que nem elas nem teólogos eruditos podem com­
preender com o uma alma pode unir-se tão intimamente com
Deus. Ela trata com seu criador e senhor íntima e confiada-
mente, livre e elevadamente. Se o Espírito Santo não nos
ilumina, não entendemos muitos hinos amorosos ditos ou
escritos por almas santas extasiadas no amor de Deus. Te­
nhamos cuidado de não condená-las. Para o que não ama.
a linguagem do amor é “ necessidade da cruz” (1 Cor 1,18).
3. Somente se amamos a Deus, somos elevados acima
de nossa natureza de tal forma que participamos da nature­
za divina (2 Pdr 1,4). Recebemos do Espírito Santo uma
nova vida que somente se move ao redor do amado, vive no
amado; estamos mais ativos por meio dele que por meio de
nós; atuamos para ele mais do que pensamos em nós; pro­
priamente, só nos amamos porque pertencemos ao amado.
Nenhuma criatura nos pode separar de nosso amado (Rom
8). Nosso amor somente pode sossegar-se em Deus com o o
bem excelso e divino, que desejamos ver no céu com plena
claridade e possuí-lo amorosamente.48

48. NG 132-141; 157-160. No tempo que deu ã luz os ritos, não


havia nenhum sistema que houvesse ordenado as idéias de Deus,
homem e mundo. Pensava-se atuando. A ação sagrada era a lingua­
gem com que se falava com a divindade e da divindade. Tudo estava
ainda entrelaçado e cheio de pressentimentos. De uma maneira infan­
til, despreocupada, indiscreta, timida, e ao mesmo tempo com a

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2. As virtudes teologais — nossa mísiica.
As virtudes que nos são infundidas por Deus, ou seja,
a fé, a esperança e a caridade, dão vigor e transfiguram nossa
inteligência e vontade, e nos orientam sobrenaturalmente.
Facilita e assegura a vida divina em nossa alma. Somos ilu­
minados e robustecidos no bem. As virtudes teologais nos
capacitam para todas as demais virtudes, podem ultrapassar
muito nossas forças naturais; semeiam um novo germe em
nosso coração; colocam um rebento mais nobre em nossa
natureza deteriorada para que sejamos divinizados: nosso
conhecimento vem a ser fé sobrenatural, e nosso querer vem
a ser amor sobrenatural.
As virtudes teologais dependem completamente do Espí­
rito Santo e estão unidas com ele, já que não podem ter
nenhum fundamento natural e de nenhum m odo têm sua
origem em coisas criadas. Participam da vitalidade que é
presenteada ao Espírito Santo pelo Pai e o Filho. Só nosso
doce hóspede pode plantar estas virtudes em nosso coração
e causar em nós os atos da fé e do amor. Sua luz nos ilumi­
na e nos dá calor até o fundo do coração, do qual, com o de
uma raiz, crescem e brotam ramos, flores e frutos da fé e do
amor. Nossa alma comunica ao corpo a vida natural; o
Espírito Santo nos faz doação da vida sobrenatural. ^

3. Os sete dons do Espírito Santo.


O sacramento da confirmação deve aperfeiçoar-nos, por
meio dos sete dons do Espírito Santo, a vida da graça que
foi iniciada no batismo. Deus quer que, por meio destes
dons, se fomente, assegure e aperfeiçoe nossa filiação de
Deus, que foi fundada nas virtudes infusas da fé, da espe­
rança e da caridade.

segurança de um sonâmbulo, o homem irrompe no desconhecido.


Muitas manifestações dessa constituição psíquica se pode chamar
inconcebíveis ou prematuras; contudo, se tem de manter ante a vista
que também há uma sabedoria da criança, e que a maneira infantil
de entender-se com o mundo é condição fundamental para achar-se
a si mesmo; finalmente, que a infância de nenhuma maneira termina
com a idade adulta, senão que continua decisiva de distintas manei­
ras; toca-se uma verdade importante com a palavra graciosa do
menino no hom em ... (MZ 45). Sobre as anteriores dfssertações cf.
também Hugo Rahner, Der spielende Mensch, Johannes Verlag, Einsie-
deln 1960.
49. D III 775; 783; NG 141-172; HG 144-161; 253-358.

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Isaías descreve os sete dons: “E brotará uma vara do
tronco de Jessé e uma flor brotará de sua raiz. E repousará
sobre ele o Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de
entendimento; espírito de conselho e de fortaleza; espírito
de ciência e de piedade; e será cheio do espírito de temor
do Senhor. E pronunciará seus decretos no temor de Javé”
(11,1-3. Segundo o texto original, a última frase diz assim:
“ Deus lhe fará respirar com o espírito do temor de Javé” ).
Com estes dons deve ser marcado o futuro grande re­
bento de Jessé, que simultânea e primeiramente é o rebento
de Javé. Nós, os sarmentos nesta vinha de Deus, participa­
mos dos dons que lhe foram outorgados pelo Pai; mediante
o Espírito Santo ficamos aderidos a Cristo e vimos a ser
seus irmãos póstumos.

a) O candelabro de ouro
O número sete dos dons corresponde ao candelabro de
sete braços no templo de Jerusalém, cujas chamas lumino­
sas, alimentadas com óleo, são os símbolos expressivos des­
tes dons. O profeta Zacarias o contempla em sua mente:
“ Vejo um candeeiro, todo de ouro, com um vaso em cima e
suas sete lâmpadas, e sete tubos desde as lâmpadas ao vaso
que está em cima" (Zac 4,2). Também o vidente de Pat-
mos contempla sete lâmpadas ardentes diante do trono, as
quais representam os sete espíritos de Deus (Apc 4,5). São
João escreve às sete comunidades e lhes deseja graça de
parte dos sete espíritos que estão diante do trono (Apc 1,4).
Os sete espíritos também são interpretados com o os sete
dons que enchem a Cristo e que ele irradia ao mundo. Tam­
bém se podem comparar às sete chamas com as línguas de
fogo na festa de pentecostes. Nas sete chamas há riqueza
e variedade de luz espiritual, na qual a vida do povo de Deus,
santificado por meio de Cristo (a chama primitiva), brilha
ante a presença de Deus e proclama seu louvor. Para nós
também aqui é um símbolo o arco-íris de sete cores. O úni­
co sol emite luz sétupla e a reflete em sete cores para que
possa ser vista pelos homens em sua mediação entre o céu
e a terra, com o já sucedeu em tempos de Noé. O número
sete também encontramos na escala de sete intervalos, que
mostra um sistema fechado de som, um sistema que se des­
dobra em sete acordes.
Em hebreu, em sexto e em sétimo lugar está sempre
a mesma expressão: “ temor do Senhor” ; contudo, em último

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teim o se acrescenta que este temor respira no rebento de
Javé, penetra-o por completo e o irradia para fora. Com
tal motivo se fala de um duplo distintivo do profundo res­
peito diante de Deus, em primeiro lugar o respeito da cria­
tura racional diante de Deus com o seu Pai, seu máximo
benfeitor, a quem ela tudo tem que agradecer, a quem está
reconhecida, afeta e submissa com o um filho; a este dom
chamamos também piedade, porém logo será também o
respeito que se outorga a Deus, a suprema e infinita majes­
tade, porque a criatura diante de Deus nada é e experimenta
a sensação de nada ser. Submete-se em tudo inteiramente a
Deus e procura cumprir com presteza sua vontade. Consa­
gra toda sua vida ao serviço de Deus com o sacrifício e se
oferece também realmente com sacrifício a Deus no Espíri­
to Santo, à maneira de aroma amoroso (cf. Hbr 9,14). Neste
sentido, o temor do Senhor inclui todos os outros dons e
resplandece no centro muito acima dos demais, com o a cha­
ma mais elevada no candelabro de ouro, brilhando de uma
forma sublime e única.
Em qualquer caso, o temor do Senhor é mais que o
mero medo de ofender a Deus pelo terror de ser condenado
por Ele. Essa atitude da alma é impossível em Cristo, ao
qual se refere esta passagem, já que ele é santo com exclusão
de condições e mudanças. Cristo, com o Deus, odeia o peca­
do, abomina-o por sua mais íntima e santa essência.

b) Os sete dons em Cristo


Por meio dos sete dons, o Espírito Santo ungiu a hu­
manidade de Cristo e a aperfeiçoou em sumo grau.
Por meio dos quatro primeiros dons, Cristo com o sede,
órgão e imagem da eterna sabedoria, participa nesta, por­
que a eterna sabedoria fez-se carne nele, e se apresenta
ante o mundo e os homens. A sabedoria está naturalmente
no vértice, porque designa a plenitude mais íntima e perfei­
ta da vida de Deus.
Os três dons seguintes também estão consignados nos
Provérbios, donde se diz da sabedoria: “ Meu é o conselho,
minha a inteligência, minha a força” (Prov 8,14). Por meio
destas propriedades, reina e governa a eterna sabedoria nas
criaturas. Em Is 9,5 ao Messias se chama conselheiro, Deus
forte, para expressar sua sublimidade. São Paulo liga a Cris­
to "todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2,3),

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com os quais ele vê seguramente realizada em Cristo a sabe­
doria de que fala Isaías. Na primeira carta aos coríntios
(1,24), São Paulo também alude a Sab 8,1, donde a sabedo­
ria penetra na criação de um extremo ao outro e ordena o
universo com sumo amor. Segundo a sagrada escritura, a
sabedoria abarca e aprofunda a verdade e o bem, pelo qual
o conselho e a força sempre estão unidos com ela. O pru­
dente soberano ideal é o rei que sempre pode dar os melhores
conselhos a seus súditos e ao mesmo tempo é bastante forte
para ajudar a todos e resistir a qualquer inimigo.
Estes quatro dons nos mostram a Cristo com o o homem
moralmente mais perfeito; antes de tudo, Cristo se subordina
a Deus, o reconhece com o bem supremo e o ama com sumo
ardor. Isaías o descreve assim: “ Não julgará pelo que se
manifesta exteriormente à vista, nem condenará somente pelo
que ouve dizer; mas julgará os pobres com justiça e tomará
com eqüidade a defesa dos humildes da terra, e ferirá a terra
com a vara da sua boca e matará o ím pio com o sopro dos
seus lábios. E a justiça será o cinto dos seus lombos e a fé
o talabarte dos seus rins” (Is 11,3-5).
Nos três últimos dons o tem or de Deus e a piedade fa­
zem com que Cristo com o homem se subordine por completo
ao Criador e lhe seja juntado com reconhecimento. A ciência
já é referida ao Redentor em Is 53,11: “ O justo, meu
servo, justificará a muitos” . Em Oséas (6,6; 4,1; etc.), esta
ciência quase é equiparada ao cumprimento de uma obriga­
ção religiosa: considera-se e presta-se atenção cuidadosamen­
te aos deveres santos impostos a alguém por Deus, para que
os cumpra com fidelidade, porque dependemos dele. Assim,
pois, a ciência se converte no claro conhecimento, na cons­
ciência: conhecemos prática, viva e conscientemente o que
quer de nós a vontade de Deus. Este dom capacitou a alma
de Cristo para cumprir sempre perfeitamente a vontade do
Pai. Como “ servo de Deus” , Cristo pode dizer de si mesmo:
"Meu alimento é fazer a vontade do que me enviou", ou seja,
a vontade do Pai (Jo 4,34).

c) Os sete dons em nós


A Cristo se fez doação dos sete dons com uma abundân­
cia imensa por meio do Espírito Santo que o ungiu; no en­
tanto, nós participamos somente de seus dons: “ Somos um
só corpo em Cristo; e individualmente som os membros uns

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dos outros; e tendo com o temos carismas diferentes, segundo
a graça que Deus nos tem dado” (Rom 12,6).
Cristo está unido muito intimamente com Deus, e por
isso também o conhece e ama de tal m odo que sua vida espi­
ritual está sumamente desenvolvida. Por esta razão, o dom
não está nele adormecido ou em germe, senão muito cons­
ciente e na base da alma; portanto, os sete dons não podem
nem fomentar nem complementar a vida espiritual de Cris­
to; tampouco podem crescer ou aumentar. Porém nos são
oferecidos com o germes que brotam interiormente por meio
do Espírito Santo e se manifestam exteriormente. À alma
atenta e submissa, o Espírito Santo lhe faz doação de uma
luz sempre nova e de vigor mais robusto. Os dons nos con­
duzem à abundância da idade plena de Cristo. Iluminam-nos
e estimulam a seguir ao Espírito Santo, de tal form a que
também chegue a ser nosso alimento fazer a vontade do Pai
celestial. A fé, a esperança e a caridade são despertadas em
nós e florescem por meio de cada um destes dons.
Os dons não tinham necessidade de proteger a Cristo
contra o pecado ou fortificá-lo contra as paixões; Cristo
estava pessoalmente unido com a palavra divina e por isso
era imune contra a tentação e o pecado. Porém os dons nos
devem assegurar contra qualquer paixão e nos devem aler­
tar no bem.
O temor do Senhor, em Cristo, não era o princípio da
sabedoria nem o afastou do pecado, senão que representou
o fruto de todos os demais; com o fragrância do Espírito
Santo impregnou toda a humanidade de Cristo. No entanto,
para nós é o antídoto contra qualquer pecado. A sabedoria
começa em nós com o temor de Deus. Por meio dele, apren­
demos a dar-nos conta de com o provocamos a ira e o des­
gosto de Deus com o pecado e com o então nos retira suas
graças e nos castiga irado. Somos preparados para começar
uma vida semelhante a de Deus.
O temor do Senhor não nos proporciona, com o em Cris­
to, o máximo da adoração de Deus, que é aperfeiçoada e
sustentada por meio do amor filial, senão que aprendemos
a ser diligentes e a ocupar-nos em com o podemos honrar e
amar a Deus, enquanto Ele o reclama de nossas débeis for­
ças. Deus nos promete inclusive uma recompensa, se utili­
zamos bem este dom, e ameaça castigar-nos, se o rechaça­
mos conscientemente e por livre decisão.

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O temor do Senhor vem a ser assim para nós um dom
precioso e eficaz. Atravessa nosso coração com o uma espa­
da penetrante; todos os vínculos que de algum m odo nos
prendem por meio do amor pecaminoso, corta-os o temor
de Deus com santo ímpeto e se eleva continuamente sobre
nossa cabeça, até que nos refugiemos sob o manto da graça
e nos coloquemos a salvo no seio do Pai. Se quisermos em­
pregar este dom em nós sem que estejamos vivendo inflexí­
vel e obstinadamente em nossos pecados, tampouco escuta­
mos dessa forma as exortações do Espírito Santo e não nos
preocupamos pelos tremendos castigos que Deus inflingirá
aos que depreciam os dons de sua graça.

d) Dom e virtude
Os sete dons estão unidos entre si e se comparam às
cores do arco-íris nas suas mudanças.
Os sete dons influem na nossa vida espiritual de di­
versas maneiras, que com freqüência se lhes pode compa­
rar, quando não equiparar, com as virtudes que menciona
a escritura. Na carta aos Gálatas (5,22-24) se podem con­
frontar distintas virtudes com os dons: a caridade, afabili­
dade e bondade com o conselho e a fortaleza; a fidelidade,
mansidão e temperança com a ciência e piedade; a conclusão
de “ crucificar a carne com suas paixões e tendências” com
o temor do Senhor.
Também se podem comparar as sete primeiras bem-aven-
turanças ou os sete pedidos do Pai Nosso com os sete dons,
o qual oferece abundante matéria para a meditação.
Porém não se podem equiparar simplesmente os dons
e as virtudes. As virtudes fazem que o homem coopere, en­
quanto os dons do Espírito Santo iluminam, movem, impul­
sionam e sustentam de uma form a muito mais imediata. As
virtudes são com o remos que pomos na água com as mãos;
os dons são com o velas que, infladas pelo vento, impelem o
barco, com o o ar que sustem a águia quando traça seus
círculos no céu sem mover as asas: suas asas inflam, en­
chem e apóiam com o vento, de tal forma que voa com facili­
dade e sem esforço. Sopra para nós o Espírito Santo, o
alento de Deus, por meio de seus sete dons, de tal m odo
que nos movemos com o por iniciativa própria no caminho
da virtude, e a vida espiritual nos parece simples e fácil.
Neste caso, não somos com o discípulos que têm de resolver

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sós um problema difícil por si mesmos e sem recursos, senão
que seguimos a um mestre eminente que nos instrui e diri­
ge praticamente, evita-nos muita fadiga e trabalho, de modo
que, sem esforçar-nos, crescemos para Cristo e somos dóceis
com ele em todo tempo ao Pai celestial.
Por exemplo, a virtude da prudência nos faz refletir e
aplicar princípios gerais a um caso determinado, para poder
julgar objetivamente e com clareza. Porém o dom do con­
selho nos aconselha; para nós é um farol que nos aponta
o verdadeiro caminho. Santa Apolônia, impulsionada pelo
Espírito Santo, salta ao fogo em seu martírio.
A virtude da fortaleza nos capacita para decidir-nos com
firmeza e para perseverar apesar das dificuldades. Consi­
deramos as razões que hão de ajudar-nos a pensar e proce­
der com valentia. Porém o dom da fortaleza faz com que
Santa Felicidade triunfe facilmente em seu martírio, enquan­
to que com o mãe só com gemidos pode suportar as dores
do parto.
O dom da piedade nos tom a ditosos em Deus e nos dá
uma viva e íntima disposição piedosa de ânimo, enquanto
que, se exercitarmos a virtude da religião, talvez, molestados
pela secura, apenas possamos rezar devotamente um Pai
Nosso.
Quando o Espírito Santo nos oferece seus dons, nosso
coração fala assim: “O Senhor me abriu os ouvidos, e eu
não resisto. O Senhor me deu asas e me ungiu, e não me
opus a Ele. Entreguei-me ao Senhor, com o o pássaro ajusta
suas penas ao vento e a flor se volta para o sol” (cf. Is 50,5).
Se mediante os dons “ experimentamos coisas divinas” , isto
é, nos assemelhamos a Cristo, também devemos tomar então
sobre nós o divino de uma maneira divina, para honrar a
Deus, com o também nos ensina a oitava bem-aventurança.
Todos os dons do Espírito Santo fomentam, apóiam e
complementam as virtudes, ajudam-nos a fazer-nos mais per­
feitos; por meio deles, exercitamos as virtudes com maior
pureza e sublimidade; tendemos à perfeição mais fácil, segu­
ra e decididamente, e afastamos da frente muito mais facil­
mente os obstáculos que se nos opõem. Para nós, os sete
dons são chamas do Espírito e espíritos luminosos, são re­
galos de Deus; reinam sobre virtudes morais, servem à fé
e inflamam a caridade.

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Os dons nos são inclusive necessários para poder exer­
citar as virtudes, Já que nossas forças sobrenaturais têm
que ser muito mais impulsionadas por Deus que nossas apti­
dões naturais. As conseqüências do pecado original, que
são com o sintomas de enfermidades de nossa vida sobrena­
tural, são muito mais facilmente vencidas por meio dos dons,
de m odo que podemos dominar as dificuldades para fazer
o bem, e fazer frente aos perigos que nos induzem ao pecado.
O amor de Deus, mãe e alma de todas as virtudes, tam­
bém engloba todos os dons; é o supremo dom de Deus e
nos faz participar da essência e vida do Espírito Santo com
a maior perfeição possível. Por meio deste amor, o Espírito
Santo com ove nosso coração com a máxima eficácia, para
que possa crer e amar de uma form a sobrenatural e divina.
O amor nos une com o Espírito Santo para que sigamos o
que ele também quer de nós. Os sete dons correspondem à
caridade com o a sua fonte, são irradiados e exalados por ela.
A caridade vivifica nossa alma por meio dos dons (São Fran­
cisco de Sales). Porém tudo isto não é próprio do amor
divino em germe, tal com o é infundido a um menino de
menor idade por meio do santo batismo, senão que é pró­
prio somente dos atos de amor que suscitamos em nós de
um m odo íntimo e consciente.
Por outra parte, a sabedoria e o entendimento também
repercutem na caridade, iluminando nossa razão, estimulan­
do com maior intensidade a luz de nossa fé, inflamando e
avivando com mais rapidez e intimidade os atos de amor.
Também aperfeiçoam a caridade até chegar ao feliz gozo
da contemplação. Refletem-se em nós a sabedoria e o enten­
dimento de Cristo, que o fazem contemplar amorosamente
a Deus. A caridade e a sabedoria são o núcleo da plenitude
de vida de Cristo e por isso são a fonte de todos os dons de
seu espírito, com os quais ama e goza a Deus, seu Pai. A fé
e a esperança não têm cabimento nele.
A sabedoria e o entendimento aperfeiçoam em nós, em
primeiro lugar, a fé e a esperança, para que possamos chegar
a conhecer os mistérios de Deus e crescer assim no amor a
Ele. Porém já aqui neste mundo estamos chamados também,
por meio dos sete dons, a experimentar de vez em quando
a Deus de tal maneira que pensemos que já o contempla­
mos. 50

50. D VI 431-466; D V 943; H G 165-172.

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19 — 0 PECADO E A GRAÇA

1. Expulsão do Espírito Santo.


1. Quando pecamos gravemente, opomo-nos à lei, que­
bramos a ordem desejada por Deus, sublevamo-nos contra
Ele, ofendemo-lo e lhe recusamos o amor que lhe devemos.
Já para os servos de Deus o pecado grave é delito enor­
me, imenso, porque ofendemos a Nosso Senhor e Criador
infinitamente grande.
Porém, pela graça do Espírito Santo, somos filhos de
Deus, inclusive nos unimos com Ele por meio do Espírito
Santo; acercam-nos de Deus infinitamente mais do que cor­
responde a nossa natureza. Quando pecamos, não só ofen­
demos Nosso Senhor, senão a nosso Pai. Portamo-nos mal
quando pecamos e isto podemos averiguar tão exiguamente,
com o podemos conhecer quão elevados estamos como filhos
de Deus. Quando negamos com o pecado grave que somos
filhos de Deus, fazemos algo tão monstruoso que resulta
inconcebível para nossa inteligência. Dirigimo-nos contra
nosso princípio de vida sobrenatural, portando-nos hostil­
mente contra o Espírito Santo que habitava em seu templo,
isto é, em nossa alma, com o nosso hóspede e senhor. Nós
o expulsamos de nosso coração. Podemos proceder mais
indecorosa e depravadamente?
O pecado penetra até o mistério da Santíssima Trinda­
de; por isso é o mistério da iniqüidade (2 Tes 2,7).
O pecador se subleva contra o Pai Eterno, que em seu
Filho tinha vindo a ser também para ele o Pai e o havia
acolhido em seu seio.
O pecador também desonra em seu coração ao Filho, a
palavra divina, cuja imagem estava impressa nele e com o
qual o pecador devia unir-se com o o melhor de todos os
pais, do m odo mais íntimo possível.
O pecador se opõe ao Espírito Santo que habitava nele
e que com o Filho devia apresentar-lhe ao Pai com o filho
da graça.
O pecador contradiz também as relações divinas das
três pessoas entre si, tal com o se conhecem, honram e amam
mutuamente.

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O pecador é também uma ignomínia para todos os ho­
mens, nos quais o Espírito Santo habita e aos que ele san­
tifica por meio da fé e do a m or.51
2. Por meio do pecado mortal, o homem se desonra
e desfigura. O homem mancha-se como se se sujasse com barro.
O fulgor de sua alma bela e agraciada fica obscurecido, e
se lhe tira a dignidade da filiação de Deus. O mesmo homem
está comprometido e é responsável por esta culpa que
carrega sobre si com o pecado: inclusive o justo se faz
pecador. O Espírito Santo tem de odiar e aborrecer ao que
cometeu pecados mortais, enoja-se dele com uma espantosa
animadversão divina. Abandona as indecorosas ruínas que
antes eram seu templo magnífico; o que pecou gravemente,
não pode continuar sendo seu templo, porque o filho de
Deus, que ele engendrou, passou a ser um filho de
Satanás, um inimigo de Deus. “ O que destrói o templo de
Deus, será destruído por Deus; porque o templo de Deus é
santo e esse templo sois vds” (1 Cor 3 ,17).52
3. A alma não só se torna deformada pelo pecado mor­
tal, com o vê sua vida destruída, que provém do Espírito
Santo, e assim de um ponto de vista sobrenatural, é trans­
formada em um defunto. O Espírito Santo, a alma de nossa
alma, nos abandona, no caso de a termos ofendido grave­
mente. Isto ocorre como castigo de Deus, porém é também
causado diretamente pelo pecado mortal.
Antes do pecado mortal, éramos santos e muito agraciá­
veis a Deus, porém agora somos diabólicos e estamos degra­
dados. Temo-nos fechado à luz do Espírito Santo, e agora
neste mundo estamos já sepultados em trevas infernais, as­
sim com o o corpo está m orto quando o coração é transpas-
sado com uma espada. É impossível deixar um defunto
entre os vivos, tem de ser tirado e sepultado. É impossível
deixar assim mesmo na comunidade dos santos ao que caiu
em pecado mortal. Neste mundo, isto é ainda invisível,
porém esse pecador tem que sair do céu de uma form a
vel a todos. Ele se excluiu da vida eterna.

51. M/39. Na doutrina da graça, Scheeben mostrou com fre­


qüência ao Espírito Santo e não o cita tanto na doutrina sobre o
pecado; porém de uma maneira análoga à doutrina da graça, Scheeben
com freqüência em vez de Deus poderia nomear o Espírito Santo.
52. D IV 60-65; HG 64.

Hl

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Ainda que a fé e a esperança não fiquem completamente
destruídas pelo pecado mortal, no entanto o pecador se des­
pojou da caridade divina e da graça santificante. Também
se tom ou indigno dos sete dons do Espírito Santo.53
4. Como o pecado mortal destrói a natureza sobrena­
tural da alma até o fundo dela e se nos rejeitam muitas gra­
ças, nossa natureza fica mais deteriorada ainda do que já
se encontra pelo pecado original. Inclusive se pode chegar
ao pecado contra o Espírito Santo, quando se despreza for­
malmente a verdade e a graça. Então o olho do espírito fica
deslumbrado, a razão perde inclusive algo de sua luz natural,
corrompem-se os frutos da vida divina. “ Por isso lhes digo:
perdoar-se-á aos homens qualquer pecado ou blasfêmia; po­
rém a blasfêmia contra o Espírito Santo não se lhes perdoar
rá. Quem falar contra o Filho do Homem, poderá obter
perdão; porém quem falar contra o Espírito Santo, não o
obterá nem neste mundo nem no outro” (Mt 12,31 s ). Este
pecado tom a o homem insensível ao amor do Pai, porque
atenta diretamente contra a graça. O homem opõe obstina­
ção e desdém à graça que o impulsiona para o arrependi­
mento. Por isso Deus tampouco pode perdoar este pecado;
teria que intervir de uma form a singular e absolutamente
extraordinária, a fim de levar ao arrependimento esse pe­
cador. 54

2. Templo da morte.
1. Quando São Pedro fala de escravos da perdição e
São Paulo de escravos do pecado, se referem ao demônio
que escraviza e subjuga ao pecador. Este homem miserável
está reprovado juntamente com o demônio, porque pecou
gravemente. É condenado pelo mesmo demônio ao castigo
do inferno; o demônio o fez cair em pecado com a única
finalidade de causar-lhe a perdição. Já aqui, neste mundo,
o pecador vem a ser cativo e escravo de Satanás. Este sem­
pre o empurra para novos pecados e o aflige também com
diversos sofrimentos no corpo e na alma, para fazê-lo deses­
perar. Contudo, o demônio nunca pode influir diretamente
na livre vontade do homem; o homem é que se submete
voluntariamente ao demônio, o inimigo declarado de Deus.

53. D IV 80-82; 137.


54. D IV 87-89; 138.

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2. O demônio, de certo m odo, Inclusive prende a pessoa
do pecador e habita nele. No sacramental do exorcismo,
ao demônio se admoesta que abandone ao possuído e se
retire dele. O pecador é possuído pelo espírito maligno, de
uma maneira semelhante à que o justo é possuído pelo
Espírito Santo. Contudo, não se pode pensar que o de­
m ônio pudesse habitar também com o pessoa no corpo ou
inclusive na alma do pecador; o demônio influi no pecador,
de fora, porém com uma proximidade imediata, e somente
pode oprimi-lo com o um homem forte pode vencer a um
homem débil. Por isso seria melhor falar somente de uma
coabitação do demônio. De todos os m odos o demônio subs­
titui ao Espírito Santo, e sua intenção e sua atividade se
parecem às do Espírito Santo, porém com uma finalidade
contrária: em vez de ir a Deus, aparta-se de Deus. Lutero
disse um dia que a vontade do pecador é com o um cavalo
montado pelo demônio; o cavalo sempre tem força para
derrubar o ginete, porém um ginete destro com o o demônio
pode também manter dócil o cavalo. No entanto, o pecador
vendeu voluntariamente sua alma ao demônio, de tal forma
que em realidade já não pertence ao Espírito Santo, senão
a Satanás, e voluntariamente veio a ser seu escravo. “ Não
provoqueis mais ao Espírito Santo” (E f 4,30).”

3. Perdão.
1. Nosso arrependimento nunca pode ser bastante gran­
de para contrabalançar, ainda que só seja um pecado grave.
Se o mérito infinito de Cristo não nos ajudasse, jamais po­
deríamos dar satisfação a Deus-Pai. O que somos capazes de
fazer é quase nulo, e permaneceria nulo se a graça do Espí­
rito Santo não o fizesse esplêndido e valioso.56
É verdade que somos livres, porém também somos de­
masiado fracos para poder ir ao encontro de nosso esposo
celeste; o Espírito Santo tem que nos fortificar e sustentar;
sua luz tem que iluminar nosso coração para que nos
possamos elevar e possamos caminhar de novo para D eus.57
2. O que podemos fazer para sermos libertados da mi­
séria do pecado' vemo-lo no coração da mais pura esposa do
Espírito Santo: Maria podia esforçar-se com o ela queria; por

55. D IV 388-394; 411; M/40; HG 74s.


56. HG 246.
57. M/88.

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muito humilde que fosse, podia pedir engendrar em seu seio
a Deus feito homem, ainda que isso fosse para ela simples­
mente impossível. Só com a oração e as boas obras podia
preparar-se para conceber do Espírito Santo ao homem-Deus.
Nós jamais podemos criar ou recuperar dentro de nós a graça
da filiação, a imagem da natureza divina.5S
Quando o Espírito Santo nos torna a mimosear sua gra­
ça, desce então à nossa alma, como desce ao seio de Maria
para regalar-lhe um fruto celeste; engendra então espiritual­
mente ao Filho de Deus em nós. Somos interior e sobrena­
turalmente renovados tão só mediante a graça obsequiosa
do Espírito Santo.59
3. O Espírito Santo expulsa o pecado, com o a luz ex­
pulsa as trevas, o fogo a ferrugem, a água a sujeira (cf. Mal
3,2). São João Batista fala do fogo batismal do Espírito
Santo (Mt 3,11). Este fogo do Espírito extingue nossos pe­
cados, já que com ele é infundido o mesmo Espírito Santo.
O pecado não pode propagar-se no coração que coincide com
o Espírito Santo. Tão logo o Espírito Santo habita nova­
mente em nós, tornamos a ser filhos de Deus, santos, sobre­
naturais, divinos, liberados da culpa, unidos com Deus. O
Pai celestial nos reconhece outra vez com o filhos seus. Já
não somos pecadores, senão santos, em cujo coração o Espí­
rito Santo tom a a reinar. Deus “ nos traz a saúde. . . por
pura misericórdia sua, mediante o banho batismal de rege­
neração e renovação que obra o Espírito Santo. Ele derra­
m ou com toda profusão sobre nós este Espírito por Cristo
Jesus, nosso Salvador. Assim, justificados pela graça de
Cristo, obtemos a esperança de possuir em herança a vida
eterna” (Ti 3,5-7).00

20 — COMUNHÃO DOS SANTOS

1. Meu próximo é um santo.


1. O Espírito Santo nos exige o amor ao próximo, por­
que também o tem convertido em seu templo, também se
tem dado a ele e habita nele. No próximo, não só amamos

58. M/89.
59. HG 52.
60. M/86.

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ao homem, senão também a Deus, que atua nele. O próximo
também é um templo santo e venerável, no qual o Espírito
Santo montou seu trono, e ao qual por esta razão temos que
respeitar e amar. Podemo-nos considerar ditosos, se pudermos
adorar este santuário, seja na família ou bem na escola. Os
santos se punham de joelhos ante o próximo, se viam que
estava desamparado ou enfermo, e lhe serviam com amor e
respeito. No fundo, tinham compreendido que é excelso e
santo ajudar na renovação de um templo do Espírito Santo.
Deus, inclusive, o trata com benignidade e indulgência (Sab
12,18), como um recipiente precioso, e vê nele seu próprio
Espírito. Se amamos o Espírito Santo no próximo, toma-
mo-nos dignos de acolher em nós ao doce hóspede de nossa
alma com um amor sempre crescente e nos tomamos dignos
de ser cheios eternamente de sua glória.61
2. Nossos primeiros pais no paraíso, como imagens do
Espírito Santo, eram ambos santos e inteiramente íntegros,
porque antes do pecado original, com o órgãos do Espírito
Santo, não só eram pai e mãe da vida natural dos homens,
senão que também deviam chegar a sê-lo da vida sobrenatu­
ral. Enquanto Adão e Eva permaneceram em estado de gra­
ça, o Espírito Santo os assistia com sua fecundidade sobre­
natural, que os filhos gerados por eles tinham que começar
a existir sem a menor dificuldade, não só com o filhos de
homens, senão também com o filhos de Deus. Contraindo
entre si sua aliança, também a contraíram com o Espírito
Santo, com o o princípio da graça sobrenatural, para que o
Espírito Santo atuasse nele, não só com seu poder cria­
dor, senão, também com seu divino poder de procriar. O Es­
pírito Santo veio a ser a fonte de bênção sobrenatural e ao
mesmo tempo penhor e selo da união de nossos primeiros
pais.
No matrimônio cristão, a criança não começa a existir
com a graça do Espírito Santo, e, no entanto, a união matri­
monial é mais excelsa que a de nossos primeiros pais no
paraíso. No batismo, os pais foram inseridos no corpo mís­
tico de Cristo e lhe pertencem com corpo e alma. Quando
se unem ao matrimônio, juntam-se dois membros consagrados
do corpo de Cristo para consagrar-se à ampliação deste cor­
po. Somente podem conceber a seu filho para Cristo, ao
qual eles mesmos pertencem, de tal m odo que o filho, como
eles mesmos, está destinado a pertencer ao corpo de Cristo

61. H G 67; 258-262.

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e a participar na vida divina do mesmo. Os pais somente
podem proceder em nome do chefe divino, seu filho já não
é sua carne, mas carne de Cristo, da qual só podem dispor
segundo a vontade de Cristo. “ Não sabeis que vossos corpos
são membros de Cristo — que vossos membros são templo
do Espírito Santo e que não pertenceis a vós mesmos?” (1
Cor 6,15-20; cf. a próxima secção sobre o corpo místico). O
pecado introduziu uma cunha entre o homem e a mulher;
já não eram filhos de Deus e templos do Espírito Santo,
que por sua vez deviam engendrar filhos de Deus. A desor­
dem e a desavença, o ódio e a morte se introduziram na
família, causando desgraças e desventuras.
Entre os homens redimidos, o matrimônio deve vir a ser
de novo uma viva imagem e reflexo de Cristo e da Igreja,
ainda que os casados, por causa das conseqüências do peca­
do original, já não possam viver com tanta pureza e santidade
como no paraíso à luz do sol do Espírito Santo. Porém, se
o homem cristão ama a sua mulher e esta a seu marido,
com o templos do Espírito Santo, então vivem juntos com o
santos que realmente imitam em seu matrimônio a Cristo
e à Igreja. Cristo é o mais santo entre os filhos dos homens
e na cruz contraiu matrimônio místico com sua Igreja. A
mãe virginal de Cristo se deu em posse exclusiva ao Espí­
rito Santo. Cristo e sua mãe virginal foram postos diante
da vista dos casados com o perfeita imagem do matrimônio
cristão.
Cristo, o segundo Adão, e Maria, a segunda E va.6-
3. O mesmo Espírito Santo, o vínculo entre o Pai e o
Pilho, nos entrelaça também a todos nós que somos os inimi­
gos de Deus, a escória desta comunhão, e os santos por m eio
do batismo, e nos une intimamente uns com os outros, como
a alma une os membros do corpo (1 Cor 12,12ss). Forjamos
juntamente com o Pai e o Filho, consigo mesmo, com a Mãe
de Deus, com todos os coros de anjos bem-aventurados, com
o grupo dos apóstolos, as legiões de todos os santos mártires,
confessores e virgens, e todas as almas agraciadas no mundo
inteiro, para form ar uma cadeia de ouro.
Pertencemos a esta comunhão imensa íntima, dos santos, e
por isso toda a glória e bem-aventurança das inumeráveis mul­
tidões de santos, a possuímos juntamente com eles. Em um cor­
po, cada membro tem suas preferências especiais, no entanto
todos os membros pertencem também ao conjunto, e portanto
62. D III 441-444; 375; M/85.

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pertencem assim mesmo a todos os demais membros. Assim,
pois, nós nos alegramos também da sabedoria dos querubins,
do ardente amor dos serafins, da dignidade dos apóstolos, da
valentia dos mártires, da perspicácia dos profetas, dos prodí­
gios dos confessores, da pureza das virgens, dos méritos e
graças de nossos próximos, que vivem conosco, com o se tudo
fosse próprio nosso. Tudo procede do mesmo Espírito que
também habita em nós.
É imensamente triste que uma alma se separe desta
venerável, sublime, amorosa comunhão, para unir-se com
monstros do inferno. Esta alma desgraçada era um precio­
so anel na mão de Deus, de quem havia recebido seu valor
e brilho; agora jaz no mais profundo barro e sujeira, está
corrompida e podre. Era um membro primoroso, elabora­
do pelo mesmo Deus na cadeia de ouro dos santos; unido
com os outros membros completou seu próprio grande valor
com maior brilho. Agora está forjado juntamente com o
fratricida Caim e o traidor Judas, em uma ígnea cadeia de
ferro que une com o demônio, que em outro tempo também
tinha sido um elo reluzente da santa cadeia. A alma era uma
pedra preciosa na coroa que embeleza a cabeça de Deus, e
agora tomou-se um despojo de Satanás, que a tem juntada,
manchada e aviltada, como sinal candente de vitória, a sua
horrível coroa diabólica.
Porém os santos que neste mundo se opuseram ao do­
mínio deste poder infernal, contemplarão todos juntos a
Deus e se alegrarão, porque estão perfeitamente unidos com
todos e cada um dos bem-aventurados do céu: todos adoram
ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, e amam sobremaneira
a Deus trino e uno. Todos se amam reciprocamente; desco­
nhecem o ódio e a inveja. A sorte de um fica duplicada pela
sorte de outros. Todos se alegram, porque todos estão bem.
Sua alegria é perfeita, e ainda mais que perfeita. A alegria
não vem a seu coração, senão que são totalmente absorvidos
pela alegria, que não é mais que Deus.63

2. O corpo místico de Cristo.


1. Quando o Espírito Santo, com sua mais íntima pre­
sença, imprime em nossa alma a imagem de sua própria san­
tidade à maneira de um selo, e vimos a ser seu templo por
meio da graça santificante, descobre-se assim nossa santida­
de, porém não se lhe ajunta nenhum valor novo.

63. H G 130-132.

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Certamente aumenta um valor novo, mais ainda infinito,
isto é, que o Espírito Santo, com o Espírito de Cristo, nossa
cabeça, também é assimilado em pessoa, de uma maneira
muito especial, a todos os membros do corpo místico. Como
cristãos, não só possuímos a santidade causada pelo Espíri­
to Santo, senão também a santidade que ele mesmo possui,
e isso sucede por uma nova razão: o Espírito Santo vem a
nós como Espírito de Cristo.61
2. Ser santuário de Deus significa estar unido na vida
e no amor com Deus-Pai e o Filho, por meio do Espírito
Santo. Esta unção é de índole única e admirável. Para
homens que sejam amigos, um amor tal é um objeto inexe­
quível. Suas almas e corações nunca podem compenetrar-
-se. Porém com o filhos de Deus, unimo-nos tão intimamente
entre nós, que nosso amor mútuo chega a ser tuna imagem
do amor e da unidade das três divinas pessoas entre si,
com o nos assegura o Salvador: “ Para que sejam um, como
nós som os um” . Como Igreja, não representamos nenhuma
assembléia matizada, senão que, com o membros de Cristo,
somos um conjunto fechado, orgânico. “ Por conseguinte já
não sois estrangeiros, nem simples hóspedes, senão conci­
dadãos dos santos e membros da casa de Deus. Sois pedras
do edifício que tem por base aos apóstolos e profetas, e por
pedra angular a Cristo Jesus. Bem ajustado e harmonica-
mente unido a ele, todo o edifício vai crescendo para formar
um templo santo no Senhor. Nele também vós (os pagãos)
passais com eles a formar parte da construção, para morada
de Deus pelo Espírito” (Ef 2,19-22; cf. 1 Pdr 2,4ss). Aqui,
com o Igreja de Deus, somos comparados com um templo do
Espírito Santo, senão que nos fixamos no plano de Deus
sobre o mundo, com o toda a ordenação sobrenatural do
mundo culmina em que Deus em sua criação nos elege para
construir sua Igreja com o santuário e a enche do Espírito
Santo para que seja o corpo místico e a esposa do Filho,
e com sua abundância ubérrima de graças glorifica a Deus-
-Pai por meio do Filho no Espírito Santo.os
3. Por meio da graça da filiação, o Espírito Santo em
pessoa é dado com o selo desta nossa excelsa dignidade de
ser Igreja de Cristo. O Espírito Santo logo na encarnação
veio a ser propriedade nossa com o Espírito de nossa cabeça.
Agora já estamos junto ao Filho unigénito com o Filho de

64. M/84; 87.


65. D III 995-1007; D V 1375ss.

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Deus, senão que estamos nele por meio de seu Espírito. O
Espírito Santo vem a ser propriedade nossa com o penhor
do amor paterno, com o qual o Pai nos ama com o membros
de seu Filho unigénito, porém também com o penhor do
amor de Cristo ao Pai e d.o amor de todo o corpo místico.
O Espírito de Cristo habita em nós, o Espírito Santo em
pessoa. Ainda que não habitasse em nós por meio da graça,
viria pessoalmente a nós por meio da encarnação da pala­
vra. O fundamento da coroa de nossa filiação por meio do
Espírito Santo está nas palavras: Espírito de Cristo —
Cristo — membros de Cristo — filhos do Pai. O Espírito
Santo procede da pessoa do Filho e vem pessoalmente ao
corpo real e místico de Cristo; assim prossegue para fora
sua eterna procedência. A Igreja de Cristo o possui, desde
que Cristo, inclusive segundo a carne, apareceu como glorioso
Filho de Deus, e na festa de pentecostes veio a ser a cabeça
de sua Igreja.66
4. Como o Filho de Deus em seu corpo humano e mís­
tico traz o Espírito Santo, o gênero humano tem direito a
que este Espírito habite nele e atue tal com o viveu e atuou
no Espírito de Cristo, de uma form a que também é maravi­
lhosa e inefável. Assim, pois, o Espírito Santo habita em
nós, não só com o filhos adotivos do Pai, senão também com o
membros do corpo místico de Cristo. Ele é a seiva que flui
na vida através dos sarmentos. É o sangue vital que emana
do coração divino do Redentor.
Vinho e sangue — espírito e vida,
Que profundo mistério! 61
66. M/57.
67. M/58; D VI 28. O vinho é bebida, melhor dito: não somente
é bebida que mata a sede; isso faz a água. Do vinho diz o salmo
da criação que "alegra o coração do homem” (SI 103,15). O evange­
lho de São João conta que o Senhor o presenteou com abundância,
mediante um milagre, aos que se haviam reunido para a festa da
boda (Jo 2); e na visão apocalíptica da abertura dos sete selos (a visão
dá a conhecer a desventura vindoura) diz a voz: “o azeite (as azei­
tonas) e o vinho, nem tocá-los” (Apc 6,6). Cremos que aqui não se
fala de uma falta de moderação, senão que o vinho aqui é uma ima­
gem de vida abundante, de aroma e de força, que tudo aumenta e
transforma. Sob a forma do vinho, Cristo nos dá seu sangue divino.
Não como porção excelente e razoável, senão como excesso de grande
valor divino. "Sangue de Cristo, embriaga-me”, diz-se na oração de
Santo Inácio de Loyola, o homem que tinha o coração cavalheiro e
ardente; e Santa Inês fala do sangue de Cristo como de um mistério
de amor e beleza: “Seu sangue adornou minhas faces” , diz-se nas
orações de sua festa... “Vinho” significa largura e concessão sem
limites, alegria sobre toda medida terrena (HZ 45s).

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7

O ESPIRITO SANTO NO UNIVERSO

2 1 — 0 ESPIRITO SANTO ATUA NO UNIVERSO

1. O Pai atua no Espírito Santo.


1. Como no hálito vivente de seu amor, no qual sua bon­
dade comunicativa vive e se difunde no universo;1 como no
dom permanente de seu amor, no qual a riqueza de sua bon­
dade de certo modo é fluída e se derrama no universo; como
no espírito pessoal do amor, que o Pai envia ao universo,
para transmitir seus dons ao homem, que é a coroa da
criação.
Se o Filho é a mão do Pai, o Espírito Santo é en­
tão o dedo de Deus. O mesmo Salvador equipara o Espíri­
to de Deus com o dedo de Deus, quando diz: “ Se é verdade
que eu lanço fora os demônios pelo espírito de Deus” (Mt
12,28), e de novo: “ Se expulso aos demônios pelo dedo de
D e u s ...” (Lc 11,20). O símbolo do dedo é muito significa­
tivo. Designa a unidade do Espírito Santo com o Pai por
meio do Filho. Mostra ao Espírito Santo com o ültimo mem­
bro da Trindade, o qual por isso toca de m odo muito ime­
diato o universo e oferece os obséquios de Deus às criaturas.
Jesus pôs seus dedos nas orelhas do surdo-mudo (cf. Mc
7,33), e isto se pode referir ao Espírito Santo que penetra
no mais íntimo das criaturas.2
2. A bondade quer comunicar-se. Como Deus é bom,
cria o Universo para obsequiá-lo com sua bondade. Já Aris-

1. O universo, aqui, significa toda a criação, o cosmos, o orbe;


cf. M/61, nota 1.
2. D II 1050-1056; cf. VI, 15.

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tóteles (t 322 a.C.) escreve que o Universo tem sido criado
pela bondade dos deuses. Também o Pseudo-Dionísio (em
torno de 500) escreve que o amor divino não pode existir
sem germe de vida.
Como o Espírito Santo procede do Pai segundo a ma­
neira com o Deus se ama a si próprio, atribuem-se-lhe certas
relações com o universo.

O Espírito Santo é o princípio do universo


Deus-Pai cria por meio do amor. Porém o amor é o
nome próprio do Espírito Santo. Que pode existir de mais
indicado que equipará-lo com o princípio do universo? Já
no SI 103,30 se diz: "Envia teu espírito e as coisas serão
criadas” .
Como o amor em geral, assim também o amor, ou seja,
o Espírito Santo, tem com o princípio do universo uma im­
pulsora força motriz. Deus cria a matéria amorfa e o Espí­
rito Santo produz as distintas classes: as pedras, desde a
rocha grisalha até o diamante resplandecente, desde a alga
até o cério, desde o vermículo atá o antropóide, desde Adão
até o último homem sobre a terra, o sol e suas plantas, os
sistemas de vias lácteas com suas distantíssimas nebulosas. . .
Onde devemos terminar, aonde temos de dirigir nosso olhar?
Homem miserável! Que conheces de tudo isto? Das centenas
de milhares de classes de coleópteros com seus inumeráveis
coleópteros individuais, que hoje vivem, que têm vivido e
que viverão? Onde estão? Como estão constituídos? Que
comem? Como se multiplicam? Um os form ou a todos e tam­
bém os seguirá formando: o dedo de Deus, o Espírito Santo.
Aqui nos abandonam todos os “ progressos modernos” . Se
não o conhecemos e amamos, somos mais pobres que um
verme que é pisoteado por um homem.
No relato da criação (Gên 1,2) se diz: “ O espírito de
Deus estava incubando sobre a superfície das águas” . Santo
Agostinho interpretou as águas com o a massa informe que
o espírito desenvolveu, fez progredir e vivificar.

O Espírito Santo é senhor do universo


O amor não pode criar sem ser também solícito. Por
isso o Espírito Santo vela também pelo universo. Governa
o universo de acordo com a eterna vontade de Deus, o orde­

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na, lhe faz doação de forças que são necessárias para esta
ou aquela criatura. Conduz os sóis por seus caminhos,
assim" com o também a pedra no arroio, a qual avança um
pouco a cada impulso da água.
Disse Jó: “ O Espírito de Deus me criou” (33,4), e o sal­
mista exclama: “ Teu espírito é bom, leve-me por caminho
reto” (142,10).
Porém se o Espírito Santo dirige e guia, conduz e gover­
na a cada uma das criaturas, então também é o senhor do
universo. “ O Senhor é espírito” , disse o apóstolo (2 Cor
3,17), e na profissão de fé dizemos: “ Creio no Espírito Santo,
senhor” .

O Espírito Santo é a vida do universo


O que está vivo move-se a si mesmo, não com o uma pe­
dra que tem de ser empurrada para que mude de lugar.
Muitos seres vivem no universo, e não está em último termo
a coroa da criação, ou seja, o homem. O Espírito Santo,
com seu amor motriz, traz também o movimento da vida ao
universo. Vivifica-o com seres vivos, começando com as
plantas e passando pelos animais até chegar ao homem, to­
dos têm recebido sua vida do Espírito Santo. O Salvador
disse no evangelho de São João: “ O Espírito é o que dá a
vida” (6,63). Deus disse no livro do profeta Ezequiel: “ Eu
vou fazer entrar em vós o espírito, e vivereis” (37,5). Na
profissão de fé reconhecemos também ao Espírito Santo co­
m o “ doador de vida” . Dar vida corresponde muito bem ao
nome de “ espírito” , porque a vida corporal é conduzida aos
membros mediante o hálito vital pelo princípio da vida, ou
seja, pela alma (cf. Santo Tomás, Summa contra los gen-
tiles, IV, 2 0 ).3

22 — CRISTO É A CABEÇA DO UNIVERSO NO ESPÍRITO


SANTO

1. Na natureza humana da palavra divina confluem as


duas metades do universo, a saber, a natureza espiritual e a
material. O homem-Deus, com o “primogênito de todo ser
criado” (Col 1,15-17), une em si e em tom o de si toda a cria­
ção, form ando um corpo místico e um templo, do qual ele

3. M/31. Apêndice segundo.

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tomou posse por meio do Espírito Santo. Toda a criação lo­
gra, por meio de Cristo, a mais excelsa consagração, ao des­
cer sobre ela a unção da cabeça por meio do Espírito Santo.
Deste m odo, também, ela vem a ser o mais admirável templo
do Espírito Santo.
O orbe canta um hino infinito em honra de Deus-Pai.
Sua palavra se adere ao Espírito Santo neste cântico de
louvor e junta todas as vozes formando um harmônico canto
de júbilo. 4
2. O universo está unido organicamente com o corpo
que tomou o homem-Deus. Portanto se converteu tam­
bém no templo do homem-Deus. Cristo, o primogêni­
to de todo ser criado, ressuscitou e foi glorificado, por isso
também o cosm os será levantado muito por cima de sua
natureza e por meio do Espírito de Cristo é renovado e trans­
figurado. O universo será incluído no mais alto céu, mais
ainda, no seio de Deus, por meio do Filho de Deus no Espí­
rito Santo. Despojar-se-á de sua natureza terrena e tomará
outra celestial.5

23 — 0 HOMEM É O REI DO UNIVERSO POR MEIO DO


ESPÍRITO SANTO

1. O primeiro homem.
1. Quando Deus inspirou em Adão o alento de vida,
uniu ao Espírito Santo a alma de Adão, por meio da
graça, de tal form a que o Espírito Santo veio a ser a alma
de Adão. Adão foi espiritualizado e divinizado até o fundo
mais profundo da alma. Até as últimas fibras do seu corpo,
veio a ser um santuário perfeito e digno deste Espírito de

4. M/61. O mundo e as coisas existem como manifestação de


Deus, são uma poesia — poema de Deus (Nietzsche) — seu léxico
bem ordenado, o fundamento do céu e da terra no hino (que nunca
emudece) da Santíssima Trindade... As coisas falam porque as têm
produzido a palavra de Deus; é mais, as coisas "cantam”, sobretudo
nos mistérios da Igreja, na liturgia. Cristo é "a palavra musical
eterna do músico divino, do Pai, é a palavra cheia de imenso som
Jubiloso" (Kahles). O orbe inteiro ressoa com a misteriosa música
de ser (Tyciak). "Quisera Deus fazer-me ouvir sempre esta música
imponente das coisas e que eu a faça perceptível ao ouvido”, escreve
o Pe. Teilhard de Chardin (Peking, IK 137s).
5. M/96.

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Deus, de tal m odo que passou a ser sobrenatural no corpo
e na alma, foi santificado e glorificado. Seu espírito era
puro e soberano, quase com o um anjo; seu corpo lhe estava
submetido por completo, cuidava e o dominava em todos os
seus membros.
Adão, por meio do Espírito Santo, estava elevado ao
seio de Deus, revestido da nobreza divina, chamado a ser o
herdeiro de Deus. Que lhe podia convir mais que chegar a
ser espiritual e celeste até à medula?
2. Primeira e fundamentalmente, a alma do homem
foi agraciada por meio do Espírito Santo, porque era ao
m esmo tempo o cume mais alto e a raiz mais profunda do
orbe. A graça devia estender-se de um m odo natural desde
a alma por todo o cosmos, que não podia nem muito menos
alcançar a coroa da criação. O plano magnífico de Deus era
que a graça da alma e a integridade do corpo deviam passar
a todos os membros, e destes também ao universo. 6
O Espírito Santo, que tinha descido ao espírito do ho­
mem mediante a graça, para inspirar em sua própria vida.
penetrou em todo o homem com sua força divina para pre­
servá-lo de toda desordem, de toda moléstia e da morte.
Logo esta integridade e imortalidade deviam também pro-
pagar-se desde o homem a todo o universo.7

2. Os descendentes de Adão.
1. As criaturas sem alma nem espírito, segundo o uni­
versal plano divino (que tem validez para todo o cosm os),
estão também relacionadas com os descendentes de Adão,
os homens caídos, com o a sua cabeça natural, porque o ho­
mem consta de corpo e alma. Todo o orbe, pedras, plantas,
animais e homens devem ajudar-nos a alcançar nosso fim
natural e sobrenatural. Devemos servir-nos de tudo para glo­
rificar assim a Deus. Utilizamos especialmente as coisas da
terra, com o profetas e sacerdotes das mesmas; servimo-nos
delas para conhecer e amar a Deus.
Se o universo está destinado a ser a vivenda do homem
glorificado, agora é já um templo do Espírito Santo, que
será também glorificado com o corpo do homem. Aqui já
não se designa como templo do Espírito Santo a alma indi­

6. D III 1103; 993.


7. M/34; 36.

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vidual, senão todo o cosmos. Neste caso, as distintas almas po­
dem ser comparadas com as pedras escolhidas, com as quais
está construído o templo, ou bem todas as almas agraciadas
compõem o altar em que descansa a glória do Espírito Santo,
ou, digamo-lo de uma forma ainda mais bela: se o cosmos
é o escabelo de Deus, que oculta a orla de seus vestidos, as
almas agraciadas são então o trono de Deus, inteiramente
cheio da glória do Pai, do Pilho e do Espírito Santo. Estas
comparações as ouvimos dos lábios do apóstolo: “ As criatu­
ras todas ficaram submetidas à desordem, não porque a ela
tendessem por si mesmas, senão pela culpa do homem que
as submeteu. E abrigam a esperança de ficarem elas por
sua vez livres da escravidão da corrupção, para tomar parte
na liberdade que com a glória tem de receber os filhos de
Deus. A criação inteira, com o o sabemos muito bem, vai
suspirando e gemendo, e toda ela até o momento está com o
que em dores dé parto” (Rom 8,19-22). No último dia, o
mundo será transformado em um novo céu e em uma nova
terra, em uma cidade imorredoura, muito suntuosa, em um
templo do Espírito Santo, no qual se reflita a glória de Deus
de uma maneira maravilhosa, e o homem habitará feliz e
ditoso, tranqüilo e glorificado. O paraíso já deu a nossos
primeiros pais um gosto antecipado desta transformação,
de um m odo que ainda era natural, porém já muito mais
elevado que toda a beleza corrompida do mundo atual.8
2. O homem, por sua inteligência e vontade, é a ima­
gem de Deus no mundo; porém, com o filho de Deus, ainda
se parece muito mais a seu Pai celestial, para poder mani­
festar ao cosmos a glória de Deus. O homem também é de
uma forma muito adequada o templo do Espírito Santo, já
que este, não somente mora na alma do homem, senão tam­
bém no corpo, e o enche do seu amor. Pelo que faz ao ho­
mem, o Espírito de Deus ainda vem a ser muito mais prin­
cípio, senhor e vida do m undo.9
3. Ao estar Deus tão intimamente unido conosco, tería­
mos que estar já agora glorificados. Porém, com o ainda
estamos em caminho, não podemos ser exaltados todavia de
uma forma imediata, senão que a luz da eterna bem-aventu-
rança nos ilumina na eternidade só depois da morte e da
ressurreição.10

8. D III 1113-1116; HG 63.


9. D III 1118.
10. D III 1104.

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Se o poder da glorificação se manifesta já às vezes na
terra, com o nos milagres dos santos, a estes não podemos
considerar simplesmente na ordem natural, psicológica e fi­
siológica, senão que temos de julgá-los na ordem espiritual,
dinâmica e sobrenatural. Os santos se deixam conduzir pelo
Espírito Santo, desde o fundo mais profundo da sua alma,
muito mais que os homens comuns, e por isso já aqui
neste mundo o Espírito Santo penetra neles e os capacita
para fazerem obras extraordinárias.11
4. Não podemos desprezar nosso corpo, senão que te­
m os que amá-lo natural e sobrenaturalmente com o a nossa
alma, porque nosso corpo é uma parte do cosmos, e ainda
muito mais porque está habitado pelo Espírito Santo e está
destinado à glorificação. E não só temos de amar nosso
corpo, mas também o corpo de nossos próximos. Almas
esclarecidas cuidam dos pobres e enfermos com mais cari­
nho que as mães cuidam de seus filhos e os servem em suas
necessidades. Eles entregam sua fortuna, sua saúde, sua
vida, para alimentar aos famintos, vestir aos nus, curar aos
enfermos. Ainda que não façam nenhum milagre, ainda que
não multipliquem os pães como o Salvador, realizam, no
entanto, maravilhas de entrega, de altruísmo e amor, mara­
vilhas que fluem do maravilhoso poder do Espírito Santo.12
5. O Espírito Santo, que nos conduz, ilumina e
robustece por meio de seus dons, nos esclarece sem cessar
que temos de ser abertos para fora, para o cosmos e espe­
cialmente para nosso próximo. Toda nossa vida, a interior
e a exterior, a social e a pessoal, tem de estar dominada
e penetrada pela lei de sua graça. Não nos pertencemos a
nós mesmos. “ Não sabeis que vosso corpo é templo do
Espírito Santo?. . . O haveis recebido de Deus, e portanto
não pertenceis a vós mesmos” (1 Cor 6,19). Estas frases
condenam com grande energia o liberalismo, que impugnou
a soberania de Deus e a graça do Espírito Santo na socieda­
de humana e no indivíduo. Porém é um ousado sacrilégio
combater a Igreja, porque esta, em nome do Espírito San­
to, há de conseguir uma influência legítima sobre a vida na­
tural do espírito e da sociedade. **

11. D III 1106.


12. HG 261.
13. D III 990s.

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6. A nova terra é transformada em uma cidade impe­
recível e magnífica, na qual se reflete a infinitude de Deus
de maneira maravilhosa. Nós devemos habitar ali com o
homens glorificados. Deus estará conosco com o nosso Pai
mais bondoso. O Espírito Santo enxugará toda lágrima, c
já não haverá mais morte, nem desgraça, nem lamento, nem
trabalho, porque o primeiro mundo desapareceu (Apc 21.4).
Não conheceremos a angústia nem o temor, só conhecere­
m os o amor, o Espírito Santo.14
7. Por m eio da luz da glória, com a qual nossa alma
contemplará o rosto de Deus, também nosso corpo se tornará
mais belo, vivo e robusto. Quando aqui, neste mundo, os
santos têm um êxtase, seu corpo fica também espirituali­
zado. Na nova terra, nosso corpo será circundado e impregna­
do de uma luz sobrenatural, que lhe dará o mais intenso ful­
gor e a máxima força. Esta luz ultrapassa toda luz terrena e
natural, e é inteiramente inacessível para nossa débil vista
atual. Porém, então, o corpo glorificado será semelhante à
alma; juntamente com ela irradiará para fora sua glória
interna: o ardor divino do Espírito Santo.

14. D III 1115.


15. M/95.

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APÊNDICE

O SÍMBOLO

1. Que se entende por símbolo?

Scheeben descreve mais de vinte símbolos do Espírito


Santo (cf. o índice); daqui já se pode deduzir que o pensa­
mento simbólico é importante para a riqueza interna da fé
viva.
Que diz nosso tempo sobre os símbolos?
1. Em primeiro lugar queremos ouvir a Romano Guar-
dini, em seu livro Os sinais sagrados, Barcelona 1957.
Não se trata de uma realidade passada, senão presente,
que sempre ocorre de novo, em nós e por meio de nós; tra­
ta-se de uma realidade humana na forma e na ação. Porém
não nos acercamos desta realidade dizendo: tem sua origem
e se desenvolveu desta e de outra maneira. Tampouco nos
acercamos dela colocando-a abaixo de quaisquer pensamen­
tos didáticos, senão ajudando a decifrar o interior da forma
corporal: a alma no corpo, o espiritual e oculto no sucesso
terreno (p. 7).
É delicado o assunto do qual falamos. Não nos satisfaz
dizer estas coisas; algo se faz sentir contrariamente. Quere­
mos ocupar-nos disso corri o maior cuidado. Não pode fa­
zer-se disto um jogo inútil, complexo, senão uma linguagem
por meio da qual o corpo diz a Deus com uma veracidade
sincera o que a alma pensa (p. 16s).

129

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Coisas conhecidas venham a ser novas para nós. Trata-
-se de coisas conhecidas durante muito tempo, são coisas
vistas cem vezes, e agora as temos considerado da maneira
adequada, e elas se têm aberto e têm começado a falar.
Com palavras que já temos ouvido muitas vezes, encontra­
mo-nos como em casa, compenetramo-nos delas. Isto é
uma grande descoberta. Temos de adquirir o que já temos
desde há muito tempo, para que chegue a ser próprio nosso.
Temos que aprender a ver, ouvir, fazer de uma maneira ade­
quada. Enquanto não suceda assim, tudo permanece obscuro
e silencioso. Porém se temos êxito, abre-se então seu inte­
rior e desde ali, desde sua essência, se configura seu exterior.
Precisamente as coisas evidentes, as ações cotidianas ocultam
o mais profundo. No mais simples está o maior mistério
(p. 25s).
Ante todas as coisas a alma tem esta sensação: eu sou
distinta. No mais íntimo é alheia a tudo, só é semelhante a
Deus. E contudo, a alma tem semelhança com todas as
coisas. Em todas elas a alma está de certo m odo com o em
sua casa. Tudo fala à alma, cada forma, cada movimento e
gesto. Procura indecisa manifestar-se a si mesma nelas, con­
vertê-las em símbolo de sua própria vida.
Sempre que a alma encontre tuna forma forte, encontra
revelado nela algo da própria essência. Aqui está o fundamen­
to da essência de toda comparação. A alma, alheia no fundo a
qualquer coisa, lhe fala assim: eu não sou assim. E, por
outra parte, misteriosamente semelhante a tudo, experimenta
as coisas e acontecimentos com o imagens de seu próprio ser
(p. 30s).
Em seu livro, Romano Guardini fala logo de “ O sinal da
Cruz” — “ A m ão” — “ O adiantamento” — “ O portão” —
"O círio” — “ A chama” etc. (cf. as notas de nossos livros).

2. Paul Helwig, Charakterologie, Herder, Freiburg 1967.


No tratamento do tema, Helwig dá uma visão geral profunda
sobre a psicologia européia, especialmente sobre a psicolo­
gia da profundidade, e faz também sua crítica de cada siste­
ma. Sobre a doutrina dos símbolos, Helwig escreve em 192ss:
a) O autêntico símbolo tem lugar (segundoKant) quan­
do não é possível uma idéia intuitiva direta por meio de
outra coisa gráfica, por meio de uma imagem, um gesto ou
também um objeto real. O símbolo representa algo real que

ISO:

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não pode fazer-se gráfico de outra maneira. E, sem plenitu­
de gráfica, qualquer conceito, com o se sabe, continua sendo
vazio.
b ) De um m odo muito lindo o comprendia K. Jaspers
(.Psychopathologie, 276): “ Os símbolos são históricos a priori,
porém sua verdade comove, com o eterna, no tempo. Orde­
nam-se em etapas enormes, são explicados em mitos, filoso­
fias e teorias, são gráficos no jogo da fantasia, vieram a ser
facultativos na contemplação ascética, são reprimentes e ca­
tegóricos em situações extremas, são direção oculta de qual­
quer vida valiosa.
c ) A Freud devemos o conhecimento de que se dão a
conhecer tendências (especialmente sexuais) da profunda
capa biológica do homem em múltiplos disfarces (por exem­
plo, no sono). A estes disfarces, Freud também os chamou
“ símbolos” . Este é um conceito de sím bolo que não pode
mudar-se com o conceito do autêntico sím bolo. . . Em Freud,
algo intuitivo e real corresponde a outra coisa assim mesmo
intuitiva e real. No entanto no símbolo autêntico, o que o
símbolo simboliza não pode ser compreendido intuitivamen­
te sem símbolo.
d ) A geração anterior a Klages estava orgulhosa de po­
der desencantar com o superstição, soberba e mera fantasia
tudo o que se quer significar no mito, a arte e a religião por
meio de símbolos (com o algo real). Com freqüência se empre­
gou também a maneira utilitária de explicar (redução a valo­
res práticos). Por exemplo, de necessidades higiênicas se origi­
naram ritos religiosos. Além disso, tais fins utilitários têm
existido sem dúvida em muitos casos. Isto não faz variar
em nada o fato de que o autêntico símbolo significava primi­
tivamente algo muito distinto, algo real que não é intuitivo.
Klages (1872-1956) mostrou: 1) que a alma do homem
moderno tampouco pode fazer nada produtivo sem estes sím­
bolos: 2) que os símbolos são figuras primárias da vida
(“ Imagens primitivas” , de Burghardt), que não podem ser
achadas com o desvio racionalista ou utilitário.
A imagem é anterior ao conceito. Este se baseia na ima­
gem. Todo o conhecimento que chega ao fundo, aparece pri­
meiramente com o imagem, com o gesto gráfico, com o símbo­
lo. E se podem conceber e expressar muitos conhecimentos
somente como símbolo. Perdem todo seu conteúdo, se ten­

131

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tamos transformá-los em conceitos abstratos. A religião vive
com símbolos, e assim também a arte.
Assim, pois, neste sentido a imagem tem uma autêntica
realidade — uma autêntica “ capacidade de agir” . Assim
com o a vida produz as imagens, ãssim também é guiada por
elas. As imagens movem nossa alma e a dirigem. Movem
as grandes correntes historicamente decisivas das culturas,
formam o conteúdo interno das “ idéias” religiosas, nacionais,
sociais, culturais, pelas quais os homens se oferecem em
sacrifício.
Esta doutrina das imagens e de sua força criadora foi
exposta por Klages com grande autoridade ideológica e tem
repercutido com particular fecundidade na psicologia analí­
tica, que foi elaborada por G. R. Heyer e seus adeptos. (Foi
uma ulterior evolução de pensamentos de C. G. Jung e Ba-
chofen.) Nesta parte da obra filosófica de Klages, fala o
intuicionista e não o racionalista, e, quando se dá o caso,
Klages conduz a uma autêntica profundidade (p. 182ss).
e) C. G. Jung (1875-1961) foi discípulo e colaborador
de Freud. Como tal, teve parte importante no desenvolvi­
mento da psicanálise. Quando deu à doutrina um giro com
o que Freud não esteve de acordo, separaram-se um do ou­
t r o . .. Jung aceita toda a doutrina de Freud sem mudar
muitos pormenores, porém a expõe de outro ponto de vista,
e a conduz assim a algo que em grande parte é n ov o. . .
(Helwig, o.c., 255).
Freud considera o palpável e concreto com o o “próprio” ,
que se tem disfarçado nos símbolos, só com o máscaras. Para
Jung (e ainda mais claramente em Heyer), o concretamente
sexual é assim mesmo um (autêntico) símbolo de polaridades
gerais da vida, que em realidade aparecem continuamente só
como tendências concretas (muito freqüentemente também
como tendências sexuais), que como gerais antagonismos da
vida são algo distintos e algo mais que estas concretas mani­
festações (p. 256).
Jung distingue duas classes de símbolos; uma se refere
a uma pessoa e a outra a uma geral tensão ainda subsistente
de v id a ... As formas simbólicas, que no caso posterior
passam pelos sonhos, têm um caráter marcadamente “ ar­
caico” . O mito e a fábula ressoam neles: dragões, deuses,
anjos — aparecem animais da água e da terra — emergem
paisagens mitológicas, abismos, vales e montanhas, templos

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e mosteiros, cavidades e rios tenebrosos — os elementos:
fogo, água, ar, terra — o sol em sua oposição à lua — etc.
Jung vê neles símbolos que não pertencem ao plano indivi­
dual, senão ao homem em si — a humanidade. Designa o
sedimento existente em nós, do qual procedem estas figuras,
o sedimento coletivo — inclusive os símbolos “ arquétipos” .
Também as pessoas da primeira classe podem ser ainda
símbolos de algo geral. Assim a mãe pode ser também re­
presentante do princípio maternal. Nesta suposição se ma­
nifesta então de per si o desejo de segurança, refúgio no qual
está salvaguardada a v id a ... O pai, em sua reclamação de
força e virilidade, é a encarnação do pólo oposto. Ele recla­
ma a continuidade e a responsabilidade própria. É a vetus­
ta oposição mitológica: deus solar — deusa lunar, dia claro
— noite escura, duros contornos — branda unidade que se
desvanece: água, pântano, noite (serpentes luminosas e som­
brias). Jung, com estas figuras, interpreta antes de tudo as
principais tarefas da vida, que o indivíduo tem em comum
com toda a humanidade e que nele se atualizam de uma
forma insolúvel para ele (pense-se em nossas fábulas).
Assim, pois, o homem tem que conhecer arquétipos, os
símbolos da vida genuína, com o símbolos de sua vida. Tem
que sentir neles o de “ Tua res agitur” (trata-se de um assun­
to teu). O homem, acolhendo conscientemente estes símbo­
los em sua vida e desempenhando a tarefa de unificar os
antagonismos polares, distancia-se ao mesmo tempo destas
faculdades de sua inconsciência (as quais exigem seu direito
à vida) e anula sua ação perturbadora.
Fazendo uma crítica dos anteriores pensamentos de
Jung, escreve Paul Helwig: o problemático em Jung é a
formação de seus conceitos. O uso de imagens em lugar de
conceitos exatos é inevitável na psicologia. O pior não é que
Jung empregue imagens, senão como as usa — a saber, com
falta de clareza sobre o que está concebido metaforicamente,
o que está concebido direta e literalmente. . . Um exemplo
típico é o conceito de Jung sobre o “ sedimento dos arquéti­
pos” ou “ estrato coletivo” .
Que deve dizer-se quando, por exemplo, Jung diz: “ Ela
(a libido) submerge no mais profundo da inconsciência e
ali vivifica o que desde há muitíssimo tempo dormitava” ?
Tem-se de perguntar: onde dormitava? — em nós? — Não.
O indivíduo só tem a idade que é própria sua, e não se lhe
pode juntar nem um ano mais. O que Jung expressa com

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esta imagem poética, traduzido da linguagem literária ao
científico, só pode significar que nos homens do tempo pre­
sente ainda existem atualmente certas tensões polares e
atuam, nem mais nem menos, como nos homens de há vá­
rios milênios. Isto é evidente. Muitos processos de nossa
vida transcorrem ainda igual como nos homens de prece­
dentes milênios. Nossa comida e bebida, nossa digestão —
a circulação do sangue — a procriação e o parto e muitas
outras coisas têm mudado pouco desde então. No homem
atual, ainda funciona em parte exatamente com o no animal.
Porém se se interpreta assim a doutrina dos arquétipos, desa­
parecem subitamente todos "os abrigos do arcaico” . Assim,
pois, o estado coletivo é somente uma imagem simbólica de
uma determinada classe de tensões. Aceitar literalmente os
símbolos conduz à superstição e ao romantismo de fantas­
mas (p. 262).
Esta é a restrição crítica que há de fazer-se frente à
importante obra da vida de C. G. Jung. A moderna psicolo­
gia da profundidade se baseia em sua máxima parte em
Jung. A psicoterapia recebeu decisivos estímulos e ajudas
de J u n g ... As idéias da psicologia da Asia oriental, Jung as
recolhe e as torna úteis à mentalidade ocidental, sem come­
ter a falta de reduzir-se a “ transplantá-las” (p. 264). Até
aqui se tem tratado de Helwig.
3. Josef Goldbrunner escreveu uma série de livros, nos
quais ele quer aproveitar a psicologia da profundidade, so­
bretudo a de C. G. Jung, para a moderna cura de almas.
Por exemplo, em Sala de consulta s confessionário (Verbo
Divino, Estella 1968), Goldbrunner escreve o seguinte: para
a confissão (dos pecadores), o confessor naturalmente tem
que exigir o ato formulado, o sucesso pecaminoso, o pecado
— e, à diferença do terapeuta, decidir-se inclusive — porém,
na conversação mantida durante a confissão, o confessor
procura não vê-los isolados, senão de um modo biográfico
— no conjunto, no contexto da vida (p. 76).
Também Goldbrunner aborda uma outra vez o tema do
símbolo, especialmente no livro que está dedicado à doutrina
de C. G. Jung: Individualização, Fax, Madrid 1962.
Olhando-o do lado psicológico, temos de atribuir grande
importância aos símbolos, inclusive no âmbito religioso.
Diz-se muitas vezes: “ Sem símbolos, não há fé” .

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4. Alfons Kirchgássner tratou dos símbolos, do ponto
de vista antropológico, no O simbolismo sagrado na liturgia,
Fax, Madrid 1963. Da superabundância de material somente
podemos apresentar palavras orientadoras.
Sobre o conceito do símbolo, escreve Kirchgássner (pp.
81-96):
O símbolo é a palavra primitiva do homem.
O mundo do culto está construído por símbolos.
O simbolismo está orientado para o conhecimento, me­
lhor dito, para o reconhecimento. O objetivo da ação sim­
bólica é o restabelecimento: fórmulas, documentos, instru­
ções, insígnias, mistérios, sacramentos, palavras curativas,
signos e sinais distintivos.
Sem a figura, o conteúdo não resulta compreensível. O
Apoio délfico não fala nem encobre, dá sinais (Heráclito,
500 a.C.).
A realidade do símbolo se apresenta por meio de irradia­
ção (iluminação), de simples compreensão (intuição); não
há nele nenhum pensamento conclusivo. O símbolo impres­
siona o espírito por meio dos sentidos e não o mantém fixo
nestes.
O símbolo só produz seu efeito por meio da presença.
O símbolo é representação, não tese; é figura, não sis­
tema.
Os símbolos cósm icos queridos por Deus estão subtraí­
dos à arbitrariedade. São elevados, cabais, válidos, não se
lhes pode passar por alto nem substituir. Foram reconheci­
dos em todos os tempos, assim com o também em todo o
mundo, por que estão estabelecidos na natureza humana
que experimenta o mesmo e produz o mesmo.
O símbolo “ indica, não expõe” (Nietzsche). A interpreta­
ção sempre é arriscada. É atravessar borboletas com uma lan­
ça. Continua sendo necessário um resíduo intransferível. É
uma tarefa difícil, na maioria dos casos inextrincável. tentar
reduzir tudo a um denominador. A busca de palavras certas
é a procura de novas séries de símbolos, que nunca corres­
pondem exatamente ao que se pensa, mas que apenas se
aproximam. Nos pensamentos lógicos tudo depende de con­
ceitos exatos da correção do argumento; os sentidos são so­
mente estação de captação que em seguida transmitem. No

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entanto, na apreensão de símbolos, os sentidos estão em
autêntica e duradoura companhia do espírito.
Somente o símbolo consegue unir as coisas mais distin­
tas, dando uma impressão unitária de conjunto.
O símbolo pertence à categoria dos sinais que têm re­
lação com o inexpressivo.
O símbolo é a expressão dos sentidos. A língua, a atitu­
de corporal, os gestos, o movimento deis mãos têm caráter
simbólico: porém somente se são expressivos e não são figu­
ras tendenciosas. De ordinário, o retrato do passaporte da
mãe não é um símbolo, porém o é o retrato colocado na habi­
tação.
O símbolo não é uma imitação como, por exemplo, a
tumba, os bastidores, as representações cênicas, as imagens
vivas. Estas querem dar ilusões, às quais renuncia o símbolo.
O símbolo reclama uma espiritual e sensível vivacidade e
atividade. Uma cifra suscita associações e as ocasiona; con­
tudo, há transições dignas de consideração, como a estiliza-
ção de um símbolo até a mais simples depuração: o sinal
da cruz, o disco, a roda, o círculo com o símbolo do sol, a
espiral como símbolo da força, a foice e o chifre para a lua
etc. Também se elevam cifras à categoria de símbolos.
Podem converter-se em símbolos as letras X e R; o M com
uma cruz em cima etc.; figuras-chave como insígnias, ar­
mas etc.
O símbolo nunca é calculador, ou calcula e está acima
de fins didáticos e pedagógicos. Somente se trata da relação
de form a e conteúdo.
Atribuem-se ao símbolo forças superiores. Sua venera­
ção não se baseia somente em sua conexão com o mundo
superior, senão em que aqui se manifesta e realiza a potência.
O símbolo tem sua origem em uma comunidade e para
a mesma. Une, sugerindo idéias semelhantes e sensações,
levando à mesma dependência e veneração que reúne linhas
de muitos. O caso extremo deste é o animal totem, que é
venerado com o avô, fundamento da vida e personificação de
toda uma tribo.
No símbolo, sempre é trágico que a figura permaneça
situada por trás da essência. Muitos símbolos são mutáveis:
as imagens dos santos nos ícones e no renascimento. Que

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uma Madona esteja no museu ou na capela do Santíssimo da
Catedral de Colônia. Um rito realizado com dignidade ou
com negligência. O símbolo está profundamente introduzido
na desgraça de um mundo deteriorado. Não há um fogo de
per si, senão somente esta chama do círio, aquele feixe de
lenha ardente... Pode pensar simplesmente na água ou na­
quele manancial da predaria, rodeado de alto bosque, no qual
experimentei isto ou aquilo. . .
Um símbolo sempre é tão só análogo, isto é, semelhante
e portanto desigual à coisa representada, e, no entanto, igual
em outro aspecto. Por conseguinte, o símbolo não pode ter
nenhuma sobrecarga. Se tende para o material evapora-se
o conteúdo e passa ao materialismo; se o espiritual tem um
valor absoluto, domina então o espiritualismo.
Também há um desaparecimento da tendência aos sím­
bolos. O que está adiante, o robusto, o proveitoso conquista
esforços e cuidados e transforma ao final os símbolos em
objetos de valor que se arrancam ou com os quais se passa
o tempo. As imagens santas vão parar no gabinete de arte,
as casas de Deus se convertem em museus, as funções sagra­
das satisfazem a curiosidade.
Se assim fica descrito um grave traço característico dos
tempos modernos, tampouco se pode passar por alto a mudan­
ça que se prepara. Se lhe pode designar com o "renascimen­
to das imagens” . . . O simbolismo, o expressionismo, o sur­
realismo e a representação abstrata, assim com o também a
psicologia da profundidade e a moderna pedagogia são teste­
munhos desta mudança.
Os símbolos levam uma vida tenaz, enquanto que se vai
extinguindo o espírito que os tem produzido e tem ardido
neles. Quanto mais inteligíveis se tom am as imagens, tanto
mais escrupulosamente se caminha aferrado a elas, tornam-
-se soberanas, estereotípicas, e com isso perdem sua força.
Começa o domínio do legalismo e formalismo. No transmi­
tido, o homem já não está em casa. A dogmática se orienta
no sentido de justificar o que veio a ser estranho, porém de
um ponto de vista que está longe das origens. (Nota: O gran­
de mérito de Scheeben está precisamente em que não o afeta
esta reprovação; através dos símbolos, Scheeben nos conduz
ao conteúdo interno, mantendo sempre o equilíbrio entre
forma e conteúdo, matéria e espírito).

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Depois, Kirchgássner traz abundantes símbolos de todos
os países e tempos. O homem com o símbolo, símbolos cós­
micos, símbolos animais, símbolos vegetativos, número, figu­
ra, cor, imagem.
Após, Kirchgássner fala ainda em cinco capítulos de:
categorias (correspondência, participação, força, santi­
dade, pureza);
formas elementares (palavra, mito, rito, sacrifício, fogo
e culto, magia e culto);
espaço e tempo (lugar, limite e balizamento, centro,
tempo, festa);
princípio e fim (introdução ritual, terminação ritual,
ciclo, repetição);
ritos particulares (procissões, acordo, mistura, tato,
ocultação, descoberta, unção, purificação).
Todos os que “ já não querem nenhum rito” , desejariam
embrenhar-se neste livro, não somente com a lógica da aguda
inteligência, senão com a meditação de todo o homem, com
a tranqüilidade e franqueza, referindo-se a “si mesmo, a ti,
a nós e a Deus” (Goldbrunner), logo se “ acabaria” com muita
prudência, e nos familiarizaríamos muito mais com os ritos e
os presenciaríamos muito mais.
5. Hugo Rahner dispõe seu livro acerca da Igreja inteira­
mente sobre o pensamento simbólico (Symbole der Kircke.
A eclesiologia dos santos padres, Otto Müller, Salzburg
1964). Reproduzimos aqui alguns parágrafos do prólogo:
H oje em dia é preciso investigar a dogmática dos santos
padres sobre a Igreja, de tal forma que possamos medir
nossa maneira de pensar e falar dentro da mesma. A teolo­
gia patrística dos símbolos da Igreja obtém em nossos dias
uma importância inteiramente nova já que, segundo o dese­
jo do concílio, cheios de esperança dirigimos nosso olhar à
Igreja do Oriente. A Igreja usa na teologia palavras inteira­
mente novas. A Igreja se manifesta como “ sacramento primi­
tivo” . As relações da Igreja com Cristo e sua cruz, a Igreja e
a parusia, a teologia ponderada do símbolo, tudo isto indica
uma direção única: a rica teologia simbólica (descoberta de há
pou co) dos santos padres.
Queremos averiguar as relações dos primitivos símbolos
cristãos da Igreja com a antigüidade helenista, para compre­
ender a doutrina dogmática dos santos padres em seu puro
cristianism o... Perfilando esta teologia figurada do tempo

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primitivo, prestamos simultaneamente uma contribuição ao
que hoje em dia também se procura tornar a descobrir, para
a exegese pneumática, isto é, para a interpretação escriturís-
tica dos santos padres e dos primeiros tempos da Idade
Média. Esta interpretação não queria ser exegese em nosso
sentido moderno, senão somente uma dogmática coberta de
imagens bíblicas.
Em continuação, tentamos expor com quatro imagens
fundamentais esta antiga teologia cristã da relação da Igreja
com Cristo e com sua cruz: a Igreja com o seio materno da
vida de Cristo na terra; a Igreja como virgem na lua
em sua relação nupcial com o Filho Cristo; a Igreja
com o fonte de água viva que brota da ferida do lado de
Cristo; e finalmente, a Igreja, com o a nave da salvação, que,
em virtude da cruz, tem empreendido a viagem às costas do
fim dos tempos.
Sempre que os santos padres desenvolvem sua teologia
envolta em imagens, descobrimos uma riqueza de símbolos
de verdades revestidas de símbolos, os quais poderiam vita­
lizar mais nossas atuais declarações dogmáticas, quiçá de­
masiado determinadas pela apologética e o direito canônico.
O mundo m etafórico dos símbolos da Igreja, que nos tem
conservado a teologia do primeiro milênio, poderia configu­
rar de novo nossas idéias sobre a Igreja, que dogmaticamen­
te se têm tomado estéreis em amplos setores (p. 7s).
Ajuntamos ainda um parágrafo da introdução ao “ Mys-
terium Lunae"( mistério da lua): para expor tais pensamen­
tos, a antiga teologia eclesiástica lançou mão de imagens e com­
parações que eram tomadas da ingênua contemplação da
natureza e muito mais ainda da ciência e da piedade do
ambiente do helenismo tardio. A antiga teologia eclesiástica
lançou mão destas imagens e comparações com o vigor (se­
guro de si mesmo e por isso despreocupado) da convicção
de sua fé derivada da escritura e da tradição apostólica.
Não podemos chegar a conhecer plenamente a força simbó­
lica e o significado de ditas imagens e comparações, se não
nos atrevemos a tentar reconstruir este mundo de es­
tímulos, com o qual o pensamento teológico da antiga
Igreja de certo modo tocou e assim se inflamou (São Gregó-
rio Magno) (p. 91s). Começaremos a “ entrar” dentro de n^s
(não a “ manifestar-nos” ), ainda que somente leiamos os tí­
tulos dos capítulos da terceira parte: "Antenna crucis” (cha­
mava-se antenna ou antemna, a “ verga” , a travessa na parte
alta do mastro do barco, que forma uma çruz çom o m astro):
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Ulisses no mastro — O mar do mundo — O barco de
madeira — A cruz, com o mastro e antena — A mística
tau (letra grega, parecida a nosso T e semelhante a
uma cruz) — O naufrágio e a tábua de salvação — A
barquinha de Pedro — A arca de Noé com o barco de
salvação. (O estudo deste livro requer conhecimentos
prévios teológicos e lingüísticos.)
6. Photina Rech, de Herstelle, dá um simbolismo da
criação, em que o Cristo aparece como imagem do cosmos,
e onde também transluz a igreja e o tempo final. (Photina
Rech, Iribild des Kosmos, 2 t., Otto Müller, Salzburg 1966.)
Seria difícü dar uma olhada no livro com breves observa­
ções; portanto, aqui somente damos uma sinopse sobre o
conteúdo:
Estabelecimento do símbolo na história da salvação.
Da essência do símbolo.
Onipresença do simbólico.
O sím bolo no culto.
Símbolo e palavra.
Símbolo e vida.
Na parte principal, trata-se em separado dos símbolos
de Cristo. Estão sobre o tapete sete ciclos de símbolos:
I — leão — águia — cervo — cordeiro — pomba
— abelha;
II — terra — árvore — raiz — flor e aroma;
III — cruz e cosmos;
IV — vento e respiração — fogo — sol — lua —
estrela-d’alva;
V — pérola;
VI — sal — mel — leite;
VII — água — vinho — pão — azeite.
O livro oferece também uma ampla bibliografia.
2. Símbolo e meditação.

Scheeben escreve uma teologia para o coração. Por isso


seus cursos de idéias têm de encontrar um caminho para
nosso coração; isto ocorre por meio da meditação: uma ima­
gem, uma palavra, uma pessoa, um símbolo, um pensamento
nos comove, ficamos de certo m odo perturbados, nosso co­
ração se dirige ao objeto e é ocupado por ele; tem que liber-

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tar-se no diálogo, que para ele quiçá consiste em uma pala­
vra ou uma frase que se repete; simultaneamente liberta o
coração e o faz transbordar de amor. Para conseguir a ple­
nitude do coração, temos que excluir todos os pensamentos,
imagens etc., que pudessem penetrar em nosso interior e o
turvassem: não pensar no que se chama concentração ne­
gativa.
1. Friso Melzer, missionário protestante na índia, cha­
ma à meditação “ recolher-se” , em oposição a “manifestar” ,
ainda que ele dê ao livro o título: Anleitung zur Meditation
(Evangelisches Verlagswerk, Stuttgart 2 1959).
Na meditação, não se faz uma separação rigorosa entre
imagem e símbolo; também os conceitos e conclusões podem
comparecer claramente ante a alma no curso do recolhimen­
to. Porém se poderia dizer que cada imagem que contem­
plamos obtém linhas cada vez mais nítidas, se tom a também
mais simples, até que finalmente se converte no símbolo e
eleva nosso interior (não somente a inteligência, senão todo
o homem), ao qual a imagem simboliza.
Melzer informa de exercícios nos quais os participantes
penetraram no sentido de imagens e símbolos da natureza,
arte e religião, e também deram testemunho dele. Os temas
são: Portão (do jardim ) — Caminho (no parque) — Uma
figura do manancial — As “ mãos orantes” , de Durero —
"Jerônimo no nicho” , de Durero — Cristo com o globo ter­
restre na mão — O círio ardente — A cruz — A cruz no glo­
bo terrestre. «
Depois continua falando ainda de sentidos internos de
palavras da Bíblia — Perigos do recolhimento e sua defesa —
Métodos de meditação no ocidente e no oriente.
Aqui ainda se pode nomear a dois autores, cujos livros
podem ser muito úteis aos que querem levar vida interior,
com uma leitura diligente, porém sossegada:
2. Johannes B. Lotz, Meditation im Alltag, Josef Kne-
cht, Frankfurt 3 1963, e Einilbung ins Meditieren am Neuen
Testament, J. Knecht, Frankfurt 1965.
3. Philipp Dessauer, Die naturale Meditation, Kõsel,
Diisseldorf 1968 (composto depois de sua morte por Irm-
gard Wild, à base de muitos esboços e bosquejos do fi­
nado).

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4. Para concluir, ajuntamos uma pequena “ realidade” .
Um camponês ia muito cedo com sua filha pequena para
segar o trevo. No caminho, colhe uma flor da margem de
um bosque, mostra-a à menina e lhe diz: "Olha, Maria, a isto
chamamos de má erva, porém nenhum de nós pode fazer
algo semelhante, só Deus pode fazê-lo” . Aos sessenta anos
de idade, Maria ainda contemplava este símbolo: flor —
DEUS.

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ÍNDICE

Siglas ....................................................................................... 5
Prólogo à primeira edição a le m ã ...................................... 7

Prólogo à segunda edição alemã ...................................... 10

I — O ESPÍRITO SANTO

1 — Creio, Senhor, ajuda a minha incredulidade .. 11


2 — 0 mistério da fé .................................................. 14

II — O ESPÍRITO SANTO EM DEUS

3 — O Espírito Santo é D e u s ...................................... 17


4 — A procedência do Espírito Santo .................. 19
5 — Comunicação de vida em Deus ....................... 21
6 — O Espírito Santo com o p e s s o a .......................... 27

III — O ESPÍRITO SANTO EM CRISTO

7 — Cristo, o ungido ................................................. 43


8 — Cristo, nosso mediador ...................................... 45
9 — Espírito e sangue ................................................ 47
10 — Espírito e sacrifício............................................... 49
11 — Espírito e testemunho ................ 51

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IV — O ESPÍRITO SANTO EM MARIA

12 — Maria, a esposa do Espírito Santo .............. 53


13 — Maria, órgão do Espírito S a n t o ...................... 55

V — O ESPÍRITO SANTO NA IGREJA

14 — Alma da Igreja .................................................. 57


15 — Mestre da Igreja ................................................ 62

VI — O ESPÍRITO SANTO EM NÓS

16 — As apropriações em D e u s .................................. 71
17 — Os envios ............................................................. 72
18 — A verdadeira m ís t ic a .......................................... 99
19 — O pecado e a graça .......................................... 110
20 — Comunhão dos santos ...................................... 114

VII — O ESPÍRITO SANTO NO UNIVERSO

21 — O Espírito Santo atua no universo .............. 121


22 — Cristo é a cabeça do universo no Espírito
Santo ................................................................... 123
23 — O homem é o rei do universo por meio do Es­
pírito Santo ......................................................... 124

Apêndice: O símbolo ......................................................... 129

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