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QUATERNÁRIO DO BRASIL

A atual estrutura geológica e geográfica da Terra foi formada ao


longo de 4,5 bilhões de anos. Os últimos 2 milhões de anos
(Quaternário) —cerca de 0,05% dessa história— foram marcados
por forte oscilações climáticas e pelo surgimento do homem, que
passou a ser um agente importante na modificação do ambiente
natural. As mudanças impostas pelo clima e pelo homem
resultaram em profundas alterações ambientais, que ficaram Dos editores (na seqüência da foto)
gravadas na história do planeta. O Quaternário do Brasil é uma
ANTONIO MANOEL DOS SANTOS
obra que traz o estado da arte dos estudos desse importante OLIVEIRA. Geólogo (1967), mestrado (1981) em
período geológico realizados no país, o que deverá influenciar a Geologia Geral e de Aplicação e Doutorado (1994)
em Geografia Física, ambos pela Universidade de
própria dinâmica da pesquisa e a docência nessa área do São Paulo. Pesquisador da Divisão de Geologia do
conhecimento. Apenas uma compreensão ampla e adequada da Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo

ISBN 85-86699-47-0
história do Quaternário, incluindo a dinâmica dos ambientes de 1968 a 1995. Prêmio Ernesto Pichler (1996) e

9 788586 699474
Viktor Leinz (1998) da Associação Brasileira de
naturais e as relações do homem com esses ambientes, poderá Geologia de Engenharia. Tesoureiro da ABEQUA
evitar uma ação devastadora sobre o que é um dos nossos maiores 2002-2003. Atualmente, consultor em estudos
ambientais e Professor Titular do CEPPE da
tesouros —nossa própria casa. Universidade de Guarulhos nos cursos de
especialização em Gestão Ambiental e mestrado
em Análise Geoambiental.
CELIA REGINA DE GOUVEIA SOUZA. Geóloga
(1983) com mestrado em Oceanografia Geológica
(1990) e doutorado em Geologia Sedimentar (1997),
pela Universidade de São Paulo. Pesquisador
Científico (nível VI) do Instituto Geológico – SMA/
SP desde 1992, atuando como especialista em
Geomorfologia Costeira, Geologia do Quaternário
e Gerenciamento Costeiro. Atua junto ao Plano
Estadual de Gerenciamento Costeiro desde 1997 e
coordena o Sistema de Informações Geoambientais
para o Litoral do Estado de São Paulo - SIIGAL
(2000-2005). Professora dos cursos de pós-
graduação em Gestão Ambiental Costeira e
Portuária (MBA) da Universidade Católica de
Santos e de Biodiversidade e Meio Ambiente do
Instituto de Botânica – SMA/SP. Secretária da

Souza, Suguio, Oliveira e Oliveira (eds.)


ABEQUA de 1995 a 2001 e de Presidente de 2002
a 2005.
KENITIRO SUGUIO. Geólogo (1962),
doutorado em Ciências (1968) pela Universidade
de São Paulo. Estágios de pós-doutorado em
Geologia Marinha na Universidade de Tóquio e
Geoquímica Sedimentar no Serviço Geológico do
Japão em 1970. Membro Titular da Academia de
Ciências do Estado de São Paulo (1980) e da
Academia Brasileira de Ciências (1990). Prêmio
de pesquisador Paradigma (1992) da Universidade
de São Paulo, prêmio Jabuti (1993) da Câmara
Brasileira do Livro e Comenda da Ordem Nacional
do Mérito Científico do Ministério da Ciência e
Tecnologia em 1998. Professor Titular e Professor
Emérito do Instituto de Geociências da USP, e
Professor Titular do CEPPE da Universidade de
Guarulhos, no Mestrado em Análise
Geoambiental. Sócio Fundador e Membro
Honorário da ABEQUA desde 1997.
PAULO EDUARDO DE OLIVEIRA. Engenheiro
Agrônomo pela ESALQ/USP (1980), Mestrado
em Paleolimnologia pela University of Cincinnati
A publicação deste livro foi possível graças ao apoio de (1985), doutorado em palinologia do Quaternário
pela Ohio State University, Columbus (1992) e
pós-doutorados em Palinologia do Quaternário do
Brasil no Smithsonian Tropical Research Institute,
Panamá (1993), e no The Field Museum of Natural
History of Chicago (1996), onde também é
pesquisador associado. Professor Titular do CEPPE
da Universidade Guarulhos, no curso de mestrado
em Análise Geoambiental. Secretário da ABEQUA
no período de 2002 a 2005.
QUATERNÁRIO DO BRASIL

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Quaternário do Brasil

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Associação Brasileira de Estudos do Quaternário

QUATERNÁRIO DO BRASIL
Editores

CELIA REGINA DE GOUVEIA SOUZA


KENITIRO SUGUIO
ANTONIO MANOEL DOS SANTOS OLIVEIRA
PAULO EDUARDO DE OLIVEIRA

Ribeirão Preto
2005

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Quaternário do Brasil

ABEQUA
Instituto de Geociências - Universidade de São Paulo
Rua do Lago, 562 - Cidade Universitária
05508-080 - São Paulo-SP - Brasil
www.abequa.org.br
abequa@abequa.org.br

©2005, Associação Brasileira de Estudos do Quaternário - ABEQUA


1a Edição - 1a Tiragem - 2005
1a Edição - 2a Tiragem - 2008

Revisão editorial
Vilma Tavares Teves Varalta
Holos, Editora

Edição das ilustrações


Thelma Samara
Holos, Editora

Fotos da capa. Fundo da capa frontal, Praia de Maresias (São Sebastião, SP): estado morfodinâmico intermediário, existindo cúspides
praiais e barras de deriva litorânea interrompida por correntes de retorno (foto: Nícia Guerriero). No sentido horário, a partir do canto
superior direito: alinhamento de rochas praiais (beach rocks) holocênicas e enseadas atuais na região de Camurupim-Tabatinga, RN
(foto: Ronaldo Diniz, 2003); falésia marinha da Formação Touros, do Pleistoceno (120 ka A.P.) do litoral do Rio Grande do Norte
(foto: Kenitiro Suguio, 1998); Praia de Lagoa Doce, Espírito Santo: erosão costeira intensa de longo período, resultando em falésias
e morro testemunho na Formação Barreiras (Neógeno), planície costeira holocênica quase inexistente e praia bastante estreita (foto:
Celia Regina R.G. Souza, 2000); Sambaquis compostos essencialmente por Anomalocardia brasiliana (berbigão), Jaguariúna, SC
(foto: Kenitiro Suguio, 1984). Última capa: Pantanal do Rio Negro, Aquidauana, MS (José Sabino).

Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

551
S714q Souza, Celia Regina de Gouveia (ed.)
Quaternário do Brasil / editores,
Celia Regina de Gouveia Souza, Kenitiro
Suguio, Antonio Manoel dos Santos Oliveira,
Paulo Eduardo De Oliveira.-- Ribeirão Preto :
Holos, Editora, 2005.
382p. : il. ; 28
1. Quaternário. 2. Meio Ambiente. 3.
Geologia e Geomorfologia. I. Suguio,
Kenitiro. II. Oliveira, Antonio Manoel dos
Santos, III. Oliveira, Paulo Eduardo De
Oliveira. IV. Título.
ISBN 85-86699-47-0 CDD
9 788586 699474

2005
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.

Holos, Editora
Rua Bertha Lutz, 390
14.057-280 Ribeirão Preto , SP
TeleFax: (0++16) 639-9609
Email: holos@holoseditora.com.br
www.holoseditora.com.br
“O que é valioso neste mundo não é nossa posição, nossa educação ou nosso conhecimento, mas nossa conduta e nosso
comportamento baseados em valores espirituais. A conduta e o comportamento determinam o resultado que recebemos. Nossa
conduta deve ser modelada em ideais nobres e grandiosos. Deveríamos abandonar tudo que é limitado e inferior, e ampliar nossas
perspectivas. A educação verdadeira é amor e nada além de amor. Sem amor, a vida não é digna de ser vivida.” (Sathya Sai Baba)

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SUMÁRIO

Lista de Autores .............................................................................................................................. 11


Prefácio ........................................................................................................................................... 15
Preface ............................................................................................................................................ 17
Apresentação ................................................................................................................................... 19
Preamble ......................................................................................................................................... 20

Capítulo 1 - Introdução ................................................................................................................ 21


1. Generalidades .............................................................................................................................. 21
2. Contrastes Topográficos e Geológicos na América do Sul .......................................................... 21
3. O Brasil na América do Sul ......................................................................................................... 22
3.1. Arcabouço Estrutural ............................................................................................................ 22
3.2. Bacias Marginais .................................................................................................................. 23
3.3. Depósitos Quaternários ........................................................................................................ 24
3.4. Estudos do Quaternário no Brasil ......................................................................................... 25
Referências ...................................................................................................................................... 27

Capítulo 2 - Variabilidade e Mudanças Climáticas no Brasil e seus Impactos Regionais ... 28


1. Introdução .................................................................................................................................... 28
2. Climas do Passado ....................................................................................................................... 31
2.1. Clima do Quaternário ............................................................................................................ 32
2.2. A Pequena Idade do Gelo .................................................................................................... 33
3. Sistema Climático ........................................................................................................................ 34
3.1. Processos Físicos do Clima .................................................................................................. 36
3.2. Clima Observado .................................................................................................................. 37
4. Sistema Climático Brasileiro ........................................................................................................ 39
4.1. Climas Regionais .................................................................................................................. 41
4.2. Aspectos Dinâmicos e Impactos Regionais ......................................................................... 45
5. Simulação Matemática do Clima ................................................................................................. 46
5.1. Princípios Básicos do Modelo do Clima ............................................................................... 46
5.2. O Problema do Modelo Climático ........................................................................................ 46
5.3. Utilidade dos Modelos Climáticos ......................................................................................... 47
5.4. Classificação dos Modelos Climáticos .................................................................................. 47
Referências ...................................................................................................................................... 50

Capítulo 3 - Paleovegetação e Paleoclimas do Quaternário do Brasil ................................. 52


1. Introdução .................................................................................................................................... 53
2. Divergências de Opiniões na Interpretação do Sinal Palinológico: o Problema do Sinal Polínico de
Gramíneas e de Outros Táxons Herbáceos ................................................................................. 54
3. Mudanças Vegetacionais e Climáticas no Interior da Bacia Amazônica .................................... 54
3.1. A Amazônia durante o Último Ciclo Glacial ......................................................................... 54
3.2. A Amazônia durante o Holoceno ......................................................................................... 56
4. Paleoambientes nas Áreas de Cerrados ...................................................................................... 57
5. Paleovegetação e Paleoclimas do Brasil Central: o Registro de Lagoa Bonita ........................... 58
6. Vegetação e Paleoclimas do Sudeste e do Sul do Brasil ............................................................. 62
6.1. Os Campos do Sul e do Sudeste no Último Ciclo Glacial ..................................................... 62
6.2. Os Campos do Sul e do Sudeste no Holoceno ..................................................................... 63
6.3. Florestas da Região Sudeste desde a Transição Pleistoceno/Holoceno ............................... 64
6.4. Estudos de Paleovegetação e Paleoclimas no Estado do Rio de Janeiro ............................. 64
7. Paleovegetação da Zona Costeira do Brasil ................................................................................ 66
8. Estudos Paleocológicos na Planície Costeira do Rio Grande do Sul ........................................... 67
9. Paleovegetação e Paleoclimas do Nordeste ................................................................................ 68
10. Paleovegetação e Paleoclimas do Pantanal ............................................................................... 68
Referências ...................................................................................................................................... 69

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Quaternário do Brasil

Capítulo 4 - Isótopos do Carbono e suas Aplicações em estudos paleoambientais .......... 75


1. Introdução .................................................................................................................................... 76
2. Isótopos Estáveis do Carbono (12C, 13C) e Datação por 14C em Registros de Paleovegetações 76
2.1. Isótopos Estáveis do Carbono .............................................................................................. 76
2.2. Carbono 14 ........................................................................................................................... 77
3. Registros Paleoambientais no Brasil ............................................................................................ 78
4. Estudo de Casos .......................................................................................................................... 80
4.1. Dinâmica da Vegetação no Sul do Amazonas (Humaitá) durante o Pleistoceno Superior e
Holoceno............................................................................................................................... 80
4.2. Dinâmica da Vegetação no Nordeste do Maranhão (Barreirinhas) durante o Pleistoceno
Superior e Holoceno ............................................................................................................. 82
5. Perspectivas de Pesquisas: Estudos Multi e Interdisciplinares .................................................... 84
6. Aplicações ................................................................................................................................... 84
6.1. Estudos Paleovegetacionais e Paleoclimáticos no Nordeste do Maranhão .......................... 84
6.2. Estudo Paleovegetacional e Paleoclimático no Estado de São Paulo ................................... 86
7. Comparação dos Resultados dos Estudos Isotópicos sobre as Mudanças Paleovegetacionais
entre as Regiões N-NE e S-SE ................................................................................................... 89
Referências ...................................................................................................................................... 90

Capítulo 5 - Geologia e Geomorfologia em Regiões Costeiras ............................................ 94


1. Introdução .................................................................................................................................... 94
2. Histórico e Evolução dos Conhecimentos sobre a Geologia e a Geomorfologia de Regiões
Costeiras em alguns Estados do Brasil ........................................................................................ 95
3. Características Geológicas e Geomorfológicas de Ambientes Costeiros .................................... 97
4. Condicionamento Geológico de Regiões Costeiras ...................................................................... 98
4.1. Dinâmica Global ................................................................................................................... 98
4.2. Dinâmica Costeira ................................................................................................................ 100
5. Costa Brasileira ........................................................................................................................... 102
6. Sedimentologia dos Depósitos Costeiros Brasileiros ................................................................... 104
6.1. Descrição das Características dos Depósitos Pré-Holocênicos .......................................... 104
6.2. Descrição das Características dos Depósitos Holocênicos ................................................. 104
7. Principais Conclusões, Discussões e Lacunas de Conhecimento ................................................ 104
Referências ...................................................................................................................................... 107

Capítulo 6 - Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa ....................................................... 114


1. Introdução .................................................................................................................................... 115
1.1. Generalidades ....................................................................................................................... 115
1.2. Causas das Variações ........................................................................................................... 115
1.3. Reconstrução de Paleoníveis do Mar ................................................................................... 117
2. Estado Atual dos Conhecimentos ................................................................................................ 120
2.1. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa abaixo do Atual ................................................ 120
2.2. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa acima do Atual ................................................ 120
2.3. Modelo Evolutivo Geral ........................................................................................................ 122
3. Divergências e Controvérsias ...................................................................................................... 123
4. Importância do Tema e a sua Aplicabilidade ............................................................................... 125
4.1. Generalidades ....................................................................................................................... 125
4.2. O Litoral Brasileiro em Relação aos Perigos Naturais e à Conservação dos Ecossistemas 125
5. Principais Conclusões e Lacunas de Estudos .............................................................................. 127
6. Perspectivas Futuras e Recomendações ..................................................................................... 127
Referências ...................................................................................................................................... 127

Capítulo 7 - Praias Arenosas e Erosão Costeira ..................................................................... 130


1. Introdução . .................................................................................................................................. 130
2. Sistema Praial .............................................................................................................................. 131
3. Processos Costeiros ..................................................................................................................... 132
3.1. Ondas e Ventos ..................................................................................................................... 133

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3.2. Correntes Geradas por Ondas .............................................................................................. 133
3.3. Marés e Variações do Nível do Mar .................................................................................... 134
3.4. Balanço Sedimentar das Praias ............................................................................................ 135
4. Tipos de Praias e Morfodinâmica ................................................................................................ 135
5. Erosão Costeira e Erosão Praial .................................................................................................. 137
6. Métodos de Proteção e Contenção de Erosão Costeira e Recuperação de Praias .................... 145
7. Aplicações, Lacunas de Estudos e Perspectivas e Necessidades de Pesquisas Futuras ............ 146
Referências ...................................................................................................................................... 148

Capítulo 8 - Oceanografia Geológica e Geofísica da Plataforma Continental Brasileira ... 153


1. Introdução .................................................................................................................................... 154
2. Métodos de Estudos em Áreas Submersas ................................................................................. 155
3. Processos Hidrodinâmicos e seus Efeitos ................................................................................... 157
3.1. Modelos Processo-Resposta e Regimes Hidráulicos Plataformais ...................................... 158
3.2. Modelos Estratigráficos Dinâmicos (Suprimento versus Acomodação) .............................. 160
4. Caracterização da Plataforma Continental Brasileira .................................................................. 162
4.1. Histórico ............................................................................................................................... 162
4.2. Margem Continental Brasileira: Características Gerais da sua Fisiografia e Evolução Tectono-
Sedimentar ....................................................................................................................................... 163
4.3. Características da Plataforma Brasileira .............................................................................. 164
5. Influência da Circulação Oceânica sobre a Plataforma Continental Brasileira ........................... 170
6. Problemas e Perspectivas ............................................................................................................ 171
6.1. Aspectos Econômicos .......................................................................................................... 171
6.2. Aspectos Ambientais e Impactos Antrópicos sobre a Plataforma ....................................... 172
6.3. Tendências Futuras ............................................................................................................... 172
Agradecimentos ............................................................................................................................... 173
Referências ...................................................................................................................................... 173

Capítulo 9 - Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes Utilizados como


Bioindicadores em Estudos Ambientais Brasileiros .............................................................. 176
1. Introdução .................................................................................................................................... 177
1.1. Conceitos Básicos ................................................................................................................ 177
1.2. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes como Bioindicadores Ambientais ........................ 179
2. Histórico ....................................................................................................................................... 180
2.1. Foraminíferos Recentes ........................................................................................................ 180
2.2. Tecamebas Recentes ............................................................................................................ 180
2.3. Ostracodes Recentes ............................................................................................................ 181
3. Síntese dos Principais Trabalhos sobre Foraminíferos e Tecamebas .......................................... 181
3.1. Regiões Estuarinas, Lagunares, Manguezais e Canais Fluviais ........................................... 181
3.2. Regiões de Plataformas Interna, Externa e Carbonática ..................................................... 188
4. Síntese dos Principais TRABALHOS sobre Ostracodes ............................................................ 194
4.1. Regiões Estuarinas e Lagunares .......................................................................................... 194
4.2. Regiões Marinhas ................................................................................................................. 196
5. Espécies de Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Bioindicadoras de Ambientes Parálicos e
Marinhos Brasileiros e a sua Aplicabilidade em Estudos Ambientais e Paleoambientais ........... 197
6. Conclusões ................................................................................................................................... 200
Agradecimentos ............................................................................................................................... 201
Referências ...................................................................................................................................... 201

Capítulo 10 - Neotectônica da Plataforma Brasileira .............................................................. 211


1. Introdução . .................................................................................................................................. 212
2. Aspectos Conceituais .................................................................................................................. 212
2.1. Neotectônica, Sismotectônica e Morfotectônica .................................................................. 212
2.2. Discussão do Período Neotectônico no Brasil ...................................................................... 213
3. Evolução dos Conhecimentos sobre a Neotectônica Brasileira ................................................... 213
3.1. Fase Pioneira ........................................................................................................................ 213

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Quaternário do Brasil

3.2. Fase de Amadurecimento: “Sistema de Riftes Continentais da Serra do Mar” ................... 214
3.3. Fase de Diversificação Regional e Interdisciplinaridade ...................................................... 214
4. Quadro Contingenciador Herdado ............................................................................................... 215
4.1. Quadro Geoestrutural Gondwânico ...................................................................................... 215
4.2. O Papel das Grandes Geossuturas ....................................................................................... 216
4.3. Sedimentação Barreiras e Compartimentação Morfotectônica Cenozóica .......................... 218
5. Neotectônica da Região Nordeste ............................................................................................... 220
6. Neotectônica das Regiões Sudeste e Sul ..................................................................................... 222
7. Neotectônica da Região Norte .................................................................................................... 225
7.1. Introdução e Histórico .......................................................................................................... 225
7.2. Modelo Neotectônico Amazônico ........................................................................................ 225
7.3. Sismicidade da Bacia Amazônica ......................................................................................... 225
7.4. Pulsos de Neotectonismo na Amazônia ............................................................................... 226
8. Neotectônica da Região Centro-Oeste ........................................................................................ 226
9. Neotectônica da Linha de Costa ................................................................................................. 227
10. Evolução do Conhecimento sobre os Campos de Tensões Neotectônicos do Brasil ................ 228
11. Mapa Neotectônico do Brasil no World Map of Major Active Faults (ILP-II-2) .................. 230
Referências ...................................................................................................................................... 230

Capítulo 11 - Dunas e Paleodunas Eólicas Costeiras e Interiores ....................................... 235


1. Introdução .................................................................................................................................... 236
1.1. Tipos de Depósitos Eólicos Ativos no Brasil - Uniformizando Conceitos e Termos ............ 236
1.2. Fatores Controladores dos Tipos de Depósitos Eólicos ........................................................ 238
2. Dunas Costeiras ........................................................................................................................... 239
2.1. Dinâmica das Massas de Ar ................................................................................................ 239
2.2. Distribuição dos Tipos de Dunas Ativas ao longo da Costa Brasileira ................................. 239
2.3. Campos de Dunas Transgressivos ........................................................................................ 239
2.4. Cordões de Dunas Frontais .................................................................................................. 248
2.5. Importância Ambiental e Econômica .................................................................................... 249
3. Dunas Eólicas Interiores .............................................................................................................. 250
3.1. Morfologia e Constituição ..................................................................................................... 250
3.2. Distribuição da Deposição no Tempo ................................................................................... 251
4. Perspectivas e Prioridades para Pesquisas Futuras .................................................................... 253
Referências ...................................................................................................................................... 253

Capítulo 12 - Processos e Produtos Morfogenéticos Continentais ..................................... 258


1. Introdução .................................................................................................................................... 259
2. Processos e Agentes da Morfogênese e Formas Associadas .................................................... 259
2.1. Processos e Paisagens: o Papel das Heranças Morfológicas e das Paleoformas ............... 260
2.2. Lacunas e Perspectivas ........................................................................................................ 260
3. Superfícies de Aplainamento: Gênese e Materiais Associados ................................................... 261
3.1. Conceito de Superfície de Aplainamento .............................................................................. 261
3.2. Condições, Mecanismos e Ritmos de Aplainamento ............................................................ 263
3.3. Aplainamentos: Registros Essenciais da História Evolutiva dos Continentes ....................... 264
4. Relações entre as Formas da Paisagem e os Depósitos Quarternários ...................................... 265
4.1. Morfoestratigrafia ................................................................................................................. 265
4.2. Aloestratigrafia ..................................................................................................................... 266
5. Evolução de Encostas: Processos e Produtos Associados .......................................................... 267
5.1. Principais Processos da Dinâmica das Vertentes ................................................................. 267
5.2. Variações Ambientais Quaternárias e Evolução do Relevo ................................................. 268
5.3. Outros Exemplos Brasileiros de Processos, Formas e Materiais Correlatos Quaternários . 269
5.4. Aplicações do Entendimento da Dinâmica das Vertentes .................................................... 270
6. Cartografia de Processos e Produtos Morfogenéticos e Gestão Ambiental ............................... 271
7. Considerações Finais ................................................................................................................... 273

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Referências ...................................................................................................................................... 273

Capítulo 13 - Grandes Sistemas Fluviais: Geologia, Geomorfologia e Paleoidrologia ...... 276


1. Introdução . .................................................................................................................................. 277
2. Bacia do Rio Amazonas .............................................................................................................. 277
2.1. Registro Fluvial do Pleistoceno ............................................................................................. 279
2.2. Sedimentos Eólicos na Amazônia ......................................................................................... 281
3. Bacia do Rio Paraná .................................................................................................................... 282
3.1. Depósitos Associados ao Alto Rio Paraná ........................................................................... 283
4. Bacia do Rio Paraguai: o Pantanal .............................................................................................. 285
4.1. Bacia Sedimentar do Pantanal .............................................................................................. 285
4.2. Leques Aluviais Pleistocênicos ............................................................................................. 285
4.3. Trato Aluvial do Pantanal no Holoceno ................................................................................ 285
5. Bacia Tocantins-Araguaia ........................................................................................................... 288
5.1. Rio Araguaia e Planície do Bananal ..................................................................................... 289
6. Bacia do Rio Uruguai .................................................................................................................. 289
7. Bacia do Rio São Francisco ......................................................................................................... 291
8. Discussão e Conclusão ................................................................................................................ 291
8.1. Paleoidrologia e Conhecimento do Quaternário Fluvial Brasileiro ........................................ 293
Referências ...................................................................................................................................... 293

Capítulo 14 - Geoquímica dos Sedimentos e Solos ................................................................. 298


1. Introdução .................................................................................................................................... 299
2. Evolução das Pesquisas no Brasil ................................................................................................ 299
3. Sedimentos e Mudanças Ambientais do Quaternário .................................................................. 301
3.1. Caracterização dos Sedimentos e Solos do Quaternário: Metodologias de Estudo .............. 301
3.2. Aplicações da Geoquímica dos Sedimentos e Solos ............................................................. 302
4. Estudo de Casos .......................................................................................................................... 303
4.1. Geoquímica Multielementar como Ferramenta para Identificar Padrão de Assentamento Pré-Histórico
na Amazônia .................................................................................................................................... 303
4.2. Geoquímica Ambiental dos Sedimentos de Fundo do Rio Pitimbu - Natal (RN) .................. 305
4.3. Caracterização Geoquímica dos Sedimentos das Bacias Hidrográficas do Distrito Federal 309
4.4. Distribuição do Arsênio nos Sedimentos do Quadrilátero Ferrífero e sua Influência na Qualidade
das Águas Superficiais e nos Solos das Bacias de Inundações ....................................................... 311
4.5. Compartimentação do Estado do Paraná Baseada na Geoquímica de Sedimentos Fluviais 315
5. Considerações Finais ................................................................................................................... 318
Referências ...................................................................................................................................... 319

Capítulo 15 - Ambientes Cársticos ............................................................................................ 321


1. Introdução .................................................................................................................................... 322
2. Sistema Cárstico e seus Ambientes ............................................................................................. 322
2.1. Carste no Brasil .................................................................................................................... 323
3. Contexto Geomorfológico ............................................................................................................ 324
3.1. Controles Estrutural e Tectônico da Carstogênese ............................................................... 324
3.2. Evolução Morfopedológica do Carste Superficial ................................................................ 327
3.3. Desenvolvimento do Carste Subterrâneo ............................................................................. 330
3.4. Desnudação Regional ........................................................................................................... 332
4. Contexto Paleoambiental ............................................................................................................. 332
4.1. Sedimentos Clásticos em Cavernas ...................................................................................... 332
4.2. Oscilações do Lençol Freático ............................................................................................. 333
4.3. Análise de Espeleotemas ...................................................................................................... 333
4.4. Paleontologia ......................................................................................................................... 336
Referências ...................................................................................................................................... 337

Capitulo 16 - Arqueologia e Paleoambientes ........................................................................... 343


1. Introdução .................................................................................................................................... 344

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Quaternário do Brasil

2. Modelos Paleoambientais Utilizados pela Arqueologia Brasileira ................................................ 345


2.1. Modelo de Ab’Saber ............................................................................................................ 345
2.2. Outros Modelos, Novos Dados ............................................................................................. 347
3. Primeiras Ocupações do Final do Pleistoceno e Começo do Holoceno ...................................... 348
3.1. Introdução ............................................................................................................................. 348
3.2. Transição Pleistoceno/Holoceno: Contextos Ambientais e Culturais ................................... 348
3.3. Transição Pleistoceno/Holoceno na Região Neotropical ...................................................... 349
4. Construção dos Sambaquis e Estabilidade do Ecossistema Litorâneo nas Regiões Sudeste e Sul do
Brasil ................................................................................................................................................ 351
4.1. Sambaquis e Sambaquieiros: um Breve Histórico ................................................................ 351
4.2. Paleoambiente e Paleoetnologia: Novas Questões ............................................................... 352
4.3. Análises Paleoambientais ..................................................................................................... 353
4.4. Oscilações Climáticas ........................................................................................................... 353
4.5. Outros Estudos ..................................................................................................................... 354
4.6. Estabilidade Paleoambiental e a Sociedade Sambaquieira ................................................... 355
5. Arqueologia e Estudos do Quaternário: Uma Nova Abordagem ................................................ 356
Referências ...................................................................................................................................... 356

Capítulo 17 - Tecnógeno: Registros da Ação Geológica do Homem ................................... 363


1. Introdução .................................................................................................................................... 363
2. Estudos sobre a Transformação da Terra pelo Homem .............................................................. 364
3. A Ação Geológica do Homem .................................................................................................... 365
4. Estudos sobre o Tecnógeno do Brasil .......................................................................................... 366
4.1. Alterações do Meio Físico pela Ocupação do Oeste do Estado de São Paulo .................... 367
4.2. Geologia do Tecnógeno do Município de São Paulo ............................................................. 368
4.3. Transformações Tecnogênicas no Vale do Rio Paraíba do Sul (RJ/SP) .............................. 369
4.4. O Caso da Vila Roriz na Planície de Inundação do Ribeirão Anicuns, Goiânia (GO) .......... 370
4.5. Registros Geológicos Gerados pelo Garimpo nas Lavras Diamantinas (BA) ...................... 370
5. Aplicações ................................................................................................................................... 371
5.1. Depósitos Tecnogênicos: Testemunhos da História do Uso do Solo .................................... 371
5.2. Equação de Interação Antrópica como Ferramenta de Gestão ........................................... 371
5.3. Produção de Sedimentos ...................................................................................................... 372
5.4. Análise de Riscos Geológicos Urbanos ................................................................................ 373
5.5. Transformação e Recuperação de Áreas Degradadas ........................................................ 373
6. Perspectivas ................................................................................................................................. 374
6.1. Novos Estudos de Caso ........................................................................................................ 374
6.2. Depósitos Tecnogênicos e Poluição ..................................................................................... 375
6.3. Geoindicadores de Transformações Ambientais .................................................................. 375
6.4. Tecnógeno e Exclusão Social ............................................................................................... 375
6.5. História Geotecnogênica do Brasil ....................................................................................... 376
Referências ...................................................................................................................................... 376

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LISTA DE AUTORES

ABDEL FETTAH SIEFEDDINE E-mail: aauler@zaz.com.br


IRD - Institut de Recherche pour le Développement
32, Av. Henri Varagnat BERNARDINO RIBEIRO FIGUEIREDO
93143 Bondy Cedex - França Universidade Estadual de Campinas
Rua João Pandiá Calógeras, 51
ADAUTO DE SOUZA RIBEIRO 13083-970 - Campinas-SP - Brasil
Departamento de Biologia E-mail: berna@ige.unicamp.br
Universidade Federal de Sergipe
49100-000 - São Cristóvão-SE - Brasil CAROLINE T. MARTINHO
E-mail: adautosr@ufs.br Instituto de Geociências
Universidade de São Paulo
ADMILSON MOREIRA TORRES Rua do Lago, 562 - Cidade Universitária
Instituto de Estudos e Pesquisas Ambientais 05508-080 - São Paulo-SP - Brasil
Rodovia JK, km 10 - Fazendinha E-mail: ctmartinho@hotmail.com
68902-280 - Macapá-AP - Brasil
E-mail: admilson.torres@iepa.ap.gov.br CÁTIA FERNANDES BARBOSA
Departamento de Oceanografia
ALCINA MAGNÓLIA FRANCA BARRETO Universidade Federal de Pernambuco
Departamento de Geologia Av. Arquitetura, s/n - Cidade Universitária
Universidade Federal de Pernambuco 50740-550 - Recife-PE - Brasil
Av. Conde da Boa Vista, 1.482, ap. 212 E-mail: catiafb@npd.ufpe.br
50060-001 - Recife-PE - Brasil
E-mail: alcina@npd.ufpe.br CELIA REGINA DE GOUVEIA SOUZA
Instituto Geológico - SMA/SP
ALEX UBIRATAN GOOSSENS PELOGGIA Av. Miguel Stéfano, 3.900
Autônomo 04301-903 - São Paulo-SP - Brasil
Av. São Luís, 71, ap. 304 Instituto de Botânica - SMA/SP
01046-001 - São Paulo-SP - Brasil Pós-graduação em Biodiversidade e Meio Ambiente
E-mail: alexpeloggia@uol.com.br E-mail: celia@igeologico.sp.gov.br

ALEXANDRE MEDEIROS DE CARVALHO CHRISTIAN BRANNSTROM


Departamento de Geologia Department of Geography
Universidade Federal do Ceará Texas A&M University
Rua Padre Cícero, 777 - Parque Araxá 411B Eller O & M Building
60430-570 - Fortaleza-CE - Brasil 3147 TAMU
E-mail: medeiros@ufc.br College Station TX 77843-3147 EUA

ALLAOUA SAADI CLAUDIO LIMEIRA MELLO


Instituto de Geociências Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Federal de Minas Gerais Rua das Laranjeiras, 285, ap. 902
Av. Antonio Carlos, 6.627 22240-001 - Rio de Janeiro-RJ - Brasil
31270-901 - Belo Horizonte-MG - Brasil E-mail: limeira@geologia.ufrj.br
E-mail: saaditec@dedalus.lcc.ufmg.br
DIRSE CLARA KERN
ANDRÉ O. SAWAKUCHI Museu Paraense Emílio Goeldi
Instituto de Geociências Tv. Castelo Branco, 1.746, ap. 1.104
Universidade de São Paulo 66060-420 - Belém-PA - Brasil
Rua do Lago, 562 - Cidade Universitária E-mail: kern@museu-goeldi.br
05508-080 - São Paulo-SP - Brasil
E-mail: sawakuchi@yahoo.com EDGARDO MANUEL LATRUBESSE
IESA
ANTONIO MANOEL DOS SANTOS OLIVEIRA Universidade Federal de Goiás - Campus II
Laboratório de Geoprocessamento 74001-970 - Goiânia-GO - Brasil
Universidade Guarulhos E-mail: latrubes@terra.com.br
Praça Tereza Cristina, 58
07023-070 - Guarulhos-SP - Brasil ELENA FRANZINELLI
E-mail: aoliveira@prof.ung.br Fundação Universidade do Amazonas
Caixa Postal 885 - Centro
AUGUSTO SARREIRO AULER 69011-970 - Manaus-AM - Brasil
Instituto de Geociências E-mail: elena@argo.com.br
Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Antonio Carlos, 6.627 FRANCISCO HILÁRIO REGO BEZERRA
31270-901 - Belo Horizonte-MG - Brasil Departamento de Geologia

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Quaternário do Brasil

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Université Paris - Sorbonne - Laboratoire OrsayTerre
Campus Universitário Lagoa Nova CNRS - Université Paris-Sud
59072-970 - Natal-RN - Brasil 196 Rue Saint-Jacques
E-mail: bezerrafh@geologia.ufrn.br 75005 - Paris - France
E-mail: peulvast@geol.u-psud.fr
FRANCISCO JUVENAL LIMA FRAZÃO
Museu Paraense Emílio Goeldi JOÃO CARLOS STEFFANI COIMBRA
Av. Perimetral, 1901 - Terra Firme Instituto de Geociências
66067-530 - Belém-PA - Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul
E-mail: fjfrazão@museu-goeldi.br Av. Bento Gonçalves, 9.500 - Caixa Postal 15001
91501-970 - Porto Alegre-RS - Brasil
GERALDO RESENDE BOAVENTURA E-mail: joao.coimbra@ufrgs.br
Instituto de Geociências
Universidade de Brasília JOÃO EDUARDO ADDAD
Asa Norte Universidade Federal do Espírito Santo
70910-900 - Brasília-DF - Brasil Rua Julia Lacourt Penna, 161, ap.201 - Jardim Camburi
E-mail: grbunb@unb.br 29090-210 - Vitória-ES - Brasil
E-mail: eaddad@hotmail.com
GERMANO MELO JUNIOR
Universidade Federal do Rio Grande do Norte JOÃO LIMA SANT’ANNA NETO
Caixa Postal 1.596 - Campus Universitário Departamento de Geografia
59072-970 - Natal-RN - Brasil Universidade Estadual Paulista
E-mail: germano@geologia.ufrn.br Rua Roberto Simonsen, 305
19060-900 - Presidente Prudente-SP - Brasil
GUILHERME CAMARGO LESSA E-mail: joaolima@prudente.unesp.br
Universidade Federal da Bahia
Rua Caetano Moura, 123 JONAS TEIXEIRA NERY
80510-190 - Salvador-BA - Brasil Departamento de Física
E-mail: glessa@cpgg.ufba.br Fundação Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo, 5.790 - Campus Universitário
HAILTON LUIZ SIQUEIRA IGREJA 87020-900 - Maringá-PR - Brasil
Fundação Universidade do Amazonas E-mail: jonanery@dfi.uem.br
Caixa Postal 885 - Centro
69011-970 - Manaus-AM - Brasil JORGE ALBERTO VILLWOCK
E-mail: hligreja@argo.com.br Instituto do Meio Ambiente
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
HELENICE VITAL Rua Santa Rita, 285, ap. 201
Departamento de Geologia 90220-220 - Porto Alegre-RS - Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Norte E-mail: javillwock@via-rs.net
Caixa Postal 1.596 - Campus Universitário
59072-970 - Natal-RN - Brasil JOSÉ ALBERTINO BENDASSOLLI
E-mail: helenice@geologia.ufrn.br Centro de Energia Nuclear na Agricultura - CENA
Universidade de São Paulo
HERMANN BEHLING Av. Centenário, 303
Center for Tropical Marine Ecology 13400-970 - Piracicaba-SP - Brasil
Fahrenheitstrasse 6 E-mail: jab@cena.usp.br
28359 Bremen - Germany
E-mail: hbehling@zmt.uni-bremen.de JOSÉ CÂNDIDO STEVAUX
Departamento de Geografia
HERMES AUGUSTO DE FREITAS Fundação Universidade Estadual de Maringá
Centro de Energia Nuclear na Agricultura - CENA Av. Colombo, 5.790 - Campus Universitário
Universidade de São Paulo 87020-900 - Maringá-PR - Brasil
Av. Centenário, 303 Universidade Guarulhos
13400-970 - Piracicaba-SP - Brasil Praça Teresa Cristina no 1
E-mail: hfreitas@cena.usp.br 07023-070 - Guarulhos SP
E-mail: jcstevaux@uem.br
IRAN CARLOS STALLIVIERE CORRÊA
Instituto de Geociências KENITIRO SUGUIO
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Geociências - Universidade de São Paulo
Av. Bento Gonçalves, 9.500 - Caixa Postal 15.001 Rua do Lago, 562 - Cidade Universitária
91501-970 - Porto Alegre-RS - Brasil 05508-080 - São Paulo-SP - Brasil
E-mail: iran.correa@ufrgs.br Universidade Guarulhos
Praça Teresa Cristina no 1
JEAN-PIERRE PEULVAST 07023-070 - Guarulhos SP
UFR de Géographie - École Doctorale de Géographie E-mail: kenitirosuguio@hotmail.com

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Quaternario do Brasil.PMD 12 18/1/2008, 11:00


LIANA MARIA BARBOSA MARCONDES LIMA DA COSTA
Departamento de Ciências Exatas Centro de Geociências - Universidade Federal do Pará
Universidade Estadual de Feira de Santana Rua Augusto Correa, 1 - Bairro do Gamá
Rodovia BR 116, km 3 66075-900 - Belém-PA - Brasil
44031-460 - Feira de Santana-BA - Brasil E-mail: mlc@ufpa.br
E-mail: liana@uefs.br
MARIA JUDITE GARCIA
LUCIANA SLOMP ESTEVES Laboratório de Geociências
Fundação Universidade do Rio Grande Universidade Guarulhos
Rua Passo da Pátria, 175, ap. 101 - Bela Vista Praça Tereza Cristina, 58
90460-060 - Porto Alegre-RS - Brasil 07023-070 - Guarulhos-SP - Brasil
E-mail: lesteves@terra.com.br E-mail: geo@ung.br

LUÍS BEETHOVEN PILÓ MARIA LEA SALGADO-LABOURIAU


Instituto de Biociências Instituto de Geociências
Universidade de São Paulo Universidade de Brasília
Rua do Matão, 277 - Cidade Universitária SQN 107, Bloco C, ap. 601
05508-900 - São Paulo, SP - Brasil 70743-030 - Brasília-DF - Brasil
E-mail: lpilo@uai.com.br E-mail: mlea@unb.br

LUÍS PARENTE MAIA MARIA LUIZA LACERDA BASTOS


Instituto de Ciências do Mar - LABOMAR Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais - CPRM
Av. Abolição, 3.207 - Meireles Rua Pereira da Silva, 235, ap. 401 - Icaraí
60165-082 - Fortaleza-CE - Brasil 24220-030 - Niterói-RJ - Brasil
E-mail: parente@ufc.br E-mail: marialubastos@bol.com.br

LUIZ CARLOS RUIZ PESSENDA MARIA NAÍSE DE OLIVEIRA PEIXOTO


Centro de Energia Nuclear na Agricultura - CENA Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade de São Paulo Rua das Laranjeiras, 285, ap. 902
Av. Centenário, 303 22240-001 - Rio de Janeiro-RJ - Brasil
13400-970 - Piracicaba-SP - Brasil E-mail: marianaise@uol.com.br
E-mail: pessenda@cena.usp.br
MARIE-PIERRE LEDRU
LUIZ JOSÉ TOMAZELLI Institut de Recherche pour de Développement - IRD/ISEM
Instituto de Geociências Université de Montpellier
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Case Postale 61 - Place Eugène Bataillon
Rua Dona Laura, 782, ap. 503 34095 Montpellier Cedex - France
90430-090 - Porto Alegre-RS - Brasil E-mail: ledru@univ-montp2.fr
E-mail: ljt@via-rs.net
MARIO LUIS ASSINE
LYLIAN COLTRINARI Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade Estadual Paulista
Universidade de São Paulo Av. 24-A, 1.515
Caixa Postal 26.097 13506-900 - Rio Claro-SP - Brasil
05513-970 - São Paulo-SP - Brasil E-mail: assine@rc.unesp.br
E-mail: lylian@usp.br
MÁRIO SÉRGIO DE MELO
MAIRA BARBERI Universidade Estadual de Ponta Grossa
Rua do Cação, quadra 64, lote 24 Rua Nestor Guimarães, 157
74343-140 - Goiânia-GO 84040-130 - Ponta Grossa-PR - Brasil
E-mail: maira@ucg.br E-mail: msmelo@uepg.br

MANOEL LUIZ DOS SANTOS MARJORIE CSEKÖ NOLASCO


Departamento de Geografia Universidade Estadual de Feira de Santana
Fundação Universidade Estadual de Maringá Cond. Estrela do Sol, quadra Z, casa 03 - Stella Maris
Av. Colombo, 5.790 - Campus Universitário 41600-200 - Salvador-BA - Brasil
87020-900 - Maringá-PR - Brasil E-mail: nolasco@uefs.br
E-mail: mldsantos@uem.br
MARK B. BUSH
MÁRCIA A. DE BARROS Department of Biological Sciences
Fundação Oswaldo Cruz Florida Institute of Technology
Av. Brasil, 4.365 150 West University Boulevard
21045-900 - Rio de Janeiro-RJ - Brasil Melbourne, Florida 32905- USA
E-mail: marcabarros@yahoo.com E-mail: mbush@fit.edu

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Quaternario do Brasil.PMD 13 18/1/2008, 11:00


Quaternário do Brasil

ORTRUD MONIKA BARTH RODOLFO JOSÉ ANGULO


Fundação Oswaldo Cruz Departamento de Geologia
Av. Brasil, 4.365 Universidade Federal do Paraná
21045-900 - Rio de Janeiro-RJ - Brasil Caixa Postal 19011
E-mail: barth@ioc.fiocruz.br 81531-990 - Curitiba-PR - Brasil
E-mail: angulo@ufpr.br
OTAVIO AUGUSTO BONI LICHT
Minerais do Paraná S.A. - MINEROPAR SÉRGIO REBELLO DILLENBURG
Rua Máximo João Kopp, 274, bloco 3M - Sta. Cândida Instituto de Geociências
82630-900 - Curitiba-PR - Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul
E-mail: otavio@pr.gov.br Av. Bento Gonçalves, 9.500
91509-900 - Porto Alegre-RS - Brasil
PAULO CÉSAR FONSECA GIANNINI E-mail: sergio.dillenburg@ufrgs.br
Instituto de Geociências
Universidade de São Paulo SETEMBRINO PETRI
Rua do Lago, 562 - Cidade Universitária Instituto de Geociências
05508-080 - São Paulo-SP - Brasil Universidade de São Paulo
E-mail: pcgianni@usp.br Rua do Lago, 562 - Cidade Universitária
05508-080 - São Paulo-SP - Brasil
PAULO EDUARDO DE OLIVEIRA E-mail: spetri@usp.br
Laboratório de Geociências
Universidade Guarulhos SORAYA MAIA PATCHINEELAM
Praça Tereza Cristina, 58 Departamento de Geoquímica
07023-070 - Guarulhos-SP - Brasil Universidade Federal Fluminense
E-mail: geo@ung.br Morro do Valonguinho, s/n
24020-007 - Niterói-RJ - Brasil
PEDRO WALFIR MARTINS E SOUZA FILHO E-mail: sorayamp@uol.com.br
Universidade Federal do Pará
Av. Augusto Corrêa, 1 - Campus do Guamá SUSY E. MARQUES GOUVEIA
66095-040 - Belém-PA - Brasil Centro de Energia Nuclear na Agricultura - CENA
E-mail: walfir@ufpa.br Universidade de São Paulo
Av. Centenário, 303
RAMON ARAVENA 13400-970 - Piracicaba-SP - Brasil
Department of Earth Sciences - Quaternary Sciences Institute E-mail: susyeli@cena.usp.br
University of Waterloo
Waterloo, N2L3G1, Ontário - Canada SVETLANA MEDEANIC
E-mail: roaraven@sciborg.uwaterloo.ca Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Av. Bento Gonçalves, 9.500 - Caixa Postal 15.001
RENATO KIPNIS 91501-970 - Porto Alegre-RS - Brasil
Instituto de Biociências E-mail: svetlana.medeanic@ufrgs.br
Universidade de São Paulo
Rua do Matão, 277 TEREZA CRISTINA MEDEIROS DE ARAÚJO
05508-900 - São Paulo-SP - Brasil Departamento e Oceanografia
E-mail: rkipnis@ib.usp.br Universidade Federal de Pernambuco
Av. Arquitetura, s/n - Cidade Universitária
RICARDO DINIZ DA COSTA 50739-540 - Recife-PE - Brasil
Instituto de Geociências E-mail: tcma@npd.ufpe.br
Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Antonio Carlos, 6.627 VANDA CLAUDINO-SALES
31270-901 - Belo Horizonte-MG - Brasil Departamento de Geografia
E-mail: bidu@dedalus.lcc.ufmg.br Universidade Federal do Ceará
Rua Carlos Vasconcelos, 389, ap. 403
RICARDO PEROBELLI BORBA 60115-170 - Fortaleza-CE - Brasil
Universidade Estadual de Campinas E-mail: vcs@ufc.br
Rua João Pandiá Calógeras, 51
13083-970 - Campinas-SP - Brasil WÂNIA DULEBA
E-mail: borba@ige.unicamp.br Instituto de Geociências
Universidade de São Paulo
RITA SCHEEL-YBERT Rua do Lago, 562 - Cidade Universitária
Museu Nacional - Departamento de Antropologia 05508-080 - São Paulo-SP - Brasil
Universidade Federal do Rio de Janeiro E-mail: waduleba@uol.com.br
Quinta da Boa Vista - São Cristóvão
20940-040 - Rio de Janeiro-RJ - Brasil
E-mail: rita@scheel.com

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Quaternario do Brasil.PMD 14 18/1/2008, 11:00


Prefácio
O Quaternário, que corresponde ao período mais recente da história da Terra, é também conhecido
como “Idade do Gelo”, pela forte influência sobre o meio ambiente das diversas glaciações que teriam ocorrido
nesse intervalo de tempo. Além de ser bioestratigraficamente definido por fósseis de megafauna típica de
mamíferos, pode ser considerado como “Idade do Homem”, advindo daí termos como “Antropozóico” e
“Psicozóico”, referindo-se a esse período.
As propriedades do ambiente terrestre no qual estamos vivendo resultam de longa evolução (4, 6 bilhões
de anos) através do tempo. É importante entender cada vez melhor os diferentes processos que controlam
essa evolução, para se tentar prever as mudanças futuras. Portanto, esse ambiente não deve ser considerado
como herança imutável concebida pelo “Criador”, mas representa um sistema dinâmico de mudanças complexas
em reorganização constante, acionada por forças internas e externas. Durante o tempo geológico, foi
caracterizado por variações múltiplas, que prosseguem até os dias atuais, acionadas por mecanismos
astronômicos, modificações atmosféricas, fenômenos geológicos, etc. O advento do Homem durante o
Quaternário introduziu um novo agente dessas mudanças, cujo papel não pode ser desprezado em quaisquer
reorganizações do ambiente terrestre. Assim, o Quaternário representa um período excepcional, cujos eventos
são comparáveis a eventos que ocorreram em toda a evolução geológica do planeta, seu estudo podendo também
conduzir ao prognóstico dos acontecimentos futuros.
Freqüentemente, os cientistas são acusados de desenvolver pesquisas muito especializadas somente
para simples satisfação da ânsia do saber. Entretanto, o aperfeiçoamento de técnicas observacionais e analíticas
nos mostram que a Terra representa, por assim dizer, um imenso sistema ecológico com interações de fatores
múltiplos, cujo entendimento só será possível pelo aprofundamento cada vez maior de pesquisas especializadas.
As glaciações, que representam eventos de variações climáticas extremas, repercutiram sobre todos os
ambientes do nosso planeta e causaram:
a) modificações nas zonações climáticas da Terra em função das mudanças nas circulações atmosféricas e
oceânicas, com conseqüentes redistribuições na precipitação atmosférica e na cobertura florística;
b) regressões (recuos) e transgressões (avanços) dos oceanos sobre os continentes, associadas às subidas e
descidas dos níveis, em função das alternâncias dos períodos (ou estádios) glaciais e interglaciais,
respectivamente;
c) mudanças na velocidade de rotação ou na intensidade do campo gravitacional devidas às distribuições de
massas na Terra;
d) deformações dos substratos rochosos das regiões glaciadas, que são deprimidas pela sobrecarga de gelo
durante as glaciações ou soerguidas em épocas pós-glaciais pelo alívio da sobrecarga.
Como o Quaternário representa um período de tempo geológico relativamente curto (cerca de 1,8
milhão de anos), as evidências são suficientemente bem preservadas e mais numerosas, quando confrontadas
com as de idades mais antigas. Desse modo, os resultados obtidos são mais precisos e, além disso, permitem
estabelecer comparações com dados de mesma natureza ligados aos processos atuais, conduzindo à realização
de pesquisas interdisciplinares. Embora as pesquisas possam ser conduzidas independentemente e usando
métodos próprios, só a integração de todos os dados conduz à melhor compreensão dos fenômenos do
Quaternário.
A INQUA (International Union for Quaternary Research) considera essenciais as seguintes áreas de
conhecimento do Quaternário: arqueologia, (paleo)climatologia, geologia e geomorfologia do Quaternário,
glaciologia, paleolimnologia, paleontologia, paleopalinologia, (paleo)ceanografia, (paleo)pedologia e vulcanologia.
Naturalmente, as intensidades de pesquisa em cada uma dessas áreas de pesquisa do Quaternário em diferentes
países do mundo dependem, entre outros fatores, das suas peculiaridades geográficas e geológicas. Desse
modo, os estudos de processos glaciais são mais importantes em regiões de altas latitudes ou altitudes e as
pesquisas de variações de níveis do mar são essenciais em regiões litorâneas.
Até o fim da década de 1970, praticamente não havia interdisciplinaridade nas pesquisas do Quaternário
do Brasil, que se restringiam aos estudos paleontológicos, geomorfológicos e pré-históricos. O XXV Congresso
Brasileiro de Geologia da SBG (Sociedade Brasileira de Geologia), realizado em 1971 em São Paulo (SP),
representou um importante marco, pois ocorreu o Primeiro Simpósio do Quaternário no Brasil e foi criada a

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Quaternário do Brasil

Comissão Técnico-Científica do Quaternário no âmbito da SBG. Finalmente, em 1984, com o surgimento da


ABEQUA (Associação Brasileira de Estudos do Quaternário), desvinculada da SBG e aberta a todas as disciplinas
do Quaternário, foi iniciada uma fase mais profícua de pesquisas interdisciplinares.
A ABEQUA tem participado ativamente em vários projetos internacionais do IGCP (International
Geological Correlation Programme) e, finalmente, do IGBP (International Geosphere-Biosphere Programme)
por meio do LOICZ (Land-Ocean Interactions in the Coastal Zone). Através desses diferentes projetos foram
organizadas várias reuniões internacionais, que propiciaram valiosos intercâmbios entre especialistas brasileiros
e estrangeiros, muitos deles de grande renome.
Pessoalmente, tive grande satisfação em participar desde 1973 de pesquisas do Quaternário do Brasil
com colegas da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Observatório
Nacional (ON/CNPq) do Rio de Janeiro. Certamente, os conhecimentos até agora adquiridos deverão subsidiar
adequadamente o desenvolvimento sustentável do país. Entretanto, não cabe aos cientistas tomar decisões,
mas sim assessorar o desenvolvimento das atividades humanas, para que sejam executadas com a máxima
racionalidade. Para isso, este livro deve representar uma fonte importante de consulta.
A diversidade de formação acadêmica dos autores e o grande leque de assuntos tratados neste livro
mostram que os estudos do Quaternário do Brasil encontram-se plenamente estruturados.
Paris, 2 de setembro de 2003
Louis Martin
Diretor de Pesquisa da IRD (França)
Membro Estrangeiro da Academia Brasileira de Ciências

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Preface
The Quaternary corresponds to the most recent period of the Earth´s history and is known as the The
Ice Age, due to the powerful influence on the environment by the various glaciations that have occurred
during its time interval. Although being defined biostratigraphically by fossils belonging to a typical mammalian
megafauna, the Quaternary can be considered the “Age of Man”, thus giving rise to terms like “Anthropozoic”
and “Psicozoic”, which are also used to define it.
The properties of the terrestrial environment in which are now living are the result of a long evolution
through the last 4.6 billion years. Understanding the different processes which control this evolutionary
change will allow us to foresee with greater accuracy future global changes. Therefore, our environment
cannot be considered an immutable heritage conceded by a “Creator”, but represents a dynamic system of
complex changes and constant reorganization, powered by internal and external forces. Thus, the Quternary
represents an exceptional period, which events are comparable to those occurred along the entire geological
evolution of the planet, and its study may be used to predict environmental changes.
During its geological time scale, the Quaternary was characterized by multiple variations, which continue
until the present day, powered by astronomical mechanisms, atmospheric modifications and geological
phenomena. The advent of Man, during the Quaternary, introduced a new agent of change, whose role cannot
be neglected in any reorganizations of the terrestrial environment.
Frequently, scientists are accused of developing specialized research only to satisfy their anxiety for
knowledge. However, the improvement of observational and analytical techniques has shown us that the Earth
represents an immense ecological system in which multiple factors interact. Understanding the functioning of
the biosphere will only be possible by an intensification of specialized research.
The glaciations, which represent events of extreme climatic variations have reverberated in all
environments of our planet and caused:
a) modifications in the climatic zoning of the Earth as a function of changes in atmospheric and oceanic
circulation patterns, with consequent redistributions in atmospheric precipitation and vegetational cover;
b) oceanic regressions and retreats over the continents, associated with sea level rise and lowering, as a
function of the alternation of glacial and interglacial periods, respectively;
c) changes in the rotation velocity or in the intensity of the gravitational field due to Earth´s mass distributions;
and
d) deformation of the rocky substrates of glaciated regions, which are depressed by ice overload during
glaciations or elevated in post-glacial periods by its reduction.
Because the Quaternary represents a relatively short period (ca. 1.8 million years) within the geological
time scale, the evidences are sufficiently well preserved and more numerous, when confronted with older
strata. Thus, the results yielded by Quaternary researchers are more precise and, moreover, permit the
establishment of comparisons with data of similar nature linked to present-day processes, thus fostering the
use of interdisciplinary techniques. Although Quaternary research can be conducted independently with the
use of its own methods, only the integration of all data can better conduct us to a greater understanding of
Quaternary phenomena.
INQUA - International Union for Quaternary Research considers the following fields of knowledge as
essential: archeology, paleoclimatology, paleopalynology, paleoceanography, paleopedology and volcanology.
Naturally, research in each of these fields in different countries of the world depends, among other factors, on
their geographical and geological characteristics. Thus, the studies on glacial processes are more important in
regions in higher latitudes or altitudes and the research on sea level fluctuation are important in coastal regions.
Until the end of the 1970´s, there was practically no interdisciplinary characteristics in the Quaternary
research conducted in Brazil, which was then restricted to paleontological, geomorphological and pre-historical
studies. The First Symposium on the Quaternary of Brazil was organized within the XXV Brazilian Congress
of Geology, promoted by the Brazilian Geological Society (SBG), which took place in the city of São Paulo
(SP) in 1971. During this event a Techno-Scientific Commission for the Quaternary was created within the
Brazilian Geological Society. Finally, in 1984, with the founding of the Brazilian Association for Quaternary
Studies (ABEQUA), which separated from SBG was open to all Quaternary disciplines, and a new and fertile

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Quaternário do Brasil

phase was initiated for interdisciplinary studies.


ABEQUA has participated actively in various international projects of the International Geological
Correlation Program (IGCP) as well as in the International Geosphere-Biosphere Program (IGBP) through the
Land-Ocean Interactions in the Coastal Zone Program (LOICZ). In such activities, various international reunions
were organized, which promoted important scientific exchange between many renowned Brazilian and foreign
specialists.
Personally, I had great satisfaction in participating, since 1973, in Brazilian research with colleagues
from the University of São Paulo (USP), the Federal University of Bahia (UFBA) and the Rio de Janeiro
National Observatory (ON/CNPq). Certainly, the knowledge so far accumulated shall support adequately the
sustainable development of the country. However, it is not the obligation of scientists to make decisions, but
to counsel the development of human activities, so that they are executed with maximum rationale. To this
purpose, this book shall represent an invaluable source of information.
The diversified academic formation of the authors and the great array of subjects presented in this book
demonstrate that Quaternary studies in Brazil are fully structured.
Paris, September 2nd, 2003
LOUIS MARTIN
IRD Research Director (France)
Foreign Member of the Brazilian Academy of Sciences

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Apresentação
No Brasil, geólogos, geomorfólogos, geógrafos, arqueólogos, biólogos, oceanógrafos, pedólogos,
engenheiros, naturalistas, entre outros, vêm se dedicando aos estudos de vários aspectos do Quaternário há mais
de dois séculos. Entretanto, o interesse maior por esta época geológica teve início somente no fim da década de
1960.
As primeiras tentativas de integração nacional das pesquisas do Quaternário ocorreram durante o XXV
Congresso Brasileiro de Geologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) em 1971, em São
Paulo (SP), onde se realizou o 1o Simpósio do Quaternário. Nessa época, foi também criada a Comissão Científica
do Quaternário no âmbito da SBG. Nos doze anos que se seguiram e sob a liderança dessa Comissão, foram
realizados mais três simpósios e diversas sessões técnicas ligadas ao Quaternário, durante os Congressos Brasileiros
de Geologia. Também no início da década de 1970 (1973), o Brasil associou-se à International Union for
Quaternary Research - INQUA.
Finalmente, em 1984 e contando com forte apoio da comunidade quaternarista nacional e internacional,
foi fundada a Associação Brasileira de Estudos do Quaternário - ABEQUA, cuja sede oficial encontra-se em São
Paulo. Em 1987, em Porto Alegre (RS), ocorreu o I Congresso da ABEQUA e desde então são realizados
congressos bianuais. A ABEQUA é atualmente full member da INQUA e tem participado ativamente de várias de
suas Comissões Científicas.
Este livro, pioneiro no Brasil e com raros similares no mundo, compreende uma coletânea inédita sobre os
estudos do Quaternário do Brasil, destacando os temas mais significativos.
A idéia partiu da Diretoria Executiva da ABEQUA para o biênio 2002-2003, também Editores deste livro, tendo
em vista a grande lacuna em relação à síntese dos conhecimentos do Quaternário brasileiro. O processo de escolha dos
autores foi bastante democrático e teve como objetivo reunir figuras reconhecidamente importantes no cenário nacional,
sem deixar de contar com a empolgada participação de jovens pesquisadores. Para tanto, a partir de um questionário
de consulta preliminar, todos os interessados, incluindo quaternaristas brasileiros e alguns estrangeiros, foram agrupados
segundo seus interesses e especializações de acordo com o temário do livro. Assim, este livro foi concebido com os
seguintes objetivos:
a) divulgar os avanços dos estudos do Quaternário do Brasil para os próprios quaternaristas, pesquisadores e
profissionais de áreas afins e estudantes que se interessem pelos temas abordados;
b) propiciar a identificação de lacunas no conhecimento do Quaternário do Brasil e apontar perspectivas de
novos estudos;
c) apresentar o potencial de estudos do Quaternário do Brasil, como fundamento e subsídio aos estudos ambientais
correntes, especialmente na avaliação de impactos ambientais, no planejamento ambiental e nos estudos
prognósticos de mudanças globais; e
d) apoiar didaticamente cursos de graduação e pós-graduação de áreas afins.
Para realizar tais objetivos, setenta e seis autores trabalharam durante um ano produzindo dezessete capítulos.
Cada capítulo apresenta o estado-da-arte dos conhecimentos do tema abordado e reúne inúmeros dados até
então dispersos na literatura, incluindo uma síntese sobre o histórico e a evolução dos conhecimentos, as
controvérsias e divergências de opiniões e de interpretações sobre determinados assuntos, a aplicabilidade e a
importância do tema abordado e dos estudos realizados, assim como as lacunas e recomendações para pesquisas
futuras.
Os Editores estão certos de que esta obra, além de ser um marco e um importante meio de divulgação dos
estudos do Quaternário no Brasil, constituirá forte estímulo ao desenvolvimento dessas pesquisas no país. O
livro Quaternário do Brasil é também uma realização em comemoração aos 21 anos de fundação da ABEQUA.

OS EDITORES

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Quaternário do Brasil

Preamble
In the last two centuries, Brazilian geologists, geographers, archeologists, biologists, oceanographers,
pedologists, engineers and naturalists have been studying aspects of the Quaternary but the interest for this
geological period became prevalent only after the 1960’s.
The first attempts to integrate nationwide different Quaternary researches occurred during the XXV
Brazilian Congress of Geology, in the city of São Paulo, Brazil, in 1971, in which the 1st. Quaternary Symposium
was organized. At that time the Scientific Commission on the Quaternary was created under the auspices of the
Brazilian Geological Society. In the twelve following years, under that commission, three symposia and several
technical sessions on the Quaternary of Brazil were organized in the meetings of the Brazilian Congress of
Geology. In 1973, Brazil became a member of the International Union for Quaternary Research (INQUA).
The Brazilian Association for Quaternary Studies (ABEQUA) was founded in 1984 under the support of
national and international quaternary communities and its headquarters were established in the city of São Paulo.
The first ABEQUA Congress took place in 1987 in Porto Alegre (RS) and since then biannual meetings have been
taking place. ABEQUA is presently a full member of INQUA and has been participating in various of its scientific
commissions.
This pioneer book which has rare equivalents in the world, include a novel compilation on Brazilian
quaternary studies containing significant themes.
The idea of publishing this work was originated among members of ABEQUA’s Executive Commission
for the years of 2002 to 2003, also editors of this book, to whom there was a considerable gap of information on
the Quaternary of this country. The selection of authors was very democratic and had the objective of gathering
the expertise of national and international specialists as well as of enthusiastic young researchers. For such ends,
all national and foreign members of ABEQUA were consulted through a questionnaire, on their interest in
participating of the project. Those who sent it back to ABEQUA were grouped according to their research
interests, specialization within the different selected themes. Thus, this book was conceived with the following
objectives:
a) to disclose the advances on the Quaternary of Brazil to working quaternarists, researchers and professionals
of related fields as well as to students;
b) to identify gaps and missing information on the Quaternary of Brazil and to suggest prospective new studies;
c) to present quaternary studies as a fundamental tool in the support for current environmental research,
especially for those on the evaluation of environmental impacts and planning as well as in the prognosis of
global changes; and
d) to provide a source of information for under and graduate courses on related fields.
To accomplish these objectives, a total of sixty-three authors worked for one year and produced seventeen
chapters, which present the state-of-the-art of each selected theme. The result was an unique gathering of data
that are found dispersed in the scientific literature. Each chapter contains a synthesis on the history and the
evolution of knowledge, controversies and divergence of opinions and interpretation of the data, applicability and
importance of the selected topics and studies, as well as of gaps and recommendation for future research.
The editors are confident that this work, besides being a landmark as well as an important source of
information on the Quaternary of Brazil, will be a powerful stimulus for the development of scientific research in
the country. This book is also part of the commemoration of the 21 years of the ABEQUA.

The Editors

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Capítulo 1

INTRODUÇÃO
Kenitiro Suguio

1. GENERALIDADES tropical úmido a seco, até subpolar e glacial de altitude,


O continente sul-americano abrange a maioria passando por subtropical e por temperado úmido a seco.
das zonas climáticas, desde as latitudes equatoriais até Embora a posição geográfica e a topografia da superfície
as subpolares do Hemisfério Sul. Essa situação tenham-se mantido praticamente iguais às atuais durante
geográfica permite o estudo, em diversas faixas de o Período Quaternário, os paleoclimas sofreram fortes
latitude, das mudanças globais do passado. No entanto, oscilações (Van der Hammen, 1991; Suguio, 1999).
são raras as pesquisas interdisciplinares que enfocam Na realidade, as feições topográficas da América
as mudanças paleoambientais em espaço continental. do Sul estão diretamente ligadas às características
Talvez o projeto PAGES (Past Global Changes), que, (arcabouços litológico e estrutural) de diferentes idades
entre 1994 e 1998, se propôs a estudar esses fenômenos geológicas, conforme Figura 1.2. Este continente faz
através da transeção PEP-I (Pólo-Equador-Pólo) das parte de uma extensa placa litosférica (placa da América
Américas, seja o mais ambicioso. Ele integrou o IGBP do Sul), que é delimitada a leste pela cadeia mesoceânica
(International Geosphere - Biosphere Programme) do do Atlântico Sul e a oeste pela zona de subducção da
ICSU (International Council for Science). costa ocidental, que a separa da placa de Nazca. Rochas
A literatura sobre os estudos do Quaternário, no pré-cambrianas diversas, de idades que podem
entanto, é relativamente numerosa, normalmente ultrapassar 3 bilhões de anos, afloram em amplas áreas
contendo informações sobre as glaciações nos Andes dos escudos das Guianas e do Brasil e, também, em
(conforme Clapperton, 1993). Estudos paleoambientais algumas partes da Patagônia e da Cordilheira do Andes.
do Quaternário, usando-se principalmente a palinologia Essas rochas constituem o embasamento (substrato)
como ferramenta para a obtenção de informações rochoso das bacias sedimentares do Amazonas, Paraná,
paleoclimáticas, foram desenvolvidos por Van der São Francisco, Parnaíba e Orenoco e parte do cinturão
Hammen (1973), Salgado-Labouriau (1984), Heusser orogênico (montanhoso) dos Andes. Elas integravam o
(1984) e Markgraf (1989). Além disso, existem supercontinente Pangéia, que sofreu fragmentação na
pesquisas do Quaternário na América do Sul sobre o Era Mesozóica, quando a América do Sul separou-se
vulcanismo, tectonismo, bacias aluviais, paleoníveis do da África e dos outros continentes contíguos do
mar e paleolinhas de costa, arqueologia etc. Hemisfério Sul.
Segundo Clapperton (1993), o arcabouço
2. CONTRASTES TOPOGRÁFICOS E estrutural da América do Sul é definido por três tipos
GEOLÓGICOS NA AMÉRICA DO SUL principais de feições:
A topografia deste continente é bastante (a) maciços levantados (arqueados para cima) e
diversificada: há extensas áreas planálticas, situadas a falhados de rochas cristalinas (ígneas e metamórficas)
mais de 200 m de altitude, seguidas por áreas pré-cambrianas, com delgadas (poucas centenas de
montanhosas que se erguem a mais de 2.000 m; ao metros) coberturas sedimentares paleozóicas e
longo das drenagens principais (bacias do Amazonas e mesozóicas;
do Paraná), e mormente nas costas oriental e norte, (b) maciços rebaixados (arqueados para baixo) das
estendem-se as planícies com menos de 200 m (Figura mesmas rochas pré-cambrianas, formando bacias com
1.1). até mais de 5.000 m de rochas sedimentares paleozóicas,
A amplitude latitudinal (0º a 67º de latitude sul) e mesozóicas e cenozóicas;
os fortes contrastes topográficos interferem nos padrões (c) grandes cadeias montanhosas de rochas dobradas
de circulação de massas de ar. Isto faz com que os e falhadas que formam cadeias, como a dos Andes,
climas atuais sejam muito diversificados, variando de compostas por rochas paleozóicas, mesozóicas e

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Quaternário do Brasil

Figura 1.1. Mapa topográfico generalizado das principais feições físicas da América do Sul (Fonte: Clapperton , 1993).

cenozóicas. O território brasileiro ocupa parte da chamada


Plataforma Sul-Americana (Almeida, 1971), cuja derradeira
Finalmente, a paisagem moderna deste continente reativação tectônica significativa teria ocorrido no início
foi formada pela interação entre os processos tectônicos do Éon Fanerozóico. Essa plataforma é composta,
e denudacionais, que atuaram por mais de 160 milhões predominantemente, por rochas ígneas e metamórficas
de anos, quando mudanças paleoclimáticas muito pré-cambrianas, formando o núcleo cristalino do
intensas ocorreram na Terra. continente. Ela abrange uma superfície de cerca de 4,6
milhões de quilômetros quadrados, subdivididos em três
3. O BRASIL NA AMÉRICA DO SUL escudos: Guianas, Brasileiro e Atlântico (Figura 1.3).
Extensas áreas de coberturas sedimentares e
3.1. Arcabouço Estrutural vulcanossedimentares, cujas idades mais antigas
O Brasil possui uma área superior a 8,5 milhões remontam ao Siluriano inferior, preenchem três amplas
de quilômetros quadrados, que corresponde a mais de bacias sedimentares em forma de sinéclise: Amazonas,
45% da América do Sul (área de, aproximadamente, Parnaíba (ou Maranhão) e Paraná. Áreas restritas dos
18,6 milhões de quilômetros quadrados). escudos são ocupadas por coberturas sedimentares de

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1. Introdução

Figura 1.2. Feições tectônicas, estruturais e topográficas generalizadas da América do Sul (Fonte: Clapperton, 1993).

diversas idades, inclusive pré-cambrianas (Almeida, (perfurações e métodos geofísicos), Asmus & Ponte
1969). A última reativação mais importante da plataforma, (1973) estabeleceram uma coluna-padrão de depósitos
que se processou do Jurássico superior ao Cretáceo sedimentares para as bacias marginais brasileiras, que
inferior, foi designada de Wealdeniana (Almeida, 1969.). pode ser subdividida em várias seqüências:
Ela causou a fragmentação do supercontinente Pangéia, a) Seqüência do continente
originando diversas bacias sedimentares preenchidas por A seqüência do continente é composta de folhelhos
sedimentos cretácicos e terciários, distribuídas ao longo vermelhos, intercalados por arenitos arcozianos
da margem continental atlântica. subordinados, com arenitos finos e conglomeráticos
superpostos. São depósitos de leques aluviais e de lagos
3.2. Bacias Marginais interiores, formados em períodos de relativa quietude
As feições geológicas mais proeminentes das tectônica do Purbeckiano (Neojurássico).
costas leste e nordeste do Brasil são representadas pelas
bacias marginais, que foram delineadas por falhas b) Seqüência dos lagos
normais ocorridas principalmente durante o Eocretáceo. A seqüência dos lagos é formada por alternância
A partir de informações obtidas em superfície de folhelhos e arenitos, com intercalações subordinadas
(observações diretas em afloramentos) e subsuperfície de calcários. Representa deltas lacustres, preenchendo

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Quaternário do Brasil

Figura 1.3. Traços gerais da geologia do Brasil (Fonte: Mendes & Petri, 1971, modificado).

bacias tectônicas delimitadas por falhas normais, subseqüências carbonáticas de plataforma rasa e terrígena
originadas durante a reativação de Wealdeniana (Almeida, marinha franca. A primeira é formada de calcarenitos e
1969). calcilutitos, comumente com textura oolítica ou pisolítica.
A segunda é representada por sedimentos detríticos
c) Seqüência do golfo depositados, contemporaneamente, em áreas continentais,
A seqüência do golfo é composta por rochas gradando até águas marinhas profundas, pertencentes aos
clásticas e carbonatos depositados em ambiente sistemas deltaico, de plataforma e de talude. As suas idades
transicional, além de evaporitos, com predominância variam do Albiano (Cretáceo superior) ao Holoceno (ou
de anidrita e halita. As bacias de Santos, Campos, Recente).
Espírito Santo e Bahia Sul destacam-se pelos gigantescos
domos salinos. A seqüência sugere paleoclimas muito 3.3. Depósitos Quaternários
secos do Aptiano (Cretáceo inferior). O termo Quaternário, empregado para designar
o período mais recente da história da Terra, foi
d) Seqüência do mar introduzido por Desnoyers (1829), referindo-se aos
A seqüência do mar é constituída pelas depósitos marinhos superpostos aos sedimentos do

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1. Introdução

Terciário da Bacia de Paris (França). Essa denominação estruturados, a situação no Brasil não poderia ser
veio completar a tabela do tempo geológico, proposta diferente. Embora a literatura científica produzida no
por G. Arduíno (1714-1796), com os termos Primário, país sobre o Quaternário não seja tão numerosa, não é
Secundário e Terciário. Mais tarde, estes termos foram uma tarefa muito fácil resumir o tema.
substituídos por Paleozóico, Mesozóico e Cenozóico, O histórico das pesquisas sobre o Quaternário
respectivamente, com base em seus conteúdos no Brasil aparentemente comporta no mínimo três fases
faunísticos de fósseis. Os termos Terciário e (Suguio, 1999).
Quaternário, porém, permaneceram como subdivisão
da Era Cenozóica. a) Primeira fase (até as primeiras décadas do século
Posteriormente, C. Lyell (1797-1875) introduziu, XX)
com critério também paleontológico, a designação As contribuições científicas sobre o tema foram
Pleistoceno para os depósitos pós-pliocênicos (cujos pouco numerosas e atribuídas, praticamente, só a
estratos contêm fósseis de moluscos com mais de 70% pesquisadores estrangeiros. Nessa fase, ainda eram raros
correspondentes às espécies viventes). Desse modo, o os cursos superiores no Brasil; não havia um curso
intervalo de tempo caracterizado por depósitos contendo relacionado às Geociências ou de algum modo ligado
somente espécies viventes foi denominado, ainda por às pesquisas do Quaternário. Os raros brasileiros com
este autor, de Holoceno. Segundo Campy & Chaline curso superior concluído no exterior, em geral, não se
(1987), essa subdivisão bipartite do Quaternário subsiste interessavam pelo tema.
até hoje, apesar das suas desproporções cronológicas Uma das raras contribuições nessa fase poderia
relativas às suas durações: o Pleistoceno possui uma ser atribuída a C.R. Darwin (1809-1882), que
duração correspondente a 180 vezes a do Holoceno, mencionou a ocorrência de rochas praiais (beach rocks)
que é de 10.000 anos. O período Quaternário, além de em Recife (PE). Na ocasião, ele as interpretou como
ser definido bioestratigraficamente pelos conteúdos evidências de prováveis flutuações recentes de nível do
faunísticos e florísticos de formas predominantemente mar na região. Outro estudo importante sobre o
viventes, pode ser considerado como a idade das conhecimento dessas rochas no Brasil é devido a J.C.
glaciações e do Homem. Branner que, em 1904, publicou um trabalho que até
No Brasil, os depósitos quaternários estão hoje constitui fonte importante de consulta sobre o tema.
associados às bacias hidrográficas, que drenam bacias Nas primeiras décadas do século XX, começaram
sedimentares homônimas (Amazonas, Paraná e a aparecer, ao lado de pesquisadores estrangeiros, alguns
Parnaíba), ou às planícies litorâneas. Em geral, são cientistas brasileiros que, aparentemente, já
representados por áreas de superfícies planas e de baixas vislumbravam a importância dos últimos acontecimentos
altitudes. Nos mapas geológicos, são comumente (Era Cenozóica) como tema de pesquisa cientifica.
representados pela cor amarela, pontilhado ou tracejado, Entretanto, quase nunca o termo Quaternário aparece
podendo-se admitir o Quaternário continental (depósitos associado a essas pesquisas.
de encosta, fluviais, eólicos e lacustres) e o Quaternário
marinho e/ou transicional. Os depósitos transicionais b) Segunda fase (das primeiras décadas do século
são representados, principalmente, por sedimentos de XX até 1970)
cordões litorâneos, deltaicos, lagunares e eólicos. Os Com a implantação dos cursos de História Natural
depósitos marinhos correspondem aos sedimentos e de Geografia em algumas universidades recém-
submersos que recobrem a margem continental, embora criadas, os estudos realizados sob o ponto de vista do
nessa área possam ser encontrados também depósitos Quaternário tornaram-se mais freqüentes. No fim da
transicionais e continentais, sedimentados durante o década de 1950, vários cursos de História Natural foram
UMG (Último Máximo Glacial). desmembrados em cursos de Geologia e Biologia, fato
Entre os depósitos quaternários do Brasil, não que parece ter contribuído para o incremento desses
ocorrem sedimentos glaciais ou periglaciais, pois as estudos.
glaciações quaternárias não atingiram o território brasileiro. Ainda se pode dizer, entretanto, que esses estudos
eram principalmente de naturezas paleontológica,
3.4. Estudos do Quaternário no Brasil geomorfológica ou pré-histórica, e raramente eram
enfocados sob um ponto de vista mais interdisciplinar.
3.4.1. Histórico das pesquisas Entre as pesquisas do Quaternário de natureza
Se em nível mundial os estudos do Quaternário paleontológica, apareceram alguns estudos
são relativamente recentes e ainda se acham mal microfaunísticos e microflorísticos, mas não há dúvida

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Quaternário do Brasil

de que um dos expoentes em estudos paleontológicos International Symposium on Global Changes in South
do Quaternário foi Couto, que versou sobre a paleofauna America During the Quaternary; e, finalmente, em 1995,
de vertebrados mamíferos (Couto, 1979). a Regional Conference on Global Change), todas
Os estudos geomorfológicos sob o ponto de vista ocorridas em São Paulo, excetuando-se a realizada em
do Quaternário foram desenvolvidos principalmente por 1975. Nessa fase, o Brasil participou como membro
pesquisadores de Geografia Física. Eles receberam ativo de vários projetos internacionais (61, 200, 201,
fortíssima influência da escola francesa, principalmente 237 e 376) do IGCP (International Geological
através de J. Tricart, da Universidade de Estrasburgo Correlation Programme), ligado à IUGS (International
(França). Entre os vários pesquisadores dessa linha de Union of Geological Sciences) e à UNESCO, do Projeto
pesquisa, destacam-se João José Bigarella e Aziz N. LOICZ (Land-Ocean Interactions in the Coastal Zone)
Ab’Saber. As pesquisas pré-históricas tiveram como do IGBP (International Geosphere-Biosphere
palco os sítios arqueológicos situados no interior do Programme) e da INQUA (Commission on Shorelines),
continente e nas planícies costeiras. Nesse particular, todos de interesse para os estudos do Quaternário. Deve-
têm-se os sambaquis: Paulo Duarte deve ser citado como se registrar que muitos desses eventos e projetos
incansável batalhador pela preservação desse importante contaram com importantes participações de vários
patrimônio cultural. Entretanto, os estudos do pesquisadores da antiga ORSTOM (Office de la
Quaternário executados sob o ponto de vista Recherche Scientifique et Téchnique Outre-Mer), atual
interdisciplinar, que é uma das peculiaridades mais IRD (Institut de Recherche pour le Développement),
marcantes desses estudos, são incomuns na literatura destacando-se, entre eles, o Dr. Louis Martin.
científica brasileira, mesmo na segunda fase. Portanto, pode-se dizer que as pesquisas
realizadas sobre o Quaternário no Brasil não somente
c) Terceira fase (de 1971 até hoje) tornaram-se mais numerosas, mas melhoraram em
Em 1971, foi realizado o Primeiro Simpósio do qualidade nas últimas três décadas. Esse fato é muito
Quaternário no Brasil, juntamente com o XXV importante, pois os conhecimentos assim adquiridos
Congresso da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) poderão subsidiar apropriadamente o desenvolvimento
que, sem dúvida, representou um marco importante. sustentável do nosso país.
Na ocasião, foi também criada a Comissão Técnico-
Científica do Quaternário no âmbito da SBG, que foi 3.4.2. Instituições e grupos de pesquisa
extinta no segundo semestre de 1984, com a fundação Atualmente, não há dúvida de que os professores
da ABEQUA (Associação Brasileira de Estudos do e os estudantes de pós-graduação, ligados não somente
Quaternário). Através da Comissão Técnico-Científica aos cursos de Biologia e Geografia, mas também a várias
do Quaternário da SBG, ocorreram mais três simpósios outras áreas, têm feito estudos do Quaternário. Entre
específicos, terminando com o IV Simpósio, realizado outras áreas, tem-se: Agronomia, Ecologia, Engenharia
em 1981, no Rio de Janeiro. Com a criação da ABEQUA, Florestal, Oceanografia e mesmo Química e Física (que
afiliada à SBG, que conta com mais de duas centenas têm contribuído com numerosos artigos científicos,
de sócios, já foram realizados oito congressos. dissertações de mestrado e teses de doutorado, ao lado
Outro fato marcante que ocorreu no início da da Geologia e Geografia Física).
década de 1970 foi a realização de convênios da Diversas universidades (Universidade Estadual
Petrobrás (Petróleo Brasileiro S/A), através do CENPES de Maringá, Universidade Estadual Paulista, Universidade
(Centro de Pesquisas), com algumas universidades, para Estadual do Rio de Janeiro, Universidade Federal da
realizar estudos interdisciplinares do Quaternário em Bahia, Universidade Federal do Ceará, Universidade
alguns deltas brasileiros. Foram estudados os deltas do Federal Fluminense, Universidade Federal de
Rio Doce (ES) e do Rio Paraíba do Sul (RJ), além da Pernambuco, Universidade Federal do Rio Grande do
Planície Costeira de Jacarepaguá (RJ). Sul, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Nessa fase, o Brasil tornou-se também afiliado à Universidade Federal do Paraná, Universidade
INQUA (International Union for Quaternary Research), Guarulhos, Universidade de São Paulo etc.) contam com
continuando até hoje. Além dos eventos supracitados, um ou mais centros, laboratórios ou núcleos ligados a
foram organizadas reuniões internacionais (em 1975, alguns estudos do Quaternário.
International Symposium on the Quaternary; em 1978, Além disso, até algumas instituições não-
International Symposium on Coastal Evolution in the universitárias, freqüentemente ligadas às secretarias
Quaternary; em 1986, International Symposium on estaduais do meio ambiente, como o Instituto
Coastal Evolution and Quaternary Shorelines; em 1989, Geológico (São Paulo) e a CPRM (Serviço Geológico

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1. Introdução

do Brasil), interessam-se pelos estudos do Janeiro : Academia Brasileira de Ciências. 590p.


Quaternário, em função da sua grande potencialidade Desnoyers, J. 1829. Observations sur un ensemble de
de aplicação prática, principalmente nas questões dépôts marins plus récent que le terrain tertiaire du
ambientais. bassin de la Seine, et pouvant constituer une formation
géologique distincte, precédée d’un aperçu sur la non-
simultaneité des bassins tertiaires. Annales des
REFERÊNCIAS Sciences Naturelles, v.16, p.171-214 e 402-491.
Almeida, F.F.M. 1969. Diferenciação tectônica da Plataforma Heusser, C.J. 1984. Late Glacial-Holocene climate of Lake
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Quaternário do Brasil

Capítulo 2

VARIABILIDADE E MUDANÇAS
CLIMÁTICAS NO BRASIL E SEUS
IMPACTOS REGIONAIS
João Lima Sant’Anna Neto
Jonas Teixeira Nery

RESUMO. Este capítulo apresenta elementos para a discussão da variabilidade e das mudanças climáticas ocorridas no
Quaternário, no Brasil. Para tanto, analisamos o papel da dinâmica atmosférica dentro do sistema climático. Os problemas
e as limitações (presentes no meio acadêmico) sobre a questão das mudanças climáticas também são tratados neste
capítulo, uma vez que ele discorre sobre assunto extremamente polêmico. Apresenta-se uma breve síntese da evolução
dos climas pretéritos, principalmente do período Quaternário, com ênfase nos últimos séculos, na perspectiva de se
compreender o ritmo climático de longa duração. Na seqüência, analisa-se o sistema climático brasileiro, enfocando as
diferenciações regionais e alguns aspectos dinâmicos da circulação, que explicam as diferentes variabilidades sazonais
anuais e interanuais dos climas regionais. Apesar das limitações atuais, os modelos que têm sido desenvolvidos nos
diferentes centros de pesquisas são importantes ferramentas para se entender a gênese da variabilidade e a previsão
climática em macro e meso escala.
Palavras-chave: Variabilidade climática; Mudança climática; Modelos climáticos.

ABSTRACT. This chapter presents elements for the discussion of the variability and climatic changes happened in the
Quaternary, in Brazil. We analyzed the role of the atmospheric dynamics into the Climatic System. Problems and the
current limitations on the subject of climatic changes are also approached in this chapter, once this is an extremely
controversial matter. We present a synthesis of the evolution of the past climates, mainly of the Quaternary period,
emphasizing the last centuries, in order to understand the climatic rhythm of long duration. We analyze the Brazilian
climatic system, focusing the regional differences and some dynamic aspects of the atmospheric circulation that explain
the seasonal, annual and interannual variabilities of the regional climates. In spite of the current limitations, the models
that have been developed in the different research centers are important tools to understand the origin of the variability
and the climatic forecast in large and meso scales.
Key-words: Climatic variability; Climate change; Climatic models.

1. INTRODUÇÃO da energia geotérmica). Portanto, os climas resultam,


A atmosfera terrestre é um dos domínios mais entre outros fatores, da combinação dessas duas
importantes da natureza, pois sustenta a vida no planeta grandes fontes energéticas. Qualquer alteração ocorrida
e garante o suprimento de água e calor necessários para em uma dessas fontes primárias afeta profundamente
a manutenção da biodiversidade nos diversos ambientes os climas da Terra, a exemplo das atividades vulcânicas
naturais. Nessa esfera gasosa, uma complexa ou da variação do número de manchas solares. Além
combinação de elementos e fatores meteorológicos, disso, o homem, cada vez mais, interfere na superfície
geográficos e astronômicos forma os mais variados terrestre e a transforma (principalmente a partir da
tipos de climas do globo. Em cada parte do planeta, há Revolução Industrial, com a evolução das técnicas e do
diferentes manifestações dos climas, interferindo na conhecimento científico, que têm propiciado as mais
maneira pela qual as sociedades se relacionam com esse espetaculares alterações no espaço geográfico),
fenômeno e obtêm os seus mais variados tipos de tornando-se um dos principais agentes modificadores
produtos (Sant’Anna Neto & Zavatini, 2000). do ambiente natural. Dessa forma, o homem também é
Pode-se considerar a atmosfera e os climas responsável pelas mudanças dos climas, se não em
terrestres como resultado das forças que agem sobre o escala global, pelo menos em escala local (Monteiro,
globo, tanto provenientes do Sol (através da energia 1999).
solar) quanto originadas no interior da Terra (a partir As mudanças climáticas globais representam

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

uma das grandes preocupações atuais da humanidade 2002).


em relação aos destinos de nosso planeta. Trata-se, Muitas questões ainda permanecem sem
também, de uma das questões mais polêmicas, pois, respostas conclusivas. As mudanças do clima, afinal,
apesar dos grandes avanços técnicos alcançados pelo são causadas apenas por fatores que ocorrem em nosso
homem, os cientistas ainda não conseguiram chegar a próprio planeta ou são derivadas dos acontecimentos
uma conclusão definitiva quanto ao papel desempenhado provenientes do Sol? As grandes transformações da
por cada um dos principais fatores responsáveis pelas paisagem natural, realizadas pelo homem principalmente
alterações globais e como eles interferem no clima a partir da Revolução Industrial (devastação das
terrestre. florestas, poluição urbana e emissão de gases
Desde a formação do planeta e da constituição destruidores da camada de ozônio, entre outras), já
da atmosfera terrestre, o clima tem sofrido alterações podem ser consideradas como agentes de mudanças
através das eras geológicas. Sabe-se que, em eras climáticas? O aquecimento global é uma realidade ou é
remotas, o clima não foi sempre idêntico e que suas apenas parte de um ciclo natural de longa duração, ou
oscilações possibilitaram tanto o surpreendente seja, uma probabilidade estatística sem maiores
desenvolvimento da vida no planeta, quanto desastres e conseqüências?
catástrofes, como a extinção dos dinossauros e as Se fossem verdadeiras essas hipóteses, o
grandes glaciações. Apesar disso, o homem ainda fica aumento de temperatura do planeta seria responsável
perplexo diante da repercussão que os elementos do pela elevação do nível das águas oceânicas, por causa
clima exercem sobre a sua vida. do degelo das calotas polares, que inundaria enormes
Como o clima é muito dinâmico, torna-se extensões de áreas costeiras. O problema é que muitos
necessária a observação, por um longo período de aspectos a serem considerados ainda dependem de
tempo, de seus principais elementos, para verificar se estudos mais aprofundados, como o ciclo das manchas
as variações de seu comportamento são realmente solares, o efeito das erupções vulcânicas, as alterações
permanentes (e, portanto, fatores de mudança climática), do campo magnético e o ângulo da órbita terrestre, além
ou se são ciclos periódicos que tendem a se repetir de da intervenção humana no ambiente natural. Não há
tempos em tempos, tratando-se apenas de oscilações dúvida de que todos esses fatores têm papel importante
do clima. na variabilidade do clima terrestre. A combinação desses
O fato é que o clima está em constante e elementos, entretanto, pode afetá-lo de maneira que
permanente transformação, assim como todos os destrua seu frágil equilíbrio (Calder, 1983).
demais sistemas da natureza. Entretanto, deve-se O dióxido de carbono presente na atmosfera
distinguir as mudanças climáticas que ocorrem na escala produz o conhecido efeito estufa. A radiação solar pode
geológica do tempo (em milhares ou milhões de anos) atravessá-lo e, dessa forma, servir parcialmente para
daquelas de curta duração, que ocorrem em um período aquecer a superfície da Terra. Por outro lado, a radiação
de tempo perceptível na escala humana (em anos, emitida pela Terra tem uma longitude de onda maior
décadas ou séculos). que a longitude absorvida pelo dióxido de carbono e,
Na região Nordeste do Brasil, por exemplo, a assim, o calor fica retido, ao invés de se difundir no
diminuição das chuvas, além de provocar enormes espaço. A partir dessas considerações, pode-se deduzir
perdas na agropecuária, assume importante papel no que um aumento de dióxido de carbono pode provocar
êxodo rural das populações menos privilegiadas que, mais calor na atmosfera e, portanto, um aumento da
obrigadas a migrar para outras partes do país, provocam temperatura média do ar. Alguns cálculos indicaram que,
sérios problemas sociais e econômicos. As grandes ao se multiplicar por dois a quantidade de dióxido de
nevascas, apesar de comuns nos países do Hemisfério carbono existente na atmosfera, a temperatura global
Norte, vêm, a cada década, superando os recordes de da Terra aumentaria entre 3 e 4oC (IPCC, 1995).
temperaturas mínimas, alcançando inimagináveis -51oC A Figura 2.1 ilustra a variação da temperatura
no norte dos Estados Unidos. Por outro lado, verões para o planeta durante mais de cem anos. Apesar do
surpreendentemente quentes e secos assolam o sul da aumento do dióxido de carbono devido ao aumento da
Europa: em países como a Espanha e a Grécia, atingem industrialização e da combustão do petróleo e outros
temperaturas superiores a 45oC. Nas grandes cidades, combustíveis, a tendência da temperatura se inverteu.
a poluição atmosférica, as inversões térmicas e as ilhas Isto indica que há outros fatores que intervêm no
de calor, como será visto mais adiante, causam enormes fenômeno, além do dióxido de carbono.
transtornos e afetam a saúde, o conforto ambiental e a Existe um grande número de partículas sólidas
qualidade de vida de seus habitantes (Sant’Anna Neto, que se difundem na atmosfera, como conseqüência de

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Quaternário do Brasil

Figura 2.1. Registro histórico das mudanças na temperatura média anual (Fonte: IPCC, 1995).

atividades naturais e artificiais. Essas partículas reduzem variação da temperatura se opõe aos efeitos de
a radiação solar que chega à superfície da Terra, o que aquecimento por um aumento de CO2 atmosférico, a
pode diminuir os efeitos de aquecimento produzidos mudança na temperatura do ar dependerá da magnitude
pelo dióxido de carbono. Entretanto, as recentes dos efeitos contrapostos.
tendências climáticas têm obrigado os climatólogos a Alguns cientistas (IPCC, 1995; Houghton et al.,
reconhecer que as mudanças e flutuações do clima 1990) têm especulado sobre os resultados de possíveis
sempre estão ocorrendo. mudanças climáticas nos próximos cem anos. Suas
Não existe prova que nos assegure que o modelo estimativas indicam que essas futuras mudanças se
global do clima está sendo submetido a uma mudança produziriam como conseqüência de um aumento na
rápida, permanente e irreversível, ou que os últimos temperatura do ar. Esse incremento ocorreria em
acontecimentos ocorridos (secas, inundações etc.) latitudes altas (próximas aos pólos). As mudanças na
sejam anormais e estejam fora das expectativas baseadas temperatura seriam uniformes regionalmente e haveria
nas variações ocorridas no registro histórico dos últimos diferenças marcadas em áreas continentais e oceânicas.
anos. Poder-se-ia dizer que as mudanças e as flutuações Esses aquecimentos desiguais poderiam afetar a
do clima seguirão, durante o próximo século, na mesma evaporação, o regime de chuva, a distribuição temporal
magnitude (freqüência e variabilidade) dos últimos e espacial das tormentas. Em algumas regiões do mundo,
séculos (IPCC, 1995). Sobre essa base, é pouco as mudanças poderiam provocar aumento de
provável que o século XXI seja, na média, mais quente precipitação e, em outras, diretamente uma diminuição
do que o começo da Idade Média. Nesse período, há dessa variável. Isso poderia afetar os recursos naturais
evidências históricas sobre as temperaturas médias dessas regiões (mudanças na disponibilidade de água,
anuais de, pelo menos, um grau centígrado superior às colheitas, ecossistemas naturais etc.). Uma
atuais. Também é improvável que o século XXI seja, conseqüência do aumento de temperatura média nas
em média, mais frio do que a Pequena Idade do Gelo, regiões polares poderia ser o aumento da fusão do gelo,
que ocorreu entre 1550 e 1850, com temperaturas com uma conseqüente elevação do nível relativo do mar
anuais médias menores (entre 1 e 1,5 oC). Como e seus problemas associados.
conseqüência desse declínio de temperatura, em regiões Mesmo assim, segundo Bryant (1997), é
marginais do mundo, os períodos de cultivo diminuíram importante lembrar que o que se considera como clima
em algumas semanas (IPCC, 1955). normal para o planeta são as condições glaciais que
Existem outros gases na atmosfera que atuam têm persistido durante os últimos milhões de anos.
como o CO2, produzindo o efeito estufa. As mudanças Entretanto, o clima da Terra nos últimos 10.000 anos,
na superfície do solo, como a poeira proveniente de quando emergiu o gênero humano, é notavelmente
atividades agrícolas e industriais, podem influir sobre o anormal, pois se caracteriza pelas condições interglaciais,
clima, chegando a modificá-lo. Entretanto, o resultado ou seja, por pequenos períodos ligeiramente mais
final do aumento global da temperatura média da Terra quentes. Assim, vivencia-se uma fase que pode ser
dependerá das mudanças associadas com o CO2 e considerada como de exceção, visto que os períodos
outros gases superpostos. Se a tendência natural na glaciais, mais frios, são a regra geral. Por esses e outros

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

motivos, o nosso planeta tanto pode estar prestes a Tabela 2.1. Glaciações quaternárias (Fonte: Salgado-
conhecer um forte aquecimento global, como estar na Labouriau, 1994).
iminência de uma nova era glacial.
Nome Período
Europa EUA (em milhares de anos)
2. CLIMAS DO PASSADO Donau - 1.600
Pouco se conhece sobre o clima terrestre do Pré- Günz Nebraskan 600-500
Cambriano (Bryant, 1997; Calder, 1983), ou seja, dos Mindel Kansan 480-440
acontecimentos desde a origem do planeta, entre 4.600 Riss Illinoian 230-190
Würm Wisconsin 115-12
Ma até cerca de 570 Ma, quando se inicia o Paleozóico.
Sabe-se apenas que a atmosfera primitiva formou-se
em conseqüência do esfriamento e da consolidação do tudo indica que as mudanças do relevo e da topografia,
planeta. Presume-se que a temperatura do ar causadas pela deriva continental, alteram os tipos
característica desse período de formação da Terra climáticos e a circulação das águas oceânicas, e podem
deveria ser altíssima. A atmosfera primitiva era afetar a distribuição de temperatura no planeta. Além
provavelmente muito diferente da atual: pobre em deste, outro fator parece ser muito importante: a
oxigênio e abundante em hidrogênio e hélio (Salgado- mudança de radiação, resultante da entrada de meteoros
Labouriau, 1994). Em algum momento do Pré- na atmosfera terrestre. Suas partículas, aglomeradas
Cambriano, a temperatura permitiu a passagem do vapor em uma camada espessa, dificultam a penetração dos
de água para a forma líquida. Assim, parte do vapor de raios solares, provocando a diminuição da temperatura.
água começou a se condensar e se acumular nas partes De acordo com Lamb (1972), a atividade
mais baixas da superfície, iniciando a formação dos vulcânica, pelos mesmos motivos citados, altera o
lagos e mares e desencadeando o ciclo da água. balanço de energia pela grande concentração de cinzas
A atmosfera passou a ser semelhante à atual lançadas para a atmosfera, dando início a um processo
apenas na era Paleozóica (570-250 Ma), possibilitando de diminuição da transferência de calor para a superfície.
enorme desenvolvimento da vida no planeta, mesmo O ciclo solar também parece influir nas alterações
considerada a ocorrência de duas expressivas térmicas e no balanço de energia que podem iniciar um
glaciações, no início do Cambriano (há 500 milhões de ciclo glacial. Desde Galileu, observou-se que a
anos) e no final do Permiano (250 Ma). quantidade de energia emitida pelo Sol não é constante.
A hipótese mais aceita sobre as glaciações As manchas solares e as gigantescas proeminências
paleozóicas é que elas ocorreram em intervalos de 250 (labaredas) parecem obedecer a um ciclo de cerca de
Ma, que coincidem com o tempo gasto pelo Sol em sua 11 anos, quando aumenta a atividade solar (Bryant,
viagem quase-circular em torno da Via Láctea. Durante 1997).
o período Quaternário (1.8 Ma ao recente), no entanto, As explicações apresentadas pelo que se
os registros indicam pelo menos dezesseis glaciações, convencionou denominar Teoria de Milankovitch,
com duração média de 100.000 anos, intercaladas com entretanto, segundo Salgado-Labouriau (1994), parecem
épocas mais quentes (os interglaciais), com duração ser as mais aceitas para explicar tanto a origem das
aproximada de 20.000 anos (Salgado-Labouriau, 1994). glaciações quanto as mudanças climáticas de origem
Esses intervalos parecem estar relacionados às variáveis natural. Essa teoria sugere que fatores ligados aos
de Milankovitch. movimentos orbitais da Terra, como as alterações da
Não foi possível, até o momento, encontrar distância da Terra em relação ao Sol, a obliqüidade da
evidências geológicas de todas as glaciações, pois muitas elíptica e a geometria da órbita terrestre em torno do
vezes uma glaciação se sobrepõe à outra, tornando o Sol, são os principais causadores das mudanças
seu reconhecimento bastante difícil. Entretanto, segundo climáticas, inclusive da origem das glaciações.
Bryant (1997), tem sido aceita a hipótese de que essas Geólogos e paleontólogos conseguem datar os
verdadeiras idades de gelo apresentam intervalos de acontecimentos ao longo do tempo geológico do planeta
cerca de 100.000 anos, com ciclos menores de 40.000 a partir da medição da idade dos fósseis e pela análise
e 20.000 anos. Dessa forma, as cinco grandes glaciações das características geoquímicas e geofísicas das rochas
conhecidas e detectadas no período Quaternário estão e minerais. Pode-se obter, com certa precisão, o
demonstradas na Tabela 2.1. conhecimento de cerca de 87% da história da Terra.
Vários fatores influem no processo de Na Tabela 2.2, pode-se ter uma idéia das principais
aparecimento e manutenção de um período glacial. características dos climas em cada uma dessas unidades
Apesar de algumas controvérsias entre os cientistas, cronológicas. Apesar da importância da compreensão

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Quaternário do Brasil

Tabela 2.2. Climas nas eras geológicas (Fontes: Salgado-Labouriau, 1994, adaptado; Calder, 1983).

Era Período Época Idade (103 anos) Clima

Cenozóica Quaternário Holoceno 10 Interglacial - calor e umidade


Pleistoceno 1.600 grande glaciação
Plioceno 5.300 Temperatura em forte declínio
Mioceno 23.000 Temperatura amena e sub úmido
Terciário Oligoceno 36.500 Aridez e pequena glaciação
Eoceno 53.000 Temperaturas elevadas
Paleoceno 65.000 Clima quente e sub úmido
Mesozóica Cretáceo Superior 95.000 Aumento da temperatura
Inferior 135.000 Pequena glaciação - clima frio
Jurássico Superior 152.000 Temperatura amena e umidade baixa
Médio 180.000 Chuvas abundantes
Inferior 205.000 Clima quente e úmido
Triássico Superior 230.000 Clima quente e desértico
Médio 240.000 Aumento da temperatura e umidade
Inferior 250.000 Clima glacial e seco
Paleozóica Permiano Superior 260.000 Grande glaciação
Inferior 290.000 Clima frio e seco
Carbonífero Superior 325.000 Queda da temperatura e umidade
Inferior 355.000 Estação única, quente e úmida
Devoniano Superior 375.000 Aumento da umidade com chuvas
Médio 390.000 Clima desértico com ventos fortes
Inferior 410.000 Ressecamento e aridez
Siluriano Superior 428.000 Quente e úmido
Inferior 438.000 Umidade e chuvas abundantes
Ordoviciano Superior 455.000 Grande aquecimento térmico
Inferior 510.000 Glaciação
Cambriano Superior 525.000 Temperatura em declínio
Inferior 570.000 Formação da camada de ozônio
Proterozóica Neo Superior 1.000.000 Muito quente, úmido e nublado
Meso Médio 1.600.000 Dias curtos e fortes tempestades
Paleo Inferior 2.500.000 Atmosfera primitiva
Arqueano 4.600.000 Formação do planeta

dos climas do passado remoto (paleoclimas), as suas mais quente, também denominada interglacial, mesmo
variações são muito lentas, quase imperceptíveis na que pequenos avanços e recuos de fases mais frias
escala humana. Por esse fato, é dada maior relevância tenham interferido nos climas terrestres (Calder, 1983).
ao período Quaternário, ou seja, aos acontecimentos Admite-se que o último grande período glacial
do último milhão de anos, quando do aparecimento dos tenha terminado há aproximadamente 18.000 anos A.P.
ancestrais mais antigos do homem. (antes do presente), ocasionado por fatores de ordem
orbital, ou seja, por alterações nos movimentos descritos
2.1. Clima do Quaternário pela Terra no espaço. Entre 20.000 e 14.000 anos A.P.
O Holoceno é a época mais recente do período teve início o grande retrocesso das geleiras em direção
Quaternário e teve início ao final da última grande aos pólos. Entretanto, o norte da América e da Eurásia
glaciação (Würm), há cerca de 10.000 anos. Trata-se ainda permaneceu com climas glaciais —com médias
do período em que se reconhece o aparecimento do anuais entre 8 e 10° negativos.
homem moderno e o desenvolvimento das primeiras Segundo Bryant (1997), esse lento recuo das
civilizações. As grandes alterações climáticas ocorridas geleiras foi acompanhado do aquecimento de todo o
nesse intervalo caracterizam-se pelo início de uma fase planeta, de tal modo que os climas glaciais da porção
interglacial em nosso planeta (Suguio, 1999). Essa fase setentrional do Hemisfério Norte foram amenizados,
dura até hoje e deve terminar em algum momento nos porém ressecados. Por volta de 8.000 a 7.000 a.C., o
próximos 1.000 anos. Assim, toda a história da retorno das chuvas, agora mais torrenciais, umedeceu
humanidade até a presente data aconteceu numa época e tornou mais frescos os climas continentais, sobretudo

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

na América do Norte. Os climas da zona intertropical Durante esses três séculos, a Europa vivenciou o período
caracterizavam-se pela secura e pela presença de fortes mais frio e rigoroso de que se tem notícia, desde sua
ventos. Os invernos eram mais rigorosos e os verões ocupação pelo homem (Ladurie, 1991). A temperatura
muito mais quentes do que os da atualidade. era então cerca de 2 a 3oC mais baixa do que hoje e a
Entre 5.600 e 2.500 a.C., parece ter ocorrido o neve, um fenômeno muito mais constante. Desde então,
período mais quente do interglacial. Essa fase é a temperatura do globo vem subindo rapidamente,
conhecida como o “ótimo climático”, quando a Terra provocando muitas especulações sobre a sua gênese e
estava, em média, 2 a 3oC mais quente do que nos dias sua extensão. O aquecimento verificado nos últimos
atuais. A Europa conheceu, então, um clima muito mais 100 anos não pode ser analisado sem o conhecimento
ameno e invernos mais suaves, que proporcionaram o histórico da evolução do clima. Se, de um lado, parece
desenvolvimento de extensas florestas. No Hemisfério evidente que, na escala geológica, o planeta caminha
Sul, um clima mais seco provocou a extinção de todo o para um novo período glacial em, no máximo, 1.000
gelo continental, à exceção das altas montanhas. O nível anos, por outro, esse aumento da temperatura global
do mar estava, no Hemisfério Norte, cerca de 5 a 10 m tanto pode ser um dos já conhecidos recuos das
acima do nível atual, devido ao derretimento dos glaciais condições glaciais do passado, como pode ter a forte
(Bryant, 1997; Calder, 1983). colaboração da ação devastadora da sociedade humana
Na Idade do Ferro (entre 2.500 e 2.000 a.C.), no ambiente terrestre (IPCC, 1995).
ocorreu a época mais fria do interglacial. O norte da
Europa vivia um retorno às condições mais rudes do 2.2. A Pequena Idade do Gelo
clima, com fortes tempestades que foram responsáveis, Considerado o período mais frio dos últimos
inclusive, pelo desaparecimento das grandes florestas. 1.000 anos, a Pequena Idade do Gelo durou cerca de
No norte da África e na Ásia Menor, um clima mais três séculos (1550 a 1850). Como não havia ainda dados
ameno e muito chuvoso favoreceu o desenvolvimento meteorológicos registrados antes de 1840, as
das grandes civilizações da Antiguidade. informações sobre as condições climáticas reinantes
O segundo “ótimo climático” ocorreu entre 200 nessa época puderam ser obtidas a partir de registros
e 1.000 d.C., quando as condições mais favoráveis do históricos, crônicas e obras de arte, principalmente da
clima no Hemisfério Norte permitiram o povoamento Europa. São inúmeros os registros que nos mostram
da Groelândia pelos Vikings. Naquele período, seus paisagens muito mais frias e nevadas, cinzentas e
pequenos barcos atravessavam mares, agora fechados úmidas, do que as que hoje se conhece. Durante esse
pelo gelo. Enquanto no norte da Europa o aquecimento período, eram comuns as “férias de gelo” na Inglaterra,
do clima trouxe muitas vantagens para o assentamento quando o Rio Tâmisa, que corta a cidade de Londres,
humano, na região do Mediterrâneo, o aumento da permanecia meses com suas águas congeladas. A última
temperatura provocou enorme deficiência hídrica, com vez que isso ocorreu foi em 1814.
diminuição das chuvas. É bastante provável que isto Outro dado esclarecedor refere-se aos
tenha contribuído para a decadência do Império documentos da produção e das safras vinícolas na
Romano, em curso nesse período (Serra, 1955). França desde o ano de 1330. Segundo esses registros
Uma época de severidade climática, como se (Ladurie, 1991), até o século XVI, cultivavam-se
fosse um retorno aos padrões climáticos glaciais, iniciou- videiras numa extensa área que atingia cerca de 5o de
se a partir do século XI. As temperaturas regrediram latitude mais ao norte do que hoje. Esses documentos
violentamente, enquanto pesadas chuvas assolavam a impressionam pelos detalhes e pela acuidade, ao relatar
maior parte do Hemisfério Norte. O gelo polar voltava as condições climáticas em cada safra de uva. Através
a avançar e os mares tempestuosos isolaram as deles, percebe-se como os invernos foram
prósperas colônias na Islândia e na Groelândia. As sucessivamente mais rigorosos, esfriando a cada década
populações dessas ilhas foram exterminadas ao final do e provocando o deslocamento da fronteira agrícola para
século XV, quando os navios nórdicos não mais o sul, nas latitudes mais baixas, ao longo de 500 anos.
conseguiam chegar, tantos eram os icebergs. O período de 1685 a 1750 foi particularmente frio, com
Após um pequeno período mais ameno, o frio invernos rigorosos em toda a Europa. Na França, esses
voltou e, desde então, o planeta passou a experimentar fatos, aliados à queda das safras agrícolas, acentuaram
uma pequena época glacial, que é uma dura volta às a miséria. Contabilizavam-se mais de 2 milhões de
condições mais rudes do clima. O lento resfriamento franceses miseráveis no final do século XVII. Em 1709,
teve seu ponto mais crítico entre os séculos XVI e XIX a temperatura alcançava -22oC em Paris, fato hoje
(de 1550 a 1850), principalmente no Hemisfério Norte. inimaginável. Nessa época, as geleiras avançavam sobre

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Quaternário do Brasil

a Escandinávia e desciam pelos Alpes, fechando retroalimentação, provenientes dos componentes mais
passagens das rotas de comércio. No leste europeu, lentos (tais como oceanos e glaciais), podem iniciar
particularmente na Rússia, as nevascas eram mais oscilações dos períodos muito grandes nos componentes
violentas a cada inverno, tendo, em 1812, acentuado o mais rápidos, como a própria atmosfera. Isso conduz
desastre da invasão napoleônica, quando deteve a ao que se denominam ciclos ou mudanças climáticas
marcha dos exércitos franceses sobre Moscou, em um (Peixoto & Oort, 1984).
dos invernos mais rudes de que se teve notícia (Serra, Evidências indiretas de climas passados são
1955). A partir de 1850, as geleiras iniciaram lento recuo obtidas de materiais preservados nos componentes ou
de volta para o Ártico, provocando melhoria significativa subsistemas do Sistema Climático. Os vestígios
do tempo em toda a Europa, elevando a temperatura e observados de interações ocorridas em outras épocas,
promovendo colheitas cada vez mais satisfatórias. entre os subsistemas mais lentos, como a atmosfera,
Nas últimas décadas, a neve desapareceu de permitem obter inferências climáticas do passado.
muitas regiões onde até pouco tempo eram bastante O Sistema Climático está submetido a fatores
freqüentes, como Londres e Paris. Nesses últimos 100 externos que condicionam seu comportamento global.
anos, a temperatura se elevou mais de 2 o C no Entre essas forças externas, deve-se considerar, como
Hemisfério Norte. Seria apenas um pequeno recuo dos um fator primário, a radiação solar. Ela fornece quase o
glaciais ou resultado da ação antrópica sobre o ambiente total de energia que move o Sistema Climático. Também
pós-Revolução Industrial? deve-se levar em conta a esfericidade da Terra, sua
rotação e suas características orbitais ao redor do Sol.
3. SISTEMA CLIMÁTICO Em conseqüência, o Sistema Climático está submetido
Nossos conhecimentos dos mecanismos e das a duas fontes externas de energia: radiação solar e
causas das modificações do clima são inadequados para gravidade (energia potencial). Dentro do sistema
permitir uma previsão. Não está claro se são provocados climático, a energia apresenta-se de diferentes formas,
por mudanças internas na atmosfera e nos oceanos, ou tais como calor, energia potencial, energia cinética,
por mudanças devido a fatores externos, tais como a energia química e radiação de onda curta e onda longa
radiação solar. O problema pode complicar-se ainda mais (dentro desta última, encontra-se a radiação emitida pela
devido à intervenção do homem. A atmosfera envolve Terra). Pode-se considerar de menor importância a
os oceanos e os outros sistemas de água, as massas de energia elétrica e magnética —relevantes na alta
gelo do mundo, o solo e a vegetação, bem como as atmosfera (Sellers, 1974).
características geofísicas da Terra e sua relação com o A radiação de onda curta distribui-se
Sol. Essas entidades físicas podem ser convenientemente desigualmente sobre os diferentes componentes do
agrupadas em componentes e combinadas com as Sistema Climático. Isto se deve à esfericidade da Terra,
interações que ligam os componentes entre si, a seu movimento orbital e à inclinação de seu eixo. As
denominadas Sistema Climático. Dessa forma, o Sistema regiões intertropicais recebem e absorvem mais radiação
Climático, segundo Manabe (1983), consiste em um que as regiões polares. Ao se considerar a Terra como
sistema composto formado pelos seguintes um todo, as observações mostram que o Sistema
componentes físicos interativos: a atmosfera, a Climático perde a mesma quantidade de energia (como
hidrosfera ou os oceanos, a criosfera, a litosfera e a radiação de onda longa ou infravermelho) que a recebida
biosfera. Cada um desses componentes tem pelo Sol, como radiação de onda curta. Entretanto, pode
características físicas bastante diferentes e estão ligados ocorrer desequilíbrio em períodos curtos e longos, entre
entre si por uma variedade muito grande de processos a energia recebida e a emitida pelo Sistema. A magnitude
físicos. Conforme a Figura 2.2, pode-se observar desses desequilíbrios é pequena e atualmente não são
esquematicamente estes componentes ou subsistemas. perceptíveis com a utilização dos métodos de medição
Tais componentes ou subsistemas são sistemas abertos, disponíveis.
com uma distribuição não uniforme de suas propriedades As observações mostram que a radiação emitida
não intensivas (por exemplo, são politérmicos etc.). pela Terra decresce desde as regiões equatoriais até as
Entretanto, o Sistema Climático, como um todo, pode polares, numa forma pouco pronunciada. Isso contrasta
ser considerado como um sistema que é fechado para com o decréscimo, do equador para os pólos, da
o intercâmbio de matéria. absorção da radiação solar pelo Sistema Climático,
Excluída a atmosfera, os componentes restantes produzindo um desequilíbrio que conduz a um excesso
são menos variáveis em seu comportamento e, portanto, de energia nas regiões polares e de latitudes médias.
retardam a variabilidade da atmosfera. Processos de Esses fatos são explicados pela diferença de temperatura

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

Figura 2.2. Esquema dos componentes do Sistema Climático Terrestre e suas interações (Fonte: Manabe, 1983).

entre o equador e os pólos. Na Figura 2.3, pode-se ocorre nos oceanos, rios e lagos da Terra. Quando o
observar a variação de energia absorvida e emitida pelo vapor de água se condensa na atmosfera, há um
Sistema Climático, com suas correspondentes aquecimento desta última pela energia no jogo do
diferenças, desde o equador até as regiões polares. O processo físico de condensação da água. Cerca de 25%
excesso de energia nas regiões equatoriais e as são usados para aquecer a atmosfera diretamente, através
deficiências nas polares constituem a distribuição das do fluxo de calor sensível na superfície da Terra em
fontes e sumidouros de energia, responsáveis pela direção à atmosfera. Os 20% restantes são empregados
maioria dos processos termodinâmicos que ocorrem para aquecer a superfície terrestre e, posteriormente,
dentro do Sistema Climático, que incluem o movimento essa energia é perdida como radiação infravermelha. A
circulatório da atmosfera e dos oceanos (Sellers, 1974; superfície da Terra entrega 14% de radiação
Manabe & Hahn, 1981). Para se ter uma idéia quantitativa infravermelha à atmosfera e 6% se perdem no espaço
dos valores do balanço energético, a Tabela 2.3 mostra exterior.
as energias que intervêm nesse balanço. O calor absorvido pela atmosfera é utilizado para
Como é possível deduzir da Tabela 2.3, o Sistema gerar energia interna e energia potencial e somente 1%
Climático não utiliza toda a energia solar que recebe dessa soma de energia gerada se converte em energia
(340 Wm-2), refletindo ao espaço exterior 36% (122 cinética. Essa última mantém a circulação geral da
Wm-2) e absorvendo os 64% (218 Wm-2) restantes. O atmosfera e dos oceanos compensando o atrito.
sistema perde a mesma quantidade de energia na forma Se forem levados em conta os componentes do
de radiação infravermelha que a recebida na forma de
energia solar. Isto é observável na Tabela 2.3, quando Tabela 2.3. Distribuição de energia no Sistema Climático
se indica que 218 Wm-2 deixam o Sistema como energia (Fonte: Sellers, 1974, adaptado).
na forma de radiação infravermelha. Energia Wm-2
Dos 64% da energia solar que são absorvidos Solar média incidente no topo da atmosfera 340
pelo Sistema, 18% ficam na atmosfera e os 46% Refletida pelo Sistema Climático 122
restantes são absorvidos pelos oceanos e continentes. Absorvida 218
Parte desta última é usada para manter em Infravermelha média emitida pelo Sistema Climático 218
Efetiva irradiada pela atmosfera 152
funcionamento o conhecido ciclo hidrológico, que requer
Efetiva irradiada pela superfície terrestre 66
21% dessa energia para produzir toda a evaporação que

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Quaternário do Brasil

Figura 2.3. Balanço de energia. As linhas representam valores médios para cada latitude (corte realizado entre o Pólo
Norte e o Pólo Sul). A linha contínua representa a energia solar que chega no topo da atmosfera; a linha tracejada
representa a energia solar média que o Sistema Climático absorve; a linha tracejada com pontos representa a radiação
infravermelha emitida pelo Sistema Climático (Fonte: Sellers, 1974).

Sistema individualmente, o resultado será um observa em diferentes escalas de tempo.


resfriamento líquido da atmosfera e um aquecimento Com base nas escalas de tempo consideradas
líquido da Terra, como demonstrou Sellers (1974) anteriormente, o invólucro gasoso (as precipitações
(Tabela 2.4). Para a Terra tem-se um balanço positivo atmosféricas) e o gelo que rodeiam a Terra comporão
(93 Wm-2) e, para a atmosfera, um balanço negativo (- o sistema climático interno; da mesma forma, o solo e
93 Wm-2); o balanço global é, portanto, nulo. A análise o espaço exterior serão componentes do sistema externo
do balanço total de um determinado local aponta um (ou forçante). Assim, as condições de contorno são a
excedente em regiões equatoriais e latitudes médias e superfície terrestre, o estado do Sol e a geometria orbital
deficiências nas latitudes altas e nos pólos. A Figura da Terra e do Sol. Ao se produzirem mudanças
2.4 mostra as regiões da Terra em que há excessos e apreciáveis nessas condições de contorno, obviamente
deficiências entre a radiação solar absorvida e a radiação haverá alterações do Sistema e poderão ser consideradas
infravermelha emitida pelo Sistema Climático. as causas de mudanças climáticas que serão
O clima da Terra, portanto, mantém-se representadas pelos modelos climáticos (modelos
globalmente estável, com aquecimento contínuo nas numéricos).
regiões tropicais e esfriamento nas zonas polares, com
transporte de calor desde as regiões com excessos 3.1. Processos Físicos do Clima
(fontes) e regiões com deficiências energéticas Os tempos de resposta de cada um dos
(sumidouros). O resultado final é uma compensação componentes do Sistema Climático são o resultado dos
que se traduz, energeticamente, em um estado de processos dominantes. No caso da atmosfera e dos
balanço de energia. É importante assinalar que, quando oceanos (com maior movimento no Sistema), incluem
se fala de um estado de balanço ou equilíbrio, faz-se a transferência de propriedades do fluido como impulso,
referência a períodos de tempo muito longos, nos quais temperatura e constituintes em dissolução ou suspensão.
o clima da Terra é quase constante. Dentro dessas A transferência realiza-se por movimentos organizados
condições, inclui-se uma variabilidade natural que se de grande escala (advecção) e por movimentos
turbulentos de pequena escala (difusão), pelos vórtices
Tabela 2.4. Balanço global de radiação para o sistema Ter- verticais como resultado da instabilidade hidrostática
ra/Atmosfera (radiação em Wm-2) (Fonte: Sellers, 1974). (convecção), a emissão e absorção seletiva de radiação
e, no caso da atmosfera, por liberação de calor latente
Sistema Absorvida Emitida Diferença que acompanha a condensação. A ocorrência desses
Terra 159 66 +93 processos na atmosfera e nos oceanos é, por sua vez,
Atmosfera 59 152 -93
regulada pela dinâmica dos movimentos que são

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

Figura 2.4. Distribuição global da radiação líquida (absorvida/emitida) no topo da atmosfera. As unidades são em Wm2
(Fonte: Peixoto & Oort, 1984).

característicos nestes componentes, tais como as com a evaporação, que representa uma transferência
circulações convectivas termicamente diretas, as ondas de calor latente dos oceanos para o ar (que é liberado
inerciais e gravitacionais e as ondas planetárias. Esses quando se produz a condensação). Uma transferência
movimentos são respostas naturais do fluido à força similar de calor e umidade manifesta-se entre a
representada por fontes e sumidouro de impulso e calor. atmosfera e as superfícies dos continentes, como uma
A amplitude dos movimentos está controlada pela função das características do solo, da rugosidade e da
distribuição de massa, impulso e temperatura e pelas cobertura vegetal. Existe também uma transferência
dimensões e propriedades físicas do fluido. Essas entre a atmosfera e as superfícies cobertas de gelo e
propriedades, junto com a rotação da Terra, determinam neve (Manabe & Hahn, 1981).
basicamente se o clima está dominado por circulações Outra transferência é a de impulso entre os
convectivas (como as latitudes baixas) ou por componentes do Sistema devido às tensões turbulentas
perturbações baroclínicas transientes (como as latitudes do ar para o solo subjacente. No caso das superfícies
médias e altas). Dentro desse contexto, pode-se continentais e das cobertas por gelo, o mecanismo
considerar que a combinação das propriedades assinalado é o mais importante para a dissipação de
atmosféricas de grande escala, com as distribuições dos energia cinética da atmosfera. No caso dos oceanos, o
oceanos, fontes de água doce, gelo marinho e arraste devido à fricção é o verdadeiro motor que
continental, topografia e vegetação, determinam o clima impulsiona as correntes oceânicas de grande escala.
em escalas especificamente continentais e regionais
(Sellers, 1974). 3.2. Clima Observado
Os processos que atuam em vários componentes Uma descrição do clima recente da Terra requer
do Sistema Climático podem ser considerados também dados provenientes de observações, tomados nos
como processos físicos responsáveis pela manutenção componentes mais variáveis do Sistema Climático: a
do clima. Entre esses processos interativos ou de atmosfera e os oceanos. Atualmente, têm-se registros
acoplamento, têm especial importância os que atuam de dados meteorológicos em que, para algumas regiões
entre a atmosfera e os oceanos. As camadas superiores do planeta, superam 100 anos para as medições
dos oceanos absorvem a maior parte da radiação solar realizadas sobre a superfície da Terra (medições de
que chega à superfície da Terra e transferem à atmosfera chuvas, pressão, temperatura e ventos). Em relação a
uma soma considerável dessa energia. O maior essas medições realizadas na atmosfera, as informações
intercâmbio entre a atmosfera e o oceano se manifesta disponíveis são bem recentes.

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Quaternário do Brasil

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-


se no mundo a obtenção sistemática de dados
meteorológicos de altura. Os principais aeroportos do
mundo lançaram radiossondas para aquisição de
informações meteorológicas e previsão do tempo. No
começo da década de 1950, o número de estações de
radiossondagem distribuídas no mundo era de algumas
centenas; no começo da década de 1980, esse número
aumentou para até aproximadamente 2.000 estações de
observações. Entretanto, ainda existem extensas áreas
oceânicas e continentais onde a informação é
insuficiente. Afortunadamente, nos dias atuais os dados
de radiossondagem são complementados por
informações obtidas através de satélites meteorológicos.
No começo da década de 1960, o rol de satélites
em meteorologia esteve limitado à obtenção de
fotografias da cobertura nebulosa da Terra. Esse tipo
de informação é sumamente valioso não só para a
previsão do tempo como para obtenção de informações Figura 2.5. Imagem infravermelha de Satélite do dia 16/01/
sobre hidrologia, agricultura etc. Como exemplo, a 2003, satélite GOES (Fonte: http://www.noaa.gov).
Figura 2.5 mostra uma imagem fotográfica da metade
do globo terrestre, com seu estado do tempo, tal como atmosfera e tensão do vento marinho e continental;
foi captada por um satélite meteorológico. determina-se a natureza e a concentração de aerossóis,
Na atualidade, a informação que provém dos tais como ácido sulfúrico proveniente de erupções
satélites meteorológicos são muito mais do que fotos vulcânicas e poeira atmosférica. Mediante técnicas de
de nuvens. Obtêm-se dados sobre radiação, água na inversão nas diferentes bandas de absorção do dióxido

Figura 2.6. Distribuição global da pressão atmosférica reduzida ao nível do mar (Fonte: Sellers, 1974).

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

de carbono e do vapor de água, obtêm-se perfis verticais climáticas são obtidos de 9.000 estações sinóticas de
de temperatura e umidade do ar (Troup & Streten, superfície, além dos dados de altura referidos
1972). anteriormente. A essas estações terrestres, somam-se
As condições climáticas atuais, em vários outros dados obtidos junto a 7.000 barcos mercantes
aspectos, são bem conhecidas e as configurações de que efetuam observações de superfície e 1.500 aviões
variáveis meteorológicas, como precipitação, comerciais que enviam diariamente suas constatações.
temperatura e pressão atmosférica para todo o planeta, A utilidade imediata de todas essas observações é gerar
têm sido convenientemente difundidas. Mapas (Figura uma base para os estudos do clima e sua variabilidade.
2.6) relativos à distribuição de pressão atmosférica A pesquisa sobre os climas do passado necessita
média do nível do mar, ou mesmo a precipitação, também de outro tipo de informação, como a análise
temperatura, evaporação e vento, são comuns nos textos das circunferências dos troncos das árvores, da
didáticos da escola de ensino médio. Ainda que muitas distribuição das diversas variedades de pólens nos
vezes não sejam tão conhecidos, os extremos climáticos sedimentos lacustres e da história dos glaciais.
formam parte do nosso clima e merecem atenção
especial nas pesquisas relativas ao clima. Figura 2.7. 4. SISTEMA CLIMÁTICO BRASILEIRO
Outros aspectos importantes do clima do nosso Pela posição geográfica que o território brasileiro
planeta são as flutuações e variabilidades. Já foi dito ocupa nas terras emersas do globo, estendendo-se desde
que as mudanças e flutuações do clima ocorrem a latitude de 5o Norte até cerca de 34o Sul e de 35o de
constantemente. As variações manifestam-se através longitude Leste até aproximadamente 72o Oeste, uma
das variações dos elementos climáticos, tais como luz variada gama de climas regionais distribui-se
do sol, temperatura, nebulosidade, precipitação, espacialmente, de forma a caracterizar diferentes
evaporação, estado do solo e da superfície do mar, vento regimes termopluviométricos, predominantemente
de superfície, observações atmosféricas de altura etc. tropicais.
As variações desses elementos são temporais e espaciais Os climas do Brasil são, por zonas, mais ou
e a escala é determinada por fatores astronômicos, menos uniformes; regionalmente, porém, multiplicam-
geográficos e dinâmicos. Hoje sabe-se que os elementos se em variedades, em função do traçado litorâneo, das
climáticos apresentam uma instabilidade que é cotas de altitude, das linhas gerais do relevo e dos
característica de uma dessas variações, observando- grandes biomas. Do ponto de vista da climatologia
se, por exemplo, as mudanças diurnas, o dinâmica, o território brasileiro é controlado tanto por
desenvolvimento das tormentas, as variações sazonais massas de ar tropicais e equatoriais quanto por massas
etc. Também existem variações especiais, associadas polares. As massas de ar originam-se nos centros de
com a superfície continental e os oceanos e com as ação e desenvolvem-se adquirindo as características de
cadeias de montanhas. temperatura e umidade das regiões por onde se
Os fatores físicos que governam o clima são os deslocam. A configuração do relevo (altimetria e
mesmos que governam o tempo: luz, calor e umidade. disposição das vertentes) e a proximidade (ou distância)
A influência desses fatores físicos sobre o clima é do mar influenciam nas propriedades das massas de ar,
medida em termos dos elementos climáticos particularizando e definindo suas características (PBEG,
anteriormente citados. Os dados relativos às flutuações 1980). Cinco massas de ar e dois grandes sistemas

Figura 2.7. Variações da área total de gelo e neve no Hemisfério Norte, desde abril de 1967 até agosto de 1973, obtidas
a partir de imagens de satélites, segundo Van der Haar & Cart, 1973. Na abscissa estão os valores, em milhões de km2 de
cobertura de gelo e neve, representados para cada ano (os anos estão representados no eixo X) (Fonte: Sellers, 1974).

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Quaternário do Brasil

Tabela 2.5. Características dos sistemas atmosféricos atuantes no Brasil (Fontes: Monteiro, 1976, adaptado; Conti &
Furlan, 1996).
Massas de ar Sigla Área/Origem Características Área de atuação
Massa Equatorial Atlântica Ea Anticiclone de S. Helena Oceano Quente e úmida Norte e litoral do Nordeste
Atlântico Norte
Massa Equatorial Continental Ec Amazônia Quente e instável Norte e Centro-Oeste
Massa Tropical Atlântica Ta Anticiclone subtropical Quente e úmida Nordeste, Sudeste e Sul
Massa Tropical Continental Tc Depressão do Chaco Quente e seca Centro-Oeste e Sudeste
Massa Polar Atlântica Pa Anticiclone Migratório Subpolar Fria e seca Sul e Sudeste

Sistemas perturbados Sigla Área/Origem Características Área de atuação


Frente Polar Atlântica FPA Atlântico Sul Úmida e instável Sul, Sudeste e Centro-Oeste
Convergência Intertropical ZCIT Zona equatorial da convergência Quente, úmida e instável Norte e litoral do Nordeste
dos alísios

perturbados atuam no território brasileiro, configurando significativamente. O que prevalece é o ritmo da


os climas regionais, conforme mostra a Tabela 2.5. sucessão dos sistemas (Monteiro, 1976; Boin, 2000).
As áreas de domínio e as trajetórias mais habituais O território brasileiro é marcado profundamente
dos sistemas atmosféricos atuantes no Brasil (e na pelas características de tropicalidade, excetuando-se a
América do Sul) podem ser observadas na Figura 2.8. porção sul, tipicamente subtropical. De acordo com
Na figura A, está representada a posição média anual, Conti & Furlan (1996), as cinco principais
em que prevalecem as correntes de ar do quadrante características que determinam os ambientes tropicais
leste (Ea e Ta) em toda a fachada atlântica do país. A ocorrem de forma significativa no território brasileiro,
figura B representa a situação típica de verão, quando como está demonstrado na Tabela 2.6.
as massas continentais (Ec e Tc) avançam sobre as Essas características geográficas, associadas à
regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. As gênese e à dinâmica dos sistemas atmosféricos atuantes
frentes polares restringem-se à porção sul e a CIT no Brasil, resultam em regimes de chuvas abundantes,
(Convergência Intertropical) aproxima-se do litoral norte. excetuando-se a região semi-árida do sertão nordestino.
Na figura C, que representa uma situação de inverno, Segundo Nimer (1989), os totais anuais são superiores
observa-se o desaparecimento da Tc, o encolhimento a 1.200 mm, concentrados principalmente no período
da Ec, a expansão da Ta sobre o Sudeste e Nordeste, e de primavera e verão. Apesar dos elevados totais de
o avanço da Pa sobre o Sul, chegando até o Sudeste e chuvas na maior parte do país, a concentração pluvial
Centro-Oeste. Essa disposição geral dos sistemas de em poucos meses e as altas temperaturas que
circulação secundária (massas de ar e sistemas prevalecem na maior parte do ano provocam deficiências
perturbados) é a mais freqüente, porém as trajetórias e hídricas significativas nas regiões Nordeste, Centro-
as intensidades da atuação desses sistemas variam Oeste e Sudeste. O outono e o inverno são os períodos

Figura 2.8. Áreas fontes e principais trajetórias dos sistemas atmosféricos (Fontes: Monteiro, 1976; Boin, 2000).

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

Tabela 2.6. Características dos ambientes tropicais (Fonte: Conti & Furlan, 1996).

Características Papel no espaço brasileiro


1. Temperaturas médias superiores a 18oC e diferenças Ocorre em 95% do território.
sazonais marcadas pelo regime das chuvas.
2. Amplitude térmica anual inferior a 6oC (isotermia). Registra-se desde o extremo norte até o paralelo de 20oC
de latitude sul.
3. Circulação atmosférica controlada pela ZCIT, baixas Afeta quase todo o Brasil, exceto ao sul do trópico de
pressões equatoriais (doldrums), alíseos e altas pressões Capricórnio e onde a ação da frente polar é mais
subtropicais. relevante.
4. Cobertura vegetal que vai do deserto quente à floresta Embora os desertos quentes estejam ausentes, a floresta
ombrófila, passando pela savana. ombrófila e as savanas cobriam, originalmente, 94% do
território.
5. Regimes fluviais controlados pelo comportamento da É o que se verifica em todas as bacias hidrográficas, com
precipitação. exceção da Amazônica, onde alguns afluentes dependem
da fusão das neves andinas.

de estiagem para a maior parte do Brasil. As chuvas país. Na Amazônia, ocorre o clima Equatorial Úmido,
escasseiam significativamente, exceto no litoral quente e chuvoso. Na porção mais meridional do país,
nordestino e extremo norte do país, como se observa tem-se um clima mesotérmico, freqüentemente
na Figura 2.9. denominado Subtropical Úmido, e nas demais regiões
O regime térmico é predominantemente tropical, do Brasil prevalecem os climas tropicais com nuances
com temperaturas médias anuais elevadas e com regionais, como o Semi-Árido no sertão nordestino, o
variações sazonais significativas no centro-sul. Os verões Tropical típico (ou monçônico) no Centro-Oeste, o
são bastante quentes em todo o território brasileiro, mas Tropical de Altitude no Sudeste e o Tropical Úmido da
as temperaturas mais elevadas ocorrem na primavera, zona costeira oriental (Nimer, 1989; Conti & Furlan,
principalmente nas regiões Norte e Nordeste, quando 1996) (Figura 2.11).
as chuvas diminuem. No inverno, entretanto, as regiões
Sul (pela latitude) e Sudeste (pela altitude) apresentam • Clima Equatorial Úmido
temperaturas relativamente baixas, pelas incursões da Esse clima é basicamente controlado pelas
massa Polar Atlântica (mPA) sobre essas áreas (Figura oscilações da Zona de Convergência Intertropical
2.10). (ZCIT), pelas ações dos alísios e pelos doldrums (baixas
pressões equatoriais). É controlado pela massa
4.1. Climas Regionais Equatorial continental (Ec), muito instável, quente (25oC
O complexo mosaico representado pelo relevo de temperatura média anual) e chuvosa (mais de 3.000
brasileiro (e sul-americano) e as características mm de chuvas) o ano todo. A região da Amazônia
dinâmicas da atmosfera sobre esse território produzem ocidental é a mais típica e apresenta tais características.
uma variada gama de climas regionais, que mais ou Na região mais central (Manaus) e no norte de Mato
menos se adequam às grandes regiões geográficas do Grosso, as chuvas diminuem (cerca de 2.000 mm

Figura 2.9. Pluviosidade estacional (Fonte: INMET, 2002).

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Quaternário do Brasil

Figura 2.10. Temperatura média anual, mínimas e máximas (Fonte: INMET, 2002).

anuais) e há uma pequena estação menos úmida entre ocidental da região Nordeste, no Centro-Oeste e no
julho e setembro. Nesse período, as temperaturas interior da região Sudeste. Esse tipo climático, também
elevam-se e a média anual ultrapassa os 26oC. Na porção conhecido como monçônico, apresenta duas estações
mais oriental, do baixo Amazonas até o litoral atlântico bem definidas, menos pelas temperaturas, mas
no Pará (Belém), as ondulações da ZCIT e as influências principalmente pelo regime das chuvas.
oceânicas, representadas pelas ações da massa O verão quente e chuvoso estende-se de outubro
Equatorial atlântica (Ea), provocam diminuição da ou novembro até março ou abril, conforme a latitude, e
temperatura e ligeiro aumento da pluviosidade. Essas é controlado pelas massas tropicais, bastante instáveis
características podem ser observadas nos gráficos nessa época do ano (primavera/verão). Nas latitudes
ombrotérmicos da Figura 2.12, representando as três mais baixas, como Teresina (PI), a alternância das
feições principais do clima Equatorial: o superúmido, estações seca e chuvosa é bastante evidente, uma vez
na Amazônia ocidental (Iauaretê, AM), o Subequatorial, que cerca de 80% das chuvas caem em apenas quatro
da Amazônia central (Manaus, AM) e o Litorâneo, do meses (janeiro a abril). Após o período úmido, as
golfão paraense (Belém, PA). temperaturas sobem significativamente, tornando o
clima bastante quente (superior a 28oC, em média) e
• Clima Tropical seco. No Brasil central, como em Porto Nacional (TO),
O clima tropical “típico” das baixas latitudes (de 80% das chuvas ocorrem entre outubro e março (seis
o
5 a 20 sul) encontra-se no Brasil central: na porção meses), também demonstrando forte variação sazonal,
típica dos climas continentais tropicais. À medida que
a latitude e a distância do mar aumentam, entretanto, as
precipitações diminuem fortemente, de 1.600 mm em
Porto Nacional (cerca de 10o sul), para 1.000 mm, em
Corumbá, que se localiza a 18o de latitude e a mais de
1.500 km do litoral. No inverno, a massa Tropical
continental (Tc) praticamente desaparece, a Tropical
atlântica (Ta) estabiliza-se e a estiagem prolonga-se até
o final da primavera. O ar seco e quente provoca quedas
abruptas da umidade relativa a valores menores que 10
a 15%. A Figura 2.13 mostra os gráficos ombrotérmicos
dessas três localidades tropicais (Conti & Furlan, 1996).

• Clima Tropical Semi-Árido


Uma derivação do clima tropical ocorre no sertão
nordestino, onde as precipitações anuais mal atingem
600 mm, provocando a existência de uma vasta área
semidesértica de quase 1 milhão de km2. Vários são os
Figura 2.11. Classificação climática para o Brasil (Fonte: processos que explicam essa mancha seca sobre o
PBEC, 1980). nordeste brasileiro. De um lado, as chapadas e planaltos

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Quaternario do Brasil.PMD 42 18/1/2008, 11:00


2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

Figura 2.12. Climogramas das normais climatológicas (1931-1990). Chuvas (colunas); temperatura (linha) (Fonte: INMET,
2002).

do agreste nordestino, dispostos paralelamente ao litoral • Clima Tropical Úmido Litorâneo


oriental, interceptam a umidade e as chuvas que A fachada atlântica, estreita faixa paralela à zona
poderiam chegar através das correntes de leste (Ta e costeira do litoral oriental do Brasil, estende-se desde o
Ea). No litoral setentrional, a temperatura da superfície Rio Grande do Norte até São Paulo. Apresenta largura
do mar é mais fria (ao sul do Equador), diminuindo a variável de 1 a 100 km, onde as massas Tropicais
possibilidade de aumento da umidade do ar. Além disso, marítimas (Ta), potencializadas pelos alísios,
em termos da dinâmica da atmosfera, os deslocamentos instabilizam-se pela presença de elevadas altitudes do
e oscilações da ZCIT provocam a formação de uma Planalto Atlântico, que se encontra paralelo à linha de
grande célula de alta pressão, bastante estável durante costa. A umidade proveniente do oceano é capturada
o inverno e a primavera, período mais seco da região. pelas encostas íngremes das vertentes, produzindo
Essa região, com cerca de 1 milhão de km2, tem chuvas orográficas em abundância (PBEG, 1980).
como característica básica a concentração e escassez Pode-se identificar pelo menos três setores
pluvial, ou seja, quase a totalidade das chuvas ocorre distintos: ao norte, no litoral nordestino, como em
em apenas 3 ou 4 meses, o que, em função das altas Salvador (BA), as chuvas são constantes o ano todo
temperaturas, é insuficiente como recurso hídrico. (quase 2.000 mm), um pouco mais concentradas no
Assim, a estiagem é bastante prolongada (entre 8 e 10 outono e no inverno devido à presença de instabilidades
meses) e agravada pela forte irregularidade tropicais e à ocorrência de frontólise; no litoral
pluviométrica, que em alguns períodos (como aqueles fluminense, as baixas temperaturas da superfície do mar
afetados pelo ENOS —El Niño-Oscilação Sul) pode e a localização da área em relação à direção dos sistemas
durar de 3 a 4 anos. Os gráficos representados na Figura produtores de chuvas, como a FPA (frente Polar
2.14 demonstram o curso anual das condições atlântica), provocam forte diminuição pluvial (em torno
termopluviométricas (normais climatológicas) de duas de 1.000 mm); mais ao sul, na cidade de Santos, no
localidades: Quixeramobim, no sertão cearense, a cerca litoral paulista, a 24 o de latitude sul, as chuvas
de 5o de latitude e a menos de 300 km do mar, com aumentam novamente (2.200 mm anuais), com maior
chuvas de outono e forte aquecimento no período seco concentração no verão e sem período seco. Por
de primavera e verão; e Remanso, cidade baiana localizar-se nas proximidades do trópico de Capricórnio,
localizada no médio vale do São Francisco, a 10o de o efeito da latitude já se faz sentir e as temperaturas
latitude e a quase 1.000 km de distância do mar, com decrescem significativamente (a despeito de sua
chuvas de verão (total anual inferior a 500 mm) e seca localização ao nível do mar), principalmente no inverno,
de inverno, período em que as temperaturas caem quando as médias mensais ficam em torno dos 18oC,
ligeiramente (Nimer, 1989; Conti & Furlan, 1996). como se observa na Figura 2.15 (Nimer, 1989;

Teresina Porto Nacional Corumbá

500 30 500 30 500 30


400 28 400 28 400 28
300 26 300 26 300 26
200 24 200 24 200 24
100 22 100 22 100 22
0 20 0 20 0 20

Figura 2.13. Climogramas das normais climatológicas (1931-1990). Chuvas (colunas); temperatura (linha) (Fonte: INMET,
2002).

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Quaternario do Brasil.PMD 43 18/1/2008, 11:00


Quaternário do Brasil

Figura 2.14. Climogramas das normais climatológicas (1931-1990). Chuvas (colunas); temperatura (linha) (Fonte: INMET,
2002).

Monteiro, 1976). a atingir menos de 10oC, tanto pelo efeito da alta altitude,
quanto pela presença das massas polares (Pa). Dois
• Clima Tropical de Altitude exemplos típicos desse clima podem ser citados:
Outra área marcante inserida no domínio tropical Petrópolis, cidade serrana fluminense, a cerca de 50
é a região serrana do sudeste brasileiro, onde as altitudes, km do litoral e a mais de 900 m de altitude, cujas
em média, ultrapassam os 1.000 m e, não raras vezes, características térmicas se assemelham àquelas dos
atingem mais de 2.000 m. Não fosse a altitude, suas climas subtropicais; e Belo Horizonte, capital mineira,
características seriam semelhantes àquelas áreas sob a localizada a quase 1.000 m e a mais de 400 km do
influência do clima tropical típico. O fato é que as litoral, apresenta temperaturas mais elevadas e chuvas
características do relevo (a disposição das vertentes e menos abundantes pelo efeito da continentalidade.
a altitude) provocam sensível diminuição da temperatura
ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno, • Clima Subtropical
dada a faixa zonal de latitude (Conti & Furlan, 1996). A região Sul do Brasil é caracterizada pela
Quanto mais próxima da zona costeira, maior a existência de três grandes unidades do relevo: as planícies
precipitação, como no caso das áreas localizadas nas costeiras, a leste, o Pampa gaúcho, ao sul e um imenso
vertentes da Serra do Mar. À medida que se interiorizam, planalto, que se estende do nordeste do Rio Grande do
vão gradativamente diminuindo os totais de chuvas pelo Sul ao norte do Paraná, com altitudes que variam entre
efeito da continentalidade. Essa, por sua vez, acentua 500 e 1.000 m. Essa topografia é responsável pela
as diferenças térmicas entre dias e noites e entre verão grande diversidade térmica da região, cujas médias
e inverno, de tal maneira que a mais de 200 ou 300 km mensais podem variar de 20oC em Paranaguá (PR), ao
do litoral encontram-se áreas em que ocorrem estiagens, nível do mar, baixando para cerca de 10 a 12oC no alto
principalmente no inverno, como se pode notar nos das serras catarinenses, como em São Joaquim (Nimer,
gráficos da Figura 2.16. 1989). Apesar dessa enorme variação térmica, muito
O controle climático dessas regiões é o mesmo característica dos climas de médias latitudes, com
que controla os climas tropicais, com verões quentes e sucessão sazonal bem definida, o clima Subtropical da
chuvosos, associados às baixas pressões tropicais (Tc), região Sul do Brasil é extremamente homogêneo no que
às ZCAS (Zonas de Convergência do Atlântico Sul) e se refere ao ritmo estacional da pluviosidade. À exceção
às penetrações frontais da FPA. No inverno, as do norte do Paraná e parte do litoral sudeste gaúcho, a
temperaturas abaixam para menos de 18oC, chegando maior parte da região recebe chuvas anuais superiores

Figura 2.15. Climogramas das normais climatológicas (1931-1990). Chuvas (colunas); temperatura (linha) (Fonte: INMET,
2002).

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Quaternario do Brasil.PMD 44 18/1/2008, 11:00


2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

Figura 2.16. Climogramas das normais climatológicas (1931-1990). Chuvas (colunas); temperatura (linha) (Fonte: INMET,
2002).

a 1.500 mm, bem distribuídas ao longo do ano (Figura (Kousky & Cavalcanti, 1984). El Niño é o aumento
2.17). anômalo da temperatura na superfície do mar (TSM)
Considera-se que essa homogeneidade no Pacífico Equatorial Leste. Na verdade, a
pluviométrica está associada mais a aspectos hídricos denominação correta para este fenômeno é El Niño-
e de umidade elevada na maior parte do ano do que em Oscilação Sul (ENOS), pois se trata de uma teleconexão
relação à época mais chuvosa. Enquanto no Paraná e entre oceano (El Niño) e a atmosfera (Oscilação Sul),
litoral catarinense, o período mais chuvoso ocorre na ou seja, são fenômenos inter-relacionados que ocorrem
primavera e verão (de novembro a março), no interior a intervalos irregulares de 2 a 7 anos, podendo durar de
de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, as chuvas 1 a 2 anos.
distribuem-se mais uniformemente ao longo do ano, Em 1928, Sir Walker sugeriu que a precipitação
mas com ligeiro aumento de precipitação no período de anômala no nordeste do Brasil era relacionada à
outono e inverno (de abril a setembro). O ritmo pluvial Oscilação Sul. Kousky & Cavalcanti (1984)
é explicado pelo controle climático exercido pelos observaram uma forte tendência para o El Niño
sistemas perturbados (frente Polar atlântica) e pela ocorrer simultaneamente com a seca no nordeste do
orientação do relevo, que produz chuvas orográficas Brasil ou com a defasagem de até um ano. Secas
na zona costeira e nas vertentes interiores. Esse mesmo intensas, tais como as de 1983 e 1998, parecem estar
sistema, associado à penetração da massa Polar Atlântica associadas aos eventos El Niño. Essa associação
(mPA), também é responsável pelas baixas temperaturas provavelmente é explicada, ao menos parcialmente,
de inverno (Monteiro, 1976). pela ocorrência de forte convecção sobre o Pacífico
Central Leste na região de águas extraordinariamente
4.2. Aspectos Dinâmicos e Impactos quentes. Essa convecção assegura movimentos
Regionais ascendentes sobre o Pacífico Central Leste e o
O território brasileiro é palco de vários processos movimento subsidente sobre as outras regiões,
dinâmicos que ocasionam anomalias de forte impacto incluindo o nordeste do Brasil. O movimento subsidente
regional. Entre eles, os mais marcantes e renitentes são inibe a convecção e causa seca. Tendo em vista que a
os eventos El Niño e La Niña, fenômenos que ocorrem estação chuvosa da região Nordeste se restringe aos
no Oceano Pacífico Equatorial, ocasionando impactos primeiros 4 ou 5 meses do ano (verão e outono), os
principalmente nas regiões Sul e Nordeste do Brasil efeitos do El Niño são fortemente sentidos nesse

Figura 2.17. Climogramas das normais climatológicas (1931-1990). Chuvas (colunas); temperatura (linha) (Fonte: INMET,
2002).

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Quaternário do Brasil

período. A grande seca de 1983 no Nordeste e na altos níveis troposféricos que penetram no nordeste
Amazônia central e oriental esteve relacionada às brasileiro formam-se no Oceano Atlântico Sul entre os
anomalias da circulação de Walker. meses de setembro e abril, ocorrendo em maior número
Além das secas do sertão nordestino, outra no verão, especialmente em janeiro. Sua vida média varia
anomalia muito recorrente no Brasil é a das precipitações consideravelmente, sendo que alguns duram apenas
na região Sul, que também se relacionam com os eventos algumas horas e outros chegam a ocorrer por mais de
ENOS, particularmente durante a primavera/verão. duas semanas. Sua trajetória é irregular, porém quase
Análises de precipitação para eventos ENOS recentes sempre se deslocam de leste para oeste. Geralmente
mostram que a área sul do país experimentou condições estão confinados na média e alta troposfera. Quando
anormalmente chuvosas. um vórtice penetra no Brasil, na maioria das vezes o
Em períodos de El Niño, o Jato Subtropical faz próximo a Salvador (BA), causando tempo bom na
(ventos em altos níveis troposféricos) é mais intenso região sul e central do Nordeste e provocando chuvas
do que o normal, fazendo com que as frentes frias no setor norte e nordeste dessa região.
fiquem estacionárias no sul do Brasil. Esse fenômeno
ocasiona um inverno menos rigoroso em Santa 5. SIMULAÇÃO MATEMÁTICA DO CLIMA
Catarina e o aumento das chuvas entre o início da
primavera do ano em que se estabelece ao final do 5.1. Princípios Básicos do Modelo do Clima
inverno do ano seguinte. As maiores enchentes de O clima é a síntese sobre um período
Santa Catarina ocorreram em 1911 e 1983, anos de suficientemente longo para estabelecer suas
El Niño de maior intensidade. Os efeitos do El Niño características estatísticas (valores médios, variância,
no Brasil causam prejuízos consideráveis, probabilidade de eventos extremos etc.), visto que a
principalmente na agricultura, afetando mais previsão climática se relaciona com as mudanças que
intensamente a região Sul. as estatísticas poderiam “experimentar” no futuro.
Em cada episódio do El Niño, é observado nessa Ainda que os mecanismos que têm a responsabilidade
região do país um grande aumento de chuvas na de manter o clima presente sejam conhecidos, não é
primavera, fim do outono e começo do inverno, podendo possível afirmar o mesmo em relação aos mecanismos
ocorrer um acréscimo de até 150% da precipitação responsáveis pela flutuação do clima.
normal. Isso faz com que nos meses de safra agrícola Os primeiros modelos numéricos desenvolvidos
a chuva atrapalhe a colheita, causando grandes prejuízos foram destinados ao estudo, compreensão e previsão
aos produtores, principalmente na produção de grãos. do movimento atmosférico. Entretanto, ao estudar o
As temperaturas também se modificam, resultando mais clima, é necessário incluir nos modelos as interações
amenas na região Sul e mais elevadas no Sudeste, da camada limite planetária e, também, uma vasta área
comparadas aos seus valores normais. (não atmosférica) no estudo. Isso tem dado lugar ao
Outro sistema de escala sinótica que atua nas desenvolvimento de uma nova geração de modelos
regiões Sul e Sudeste é o vórtice ciclônico, que atua numéricos (modelos climáticos acoplados) que
nos altos níveis, oriundo do Oceano Pacífico. Quando incorporam processos físicos. Nas escalas temporais
esse sistema penetra no continente normalmente ocorre sazonais, anuais e decenais, os novos modelos levam
instabilidade e precipitação nos setores leste e nordeste em conta as interações da camada superior dos oceanos
do vórtice. Antes de sua penetração no continente, onde e do gelo do mar com a atmosfera, assim como as
costuma apresentar mais nebulosidade, o vórtice é mudanças na composição atmosférica, incluindo a
facilmente detectado em uma imagem de satélite concentração de aerossóis e as mudanças na natureza
geoestacionário GOES, no canal de vapor de água. As da superfície continental terrestre devido a processos
características físicas desse vórtice são semelhantes biológicos. Na escala de tempo mais longa (da ordem
às dos vórtices que penetram no nordeste do Brasil de milhões de anos), os novos modelos deveriam incluir
(Kousky & Gan, 1981; Gan, 1983), porém possuem as mudanças nas profundidades dos oceanos, como
algumas diferenças. Estes se deslocam de oeste para também as variações na extensão dos gelos continentais
leste e formam-se durante todo o ano; muitas vezes, há (Manabe & Hahn, 1981).
ocorrência de ciclogênese associada à passagem dos
vórtices em altos níveis. 5.2. O Problema do Modelo Climático
Outros tipos de vórtices ciclônicos que atuam O processo do Sistema Climático pode ser
no Hemisfério Sul foram estudados por Troup & Streten representado em relação ao conjunto de equações
(1972) e Carleton (1979). Os vórtices ciclônicos dos dinâmicas e termodinâmicas para a atmosfera, os

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

oceanos e o gelo, junto com as equações apropriadas 5%. Como as mudanças na constante solar são menores
de estado e as leis de conservação para constituintes, do que 1%, mesmo durante as erupções solares, não é
tais como a água, o CO2 e o ozônio do ar, além do sal surpresa que as flutuações do tempo ou mesmo
dos oceanos. Essas equações contêm os diferentes flutuações climáticas indiquem correlações pouco
processos que determinam as mudanças na temperatura, significativas com o ciclo das manchas solares. Por
na velocidade, na densidade e na pressão. Outros enquanto, tudo indica que o método mais eficaz para
processos relevantes ao clima são levados em conhecer as bases físicas do clima atual e suas variações
consideração, tais como evaporação, condensação, é construir complexos modelos físicos matemáticos.
precipitação, radiação e transferência de calor, e
quantidade de movimento por advecção, convecção e 5.4. Classificação dos Modelos Climáticos
turbulência. Também são relevantes os processos O modelo climático tem sido um instrumento
químicos e biológicos (Manabe, 1983). extraordinário, desenvolvido nos últimos 20 anos,
O modelo matemático do clima leva em principalmente porque têm aumentado as preocupações
consideração os mesmos princípios físicos discutidos com os impactos socioeconômicos, devido às
no parágrafo anterior, introduzindo um número de perturbações climáticas, sejam essas de origem natural
aproximações físicas e numéricas que são necessárias ou antropogênica. A necessidade e a urgência de
pela capacidade limitada do homem para observar o previsões climáticas, junto à proliferação de modelos,
sistema climático e computar seu comportamento. conduziram a uma bibliografia abundante, que nem
Pode-se, portanto, dizer que os modelos climáticos sempre é coerente. Os modelos climáticos variam em
consideram a atmosfera como um fluido turbulento em resolução e grau de sofisticação. Alguns tipos são
rotação, aquecido pelo Sol e trocando calor, umidade e desenhados para resolver certa classe de experimentos,
impulso com os continentes e oceanos subjacentes. e suas conclusões nem sempre são coincidentes em
Também são simuladas as mudanças na radiação relação a outros modelos. As razões para essas
recebida, as temperaturas da superfície oceânica, do diferenças em relação aos resultados dos diferentes
gelo, das nuvens e da camada da vegetação. modelos não são fáceis de ser encontradas,
principalmente porque as pessoas não estão
5.3. Utilidade dos Modelos Climáticos familiarizadas com os modelos climáticos. É adotada
A comprovação e avaliação desses modelos aqui uma classificação que considera quatro tipos
torna-se difícil, requerendo grandes recursos científicos básicos de modelos (Manabe, 1983), conforme se segue:
e computacionais. Mesmo assim, já tem logrado (1) Modelos de Circulação Geral (MCG): a
importantes progressos na simulação dos campos natureza tridimensional da atmosfera do oceano resolve-
globais observados de pressão, vento, temperatura e se de forma tal que os processos, de escala sinótica,
chuvas, juntamente com mudanças sazonais regionais são modelados explicitamente. Representam-se, além
importantes, tais como as monções. disso, todos os processos físicos considerados
Os modelos também podem ser usados, com importantes para o problema que se deseja estudar.
certa confiança, para pesquisar a reação do clima diante (2) Modelos de Balanço de Energia: esses
das imagináveis perturbações naturais ou provocadas modelos, na sua forma mais elementar, são
pelo homem. Por exemplo, é possível realizar unidimensionais e computam a temperatura da superfície
experimentos para avaliar os prováveis efeitos de do mar como uma função de latitude. Usam relações
mudanças naturais na radiação solar, na umidade do ou expressões simplificadas para o cálculo de cada um
solo e na vegetação, na temperatura da superfície do dos termos que contribuem para o balanço de energia
mar e nas mudanças nos gelos polares. Também é de cada latitude.
possível realizar experimentos para avaliar os prováveis (3) Modelos Radiativos-Convectivos
efeitos das mudanças provocadas pelo homem, como Unidimensionais: esses modelos computam a estrutura
o conteúdo de CO2, ozônio, poeira e calor na atmosfera, vertical da temperatura na atmosfera a partir do balanço
e saber se essas mudanças podem ser diferenciadas entre o aquecimento ou resfriamento radiativo e o fluxo
das flutuações climáticas naturais (Weiner, 1992; vertical de calor. Geralmente, esses tipos de modelos
Manabe, 1983). recorrem a avançados modelos de transferência
Geralmente, cálculos de modelos sugerem que radiativa.
um aumento de 1% na constante solar faria aumentar a (4) Modelos Dinâmicos Bidimensionais Utilizando
temperatura média global da superfície da Terra em 1 a Médias Zonalmente: nesses modelos da atmosfera,
2ºC e a precipitação pluviométrica em aproximadamente representa-se um sistema latitude versus altura. Os

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Quaternário do Brasil

processos físicos e dinâmicos são calculados em função campos que o modelo previu, como umidade e
de variáveis com médias zonais. velocidade vertical. A parametrização da interação entre
Em geral, todos os modelos buscam simular a a superfície e a atmosfera é de importância crucial.
variabilidade e/ou prever assintoticamente um estado Geralmente, os fluxos na superfície de quantidade de
que represente o clima. Lorenz (apud Weiner, 1992) movimento, calor sensível e umidade são
considera dois tipos de previsão climática: a) parametrizados.
previsibilidade de primeira classe, que é uma simulação Os modelos acoplados simulam explicitamente
da realidade a partir de condições iniciais observadas os diferentes processos que ocorrem na atmosfera e
para produzir uma previsão climática; b) previsibilidade nos oceanos. As equações que governam os modelos
de segunda classe, por meio da determinação das MCG formam um sistema matematicamente fechado
respostas dos diferentes modelos ante as perturbações de equações, com condições de contorno ou de fronteira
conhecidas (na realidade é um ensaio de sensibilidade). claramente especificadas.
O ponto crucial é conhecer e entender a Um esquema geral dos componentes principais
sensibilidade de um modelo antes de tentar qualquer na simulação matemática do clima é apresentado na
classe de previsão. É por isso que se dá atenção à Figura 2.18. Para melhor interpretação, deve ser
previsibilidade de segunda classe, particularmente nos complementado com a observação da Figura 2.19. A
modelos mais complexos, como de circulação geral. simulação inicia-se com um conjunto de condições
Os modelos climáticos incluem as interações iniciais que não necessariamente devem ser reais ou
entre algumas ou todas as componentes do Sistema naturais. O modelo é integrado sobre um intervalo de
Climático com um grau de complexidade variável, tempo que é estendido suficientemente para permitir
mesmo que o desenvolvimento de um modelo climático alcançar um estado de equilíbrio que permita obter um
requeira a consideração dos seguintes processos: a) estado médio do ponto de vista estatístico.
radiação; b) dinâmica; c) processos de superfície; d) Alguns outros autores têm trabalhado com
resolução. modelos mais complexos que os unidimensionais,
Em meteorologia, já existe uma infinidade de particularmente com tipos de modelos chamados
modelos de circulação geral. Em oceanografia, o modelo circulação geral da atmosfera, usados para fins
de circulação geral usado é o de Bryan (1969), que climáticos, e com modelos acoplados de atmosfera e
inclui a topografia do fundo dos oceanos e as correntes oceanos. Esses modelos foram usados para calcular as
barotrópicas e baroclínicas. A temperatura e a salinidade mudanças na estrutura tridimensional da atmosfera por
são explicitamente calculadas pelo modelo em cada nível efeito de uma duplicação na concentração de CO2
de coordenada vertical. Particularmente, esse modelo é atmosférico. A Tabela 2.7 apresenta alguns resultados
apto para estudar a física que governa as mudanças obtidos que indicam as magnitudes dos aquecimentos
térmicas nas camadas superiores do oceano. esperados para diferentes modelos.
Muitos modelos de circulação geral da atmosfera É notável a diferença existente entre os resultados
usam os métodos de diferenças finitas para calcular o obtidos dos modelos que consideram uma interação com
estado atmosférico. Todas as variáveis, incluindo os o mar e do modelo utilizado por Gates & Tantraporn
componentes do campo de ventos, a temperatura e o (1981), que supuseram que a temperatura do mar não
conteúdo de vapor de água, são armazenadas em uma se altera quando se produzem mudanças na
matriz de pontos, em um retículo que cobre toda a concentração do CO2 atmosférico, o que, por sua vez,
atmosfera. A distância entre os pontos do retículo é condiciona a variação de temperatura na atmosfera.
tipicamente de 5o de latitude por 5o de longitude, e o Novamente deve-se ressaltar que as mudanças de
número de níveis na vertical varia entre 6 e 10 níveis. temperatura assinaladas na Tabela 2.7 são valores médios
Os novos valores das variáveis armazenadas são obtidos globais, ainda que esses modelos (tridimensionais)
usando-se equações de prognóstico que incluem as calculem valores pontuais com os quais se obtêm os
equações de movimento e energia. Os esquemas valores médios já assinalados. A Figura 2.20 apresenta
numéricos que utilizam esses modelos geralmente as mudanças médias de temperatura em um corte
conservam massa, energia, impulso e água, dentro de longitudinal de pólo a pólo (norte-sul). Como se pode
condições apropriadas. As equações de prognósticos observar nessa figura, uma duplicação de CO 2
incluem termos que descrevem a fricção na superfície, atmosférico provocaria um aquecimento geral da
a radiação, o calor latente e outros processos troposfera que, para o ar próximo à superfície terrestre,
considerados importantes. As nuvens são introduzidas alcançaria um valor médio de 3oC. Através dessa figura,
no modelo como dado ou como função de alguns dos nota-se um resfriamento estratosférico.

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2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

Figura 2.18. Estrutura básica de um Modelo de Circulação Geral da atmosfera, acoplado a um modelo de oceanos. A
figura mostra esquematicamente os componentes principais de um modelo matemático de simulação da circulação geral
da atmosfera, acoplado a um modelo de circulação oceânica. Os círculos representam as equações envolvidas no
modelo, as flechas representam os fatores externos ao Sistema Climático (radiação) e os processos físicos interatuantes
(Fonte: Manabe, 1983).

Informes científicos mais recentes, baseados nos de gelo e neve, particularmente na Antártica. Esse aqueci-
resultados de modelos unidimensionais e tridimensionais mento nas zonas polares aumentaria o nível relativo do
(ou de circulação geral da atmosfera), mostram que o mar (estimado em 5 m), o que causaria inundações signi-
aquecimento do ar na superfície (valores médios globais) ficativas nas regiões costeiras.
por uma duplicação na concentração de CO2 atmosférico Deve-se ressaltar que as mudanças climáticas
resultaria em um aumento de temperatura de 3oC, com causadas principalmente pelo aumento de temperatura
um erro de +1,5oC ou –1,5oC. Essas variações na tempe- ainda não foram detectadas pelas observações. Isso
ratura do ar provocariam uma mudança climática que po- significa que mudanças no clima da Terra estão ainda
deria afetar de forma notável o ciclo hidrológico, ou seja, muito difusas, devido à presença das variações climáticas
os valores médios, tanto na precipitação como na evapo- naturais, que são causadas por outros fatores, como:
ração, aumentariam. Esses aumentos provocariam um interação entre a atmosfera e o mar, variações de
acréscimo nos valores médios da vazão dos rios do nosso luminosidade e mudanças nas concentrações dos
planeta. Também poderia ocorrer aquecimento nas zonas diferentes constituintes atmosféricos. Apesar disso, como
polares, conduzindo a mudanças significativas no volume conclusão, caberia assinalar que, se o CO2 atmosférico

Tabela 2.7. Aumento da temperatura do ar na superfície (DT) quando se duplica a concentração de CO2 atmosférico
(resultados de modelos climáticos de circulação geral) (Fonte: Gates & Tantraporn, 1981).

Autores Tipo de Geografia Oceano Acoplado DT (oC)


Manabe e Welherald (1981) Idealizado Sim 3,0
Manabe e Stoufler (1979/1980) Realístico Sim 2,0
Hansen e co-autores (1979) Realístico Sim 3,5
Gates e co-autores (1981) Realístico Não 0,3

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Quaternário do Brasil

Figura 2.19. Variação temporal da concentração de CO2 (medições realizadas em Mauna Loa, Hawai) Fonte: Keeling,
apud Weiner, 1992).

continuar aumentando, não haverá razão para duvidar Gates, D.M. & Tantraporn, W. 1981. The reflectivity of
da ocorrência de mudanças climáticas globais, e essas deciduous trees and herbaceous plants in the infrared
mudanças não seriam desprezíveis. Não só o CO2 to 25 microns. Science, v.95, p.613-616.
chegaria a ter efeitos sobre o clima, como outros gases Houghton, J.T.; Jenkins, G.J.; Ephraums, J.J. 1990. Climate
presentes na atmosfera também poderiam induzir change: the IPCC scientific assessment. World
Meteorological Organization/United Nations
mudanças climáticas ao terem sua concentração
modificada, por exemplo os clorofluorcarbonetos.

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frias da alta troposfera nas latitudes subtropicais do do de CO2. Os resultados são de uma simulação numérica
Atlântico Sul e Leste do Brasil. São José dos Campos com um modelo tridimensional de circulação geral da at-
: INPE. (TDL/RE, 2685). mosfera (Fonte: Manabe, 1983).

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Quaternario do Brasil.PMD 50 18/1/2008, 11:01


2. Variabilidade e Mudanças Climáticas

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Quaternario do Brasil.PMD 51 18/1/2008, 11:01


Quaternário do Brasil

Capítulo 3

PALEOVEGETAÇÃO E PALEOCLIMAS
DO QUATERNÁRIO DO BRASIL
Paulo E. De Oliveira
Hermann Behling
Marie-Pierre Ledru
Maira Barberi
Mark Bush
Maria Léa Salgado-Labouriau
Maria Judite Garcia
Svetlana Medeanic
Ortrud Monika Barth
Márcia A. de Barros
Rita Scheel-Ybert

RESUMO. O desenvolvimento e a aplicação de técnicas palinológicas em análises de vários registros sedimentares,


especialmente a partir da década de 1970, permitiram uma melhor compreensão do complexo padrão das alterações nas
diferentes formações vegetais brasileiras decorrentes tanto das mudanças climáticas globais quanto daquelas de origem
antrópica durante o Quaternário Tardio. No Brasil, os estudos de paleovegetação e paleoclimas contendo o período entre o
Pleistoceno Tardio e o Presente, apareceram na literatura especialmente a partir dos primeiros anos da década de 1990, com os
primeiros resultados de análises palinológicas de testemunhos lacustres e de turfeiras endorreicas com datação pleistocênica.
As regiões estudadas incluem as áreas de ocorrência moderna de florestas amazônica e atlântica, cerrados,
campos rupestres de altitude, campos e de floresta de araucária do Sul e do Sudeste, vegetação pantaneira e caatinga do
nordeste brasileiro atualmente semi-árido. Esses estudos evidenciam o alto grau de complexidade das variações climáticas,
além de assimetrias climáticas acentuadas entre regiões geográficas distintas, assim como grandes similaridades entre
regiões localizadas na mesma faixa latitudinal. Apesar do grande avanço no número de estudos palinológicos, muitas
controvérsias ainda persistem na literatura palinológica do Quaternário do Brasil, não somente devido às distintas
características geográficas, geológicas e ambientais das regiões estudadas, como também às diferenças na interpretação
dos resultados por diferentes palinólogos. Para alguns especialistas, por exemplo, o sinal palinológico de ervas da
família Poaceae (Gramineae) tem grande poder interpretativo, enquanto que, para outros, sua interpretação paleoambiental
pode levar os palinólogos a erros. Essa argumentação baseia-se no fato de que, durante o último ciclo glacial, a
concentração reduzida de CO2 na atmosfera deveria ter favorecido um aumento na biomassa de plantas C4, especialmente
gramíneas, independentemente dos níveis de precipitação. Também para esse grupo de pesquisadores, as gramíneas,
por serem cosmopolitas em ambientes muito úmidos, como em áreas inundáveis de rios e lagos, não podem ser usadas
como indicadores exclusivos de tipos mais abertos de vegetação. Para facilitar a compreensão das variações vegetacionais
e climáticas do Brasil desde o Pleistoceno Tardio e permitir que cada autor exponha independentemente seu ponto de
vista, a abordagem temática deste capítulo foi realizada separadamente para cada domínio geográfico ou fitogeográfico.
Palavras-chave: Palinologia; Paleovegetação; Pólen; Paleoclimas; Quaternário Tardio.

ABSTRACT. The development and application of palynological techniques after the 1970’s in analyses of various
sedimentary records allowed a better understanding of the complex pattern of vegetational modification due to global
climatic changes, as well as to human influence during the Late Quaternary. In Brazil, paleovegetational and paleoclimatic
studies encompassing the period since the Late Pleistocene appeared in the literature especially after the beginning the
1990´s with the first palynological results from sediments obtained in closed-basin lakes and peatbogs of Late Pleistocene
age. The studied regions include areas of modern rainforest vegetation such as the Amazon and the Atlantic coast,
cerrado woodlands, high altitude campos, campos and Araucaria forests of southern and southeastern Brazil, the
Pantanal wetlands as well as the caatinga of present-day semi-arid Northeastern Brazil. These studies reveal complex
climatic variations, as well as sharp climatic discontinuities between different geographical regions, as well as similarities
within localities in the same latitudinal zones.
Despite the considerable increase in the number of palynological studies, unresolved controversies still persist in the
palynological literature of the Quaternary of Brazil due not only to the different geographical, geological and environmental

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

features of the studied areas, but also to differences in interpretations of the results by different palynologists. For some
specialists, for example, the palynological signal provided by members of Poaceae (Gramineae) is a powerful tool for
environmental interpretation, whereas to other palynologists the interpretation derived from grasses can only lead to errors.
One example of the latter argument rests upon the fact that during the last glacial cycle the reduced CO2 concentration in the
atmosphere must have favored an increase in the biomass of C4 grasses independently of precipitation levels. Another aspect
of their argument relies on the verification that grasses have a cosmopolitan distribution in very humid habitats, such as river
and lake margins, and therefore should not be used as exclusive indicators of open vegetation. In order to facilitate the
understanding of the vegetational and climatic changes in Brazil during the Late Pleistocene and to allow the exposure of
points of view of different authors, the topic is discussed separately for each geographical or phytogeographical domain.
Key-words: Palinology; Paleovegetation; Polen; Paleoclimate; Late Quaternary.

1. INTRODUÇÃO caatinga nordestina.


O estudo das variações vegetacionais e climáticas O cenário paleovegetacional fornecido pela
ocorridas no Quaternário Tardio no Brasil teve grande análise palinológica, apesar da falta de dados
evolução, especialmente nas últimas duas décadas. O paleoecológicos sobre várias formações vegetais do
conhecimento proporcionado por registros palinológicos Brasil, tem proporcionado subsídios à elucidação de
com datação radiocarbônica sobre a rica flora neotropical vários problemas biogeográficos e importantes subsídios
brasileira esteve restrito, até o início dos anos 1980, a para o entendimento das flutuações climáticas que
algumas seções curtas de idade holocênica estudadas por ocorreram no Brasil, especialmente durante o último
Absy (1979) na Amazônia. Esse quadro permaneceu ciclo glacial. Frentes frias mais intensificadas durante
praticamente inalterado até a publicação do primeiro fases glaciais, associadas a mudanças climáticas globais,
registro palinológico da Amazônia Brasileira com datações modelaram a paisagem do atual território brasileiro. A
radiocarbônicas, além da transição Pleistoceno/Holoceno vegetação moderna ainda está se acomodando ante essas
(Absy et al., 1991). Em seguida, vieram trabalhos mudanças, embora o nível de destruição antropogênica
palinológicos realizados em várias formações vegetais esteja alterando os padrões naturais de estabilização da
do país: para o cerrado, Ledru (1992), Ledru et al. (1993), vegetação, proporcionada pelos mecanismos da
De Oliveira (1992), Parizzi (1993), Ferraz-Vicentini sucessão vegetal.
(1993), Barberi-Ribeiro (1994), Salgado-Labouriau & Os novos dados disponíveis na literatura
Ferraz-Vicentini, (1994), Parizzi et al. (1998), Salgado- paleoambiental geraram também muitas controvérsias
Labouriau et al. (1997), Salgado-Labouriau et al. (1998), que ainda persistem na literatura do Quaternário do Brasil
Ferraz-Vicentini (1999); Barberi (2001); Behling (2002a); (Colinvaux & De Oliveira, 2000; Colinvaux et al., 2001;
para a vegetação do sul do Brasil, Behling (1993, 1995a, Van der Hammen, 2001), não somente devido às
1997a, 2002a), Behling & Negrelle (2001); para a distintas características geográficas, geológicas e
Amazônia, De Oliveira (1996), Colinvaux et al. (1996), ambientais das regiões estudadas, como também a
Colinvaux et al. (1999), Colinvaux & De Oliveira (1999), diferenças na interpretação dos resultados por diferentes
Colinvaux et al. (2000), Bush et al. (2000), Colinvaux & palinólogos.
De Oliveira (2001), Bush et al. (2002), Behling (1996, Para facilitar a compreensão das variações
2001); Behling et al. (2000, 2001b,c); para a região de vegetacionais e climáticas do Brasil desde o Pleistoceno
manguezais amazônicos, Behling & Costa (1994, 2001), Tardio e permitir que cada autor exponha
Behling et al. (2001b); para o Pantanal, De Oliveira et al. independentemente seu ponto de vista, a abordagem
(1999b); para a Mata Atlântica, Garcia (1994), Behling temática deste capítulo foi realizada separadamente para
(1993, 1995a), Chaves (1997), Barros et al. (2000), Bissa cada domínio geográfico ou fitogeográfico, assim
et al. (2000), Costa (2000), São-Thiago (2002), Garcia distribuídos: P.E. De Oliveira & M.B. Bush (introdução,
et al. 2003 (no prelo); para a região da Caatinga divergências de opiniões na interpretação do sinal
Nordestina, De Oliveira et al. (1999a). palinológico, mudanças vegetacionais no interior da Bacia
Uma avaliação desses trabalhos mostra que a Amazônica); P.E. De Oliveira (paleovegetação e
região nuclear do cerrado, a região sul e a região paleoclimas do Nordeste, paleovegetação e paleoclimas
Amazônica se destacam em número de trabalhos do Pantanal); M.-P. Ledru (paleoambientes nas áreas de
paleoecológicos realizados. Muitas áreas ainda não cerrados); M. Barberi & M.L. Salgado-Labouriau (registro
tiveram sua história ecológica levantada ou são pouco palinológico da Lagoa Bonita, DF); H. Behling (vegetação
conhecidas, como a região da floresta atlântica e a da e paleoclimas do Sudeste e do Sul do Brasil); M.J. Garcia

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Quaternario do Brasil.PMD 53 18/1/2008, 11:01


Quaternário do Brasil

(florestas da região Sudeste desde a transição Pleistoceno/ sedimentos, não funcione tão bem nas regiões tropicais
Holoceno); M.A. Barros & O.M. Barth (estudos de como nas temperadas, devido à existência de muitos
paleovegetação e paleoclimas no Estado do Rio de Janeiro); tipos de vegetação tropical herbácea localizada em
R. Scheel (paleovegetação da zona costeira do Brasil); e regiões onde não há uma estação seca muito delimitada,
S. Medeanic (estudos paleocológicos na planície costeira como os Campos Gerais do Sul do Brasil, e devido à
do Rio Grande do Sul). presença de muitas gramíneas aquáticas. Esses autores
argumentam que muitas savanas têm sua ocorrência
2. DIVERGÊNCIAS DE OPINIÕES NA limitada por fatores edáficos e não climáticos, como as
INTERPRETAÇÃO DO SINAL PALINOLÓGICO: savanas da região úmida do Alto Rio Negro, na
O PROBLEMA DO SINAL POLÍNICO DE Amazônia, caracterizada por índices pluviométricos
GRAMÍNEAS E DE OUTROS TÁXONS médios anuais superiores a 3.000 mm.
HERBÁCEOS As ervas dos gêneros Borreria e Cuphea,
Concomitantemente com o grande avanço nos tradicionalmente associadas a formações vegetais
estudos palinológicos do Quaternário do Brasil, um certo abertas de savana e caatinga, normalmente são
grau de discordância sobre o significado dos diferentes encontradas em solos muito úmidos e à beira de lagos e
espectros palinológicos tem aparecido na literatura. Essa lagoas, mesmo fora desses domínios fitogeográficos
dissensão fundamenta-se principalmente em duas linhas (Colinvaux et al., 1999, Colinvaux & De Oliveira, 2000;
de evidência. A primeira é derivada de estudos Colinvaux et al., 2000), assim como em extensas áreas
paleoecológicos que comprovam uma alteração na capa inundadas do Pantanal (Pott & Pott, 1994). Esses
vegetal de gramíneas de áreas tropicais durante o último estudos alertam os paleoecólogos que trabalham com
ciclo glacial, controlada especialmente pela variação da turfeiras, mesmo naquelas localizadas em áreas
concentração de CO2 atmosférico, em associação com florestadas, quanto ao perigo da super-representação
esfriamento glacial, independentemente da precipitação de elementos herbáceos. Do mesmo modo, a família
(Jolly & Haxeltine, 1997; Street-Perrot et al., 1997; Compositae, tradicionalmente incluída na categoria das
Marchant et al., 2002; Boom et al., 2002). Assim, ervas, possui um grande número de táxons arbóreos
interpretações paleoclimáticas baseadas principalmente com ampla distribuição nas florestas tropicais úmidas
em curvas de porcentagem e concentração de do Brasil, como Gochnatia polymorpha, Piptocarpha
gramíneas terão que ser reinterpretadas. A segunda rotundifolia, Piptocarpha angustifolia, Stifftia
dissensão baseia-se no peso interpretativo dado por parviflora, Stifftia crysantha, Vernonia discolor
alguns palinólogos às ervas das famílias Poaceae (Lorenzi, 1992, 1998).
(Gramineae), Asteraceae (Compositae) e dos gêneros
Borreria e Cuphea. De acordo com Colinvaux et al. 3. MUDANÇAS VEGETACIONAIS E
(1999) e Bush (2002), o uso da abundância de Poaceae CLIMÁTICAS NO INTERIOR DA BACIA
nos registros palinológicos como um indicador de AMAZÔNICA
paleoprecipitação pode ser potencialmente muito
tendencioso quando esse táxon ocorrer em abundâncias 3.1. A Amazônia durante o Último Ciclo
moderadas. Além disso, muitos estágios de sucessão Glacial
florestal são caracterizados pela presença, em vegetação Os estudos paleovegetacionais da Bacia
florestal, de muitos bambus, prolíficos produtores Amazônica, relativos ao período da última glaciação,
polínicos que produzem um sinal que pode ser estão restritos somente a três perfis palinológicos
erroneamente classificado como de vegetação de clima continentais: o da Lagoa da Pata, no Alto Rio Negro
seco, ou mesmo árido. Colinvaux et al. (1999, 2001) (Figura 3.1.) (Colinvaux et al., 1996; De Oliveira,
observaram em lagos rasos da Amazônia, cercados por 1996), o da Serra de Carajás, no Pará (Absy et al.,
floresta densa e alta, altos índices de Poaceae nos 1991), e o registro do Lago de Maicuru (De Oliveira &
sedimentos superficiais, uma vez que existe uma grande Curtis, 2001), situado na Serra do Maicuru, Pará. Esses
quantidade de gramíneas aquáticas em ambientes registros localizam-se no setor extremo-oeste (Lagoa
florestais e mesmo gramíneas terrestres, prolíficas da Pata), com níveis atuais de precipitação média de
produtoras de pólen encontradas no interior de florestas aproximadamente 4.000 mm, e no setor extremo-leste,
tropicais úmidas (Wanderley et al., 2001). Portanto, é com média de 2.000 mm/anuais e sazonalidade
muito provável que a sugestão de paleoclimas mais secos pronunciada (Carajás, Maicuru). A Serra do Carajás
do passado, derivados inteiramente da contribuição localiza-se no setor sul da floresta, no ecótono floresta/
relativa de pólen arbóreo x pólen herbáceo nos savana, enquanto que o Lago de Maicuru está localizado

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

Figura 3.1. Diagrama polínico de porcentagem da Lagoa da Pata (Fonte: Colinvaux et al., 1996).

na linha equatorial, dentro da formação de floresta Hipótese dos Refúgios Pleistocênicos (Colinvaux et al.,
tropical densa. 1996, 1999, 2000; Colinvaux & De Oliveira, 2000). O
Os registros do Pleistoceno Tardio da Lagoa da esfriamento glacial derivado das análises palinológicas
Pata, do Lago Maicuru e do delta do Rio Amazonas na Amazônia encontra apoio nos estudos paleoclimáticos
mostram um significante esfriamento ambiental na região realizados em paleoaqüíferos brasileiros por Stute et
equatorial durante os estágios 2 e 3 dos isótopos de al. (1995), que estimou um decréscimo de 5 a 6oC na
oxigênio, ao qual é atribuído um rearranjo da temperatura média anual durante o último máximo glacial
composição florística da vegetação de floresta. Nesse em latitudes baixas. Recentemente, Bush et al. (2002)
período mais frio e úmido, que perdurou de >40.000 a mostraram que os ciclos climáticos que afetaram a
≅10.000 anos A.P., alguns táxons arbóreos da floresta vegetação da floresta amazônica durante o glacial tardio
das terras baixas foram substituídos por táxons arbóreos estão em sincronia com os parâmetros e os ciclos de
típicos de locais mais frios, como Podocarpus, Ilex, Milankovitch. O esfriamento glacial durante o Último
Myrsine (Rapanea), Hedyosmum, Weinmannia e Máximo Glacial observado na Amazônia do Brasil,
Humiria, e por alguns táxons arbustivos de Ericaceae. sincrônico com reduções de temperatura observadas
Formaram-se, assim, durante a época do máximo glacial em várias regiões neotropicais, é discutido especialmente
no Hemisfério Norte, florestas amazônicas com uma em Bush et al. (2001).
mistura de táxons, que atualmente possuem distribuições As conclusões vegetacionais e climáticas
disjuntas. Essa tem sido a explicação dada pelos autores derivadas dos estudos da Lagoa da Pata e do Lago de
para as modernas ocorrências raras de indivíduos de Maicuru encontram apoio no registro palinológico, com
Podocarpus e outros elementos montanos nas terras a mesma amplitude de datação radiocarbônica, realizado
baixas da Amazônia. Em outras palavras, esses raros em sedimentos marinhos do delta do Rio Amazonas
indivíduos representariam reminiscência de florestas (Haberle, 1997; Haberle & Maslin, 1999). Por outro
mais úmidas e frias que teriam existido na Bacia lado, o registro de Carajás (Absy et al., 1991), localizado
Amazônica durante o último ciclo glacial, quando a aproximadamente 1.000 km da Lagoa da Pata, mostra
árvores de Podocarpus, Myrsine, Hedyosmum e quatro fases de abertura da floresta no Holoceno médio
Weinmannia eram mais abundantes na paisagem. Os (6.150-7.760 anos A.P.), na transição Holoceno/
autores estimam um esfriamento da ordem de 5 a 6oC Pleistoceno, e no glacial tardio (23.670-28.660 anos
na média anual da Bacia Amazônica durante o estágio 2 A.P. e >50.000 anos A.P.), devido ao aumento de pólen
do isótopo de oxigênio, concomitante com o alto índice de ervas de Poaceae, Compositae, Borreria e Cuphea.
de umidade, que não teria permitido a fragmentação Para os autores, essas épocas seriam caracterizadas
das florestas, contrariando, assim, as previsões da por um paleoclima mais seco que o atual.

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Quaternário do Brasil

Embora o registro de Carajás mostre um grande especialmente no setor central da Bacia Amazônica, ainda
aumento de Ilex, acompanhado de aumento nas são necessárias.
porcentagens de Podocarpus, Ilex e Myrsine, os autores
não discutem o seu significado em termos de 3.2. A Amazônia durante o Holoceno
temperatura. A divergência de opiniões, especialmente O Holoceno da Amazônia é vegetacional e
sobre as condições climáticas que permitiram as fases climaticamente estável na Lagoa da Pata (Colinvaux et
de abertura das florestas de Carajás e a prevalência ou al., 1996) e na Serra do Maicuru (De Oliveira & Curtis,
não de climas mais secos durante o Último Máximo 2001), extremos oeste e leste, respectivamente, do
Glacial, foi eliminada por Bush (1994) e Van der Hammen domínio florestal amazônico do Brasil. O leque aluvial
& Absy (1994), com a construção de novos modelos e do Rio Amazonas, que contém pólen proveniente de
mapas paleoclimáticos para a Bacia Amazônica. Ambos toda a Bacia Amazônica, também mostra clima e
os modelos mostram que, possivelmente, a Bacia vegetação moderna florestal sem mudanças
Amazônica permaneceu úmida no seu setor oeste, significativas durante o Holoceno (Haberle, 1997;
enquanto sua porção leste teve um decréscimo de Haberle & Maslin, 1999). Por outro lado, em Carajás
precipitação, como evidenciado pelos registros de (Absy et al., 1991), uma abertura da floresta no médio
Carajás (Absy et al., 1991) e do Lago Maicuru (De Holoceno é sugerida como conseqüência de um clima
Oliveira & Curtis, 2001). mais seco, que favoreceu uma maior freqüência de
Durante o Último Máximo Glacial (o extremo paleofogos. Essas ocorrências de incêndios em Carajás
climático mais forte dos últimos 20.000 anos), a queda foram estudadas por Sifeddine et al. (1994) e Cordeiro
de 5 oC na temperatura média anual modificou o (1995), que concluem a existência de um clima mais
funcionamento da Zona de Convergência Intertropical seco entre 7.000 e 4.000 anos A.P.
(ZCIT) e diminuiu fortemente a precipitação na região Os dados palinológicos fornecem dois padrões
leste da Bacia (Ledru, comunicação pessoal). Para Ledru distintos de vegetação holocênica na Amazônia. O
et al. (1998), a ausência de sedimentação em alguns primeiro refere-se à existência de florestas tropicais
registros sedimentares durante o Último Máximo Glacial semelhantes às atuais, sem nenhum indício de aberturas
é evidência de um extremo climático mais forte, que do dossel causadas por modificações climáticas ou
modificou o funcionamento da Zona de Convergência antropogênicas. Esse padrão é observado em Pata, no
Intertropical, responsável por uma forte redução na leque aluvial do Rio Amazonas e confirmado pelo
precipitação e na periferia da floresta amazônica no registro obtido por Behling et al. (2002) no Lago Calado,
Brasil (Siffedine et al., 2001) e na Bolívia (Mayle et al., na Amazônia central. O segundo padrão refere-se à
2000). Para Ledru (comunicação pessoal), a explicação vegetação impactada pela ocorrência de paleofogos e a
para a umidade no setor oeste da Bacia Amazônica, conseqüente instalação de processo de sucessão vegetal,
durante o Último Máximo Glacial, é dada por formações com estágios serais dominados por vegetação aberta,
de nuvens que puderam ocorrer no sopé dos Andes, como observado nas regiões limítrofes da floresta
enquanto que registros da vegetação da Amazônia amazônica (Absy et al., 1991; Mayle et al., 2000; Ledru
Oriental mostram uma queda na freqüência de árvores, et al., 2001). Na Lagoa da Pata, por volta de 5.500
em favor de uma vegetação mais aberta (Van der anos A.P., uma grande concentração de partículas
Hammen & Hooghiemstra, 2000; Mourguiart & Ledru, carbonizadas são encontradas nos sedimentos,
2003). Essas modificações do clima favoreceram, no concomitantemente com espectros polínicos de floresta.
Pleistoceno Tardio, reassociações de espécies vegetais A partir dessa data, a palmeira buriti (Mauritia flexuosa)
das florestas andinas, ou plantas C4, como as da Floresta instala-se na paisagem, em solos alagados. É possível
Amazônica. Por outro lado, Colinvaux et al. (1999, que o aumento de pólen de Mauritia, após 5.500 anos
2000, 2001) e Bush (1994) não compartilham essa A.P., represente evidência da atuação dos paleoíndios
interpretação, pois acreditam que a redução de na formação do que Balée (1989) denomina florestas
precipitação durante o Último Máximo Glacial não teria culturais, uma vez que essa espécie é uma excelente
sido suficiente para fragmentar florestas, mesmo no fonte de alimentos e de materiais para a construção de
leste amazônico. habitações (Lorenzi, 1992; Lorenzi et al., 1996).
O completo entendimento das suas flutuações Contudo, a coincidência da datação de 5.500 anos A.P.
vegetacionais, apesar das novas evidências para o significativo aumento de partículas carbonizadas
paleoclimáticas, surgidas nas últimas décadas para a encontradas em Pata, com o período de paleofogos entre
Amazônia durante o período do último ciclo glacial, está 7.000 e 4.000 A.P., descritos para Carajás por Cordeiro
longe de ser resolvido, e novas análises palinológicas, (1995) e Sifeddine et al. (1994) e para a Lagoa do Pires

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

no Sudeste do Brasil (Behling, 1995b), sugere condições mudanças climáticas que afetaram o meio ambiente. Em
mais secas que as atuais em grande parte do atual 12.000 anos A.P., quatro fases de ocupação foram
território brasileiro durante o Holoceno médio. reconhecidas no conjunto de abrigos rochosos de
O Holoceno na Amazônia também é marcado Serranópolis, Goiás (Schmitz et al., 1989). A primeira
por mudanças na temperatura média anual. O fase, ou fase Paranaíba, é atribuída à tradição Itaparica,
aquecimento ambiental gradual, a partir de 10.000 anos com datas entre 11.000 anos A.P. e 8.000 anos A.P. Os
A.P., é ilustrado pela redução de árvores de Podocarpus restos alimentícios indicam a caça de animais variados,
e de outros táxons subtropicais observada nos registros tais como capivaras, tartarugas e pequenos peixes de
da Lagoa da Pata, Maicuru e no leque aluvial do água doce. Os artefatos produzidos em ossos são
Amazonas. O declínio de Podocarpus no Holoceno da predominantemente espátulas feitas a partir de restos de
Amazônia também foi observado por Behling (2001) cervídeos e outros mamíferos. O ambiente foi definido
na foz do Rio Amazonas. Os dados polínicos sugerem como mais seco que hoje. Durante a segunda fase, ou
que vários táxons não-tolerantes a temperaturas fase Serranópolis, os alimentos provêm da caça
elevadas desapareceram gradualmente das comunidades generalizada e da coleta de moluscos terrestres. Essa
florestais das terras baixas e se restringiram em locais fase situa-se entre cerca de 8.000 e 5.500 anos A.P. e
mais frios, conseqüentemente, em maiores elevações. mostra um aumento da umidade. No fim da fase
É no Holoceno que as comunidades florestais começam Serranópolis, foi registrada uma fase erosiva, sem material
a ter a sua atual composição florística e os elementos arqueológico. A terceira fase, ou fase Jataí da tradição
montanos tornam-se alopátricos, persistindo nas regiões Una, evidencia camadas sobrepostas às superfícies
elevadas até os dias atuais (De Oliveira, 1996). erodidas. Essas camadas apresentam vestígios de plantas
cultivadas, como o milho, o amendoim e várias
4. PALEOAMBIENTES NAS ÁREAS DE leguminosas, além de frutos variados de floresta e de
CERRADOS cerrado, animais de caça e moluscos. A tradição Una
Após a Amazônia, o cerrado destaca-se como o estendia-se do Planalto Central ao litoral do Rio de Janeiro
segundo bioma em extensão territorial. É constituído por e apresenta idade de 2.000 anos A.P., enquanto a tradição
uma série de formações vegetais ricas em espécies Tupi-guarani foi encontrada nas camadas mais
endêmicas. As áreas originalmente cobertas por cerrado superficiais do abrigo e desapareceu recentemente, com
correspondem a aproximadamente 2 milhões de a colonização européia.
quilômetros quadrados, ou seja, 22% de território Análises de chuva polínica atual definem o cerrado
brasileiro, e abrangem os estados da Bahia, Ceará, Goiás, como uma associação de 50% de pólen de plantas
Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas herbáceas e 50% de pólen de árvores. Os táxons índices
Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Tocantins e o Distrito são Byrsonima, Ilex, Curatella, Qualea, Caryocar e
Federal (Oliveira Filho & Ratter, 2002). Ratter et al. Mauritia, determinados em sedimentos de lagoas ou
(1996) e Oliveira Filho & Ratter (2002) mostram uma veredas (Ledru, 2002). Foram analisados registros
forte influência biogeográfica na composição florística palinológicos nas áreas de cerrado das regiões central
desse tipo de vegetação e reconhecem seis áreas (Goiás e Distrito Federal), Norte (Maranhão) e Sudeste
fitogeográficas: Sul, Sudeste, Centro, Centro-Oeste, norte (Minas Gerais). A evolução dos cerrados das regiões
e enclaves de cerrado na Amazônia. A precipitação anual, Central e Sudeste é diferente da região Norte. Na região
a duração da estação seca e a temperatura média do Central, há cerca de 32.000 anos, a alta freqüência de
inverno parecem ser os fatores mais importantes na pólen de árvores, associada à presença de táxons
delimitação dessa formação vegetal. A vegetação do característicos do cerrado (Byrsonima e Mauritia), e de
cerrado é muito heterogênea, com nenhuma das 534 micropartículas de carvão atestam a ocorrência de
espécies reconhecidas encontradas em todas as áreas, e incêndios nessa área, atribuídos a uma fase climática
apenas 28 espécies estão representadas em 50% ou mais úmida (Salgado-Labouriau & Ferraz-Vicentini, 1994;
das áreas de ocorrência dessa vegetação. O cerrado Barberi et al., 2000; Ferraz-Vicentini & Salgado-
apresenta a maior variedade de frutos comestíveis de Labouriau, 1996; Salgado-Labouriau et al., 1997).
todos os sistemas biogeográficos da América do Sul, Durante o Último Máximo Glacial, entre 25.000 e 18.000
possibilitando a distribuição regular de suas espécies anos A.P., os registros sedimentares mostram um hiato
durante o ano todo. Estudos arqueológicos mostram que, de sedimentação, indicando condições erosivas de
durante os últimos 12.000 anos, as populações humanas depósito sem preservação de material orgânico (Ledru
dos cerrados da região central foram obrigadas a buscar et al., 1998). Durante o Glacial Tardio, de 17.000 a 11.000
novas alternativas de sobrevivência, em função das anos A.P., o registro de Lagoa dos Olhos d’Água (MG)

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Quaternário do Brasil

mostra a presença de uma associação de Podocarpus entre 11.000 e 7.000 anos A.P. e atestam a ocorrência
com Caryocar que não tem análogo atual (De Oliveira, de um ecossistema de tipo cerrado nessa região no início
1992). Podocarpus indica condições climáticas, durante do Holoceno. Após 7.000 anos A.P., com o fim da
o Último Máximo Glacial, mais úmidas e mais frias que precessão dos equinócios, expandiu-se a mata
hoje. O início do Holoceno, entre 10.000 e 7.000 anos amazônica (Mayle et al., 2000). Na região Sudeste, perto
A.P., está caracterizado por um hiato de sedimentação. do domínio da floresta atlântica, um aumento de
Esse hiato corresponde ao sinal de precessão, com espécies associadas ao cerrado, como Curatella, foi
invernos mais quentes e verões mais frios, além de menor registrado no início do Holoceno e estaria ligado ao sinal
precipitação nas latitudes tropicais. Após 7.000 anos A.P., da precessão, o que permitiu a expansão desses táxons
aumentam as freqüências dos indicadores do cerrado, durante uma fase climática mais seca (Behling, 1995b).
acompanhados pela expansão de matas ciliares e veredas. No vale do Rio Icatu, perto do Rio São Francisco, o
A concentração de partículas de carvão aumenta com a início do Holoceno caracteriza-se pela expansão de
expansão da vegetação de cerrado, confirmando a indicadores de mata de altitude, indicando um clima
instalação de um clima estacional no planalto central úmido e mais frio que o atual. Os indicadores de cerrado
(Salgado-Labouriau et al., 1997). expandiram-se após 9.000 anos A.P. com uma seca
O cerrado do Maranhão mostra uma evolução progressiva, transformando a vegetação atual em
diferente. O fim da última glaciação registra elementos de caatinga, com pequenas ilhas de cerrado (De Oliveira
vegetação estépica e subarbustiva e a dominância de et al., 1999a).
herbáceas características de regiões áridas. A expansão Os cerrados são sensíveis às mudanças de
da vegetação mais úmida começou há 15.000 anos A.P. e umidade e registraram as variações climáticas globais,
manteve-se até o fim do Pleistoceno, cerca de 11.000 anos e.g., o Último Máximo Glacial, assim como os ciclos
A.P. A expansão de Podocarpus entre 13.000 e 12.500 de Milankovitch, e.g., o sinal de precessão entre 10.000
anos A.P. mostra a presença da fase fria e úmida, também e 7.000 anos A.P. Eles mostram também uma evolução
identificada no sul de Minas Gerais. A mata úmida regional diferente em função do domínio vegetal
desapareceu no início do Holoceno, sendo substituída por adjacente, ou seja, a floresta atlântica ou amazônica.
vegetação aberta, com dominância de gramíneas e
Cecropia (embaúba), uma árvore pioneira indicadora de 5. PALEOVEGETAÇÃO E PALEOCLIMAS DO
matas degradadas. Nessa época, foi registrado também o BRASIL CENTRAL: O REGISTRO DE LAGOA
início das queimadas nessa região. Entre 10.000 e 7.000 BONITA
anos A.P., baixas freqüências de táxons indicadores de O estudo palinológico da Lagoa Bonita (DF)
cerrado caracterizam a primeira observação da expansão permitiu reconstituir a evolução paleoambiental da área,
de espécies de cerrado nessa região. A vegetação de cerrado o que mostra importantes alterações qualitativas e
expandiu-se após 7.000 anos A.P., com o aumento das quantitativas na vegetação, em conseqüência de
freqüências de Mimosaceae, Byrsonima, entre outros mudanças climáticas a partir do Quaternário Tardio
(Ledru et al., 2001, Ledru et al., 2002). (Figura 3.2). A fase anterior à instalação da lagoa foi
Vários registros palinológicos obtidos nas dominada por processos de intemperismo por laterização
margens dos cerrados mostram a influência florística que atuaram sobre superfícies pediplanadas de
dessa vegetação dentro das florestas adjacentes durante metassedimentos do Grupo Paranoá, originando um solo
diferentes épocas do Quaternário recente. Em Carajás espesso constituído predominantemente por caolinita e
(PA), três fases secas são caracterizadas pela queda da óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio. A formação da
freqüência de pólen de árvores. A freqüência dos Lagoa Bonita no Pleistoceno Tardio ocorreu por volta
indicadores do cerrado, Byrsonima e Ilex, cresce de 26.000 anos A.P. (idade extrapolada), iniciando-se o
durante a fase de aumento de freqüência de pólen processo de assoreamento por material detrítico
arbóreo. Isso mostra fases de expansão da vegetação proveniente do manto de intemperismo. A seqüência
de cerrado dentro da região amazônica durante períodos inferior, posicionada no Pleniglacial superior, que
relativamente úmidos, e não durante as secas. Uma compreende as ecozonas LB 1, LB 2 e LB 3, evidencia
primeira fase ocorreu há cerca de 28.000 anos A.P. e uma vegetação com predomínio de elementos arbóreos
uma outra, mais antiga que 50.000 anos A.P. (Absy et na região, característicos de clima úmido e frio no
al., 1991). entorno da lagoa, onde é também marcante a presença
Sedimentos localizados na fronteira da Bolívia de vegetação aquática. Mesmo com pequenas
com o Brasil, numa região coberta hoje pela mata oscilações nas proporções de ocorrência dos elementos
amazônica, registram a presença de Curatella e Mauritia florísticos, verifica-se uma tendência ao aumento da

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

umidade e queda na temperatura, cuja culminação ocorre ≅13.000 anos A.P. (idade extrapolada), sob condições
em torno de 22.900 anos A.P., com a expansão de todos de clima ainda frio, porém mais ameno que o da fase
os táxons presentes, resultando em uma fitofisionomia anterior, com o desenvolvimento de uma vegetação
bastante característica. Nessa época, uma formação diferente da existente durante o Pleniglacial superior.
florestal com composição diferente das matas atuais Os elementos botânicos pioneiros e
ocupava o entorno da lagoa. Essa fase é seguida por característicos do bioma de cerrado surgiram
quedas acentuadas na umidade e na temperatura, inicialmente de forma incipiente, mas com tendência
características do clima provavelmente semi-árido, contínua de expansão durante o Holoceno. Embora
responsável pela retração da vegetação, pela exposição tenham ocorrido oscilações na umidade, as temperaturas
parcial do solo e pela instalação de intenso processo foram sempre crescentes. Há cerca de 7.900 anos A.P.
erosivo em torno de 19.000 anos A.P. (idade (idade extrapolada), a lagoa adquiriu condições
extrapolada). Atuando durante o Último Máximo Glacial, pantanosas, pela instalação de estações secas mais
chegou a expor sobriamente metassedimentos menos prolongadas que causaram a exposição subaérea e a
intemperizados do Grupo Paranoá. oxidação dos sedimentos de fundo. O retorno às
A seqüência superior, que compreende as condições úmidas a semi-úmidas, acompanhado pela
ecozonas LB 4, LB 5, LB 6 e LB 7, posicionada no tendência de aumento de temperatura durante o
Glacial Tardio e Holoceno, evidencia na região o retorno Holoceno, levou à formação da vereda há cerca de 6.300
da umidade e, conseqüentemente, o da vegetação em anos A.P., com a instalação de condições paleoclimáticas

Figura 3.2. Evolução dos cerrados do Brasil Central (Cromínia e Águas Emendadas) (Fontes: Salgado-Labouriau et al.,
1997; Barberi et al., 2000; Ledru et al., 2001, 2002; Ratter et al., 1996).

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Quaternário do Brasil

semelhantes às atuais em ≅3.260 anos A.P. Nessa fase, norte dos Andes e dos Andes tropicais, com registros de
há registros de oscilações na umidade, com queda em extensos depósitos flúvio-glaciais e com a expansão da
≅5.300 anos A.P. e aumento em ≅2.100 anos A.P., as floresta andina sob condições de baixa temperatura e alta
quais promoveram, respectivamente, a retração e a umidade, que se estendem localmente até ≅23.000 anos
expansão da vereda. A.P. (Van der Hammen, 1974; 1991; Hooghiemstra &
Os dados palinológicos da Lagoa Bonita (Figura Van der Hammen, 1993).
3.3) permitem estabelecer correlações com dados Na área de estudo que marca a ecozona LB 3,
paleológicos provenientes de áreas localizadas nas terras observa-se, após o máximo de diversidade e concentração
baixas tropicais. Ao final do Pleniglacial médio e início dos tipos polínicos, uma tendência ao declínio de todos
do Pleniglacial superior, por volta de 28.000 anos A.P., os tipos, atingindo concentrações muito baixas de todos
quando do início da formação da Lagoa Bonita, os dados os palinomorfos no topo dessa ecozona, por volta de
provenientes da Serra dos Carajás (Absy, 1996; Absy et 19.700 anos AP. Essa situação indica uma queda
al., 1991), da Serra do Salitre (Ledru et al., 1996), da acentuada na umidade que resultou na retração da
Lagoa de Serra Negra (De Oliveira, 1992) e de Cromínia vegetação e a conseqüente exposição do solo, fato
(Ferraz-Vicentini, 1993) indicam condições gerais mais registrado também na Vereda de Águas Emendadas em
frias e úmidas que as atuais, porém com oscilações na ≅21.000 anos A.P. (Barberi-Ribeiro, 1994). A área de
umidade. Durante o Pleniglacial superior, os registros Cromínia (GO), também situada na área nuclear dos
indicam condições gradativamente mais úmidas e frias, cerrados, apresenta um registro com indicação de queda
atingindo o máximo em ≅22.900 anos A.P. na Lagoa na umidade por volta de 18.500 anos A.P., marcada pelo
Bonita e em ≅22.300 anos A.P. na área próxima de Águas decréscimo acentuado na concentração dos táxons
Emendadas (Barberi-Ribeiro, 1994; Barberi et al., 2000). presentes, pelo desaparecimento total de Mauritia e pela
A dimensão continental dessa fase, que se estende ao substituição do lago por um pântano.
Pleniglacial superior entre ≅27.000 e 23.000 anos A.P., é Nas demais áreas, também há registros de
evidenciada também por dados provenientes da região alterações durante o Último Máximo Glacial. Na Serra

Figura 3.3. Diagrama polínico da Lagoa Bonita, DF (Fonte: Barberi, 2001).

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

dos Carajás, o predomínio de táxons do cerrado em climáticas semelhantes às atuais (Ferraz-Vicentini, 1993;
áreas atualmente recobertas pela floresta amazônica, Ferraz-Vicentini & Salgado-Labouriau, 1996; Salgado-
as evidências de sedimentação mais arenosa e a Labouriau, 1997).
deposição de siderita sugerem um hiato na sedimentação, Nas áreas posicionadas nas maiores latitudes,
provavelmente devido à secagem do lago (Soubiès et próximas ao limite sul dos cerrados, como na Lagoa de
al., 1991). Na Lagoa de Serra Negra (De Oliveira, Serra Negra, a partir de 14.340 anos A.P. há indicações
1992), condições mais sazonais, com duas estações, de condições cada vez mais úmidas, inicialmente frias
estavam presentes em ≅20.000 anos A.P. Na Serra do e posteriormente quentes (De Oliveira, 1992). Na Serra
Salitre, há registro de um hiato na sedimentação entre do Salitre, após o hiato na sedimentação, a umidade
28.740 e 17.000 anos A.P., a partir de quando ocorre aumenta gradativamente entre 16.000 e 11.000 anos
uma mudança na associação dos elementos. A.P. e o início do Holoceno é marcado por um padrão
De modo geral, entre 22.000 e 18.000 anos A.P., sazonal mais acentuado, porém com temperaturas mais
a umidade e a temperatura começam a decrescer nos altas (Ledru et al., 1996). Nas menores latitudes, como
cerrados e o máximo do dessecamento ocorre entre na Serra dos Carajás, há registros de que entre 12.520
14.000 e 10.500 anos A.P. No entanto, o início da fase e 10.500 anos A.P., a floresta amazônica estava afastada
seca do Último Máximo Glacial não é sincrônico nas do platô e possivelmente da área ao redor. O aumento
diferentes áreas. Os registros indicam que há uma da umidade pode ser inferido com o desenvolvimento
tendência ao retardamento do início dessa fase nas da floresta a partir de ≅10.500 até 7.760 anos A.P.,
maiores latitudes, fato apontado por Salgado-Labouriau seguido de uma nova expansão de Poaceae e grande
(1997), que atribui esse diacronismo à forma do concentração de partículas de carvão, indicando
continente, ao posicionamento das cadeias de montanhas condições de clima mais seco, provavelmente com
e às diferenças de latitude dos sítios. Do mesmo modo, estação seca mais prolongada, por volta de 6.150 anos
o retorno das condições úmidas não ocorre A.P. (Absy, 1996; Turcq et al., 1998).
concomitantemente ao aumento de temperatura, nem De modo geral, os dados das terras baixas
sincronicamente nas diferentes áreas. O retorno da tropicais mostram variações nas condições vigentes
umidade em Lagoa Bonita dá-se durante o Glacial durante o Último Máximo Glacial, o Glacial Tardio e o
Tardio, por volta de 13.000 anos A.P., em condições início do Holoceno. Na área nuclear dos cerrados e em
diferentes das vigentes no Pleniglacial superior, direção às latitudes menores, na Serra dos Carajás, após
evidenciadas por uma modificação acentuada no a fase de condições frias e secas do Último Máximo
conjunto polínico. A partir dessa época, passam a Glacial, há uma tendência de aumento da umidade de
ocorrer, entre os palinomorfos, elementos típicos dos forma oscilatória a partir do Glacial Tardio e início do
cerrados, inicialmente com predomínio de herbáceos Holoceno, provavelmente com a presença de estações
e, posteriormente, com aumento progressivo de secas mais prolongadas durante as fases de menor
elementos arbóreos, como Byrsonima e umidade. Condições úmidas mais constantes e
Stryphnodendron. Aparentemente, o retorno das temperaturas mais elevadas são evidenciadas, na área
condições úmidas ocorre também de forma oscilatória, nuclear dos cerrados, pela implantação ou retorno das
fato evidenciado em ≅7.900 anos A.P. pela presença de veredas entre ≅7.200 e 6.300 anos A.P.
uma fase com estação seca mais prolongada, Nas áreas posicionadas latitudes nas mais altas,
responsável pelo rebaixamento do nível do lago. próximas ao limite sul dos cerrados, na Lagoa de Serra
Condições efetivamente mais úmidas, com aumento de Negra e na Serra do Salitre, os registros mostram-se
temperatura, são registradas a partir de 6.300 anos A.P., divergentes da área nuclear dos cerrados. Nessas áreas,
a partir do registro de pólen de Mauritia que caracteriza para esse período, há indicações, embora não
a instalação da vereda. sincrônicas, de condições úmidas e frias, com
Ainda na área nuclear dos cerrados, os dados de oscilações para fases mais secas ou clima mais sazonal.
Águas Emendadas mostram o retorno da vegetação, já Essas variações paleoclimáticas do Glacial Tardio e início
com registro de Mauritia, em torno de 7.200 anos A.P. do Holoceno foram associadas, por Martin et al. (1997),
(Barberi-Ribeiro, 1994; Barberi et al., 2000). Em às mudanças na localização da Zona de Convergência
Cromínia (GO), os dados apontam para condições ainda Intertropical para latitudes mais baixas, provocando
secas, porém não tão acentuadas, e aumento de aumento de precipitação nas maiores latitudes.
temperatura no intervalo entre 10.500 e 7.700 anos A.P., Os registros do Holoceno são marcados
com retorno da vereda em ≅6.680 anos A.P., a partir principalmente por oscilações na umidade.
de quando o registro palinológico reflete condições Aparentemente, o aumento gradativo da umidade nas

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Quaternário do Brasil

diversas áreas, mesmo não ocorrendo de forma estar relacionadas ao comportamento individual de cada
sincrônica, culminou com uma fase em que as condições táxon e à configuração da rede de drenagem das terras
de umidade eram maiores que as atuais, evidenciada baixas tropicais. Quedas na temperatura devem ter
pela expansão das veredas, das matas de galeria e dos facilitado a entrada de táxons característicos de clima
cerrados arbóreos, o que ocorre em Lagoa Bonita em frio, enquanto o aumento da precipitação favorecia a
≅2.100 anos A.P. e em Águas Emendadas em ≅2.500 expansão das florestas de galerias, criando uma rede
anos A.P. Oscilações na precipitação, marcando através da qual os elementos poderiam migrar de um
episódios de curta duração de clima seco, também são bioma para outro, resultando em uma diversidade e em
registradas no decorrer do Holoceno. Na Lagoa Bonita, um conjunto de vegetação sem similar atual (Oliveira
os valores máximos de partículas de carvão e de queda Filho & Ratter, 1995). Essa situação é evidenciada no
no registro de pólen de Mauritia ocorrem em ≅5.300 conjunto polínico da Lagoa Bonita em ≅22.300 anos
anos A.P. Na Serra do Salitre, uma fase seca está A.P., durante o máximo da fase fria e úmida do
presente entre 5.500 e 4.500 anos A.P., evidenciada Pleniglacial superior.
pelo registro de sedimentação detrítica e retração da Nesse sentido, o aumento da temperatura durante
vegetação arbórea (Bertaux et al., 1996). Na Serra dos o Holoceno resultou na expulsão dos elementos de clima
Carajás, no período entre 7.000 e 4.600 anos A.P., há frio para maiores latitudes ou, quando possível, para
identificação de eventos de incêndios concomitantes áreas de maiores altitudes, o que é observado na área
com episódios curtos de clima seco de freqüência variada de estudo pela presença de Podocarpus nas localidades
(Turcq et al., 1998). As oscilações climáticas dos mais elevadas das chapadas do Distrito Federal. O
últimos 7.000 anos A.P. registradas nas áreas da Serra aumento da temperatura parece estar relacionado
dos Carajás e na Serra do Salitre têm sido associadas também à expansão dos táxons característicos do
por diversos autores à existência de condições tipo El Cerrado durante o Holoceno e, principalmente, à
Niño, com duração de dezenas e centenas de anos presença de Mauritia, que caracteriza as veredas,
(Martin et al., 1993); 1995; Suguio et al., 1993; De atualmente restritas às áreas com invernos amenos,
Oliveira et al., 1999a). livres de geadas. A evolução dos cerrados do Brasil
Considerando os últimos 7.000 anos A.P., a partir Central (Cromínia e Águas Emendadas; Salgado-
da instalação efetiva de condições gerais de aumento na Labouriau et al., 1997; Barberi et al., 2000) e do
precipitação e na temperatura, principalmente após o Maranhão (Lago do Caçó; Ledru et al., 2001, 2002),
Último Máximo Glacial e o Glacial Tardio, o fato segundo a classificação de Ratter et al. (1996), está
marcante para as terras baixas tropicais é a presença de representada na Figura 3.3.
episódios não sincrônicos, freqüentemente de curta
duração, de oscilações na umidade, tanto com queda 6. VEGETAÇÃO E PALEOCLIMAS DO SUDESTE
quanto com aumento da precipitação. A pequena E DO SUL DO BRASIL
amplitude e o diacronismo dessas oscilações dificulta o
estabelecimento de uma causa única para essas variações 6.1. Os Campos do Sul e do Sudeste no
climáticas, principalmente se considerada a dimensão Último Ciclo Glacial
continental da área. Nesse aspecto, é preciso ressaltar, Uma síntese de 14 registros palinológicos,
também, que o final do último glacial provocou um contendo a história da vegetação de campos nas regiões
aumento acentuado do nível do mar, o que pode ter Sul e Sudeste do Brasil, foi realizada por Behling (2002b).
contribuído para diminuir o caráter de continentalidade No contexto geral do termo “campos”, aqui empregado,
das áreas interiores nas terras baixas tropicais e, estão incluídos os tipos de vegetação herbácea
conseqüentemente, as condições climáticas extremadas. conhecidos popularmente como campos (sensu strictu),
Esse fato pode ter favorecido a instalação de condições campos de altitude, e algumas variações fisionômicas
climáticas oscilatórias de caráter mais localizado, onde do cerrado, como campo limpo e campo sujo, onde há
a ação dos parâmetros físicos e biológicos de cada área a prevalência de elementos herbáceos sobre os arbóreos.
teria um peso mais pronunciado. O condicionamento Os registros palinológicos do período glacial tardio no
local poderia então explicar as variações nas amplitudes Sul do Brasil estendem-se até ≅14.000 anos A.P. e
dos fenômenos e nas idades, registradas principalmente indicam a predominância da vegetação de campos em
no Holoceno a partir de ≅8.000 anos A.P. locais onde hoje ocorrem florestas de Araucaria
Quanto à composição da vegetação, a diversidade (Behling, 1995a). Alguns registros discutidos por
e as modificações no conjunto, observadas Behling (2002b) em sua revisão indicam que, durante o
principalmente durante o Pleniglacial superior, parecem último período glacial, existiram extensas áreas de

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

vegetação de campos, com árvores esparsas de regiões mais baixas.


Araucaria nessa paisagem. Essa vegetação teria
suportado temperaturas mínimas de até -10 oC. O 6.2. Os Campos do Sul e do Sudeste no
registro de 26.000 anos A.P. de Volta Velha (Behling & Holoceno
Negrelle, 2001) indica a existência de uma vegetação A vegetação e o clima do Holoceno do Sul do
de campos e florestas frias durante o último período Brasil podem ser exemplificados pelos resultados
glacial na costa atlântica do Paraná. Além disso, os palinológicos na Fazenda do Pinto (RS), Morro da Igreja,
autores concluíram que houve uma diminuição de Serra da Boa Vista (SC) e Serra dos Campos Gerais
temperatura na ordem de 5o a 7oC para o Último Máximo (PR), discutidos em Behling (2002b) e Behling et al.
Glacial. Somente depois de 12.300 anos A.P., as florestas (2001a). Esses registros mostram que extensas áreas
tipicamente tropicais substituíram as comunidades de de vegetação de campos continuaram a dominar a
campos glaciais (Figura 3.4). paisagem das regiões elevadas do Sul do Brasil durante
Condições climáticas similares foram o início e o meso-Holoceno. Essa vegetação reflete
encontradas por Behling & Lichte (1997) e Behling et climas quentes e secos, com estação seca de três meses
al. (2002), na região Sudeste. Registros palinológicos (Behling, 1997a). A expansão inicial de florestas de
de Botucatu e Catas Altas (SP) indicam que, entre 48.000 Araucaria a partir de florestas de galeria, ao longo dos
e 18.000 anos A.P., a paisagem era desprovida de cursos de rios, ocorreu por volta de 3.000 anos A.P.
árvores, mas dominada por vegetação de campos, Os registros palinológicos sugerem um clima mais
enquanto que atualmente essa região é coberta por úmido que durante o início e o meso-Holoceno. Uma
floresta semidecídua. De acordo com os autores, o clima expansão significativa de florestas montanas de
era frio e mais seco, e a paleotemperatura era de 5 a Araucaria nas regiões elevadas do Sul do Brasil é
7oC mais baixa que a atual. Para a região alto-montana encontrada principalmente em registros do Rio Grande
de Campos do Jordão (SP), Behling (1997b) mostrou do Sul e em Santa Catarina, depois de 1.000 anos A.P.,
que, entre 35.000 e 17.000 anos A.P., a paisagem era e no Paraná (Serra dos Campos Gerais), depois de 1.500
igualmente desprovida de árvores e coberta por anos A.P.
vegetação herbácea, refletindo condições climáticas mais Poucos estudos descrevem a história da
frias e secas que atualmente. Entre 17.000 e 10.000 vegetação e do clima do Sudeste do Brasil (De Oliveira,
anos A.P., espécies da floresta de Araucaria e da floresta 1992; Behling, 1995b; Parizzi et al., 1998). O registro
atlântica expandiram em direção às áreas montanas, mas do Lago do Pires (Behling, 1995b), com elevação de
mesmo assim essas eram mais raras na paisagem e 390 m, localizado em uma região de floresta semidecídua
cresciam provavelmente em maior abundância nas das terras baixas da costa atlântica do Sudeste brasileiro,

Figura 3.4. Diagrama polínico de Volta Velha, Santa Catarina (Fonte: Behling & Negrelle, 2001).

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Quaternário do Brasil

indica a presença de cerrado (campo cerrado com uma na composição de florestas do Sudeste brasileiro. Uma
densa camada herbácea) desde o início do Holoceno associação florestal, datada de 19.950 anos A.P., sem
até ≅5.500 anos A.P. Nessa época, os paleofogos eram análogos modernos e composta principalmente de
abundantes, como evidenciado pelo aumento das Podocarpus e Caryocar existiu nessa região de Lagoa
partículas carbonizadas. Subseqüentemente, a floresta Santa, MG, sugere clima frio e úmido (Figura 3.5). A
semidecídua expandiu-se significativamente e substituiu partir de 9.330 anos A.P., com o início do aquecimento
o cerrado remanescente. Tal mudança vegetacional ambiental, árvores de Podocarpus desaparecem das
também foi registrada na Lagoa Silvana (Rodrigues Filho florestas locais, que gradualmente vão se tornando mais
et al., 2002), em Lagoa Santa (Parizzi et al., 1998) e na parecidas com as atuais florestas tropicais semideciduais.
Lagoa dos Olhos D’Água (De Oliveira, 1992). Grandes Uma diminuição gradual da precipitação permite que a
áreas de cerrado durante o início do Holoceno refletem vegetação de cerrado se estabeleça na área no médio
um clima mais seco, com a uma estação seca de 5 a 6 Holoceno.
meses. A parte mais úmida do Holoceno, como inferido Outros estudos palinológicos descrevem
do registro do Lago do Pires, seria os últimos 1.000 importantes mudanças na vegetação e no clima no
anos, quando houve o estabelecimento da floresta Holoceno do Sudeste do Brasil. Entre eles, encontra-se
semidecídua em sincronia com o decréscimo de o registro palinológico de Jacareí, SP, no vale do Rio
paleofogos. Paraíba do Sul (Garcia, 1994; Garcia et al., 2004), que
indica que o extenso e moderno campo de turfeiras
6.3. Florestas da Região Sudeste Desde a encontrado no vale delimitado pela Serra da Mantiqueira
Transição Pleistoceno/Holoceno e outras serras associadas à Serra do Mar teve sua
As primeiras análises polínicas de sedimentos formação entre 9.720 e 8.853 anos A.P. Mais a noroeste,
quaternários do Sudeste do Brasil foram realizadas por em Taubaté (SP), no vale do Rio Paraíba, turfeiras com
Absy & Suguio (1975) próximo à cidade de Santos, idade do Pleistoceno Tardio até o Presente foram
estado de São Paulo, e uma visão geral do estudadas palinologicamente por Garcia (1994) e Garcia
desenvolvimento dessas pesquisas no Sudeste foi dada et al. (2004). Esses estudos mostram que, de 9.700 a
por De Oliveira (1992) e Garcia (1994). 8.200 anos A.P., o clima local era mais úmido e frio
Os registros palinológicos mais antigos de que o atual, enquanto que, de 8.200 a 5.400 anos A.P.,
mudanças ambientais no Sudeste localizam-se na região o clima se tornou mais quente. Posteriormente, no
do triângulo mineiro, representados pela Serra Negra médio Holoceno, o clima tornou-se mais seco que o
(18º55’S, 46º45’W, 1.170 m de elevação; De Oliveira, atual. A presença de pólen de Araucaria nesses
1992) e pelo registro de Salitre (19oS, 46oW; Ledru, sedimentos, por volta de 8.100 anos A.P., embora em
1993, Ledru et al., 1996). É grande a importância desses porcentagens baixas, sugere a existência de árvores
dois registros para os estudos de paleobiogeografia, pois desse táxon espalhadas na paisagem. Em Eugênio de
mostram, inequivocamente, que florestas de Araucaria Melo (Garcia, 1994), mais ao norte do mesmo vale, as
ocuparam, durante o Último Ciclo Glacial, latitudes mais porcentagens de Araucaria nesse período são bem
baixas da região Sudeste, hoje sob o domínio de climas maiores e atestam uma expansão desse elemento nas
mais secos e quentes que permitem a cobertura moderna florestas da região no início do Holoceno.
por cerrado. O registro palinológico de Serra Negra
evidencia três fases de grande diminuição da temperatura 6.4. Estudos de Paleovegetação e Paleoclimas
ambiente antes de 40.000 anos A.P., quando a no Estado do Rio de Janeiro
temperatura média anual poderia estar 10oC abaixo dos O estado do Rio de Janeiro tem uma disposição
valores atuais. Esse esfriamento foi provocado por uma no sentido SW-NE, sendo que seu maior eixo
intensificação da massa de ar polar, que teria deslocado corresponde ao percurso de seu principal rio, o rio
sua área de influência para bem mais ao norte. Tanto o Paraíba do Sul. Análises palinológicas foram executadas
registro de Serra Negra como o de Salitre mostram que em diversas áreas de sua bacia hidrográfica.
a retração das florestas de Araucaria ocorreu por volta Associadas a estudos estratigráficos e
de 10.000 anos A.P. A partir do Holoceno, observa-se geomorfológicos, entre outros, desenvolvidos no médio
em Serra Negra um avanço gradual do cerrado e de vale do rio Paraíba do Sul (RJ/SP), essas análises
florestas mesófilas, que hoje caracterizam a região. possibilitaram a reconstituição da paisagem, abrangendo
Para o Holoceno, no Sudeste, o registro de Lagoa o limite Pleistoceno/Holoceno e o Tecnógeno. Entre
dos Olhos D’Água (19º38’S, 43º54’W, 730 m elevação; cerca de 30.000 e 21.000 anos A.P., é verificada uma
De Oliveira, 1992) é indicativo de grandes mudanças fase mais fria e seca, com presença de uma vegetação

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

Figura 3.5. Diagrama polínico parcial da Lagoa dos Olhos D’Água (MG) durante o Último Máximo Glacial. O clima úmido
e frio é evidenciado pelo espectro de plantas típicas de associações táxons como Podocarpus, Rapanea (Myrsine),
Hedyosmum e Myrtaceae. Com o término do Pleistoceno, árvores de Caryocar tornaram-se gradualmente mais abun-
dante na paisagem (Fonte: De Oliveira, 1992).

arbórea, típica de floresta tropical, com grande (1997). As oscilações do nível do mar foram
biodiversidade de elementos e a presença de áreas de responsáveis pela formação de numerosos lagos e
savanas. Entre 21.000 e cerca de 12.000 anos A.P., lagunas dentro da região costeira. O lago mais antigo é
estabeleceu-se uma vegetação de mosaico floresta- a Lagoa de Cima, que se formou depois da última grande
savana. A transição Pleistoceno-Holoceno teria sido transgressão marinha, iniciando sua formação entre
marcada por uma instabilidade climática e vegetacional, 6.000 e 7.000 anos A.P. Foram definidas por Luz et al.
caracterizada por uma fase inicialmente úmida, (1999), em seus estudos na região da Lagoa de Cima,
evidenciando um ambiente aberto, pantanoso/brejoso, quatro fases de vegetação durante o período que abrange
com solos encharcados, sucedida por uma tentativa de de 6.000 a 4.000 anos A.P. Em torno de 6.000 anos
instalação de cobertura vegetal, com a presença de A.P., condições anteriores mais úmidas passaram para
diversas espécies pioneiras e predomínio da vegetação condições mais secas, quando uma mata úmida pioneira
de savana (Barros, 2003). No Tecnógeno, a partir de deu lugar a uma vegetação de campo aberto e seco. O
estudos palinológicos realizados em sedimentos fluviais retorno à umidade deu-se gradualmente na região. O
recentes (cerca de 310 ± 50 anos A.P.), observou-se rebaixamento do nível do mar, em 5.100 anos A.P.,
que, no intervalo de tempo analisado, não ocorreram resultou na redução do espelho d’água da Lagoa de
alterações climáticas em grande escala que pudessem Cima, permitindo que a floresta tropical semidecidual e
refletir alterações marcantes na vegetação. Entretanto, a floresta ombrófila densa se desenvolvessem na região.
foi verificada uma brusca mudança no registro O período em torno de 4.000 anos A.P. caracterizou-se
palinológico, caracterizando a ação antrópica na região. como uma fase mais seca e de altas temperaturas.
A vegetação regional seria reflexo dos constantes Durante esse período, a floresta ombrófila densa estaria
desmatamentos ocorridos, iniciados a partir da entrada confinada ao alto das serras e às encostas, enquanto a
da cultura cafeeira no médio vale do rio Paraíba do Sul vegetação campestre e a Floresta Estacional
(Chaves, 1997; Barros et al., 2000; Costa, 2000; São- Semidecidual se desenvolviam na região.
Thiago, 2002). Análises polínicas de sedimentos da Lagoa
Complementando os estudos em áreas Salgada (Toledo, 1998), localizada na região costeira
continentais do vale do rio Paraíba do Sul, depósitos do norte do estado do Rio de Janeiro, apresentaram
sedimentares da região costeira do norte do estado do alterações entre fases úmidas e secas. Na base dos
Rio de Janeiro começaram a ser analisados por Luz depósitos lagunares (cerca de 3.000 anos A.P.), foi

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Quaternário do Brasil

constatada uma fase úmida, com presença de esporos atualmente desemboca na Baía de Guanabara. No
de pteridófitas. Por volta de 2.540 anos A.P., uma fase momento, ainda não há datações. Elementos de
mais seca estaria marcada pela ocorrência de lentes vegetação de campos e de floresta de restinga puderam
calcárias e uma elevada presença de táxons ser identificados e relacionados com a atual devastação
característicos de vegetação de campo. Após 2.540 anos ocasionada por atividade exploradora de areias na região
A.P., foi observado o máximo de umidade, indicado (Faustino et al., 2002).
pela presença de esporos de pteridófitas e valores bem Confrontando os espectros polínicos obtidos de
baixos de 18O. sedimentos do estado do Rio de Janeiro, há um consenso
Duas baías importantes estão situadas no meio e de que o Holoceno com um clima seco e frio, tornando-
no sul da linha de costa do estado do Rio de Janeiro. se mais quente e úmido por volta dos 8.000 anos A.P.,
Foram analisados dois testemunhos de sedimentos de quando a vegetação era similar ou mais complexa do
uma transecção feita na Baía de Sepetiba, ao sul da que a de hoje. Períodos mais secos seguiram-se,
cidade do Rio de Janeiro, quanto aos dados de pólen e caracterizados pelo aumento dos campos, das paisagens
esporos e ambientes correspondentes. Foi possível abertas e das terras úmidas, até cerca de 2.500 anos
identificar quatro mudanças climáticas durante os A.P. Então, condições mais úmidas voltaram a surgir,
últimos 6.300 anos A.P. Entre 6.300 e 4.650 anos A.P., florestas se expandiram para dentro dos campos,
foi identificada a primeira fase úmida. A segunda fase, apresentando uma vegetação semelhante à atual, embora
entre 4.650 e 1.350 anos A.P., apresentou características ocorressem períodos mais secos, especialmente durante
mais secas. Na terceira fase (entre 1.350 e 45 anos a Idade Média (Coelho et al., 1999a). Foi possível
A.P.), há um retorno de características mais úmidas, detectar a influência humana (Barros et al., 2000; Coelho
sendo evidenciado, entretanto, entre 775 e 213 anos et al., 1999b) pouco tempo depois, através do
A.P., um intervalo mais seco. A última fase, de 45 anos aparecimento de pólen de cultivos e árvores exóticas
A.P. até o presente, apresentou-se mais seca, com nos sedimentos analisados.
alterações ambientais e climáticas associadas ao intenso
e desordenado processo de ocupação da Baixada de 7. PALEOVEGETAÇÃO DA ZONA COSTEIRA DO
Sepetiba nos últimos 100 anos (Coelho, 1999; Coelho BRASIL
et al., 1999a,b; Coelho et al., 2002; Santos, 2000; Os estudos paleoambientais no litoral brasileiro
Santos et al., 2000). ainda são relativamente raros. No estado do Rio Grande
A cidade do Rio de Janeiro está localizada ao sul do Sul, estudos palinológicos mostraram a existência
e a oeste da Baía de Guanabara, uma formação de gráben de oscilações climáticas na região costeira, as quais
que recebe tributários de várias serras e montanhas. foram inferidas essencialmente a partir da alternância
Foram selecionados sedimentos turfosos provenientes entre elementos marinhos, pantanosos e continentais
de um perfil estratigráfico obtido através de uma nos testemunhos lagunares, mas nenhuma modificação
trincheira aberta no pós-praia, em trecho da Praia significativa da vegetação continental foi registrada
Vermelha, na Urca, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), durante o Holoceno superior (Neves & Lorscheitter,
datados na base em 4.520 ± 80 anos A.P. Análises 1991, 1997; Cordeiro & Lorscheitter, 1994).
palinológicas preliminares indicam que existia um No estado de São Paulo, o estudo palinológico
ambiente sem influência marinha. As modificações de uma turfeira sob floresta inundada não mostrou
ocorridas na paisagem nos últimos quatro mil anos nenhuma variação da vegetação costeira que pudesse
apontam para uma mudança gradual de vegetação de ser atribuída a variações climáticas entre cerca de 4.300
Mata Atlântica para uma vegetação de campo. Os e 1.000 anos A.P. (Bissa et al., 2000; Ybert et al.,
esporos de pteridófitas sofreram forte processo 2003).
oxidativo, em função da exposição ao ar, mesmo que De fato, estudos antracológicos recentes têm
temporariamente, podendo indicar um curto período mostrado que os ecossistemas costeiros são fortemente
de ambiente seco (Bartholomeu, 2001; Bartholomeu et condicionados por fatores edáficos e relativamente
al., 2001). pouco influenciados pelas oscilações climáticas.
Amostras da superfície de sedimentos do fundo Presume-se que as formações costeiras, onde o
da Baía de Guanabara estão começando a ser analisados, componente edáfico é determinante, são muito menos
a fim de obter informações sobre a deposição atual de afetadas pelas mudanças climáticas, e que o registro
grãos de pólen e as condições de preservação (Barreto desses eventos é atenuado na zona litoral (Scheel-Ybert,
et al., 2001). Por último, foi examinado um sedimento 2000). Assim, esse ambiente é pouco apropriado para
orgânico escuro de um paleocanal do rio Guandu, que estudos paleoclimáticos baseados na análise da

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

vegetação. formados durante a transgressão marinha, foi observado


A reconstituição do paleoambiente vegetal na zona um aumento de cistos de dinoflagelados (Spiniferites,
costeira do litoral dos estados do Rio de Janeiro (22º53’- Operculodinium), silicoflagelados (Dictyocha) e
22º57’S, 42º03’-42º33’W) (Scheel-Ybert, 2000, 2001) acritarcas (Mycrhystridium, Cymatiosphaera). Nos
e de Santa Catarina (28°36’S, 48°57’W) (Scheel-Ybert, sedimentos correspondentes à regressão marinha
no prelo) mostrou que as formações vegetais existentes posterior, observou-se um aumento na quantidade de
durante o Holoceno superior eram as mesmas que zigósporos e coenóbias de algas verdes dos gêneros
existem atualmente e que provavelmente só começaram Botryococcus, Pediastrum, Spirogyra, Mougeotia,
a sofrer uma alteração significativa a partir do período Debarya (Medeanic et al., 2000 a,b; Medeanic et al.,
colonial, em conseqüência do extrativismo, da ocupação 2001a; Medeanic, 2002).
da faixa costeira e também, mais recentemente, do Na amostra de idade 9.620 ± 160 anos A.P., foi
turismo. A restinga, o mangue e formações florestais determinado o início da transgressão marinha pós-glacial
como a mata seca, característicos da região de Cabo na área da Laguna de Tramandaí. A influência marinha
Frio, e a mata atlântica existiram no litoral desde pelo é confirmada pela presença de cistos de dinoflagelados,
menos 5.500 anos A.P. até depois de 1.400 anos A.P. silicoflagelados, carapaças de microforaminíferos e
Durante todo esse período, o espectro antracológico é várias espécies de diatomáceas marinhas (Medeanic &
sensivelmente o mesmo, o que indica que a vegetação Dillenburg, 2001a). Na amostra com idade 7.370 ± 150
costeira de terra firme não sofreu alterações, nem de anos A.P., foi identificada uma importante transgressão,
origem climática, nem de origem antrópica, durante todo que corresponde aos estágios de inundação da área da
o Holoceno superior. Laguna dos Patos sob condições de clima relativamente
No entanto, variações significativas observadas seco.
nos elementos de mangue sugerem que mudanças A época da máxima transgressão marinha
climáticas efetivamente ocorreram na região (Scheel- (6.000-5.500 anos A.P.) na planície costeira do Rio
Ybert, 2000), confirmando resultados previamente Grande do Sul é confirmada pelo aumento significativo
obtidos que indicam que, após um período mais úmido, da diversidade e da quantidade de cistos de
o clima regional durante o Holoceno superior era semi- dinoflagelados, silicoflagelados e acritarcas. A alta
árido, tendo sido registrados quatro episódios de seca salinidade das águas da laguna resultou em um aumento
acentuada (3.600-3.500, 3.100-3.000, 1.200-1.100 e na diversidade taxonômica de diatomáceas marinhas e
600-500 anos A.P.) e dois episódios um pouco mais de água salobra. Essa época coincide com o Ótimo
úmidos (2.300-2.100 e 700-600 anos A.P.) (Tasayco- Climático (Atlântico), caracterizado por maiores taxas
Ortega, 1996). de precipitações atmosféricas e médias anuais de
temperatura. Nesse período transgressivo, houve
8. ESTUDOS PALEOCOLÓGICOS NA PLANÍCIE aumento na variedade e diversidade de plantas arbóreas,
COSTEIRA DO RIO GRANDE DO SUL pteridófitas e plantas herbáceas mesófitas (Medeanic
Mudanças climáticas e oscilações do nível do et al., 2001a,b).
mar ocorridas durante o Holoceno influíram na formação Atualmente, a planície costeira do Rio Grande
da vegetação recente na planície costeira do Rio Grande do Sul está sujeita a impactos antropogênicos
do Sul. Durante os anos de 1999 e 2002, foram relacionados a uma intensa urbanização, que tem
realizados os estudos palinológicos dos sedimentos provocado a destruição das dunas costeiras, a
holocênicos de seis testemunhos e de furos de introdução de plantas exóticas, o desenvolvimento de
sondagens perfurados no fundo da Laguna dos Patos, agricultura e pastagens e a contaminação por
Laguna de Tramandaí e adjacências, e um testemunho agrotóxicos. Estudos palinológicos dos sedimentos mais
do vale do Rio do Maquiné. Algumas amostras foram novos, formados nos últimos 100 anos, de um
datadas pelo método 14C e 210Pb. Entre os objetivos testemunho de sondagens TD-1 no fundo da Laguna
mais importantes nesses estudos, estão a avaliação das de Tramandaí, permitem avaliar a dinâmica natural e
mudanças ambientais na planície costeira ocorridas antropogênica dessa região (Medeanic & Dillenburg,
durante a transgressão marinha pós-glacial e sua 2001b). Com relação ao registro palinológico de plantas
regressão holocênica. Os estudos palinológicos introduzidas, seu primeiro registro corresponde a pólen
realizados basearam-se nas determinações de pólen e de Pinus cf. maritima, Eucalyptus, Cereale, encontrado
esporos de plantas terrestres e aquáticas, cistos de em amostra com idade de 85 anos. Além disso, uma
dinoflagelados, silicoflagelados e acritarcos, zigósporos intensa introdução de plantas-exóticas, incluindo plantas
e coenóbias de algas verdes. Nos sedimentos lagunares, cultivadas, está registrada na amostra com idade de 30

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Quaternário do Brasil

anos. Esses resultados estão em conformidade com pode explicar a grande afinidade florística entre esses
dados históricos sobre início de introdução de plantas dois ecossistemas. Um gradual dissecamento da
exóticas na região (Saraiva Soares & Purper, 1986). paisagem eliminou esse tipo de vegetação até cerca de
Nos sedimentos formados durante os últimos 5- 6.790 anos A.P. O estabelecimento da moderna
10 anos, foi observada uma notável diminuição de pólen vegetação de caatinga está datado no campo de dunas
de plantas xerófitas e halófitas, principalmente em da Bahia em 4.535 anos A.P.
espécies de Amaranthus-Chenopodiaceae. Essa O registro do Pleistoceno Tardio do testemunho
mudança provavelmente está ligada à destruição de marinho GeoB 3104-1 (Behling et al., 2000) indica que a
dunas, ocupadas pela recente expansão imobiliária em vegetação semi-árida de caatinga predominou entre
sincronia com o aumento de pastagens, nos últimos 30 >42.000 e 8.500 anos A.P. Entre 15.500 e 11.800 anos
anos, que estimularam uma progressiva redução na A.P., um expressivo aumento da precipitação foi detectado
quantidade e variedade de espécies de Pteridophyta, pelos autores como o período mais úmido registrado no
plantas herbáceas de Asteraceae, Apiaceae, Nordeste do Brasil. Os resultados paleoambientais obtidos
Brassicaceae, Solanaceae, Poaceae, Polygonaceae. A por Behling et al. (2000), através desse registro
análise da amostra com idade entre 3 e 13 anos mostrou palinológico, apóiam a hipótese de Oliveira et al. (1999a)
um notável crescimento no conteúdo de algas marinhas, de que rotas de imigração uniram, no Pleistoceno Tardio,
dinoflagelados (Operculodinium), silicoflagelados o bioma da floresta amazônica com o da floresta atlântica,
(Dictyocha) e acritarcas (Mycrhystridium, sob clima mais úmido e frio.
Cymatiosphaera). Esse crescimento de algas marinhas
no interior da laguna reflete um aumento na introdução 10. PALEOVEGETAÇÃO E PALEOCLIMAS DO
de águas marinhas, relacionada à fixação do canal PANTANAL
artificial da laguna. Nessa amostra, também foi Devido às características hidrológicas inerentes
determinado um aumento significativo de pólen e ao sistema do Pantanal, estudos palinológicos com o
esporos de plantas aquáticas (Cyperaceae, Typhaceae, objetivo de reconstruir a vegetação e o clima não têm
Salvinia) que podem ser relacionadas ao processo de sido realizados com a mesma intensidade nesse bioma
eutrofização da laguna, causado por despejos de como em outros do Brasil. Um dos maiores obstáculos
efluentes domésticos e agrícolas. O declínio gradual na tem sido a dificuldade em localizar lagoas que possuam
abundância de algas verdes de Chlorophyta, com bacias de sedimentação fechada e com sedimentos que
predominância de Botryococcus, na laguna durante os contenham pólen oriundo exclusivamente da vegetação
últimos 30 anos provavelmente é correlacionado com circundante. Felizmente, bacias semifechadas em
mudanças na salinidade, regime de nutrição e o aumento algumas lagoas com sedimentação pleistocênica tardia
de contaminação da laguna e de áreas adjacentes. e holocênica no Pantanal sul-mato-grossense foram
encontradas e estudadas por Bezerra (1999). Entre elas,
9. PALEOVEGETAÇÃO E PALEOCLIMAS DO a Lagoa Negra (19º04’S-57º31’W) possui sedimentos
NORDESTE basais datados de 14.870 anos A.P. Os resultados
Dois registros palinológicos revelam as mudanças sedimentológicos realizados por Bezerra (1999) sugerem
vegetacionais e climáticas da região da caatinga que o período entre 10.200 e 14.870 anos A.P. indicam
nordestina: o registro continental da caatinga do campo uma época com estação seca mais longa que a atual, e
de dunas fósseis do médio rio São Francisco (BA) (De que a transição Pleistoceno/Holoceno foi caracterizada
Oliveira et al., 1999a) e o registro de sedimentos por sedimentos com alto teor de material mineral, o
marinhos, obtido a cerca de 90 km ao leste da cidade que corresponde a períodos mais úmidos e com forte
de Fortaleza (CE) (Behling et al., 2000). O primeiro influência do rio Paraguai.
registro, com sedimentos datados em 10.990 anos A.P., As análises palinológicas da Lagoa Negra realizadas
revela condições climáticas muito diferentes das atuais. por De Oliveira et al. (1999b) mostram que, desde o início
Da transição Pleistoceno/Holoceno até cerca de 10.540 do Holoceno, por volta de 10.200, até 8.770 anos A.P.
anos A.P., o clima da região era úmido e relativamente houve predomínio de pólen de plantas aquáticas, como
mais frio que o atual, favoreceu o estabelecimento de Alternanthera, Cyperaceae, Echinodorus /Eichhornia,
uma floresta tropical exuberante com afinidade florística Poaceae, Hyptis, Ludwigia, Myriophyllum, Polygonum e
com as florestas da Amazônia e as da Costa Atlântica. Pontederia. No Holoceno superior (8.770 anos A.P.), os
Os espectros polínicos desse período representam a elementos arbóreos de floresta, como Alchornea,
primeira evidência botânica para o debatido corredor Macrolobium, Mimosaceae, Tapirira e Urticaceae/
florestal entre a Amazônia e a floresta atlântica, o que Moraceae, alcançam valores percentuais duas vezes maiores

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3. Paleovegetação e Paleoclimas

que durante a transição Pleistoceno/Holoceno (Figura 3.6). gramíneas.


Nessa época, os dados palinológicos indicam uma grande O registro da Lagoa Negra evidencia a sincronia
expansão de vegetação de floresta de terra firme e matas climática entre o Pantanal e a região nuclear do cerrado.
de galeria, enquanto que as gramíneas e as ciperáceas O declínio de precipitação observada no cerrados da
dominam o espectro de macrófitas aquáticas. Por volta região de Brasília por volta de 7.500 anos A.P. (Ferraz-
de 7.840 anos A.P., ocorre uma redução dos elementos de Vicentini 1993; Barberi, 2001) é evidenciado no Pantanal
floresta e aumento de plantas aquáticas, o que sugere uma por um sinal palinológico de aumento de macrófitas e
redução na precipitação, como observado em vários de algas características de lagoas rasas.
registros do Brasil central. As algas reduzem-se Novos estudos palinológicos são necessários para
aproximadamente à metade da porcentagem apresentada se obter uma melhor compreensão sobre as variações
na fase anterior. Por volta de 5.190 anos A.P., ocorre um climáticas e vegetacionais do Quaternário do Pantanal,
retorno expressivo de elementos arbóreos, acompanhado mas para isso são necessários depósitos ricos em pólen
de uma redução de plantas aquáticas e um aumento de em lagoas ou turfeiras, em áreas livres das influências
algas. Do médio Holoceno, desde 5.190 anos A.P., até o das enchentes dos rios.
presente, os espectros polínicos mostram um aumento na
porcentagem de pólen arbóreo, manutenção do pólen REFERÊNCIAS
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Quaternario do Brasil.PMD 73 18/1/2008, 11:02


Quaternário do Brasil

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Quaternario do Brasil.PMD 74 18/1/2008, 11:02


Capítulo 4

ISÓTOPOS DO CARBONO E SUAS


APLICAÇÕES EM ESTUDOS
PALEOAMBIENTAIS
Luiz C.R. Pessenda
Susy E.M. Gouveia
Hermes A. de Freitas
Adauto de S. Ribeiro
Ramon Aravena
José A. Bendassolli
Marie-Pierre Ledru
Abdel F. Siefeddine
Rita Scheel-Ybert

RESUMO. Neste capítulo, apresentam-se inicialmente conceitos básicos sobre a utilização dos isótopos estáveis 12C e
13
C e o radioativo 14C da matéria orgânica do solo (MOS), em estudos de reconstrução paleoambiental relativos às
trocas de vegetação. Descrevem-se as características isotópicas das plantas de ciclo fotossintético C3 (árvores), C4
(gramíneas) e CAM (orquídeas), com seus respectivos intervalos de variação natural e a determinação da idade 14C em
anos A.P. Expõem-se sucintamente os métodos físico e químico de extração da fração humina da MOS, do pré-tratamento
químico de fragmentos de carvão soterrados nos solos, a síntese de benzeno desses materiais e a detecção do 14C por
espectrometria de cintilação líquida de baixo nível de radiação de fundo. Apresentam-se em revisão os trabalhos que
empregaram os isótopos do carbono da MOS em estudos de trocas vegetacionais com inferências climáticas no
Quaternário Tardio, nas regiões Norte, Nordeste, Central, Sul e Sudeste do Brasil. Dois exemplos ilustram os estudos da
dinâmica vegetacional durante o Pleistoceno superior e o Holoceno: 1) na região Amazônica, em uma transecção de 250
km no ecótono floresta-savana entre as cidades de Humaitá, sul do Amazonas e Porto Velho (RO); e 2) em uma transecção
de aproximadamente 80 km no ecótono cerradão-cerrado-mata de restinga, na região de Barreirinhas, norte do Maranhão.
Para suportar e complementar as interpretações paleovegetacionais e paleoclimáticas advindas dos dados de d13C da
MOS, apresentam-se aplicações com técnicas que podem ser utilizadas simultaneamente, como a antracologia e a
palinologia de sedimentos lacustres. Duas pesquisas, no nordeste do Maranhão e no estado de São Paulo, associam os
dados isotópicos da MOS com a palinologia de sedimento lacustre e a antracologia, respectivamente, e ilustram a
importância dos estudos multi/interdisciplinares na reconstrução paleoambiental no Quaternário tardio no Brasil.
Mudanças paleovegetacionais ocorridas nas regiões N-NE são comparadas às das regiões S-SE no mesmo período.
Palavras-chave: Isótopos do carbono; Matéria orgânica do solo; Paleoambiente.

Abstract. This chapter will cover the basic concepts of the application of stable isotopes (12C, 13C) and radioactive (14C)
carbon isotopes in soil organic matter as tracers to reconstruct vegetation changes that can be used to infer
paleoenvironmental conditions. The relationship between carbon isotopes in vegetation and photosynthetic cycles is
discussed. These include the C3, C4 and CAM plants. The section on 14C covers the basic principles of radiocarbon dating
and the physical and chemical treatments used in the preparation of soil organic matter for radiocarbon dating. The
analytical methodology of liquid scintillation counting is also described. A general discussion on the application of carbon
isotopes in paleovegetation changes in several regions of Brazil during the Quaternary will be presented. Two case studies
describing data obtained in the Amazon basin will be use to illustrate the reconstruction of vegetation changes based on
carbon isotopes profiles in soil organic matter. Other sections cover a discussion about the use of a multidisciplinary
approach including carbon isotopes in soil organic matter, characterization of charcoal fragments and carbon isotopes and
palynological analyses of lacustrine sediments to infer paleovegetation changes in the northern part of Brazil. The final
section includes a discussion about regional changes in paleovegetation during the Quaternary in Brazil inferred from
carbon isotopes, in the context of paleoclimatic information obtained from biological and geological evidences.
Key-words: Carbon isotopes; Soil organic matter; Palaeoenvironment.

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Quaternário do Brasil

1. INTRODUÇÃO pré-tratamentos físico e químico para a análise dos


Os estudos de reconstrução paleoambiental isótopos estáveis 12C e 13C em solos são rápidos e de
(vegetação e clima) dos principais ecossistemas acessível custo operacional. A técnica apresenta limitação
brasileiros durante o Quaternário tardio (Pleistoceno na identificação das espécies de plantas nos testemunhos
superior e Holoceno) baseados em microfósseis e de solos coletados em trincheiras ou por tradagem, pois
datações 14C iniciaram-se com os registros palinológicos o resultado isotópico informa somente se há a presença
de sedimentos lacustres da Amazônia (Absy & Van der predominante de plantas C3, C4 ou mistura de ambas,
Hammen, 1976; Absy, 1979; Colinvaux, 1987), do Brasil enquanto na palinologia, por exemplo, determina-se de
Central (Ledru, 1993; Salgado-Laboriau et al., 1997) e modo mais preciso e quantitativo as espécies vegetais
das regiões Sul e Sudeste (Lorscheitter, 1983; De presentes nos testemunhos de sedimentos lacustres,
Oliveira, 1992; Behling, 1995a,b). turfa e outros.
A utilização inicial dos isótopos do carbono (12C, A presença de fragmentos de carvão
13C e 14C) da matéria orgânica do solo (MOS) nos naturalmente soterrados nos solos permite
estudos paleoambientais foi efetuada nas regiões Sul complementar as informações dos isótopos do carbono,
(Londrina-PR) e Sudeste (Piracicaba-SP), onde se utilizando-se a técnica de antracologia, que identifica
verificou significativa influência de plantas C 4 as espécies de plantas provenientes das amostras
(gramíneas), desde o Pleistoceno superior até o carbonizadas, as quais são posteriormente
Holoceno médio, associada à presença de um clima seco correlacionadas às fitofisionomias de caatinga, cerrado,
no período (Pessenda et al., 1993a,b; Valência, 1993). cerradão, floresta, restinga etc., com subseqüentes
Lucas et al. (1993) utilizaram os isótopos estáveis em inferências paleoclimáticas. O estudo de um grande
solos do norte do Mato Grosso, onde verificaram a número de fragmentos pode levar à avaliação, às vezes
presença de matéria orgânica antiga, humificada e bastante precisa, não só da evolução da cobertura
estável, proveniente de uma vegetação anterior vegetal ao longo do tempo, mas também da importância
provavelmente parecida com a atual de campos e relativa de cada espécie dentro da comunidade.
cerrados. Observa-se, portanto, a importância do emprego
A importância dos estudos isotópicos está simultâneo de técnicas isotópicas e convencionais nos
principalmente associada ao fato de que a técnica pode estudos paleoambientais, de modo a obter-se
ser utilizada em todas as regiões brasileiras onde há informações adicionais e complementares, com o
vegetação nativa e solos relativamente espessos, com objetivo principal de reconstrução da vegetação
pelo menos 2 m, cuja cronologia determinada pela associada às mudanças climáticas no Quaternário tardio
datação 14 C da MOS (fração humina) e/ou de no Brasil.
fragmentos soterrados de carvão para a profundidade
em questão representa, em geral, o Holoceno.Outro 2. ISÓTOPOS ESTÁVEIS DO CARBONO (12C,
aspecto a ser enfatizado é que resultados bastante 13C) E DATAÇÃO POR 14C EM REGISTROS DE

confiáveis sobre as eventuais trocas de vegetação C3 PALEOVEGETAÇÕES


(florestas) e C4 (vegetação aberta) no passado, até
≅50.000 anos A.P., podem ser obtidos em transecções 2.1. Isótopos Estáveis do Carbono
de centenas de quilômetros, permitindo-se assim o Os isótopos estáveis ocorrem naturalmente na
estudo e interpretação da dinâmica passada e atual com atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera. Existem
significativo alcance em nível regional, em ecossistemas átomos de mesmo elemento com massa diferente. Cada
apresentando ecótonos dos mais variados tipos e elemento tem um isótopo dominante “leve” (12C, 14N,
dimensões. Quando da aplicação conjunta de estudos 16O, 32S e 1H) e um ou mais isótopos pesados, (13C,

fitossociológicos nos locais de trabalho, a relação entre 15N, 17O, 18O, 33S e 2H) com abundância natural menor

os parâmetros utilizados (área basal, índice de cobertura ou próxima de 1%. Alguns isótopos mais pesados
arbórea etc.) e os valores dos isótopos estáveis do tomam parte das mesmas reações químicas que os leves,
carbono das camadas superficiais dos solos permite a porém o fazem em diferentes taxas. As reações
obtenção de uma calibração entre os dados isotópicos e químicas e processos físicos, tais como evaporação e
as coberturas vegetais atuais, aspecto de grande condensação, discriminam os isótopos pesados. O
relevância na interpretação dos resultados da dinâmica entendimento desses processos na natureza iniciou-se
paleovegetacional. nas décadas de 1950 e 1960, com aplicações práticas
Com exceção do preparo e análise de amostras na hidrologia, na exploração do petróleo e na
de solo para a datação por 14C da fração humina, os geoquímica. Mais tarde, verificou-se que nas plantas

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4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

há a discriminação dos isótopos do carbono nos ocasionando a termalização de nêutrons secundários


processos biológicos do ciclo da fotossíntese e na (Libby, 1955).
fixação do nitrogênio 15N (Berrier & Prosser, 1996). O radionuclídeo 14C é formado continuamente
Na década de 1970, foi demonstrado e aceito que na estratosfera, camada superior, que se situa
as composições isotópicas das plantas diferiam aproximadamente a 16 km da superfície terrestre. A
amplamente e que a relação dos isótopos estáveis do reação processa-se quando nêutrons secundários
carbono poderia ser utilizada para distinguir os diferentes interagem com átomos do elemento 14N presentes nos
tipos de ciclos fotossintéticos C 3 (árvores) e C 4 gases atmosféricos (Libby, (1955):
(gramíneas), definida como:
13 R amostra − R PDB (4.2) 14
N + 01 n → 14
C + 11 p
(4.1) δ C(‰) = × 1000 , 7 6
R PDB
A oxidação do 14CO2 é rápida e, por meio da
onde R = 13C/12C,sendo medida por espectrometria de movimentação atmosférica, distribui-se pelos demais
massa na unidade por mil (‰); e RPDB = a razão dos reservatórios naturais, como os oceanos e a biosfera,
isótopos do carbono do padrão PDB (molusco fóssil permanecendo aí de acordo com os respectivos tempos
Belemnitella americana da Formação Peedee). de residência, após sua assimilação e incorporação
Demonstrou-se experimentalmente que as plantas (Libby et al., 1949).
C3 apresentam valores da composição dos isótopos do
carbono mais negativos do que as plantas C4 (Bender,
1971; Smith & Epstein, 1971; Smith & Brown, 1973). 2.2.2. Ciclo do 14C
Os valores de δ13C vêm sendo calibrados para As plantas assimilam o 14C via fotossíntese,
os diferentes ecossistemas. Aproximadamente 85% das formando compostos orgânicos. Os animais, ao se
espécies de plantas terrestres possuem os mecanismos alimentarem dos vegetais, incorporam o radionuclídeo.
de fotossíntese C3 e são dominantes na maioria dos Durante a vida do organismo, há um equilíbrio entre a
ecossistemas, desde as florestas boreais até os trópicos. atividade específica do 14C em relação à do ambiente,
Os valores de δ13C das plantas C3 variam de -32 a - sendo que a relação 14C/12C de todos os seres vivos,
22‰, com uma média de -27‰. Para as plantas com em todas as latitudes e longitudes, é observada na
mecanismo de fotossíntese C4, os valores de δ13C mesma proporção. A assimilação é constante durante a
variam de -9 a -17‰, com uma média de -13‰. As vida do organismo, devido à contínua absorção de CO2
plantas C4 compreendem 5% de todas as espécies, pelas plantas (Libby et al., 1949).
sendo que ocorrem em 18 famílias, metade das quais Quando o equilíbrio é rompido, isto é, quando o
são espécies de gramíneas tropicais e subtropicais que organismo morre, ocorre apenas a desintegração
cobrem extensas áreas de savanas, campos e pântanos radioativa do 14C que decai em taxa constante. Libby et
salgados. As espécies de plantas CAM, geralmente al. (1949) verificaram que a metade do 14C na amostra
suculentas, estão distribuídas em 30 famílias, tais como original teria se desintegrado após 5.568 anos. Estimou-
Crassulaceae, Euphorbiaceae, Orchidaceae, se que o 14C estaria presente numa amostra entre
Bromeliaceae e Cactaceae. Valores de δ13C de -10 a - ≅50.000 e 60.000 anos, ou após dez meias-vidas. A
28‰ são encontrados em espécies CAM facultativas, desintegração radioativa do 14C se faz por emissão da
porém para algumas espécies CAM-obrigatórias, os partícula β-, ou de um elétron, que possui uma energia
valores isotópicos foram comparáveis aos das plantas máxima de 0,156 MeV, formando o 14N estável:
C4 (Boutton, 1996).
(4.3) 14
6 C → 14
7 N+β
2.2. Carbono 14
A meia vida (tempo necessário para que a
2.2.1. Formação do radionuclídeo 14C na
atividade se reduza à metade) do 14C de 5.730 ± 30
atmosfera anos foi determinada com precisão pelo National Bureau
Os raios cósmicos que atingem a Terra são of Standard, em 1961. Na 5ª Conferência sobre a
constituídos de prótons de alta energia, de partículas α
Datação por 14C, realizada nos Estados Unidos em 1962,
e uma pequena fração de outros núcleos mais pesados. adotou-se o valor T = 5.568 ± 30 anos, que apresenta
Essas partículas, ao interagirem com outros átomos um erro da ordem de 3%, uniformizando os resultados
presentes na estratosfera, produzem novas partículas
obtidos por diversos laboratórios durante a implantação
com menor energia, que irão reagir com outras, do método nos anos de 1950 (Pessenda, 1998).

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Quaternario do Brasil.PMD 77 18/1/2008, 11:02


Quaternário do Brasil

A atividade de uma amostra depende do número crescimento de árvores de clima temperado, em


total de núcleos radioativos presentes e de uma sedimentos de lagos e em bolhas de ar preservadas no
probabilidade de decaimento (λ) constante para cada gelo de glaciais etc. Essas alterações são consideradas
nuclídeo. A atividade do 14C pode ser determinada pela no processo de datação das amostras (Suess, 1967;
equação: Bucha, 1970; Jong & Mook, 1980; Olsson, 1980;
Pessenda et al., 1993b; Lisi et al., 1996).
(4.4) A = A o e − λt ,
3. REGISTROS PALEOAMBIENTAIS NO BRASIL
onde t = tempo decorrido após a morte do A mineralização da MOS e os processos
organismo, A = atividade específica da amostra no associados à formação do húmus em solos induzem a
tempo-t qualquer, Ao = atividade específica da amostra pequenas variações da abundância de 13C. Geralmente,
no tempo-t = 0, sendo representada pelo padrão Ácido um pequeno enriquecimento de 13C pode ser observado
Oxálico NIST; e λ = constante de desintegração, sendo do topo para o fundo dos perfis de solo, sendo os
igual a 0,693/T (T = meia vida do 14C). horizontes mais profundos 1 a 3‰ mais ricos em 13C
do que o topo do perfil (Stout et al., 1981; Nadelhoffer
A detecção da atividade do 14C em amostras de & Fry, 1988; Balesdent et al., 1993).
origem ambiental pode ser realizada por três técnicas Esse enriquecimento da MOS com a
analíticas: profundidade pode ser devido a: (i) alteração da
1) Espectrometria de Cintilação Líquida de Baixo composição isotópica da vegetação com o tempo, como
Nível de Radiação de Fundo (utilizada no Laboratório conseqüência de variações recentes no conteúdo de 13C
de 14 C do CENA/USP), em que amostras com no CO2 atmosférico; (ii) uma possível decomposição
aproximadamente 3 g de C são sintetizadas em um diferencial dos componentes bioquímicos das plantas,
sistema de vácuo em CO2, C2H2 e C6H6 e contadas por os quais são conhecidos isotopicamente heterogêneos;
cintilação líquida (Pessenda & Camargo, 1991); e (iii) um fracionamento isotópico durante a
2) Contador Proporcional Gasoso (CPG), em que mineralização da MOS. Esse enriquecimento, sendo
amostras com aproximadamente 1 g de C são sempre menor que 4‰, não é grande o suficiente para
transformadas em CO2, CH4 ou C2H2 em sistema de mascarar a diferença de 14‰ entre a serrapilheira de
vácuo e posteriormente contadas (Libby et al., 1949; plantas C3 e C4 (Boutton, 1996; Roscoe et al., 2000).
Edwards, 1990); e Portanto, a MOS, que provém quase
3) Acelerador de Partículas Acoplado a um exclusivamente da vegetação de cobertura, aparece
Espectrômetro de Massa (Accelerator Mass como um testemunho dos eventos climáticos que
Spectrometry - AMS), onde o carbono da amostra, ocorreram nos últimos milhares de anos. Com a aplicação
aproximadamente 300 μg, apresenta-se na forma sólida dos isótopos estáveis do carbono (12C, 13C), é possível
(grafite). Os passos analíticos até a obtenção do CO2 determinar a origem dessa MOS (plantas C3, C4 ou
purificado são idênticos à cintilação líquida. Após, os mistura de plantas), enquanto a datação por 14C
átomos do carbono são ionizados, acelerados e contados estabelece a cronologia.
(Grootes et al., 1989; Biondi & Fessenden, 1999). Em Boa Vista (RR), norte da Amazônia, foram
O limite de detecção da técnica permite determinar feitas três transecções no ecótono floresta-savana e
a idade de até 60.000 anos A.P. (isto é, 60.000 anos determinou-se o δ13C da MOS de dezoito perfis. A
antes do presente, sendo presente o ano de 1950) em ocorrência de fragmentos de carvão levou à
materiais como carbonatos de águas subterrâneas, identificação, por análises antracológicas, de elementos
matéria orgânica do solo, turfas, conchas, madeiras, de savana em todos os perfis. Os valores de δ13C do
fragmentos de carvão, celulose, ossos etc. solo da superfície sob floresta caracterizaram a
Para a datação de amostras, assume-se que a vegetação atual, observando-se dados mais enriquecidos
concentração de 14C manteve-se constante no passado. desde 300 até 60 cm de profundidade, sugerindo um
No entanto, foram determinadas variações de 14C, predomínio de savana no passado (Desjardins et al.,
devido às mudanças no campo magnético terrestre, no 1996).
fluxo de radiações cósmicas causadas por intensidade Valores de δ13C em torno de -26‰ obtidos nas
da atividade solar, em alterações geoquímicas nos camadas superficiais de solos de Altamira (PA)
reservatórios naturais do 14C e na troca entre eles. Tais caracterizaram a vegetação de cobertura (floresta).
variações foram determinadas pela correlação das Esses valores permaneceram praticamente constantes
datações com cronologias de anéis anuais de em todo o perfil, caracterizando o predomínio de plantas

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4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

C3 desde 9.810 anos A.P. (Pessenda et al., 1996a, estável, proveniente de uma vegetação anterior mais rica
1998a). em 13C que a atual, provavelmente semelhante à
No sul do estado do Amazonas, na região de encontrada hoje em campos e cerrados (Lucas et al.,
Humaitá, observou-se, em uma transecção de 250 km 1993).
constituída de 19 pontos de amostragem em ecótonos Em Ladário (MS), os dados de δ13C (entre -23,2 e
floresta-savana, que aproximadamente 35% dos locais -25,5‰) da MOS indicaram o predomínio de plantas C3
de estudo apresentaram variação significativa (até 10‰) (correspondente à vegetação atual) na área de estudo, pelo
de δ13C, indicativo de mudança de vegetação. Os menos durante os últimos 4.280 ± 60 anos A.P. (Bezerra,
resultados sugeriram que, de ≅17.000 anos A.P. até 1999).
≅9.000 anos A.P., a área estudada foi coberta por Na região de Nhecolândia (MS), resultados
vegetação de floresta. Entre ≅9.000 e 3.000 anos A.P., isotópicos da MOS indicaram a ocorrência de mudanças
observou-se um enriquecimento isotópico vegetacionais de plantas C3 para C4 em uma savana
provavelmente relacionado a trocas de vegetação de graminosa e uma savana arbórea. O período de tais
floresta por savana (gramíneas), indicativo da presença mudanças foi estimado a partir de modelo matemático
de um provável clima mais seco. Desde ≅3.000 anos entre 11.400 e 4.600 anos A.P. A mudança de C4 para
A.P. até o presente, observou-se um empobrecimento C3, observada somente nos primeiros 60 cm do solo
isotópico que foi interpretado como uma expansão da sob savana arbórea (1.400 anos A.P.), foi provavelmente
vegetação da floresta sobre a savana, provavelmente causada por uma mudança local no regime de inundação
devido a condições climáticas mais úmidas, similares à (Victoria et al., 1995).
atual (Gouveia et al., 1997, Pessenda et al., 1998b, Pessenda et al. (2001b, 2002b) estudaram a
2002a; Freitas et al., 2001). dinâmica do ecótono cerrado-floresta desde o
Em uma depressão de 90 m localizada em uma Pleistoceno superior na região de Barreirinhas (MA).
borda de floresta-savana na região de Humaitá (AM), Amostras de solos foram coletadas de até 400 cm de
avaliou-se a dinâmica e a origem da MOS acumulada profundidade no cerrado e floresta mesófila. Os valores
(Pessenda et al., 2001a). Os dados indicaram que a isotópicos na superfície dos solos caracterizaram as
matéria orgânica, oriunda da savana, tem sido depositada vegetações de cobertura. Nas florestas, observou-se
há pelo menos 7.000 anos e indicaram a predominância valores de δ13C mais empobrecidos (entre -27,0 e -
de plantas C3 no início do Holoceno. Entre 7.000 e 4.000 29‰) do que nas áreas de cerrado (entre -17 e -21‰).
anos A.P., os dados indicaram a influência das gramíneas Com base nas variações de δ13C da MOS e considerando
C4, sugerindo a regressão da floresta associada a um que as datações dos fragmentos de carvão continuam a
clima mais seco. De 4.000 anos A.P. até recentemente, se apresentar mais antigas com o aumento da
os dados sugeriram entrada de matéria orgânica de profundidade do solo, observou-se que locais onde hoje
origem C3, indicando a expansão da floresta e o retorno se encontra vegetação de cerrado, como no km 25 (-
a um clima similar ao presente. 19,2‰), provavelmente foram ocupados por vegetação
Período similar de expansão da vegetação de arbórea mais densa e típica de floresta (δ13C de -24‰)
savana arbórea (cerrado) sobre a vegetação de floresta no Pleistoceno superior. Entre ≅9.000 e 3.800 anos A.P.
foi observado entre Vilhena e Pimenta Bueno, sul do observou-se um enriquecimento isotópico de até 7‰
estado de Rondônia. Contudo, na parte norte do estado em todos os pontos, sugerindo uma maior influência
(Ariquemes), os dados isotópicos da MOS indicaram de plantas C4 no período, com provável expansão do
que a vegetação de floresta manteve-se predominante cerrado, eventualmente associado a um clima mais seco.
durante o Holoceno (Pessenda et al., 1998c; 2002a). Após esse período, e com exceção ao solo do km 54,
A presença de savana também foi observada ao observou-se um empobrecimento isotópico em todos
norte do estado do Mato Grosso, em um solo sob a os solos da transecção, indicativo de menor influência
floresta amazônica. Na parte superior do perfil, os de plantas C4 e presença mais significativa de plantas
valores de δ 13 C (entre -28 e -26‰) foram C3 na região, provavelmente associada à presença de
característicos da vegetação de cobertura, mas a partir um clima úmido e similar ao atual.
de 30 cm de profundidade o aumento do valor de δ13C Em uma transecção de cerca de 250 km desde a
foi acentuado, atingindo -19,9‰ a 120 cm, resultado região de Mata Atlântica na costa pernambucana até a
similar aos observados nas camadas superficiais de caatinga na Serra do Catimbau, verificou-se que as
solos sob campos e cerrados. A hipótese mais provável fitofisionomias atuais não foram significativamente
é que esses valores observados em profundidade seriam modificadas durante o Holoceno, independentemente de
devidos à persistência de uma matéria orgânica antiga e variações climáticas que porventura tenham ocorrido na

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Quaternário do Brasil

região (Pessenda et al., 2002c). de clima mais seco no período. As análises


Em Salitre, centro-oeste de Minas Gerais, os antracológicas reforçaram as interpretações obtidas das
valores de δ 13C da MOS variaram de -26,0‰ na análises de δ13C da MOS (Gouveia et al., 2002; Scheel-
superfície a -21,0‰ em maiores profundidades, Ybert et al., 2003).
caracterizando a vegetação nativa de cobertura Os resultados de δ13C na superfície dos solos em
(cerradão) e uma provável de mistura de plantas C3 e Piracicaba (SP) e Londrina (PR), característicos de
C4 no período de 8.790 a 1.820 anos A.P. (Pessenda et plantas C3, refletiram a vegetação atual (mata) nos locais.
al., 1996b, 1998a). Os valores variaram de -25,8‰ na camada superficial
O estudo de reconstrução da paleovegetação, em para -15,0‰ a 170-180 cm de profundidade, indicando
solos de Botucatu, Anhembi e Jaguariúna (SP) e de provável predomínio de plantas C4 em ambos locais,
Pontes e Lacerda (MT), confirmou a importância da desde aproximadamente o Pleistoceno superior (10.800
fauna do solo e do coluvionamento no soterramento de anos A.P.) até aproximadamente 3.000 anos A.P.
fragmentos de carvão. Fragmentos de carvão foram (Pessenda et al., 1996a, 1998a).
encontrados principalmente entre 150 e 50 cm de
profundidade, indicando períodos de maior freqüência 4. ESTUDOS DE CASOS
de incêndios nas áreas entre 6.000 e 3.000 anos A.P.
Os valores de δ13C da MOS em Botucatu, Anhembi e 4.1. Dinâmica da Vegetação no Sul do
Pontes e Lacerda sugeriram o predomínio de plantas Amazonas (Humaitá) durante o Pleistoceno
C 3 durante todo o Holoceno. Em Jaguariúna, os Superior e Holoceno
resultados indicaram a presença significativa de plantas A área de estudo encontra-se na região de Humaitá,
C4 desde o Pleistoceno superior até aproximadamente sul do estado do Amazonas (Figura 4.1). Foram
o Holoceno médio, provavelmente devido à influência amostrados oito locais de uma transecção de 250 km ao

Figura 4.1. Mapa do Brasil com os locais de estudos paleoambientais citados no texto do presente capítulo (Fonte:
IBAMA, 2003).

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4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

longo da BR 319, em sítios de savana e floresta tropical de onde foram feitas análises isotópicas (δ13C e 14C),
(Figura 4.2), com localização entre as coordenadas granulométricas e de C-total (Pessenda et al., 1996a,b;
8°43´S; 63°58´O (km 5) e 7°31´S;63°02´O (km 250), Pessenda, 1998).
onde os contatos naturais floresta/savana são bem As análises granulométricas indicaram que o teor
definidos. A vegetação de savana, denominada “Campos de argila (20-30%) nas camadas superficiais foi inferior
de Humaitá” (Brasil, 1978), é composta principalmente às camadas mais profundas (32-56%). Os solos foram
por gramíneas (Eryamtus sp, Panicum cf laxum, classificados como argilosos e médio argilosos. Os
Paspalum cf multicaule), com raras e pequenas árvores teores de carbono indicaram um típico decréscimo com
- <8 m (Miconia sp, Piper sp, Byrsonima sp). Modifica- o aumento da profundidade. Valores variaram de 3,39%
se gradual ou abruptamente em alguns locais para floresta na superfície a 0,05% nas maiores profundidades.
tropical mesofítica, que cerca as savanas com áreas de Abaixo de 30 cm, as concentrações foram similares
dezenas a centenas de quilômetros quadrados. nos solos sob savana e floresta (Freitas et al., 2001).
Os solos foram coletados em trincheiras e por As datações 14C para a fração humina indicaram
tradagem e classificados como Laterita Hidromórfica um aumento de idade com a profundidade do solo. Dados
(km 80, 82 e 154), Cambissolo Álico (km 5 e 142), similares foram reportados em outros locais da Bacia
Podzólico Vermelho-Amarelo (km 68 e 250) e Amazônica e sítios no Brasil (Pessenda et al., 1996b,
Hidromórfico Gleyzado (km 205). 1998b; Gouveia et al., 1997) e indicaram que os solos
O clima da região é caracterizado por uma representam a 300 cm de profundidade no mínimo os
temperatura média anual de 26°C e precipitação irregular últimos 17.000 anos A.P., aproximando-se, portanto, do
(1.800 a 3.500 mm/ano), com uma estação seca de junho Último Máximo Glacial, sendo esse o testemunho de solo
a setembro, quando a precipitação é inferior a 50 mm mais antigo registrado na Bacia Amazônica.
por mês (Brasil, 1978). A altitude situa-se entre 80 e 150 Os solos da savana apresentaram uma
m acima do nível do mar. significativa variação da composição isotópica, entre -
Das trincheiras, foram coletadas amostras em 27 e -14‰ (Figura 4.2). As partes mais profundas dos
camadas a cada 10 cm até a profundidade de 300 cm, perfis (300-150 cm) apresentaram valores mais

Figura 4.2. Transecção de 250 km com ecótonos floresta-savana entre Porto Velho (RO) e Humaitá (AM) e resultados de
d13C e 14C (fração humina) da MOS, em relação à profundidade do solo (Fonte: Pessenda et al., 2002a).

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Quaternário do Brasil

empobrecidos, de -27,3‰ (a 250 cm; km 82) a -23,3‰ da Amazônia permaneceram florestadas durante o
(a 220 cm; km 154). Uma tendência a valores mais Holoceno médio (Colinvaux et al., 1996; Pessenda et
enriquecidos de 13C ocorreu entre 150 e 30 cm nos al., 1998a). Alguns autores argumentam que a expansão
solos de savana, atingindo valores de -14,2‰ no km da savana não foi em escala regional, mas apenas
154. Essa tendência é revertida na camada superficial localizada (Martinelli et al., 1996).
dos solos sob savana para valores um pouco mais Os resultados indicam a expansão da floresta e
empobrecidos. regressão da savana desde ≅3.000 anos A.P. Essa
Os solos sob floresta também apresentaram tendência da vegetação também foi documentada em
significativa variação isotópica (-26 a -19‰). O intervalo Roraima, norte da região Amazônica (Desjardins et al.,
entre 300 e 190 cm apresentou valores de δ13C entre - 1996).
25 e -24‰. Similar aos solos de savana, uma tendência Portanto, de acordo com esse estudo, o período
para valores mais enriquecidos de 13C ocorreu entre de 17.000 a 9.000 anos A.P. parece ter sido úmido e
190 e 40 cm. Essa tendência foi mais pronunciada nos provavelmente mais frio. A expansão da savana entre
km 68 e 42, enquanto no km 5 não foi observada 9.000-8.000 anos A.P. e 3.000 anos A.P. sugere
variação isotópica dentro do intervalo estudado. As condições mais secas e provavelmente mais quentes
camadas superficiais dos solos sob floresta do que o período prévio, durante o Holoceno inferior e
apresentaram uma variação para valores de 13C mais Holoceno médio. Similar tendência climática foi sugerida
empobrecidos. para essa região ao redor do Pleistoceno superior (Martin
Assim, os valores de δ13C de -27,3 a -23,3‰ et al., 1997). Após 3.000 anos A.P. até o presente, a
entre 300 e 150 cm nos locais de savana provavelmente expansão da vegetação C 3 (floresta) sugere que
refletem a MOS formada sob vegetação de floresta. condições mais úmidas tenham favorecido essa troca
Similarmente, o intervalo mais profundo (300-190 cm) na região.
nos locais sob floresta mostraram valores típicos de
MOS formada sob floresta (Desjardins et al., 1996; 4.2. Dinâmica da Vegetação no Nordeste do
Pessenda et al., 1998b). Maranhão (Barreirinhas) durante o Pleistoceno
Substancial enriquecimento isotópico observado Superior e Holoceno
no intervalo 150-30 cm nos solos sob savana e em cerca O local deste estudo encontra-se nos domínios
de 190-70 cm na maioria das seções sob floresta foi de Floresta Atlântica e cerrado do Maranhão (Figura
relacionado com um aumento na contribuição de 4.1). Foram amostrados solos para a determinação de
biomassa de plantas C4 devido à expansão da savana. δ13C, bem como efetuadas datações 14C de fragmentos
Na parte sul da transecção, o enriquecimento de 13C foi de carvão soterrados nos solos.
mais pronunciado nos solos localizados na savana (km Na região de Barreirinhas (MA), no sentido
80 e 82), atingindo valores de -14,2‰, e tornou-se norte-sul, estudou-se uma transecção de
menos evidente nas seções florestadas, tanto para o sul aproximadamente 80 km em três fitofisionomias
como para o norte, onde o valor mais enriquecido foi (restinga, cerrado e matas mesófilas), com o objetivo
de -19,3‰. A tendência para valores mais de caracterizar a paleodinâmica das vegetações nos
empobrecidos de 13C acima da camada de 70 cm reflete últimos 15.000 anos na região.
uma tendência de aumento da influência das plantas No ponto LCF15 (2°52’S; 42°55’O), localizado
C3, indicativo do declínio da vegetação de savana. a 15 km da cidade de Barreirinhas (referenciada como
Com base na datação 14C da Figura 4.2, verificou- km 0), numa floresta mesófila em ecótono com restinga
se que a MOS dos locais de floresta nas camadas mais e cerrado, à margem da rodovia que liga Barreirinhas a
profundas dos solos foi provavelmente formada entre Urbano Santos (Figura 4.3), efetuou-se uma tradagem
17.000 e 9.000 anos A.P. O domínio da vegetação de até 3 m de profundidade. Os pontos LCF16 e LCC16
floresta, durante a última parte do Último Máximo (também identificados como LCT16) encontram-se no
Glacial ao Holoceno inferior, é consistente com outros km 16, na transição mata de restinga-cerrado e
estudos de reconstrução de vegetação (Colinvaux et al., eqüidistantes, aproximadamente 100 m da região de
1996; Haberle & Maslin, 1999). No presente estudo, a contato na direção da floresta e cerrado,
expansão da savana ocorreu de 9.000 a 8.000 anos A.P. respectivamente. Duas tradagens até 1 m de
até ≅3.000 anos A.P. Essa interpretação é similar a outras profundidade foram efetuadas. Os pontos LCC17, 20,
trocas de vegetação documentadas na Bacia Amazônica 25, 54 e 78 localizam-se nos respectivos quilômetros
durante o mesmo período (Gouveia et al., 1997; da rodovia a partir de Barreirinhas, todos sob vegetação
Pessenda et al., 1998b). Entretanto, algumas das regiões de cerrado, com exceção do 78 (3°10’924”S;

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4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

43°22’105”O), que se encontra sob vegetação de exceção do LCF46, que apresentou até 28%. Os teores
cerradão. Exceto o km 25, onde se fez uma trincheira de carbono orgânico na superfície variaram de 0,29%
de 4 m, em todos os locais foram efetuadas tradagens (LCC25) até 1,42% (LCF46) e decresceram
até 3 m. O ponto LCF46, floresta mesófila, localiza-se gradativamente, conforme o aumento da profundidade,
a aproximadamente 10 km sudoeste da rodovia, onde atingindo cerca de 0,05% a 400 cm em LCC25 e
se efetuou uma tradagem de até 4 m. compatíveis com outros solos estudados em regiões
A Lagoa do Caçó está localizada a 55 km sudoeste distintas do Brasil (Pessenda et al., 1996a,b; 1998a,c;
de Barreirinhas (Ribeiro, 2002) e a aproximadamente Pessenda, 1998).
10 km noroeste do ponto LCC54 (Figura 4.3), numa Na Figura 4.3 apresentam-se os resultados das
transição de floresta mesófila semidecídua com datações 14C dos fragmentos de carvão encontrados
formações vegetacionais de restinga, cerrado e caatinga. em profundidades distintas, desde a camada de 230-
Nesse local, efetuaram-se três coletas de solo e de 240 cm até 30-40 cm e 10-20 cm, indicativo de
plantas para a caracterização da vegetação. Num dos paleoincêndios durante praticamente todo o Holoceno,
locais, a aproximadamente 200 m sudoeste da borda da de 9.000 a 1.890 anos A.P., que podem estar associados
lagoa sob uma vegetação de cerradão, foram efetuadas a períodos secos (Ribeiro, 2002). Considerando-se que
coletas de solo por meio de trincheira até a profundidade as datações obtidas com os fragmentos de carvão
de 3 m, onde se observou a presença de fragmentos de mantenham a cronologia até cerca de 400 cm de
carvão que foram datados (Pessenda & Camargo, profundidade, estima-se que nesse ponto se obtenha
1991). Os solos foram classificados como Areia uma idade de ≅15.000 anos A.P.
Quartzosa (sobre areia eólica) e submetidos a Variações isotópicas foram observadas em alguns
tratamentos físicos e químicos adequados (Pessenda pontos da transecção floresta-cerrado (Figura 4.3). Os
et al., 1996a; Pessenda, 1998). valores de δ13C caracterizaram muito bem as coberturas
Os solos caracterizaram-se como ácidos e pobres vegetais. Como exemplo, citam-se os valores de -27‰
em nutrientes (Ribeiro, 2002). Os teores de argila foram para LCF15, de -26,8‰ para LCF16, de -25‰ para
baixos em todos os solos (cerca de 6 a 14%), com LCC16 de -21,4‰ e -19,1‰ para LCC20 e LCC25

Figura 4.3. Locais de amostragem na transecção de 78 km com ecótono mata de restinga-cerrado-cerradão na região de
Barreirinhas (MA) e resultados de d13C da MOS e 14C (fragmentos de carvão), em relação à profundidade do solo (Fonte:
Ribeiro (2002).

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Quaternário do Brasil

(cerrados densos), respectivamente, de -17,7‰ para paleoambiental (vegetação e clima) têm sido mais
LCC54 (cerrado mais aberto) e -25,3‰ para LCC78 intensamente desenvolvidos desde o início da década
(cerradão). de 1990, utilizando-se pólens depositados em
Os resultados indicaram que principalmente a sedimentos lacustres e turfeiras (Ferraz-Vicentini, 1993;
partir de 250-240 cm (≅9.000 anos A.P.) até 70-60 cm Roth & Lorscheitter, 1993; Ledru, 1993; Neves &
(≅3.000 anos A.P.), os valores de δ13C enriqueceram- Lorscheitter, 1994; Lorscheitter & Mattozo, 1995; Ledru
se significativamente (de -19 a -17‰), indicando a et al., 1996, 1998; Behling, 1995a,b, 1997a,b; Ferraz-
presença de plantas C4 em vários pontos da transecção, Vicentini & Salgado-Labouriau, 1996; Barberi et al.,
o que eventualmente pode estar associado à presença 2000), em isótopos do carbono da MOS (Desjardins et
de clima mais seco. O valor de -19,5‰ a 300 cm para al., 1996; Pessenda et al., 1996a,b, 1998a,b,c) e nos
LCC54 provavelmente caracteriza a presença de uma fragmentos de carvão encontrados nos solos (Soubiès,
vegetação aberta, do Pleistoceno superior ao Holoceno 1979/80; Sanford et al., 1985; Desjardins et al., 1996;
inferior. O enriquecimento isotópico até -17,4‰ a 50 Pessenda et al., 1996b; Gouveia et al., 1999; Santos et
cm de profundidade (≅2.500 anos A.P.) seguiu a al., 2000), e em outros indicadores. Entretanto, nesses
tendência geral e reforça a hipótese da presença de um estudos faltam ações conjuntas tanto analíticas como
paleocerrado no local. interpretativas, impossibilitando uma abordagem
Em termos de dinâmica de vegetação, verificou- interdisciplinar.
se que aproximadamente desde o Pleistoceno superior Estudos palinológicos em sedimentos lacustres
até o Holoceno inferior uma vegetação arbórea, e turfeiras e isotópicos de solos desenvolvidos
provavelmente florestal, predominou na maior parte da isoladamente indicaram a presença de condições
transecção de 78 km do ecótono floresta-cerrado na climáticas mais secas no Pleistoceno superior e
região de Barreirinhas. Posteriormente, desde ≅9.000 Holoceno inferior, em vários locais das regiões Central
anos A.P. até 3.000 anos A.P., houve a expansão do (Ferraz-Vicentini, 1993; Ferraz-Vicentini & Salgado-
cerrado, talvez relacionado com a presença de um clima Labouriau, 1996; Pessenda et al., 1996b; Barberi et al.,
seco. De 3.000 anos A.P. até o presente, os dados 2000), Sudeste (De Oliveira, 1992; Ledru, 1993; Ledru
isotópicos indicaram um empobrecimento do 13C do et al., 1996, 1998; Behling, 1995a, 1997a; Pessenda et
solo em vários pontos da transecção, o que foi al., 1996a; Pessenda, 1998; Behling, 1998; Gouveia et
interpretado como uma expansão da floresta sobre o al., 1999, 2002) e Sul (Roth & Lorscheitter, 1993;
cerrado, devido ao retorno a um clima úmido e Neves & Lorscheitter, 1994; Lorscheitter & Mattozo,
provavelmente similar ao atual. 1995; Behling, 1995b, 1997b, 1998; Pessenda et al.,
1996a; Pessenda, 1998; Stevaux, 1994, 2000) do Brasil.
5. PERSPECTIVAS DE PESQUISAS: ESTUDOS A implementação de estudos multi e
MULTI E INTERDISCIPLINARES interdisciplinares na área paleoambiental objetiva
Entre os vários métodos aplicáveis aos estudos desenvolver uma ação conjunta e sistematizada de
paleoclimáticos do Pleistoceno superior e Holoceno, as análises de pólens de sedimentos lacustres e isotópicos
análises palinológicas acompanhadas da datação por 14C da MOS e das plantas, com a possibilidade de se
constituem uma ferramenta poderosa. A fase de associar à análise antracológica, se houver a presença
aplicação mais sistemática de tais análises aos estudos de fragmentos de carvão nos solos. Essa integração de
paleoclimáticos no Brasil, porém, só teve início na década técnicas e pesquisadores deverá reforçar de forma
de 1980, tornando-se mais comuns na década de 1990 significativa os estudos de reconstrução das trocas
na execução de várias dissertações e teses. vegetacionais e climáticas ocorridas durante o
Outra técnica que pode ser utilizada nos estudos Pleistoceno superior e Holoceno na região Sudeste do
de reconstrução paleoambiental é a antracologia, onde Brasil.
se determinam as espécies vegetais dos fragmentos de
carvão que podem ser encontrados soterrados nos 6. PALEOCLIMAS E PALEOVEGETAÇÃO
sedimentos lacustres e nos solos. Essas análises
permitem a caracterização da vegetação (savana, floresta 6.1. Estudos Paleovegetacionais e
etc.) que recobria a região no passado. Além disso, Paleoclimáticos no Nordeste do Maranhão
esses restos de madeira carbonizados podem ser datados As localizações e características ambientais dos
por 14C e registrariam paleoincêndios, de origem natural sítios de estudo no Maranhão encontram-se descritas
(climática) ou antrópica. no item 4.2. A Figura 4.4 apresenta os resultados de
No Brasil, estudos de reconstrução δ13C de três locais próximos à Lagoa do Caçó, na região

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4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

Figura 4.4. Locais de amostragem ao redor da Lagoa do Caçó (MA) e resultados de d13C da MOS e 14C (fragmentos de
carvão), em relação à profundidade do solo (Fonte: Ribeiro, 2002).

de Barreirinhas, nordeste do Maranhão (Figura 4.1), bem abertura na vegetação ao redor da lagoa, entre ≅8.000 e
como as datações 14C dos fragmentos de carvão 3.000 anos A.P., eventualmente associada à presença
encontrados no solo. de clima mais seco, no intervalo entre as profundidades
Os valores da superfície do solo (-27,6, -26,6 e de 250-240 cm até 60-50 cm. A distribuição dos
-26,4‰) caracterizaram as formações florestais ao redor fragmentos de carvão no perfil do solo sugere a presença
da lagoa. A 50 m da borda a noroeste da lagoa (LCF50), de paleoincêndios em intervalo similar e reforça a
observa-se que os resultados variaram desde a superfície possibilidade da presença de um clima seco no intervalo
até 220 cm de profundidade, de -27,6 até -25,8‰, Holoceno inferior-médio.
indicativo de manutenção de plantas C3 durante o De forma semelhante, observaram-se variações
período. Contudo, a 150 m a montante (LCF150), assim isotópicas em alguns pontos da transecção floresta-
como a 200 m da borda a sudoeste (LCF200), os cerrado de 78 km, que se encontra a aproximadamente
resultados indicaram uma variação mais significativa, 10 km ao sul da lagoa (Figura 4.3), cujas inferências
com valores atingindo -21,5‰ na camada 180-190 cm paleoclimáticas foram similares às efetuadas para os
e -21,0‰ na camada 140-150 cm, respectivamente, pontos alocados ao redor da Lagoa do Caçó, e que foram
provável indício de uma vegetação mais aberta do que a detalhadamente interpretadas e descritas no item 2 do
atual, com eventual mistura de plantas C3 e gramíneas presente capítulo.
C4. Nos poucos estudos de reconstrução
As datações dos fragmentos de carvão, paleoambiental (vegetação e clima) realizados até o
soterrados no solo LCF200 (Figura 4.4), foram similares momento na região Nordeste do Brasil (De Oliveira et
àquelas obtidas em outros estudos até o momento al., 1999; Ledru et al., 2001, 2002), os autores
(Pessenda et al., 1996b, 1998a, 2001b; Gouveia et al., utilizaram a análise polínica de turfeiras e sedimentos
1999, 2002). Esses resultados indicam uma provável lacustres na caracterização das vegetações e a datação

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Quaternário do Brasil

14C na determinação da cronologia. Ledru et al. (2002) observaram um significativo


Um trabalho empregando a análise polínica de aumento percentual de até 70% de pólen de herbáceas,
sedimentos foi desenvolvido por Ledru et al. (2001) na o que corresponde a uma rápida e abrupta mudança
Lagoa do Caçó. O principal objetivo dos autores foi climática durante o Pleistoceno superior (11.600 até
caracterizar a presença da espécie Podocarpus após o ≅10.000 anos A.P.), relacionada com o evento “Younger
período glacial (14.000-11.500 anos A.P.) e associar a Dryas” no Hemisfério Norte. Os autores consideraram
um provável período frio e úmido na região Amazônica. que a temperatura pode ter diminuído em cerca de 2°C
Nesse período, observou-se em várias ocasiões a neste intervalo, assim como observaram a presença
presença de espécies de cerrado, como Byrsonima, significativa de fragmentos de carvão em todo o
Didymopanax e Ilex (Figura 4.5). Holoceno, indicando a ocorrência de paleoincêndios que
Em outro trabalho publicado com base nos foram associados ao domínio de uma vegetação arbórea
resultados polínicos dos sedimentos da Lagoa do Caçó, mais aberta. Entre 10.000 e 7.000 anos A.P., verificaram
50% de pólens arbóreos de mata ciliar e, entre 7.000
anos A.P. e o presente, a instalação da vegetação de
cerrado com 50% de pólens de árvores de cerrado
(aumento de Byrsonima e Mimosacea), atestando a
instalação de um clima similar ao atual.
Verifica-se, portanto, que as interpretações
paleoclimáticas obtidas no presente estudo são
comparáveis às publicadas por Ledru et al. (2001, 2002)
para a região de Barreirinhas.

6.2. Estudo Paleovegetacional e


Paleoclimático no Estado de São Paulo
O estudo dos fragmentos de carvão encontrados
nos sedimentos e nos solos também fornece informações
sobre mudanças climáticas. Os carvões são indicadores
cronológicos cujas datações apresentam grande
confiabilidade. Por serem biologicamente inertes e
fisicamente estáveis em relação a trocas com o meio
externo, são materiais apropriados para a datação por
14
C (European Science Foundation, 1985). Sua
determinação taxonômica pode caracterizar a vegetação
passada (Scheel et al., 1995), e as quantidades
distribuídas nos perfis de solos podem indicar prováveis
ocorrências de paleoincêndios (Pessenda et al., 1996a).
A seguir, apresenta-se um estudo das mudanças
de vegetação e clima ocorridas no estado de São Paulo
durante o Pleistoceno superior e o Holoceno, a partir
da análise do δ13C do solo, da antracologia e de datações
14
C (Gouveia et al., 2002; Scheel-Ybert et al., 2003).
A área de estudo situa-se na região fitogeográfica
do cerrado e da floresta semidecídua, cuja vegetação é
condicionada pela ocorrência de duas estações
climáticas bem definidas, uma chuvosa e outra seca.
As amostras de carvão e solo foram coletadas em
trincheiras, nas localidades de Jaguariúna, Botucatu e
Anhembi.
Figura 4.5. Diagrama polínico e datação 14C (anos A.P.) em Em Jaguariúna, a análise do δ13C do solo em
relação à profundidade do testemunho de sedimento dois perfis (I, a montante de uma vertente, e II, a jusante)
lacustre da Lagoa do Caçó, região de Barreirinhas (MA) sugere um predomínio de formações florestais após
(Fonte: Ledru, 2003). ≅3.000 anos A.P., com valores entre -23,0 e -20,7‰,

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4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

assim como uma contribuição crescente de formações


mais abertas com o aumento da profundidade. Nos
níveis inferiores, os valores são característicos de uma
vegetação onde coexistem plantas C3 e C4 (-20 a -
17,9‰), isto é, presença de um cerrado aberto, com
grande proporção de gramíneas (Figura 4.6). Em ambos
os perfis, valores de δ13C mais altos nos níveis inferiores
a 200 cm de profundidade (antes de 8.000 anos A.P.)
sugerem a predominância de plantas C4 (gramíneas).
Os resultados antracológicos confirmam e
completam essa interpretação, pois sugerem um clima
mais seco durante o Holoceno inferior a médio, com
uma vegetação de cerrado, seguido por um clima mais
úmido após ≅3.000 anos A.P. com a instalação de
formações florestais sobre o sítio, provavelmente um
Figura 4.6. Resultados de d13C da MOS de Jaguariúna,
cerradão. De fato, elementos tipicamente florestais são Botucatu e Anhembi e datações 14C de fragmentos de car-
encontrados na parte superior dos perfis (Figura 4.7A vão, em relação à profundidade do solo.
e B), enquanto nos níveis inferiores encontram-se vários
elementos exclusivos de cerrado. Na região de Botucatu, foram estudados dois
As maiores quantidades de fragmentos de carvão perfis (I e II). No perfil I, os valores de δ13C variam
foram encontradas no perfil a montante entre 60 e 220 entre -26,0‰ na camada superficial e -24,7‰ na
cm (≅4.000-9.000 anos A.P.) (Figura 4.8A), indicando profundidade de 210-220 cm. No perfil II, o δ13C é de
provavelmente o período de maior freqüência de -26,0‰ na superfície, aumentando progressivamente
incêndios nessa área. até atingir valores de -22,5 e -22,2‰ nas camadas mais

Figura 4.7. Resultados da análise antracológica, indicando o número de taxa típicos de cada tipo de vegetação (
floresta; floresta ou cerrado; cerradão; cerrado senso amplo) e respectivas datações 14C (anos A.P.). A:
Jaguariúna I; B: Jaguariúna II; C: Botucatu I; D: Botucatu II; E: Anhembi (Fonte: Scheel-Ybert et al. (2003).

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Quaternário do Brasil

Figura 4.8. Distribuição e datação 14C (anos A.P.) de fragmentos de carvão em relação à profundidade dos solos de
Jaguariúna, Botucatu e Anhembi.

profundas (Figura 4.6). Isso indica o predomínio de Em Anhembi, a análise de δ13C (Figura 4.6)
vegetação C3 (floresta semidecídua ou cerradão), em mostrou a predominância de plantas C3 ao longo de
ambos os perfis. Nos níveis inferiores do segundo perfil, toda a seqüência, mas com valores mais enriquecidos
o enriquecimento do δ13C pode ser explicado pelo (de -22,3 até -23,0‰) nos níveis inferiores (250-300
fracionamento isotópico da MOS (Nadelhoffer & Fry, cm). Esses valores podem estar relacionados ao
1988), mas a maior influência de vegetação de ciclo fracionamento da MOS ou à existência de uma vegetação
fotossintético C4 (gramíneas) também é possível, ou arbórea mais aberta e à influência de plantas C4 no início
seja, presença de um cerradão mais aberto, com estrato do Holoceno, provavelmente devido à existência de um
herbáceo mais importante. clima mais seco. Na parte superior do perfil,
Os resultados antracológicos dos dois perfis especialmente nos 50 cm superiores (após 3.000 anos
(Figura 4.7C e D) apóiam essa interpretação ao indicar A.P.), os valores de δ13C são mais empobrecidos (até -
a existência de uma vegetação florestada (cerradão ou 24,3‰), sugerindo o estabelecimento progressivo de
floresta semidecídua) durante todo o período estudado. uma formação florestada, provavelmente associada a
No perfil I, que cobre os últimos 8.000 anos, observa- um clima mais úmido.
se uma importante contribuição de elementos do Os resultados antracológicos permitem o
cerradão nos níveis inferiores e uma contribuição aprofundamento dessa interpretação, mostrando que o
crescente de elementos de floresta semidecídua nos local era coberto por uma vegetação florestada,
níveis superiores (Figura 4.7C). No perfil II, datado provavelmente de tipo cerradão, durante todo o período
dos últimos 6.700 anos, os elementos típicos de floresta estudado. Um clima mais úmido apareceu após 3.000
estão presentes apenas nos níveis inferiores (120-200 anos A.P., quando uma floresta semidecídua ou um
cm), de ≅6.500 a 5.700 anos A.P., em um período em cerradão mais denso se instalou no local. De fato, a
que eles existem também em I, mas os elementos de presença de uma espécie característica de mata e de
cerradão são abundantes ao longo de todo o perfil. um fragmento de Gramineae na mesma amostra do topo
Elementos do cerrado aberto são raros (Figura 4.7D). do perfil sugere a existência de uma formação florestada,
Dos elementos que podem ocorrer tanto no cerrado provavelmente um cerradão, em período mais recente
quanto na floresta, freqüentes em todos os níveis, os (Figura 4.7E). Elementos característicos de formações
mais importantes neste estudo são Croton sp e Luehea florestais e do cerradão ocorrem ao longo de todo o
sp, gêneros com várias espécies típicas de mata perfil.
semidecídua e de galeria. Os resultados isotópicos e antracológicos

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4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

indicam uma vegetação arbórea mais densa em Botucatu relacionada à influência de um clima mais seco foi
do que em Jaguariúna durante todo o período estudado, descartada pela pequena distância entre os locais
o que sugere condições climáticas mais secas em estudados.
Jaguariúna. Essa interpretação é corroborada por uma Em três locais no Brejo de Cavalos, sob
maior quantidade de fragmentos de carvão no solo nesse vegetação de mata (cerca de 1.000 m de altitude) na
local (Figura 4.8A), o que sugere uma maior freqüência região de Caruaru, a aproximadamente 150 km oeste
de incêndios (Gouveia et al., 1999, 2002; Gouveia, da costa, verificou-se o predomínio de plantas C3
2001). Na região de Anhembi, as condições climáticas durante o Pleistoceno superior e o Holoceno. Na
eram intermediárias. A quantidade de fragmentos no caatinga arbórea, na base do Brejo de Cavalos, também
solo é pequena, com exceção da camada de 30-50 cm efetuou-se uma coleta até 100 cm, cujos resultados
de profundidade (Figura 4.8C), onde o aumento da isotópicos indicaram a presença de uma vegetação
quantidade está provavelmente relacionado a uma maior menos densa desde o Holoceno médio, sem, contudo,
ocorrência de incêndios por volta de 2.500 anos A.P. caracterizar a presença de gramíneas.
Os dados isotópicos e antracológicos refletem Na Serra do Catimbau, distante cerca de 100
um ambiente mais aberto, indicativo de um clima mais km a oeste do Brejo de Cavalos, verificou-se, em dois
seco no início do Holoceno, e uma nítida tendência para locais sob vegetação de caatinga, que os valores de δ13C
um ambiente mais florestado, sugerindo um clima mais do solo e 14C de fragmentos de carvão soterrados não
úmido no Holoceno superior. A mudança observada indicaram mudança de predomínio de plantas C3 para
nessa região do estado de São Paulo por volta de 3.500/ C4 durante o Holoceno.
3.000 anos A.P. foi reconhecida também por vários Concluiu-se que na transecção de 250 km entre
outros autores (De Oliveira, 1992; Ledru, 1993; Behling, a Mata Atlântica e a caatinga arbórea em Pernambuco,
1995a; Pessenda et al., 1996a,b; Pessenda, 1998; as fitofisionomias atuais não foram significativamente
Parizzi et al., 1998), que registraram o desenvolvimento modificadas durante o Holoceno, independentemente
de florestas e o estabelecimento de condições climáticas de variações climáticas que porventura tenham ocorrido
similares ao presente no Brasil Central e Sudeste, entre na região.
5.000 e 1.000 anos A.P., dependendo do local (Scheel- Em termos de dinâmica de vegetação, verificou-
Ybert et al., 2003). se na região de Barreirinhas (MA) que, aproximadamente
desde o Pleistoceno superior até o Holoceno inferior,
7. COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS DOS uma vegetação arbórea, provavelmente florestal,
ESTUDOS ISOTÓPICOS SOBRE AS MUDANÇAS predominou na maior parte da transecção de 78 km do
PALEOVEGETACIONAIS ENTRE AS REGIÕES N- ecótono floresta-cerrado-caatinga. Posteriormente,
NE E S-SE desde ≅8.000 anos A.P. até ≅3.000 anos A.P., houve a
Na região Nordeste, pesquisas foram expansão do cerrado, talvez relacionado com a presença
desenvolvidas até o momento nos estados de de um clima seco. De 3.000 anos A.P. até o presente,
Pernambuco (Ribeiro, 2002; Pessenda et al., 2002c) e os dados isotópicos indicaram uma expansão da floresta
Maranhão (Ribeiro, 2002; Pessenda et al., 2002b). sobre o cerrado, devido ao retorno a um clima úmido e
Em Pernambuco, em uma transecção de cerca provavelmente similar ao atual.
de 250 km desde a região de Mata Atlântica no litoral A oeste de Barreirinhas, em Carajás (PA), região
até a caatinga na Serra do Catimbau (Figura 4.l), efetuou- Amazônica, Sifeddine et al. (1994) verificaram, por
se onze amostragens de solos com tradagens e em meio de análise polínica em sedimento lacustre, um
trincheiras até a profundidade de 400 cm. período seco entre ≅7.000 e 4.000 anos A.P., resultado,
Na região da costa, estudou-se uma transecção portanto, comparável ao obtido no Maranhão.
de três pontos com cerca de oito quilômetros de Gouveia et al. (1997), Pessenda et al. (1998a,
extensão, sendo dois deles sob vegetação de mata e um 1998b, 2001a) e Freitas et al. (2001) verificaram que,
sob cerrado. Os resultados isotópicos da MOS no período de 17.000 a 9.000 anos A.P., uma vegetação
indicaram que durante o Holoceno não houve uma predominantemente florestal recobria toda a paisagem
mudança significativa de vegetação nos locais de floresta. na região de Humaitá (AM). A partir de ≅9.000-8.000
A origem da vegetação de cerrado foi relacionada a uma até ≅3.000 anos A.P., vários locais da transecção foram
provável ação antrópica (desmatamento) recente substituídos por vegetação de savana (gramíneas C4),
(centenas de anos) e/ou à presença de espécies de provavelmente devido à presença de clima seco. Desde
cerrado em vegetação de restinga localizada a poucos ≅3.000 anos A.P. até o presente, os dados isotópicos
quilômetros do local. A interpretação climática indicaram predomínio de plantas C 3 , que foram

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Quaternário do Brasil

relacionados com o retorno a um clima úmido e com a controlada pelos movimentos sazonais da ZCI. Durante
expansão da floresta, como observado atualmente. o verão, a ZCI move-se para o sul, devido ao
De modo similar, Pessenda et al. (1998c) aquecimento do continente. No período de 12.400 anos
verificaram um predomínio de plantas C4 no sul do e 8.800 anos de calendário, a parte leste da Amazônia
estado de Rondônia entre ≅7.000 e 4.000 anos A.P., o recebeu substancial umidade, enquanto o Altiplano
que foi relacionado com a presença de um clima seco. Boliviano (localizado mais ao sul e a leste) encontrava-
No início do Holoceno (entre ≅10.000 e 8.000 anos se árido. Os autores sugeriram que o fato estava
A.P.) e desde ≅4.000 anos A.P. até o presente, os dados relacionado à posição mais ao norte do ZCI durante o
isotópicos indicaram o predomínio de plantas C3 que verão, em relação aos dias atuais. Ou seja, de forma
foram relacionados com a presença de um clima úmido. semelhante no período mencionado, as regiões nordeste
Desse modo, observa-se que há uma boa e Amazônica apresentavam maiores precipitações do
concordância nas interpretações paleoclimáticas que a região sul, ocasionando situações de clima mais
apresentadas para a região de Barreirinhas e distintos úmido ao norte e mais seco ao sul, entre ≅10.500 e
locais na região Amazônica, o que pode ser um indicativo 7.300 anos A.P.
de uma variação climática regional, provavelmente
associado a um clima mais seco do que o atual, do REFERÊNCIAS
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al., 2001, 2002) reforçaram as inferências climáticas Absy, M.L & Van der Hammen, T. 1976. Some
efetuadas nos estudos isotópicos em períodos similares. paleoecological data from Rondônia, Southern part of
Amazon Basin. Acta Amazonônica, v.6, n.3, p.283-299.
Contudo, ressalta-se que no Pleistoceno superior
Balesdent, J.; Girardin, C.; Mariotti, A. 1993. Site-related
e Holoceno inferior observou-se situações um pouco
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Piracicaba (SP) (Pessenda et al., 1996a, 1998a) e p.241-254.
Jaguariúna (SP) (Gouveia et al., 1999, 2002) indicaram Behling, H. 1995a. A high resolution Holocene pollen record
a presença de gramíneas desde ≅11.000 até ≅4.000 anos from Lago do Pires, SE Brazil: vegetation, climate and fire
A.P., o que foi associado à presença de um clima seco. history. Journal of Paleolimnology, v.14, n.3, p.253-268.
Dados de palinologia de sedimentos lacustres também Behling, H. 1995b. Investigations into the Late Pleistocene
indicaram um clima seco em período similar em and Holocene history of vegetation and climate in Santa
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Behling, H. 1997a. Late Quaternary vegetation, climate and
Desse modo, enquanto na região Sul do Brasil, fire history from the tropical mountain region of Morro
entre ≅11.000 até 8.000 anos A.P., havia o predomínio de Itapeva, SE Brazil. Palaeogeography,
de gramíneas e clima seco em vários locais, em regiões Palaeoclimatology, Palaeoecology, v.129, p.407-422.
do nordeste e no sul da Amazônia, as florestas Behling, H. 1997b. Late Quaternary vegetation, climate and fire
dominavam associadas a um provável clima úmido. A history of the Araucaria forest and campos region from
partir de ≅8.000-7.000 anos A.P., um clima seco Serra Campos Gerais, Paraná State (South Brazil). Review of
também se instalou nas regiões nordeste, sul e central Palaeobotany and Palynology, v.97, p.109-121.
da Amazônia, modificando a partir de ≅4.000-3.000 Behling, H. 1998. Late Quaternary vegetational and climatic
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Quaternario do Brasil.PMD 92 18/1/2008, 11:03


4. Isótopos do Carbono e suas Aplicações

Late Pleistocene in the Barreirinhas region, state of Scheel-Ybert, R.; Gouveia, S.E.M.; Pessenda, L.C.R.;
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Quaternário do Brasil

Capítulo 5

GEOLOGIA E GEOMORFOLOGIA DE
REGIÕES COSTEIRAS
Jorge Alberto Villwock
Guilherme Camargo Lessa
Kenitiro Suguio
Rodolfo José Angulo
Sérgio Rebelo Dillenburg

RESUMO. Com mais de 9.200 km de comprimento real, a costa brasileira apresenta uma grande diversidade de aspectos
geológicos e geomorfológicos. Apresenta-se uma síntese sobre o histórico e a evolução dos conhecimentos sobre as
regiões costeiras de alguns estados brasileiros. Após breve abordagem sobre as principais características geológicas
de ambientes costeiros, comenta-se o conjunto de fatores que condicionaram sua evolução, ligados à dinâmica global
(tectônica de placas, clima e variações do nível do mar) e à dinâmica costeira (ondas, correntes litorâneas, marés e
tempestades). Depois da descrição das principais características dos segmentos norte, nordeste, leste, sudeste e sul da
costa brasileira, comenta-se a sedimentologia dos depósitos cenozóicos que construíram as planícies costeiras que ali
ocorrem. Apesar de terem progradado no decorrer dos últimos milênios, as costas dessas planícies costeiras têm se
comportado, nos últimos séculos, como costas em recuo, afetadas por processos de submersão e/ou erosão.
Palavras-chave: Geologia costeira; Geomorfologia costeira; Costa brasileira.

ABSTRACT. The Brazilian coastline, more than 9.200 km long, is geologically and geomorphologically diverse. After an
introduction and a brief history of the evolution of knowledge about the coastal regions of some Brazilian states, the
main aspects of coastal environments are presented. A brief discussion about processes related to global dynamics
(plate tectonics, climate and sea-level changes) and to coastal dynamics (waves, coastal currents, tides and storm
surges) explains their role on geological development of this coast. Sedimentology of the coastal plains which alternate
with cliffs and rocky coasts all over its extent is discussed following a geomorphological characterization of the Brazilian
coastal area in the five, northern, northeastern, eastern, southeastern and southern, segments. In spite of the progradation
of the coastal plains that happened during the last millennia, some stretches of the coastline are retrograding during the
last centuries, submitted to drowning and/or to erosion.
Key-words: Coastal geology; Coastal geomorphology; Brazilian coast.

1. INTRODUÇÃO até o momento presente e, mais ainda, prever o seu


Na maioria dos casos, a geologia e a paisagem comportamento futuro. Trata-se, em outras palavras,
das áreas costeiras guardam registros importantes de de entender o presente, revelar o passado e prever o
sua evolução recente. A descrição e o estudo dessas futuro. No momento em que as atenções da sociedade
áreas têm revelado muitos capítulos da história geológica estão voltadas para a recuperação e a preservação dos
do Quaternário no planeta Terra. ecossistemas costeiros, esse conhecimento é
O texto que se segue objetiva apresentar os fundamental para discernir os estressores decorrentes
principais aspectos da costa brasileira, em especial os da ocupação humana daqueles resultantes da evolução
relacionados com a geologia, a geomorfologia, a natural dessas áreas de transição entre o continente e o
sedimentologia e a evolução geológica, considerados oceano. Os efeitos danosos da atuação do homem são
relevantes como subsídios para o entendimento do perfeitamente previsíveis e podem ser minorados. O
Quaternário no Brasil. Não menos importante é o seu próprio homem pode tomar providências em tempo
papel na compreensão do meio físico dessas áreas que hábil, uma vez que transformações naturais são
sustentam e condicionam o desenvolvimento de diversos geralmente muito lentas.
ecossistemas dos quais o homem depende. Ficam aqui registrados os agradecimentos dos
A descrição geológica de áreas costeiras permite, autores a todos os pesquisadores que, atuando na região
além de sua caracterização, definir os principais tipos costeira, vêm trazendo à luz conhecimentos que ampliam
de processos naturais que comandaram a sua evolução constantemente o seu entendimento. Isso tem permitido

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Quaternario do Brasil.PMD 94 18/1/2008, 11:03


5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

o grande prazer da compreensão de uma das mais naturais e antrópicos ao longo da zona costeira (Souza
fascinantes paisagens do planeta Terra. A eles se deve Filho et al., 2002), bem como pelo uso de imagens de
a maior parte do conteúdo deste trabalho que, sensores remotos nas quantificações das modificações
respeitosamente, lhes dedicamos. costeiras e reconhecimento dos diferentes ambientes
sedimentares transicionais (Souza Filho & Paradella,
2. HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DOS 2001 e 2002). Também foram realizados estudos
CONHECIMENTOS SOBRE A GEOLOGIA E A palinológicos em manguezais (Behling et al., 2001).
GEOMORFOLOGIA DE REGIÕES COSTEIRAS
EM ALGUNS ESTADOS DO BRASIL • Rio Grande do Norte
Os primeiros trabalhos sobre geologia e Os primeiros registros sobre geologia e
geomorfologia de áreas costeiras no Brasil remontam geomorfologia costeira no Rio Grande do Norte datam
ao início do século XIX. Até meados do século XX, os do início do século passado (Branner, 1902, 1904).
trabalhos sobre o tema eram principalmente descritivos, Esses estudos limitaram-se à descrição do trecho costeiro
correspondendo aos trabalhos que Villwock & Tomazelli situado a sul da cidade de Natal. Nos anos de 1970,
(1995) enquadram, no Rio Grande do Sul, como trabalhos voltados a aspectos estruturais (Costa & Salim,
representantes de uma fase antiga. A partir das décadas 1972) e rochas praiais (Oliveira, 1978) foram
de 1950 e 1960 inicia-se a fase moderna de investigação desenvolvidos nas proximidades de Natal. A partir do
das províncias costeiras brasileiras, marcada por final dos anos de 1980, estudos regulares de geologia e
trabalhos mais detalhados e de cunho interpretativo. geomorfologia costeira passaram a ser efetuados em
O histórico e a evolução dos conhecimentos sobre todo o litoral do Rio Grande do Norte. Nesse mesmo
geologia e geomorfologia costeira no Brasil são período, alguns trabalhos foram desenvolvidos no litoral
apresentados, a seguir, através de uma síntese histórica norte pela Petrobrás (e.g. Fortes, 1987, 1990; Bagnoli,
de sete estados brasileiros, representantes das regiões 1988; Bagnoli & Oliveira, 1995).
Norte, Nordeste, Sudeste e Sul. A partir de 1995, a criação da Pós-Graduação
em Geodinâmica e Geofísica da Universidade Federal
• Pará do Rio Grande do Norte resultou em importantes
No Pará, o trabalho de Ackermann (1964) contribuições no estudo do nível relativo do mar e
descreve pela primeira vez os depósitos costeiros do atividade tectônica relacionada (Lima Filho et al., 1995;
nordeste do estado. Nesse mesmo ano, Silveira (1964) Bezerra et al., 1998, 2001; Barreto et al., 2002; Caldas,
classificou a costa norte como dominada por 2002), bem como estudos voltados à evolução e
macromarés. Na década seguinte, o Projeto Radam monitoramento costeiro utilizando modernas técnicas
publicou os primeiros resultados sobre o mapeamento de estudo, tais como sensoriamento remoto, radar de
geológico e geomorfológico costeiro em escala de penetração no solo e datação 14C AMS (Amaro et al.,
1:1.000.000. Vale destacar o trabalho de Barbosa & Pinto 2002; Vital et al., 2002; Caldas, 2002; Lima et al.,
(1973), que definiu a unidade morfoestrutural “Litoral 2002).
de Rias” do Pará e Maranhão. Franzinelli (1982)
apresentou o trabalho “Contribuição à Geologia da Costa • Bahia
do Estado do Pará” com mapa geológico na escala As primeiras considerações sobre o Quaternário
1:250.000, destacando os processos costeiros, o recuo costeiro do estado da Bahia foram feitas por Spix &
de linha de costa e a compartimentação estrutural do Martius (1828) e Hartt (1870): o primeiro comenta
litoral nordeste do Pará. sobre os recifes de coral de Camamu e o segundo
Nesse mesmo período, Simões (1981) publicou descreve a geomorfologia do litoral baiano entre Mucuri
os primeiros trabalhos sobre sambaquis no norte do (extremo sul do estado) e Salvador. Ainda com
Brasil. Somente na década de 1990 foram publicados importância histórica, deve ser citado o trabalho de
os primeiros trabalhos sobre a morfoestratigrafia dos Branner (1904), apresentando treze referências sobre
depósitos costeiros (Silva, 1996; Santos, 1996; Souza recifes de corais da Bahia. Dentre os vários trabalhos
Filho & El-Robrini, 1996, 1998, 2000). Nesses geomorfológicos publicados por Cardoso da Silva e
trabalhos, foram gerados mapas geomorfológicos em Tricart nas décadas de 1950 e 1960, vale relacionar o
escala de 1:50.000. Essa década é marcada também trabalho de Tricart & Cardoso da Silva (1968), primeiro
pelas pesquisas sobre a compartimentação neotectônica trabalho que busca apresentar uma visão abrangente
da costa norte (Souza Filho, 2000). Os últimos anos do Quaternário marinho do estado. Os depósitos
têm sido marcados por estudos sobre os impactos quaternários marinhos emersos foram novamente objeto

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Quaternário do Brasil

de investigação na primeira publicação de Martin & A Baía de Ilha Grande teve sua cobertura sedimentar
Suguio (1976) reportando os problemas estruturais da mapeada por Mahiques & Furtado (1989). O reduzido
costa baiana e sua influência no modelado costeiro. desenvolvimento de planícies costeiras foi tratado por
Ainda na década de 1970, foram publicados os primeiros Suguio & Martin (1978), que reconstituíram a curva de
trabalhos propondo as curvas de variação do nível variação do nível do mar para a região de Parati e Angra
marinho, merecendo destaque Martin et al. (1979a). dos Reis durante os últimos 2.700 anos A.P.
Na década de 1980, vários trabalhos sobre a No norte do estado foi realizada uma série de traba-
evolução morfoestratigráfica das grandes lhos sobre a planície costeira do rio Paraíba do Sul, centrados
desembocaduras fluviais do leste brasileiro foram em aspectos estratigráficos e transporte sedimentar
publicados, merecendo especial atenção os de (Dominguez et al., 1982; Martin & Flexor, 1987).
Dominguez et al. (1981) e Dominguez et al. (1987). Recentemente, Muehe & Valentini (1998)
Análises mais abrangentes sobre o desenvolvimento do apresentaram uma descrição geral da fisiografia do
modelado costeiro passaram a ser feitas na década de litoral do estado do Rio de Janeiro, com extensa
1990, abrangendo toda a região Nordeste oriental e bibliografia.
setentrional, e procuraram avaliar o papel das diferentes
variáveis atuantes no balanço sedimentar enfocando • São Paulo
principalmente a erosão costeira (Dominguez & Em São Paulo, os primeiros trabalhos sobre a
Bittencourt, 1996; Martin et al., 1998; Bittencourt et região costeira foram realizados pela Comissão
al., 2000, 2002). Os inúmeros trabalhos publicados Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo (CGG,
sobre a sedimentologia da Baía de Todos os Santos são 1915, 1920), que percorreu todo o litoral paulista
sumarizados na revisão feita por Lessa et al. (2000a). fazendo descrições geológicas e geomorfológicas.
Os recifes de coral, importantes feições geomórficas Silveira (1950) tratou da geomorfologia regional do vale
da costa baiana, têm sido estudados sob diversos do rio Ribeira de Iguape e dos ambientes costeiros
aspectos desde o início da década de 1970, sendo o associados. Freitas (1951a,b,c) analisou, ao longo da
trabalho de Leão & Kikuchi (1999) o que melhor sintetiza costa paulista, as composições mineralógicas de areias
os conhecimentos até aqui obtidos. de praias e seus respectivos significados geológicos da
costa paulista. Ab’Saber (1955) versou sobre a evolução
• Rio de Janeiro paleogeográfica do litoral paulista. A geomorfologia da
Trabalhos sobre a geologia e a geomorfologia planície costeira de Caraguatatuba foi discutida por Cruz
costeira no Rio de Janeiro começaram a se destacar a (1974) e Souza (1990). Suguio & Petri (1973) e Petri
partir da década de 40 do século passado, com os & Suguio (1973) publicaram trabalhos pioneiros sobre
trabalhos de Lamego (1940, 1945) a respeito dos aspectos estratigráficos dos depósitos cenozóicos da
cordões litorâneos por ele denominados de restingas, e região costeira de Cananéia-Iguape.
pelo excelente trabalho de Ruellan (1944) sobre a Baía Finalmente, estudos sistemáticos baseados em
de Guanabara e região vizinha. Posteriormente, foram levantamentos de campo e em datações absolutas foram
apresentadas reavaliações e estudos mais detalhados iniciados por Martin & Suguio (1975), culminando com
sobre os cordões litorâneos (e.g. Muehe & Corrêa, 1989; a publicação dos mapas geológicos em escala 1:100.000
Ireland, 1987; Martin & Suguio, 1989; Maia et al., 1984; das planícies costeiras de todo o litoral paulista (Suguio
Muehe & Ignarra, 1984). & Martin, 1978). Barcelos (1975), Giannini (1987) e
Referentes à Lagoa de Araruama, Branco & Souza (1990) estudaram as planícies costeiras de Ilha
Ramalho (1984) apresentaram um detalhado estudo Comprida, Peruíbe-Itanhaém e Caraguatatuba,
batimétrico e sedimentar, e Muehe (1994) apresentou respectivamente. Aspectos da geologia e geomorfologia
uma síntese dos conhecimentos da geomorfologia e do estado de São Paulo foram apresentados por Massad
cobertura sedimentar. Os estudos na Baía de Sepetiba (1994) e Vargas (1994).
são representados pelos trabalhos de Roncarati &
Barrocas (1978) sobre a cobertura sedimentar; por • Paraná
Ponçano et al. (1979) sobre a evolução do cordão No estado do Paraná, as pesquisas sobre geologia
litorâneo da Marambaia e a origem da Baía de Sepetiba; e geomorfologia costeira iniciaram-se com o amplo e
por Borges & Figueiredo (1989) sobre a evolução pioneiro trabalho de Bigarella (1946), incluindo o primeiro
geomorfológica da baía nos últimos 100 anos; e por mapa geológico do litoral paranaense (1:400.000).
Borges (1998) sobre a evolução geomorfológica da Trabalhos subseqüentes foram publicados por Maack
restinga da Marambaia e Baía de Sepetiba. (1949), Loureiro Fernandes (1947) e Figueiredo (1954).

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5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

Na década de 1950, J.J. Bigarella publicou importantes (1989) e Toldo Jr. (1989, 1994).
trabalhos sobre os sambaquis e sua relação com a Nos anos de 1990, iniciaram-se os trabalhos de
evolução paleogeográfica da zona costeira. Nas duas investigação de detalhe dos sistemas de barreiras
décadas seguintes, junto com colaboradores, publicou costeiras de idade holocênica, cujos resultados estão
importantes trabalhos sobre sedimentologia de apresentados nos trabalhos de Tomazelli (1990),
ambientes costeiros, variações paleoclimáticas e do nível Dillenburg (1994), Tomazelli et al. (2000) e Dillenburg
do mar e problemas costeiros, destacando-se os et al. (2000).
trabalhos de síntese de Bigarella & Becker (1975) e
Bigarella et al. (1978). 3. CARACTERÍSTICAS GEOLÓGICAS E
No final da década de 1960, a Comissão da Carta GEOMORFOLÓGICAS DE AMBIENTES
Geológica do Paraná procedeu ao levantamento COSTEIROS
sistemático de folhas geológicas na escala 1:70.000 do A ação das ondas e das correntes litorâneas
Paraná, incluindo as folhas geológicas do litoral. Na comanda os processos de erosão e deposição ao longo
década de 1980, foram publicados trabalhos referentes das costas: dependendo de sua intensidade, da taxa de
à planície costeira do litoral paranaense, destacando-se suprimento de areia e da declividade da zona costeira,
Suguio et al. (1986) e Martin et al. (1988), que inclui o leva à acumulação de grandes corpos clásticos arenosos,
mapeamento da planície costeira na escala 1:200.000. desenvolvidos abaixo e acima do nível da água que, de
Nos anos de 1990, iniciaram-se novos trabalhos de modo geral, são denominados areias litorâneas.
mapeamento na escala 1:50.000 (Angulo, 1992) e foram A nomenclatura dos principais tipos de corpos
publicados trabalhos e defendidas teses sobre sedimentos arenosos litorâneos tem sido alvo de constantes
de fundo dos complexos estuarinos paranaenses (Soares discussões e muitas controvérsias que perduram até os
& Barcelos, 1995; Odreski, 2002), variações do nível do dias de hoje. Um apanhado geral é encontrado em
mar (Angulo & Lessa, 1997; Angulo et al., 1999, 2002) Medeiros et al. (1971) e Suguio & Tessler (1984), que
e a evolução das barreiras holocênicas (Lessa et al., discutem com detalhes a nomenclatura e a gênese dos
2000b; Souza, 1999; Araújo, 2001). depósitos litorâneos mais freqüentes ao longo da costa
brasileira. A gênese dos diferentes tipos de areias
• Rio Grande do Sul litorâneas também tem sido motivo de muitas
No Rio Grande do Sul, os primeiros trabalhos, controvérsias. Discussões apresentadas por Hoyt (1967,
de cunho descritivo, abordaram temas variados sobre 1969), Curray et al. (1969), Zenkovitch (1969), Swift
a região costeira do estado (e.g. Backeuser, 1918; (1975), Leathermann (1979) e Flexor et al. (1984)
Lamego, 1940) e, juntamente com os primeiros servem como boas introduções ao assunto.
trabalhos de subsuperfície, efetuados na parte emersa Os principais tipos de areias litorâneas são as
da Bacia de Pelotas (e.g. White, 1908; Carvalho, 1932; barreiras e os cordões litorâneos regressivos.
Rheingantz, 1955), representam a fase antiga de As barreiras são corpos de areia paralelos à linha
trabalhos geológicos sobre a Província Costeira gaúcha. de costa que se elevam acima do nível da mais alta
A fase moderna é marcada pelos trabalhos maré e que estão separados do continente por uma área
desenvolvidos, em sua maioria, pelo Centro de Estudos lagunar. Quando esse corpo arenoso está separado do
de Geologia Costeira e Oceânica (CECO) do Instituto continente, aplica-se o nome de ilha-barreira.
de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande Lamego (1940, 1945) utilizou o termo restinga
do Sul. Destaca-se aqui o trabalho de Delaney (1965), como designação geral para os corpos de areia do litoral
que apresenta a primeira visão de conjunto sobre a brasileiro, tais como esporões, pontais, tômbolos, barras
geologia da planície costeira. Nos anos de 1970 e 1980 e cristas de praia. Suguio & Tessler (1984) propõem
do século passado, algumas dezenas de dissertações de que o termo restinga deva ser substituído por outros
mestrado e teses de doutorado culminaram com a mais precisos, se possível com significado genético,
publicação do Atlas da Província Costeira do Rio Grande adequados a cada caso que se queira descrever.
do Sul. A síntese do conhecimento gerado por esses Os cordões litorâneos regressivos, também
trabalhos é apresentada por Villwock (1984), Villwock denominados cristas de praia, feixes de restinga ou
et al. (1986) e Villwock & Tomazelli (1995). planícies de restingas, são corpos arenosos alongados,
Importantes trabalhos sobre a hidrodinâmica e a dispostos paralelamente, ocupando amplas áreas em
sedimentologia da Laguna dos Patos foram apresentados zonas costeiras em progradação. Entre os cordões,
no final do século passado. Dentre esses, merecem quase sempre se acumulam depósitos paludiais.
destaque os trabalhos de Martins (1963), Martins et al. A designação areia litorânea regressiva é aplicada

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Quaternário do Brasil

quando os corpos arenosos formam um lençol contínuo disponibilidade de sedimentos finos. Spartina, Salicornia
acumulado sobre depósitos marinhos transgressivos. e Juncus são os gêneros mais comuns nessa
Aplica-se o nome chenier aos cordões de areia comunidade florística, tolerante ao sal, que tem seu
que ocorrem descontínuos e separados por depósitos desenvolvimento máximo na zona intermaré.
lamíticos. Os cheniers são típicos da costa da Louisiana, Nas zonas tropicais, entre os paralelos 30°N e
a oeste do delta do Rio Mississipi (EUA). O termo deriva 30°S, a vegetação dos pântanos costeiros é substituída
de chêne em alusão aos carvalhos que crescem sobre pelos manguezais, uma comunidade de plantas lenhosas
os cordões arenosos da área. Alguns exemplos dessas adaptadas a ambientes alagados, pobremente aerados,
formações podem ser encontrados no segmento norte sujeitos a influências salinas, onde os gêneros mais
da costa brasileira e em Santa Catarina. típicos são Rhizophora, Avicennia e Laguncularia.
As areias que constituem os corpos arenosos Nesses ambientes, o desenvolvimento da
litorâneos são constantemente remobilizadas pelos vegetação promove uma aceleração nos processos de
ventos que sopram nas regiões costeiras. Nas costas assoreamento, mediante o aprisionamento de sedimentos
onde os ventos dominantes sopram do mar, grandes detríticos e o acúmulo de matéria orgânica. Mudanças
volumes de areia são levados da praia e acumulados em ambientais e catástrofes naturais promovem avanços e
campos de dunas terra adentro. A morfologia das dunas recuos de suas coberturas vegetais.
costeiras é muito variada em função de um conjunto de Levando-se em consideração o fato de que o
fatores, tais como o regime dos ventos, a topografia da Quaternário foi marcado pela alternância de períodos
região, o tipo e a densidade de vegetação, a glaciais e interglaciais acompanhada de importantes
disponibilidade de areia, as oscilações do nível do mar e flutuações do nível do mar, o que ocasiona transgressões
a evolução geológica da área. Suas principais e regressões da linha de costa, é fácil deduzir que
características estão apresentadas no Capítulo 11. estuários, lagunas, marismas e manguezais são feições
Estuários e lagunas são feições comuns, e ambientes costeiros que têm vida efêmera com
encontradas ao longo de linhas de costa transgressivas. transformação constante.
Segundo definições clássicas, estuário é um corpo Deltas são protuberâncias construídas ao longo
d’água costeiro, semifechado, livremente conectado das linhas de costa quando rios chegam aos oceanos,
com o mar aberto, influenciado pelas marés que nele mares semifechados, lagos ou lagunas costeiras,
promovem misturas entre a água do mar e a água doce trazendo grande volume de sedimentos. A velocidade
proveniente da drenagem terrestre, produzindo um de suprimento sedimentar é maior do que aquela que os
gradiente de salinidade. Da mesma forma, laguna é uma agentes da dinâmica litorânea da bacia receptora podem
depressão da zona costeira, abaixo do nível médio das retrabalhar e distribuir. A construção dos deltas resulta
marés mais baixas, mantendo com o mar uma sempre da ação combinada dos agentes fluviais e os da
comunicação permanente ou efêmera e protegida dele bacia receptora, tais como ondas, marés e correntes
por um tipo qualquer de barreira. Enquanto um estuário associadas.
típico é uma reentrância estreita e alongada secante à A ação das ondas sobre costas altas causa erosão,
linha da costa, as lagunas típicas são paralelas a uma que promove o recuo da linha de costa. Associadas a
barreira coincidente com a linha da costa. O fato de retração de falésias, penhascos ou costões rochosos,
apresentarem muitos aspectos comuns faz com que, ocorrem outras feições erosionais muito típicas. São
muitas vezes, os limites conceituais entre esses dois as plataformas de abrasão marinha estabelecidas
tipos de feições costeiras se revelem inconsistentes. próximo ao nível médio do mar e às cavernas de abrasão
Portanto, estuários e lagunas são ambientes escavadas nas partes menos resistentes dos penhascos.
costeiros transicionais, influenciados, por um lado, pelos Partes mais resistentes à erosão originam os pináculos
agentes continentais (água doce e sedimentos terrígenos) e a evolução de cavernas proporciona a formação dos
e, por outro, pelos agentes marinhos (água salgada e arcos marinhos ou pontes naturais.
sedimentos litorâneos). De modo geral, os processos de
sedimentação conduzem ao assoreamento de estuários e 4. CONDICIONAMENTO GEOLÓGICO DE
lagunas, construindo, nas partes mais abrigadas de suas REGIÕES COSTEIRAS
margens, as planícies de marés, onde a vegetação se
instala, originando marismas e manguezais. 4.1. Dinâmica Global
Os marismas e pântanos salgados são Uma série de fenômenos de magnitude planetária
encontrados ao longo das regiões extratropicais, sempre exerce influência sobre a morfologia das regiões
que a energia das ondas for baixa e houver excesso na costeiras. Os movimentos entre as placas continentais

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5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

e oceânicas determinam o tipo de costa e a sua e Fontana (1990).


orientação quanto à exposição às ondas e correntes. O A área continental adjacente, antigas áreas
clima mundial afeta o desenvolvimento dos organismos cratônicas e de cinturões móveis policíclicos, foi palco
terrestres e marinhos, controla a erosão dos continentes de acontecimentos tectônicos que se estenderam até o
e, sobretudo, é responsável pelas flutuações do nível Terciário, como pode ser visto em Almeida (1981), Alves
do mar. As respostas geológicas do planeta às variações (1981), Fúlfaro et al. (1982). O Capítulo 10 discute o
em peso das capas de gelo que se acumulam nas regiões papel da neotectônica na evolução da linha de costa do
polares e aos enormes volumes de água provenientes Brasil.
de sua fusão modificam o geóide, produzindo mudanças Através de diversas fases de reativação seguindo
adicionais no nível relativo do mar, de efeito regional antigas direções de fraqueza estrutural do embasamento
ou local. cristalino pré-cambriano, ocorreram basculamentos,
Todos os segmentos da costa brasileira mostram flexuras e soerguimentos. Esses eventos resultaram na
conseqüências desse condicionamento global, conforme formação de fossas e muralhas tectônicas, vales de
visto a seguir. afundamento, alguns acompanhados de manifestações
vulcânicas alcalinas. Assim originou-se o vale do tipo
• Tectônica de placas rifte, no qual corre o rio Paraíba do Sul e onde as bacias
A costa do Oceano Atlântico da América do Sul sedimentares de Taubaté, Resende, São Paulo e Curitiba
está desenvolvida sobre uma margem continental foram desenvolvidas. Paralelamente, ocorreram o
passiva, amero trailling edge continental margin, soerguimento das serras do Mar e da Mantiqueira e a
segundo a classificação de Inman & Nordstron (1971), inclinação das antigas superfícies de aplainamento para
que se contrapõe à costa do Oceano Pacífico, construída o interior do continente (Almeida & Carneiro, 1998).
sobre uma margem continental ativa. Nesta última, uma Esses fenômenos conduziram à inversão do sentido de
costa de colisão é caracterizada por regiões muito curso dos principais rios que, passando a correr para o
soerguidas, submetidas a grande atividade tectônica e interior do continente, interromperam a maior parte do
com vulcanismo associado. O cavalgamento da Placa suprimento sedimentar para a linha de costa.
Sul-Americana sobre a Placa de Nazca, na margem Foram esses processos, ligados à tectônica
oeste da América do Sul, desenvolve relevos muito global, que submeteram à ação do mar os velhos
acidentados (como a Cordilheira dos Andes), que complexos ígneos e metamórficos pré-cambrianos e
proporcionam o fornecimento de grandes quantidades eopaleozóicos, e parte de sua cobertura sedimentar e
de materiais detríticos que acabam sendo levados pelos vulcânica, paleozóica e mesozóica, ao longo das costas
sistemas fluviais para o lado oposto, a margem leste. sudeste e sul brasileiras.
Esta é constituída por regiões baixas onde, em ambiente As diferenças que existem entre esses dois
de relativa calma tectônica, se desenvolvem planícies segmentos, o sudeste marcado por costas altas onde
costeiras com sistemas lagunares e ilhas-barreira que promontórios rochosos se alternam com pequenas
transicionam para extensas plataformas continentais. planícies costeiras e o sul caracterizado por uma extensa
A evolução tectono-sedimentar da margem planície, constituída por um complexo de barreiras
continental brasileira, como pode ser visto em Asmus arenosas, lagunas e campos de dunas, são conseqüência
& Guazelli (1981), Ojeda (1982) e Chang et al. (1990), de diferenças regionais nas intensidades dos mesmos
está relacionada com os eventos que conduziram a processos de evolução tectônica. Enquanto a costa
abertura do Oceano Atlântico Sul. Foram iniciados no sudeste foi submetida a falhamentos e soerguimento de
Jurássico (130 milhões de anos) e resultaram na ruptura blocos que acabaram por construir a Serra do Mar, a
do antigo supercontinente de Gondwana, a partir de costa sul foi palco de maior calma tectônica, o que
um sistema de fraturas tipo rifte, hoje marcado pela possibilitou o aplainamento do embasamento e o
dorsal meso-atlântica, onde o assoalho oceânico desenvolvimento de uma ampla planície costeira.
continua em expansão. Nessas circunstâncias,
desenvolveram-se as bacias marginais brasileiras onde • Clima
foram acumulados espessos pacotes sedimentares. A variação da radiação solar recebida pela
Para exemplificar, basta analisar o que se passou superfície do planeta é um dos principais condicionantes
com os segmentos sul e sudeste da margem continental de seu clima. A ela somam-se as influências do
brasileira, onde estão as bacias de Santos e de Pelotas, movimento de rotação do globo terrestre. Obtêm-se,
separadas pela Plataforma de Florianópolis. Descrições assim, os principais mecanismos que regem a circulação
dessas bacias podem ser encontradas em Macedo (1990) dos oceanos e da atmosfera, responsáveis pelos regimes

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Quaternário do Brasil

meteorológicos, envolvendo temperatura, precipitações, desenvolvidos em clima mais quente do que o de hoje.
evaporação, ventos, ondas, correntes litorâneas e Martin et al. (1991) interpretam inversões no sentido
tempestades. da deriva litorânea, responsável pela construção dos
Esse conjunto de fenômenos que caracterizam cordões litorâneos regressivos que constituem parte das
o clima de cada parte do planeta nas mais diferentes planícies costeiras deltaicas dos grandes rios que
escalas é responsável por muitas das características desembocam na costa leste e nordeste, como resultante
geomorfológicas das regiões costeiras. de situações tipo paleo-El Niño.
O clima controla as taxas de intemperismo, de
erosão e de transporte de detritos até as linhas de costa. • Variações paleoclimáticas e mudanças do
Essa influência é exercida inclusive nas maturidades nível do mar
textural e mineralógica dos sedimentos clásticos As variações paleoclimáticas e as mudanças do
acumulados nas margens continentais (Emery, 1968). nível do mar delas decorrentes têm desempenhado papel
Também é o clima que controla a distribuição latitudinal muito importante na evolução das áreas costeiras. No
das construções recifais coralígenas (Davies, 1980), decorrer dos últimos dois milhões de anos ocorreram
além dos manguezais e dos marismas (Chapman, 1977). alternâncias cíclicas de períodos frios e quentes que
Diferentes tipos climáticos atuam sobre o produziram os estágios glaciais e interglaciais que, por
território brasileiro (esse tema é tratado mais sua vez, foram acompanhados pelas grandes regressões
profundamente no Capítulo 2). Sobre sua linha de costa, e transgressões marinhas. O Capítulo 6 aborda este
que se estende desde o Oiapoque, 2° de latitude norte, assunto em profundidade.
até o Chuí, 33° de latitude sul, incidem condições Essas variações, decorrentes de mudanças na taxa
oceanográficas distintas. Os efeitos dessa diversidade de insolação da faixa de altas latitudes do Hemisfério
climática sobre a geomorfologia são notáveis. Os Norte, controladas por ciclos astronômicos, são
severos processos de intemperismo atuantes na região consideradas como verdadeiro “marcapasso” das
equatorial disponibilizam sedimentos finos que, somados glaciações. Elas produzem o aumento ou a diminuição
aos provenientes da região andina, chegam até o oceano. das médias de temperatura global que comandam a fusão
A atuação da corrente das Guianas transporta esses ou o crescimento das calotas de gelo e conseqüente
materiais para o norte e os deposita, construindo as subida ou descida do nível do mar (Broecker & Denton,
amplas planícies lamosas de marés ao longo da costa 1990).
do Amapá, ocupadas por exuberantes manguezais. Os Outros fatores têm sido apontados como
manguezais, cuja variabilidade ao longo da costa responsáveis pelas variações do nível do mar e uma
brasileira é apresentada por Schaeffer-Novelli et al. discussão detalhada pode ser encontrada em Mörner
(1990), mapeados por Herz (1991), quase constantes, (1980).
acabam por desaparecer no sul de Santa Catarina, onde
as baixas médias anuais de temperatura só permitem o 4.2. Dinâmica Costeira
desenvolvimento de marismas. Da mesma forma, são A dinâmica costeira é a principal responsável
as médias elevadas de temperatura e o baixo pelos processos de erosão e/ou deposição que mantêm
fornecimento de material terrígeno os fatores que as áreas litorâneas em constante transformação.
favorecem o desenvolvimento de construções recifais Os ventos, as ondas por eles geradas e as
nas costas nordeste e leste. Diferenças na orientação e correntes que se desenvolvem quando as ondas chegam
no desenvolvimento dos campos de dunas que ocorrem à linha de costa atuam ininterruptamente sobre os
em diferentes setores da costa são resultantes dos materiais que aí encontram, erodindo, transportando e
diferentes regimes de ventos, assunto tratado no depositando sedimentos. A esses processos somam-se
Capítulo 11. Da mesma forma, os ventos controlam a os efeitos das marés e das ressacas produzidas pelas
direção e o poder energético das ondas que incidem tempestades.
sobre a costa, produzindo as correntes litorâneas que Os processos costeiros, bem como seus
transportam grandes quantidades de areia em diferentes condicionantes, são apresentados mais profundamente
sentidos. Esse tema é abordado no Capítulo 7. no Capítulo 7.
Mudanças paleoclimáticas também deixaram seu
registro geológico. Villwock (1987), analisando • Ondas
depósitos paludiais no norte da planície costeira do Rio As ondas que se desenvolvem nos oceanos são
Grande do Sul, sugere ali, bem mais ao sul do limite geradas pelos ventos que sopram sobre a superfície da
atual de ocorrência, a existência de antigos manguezais água. Existem as ondas produzidas por abalos sísmicos,

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5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

os maremotos, que, embora de efeitos catastróficos, mesomarés (amplitude >2 m e <4 m) mostram ilhas-
são praticamente inexistentes entre os processos barreira curtas e atrofiadas (3 a 20 km), grande número
costeiros brasileiros. de canais ligando as áreas lagunares ao mar, grande
Conforme pode ser visto em Davies (1980), o desenvolvimento de manguezais e marismas nas
regime de ondas que se abate sobre a costa brasileira margens de lagunas e estuários. Esse é o quadro
fica caracterizado por ondulações geradas pelos ventos mostrado pela costa de Sergipe e Alagoas, conforme
alíseos de NE, dominando ao longo da costa entre o pode ser visto em Bruni & Silva (1983). As costas de
Cabo Orange (Amapá) e o Cabo Calcanhar (Rio Grande micromarés (amplitude <2 m), por outro lado, têm ilhas-
do Norte), e por ondulações geradas pelo cinturão barreira alongadas (30 a 100 km), pequeno número de
tempestuoso subpolar do Atlântico Sul, portanto vindas canais e pouco desenvolvimento de manguezais e
de SE, dominando ao longo da costa entre o Cabo marismas. Tais aspectos podem ser vistos na costa de
Calcanhar e o Arroio Chuí (Rio Grande do Sul). São Paulo (Martin et al., 1979b), do Paraná (Martin et

• Correntes litorâneas e transporte de


sedimentos
As ondas que chegam à praia acabam por gerar
uma série de correntes capazes de movimentar grandes
quantidades de sedimentos. Esse movimento de areia é
denominado deriva litorânea e constitui um dos
processos mais significativos de transporte de
sedimentos ao longo das costas arenosas.
A deriva litorânea é o principal processo
responsável pelas migrações laterais das
desembocaduras fluviais, lagunares e estuarinas ao
longo da linha de costa. Flexor et al. (1984) mostram
que o seu bloqueio, causado pelas correntes fluviais, é
o principal mecanismo que conduz à construção das
planícies costeiras deltaicas que ocorrem na costa
nordeste e leste (Dominguez et al., 1983). No Paraná,
evidências de migração para o norte da desembocadura
do complexo estuarino de Paranaguá durante o
Holoceno foram descritas por Lessa et al. (2000a).
Por outro lado, qualquer modificação introduzida
pelo homem no sistema de deriva litorânea afeta o
equilíbrio do estoque natural de areia ao longo das praias,
afetando as taxas de erosão ou deposição. Obras de
construção civil, como molhes, portos, aterros e
dragagens, têm sido responsáveis por erosão de muitos
trechos ao longo da costa brasileira, conforme ilustra o
Capítulo7.

• Marés e ressacas
O regime de marés é outro fator determinante
da geomorfologia de áreas costeiras, conforme mostrou
Hayes (1975). Esse condicionamento também se verifica
ao longo da costa brasileira (Figura 5.1). Segundo aquele
autor, costas de macromarés (amplitude >4 m) mostram
estuários marginados por amplas planícies de maré
ocupadas por manguezais ou marismas e as ilhas-
barreira são ausentes. É o caso da costa do Pará e do
Maranhão, cujas características podem ser vistas no Figura 5.1. O regime de marés e a geomorfologia da costa
trecho descrito por Franzinelli (1982). Já as costas de brasileira (Fonte: http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br).

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Quaternário do Brasil

al., 1988), e do Rio Grande do Sul (Villwock, 1984). cenozóicas.


As costas sul e sudeste também são submetidas, As planícies costeiras constituídas por
periodicamente, a marés de tempestade, conhecidas sedimentos terciários e quaternários acumulados em
como ressacas, que movimentam grandes quantidades ambientes continentais, transicionais e marinhos são
de material sedimentar, a exemplo do que se tem mais conspicuamente desenvolvidas em torno de
observado ao longo da costa do Rio Grande do Sul, desembocaduras dos grandes rios, onde tem sido maior
conforme Villwock & Martins (1972) e Martins et al. o suprimento sedimentar de clásticos terrígenos.
(1983). Falésias e costões rochosos aparecem ao longo
de vários setores da costa, onde os agentes de erosão
• Ventos dominam sobre os de deposição. As falésias ocorrem
O papel dos ventos não se restringe ao da geração quando pacotes sedimentares mais antigos são expostos
de ondas. Depois que a areia movimentada por ondas e à ação direta do mar e os costões rochosos resultam
correntes é depositada na praia e exposta ao ar, ela seca quando aquela ação se faz sentir sobre complexos
e é movimentada pelos ventos. Grandes quantidades de cristalinos, tanto ígneos como metamórficos.
areia são transportadas por saltação ou arraste ao longo Como visto anteriormente, processos ligados à
das linhas de costa. Quando os ventos sopram do mar dinâmica costeira têm sido decisivos no
eles acabam por levar a areia da praia rumo à terra, desenvolvimento de muitas das características que os
desenvolvendo grandes campos de dunas. diversos segmentos da costa brasileira apresentam.
A orientação dos campos de dunas retrata o rumo Na rápida descrição feita a seguir, é utilizado o
dos ventos dominantes na região costeira. Na costa esquema proposto por Silveira (1964, modificado por Cruz
nordeste é bem visível a influência dos ventos alíseos et al., 1985), que subdividiu a costa brasileira em cinco
de NE, entre a Baía de São Marcos (Maranhão) e o setores: norte, nordeste, leste, sudeste e sul (Figura 5.2).
Cabo Calcanhar (Rio Grande do Norte), e a dos alíseos
de SE ao sul do Cabo Calcanhar.
Ocasionalmente, a areia transportada pelo vento
invade zonas urbanizadas, obstrui estuários, promove
o assoreamento de portos e lagoas costeiras. Essa é
uma situação freqüente ao longo da costa sul e sudeste
brasileira onde os ventos dominantes sopram do
quadrante nordeste. Na costa sul, os ventos são os
agentes mais efetivos na modelagem das feições
geomorfológicas superficiais. Além dos enormes
campos de dunas, eles são responsáveis pela modelagem,
assoreamento e segmentação das lagoas costeiras,
conforme descreveram Villwock (1972) e Tomazelli
(1990).

5. COSTA BRASILEIRA
A costa brasileira se estende entre as latitudes 4o
o
N e 33 S, apresentando cerca de 5.900 km de perímetro
envolvente e mais de 9.200 km de linha real, de acordo
com os dados de Silveira (1964). Diferentes
condicionamentos geológicos e climáticos ao longo de
toda essa extensão são responsáveis por uma grande
diversidade de aspectos geomorfológicos.
De modo geral, observa-se uma sucessão de
planícies costeiras alternando-se com falésias e costões
rochosos bordejando uma antiga área continental
composta por rochas de complexos ígneos e
polimetamórficos pré-cambrianos, sobre os quais
assentam seqüências sedimentares e vulcânicas Figura 5.2. A costa brasileira (Fontes: Silveira, 1964; Cruz
acumuladas em bacias paleozóicas, mesozóicas e et al., 1985, modificado).

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5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

Informações adicionais podem ser encontradas Maranhenses. Os estuários, limitados por falésias
em Cruz et al. (1985), Villwock (1994), Muehe (1995, esculpidas nos sedimentos terciários, são ocupados por
1998), Ross & Muehe (1996) e Ab’Saber (2001). Os amplas planícies de maré, arenosas e lamosas, quase
leitores são estimulados a acompanhar essa descrição sempre colonizadas por extensos manguezais.
observando as imagens de satélite, LANDSAT 5,
recentemente publicadas no excelente Guia de Praias • Costa Nordeste
da Revista Quatro Rodas, da Editora Abril. Dados A costa nordeste vai da Baía de São Marcos, no
complementares também podem ser obtidos nos Maranhão, até a Baía de Todos os Santos, na Bahia. De
relatórios do Projeto RADAMBRASIL, publicados pelo modo geral, é constituída pelos sedimentos terciários
Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) da Formação Barreiras que, parcialmente retrabalhados
e pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e no Pleistoceno e no Holoceno, originaram os Tabuleiros
Estatística (IBGE). A Empresa Brasileira de Pesquisa Costeiros. Ao longo da costa, os sedimentos do Grupo
Agropecuária (EMBRAPA), por outro lado, mantém o Barreiras apóiam-se indistintamente sobre o
site http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br, onde se embasamento cristalino e sobre depósitos mais antigos
obtêm imagens de satélite de todo o território brasileiro pertencentes às diversas bacias sedimentares que ali
com resolução até a escala de 1:25.000. ocorrem, integrantes da margem continental brasileira.
Esse setor é subdividido em duas partes.
• Costa Norte A Costa Semi-Árida, que se estende até o Cabo
Também chamada de Litoral Amazônico ou Calcanhar, é marcada por pequenos aportes fluviais.
Equatorial, a costa norte estende-se desde o Cabo Desenvolvem-se aí planícies costeiras com sistemas
Orange, no Amapá, até a Baía de São Marcos, no laguna-barreira de pequena envergadura. Lagunas e
Maranhão, e tem sido subdividida em três partes. estuários mostram manguezais instalados ao longo de
O Litoral Guianense, desde o Oiapoque até o Cabo suas margens, enquanto que as barreiras arenosas
Norte, é constituído por terrenos terciários que se apóiam mostram cordões litorâneos quase sempre
sobre embasamento cristalino pré-cambriano. É um remobilizados pelos fortes e persistentes ventos de NE,
trecho constituído por costas muito baixas, onde se responsáveis pelo crescimento de gigantescos campos
desenvolvem extensas planícies de maré lamosas, de dunas, como é o caso dos chamados Lençóis
ocupadas por manguezais de grande porte que Maranhenses. Destaca-se, nesse trecho, a planície
transicionam rumo ao interior para pântanos costeiros. costeira do rio Parnaíba.
Cordões litorâneos arenosos, do tipo chenier, sugerem A Costa Nordeste Oriental ou das Barreiras vai
a ação eventual de grandes tempestades que erodem e do Cabo Calcanhar até a Baía de Todos os Santos. Com
retrabalham a parte mais interna das planícies de maré, o mesmo condicionamento geológico, esse trecho é
construindo praias arenosas que logo após são marcado pelas falésias esculpidas nos sedimentos da
parcialmente recobertas pela deposição lamosa. Esse Formação Barreiras e pelas franjas de recifes de arenito
trecho constitui uma típica costa deposicional, de praia que suportam construções recifais
condicionada por macromarés que distribuem a lama organógenas, favorecidas pelos pequenos aportes
amazônica que a Corrente Equatorial Brasileira empurra sedimentares terrígenos. Nelas se destacam as algas
rumo ao norte. calcárias, os briozoários e os corais. Em longos trechos,
O Golfão Amazônico, área ocupada por um essas construções recifais protegem a linha de costa
gigantesco complexo deltaico-estuarino, é também uma dos efeitos decorrentes da alta energia da dinâmica
área de costas baixas e muito instáveis submetidas à costeira, criando praias abrigadas e piscinas naturais
ação de processos fluviais e marinhos. Esses processos que constituem o encanto das praias da região. Nas
produzem erosão que gera falésias e deposição de imediações da foz dos principais rios desenvolvem-se
sedimentos que origina as planícies alagadas que planícies costeiras constituídas por sistemas múltiplos
caracterizam o grande número de ilhas do arquipélago laguna-barreira pleistocênicos e holocênicos. Também
marajoara. aí as lagunas e estuários, afetados por um regime de
O Litoral Amazônico Oriental, que se estende mesomarés, são ocupadas por manguezais e os cordões
até a Baía de São Marcos, é marcado pela presença de litorâneos são retrabalhados pelos ventos de SE gerando
sedimentos terciários da Grupo Formação Barreiras campos de dunas. Destaca-se, nesse trecho, a planície
muito recortados por cursos de água, responsáveis pela costeira do rio São Francisco. Também é significativo
presença de inúmeros estuários, controlados pelas o fato de que a pluma de sedimentos em suspensão
macromarés. São as chamadas Reentrâncias originária do rio São Francisco, dirigida para o sul pelas

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Quaternário do Brasil

correntes litorâneas, inibe o desenvolvimento das característica dos marismas.


construções recifais e mantém águas turvas ao longo
do litoral de Sergipe, ao contrário do que acontece com • Costa Sul
o litoral de Alagoas, mais ao norte. A costa sul, do Cabo de Santa Marta (SC) até o
Arroio Chuí (RS), caracteriza-se por uma ampla planície
• Costa Leste ou Oriental costeira com cerca de 700 km de comprimento e até
Nesse setor, compreendido entre a Baía de Todos 120 km de largura, onde um sistema múltiplo e complexo
os Santos e o Cabo Frio, no Rio de Janeiro, persistem de barreiras arenosas aprisiona um gigantesco sistema
as condições geológicas da Costa Nordeste Oriental. lagunar (Lagunas dos Patos e Mirim), e uma série de
Costas altas, falésias na Formação Barreiras e costões outros corpos de água isolados ou interligados com o
rochosos no embasamento cristalino, estes ocorrendo mar por intermédio de canais estreitos e rasos. Ali são
a partir da Baía de Vitória rumo ao sul, alternam-se com encontrados quatro sistemas laguna-barreira,
costas baixas, constituídas por planícies costeiras muito constituindo uma sucessão de terraços marinhos e
bem desenvolvidas em torno da desembocadura dos lagunares, onde falésias, cordões litorâneos, pontais
principais rios, como o Jequitinhonha, o Doce e o arenosos suspensos e campos de dunas marcam, de
Paraíba do Sul. Nessas planícies costeiras observam- modo definido, antigas linhas de costa, pleistocênicas e
se sistemas múltiplos de laguna e barreira. Manguezais holocênicas. Marismas ocorrem nas margens das
ocupam as margens das áreas estuarinas e lagunares. porções estuarinas dos corpos lagunares e grandes
Amplos terraços ornamentados por sistemas de cordões campos de dunas ocorrem sobre a planície arenosa.
litorâneos regressivos, pleistocênicos e holocênicos, são Do Cabo de Santa Marta até Tramandaí, a
parcialmente retrabalhados pelos ventos, dando origem planície costeira é mais estreita e tem seu limite interno
a campos de dunas arenosas. marcado pelas escarpas da Serra Geral, borda leste da
Bacia do Paraná, que chegam até a linha de costa atual,
• Costa Sudeste em Torres, formando ali o único promontório rochoso
A costa sudeste, do Cabo Frio até o Cabo de desse trecho da costa sul-brasileira.
Santa Marta, é marcada pela presença da Serra do Mar, De Tramandaí até o Arroio Chuí, a planície se
um conjunto de terras altas constituídas pelo alarga e tem seu limite interno nos terrenos muito
embasamento cristalino granito-gnáissico, cujas dissecados do Escudo Sul-Rio-Grandense e Uruguaio.
escarpas que chegam até o mar constituem
promontórios rochosos de costões, que se alternam com 6. SEDIMENTOLOGIA DOS DEPÓSITOS
reentrâncias quase sempre tectonicamente controladas. COSTEIROS BRASILEIROS
Nelas, associadas ou não à desembocadura dos Os depósitos sedimentares acumulados na costa
principais sistemas fluviais que chegam ao oceano, brasileira constituem a porção superior de numerosos
ocorrem planícies costeiras compostas por sistemas sistemas de leques deltaicos instalados na borda interna
de laguna e barreira, simples ou múltiplos, ou por das bacias marginais. São sedimentos clásticos
sistemas de cordões litorâneos regressivos, terrígenos acumulados em ambientes continentais e
pleistocênicos e holocênicos, ou somente holocênicos, transicionais mistos que, posteriormente, tiveram suas
parcialmente retrabalhados pelo vento. Ao sul de São porções distais retrabalhadas por processos ligados a
Paulo e principalmente no Paraná e norte de Santa ambientes lagunar, praial e marinho raso, no decorrer
Catarina, essas planícies abrigam extensos complexos de, pelo menos, quatro grandes ciclos de transgressão
estuarino-lagunares, como Paranaguá (SP-PR), e regressão.
Guaratuba (PR) e São Francisco (SC). Nas margens
dessas áreas estuarinas, bem como nas das áreas 6.1. Descrição das Características dos
lagunares de pequeno porte, quase sempre se Depósitos Pré-Holocênicos
desenvolvem manguezais. Os sedimentos mais antigos aflorantes nas
Laguna (SC), extremo sul desse trecho, marca planícies costeiras foram gerados em sistemas de leques
o limite meridional de ocorrência de manguezais na costa aluviais acumulados a partir de encostas de terras altas,
brasileira. Como visto anteriormente, as baixas médias que constituem o bordo oeste das bacias, por processos
anuais de temperatura que ocorrem ao sul dessa gravitacionais e aluviais de transporte de material. Os
localidade são inadequadas ao desenvolvimento dessas sedimentos graduam desde elúvios e colúvios, nas
associações vegetais arbóreas, permitindo apenas o regiões proximais, até depósitos nitidamente aluviais
crescimento de vegetação halófita de pequeno porte associados, em geral, a canais entrelaçados, nas regiões

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5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

mais distais. Conglomerados, diamictitos, arenitos e marinho descrito por Suguio & Martin (1987), em
lamitos, avermelhados pela concentração secundária de Iguape (SP), posteriormente denominado Formação
óxidos e hidróxidos de ferro, maciços ou com grosseira Morro de Icapara (Suguio & Martin, 1994), e algumas
estratificação, às vezes com estruturas acanaladas, são areias avermelhadas com elevado teor em matriz síltico-
as litologias mais comuns. Sua deposição iniciada no argilosa diagenética e com crostas ferruginosas,
Terciário continua, na realidade, até o presente. As fácies encontradas nas imediações de Imbituba e de Laguna
associadas a esse sistema deposicional ocorrem nas (SC), podem estar relacionados com esses sistemas
partes mais internas das planícies costeiras, no sopé de Laguna-Barreira I e II que melhor se expõem no Rio
terras altas. Suas porções mais distais foram, em parte, Grande do Sul.
retrabalhadas por processos marinhos e lagunares Sedimentos produzidos no terceiro grande evento
durante os vários eventos transgressivos que ocorreram transgressivo-regressivo pleistocênico estão bem
posteriormente. Esses retrabalhamentos, além de preservados ao longo de toda costa. No Rio Grande do
produzirem o terraceamento desses depósitos, Sul, integram o Sistema Laguna-Barreira III, responsável
causaram, em muitos locais, o interdigitamento com pelo isolamento de todo o Sistema Lagunar Patos-Mirim.
fácies de origem marinha, eólica, lagunar e fluvial. Esse É constituído por areias quartzosas, claras, finas, bem
sistema deposicional engloba as fácies sedimentares selecionadas, com estratificações muito bem
mapeadas como pertencentes às formações Gravataí, desenvolvidas, com grande quantidade de tubos fósseis
Serra de Tapes, Graxaim e Guaíba, no Rio Grande do atribuídos a Callichirus, de origem praial e marinho raso,
Sul; Iquererim, Canhanduva e Cachoeira, em Santa recobertas por areias eólicas de coloração mais
Catarina; Alexandra, no Paraná; Pariqüera-Açu, em São avermelhada e aspecto maciço, geralmente bioturbadas.
Paulo; e Formação Barreiras, do Rio de Janeiro até o Vários ambientes deposicionais do tipo lagunar, paludial
Amapá. e fluvial estabeleceram-se nas depressões isoladas pelas
Os depósitos relacionados com o primeiro Barreiras II e III. Em geral, os sedimentos acumulados
grande ciclo transgressivo-regressivo pleistocênico têm nesses ambientes e retrabalhados de depósitos mais
sido descritos, no Rio Grande do Sul, como antigos correspondem a areias pobremente
pertencentes ao Sistema Laguna/Barreira I (Villwock selecionadas, de coloração creme, maciças ou
& Tomazelli, 1995). Estão mais bem preservados ao estratificadas, mostrando concreções carbonáticas e
longo de uma faixa desde as localidades de Osório até ferruginosas disseminadas. Fósseis de mamíferos têm
Tapes, constituída por sedimentos eólicos que sido descritos em sedimentos dessa unidade (Soliani
inicialmente se ancoraram sobre altos do embasamento. Jr., 1973). Os terraços marinhos e lagunares associados
São areias quartzosas avermelhadas, de granulação fina ao Sistema III, no Rio Grande do Sul, mantêm-se entre
a média, muito bem arredondadas que quase sempre as cotas de 8 e 15 m.
apresentam elevado conteúdo de matriz síltico-argilosa Esses depósitos que têm sido mapeados, no Rio
de origem pedogenética. Esse corpo sedimentar, em Grande do Sul, como Membros Taim e Santa Vitória da
forma de barreira arenosa, isolou, do lado do continente, Formação Chuí e como Formação Itapoã são
uma depressão onde se acumularam sedimentos fluviais, correlacionáveis com os gerados pela Transgressão
lagunares e paludiais. Os sedimentos eólicos que formam Cananéia (Suguio & Martin, 1978) ou Penúltima
o corpo principal da Barreira I foram descritos como Transgressão (Bittencourt et al., 1979), descritos ao
Formação Itapoã (Delaney, 1965). longo de toda a costa brasileira. Ocorrem como depósitos
Durante o segundo grande ciclo transgressivo- arenosos com características muito semelhantes às
regressivo pleistocênico, um novo sistema, o Laguna/ descritas no Rio Grande do Sul, destacando-se a
Barreira II, acumulou sedimentos nas planícies presença de tubos fósseis de Callichirus e as estruturas
costeiras. Os depósitos praiais e eólicos da Barreira II primárias bem preservadas, como as estratificações
estão preservados, no Rio Grande do Sul, como um cruzadas acanaladas, tabulares e sigmóides. Na
pontal arenoso desenvolvido a leste da Lagoa dos Barros superfície, exibem cordões litorâneos (sedimentos
e, mais ao sul, como um antigo sistema de ilhas-barreira, praiais), quase sempre recobertos por sedimentos
responsável pelo primeiro isolamento da Laguna Mirim. eólicos, que são indicadores de antigas linhas de costa.
Os depósitos lagunares ocorrem sobre um terraço (18- A maior parte dos depósitos pleistocênicos que
24 m), retrabalhado a partir de fácies do Sistema de têm sido mapeados na costa norte, nordeste e leste
Leques Aluviais. As características litológicas desses pertencem a esse sistema. Eles ocorrem na parte mais
sedimentos são muito semelhantes às descritas a seguir. interna das planícies costeiras, em especial naquelas
Sedimentos antigos, tais como um terraço desenvolvidas em torno da desembocadura dos rios

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Quaternário do Brasil

principais, como as descritas por Dominguez et al. Em toda costa brasileira, os terraços marinhos
(1983). holocênicos são arenosos e, em alguns locais, contêm
No Rio de Janeiro, constituem parte da barreira grande quantidade de conchas de moluscos. Sua
arenosa que deu origem ao sistema das lagunas superfície é marcada por feixes de cordões litorâneos,
fluminenses entre Cabo Frio e Niterói. Em São Paulo, muitas vezes retrabalhada por processos eólicos que
aparecem desde Caraguatatuba (litoral norte) até dão origem a campos de dunas. Nas antigas depressões
Cananéia (litoral sul), onde também isolaram sistemas lagunares, em torno das baías e na periferia das lagunas
lagunares, hoje em grande parte preenchidos pela atuais, ocorrem depósitos areno-síltico-argilosos, às
sedimentação mais moderna. No Paraná, estão bem vezes muito ricos em conchas de moluscos, o que tem
desenvovidos em Paranaguá. Em Santa Catarina, são permitido sua exploração econômica. Nas margens de
encontrados na Ilha de São Francisco e arredores e áreas protegidas, tais como canais de maré, baías e
entre Imbituba e Laguna, onde constituem uma antiga lagunas, desenvolvem-se planícies de maré que são
ilha-barreira que isolou o Sistema Lagunar Mirim- ocupadas por manguezais e marismas, onde se
Imaruí-Santo Antônio. Daí para o sul, ocorrem ao longo depositam sedimentos predominantemente síltico-
da faixa costeira, mantendo continuidade com os argilosos, muito ricos em matéria orgânica.
depósitos da Barreira III já descritos para o Rio Grande
do Sul. 7. PRINCIPAIS CONCLUSÕES, DISCUSSÕES E
LACUNAS DE CONHECIMENTO
6.2. Descrição das Características dos As descrições morfológicas e sedimentológicas
Depósitos Holocênicos anteriormente apresentadas evidenciaram, de modo
O último grande ciclo transgressivo-regressivo muito claro, a grande influência que as variações de
iniciado ao final do Pleistoceno estendeu-se pelo nível do mar exerceram sobre a construção e a evolução
Holoceno. No Rio Grande do Sul, ele controlou o das planícies costeiras da costa em estudo. Suguio &
desenvolvimento do Sistema Laguna-Barreira IV. A Martin (1987), combinando os modelos de evolução
última grande transgressão marinha avançou sobre os geológica propostos por Martin et al. (1983), Suguio
sedimentos da Barreira III, erodindo-os, e neles et al. (1985) e Villwock et al. (1986), identificaram
esculpindo uma falésia que se desenvolveu nitidamente oito estágios evolutivos na construção das planícies
ao longo de toda a sua borda leste. A regressão que se costeiras do sudeste e sul do Brasil. Esses estágios são
seguiu possibilitou o desenvolvimento da Barreira IV, sumariamente descritos no Capítulo 6.
que isolou, do lado do continente, um novo sistema De modo geral, as planícies costeiras que se
lagunar que, hoje em dia, se apresenta em diferentes encontram ao longo da costa do Brasil podem ser
estágios de segmentação, quase sempre controlada pela classificadas como costas em avanço associadas a
ação do vento nordeste. Nas margens do Sistema Patos- processos de emersão e/ou deposição, adotando-se o
Mirim, uma sucessão de terraços entre as cotas de -1 a esquema de Valentin (1952), quando se considera a
+4 m retrata oscilações do nível do mar durante a fase evolução geológica de 7.000 anos A.P. até hoje.
regressiva. A Barreira IV é constituída Segundo Bird (1981, 1985), as linhas de costa
fundamentalmente pelas areias da faixa praial atual e do do mundo (especialmente as costas atuais de antigas
campo eólico adjacente. Em alguns locais, como no sul planícies litorâneas progradantes) estariam, em geral,
de Rio Grande, sua progradação se fez através da em processo de recuo por perda de areia para dunas,
construção de feixes de cordões litorâneos (Godolphim, para a plataforma continental ou por deriva litorânea.
1976). As areias da praia atual são quartzosas, de Suguio & Martin (1987) afirmaram que, até então, no
granulação fina a muito fina e mostram, em certos locais, Brasil não existiam estudos capazes de corroborar as
elevadas concentrações de minerais pesados. O campo idéias daquele autor, embora Mesquita & Leite (1986),
de dunas é bem desenvolvido ao longo de toda a linha baseados em medições de maré por algumas décadas,
de costa. Os sedimentos acumulados na depressão e admitissem que o nível do mar, no trecho entre
nos terraços lagunares são arenosos a areno-síltico- Pernambuco e Rio Grande do Sul, teria estado em
argilosos, às vezes ricos em matéria orgânica. ascensão à razão de 0,30 m por século nos últimos
Esses depósitos, anteriormente mapeados no Rio anos. Emery & Aubrey (1991), analisando registros
Grande do Sul como Formação Quinta, são maregráficos ao longo da costa atlântica da América
correlacionáveis com os produzidos pela Transgressão do Sul, mostraram essa subida do nível do mar. Esse
Santos ou Última Transgressão (Suguio & Martin, fenômeno poderia promover a transferência de
1978), nos demais setores da costa. sedimentos da praia para a plataforma continental, de

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5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

acordo com a teoria de Bruun (1962) e, dessa maneira, dos importantes ecossistemas que a constituem,
provocar o recuo da linha de costa. Tal situação foi distribui-se a maior parte da população humana do país.
constatada por Souza (1997) para o litoral do estado de Nela estão as capitais de quatorze estados brasileiros e
São Paulo, onde a análise de cartas náuticas antigas e importantes instalações industriais e portuárias. A
recentes demonstraram alterações significativas nas questão é saber qual será o panorama que seus
isóbatas (deslocamento rumo ao mar aberto e diminuição habitantes ali descortinarão ao final desse século. As
do grau de inclinação da plataforma), principalmente ameaças são, no mínimo, preocupantes. Em vários
em áreas que estão sofrendo intensa erosão costeira. capítulos deste livro, o assunto é abordado.
Por outro lado, Dias-Brito & Zaninetti (1979), Espera-se que o conteúdo deste capítulo sirva
estabelecendo a zonação fitológica dos manguezais de de estímulo para iniciativas que permitam ampliar os
Acupe (BA), Guaratiba (RJ) e Iguape (SP), concluíram, conhecimentos necessários para caracterizar o
entre outras coisas, que as planícies de maré onde se fenômeno na costa brasileira, avaliar suas prováveis
situam esses manguezais também estão atualmente em conseqüências, proteger a natureza e dotar a sociedade
fase de erosão. de tecnologia capaz de minimizar seus efeitos danosos.
Tomazelli & Villwock (1989) discutiram
evidências que mostram a existência de um processo REFERÊNCIAS
erosivo atual na linha de costa do Rio Grande do Sul. A Ab’Saber, A.N. 1955. Contribuição à geomorfologia do
erosão de depósitos paludiais e lacustres holocênicos, litoral paulista. Revista Brasileira de Geografia, v.1,
atualmente aflorantes na praia intermarés e na base das p.3-48.
dunas frontais em vários pontos da linha de costa Ab’Saber, A.N. 2001. Litoral do Brasil. São Paulo :
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Ackerman, F.L. 1964. Geologia e fisiografia da região
morfológicas ao longo de toda a margem interna da
Bragantina - Estado do Pará. Cadernos da Amazônia,
Laguna dos Patos e o desenvolvimento de um expressivo
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campo de dunas que ativamente transgride os terrenos Almeida, F.F.M. 1981. Síntese sobre a tectônica da Bacia
holocênicos dessa região costeira caracterizam um do Paraná. In: Simpósio Regional de Geologia, 3, São
processo erosivo que parece ser resultante de uma Paulo. Atas... SBG. v.1, p.1-20.
tendência contemporânea de elevação do nível relativo Almeida, F.F.M. & Carneiro, C.R. 1998. Origem e evolução
do mar. Conforme demonstrado no Capítulo 7, essa é da Serra do Mar. Revista Brasileira de Geociências,
uma tendência geral para todo o litoral brasileiro. v.28, n.2, p.135-150.
Desse modo, permanece válida a suposição de Alves, E.C. 1981. Estruturas da margem continental sul-
Suguio & Martin (1987) de que, embora as planícies brasileira e das áreas oceânicas e continentais
costeiras tenham sido costas em avanço nos últimos adjacentes. In: Asmus, H.E. (Ed.). Estrutura e
milênios, elas têm se comportado como costas em tectonismo da margem continental brasileira e suas
implicações nos processos sedimentares e na
recuo, associadas a processos de submersão e/ou
avaliação do potencial de recursos minerais.
erosão, nos últimos séculos.
Petrobrás/Cenpes/Dintep. p.145-170. (Série Projeto
Uma importante discussão sobre a atual subida Remac, 9).
do nível relativo do mar pode ser encontrada em Barth Amaro, V.E.; Vital, H.; Alves, A.L.; Lima, Z.M.C.; Tabosa,
& Titus (1984). Esses autores atribuem ao “Efeito W.F.; Caldas, L.H.O.; Souto, M.V.S. 2002. Application
Estufa” a causa principal do fenômeno. of remote sensing multitemporal/multisensor data
Independentemente da origem que essa variação analysis and GIS database for coastline change
positiva do nível do mar possa ter, muitos países têm monitoring and nearshore morphology detection in RN
realizado estudos sobre o impacto ambiental que ela State, NE Brazil. In: 2002 Ocean Sciences Meeting,
ocasionará sobre suas linhas de costa, afetando, American Geophysical Union, Honolulu-Hawaii. CD-
principalmente, a parte mais baixa das planícies costeiras. ROM and EOS. Transactions... AGU. v.83, n.4. (Ocean
A preocupação atinge desde a preservação das reservas Sciences Abstracts, p.OS21A-14).
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naturais em diversos ecossistemas costeiros (marismas,
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manguezais, lagunas, estuários etc.), até a proteção de
Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo.
áreas urbanas e instalações industriais construídas Angulo, R.J. & Lessa, G..C. 1997. The Brazilian sea level
nessas terras baixas. Desenvolvem-se novas tecnologias curves: a critical review with emphasis on the curves
em engenharia de costas e preparam-se recursos from Paranaguá and Cananéia regions. Marine Geology,
humanos nessa área de conhecimento. v.140, p.141-166.
Ao longo dos 9.200 km da costa brasileira, além Angulo, R.J.; Giannini, P.C.F.; Suguio, K.; Pessenda, L.C.R.

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Quaternario do Brasil.PMD 112 18/1/2008, 11:03


5. Geologia e geomorfologia em regiões costeiras

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Quaternário do Brasil

Capítulo 6

PALEONÍVEIS DO MAR E PALEOLINHAS


DE COSTA
Kenitiro Suguio
Rodolfo J. Angulo
Alexandre M. Carvalho
Iran C.S. Corrêa
Luiz J. Tomazelli
Jorge A. Willwock
Helenice Vital

RESUMO. Embora Charles R. Darwin (1809-1882) tenha reconhecido, pela primeira vez, as rochas praiais (beach-rocks)
presentes ao longo da costa do estado de Pernambuco como evidências de mudança recente de paleonível do mar, esses
estudos foram muito escassos até a década de 1970 no Brasil. A despeito dos estudos pioneiros, usando idades ao
radiocarbono, realizados na década de 1970, o REMAC (Reconhecimento Global da Margem Continental Brasileira), um
projeto conjunto envolvendo muitas universidades brasileiras e agências governamentais, trouxe o progresso
provavelmente mais significativo sobre esse assunto. Após esse projeto, alguns esforços não-sistemáticos e menos
concentrados têm sido feitos por vários grupos de pesquisa de universidades brasileiras, em cooperação com a Diretoria
de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha do Brasil.
Energia de ondas, amplitudes de marés e cargas fluviais, por exemplo, têm sido considerados como os fatores
mais importantes nos modelos clássicos sobre a sedimentação costeira. Entretanto, o papel desempenhado pelas
variações de nível relativo do mar raramente tem sido considerado. Provavelmente, isto se deve ao fato de os modelos
terem sido propostos por autores de países do Hemisfério Norte, onde o atual nível do mar é o mais alto no Holoceno.
Este não é o caso do Brasil, onde a maior parte da costa foi submergida até cerca de 5.500 anos A.P., seguida por emersão
até hoje, abstraindo-se duas prováveis oscilações negativas.
Obviamente, a dinâmica costeira não será a mesma durante a subida ou descida do nível relativo do mar.
Durante os episódios de submersão (subida do nível relativo do mar), sistemas de ilhas-barreira/lagunas são
dominantes e os rios poderiam alcançar áreas protegidas, como lagunas e estuários, para construir deltas
(intralagunares ou intra-estuarinos). Em contraste, descidas de nível do mar criam condições desfavoráveis à
gênese e manutenção de sistemas de ilhas-barreira/lagunas. As lagunas e baías ficam emersas e planícies de
cristas praiais (cordões litorâneos ou cordões arenosos) progradam rapidamente, resultando em depósitos
regressivos de lençóis arenosos. Quando cristas praiais fósseis estão presentes, a sua geometria reflete os sentidos
pretéritos de transporte litorâneo. Isso torna possível determinar a proveniência das antigas ondulações e estabelecer
os padrões de ventos do passado.
Excetuando-se a área amazônica, onde os registros de paleoníveis do mar são raros, o resto da costa brasileira foi
submetido à elevação de paleonível do mar durante o Quaternário. Reconstruções paleogeográficas sustentadas por
numerosas datações ao radiocarbono permitiram reconhecer o papel essencial desempenhado pelas mudanças de nível
relativo do mar, associadas ao transporte longitudinal de sedimentos e às flutuações paleoclimáticas na formação das
planícies costeiras do Brasil.
Palavras-chave: Paleoníveis do mar; Paleolinhas de costa; Quaternário; Costa do Brasil.

ABSTRACT. Although Charles R. Darwin (1809-1882) firstly recognized the beach-rocks, present along the Pernambuco
State coast as evidence of recent sea level changes, these studies were very scarce until the seventies of the past
century in Brazil. In spite of the pioneer studies, using radiocarbon ages done in the 1960s, the REMAC (Reconhecimento
Global da Margem Continental Brasileira), a joint project involving many Brazilian universities and governmental agencies,
probably brought out the most significant progress on this subject. After that project, some other efforts not so
systematic and concentrated have been done by several universities research teams in Brazil, in cooperation with the
Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) of the Brazilian Navy.
Wave energy, tidal and river loads, for example, have been considered as the most important factors in the
classical models on coastal sedimentation. However, the role played by the relative sea level changes has been rarely
considered. This is probably due to the fact that these models have been proposed by Northern Hemisphere authors,

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6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

where most commonly the present sea level is the highest registered for the Holocene. This is not the case of Brazil,
where most part of the coast was submerged until about 5,500 years B.P., followed by emergence up today, except for two
probable negative oscillations.
Obviously, the coastal dynamics could not be the same during relative sea level rise or sea level drop.
During submergence episodes (relative sea level rise), barrier-island/lagoonal systems are dominant and the rivers
could reach sheltered areas, as lagoons and estuaries, to build deltas (intralagoonal or intraestuarine). In contrast,
sea level falls creates unfavorable conditions for the genesis and maintenance of barrier-island/lagoonal systems.
Lagoons and bays become emergent and beach-ridge plains rapidly prograde, resulting in regressive sand sheet
deposits. When fossil beach-ridges are present, their geometry reflects the past directions of longshore transport.
This makes possible to determine the provenance of past efficient swells and to establish the past wind patterns.
Excepting for the Amazon area, where Quaternary high sea level records are scarce, the rest of the Brazilian coast
experienced sea level rise during the Quaternary. Paleogeographic reconstructions supported by numerous radiocarbon
dating allowed us to recognize the essential role played by relative sea level changes, associated with longshore
transport of sediments and paleoclimatic fluctuations in the formation of the coastal plains in Brazil.
Key-words: Past sea levels; Past shorelines; Quaternary; Brazilian coast.

1. INTRODUÇÃO representam uma conseqüência das variações reais dos


paleoníveis dos oceanos, conhecidas por eustasia, e das
1.1. Generalidades mudanças dos níveis dos terrenos emersos adjacentes,
Cerca de 160 anos passados, Charles R. Darwin devidas à tectônica e/ou isostasia (Martin et al., 1986).
mencionou a existência de evidência de subida de nível As variações dos paleoníveis do mar (Figura 6.2
do mar no Holoceno, ao longo da costa de Pernambuco, e Tabela 6.1) são controladas principalmente por:
representada por rochas praiais soerguidas. Além disso, a) flutuações nos volumes das bacias oceânicas,
os estudos mais completos e exaustivos até hoje sobre principalmente em conseqüência da tectônica de placas,
as rochas praiais foram executados há aproximadamente causando a tectonoeustasia;
100 anos (Branner, 1904). b) flutuações nos volumes das águas contidas
Progresso mais significativo, entretanto, foi nas bacias oceânicas, principalmente por fenômenos
atingido somente após 1970, particularmente com a de glaciação (formação de geleiras) e deglaciação (fusão
implantação do Projeto REMAC, iniciado em 1972. de geleiras), dando origem à glacioeustasia; e
Atualmente, pesquisas cada vez mais numerosas estão
sendo dirigidas para projetos mais específicos de
laboratórios costeiros, relacionados a localidades
selecionadas, principalmente estuários, lagunas costeiras
e baías, visando a aqüicultura, os estudos ambientais e
as obras de engenharia civil.
Evidências de subidas de paleoníveis do mar no
Quaternário foram anteriormente mencionadas por Hartt
(1870), Branner (1902, 1904), Freitas (1951) e Bigarella
(1965). Entretanto, esses trabalhos foram executados
principalmente com enfoque geomorfológico e os
paleoníveis reconhecidos foram considerados como de
idades terciárias, embora hoje em dia se saiba que são
só quaternários. Os primeiros estudos sistemáticos,
incluindo também idades ao radiocarbono, foram
realizados por Laborel e colaboradores (Van Andel &
Laborel, 1964; Delibrias & Laborel, 1971). Após 1974,
os estudos realizados sobre os paleoníveis do mar e
paleolinhas de costa no Quaternário, particularmente
durante os últimos 6.000 a 7.000 anos (Figura 6.1),
tornaram-se bem mais freqüentes.
Figura 6.1. Setores da costa brasileira mais detalhadamente
1.2. Causas das Variações estudados em termos de paleoníveis do mar e paleolinhas de
As flutuações dos paleoníveis de mar costa, durante o Quaternário tardio, por diversos autores.

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Quaternário do Brasil

Figura 6.2. Principais fatores que influem nas variações dos paleoníveis do mar e paleolinhas de costa durante o
Quaternário, compreendendo fatores mundiais, regionais e locais.

c) deformações das superfícies oceânicas, c) deformações das superfícies continentais,


principalmente por causas gravitacionais, causando a devidas principalmente a causas gravitacionais.
geoidoeustasia.
Os movimentos isostáticos são com freqüência
Por outro lado, as mudanças dos paleoníveis dos incluídos entre os movimentos tectônicos, pois também
continentes são controladas por: resultam de deformações verticais e/ou horizontais da
a) movimentos tectônicos, tanto horizontais como crosta terrestre e, além disso, muitas vezes são difíceis
verticais, que afetam a crosta terrestre por mecanismos de serem discriminados. O nível do oceano em um
de dinâmica interna, cujas escalas temporais de atuação determinado local da costa, portanto, é o produto
variam desde geológicas (muito longas) até instrumen- instantâneo de complexas interações entre os níveis das
tais (instantâneas), como os movimentos sísmicos; superfícies do oceano e da terra emersa adjacente. As
b) movimentos isostáticos relacionados às flutuações dos volumes das bacias oceânicas e as
variações nas sobrecargas exercidas pela expansão variações dos volumes das águas oceânicas exercem os
(glaciação) ou retração (deglaciação) das calotas glaciais seus efeitos em escala mundial. Por outro lado, as
sobre os continentais ou ainda pela deposição e erosão mudanças nas superfícies dos geóides e nas superfícies
em bacias sedimentares ou pela transgressão e regressão dos continentes atuam em escalas regional ou local. Desse
sobre as plataformas continentais (hidroisostasia); e modo, são mais do que lógicas as inconsistências

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6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

Tabela 6.1. Taxas de variação dos paleoníveis do mar, os tempos necessários para as respostas, as amplitudes envolvi-
das e as possíveis causas das variações.
Tipos ? N.M.M. / ano Tempo para resposta Amplitude Causas
(a) < 0,1 mm 103 a 107 anos 200 m Tectônica de placas
(taxas variáveis)
(b) 0,1-1 mm 102 a 105 anos 100 m Glacioeustasia
(acreção ou fusão glacial)
(c) < 1 mm 103 a 104 anos 5m Hidroisostasia
(sobrecarga de água de degelo)
(d) < 0,2 mm 500 a 5.000 anos 2m Efeito “estérico”
(contração e expansão térmicas)
(e) > 1 mm 1 a 100 anos 50 cm Efeitos climáticos e oceânico
(pressão, efeito Coriolis, etc.)

existentes entre as reconstruções de paleoníveis do mar de paleoníveis do mar abaixo do atual durante o
de mesmas idades em diferentes pontos da superfície Quaternário. Essas oscilações têm sido caracterizadas
terrestre. Outro fato muito importante está ligado aos por rupturas de pendentes dos fundos oceânicos,
tempos necessários para as respostas (escalas temporais), formadas durante a estabilização dos paleoníveis do mar
que são muito discrepantes entre si, mas todos os fatores no desenrolar dos processos transgressivos. Em sua
atuam simultaneamente com diferentes intensidades. grande maioria, apresentam-se recobertas por
sedimentos bioclásticos e siliciclásticos mais grossos
1.3. Reconstrução de Paleoníveis do Mar que os adjacentes, bem como por concentrações de
A reconstrução de antigas posições ocupadas minerais pesados ou, ainda, por alinhamentos de rochas
pelos paleoníveis do mar e pelas paleolinhas de costa praiais.
só se tornou viável com a definição de um indicador A margem continental sul-brasileira entre Torres
(evidência ou testemunho) desse fato, no espaço e no e Chuí, no Estado do Rio Grande do Sul, é do tipo
tempo. Para a definição de um indicador no espaço, é tectonicamente estável durante o Quaternário,
necessário conhecer a altitude de formação ou de submetida a movimentos epirogênicos (soerguimentos)
deposição em relação ao paleonível do mar da época. bastante suaves em épocas mais recentes. Os estudos
Por outro lado, para situar um indicador no tempo, é dessa margem continental levaram os autores ao
preciso determinar a idade de sua formação ou de reconhecimento de muitas escarpas submersas, com
deposição, de preferência por meio de métodos vertentes mais acentuadas, representando posições de
geocronológicos, usando em geral algum radioisótopo. estabilização de antigos níveis do mar. Elas são contínuas
O indicador assim definido fornece a posição relativa sobre todas as plataformas continentais sul e sudeste
de paleonível do mar ou da paleolinha de costa, em um do Brasil e acham-se situadas a profundidades entre -
determinado local e naquele instante. 20 e -25 m, -32 e -45 m, -60 e -70 m, -100 e -110 m, e
Se for possível obter um número suficientemente entre -120 e -130 m (Corrêa, 1979). Kowsmann et al.
grande (algumas dezenas) de antigas posições ocupadas (1977) e Corrêa (1996) propuseram que o paleonível
por níveis relativos do mar, cobrindo um setor de costa de -120 a -130 m representa o limite de regressão (recuo
durante um certo intervalo de tempo, pode-se tentar do mar costa afora) máximo, de idade pleistocênica
delinear uma curva de variações para aquele trecho da tardia, e corresponde ao UMG (Último Máximo Glacial),
costa no intervalo de tempo considerado. É óbvio que há cerca de 17.500 anos A.P. (Figura 6.3).
o setor da costa em estudo deve ser homogêneo em As rochas praiais, muito empregadas como
termos geológicos, exibindo, por exemplo, um evidências de paleoníveis do mar acima do atual no litoral
comportamento tectônico bem definido e conhecido. nordestino (Flexor & Martin, 1979; Bezerra et al., 2003),
também formam paleolinhas de costa submersas, como
1.3.1. Evidências de paleoníveis do mar foi constatado em pesquisas muito recentes de Helenice
abaixo do atual Vital e colaboradores, cujos resultados preliminares foram
Numerosos estudos de plataformas continentais, divulgados em várias reuniões científicas nacionais e
em todo o mundo, têm mostrado indícios de oscilações internacionais. Até o momento, não se conhecem, no

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Quaternário do Brasil

geocronológicas permitiram distinguir diversas gerações


de terraços arenosos, construídos após os máximos
relacionados a diferentes episódios transgressivos do
Quaternário (Suguio et al., 1985; Martin et al., 1987).
Os terraços de abrasão marinha representam
superfícies erosivas sustentadas por rochas mais antigas
do embasamento, que podem ser sedimentares ou
cristalinas (ígneas ou metamórficas). De maneira
análoga aos terraços de construção marinha, eles são
originados pela energia das ondas que, inicialmente, dão
origem aos entalhes marinhos (marine notches) de
dimensões reduzidas, que aumentam de tamanho e
podem progredir até cavernas marinhas (sea caves) e,
finalmente, com o colapso dos tetos das cavernas,
transformam-se em terraços de abrasão marinha.
As rochas praiais são compostas de arenitos ou
conglomerados de paleopraias, em geral cimentados por
carbonato de cálcio e contendo também teores variáveis
de conchas de moluscos mais ou menos fragmentados
e outros biodetritos, tais como espinhos de ouriços,
algas calcárias, fragmentos de corais etc. Essas rochas
são típicas de regiões de climas quentes e, ao longo do
litoral brasileiro, ocorrem desde o litoral norte do Rio
de Janeiro (complexo deltaico do Rio Paraíba do Sul)
para o norte, principalmente na costa nordestina
(Bigarella, 1975; Flexor & Martin, 1979). Um estudo
Figura 6.3. Plataforma continental das regiões sul e su- detalhado da granulometria e das estruturas sedimentares
deste do Brasil (Cabo Frio a Chuí), mostrando os terraços primárias dessas rochas pode fornecer indicações sobre
observados nos perfis batimétricos, que foram desenvol- os subambientes praiais onde foram sedimentadas e,
vidos nas fases de estabilização dos paleoníveis do mar dessa maneira, definir com relativa precisão a posição
entre 17.500 e 6.500 anos A.P. (Fonte: Corrêa, 1996).
do paleonível do mar por ocasião de sua formação.

Brasil, outros tipos de indicadores de paleoníveis do mar Indicadores biológicos


abaixo do atual. Os indicadores biológicos são representados por
restos biogênicos ligados a partes de animais ou vegetais
1.3.2. Evidências de paleoníveis do mar acima marinhos ou fósseis-traço diversos, encontrados nas
do atual vizinhanças do nível do mar atual. Idealmente, esses
Os indicadores desses eventos holocênicos, e indicadores devem corresponder a restos de organismos
mais raramente pleistocênicos, que foram reconhecidos sésseis, freqüentemente coloniais, de distribuição vertical
nas planícies costeiras brasileiras, foram agrupados em bem estabelecida.
três conjuntos, geológicos, biológicos e pré-históricos. Ao longo do litoral brasileiro, há evidências
biológicas representadas por incrustações de
Indicadores geológicos vermetídeos (moluscos gastrópodes), ostras e corais,
Entre os indicadores geológicos, podem ser além de tocas (buracos) de ouriços (Figura 6.4), situadas
citados os terraços de construção marinha (wave-built acima da zona de vida atual desses organismos. Além
terraces), os terraços de abrasão marinha (wave-cut disso, esses indicadores fornecem materiais
terraces) e as rochas praiais. Os depósitos sedimentares carbonáticos de suas carapaças, datáveis pelo método
marinhos, como os de terraços de construção marinha, do radiocarbono (carbono radioativo) ou por outros
situados acima do atual nível do mar formando as métodos geocronológicos.
planícies costeiras ou as baixadas litorâneas, geralmente Há muitos terraços de construção marinha
são evidências de paleoníveis do mar acima do atual. O holocênicos e pleistocênicos, por outro lado, que exibem
mapeamento geológico sistemático e as datações tubos fósseis de crustáceos do gênero Callichirus

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6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

atribuídos a esse gênero, provavelmente relacionados a


outras espécies de crustáceos em sedimentos
pleistocênicos da Formação Touros (Suguio et al.,
2001), que foi denominada Ophiomorpha nodosa.
Os paleomanguezais, representados por
sedimentos contendo restos vegetais de gêneros de
plantas típicas desses ambientes (Rhizophora,
Laguncularia, Avicennia etc.), podem ser relacionados
a zonas intermarés de paleoestuários (Schaeffer-Novelli
et al., 2002). Em muitos paleomanguezais, podem ser
reconhecidas duas zonas diferenciadas. Uma superior,
que é rica em fragmentos vegetais, e a inferior, formada
por um substrato lamoso. Pode-se estimar que, no
primeiro caso, a deposição tenha ocorrido entre os níveis
médio e alto de marés da época e que, no segundo caso,
corresponda aos níveis médio e baixo de maré.

Indicadores pré-históricos
Na costa brasileira, os únicos indicadores pré-
históricos úteis nos estudos de paleoníveis do mar e de
paleolinhas de costa são os sambaquis, que se situam
Figura 6.4. Zonação biológica de animais sésseis e de sobre substratos de composições e idades diversas
vegetais, que vivem no costão rochoso do nordeste (Figura 6.5). Em geral, os sambaquis fornecem somente
brasileiro, exemplificado pelo caso de Gaibu, PE (Fonte:
Laborel, 1979).
informações sobre as posições-limite de paleolinhas de
costa, sendo empregados dois postulados fundamentais
(Suguio et al., 1992). O primeiro admite que os
(Suguio & Martin, 1976), representando tubos de sambaquis muito afastados da linha de costa atual (20 a
morada (domícnia). Recentemente, Barreto et al. 30 km ou mais) sugeririam períodos de paleoníveis do
(2002b) encontraram tubos muito maiores do que os mar mais altos que o atual, quando as paleolinhas de

Figura 6.5. Tipos distintos de substratos, com composições e idades diferentes, de sambaquis (Tipos I a IV) das costas
sul e sudeste brasileiras (Fonte: Fairbridge, 1976, modificado).

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Quaternário do Brasil

costa penetraram continente adentro. O segundo assume b) Fase de 16.000 a 11.000 anos A.P. - Essa fase
que, no início de sua construção, o substrato é representada por areias lamosas de ambiente pré-
encontrava-se emerso, isto é, acima do nível de maré litorâneo, com freqüência situadas na base de
alta da época, embora a validade desse postulado tenha seqüências transgressivas. Elas estão localizadas entre
sido questionada por Angulo & Lessa (1997) e Lessa as plataformas continentais média e externa, recobrindo
& Angulo (1998). a superfície erosiva desenvolvida sobre os depósitos
subjacentes. Nessa fase, foram escavadas escarpas que
2. ESTADO ATUAL DOS CONHECIMENTOS provocaram quebras de declive entre -100 e -110 m, e
entre -60 e -70 m. Entre -60 e -70 m, ocorre areia
2.1. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de grossa associada a material bioclástico, e em muitos
Costa Abaixo do Atual testemunhos foi notada a presença de turfa. A velocidade
A curva representativa dos paleoníveis do mar de ascensão do nível relativo do mar, nessa fase,
abaixo do atual (baseada em evidências relatadas na diminuiu de cerca de 2cm/ano para 0,6 cm/ano.
seção 1.3.1 deste Capítulo), foi esboçada por Corrêa c) Fase de 11.000 a 6.500 anos A.P. - À medida
(1990), que poderia ser muito melhor compreendida que o processo transgressivo continuava e a paleolinha
quando confrontada com a curva paleoclimática da parte de costa deslocava-se para oeste, os sedimentos finos
central da América do Sul para os últimos 30.000 anos foram recobrindo as areias transgressivas das
(Servant, 1984), pois as variações são de natureza plataformas continentais externa e média. A presença
essencialmente glacioeustática. Segundo Corrêa (1990), de fases de estabilização é sugerida pelas camadas de
seria possível reconhecer pelo menos três fases, mais cascalhos biodetríticos e por concentrações de minerais
ou menos bem definidas, na evolução paleogeográfica pesados indicativas de paleolinhas de costa.
das costas sul e sudeste brasileiras (Figura 6.6). Na quebra de escarpa de -60 a -70 m de
profundidade, referida na segunda fase, foram
a) Fase de 17.500 a 16.000 anos A.P. Há depositados sedimentos com microrganismos
aproximadamente 17.500 anos A.P., o paleonível do mar indicativos do início do Holoceno, há cerca de 10.000
situava-se -120 a -130 m abaixo do atual. Portanto, anos A.P., quando o paleoclima se tornou mais ameno
praticamente toda a plataforma continental atual estava e houve aceleração na ascensão do paleonível do mar.
emersa e submetida a intensa oxidação e erosão A velocidade de subida do paleonível do mar deve ter
subaéreas. Essa superfície, originalmente plana, foi passado de 0,6 cm/ano para 1,6 cm/ano, comportando
dissecada por profundos vales fluviais, que hoje podem duas fases de estabilização, entre -32 a -45 m e -20 a -
ser reconhecidos sobre mapas batimétricos e por 25 m de profundidade.
levantamentos de sísmica rasa. Nesse intervalo de As plataformas continentais das regiões sul e
tempo, a elevação do paleonível do mar foi rápida (2 sudeste brasileiras são provavelmente as mais
cm/ano), sendo estabilizada há cerca de 16.000 anos detalhadamente estudadas de toda a costa brasileira em
A.P. A paleolinha de costa correspondente a essa fase é termos de paleoníveis do mar abaixo do atual. Além
representada por areias médias, provavelmente disso, na maior parte desse litoral, pelo menos na costa
estuarinas ou deltaicas, supridas pelas paleodrenagens leste, pode-se dizer que a evolução dos paleoníveis do
costeiras. mar e das paleolinhas de costa abaixo do atual,
correspondentes às regressões anteriores, é mais difícil
de ser identificada, uma vez que esses indicadores se
acham obliterados pelos últimos eventos.

2.2. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de


Costa Acima do Atual

2.2.1. Paleoníveis do mar anteriores a 120.000


anos A.P.
Distribuídos através das planícies costeiras dos
estados de Santa Catarina, Paraná e sul de São Paulo,
Figura 6.6. Curva de variações dos paleoníveis do mar,
desde cerca de 30.000 anos A.P. até hoje, segundo dados existem vestígios de terraços arenosos e cascalhosos
obtidos na plataforma continental e na planície costeira do com mais de 13 m de altura acima do nível médio do
Rio Grande do Sul (Fonte: Corrêa, 1996). mar atual, de possível origem marinha. Segundo Martin

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6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

et al. (1988), esse terraço poderia ser correlacionável marinhos pleistocênicos de 210.000 anos A.P. (Barreto
ao sistema de ilhas-barreira/lagunas II do estado do Rio et al., 2002a). Infelizmente, a falta de atribuição de
Grande do Sul (Figura 6.7), onde ocorrem os registros idades absolutas aos terraços pleistocênicos da costa
mais completos desses eventos, inclusive com uma do Rio Grande do Sul não permite estabelecer qualquer
unidade mais velha, denominada de sistema de ilhas- correlação.
barreira/lagunas I (Villwock et al., 1986). Entretanto,
Angulo (1992) considera os vestígios desses terraços 2.2.2. Paleoníveis do mar mais altos há
no estado do Paraná como correspondentes aos 120.000 anos A.P.
paleoníveis altos ocorridos há 120.000 anos A.P. A Transgressão Antiga (Bittencourt et al., 1979)
Nos estados da Bahia e Sergipe, ainda não foram foi seguida por um novo evento transgressivo
encontrados afloramentos de sedimentos que possam mundialmente reconhecido, quando o nível relativo do
ser atribuídos a esse episódio transgressivo. Entretanto, mar em grande parte do Brasil, esteve entre 8 ± 2 m
são conhecidas falésias inativas (ou mortas) esculpidas acima do atual. Esse episódio é conhecido no Estado
em sedimentos da Formação Barreiras, que têm sido de São Paulo como Transgressão Cananéia ou
atribuídas tentativamente ao paleonível do mar mais alto Cananeiense (Suguio & Martin, 1978) ou como
anterior a 120.000 anos A.P., denominada Transgressão Penúltima Transgressão, entre Bahia e Pernambuco
Antiga por Bittencourt et al. (1979). Martin et al. (Bittencourt et al., 1979), e como sistema de ilhas-
(1988), no entanto, não atribuíram nenhuma designação barreira/lagunas III, no Rio Grande do Sul (Villwock et
específica. al., 1986).
Recentemente, foram datados no litoral do estado Na área de Olivença (BA), em restos de corais,
do Rio Grande do Norte, ao sul de Natal, terraços foi empregado o método do Io/U (Bernat et al., 1983),

Figura 6.7. Perfil esquemático transversal aos sistemas de ilhas-barreira/lagunas, aproximadamente na latitude de Porto
Alegre. A curva de estágios isotópicos de oxigênio, no canto superior direito, mostra as prováveis idades das quatro ilhas-
barreira/lagunas da planície costeira do Rio Grande do Sul (Fonte: Imbrie et al., 1984, apud Tomazelli & Villwock, 2000).

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Quaternário do Brasil

obtendo-se uma idade média de 123.500 ± 5.700 anos até agora estudados, os paleoníveis relativos do mar
A.P., correlacionável ao Sangamoniano (América do estiveram situados acima do atual, com algumas seguintes
Norte) ou ao Eemiano (Escandinávia), do Pleistoceno peculiaridades. Segundo Angulo & Lessa (1997), após o
superior (Chappell, 1983). Na costa do estado do Rio nível máximo, o mar teria descido progressivamente até
Grande do Norte, a Formação Touros (Suguio et al., atingir o atual, sem grandes oscilações:
2001) foi datada em 120.000 anos A.P. pelo método da a) o nível médio atual do mar foi ultrapassado pela
termoluminescência. Na costa do Estado do Rio Grande primeira vez no Holoceno entre 7.000 e 6.500 anos A.P.;
do Norte, a influência do neotectonismo parece estar b) há cerca de 5.500 anos A.P., o paleonível do
bastante evidenciada, pois a Formação Touros acha-se mar subiu entre 3 e 5 m acima do atual;
soerguida até mais de 20 m acima do nível do mar atual c) há aproximadamente 3.900 anos passados, o
na área (Barreto et al., 2002a). paleonível médio relativo do mar deve ter estado entre
1,5 e 2 m abaixo do atual (Massad et al., 1996);
2.2.3. Paleoníveis do mar mais altos do d) há cerca de 3.000 anos A.P., o paleonível do
Holoceno mar ascendeu entre 2 e 3 m acima do atual;
Relativamente poucas datações, obtidas até o e) há 2.800 anos A.P., ocorreu novamente
momento, situam-se entre 6.500 e 7.000 anos A.P. pequena descensão, atingindo provavelmente um nível
Entretanto, os últimos 6.500 anos dessa transgressão, inferior ao atual; e
conhecida como Transgressão Santos ou Santista f) há cerca de 2.500 anos A.P., foi atingido um
(Suguio & Martin, 1978), são bem conhecidos através paleonível 1,5 a 2 m acima do atual e, desde então, tem
de vários indicadores geológicos, biológicos e pré- estado em rebaixamento contínuo. Entretanto, sendo o
históricos (Martin et al., 1996). Na literatura geológica alcance mínimo do método do radiocarbono de cerca
brasileira, essa transgressão, que começou há 17.500 de 300 anos, não se pode avaliar essa tendência nas
anos A.P., com freqüência também é referida como últimas centenas ou dezenas de anos por métodos
Transgressão Flandriana. Essa designação, porém, é geológicos, devendo-se contar com métodos
imprópria, pois nos Países Baixos, bem como no Golfo instrumentais.
do México (Estados Unidos), os paleoníveis do mar
apresentavam comportamento diferente no mesmo Segundo Mesquita (1994), dados de maregramas
período. No Rio Grande do Sul, esse evento é referido teriam indicado que, nos últimos 40 anos, teria ocorrido
ao sistema de ilhas-barreira/lagunas IV (Figura 6.7). uma ascensão de nível de 30 cm/século na região de
Com base em dados obtidos de terraços marinhos Cananéia (SP). Na costa do Rio Grande do Sul, a presença
holocênicos e de outros indicadores, evidenciando de terraços afogados ao longo das margens da Laguna
paleoníveis do mar diferentes do atual, foram esboçadas dos Patos e a erosão generalizada da linha de costa
curvas parciais ou completas de paleoníveis do mar nos oceânica, com exposição de turfas e lamas lagunares
últimos 7.000 anos para vários trechos do litoral brasileiro holocênicos que alcançam continuidade lateral superior
(Suguio et al., 1985), que podem ser sumariadas a 100 km, foram interpretadas como evidências de que,
conforme a Figura 6.8. Abstraindo-se as variações de na área, o nível do mar atual se encontra em processo de
segunda ordem, de acordo com o modelo de Suguio et ascensão (Tomazelli, 1990; Tomazelli et al., 1998).
al. (1985), foi possível constatar que, em todos os setores Para que cada curva abrangesse somente trechos
do litoral com comportamentos homogêneos,
principalmente em termos morfoestruturais, foram
considerados setores relativamente curtos (de 60 a 80
km de comprimento), que ainda forneçam número
suficiente (20 a 30) indicadores datados. Em alguns
trechos do litoral, como na área de Salvador, BA (Martin
et al., 1986), ou no Rio Grande do Norte (Bezerra et
al., 2003), parecem estar ocorrendo movimentações
tectônicas quaternárias nos últimos 6.000 a 7.000 anos,
modificando os padrões das curvas.
Figura 6.8. Curva média de variações do paleonível relati-
vo do mar nos últimos 7.000 anos ao longo da costa brasi- 2.3. Modelo Evolutivo Geral
leira em confronto com a curva da área de Salvador (Fonte: O modelo evolutivo mais completo foi
Suguio & Tessler, 1984). estabelecido para o estado da Bahia (Dominguez et al.,

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6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

1981). Esse modelo permanece válido, no mínimo para e) Estágio E (construção de terraços marinhos
o trecho do litoral brasileiro entre Macaé (RJ) e Recife pleistocênicos)
(PE), podendo ser estendido até o Rio Grande do Norte. Teve início uma nova regressão (recuo do mar),
Segundo Martin et al. (1987), a característica principal quando terraços arenosos cobertos por cristas praiais
é a presença de “tabuleiros” terciários da Formação foram formados, originando-se extensas planícies
Barreiras entre as planícies quaternárias e as serras pré- costeiras. No Estado do Rio Grande do Norte,
cambrianas de rochas cristalinas. Por razões locais, esse corresponde possivelmente à Formação Touros de
modelo não é aplicável de Macaé (RJ), para o sul, e Suguio et al. (2001).
também no litoral norte (Souza Filho & El-Robrini,
1997), que é muito pouco conhecido. Na costa do f) Estágio F (Máximo da Última Transgressão)
Estado da Bahia puderam ser identificados os seguintes Entre 6.500 e 7.000 anos A.P., o paleonível
estágios (Figura 6.9): relativo do mar atingiu o atual e, a seguir, passou por
um máximo situado 4 a 5 m acima do atual há cerca de
a) Estágio A (deposição dos sedimentos 5.500 anos A.P. Durante essa transgressão, os terraços
continentais da Formação Barreiras) pleistocênicos foram total ou parcialmente erodidos.
Após um longo período de clima quente e úmido Uma paisagem comum dessa fase foi a formação de
do fim do Terciário, que deu origem a um espesso manto sistemas de ilhas-barreira/lagunas, principalmente nas
de intemperismo (regolito), o clima tornou-se semi-árido desembocaduras dos rios Doce, Paraíba do Sul etc.
e caracterizado por chuvas torrenciais e pouco
freqüentes, ainda no Período Terciário. A vegetação g) Estágio G (construção de deltas
tornou-se, então, rarefeita e expôs o regolito à erosão. intralagunares)
Os produtos dessa erosão foram transportados Quando um rio desembocava nessas lagunas,
predominantemente por movimentos de massa despejando as suas águas e os sedimentos, formava-se
(gravitacionais) até os sopés das montanhas, na forma um delta intralagunares (ou intra-estuarinos), cujas
de leques aluviais coalescentes. dimensões dependiam dos tamanhos das lagunas e dos
rios.
b) Estágio B (Máximo da Transgressão Antiga)
O limite atingido pelo máximo dessa transgressão h) Estágio H (construção de terraços marinhos
é indicado por uma linha de falésias mortas (escarpas holocênicos)
inativas) esculpidas em sedimentos da Formação Após cerca de 5.500 anos A.P., o paleonível
Barreiras. No estado do Rio Grande do Norte, é possível relativo do mar sofreu descensão progressiva até a
que corresponda à Formação Barra de Tabatinga de posição atual, não sem antes passar por rápidas
Suguio et al. (2001). oscilações. Concomitantemente à construção dos
terraços marinhos, a descensão do paleonível relativo
c) Estágio C (deposição dos sedimentos do mar causou uma gradual transformação de lagunas
continentais pós-Barreiras) em lagos, seguidos por pântanos e, só então, os rios
Após o máximo da transgressão anterior e durante passaram a fluir diretamente no oceano.
a regressão subseqüente, o paleoclima readquiriu as
características semi-áridas. Essas condições Modelos evolutivos também foram propostos,
paleoclimáticas propiciaram a sedimentação de novos mais tarde, para as planícies costeiras dos estados do
leques aluviais nos sopés das escarpas esculpidas na Paraná (Lessa et al., 2000) e do Rio Grande do Sul
Formação Barreiras. Eles foram registrados nos estados (Dillenburg et al., 2000).
da Bahia e Sergipe.
3. DIVERGÊNCIAS E CONTROVÉRSIAS
d) Estágio D (Máximo da Penúltima Divergências de dados e controvérsias sobre suas
Transgressão) possíveis interpretações representam duas grandes
Há cerca de 120.000 anos A.P., o paleonível alavancas para o progresso das pesquisas científicas.
relativo do mar situava-se 8 ± 2 m acima do atual. Elas obrigam os estudiosos a reavaliar os seus dados e
Durante esse episódio, os sedimentos continentais dos métodos e a repensar as possíveis interpretações.
estágios precedentes foram parcialmente erodidos e os Na década de 1970, as curvas de variação de
cursos fluviais inferiores dos rios foram afogados e paleonível do mar holocênico no mundo revelaram
transformados em estuários e lagunas. grandes surpresas e trouxeram à baila discussões antes

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Quaternário do Brasil

inimagináveis. Entre elas, tem-se o fato de que não se Essa descoberta impulsionou as pesquisas visando a
pode pensar em curva única de variação mundial, mesmo construção dessas curvas em diversas regiões da Terra.
em regiões de crostas mais estáveis, como o Brasil. Suguio et al. (1985) propuseram que o paleonível

Figura 6.9. Modelo geral de evolução geológica das planícies costeiras das porções leste e nordeste do litoral
brasileiro durante o Quaternário, válido para o trecho entre o norte do Rio de Janeiro e o Rio Grande do Norte (Fonte:
Martin et al., 1996, modificado).

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6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

do mar teria descido de 3 a 5 m nos últimos 5.500 anos do mar e das paleolinhas de costa do Brasil durante o
(Figura 6.8). Essa idéia de existência de paleonível do Quaternário, como um inestimável instrumento para o
mar acima do atual no Holoceno foi, na ocasião, aceita prognóstico.
com certa relutância, pois contrariava a curva
correspondente à costa leste dos Estados Unidos, onde 4. IMPORTÂNCIA DO TEMA E A SUA
o mar estivera em ascensão contínua no mesmo APLICABILIDADE
intervalo de tempo. Atualmente, essa “divergência” é
aceita pelos especialistas e admite-se que o fenômeno 4.1. Generalidades
tenha atuado de maneira diferente naquela parte da As regiões costeiras constituem os limites entre
América do Norte e na costa brasileira. os continentes e os oceanos, sendo caracterizadas pela
No fim do último século, surgiram algumas natureza geológica dos continentes (composição
divergências de dados e controvérsias sobre as litológica e arcabouço tectônico) e pela energia das ondas
interpretações em relação às curvas de níveis do mar e dos ventos. Esses ambientes estão em constante
do Brasil. Tomazelli & Villwock (1989, apud Tomazelli, mutação, em diversas escalas espaciais e temporais,
1990) esboçaram uma curva para o Rio Grande do Sul pela ininterrupta procura de uma situação de equilíbrio
que divergia em alguns aspectos das curvas para outras dinâmico, no confronto entre diversas forças
regiões propostas por Suguio et al. (1985). Segundo a antagônicas aí atuantes. Dessa maneira, os perigos
curva do Rio Grande do Sul, o mar teria subido nos naturais enfrentados pelos habitantes dessas regiões
últimos 2.000 anos e, de acordo com as curvas de podem, até certo ponto, ser comparados aos existentes
Salvador (BA) e Itajaí (SC), o mar teria descido nesse em uma planície de inundação (fluvial). Eles são
intervalo de tempo. Angulo & Giannini (1996) representados principalmente pelas freqüentes enchentes
questionaram a interpretação de algumas evidências de e inundações, além de fenômenos erosivos e
paleoníveis do mar usadas na construção da curva do deposicionais acelerados, que podem apresentar
Rio Grande do Sul. Angulo & Suguio (1995) conseqüências catastróficas.
reinterpretaram a altura do máximo da transgressão Não há qualquer dúvida, no entanto, de que as
holocênica no Estado do Paraná, proposta por Suguio áreas litorâneas exercem um imenso fascínio, de modo
et al. (1985). Angulo & Lessa (1997) publicaram um que as populações humanas tendem a aumentar a
artigo onde as oscilações de alta freqüência (200 a 300 ocupação dessas áreas. Nesse caso, os fatores
anos) das curvas de Suguio et al. (1985) eram antrópicos superpõem-se aos fenômenos dinâmicos,
colocadas em dúvida. Desse modo, ela adquiriria a exacerbando as suscetibilidades naturais e introduzindo
configuração da curva média da Figura 6.8. suscetibilidades induzidas e criando situações de crises
Com o surgimento das controvérsias acima, cada vez mais complexas de diversos tipos. A presença
algumas questões permanecem sem resposta. O humana constitui a razão da existência dos perigos
comportamento do paleonível relativo do mar nos naturais (natural hazards) e dos riscos, uma vez que os
últimos 2.000 anos teria sido diferente na costa do Rio fenômenos naturais são eventos normais e, em parte,
Grande do Sul em relação à costa entre Santa Catarina até previsíveis. A maior dificuldade no enfrentamento
e Bahia? Teriam existido oscilações de alta freqüência dessas questões está ligada à ocupação indevida (ou
nos últimos 5.500 anos? Se existiram, que amplitudes imprópria) de regiões potencialmente perigosas, na
teriam tido? A procura de respostas a essas questões é maioria das vezes por razões essencialmente políticas
muito importante, pois os níveis do mar são importantes e/ou socioeconômicas, ignorando completamente os
parâmetros que controlam a evolução costeira, processos naturais.
principalmente em termos de erosão e sedimentação
aceleradas. 4.2. O Litoral Brasileiro em Relação aos
Uma das tarefas indispensáveis para se tentar Perigos Naturais e à Conservação dos Ecossistemas
resolver essas dissensões consiste na revisão dos dados Dos sete tipos de perigos naturais enumerados
obtidos, no levantamento de dados adicionais e na por Koike (1996) para as costas do Japão, praticamente
proposição de novas alternativas para interpretação dos só o terceiro, relacionado à erosão acelerada de praias
dados existentes. A ciência progride enquanto os e falésias, constitui um problema mais sério em alguns
pesquisadores se mantiverem atentos para a virtude da trechos do litoral brasileiro. Ao lado disso, podem ser
reavaliação. Os atuais e os novos pesquisadores têm considerados dois outros tipos de perigos naturais,
um enorme trabalho pela frente para elucidar essas devidos à suscetibilidade natural, que são os
questões, para melhorar o diagnóstico dos paleoníveis escorregamentos (movimentos gravitacionais) e as

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Quaternário do Brasil

enchentes e inundações. (storminess) na área costeira ou mudanças nos ângulos


de incidência das ondas;
4.2.1. Erosão acelerada de falésias marinhas f) aumento do grau de saturação em água das
As falésias marinhas constituem costas abruptas, praias devido à subida do lençol freático ou pelo aumento
caracterizadas pela erosão devida à alta energia das de pluviosidade; e
ondas. Se, por um lado, a erosão representa um fator g) subida do nível relativo do mar.
negativo por causar retrogradação (recuo da linha
costeira continente adentro), pode também ser Não é nada fácil determinar o papel
considerado como um fator positivo na alimentação desempenhado por cada um desses fatores no balanço
arenosa das praias adjacentes. sedimentar. São necessários estudos regionais em áreas
Nas costas sudeste (desde Cabo Frio, RJ) e sul amplas para a compreensão das contribuições relativas
(até Cabo de Santa Marta Grande, SC), também são dos diferentes processos, ao longo da costa, para tentar
freqüentes os costões de rochas cristalinas (ígneas e mitigar os efeitos da erosão e promover a conservação
metamórficas) pré-cambrianas. Entretanto, essas rochas de praias em um programa de gerenciamento costeiro.
em geral são bastante resistentes à erosão e não
requerem medidas especiais de proteção. Na costa 4.2.3. Conservação dos ecossistemas
oriental (desde a foz do Rio Paraíba do Sul para o norte), costeiros
diferentemente, são comuns as falésias marinhas Além das praias arenosas e dos costões rochosos,
esculpidas na Formação Barreiras. Esses sedimentos que também constituem importantes ecossistemas
são de origem essencialmente continental e são pouco costeiros, devem ser enfatizados, no Brasil, os
consolidados. Desse modo, são extremamente ecossistemas de manguezais e de recifes de corais.
suscetíveis à erosão marinha e a escorregamentos ou Recentemente, Schaeffer-Novelli & Cintrón-Molero
outros movimentos de massa (Alheiros, 1995). (1999) discutiram sobre os aspectos da ecologia
Entretanto, devido à ocupação humana relativamente histórica dos manguezais brasileiros. Desde muito antes
rarefeita —executando-se algumas cidades litorâneas da descoberta do Brasil, os manguezais já existiam e
do nordeste, como Salvador (BA) e Recife (PE)—, são constituíam uma importante fonte de recursos naturais,
poucas as estruturas de proteção que, quando existentes, principalmente alimentares, para as populações pré-
são bastante rudimentares. históricas. Porém, após a descoberta do Brasil pelos
portugueses, os manguezais passaram a fornecer
4.2.2. Erosão acelerada de praias madeira para lenha, para carvão vegetal e extração de
A erosão praial é um dos fenômenos mais tanino, além de servir como sítio de pesca e coleta de
impressionantes entre os processos costeiros (mais moluscos e crustáceos, ao lado da produção de sal e,
detalhes sobre esse assunto no Capítulo 7), que se mais recentemente, para a aqüicultura (criação de
transformou em um problema emergencial na maioria camarões).
das áreas costeiras do mundo, inclusive em diversos Atualmente, são relativamente comuns as áreas
trechos do litoral brasileiro. Bruun & Schwartz (1985) ao longo da costa brasileira em que os manguezais foram
apresentaram a seguinte lista de fatores que seriam simplesmente aterrados para serem ocupados por
atuantes na erosão praial: bairros residenciais, por sistemas viários e por “outras
a) efeitos do impacto humano, através da benfeitorias”. Entretanto, o desenvolvimento sustentável,
construção de estruturas artificiais, mineração de areia com inteira garantia de conservação das regiões
praial, dragagem em zona costa afora, construção de litorâneas, nunca deveria ser implementado ignorando-
barragens em rios (efeito represamento) que se a importância ecológica dos manguezais. Para
desembocam no mar; estudos detalhados que envolvam essas questões, as
b) perda de sedimento para as zonas costa afora futuras variações dos níveis do mar e das linhas de
(plataforma continental), costa adentro (dunas eólicas), costa são também importantes, quanto ao conhecimento
por deriva litorânea ao longo da costa e por desgaste dos paleoníveis e das paleolinhas de costa (Portugal,
devido ao atrito dos grãos entre si; 2002). Por outro lado, conforme Leão & Kikuchi
c) redução no suprimento sedimentar originário (1999), os recifes de corais, muito bem representados
do fundo oceânico adjacente; no litoral da Bahia, evoluíram como os manguezais, ao
d) redução no suprimento sedimentar devida à longo dos últimos milhões de anos, inicialmente com
desaceleração da erosão de falésias marinhas; influência antrópica ausente ou praticamente desprezível.
e) intensificação da “tempestuosidade” Contudo, atualmente, os recifes também se acham

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6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

submetidos aos efeitos danosos de diversas atividades (inédito).


humanas. Sua sobrevivência depende de uma melhor Angulo, R.J. 1992. Geologia da planície costeira do Estado
compreensão dos processos evolutivos, de 7.000 anos do Paraná. São Paulo. 334p.Tese (Doutorado) -
A.P. até hoje, que deverão subsidiar a implementação Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo.
de programas de conservação e manejo, visando o Angulo, R.J. & Giannini, P.C.F. 1996. Variação do nível
relativo do mar nos últimos 2.000 anos na região sul do
desenvolvimento sustentável.
Brasil: uma discussão. Boletim Paranaense de
Geociências, v.44, p.67-75.
5. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E LACUNAS DE Angulo, R.J. & Lessa, G.C. 1997. The Brazilian sea-level
ESTUDOS curves: a critical review with emphasis on the curves
Através de numerosos estudos, foram from Paranaguá and Cananéia regions. Marine Geology,
identificados diversos indicadores de paleoníveis do v.140, p.141-166.
mar, principalmente acima do atual, tanto do Pleistoceno Angulo, R.J. & Suguio, K. 1995. Re-evaluation of the
como do Holoceno. Entretanto, até o momento, a Holocene sea-level maxima for the State of Paraná, Brazil.
reconstituição desses indicadores no espaço e no tempo, Palaeogeography, Palaeoclimatology,
em número suficiente para delineação das curvas Palaeoecology, v.113, p.385-393.
correspondentes, só foi possível para os últimos 6.000 Barreto, A.M.F.; Bezerra, F.H.R.; Suguio, K.; Tatumi, S.H.;
a 7.000 anos, bem como para o intervalo de tempo Yee, M.; Paiva, R.P.; Munita, C.S. 2002a. Late Pleistocene
marine terrace deposits in Northeastern Brazil: sea-level
subseqüente ao UMG (Último Máximo Glacial) entre
change and tectonic implications. Palaeogeography,
17.500 e 6.500 anos A.P. Entretanto, os possíveis
Palaeoclimatology, Palaeoecology, v.179, p.57-69.
momentos de descensão dos paleoníveis do mar, mesmo Barreto, A.M.F.; Suguio, K.; Almeida, J.A.C.; Bezerra, F.H.R.
nesses últimos 6.000 a 7.000 anos, ainda se acham mal 2002b. A presença do icnogênero Ophiomorpha em
caracterizados. rochas sedimentares pleistocênicas da costa norte-
Por outro lado, para os paleoníveis do mar riograndense e suas implicações paleoambientais.
pleistocênicos, acima do atual, têm-se pouquíssimas Revista Brasileira de Paleontologia, v.3, p.17-23.
datações e os indicadores se acham muito precariamente Bernat, M.; Martin, L.; Bittencourt, A.C.S.P.; Vilas-Boas,
referidos aos paleoníveis do mar. Desse modo, ainda G.S. 1983. Datation Io/U du plus haut niveau marin
não é possível esboçar qualquer curva com maior interglaciaire sur la côte du Brésil: Utilisation du 229Th
significado geológico. comme traceur. Comptes Rendus de l´Academie de
Sciences de Paris, v.296, p.197-200.
Bezerra, F.H.R.; Barreto, A.M.F.; Suguio, K. 2003. Holocene
6. PERSPECTIVAS FUTURAS E
sea-level history on the Rio Grande do Norte State coast,
RECOMENDAÇÕES
Brazil. Marine Geology, v.196, p.73-89.
As pesquisas até aqui desenvolvidas, Bigarella, J.J. 1965. Subsídios para o estudo das variações
praticamente ainda em nível de reconhecimento, deverão do nível oceânico no Quaternário Brasileiro. Anais da
ser detalhadas futuramente com número crescente de Academia Brasileira de Ciências, v.37, p.263-277.
reconstituições de paleoníveis do mar e de paleolinhas Bigarella, J.J. 1975. Reef sandstone from northeastern Brazil.
de costa, para a obtenção de curvas cada vez mais Anais da Academia Brasileira de Ciências, v.47, p.395-
precisas. Para isso, os estudos realizados nas planícies 409.
costeiras e nas plataformas continentais deverão ser Bittencourt, A.C.S.P.; Martin, L.; Vilas-Boas, G.S.; Flexor,
intensificados e também se torna necessária a obtenção J.M. 1979. The marine formations of the coast of the
de dados de subsuperfície, por sondagens e geofísica, State of Bahia, Brazil. In: Suguio et al. (Eds.).
além de empreender pesquisas submarinas para o International Symposium on Coastal Evolution in the
Quaternary, São Paulo. Proceedings... p.232-253.
detalhamento dos estudos de rochas praiais e outras
Branner, J.C. 1902. Geology of northeast coast of Brazil.
feições submersas, que, aliás, estão em andamento. As
Geological Society of America Bulletin, v.13, p.41-98.
regiões menos estudadas do litoral nordeste e norte do Branner, J.C. 1904. The stone reefs of Brazil, their geological
Brasil (Souza Filho, 1995; Vital & Stattegger, 2000; and geographical relations. Bulletin of Museum of
Carvalho, 2002) deverão ser pesquisadas quanto às Comparative Zoology, Geological Series, v.44, p.207-
variações dos paleoníveis do mar e de paleolinhas de 275.
costa no Quaternário. Bruun, P. & Schwartz, M.L. 1985. Analytical predictions of
beach profile change in response to sea-level rise.
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da região metropolitana de Recife. Instituto de da dinâmica costeira entre Cumbuco e Matões (NW
Geociências, UFBA, Projeto de tese de doutoramento do Ceará) - Atividade eólica, elaboração e

127

Quaternario do Brasil.PMD 127 18/1/2008, 11:03


Quaternário do Brasil

manutenção do modelado costeiro. Salvador. 328p. p.193-211.


Tese (Doutorado) - Instituto de Geociências, Leão, Z.M.A.N. & Kikuchi, R.K. 1999. The Bahian coral
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Evolution in the Quaternary, São Paulo. Proceedings... Servant, M. 1984. Climatic variations in the low continental

128

Quaternario do Brasil.PMD 128 18/1/2008, 11:03


6. Paleoníveis do Mar e Paleolinhas de Costa

latitudes during the last 30,000 years. In: Mörner, N.A.; and the sambaquis of Brazil. In: Johnson, L.L.; Stright,
Karlen, W. (Eds.). Climatic changes on a yearly to M. (Eds.). Paleoshorelines and prehistory: An
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Suguio, K.; Martin, L.; Bittencourt, A.C.S.P.; Dominguez, Geology of the Rio Grande do Sul coastal province.
J.M.L.; Flexor, J.M.; Azevedo, A.E.G. 1985. Flutuações Quaternary of South America and Antarctic Peninsula,
do nível relativo do mar durante o Quaternário superior v.4, p.79-97.
ao longo do litoral brasileiro e suas implicações na Vital, H. & Stattegger, K. 2000. Lowermost Amazon River:
sedimentação costeira. Revista Brasileira de evidences of late Quaternary sea-level fluctuation in
Geociências, v.15, p.273-286. complex hydrodynamic system. Quaternary
Suguio, K.; Martin, L.; Flexor, J.M. 1992. Paleoshorelines International, v.72, p.53-60.

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Quaternário do Brasil

Capítulo 7

PRAIAS ARENOSAS E EROSÃO


COSTEIRA
Celia Regina de Gouveia Souza
Pedro Walfir Martins e Souza Filho
Luciana Slomp Esteves
Helenice Vital
Sérgio Rebello Dillenburg
Soraya Maia Patchineelam
João Eduardo Addad

RESUMO. As praias compreendem um dos ambientes mais dinâmicos e sensíveis do planeta. São compostas de material
inconsolidado, como areia e cascalho, e agem como proteção natural do continente contra o ataque erosivo das ondas.
No entanto, o uso intensivo desse ambiente, desempenhando o papel de hábitat de populações humanas desde a pré-
história ou sendo o “carro-chefe” de atividades de turismo e lazer em inúmeros países, tem gerado conflitos de uso e
muitos impactos, destacando-se a erosão costeira. Embora as atividades antrópicas na zona costeira sejam importantes
causas de erosão, as causas naturais são muitas vezes desencadeadoras do fenômeno, em especial a atual elevação do
nível eustático do mar. Assim, para que seja possível a conservação e a preservação desse ambiente tão importante, é
necessária a compreensão da sua dinâmica sedimentar e dos mecanismos naturais e antrópicos que desencadeiam e/ou
aceleram a erosão costeira, que, por sua vez, dependem do entendimento dos processos costeiros e dos agentes que os
controlam. Este capítulo apresenta uma síntese de todos esses conceitos e o inter-relacionamento entre eles, exemplificados
por estudos realizados no Brasil, bem como das lacunas existentes em relação aos temas abordados.
Palavras-chave: Praias arenosas; Erosão costeira; Morfodinâmica; Recuperação-mitigação de costas.

ABSTRACT. Beaches are one of the most dynamic and fragile environments on Earth. They are formed by unconsolidated
sediments, such as sand and gravel, and act as natural protection for upland areas against wave impact and storm
floods. For a long time, beaches have supported multiple human activities since the dawn of his history and, more
recently, as the main revenue for the world tourism industry. As a result of the increasing pressure on the coastal
environments, several land use conflicts and environmental impacts, such as beach erosion, have become critical.
Although human activities have contributed to coastal erosion, natural processes are still a major cause and need to be
addressed, specially the present global rise in the sea level. Therefore, it is important to understand the dynamics of the
sedimentary processes and the influences of natural and human impacts that, in turn, affect the shoreline changes and
evolution. This chapter summarizes the basic concepts regarding the beach system and its related dynamic processes
applied to the Brazilian coast. It also includes a discussion addressing what still needs to be done to fill the deficiencies
in the present understanding of the complex coastal system.
Key-words: Sandy beaches; Coastal erosion; Morphodynamics; Shore protection-mitigation.

1. INTRODUÇÃO e hábitat para várias espécies animais e vegetais.


As praias são depósitos de material inconsolidado, Cerca de dois terços da população mundial vivem
como areia e cascalho, formados na interface entre a na zona costeira, que corresponde a menos do que 15%
terra e o mar ou outro corpo aquoso de grandes da superfície terrestre. Essas características,
dimensões (rios, lagos), e que são retrabalhados por combinadas às múltiplas funções das praias, fazem com
processos atuais associados a ondas, marés, ventos e que elas desempenhem um importante papel na economia
correntes geradas por esses três agentes (Suguio, 1992; dos países costeiros, sendo o seu principal recurso
Voigt, 1998, modificado). As praias são ambientes muito turístico. Estudos mostram que as praias são o destino
dinâmicos e sensíveis, que expressam múltiplas funções, preferido da maioria dos turistas em todo o mundo
entre elas, proteção costeira para os ecossistemas (WTTC, 1998). A sua importância como recurso
adjacentes e as atividades urbanas, recreação, turismo econômico vem aumentando nas últimas décadas, com

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

o crescimento mundial da indústria do turismo. morfodinâmica das praias é fundamental para o


Atualmente, viagens de turismo são a maior atividade planejamento do uso e ocupação e a conservação desse
econômica do planeta, crescendo em média 9% ao ano tão importante ambiente.
desde 1985 e gerando mais empregos (207 milhões), Este capítulo apresenta uma síntese dos principais
riquezas (receita bruta de U$ 3,5 trilhões em 2001) e conceitos relacionados à dinâmica sedimentar das praias
investimentos do que qualquer outra atividade (Houston, e o principal problema que as afeta atualmente, a erosão.
2002). No Brasil, essa atividade também vem crescendo
significativamente, triplicando em menos de uma década 2. SISTEMA PRAIAL
o número de turistas estrangeiros e a receita gerada O sistema praial pode ser subdividido em
(EMBRATUR, 2002). Em 1992, por exemplo, visitaram ambientes, usualmente referidos como zonas ou setores.
o país cerca de 1,7 milhão de turistas estrangeiros, Ele geralmente é representado em duas dimensões, por
gerando uma receita de U$ 1,3 bilhão; em 2000, o meio da diferenciação dos ambientes e respectivos
número de turistas estrangeiros subiu para 5,3 milhões, processos ao longo de um perfil transversal à linha de
e a receita atingiu U$ 4,2 bilhões. costa. Esse perfil apresenta como limite superior ou
A conservação e a manutenção das praias, interno (no sentido do continente) a linha de vegetação
envolvendo limpeza, balneabilidade e principalmente os permanente ou qualquer alteração fisiográfica brusca
problemas decorrentes de sua erosão, mereceram (falésia, duna ou mesmo estruturas construídas pelo
destaque na Conferência Mundial das Nações Unidas homem como muretas/muros, anteparos etc.) e como
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ocorrida em limite inferior ou externo (no sentido do mar), o nível
1992, no Rio de Janeiro, constando como prioridade base de ação das ondas, ou profundidade de
da Agenda 21. Muitos países têm investido fechamento. Abaixo desta área, no sentido do mar aberto,
sistematicamente milhões de dólares na manutenção e está a zona de transição (transition zone), cujo limite
na recuperação de suas praias (Hall & Staimer, 1995; inferior ou externo é o nível base das ondas de
Houston, 2002). A Espanha investe anualmente em tempestade e a zona de costa-afora (offshore), onde se
média U$ 100 milhões; a Alemanha gasta cerca de U$ inicia a plataforma continental interna.
80 milhões por ano; os Estados Unidos, a partir da A nomenclatura dos ambientes praiais, incluindo
década de 1990, aumentaram de U$ 35 milhões para as feições associadas e os respectivos processos, não
U$ 100 milhões por ano os investimentos para a é padronizada na literatura internacional ou brasileira.
conservação de suas praias; e o Japão gastou U$ 1,5 Suas diferentes denominações e limites, empregados
bilhão somente em 1991 (Houston, 2002). Não existem por geólogos, geógrafos, biólogos e engenheiros,
dados consistentes sobre investimentos para a dependem de diversos fatores, entre eles: focos de
conservação das praias no Brasil, porque ela é em geral interesse diferenciados, particularidades regionais do
realizada de maneira pontual, com investimentos sistema praial, uso consagrado de termos regionais e,
municipais e particulares. Entretanto, a preocupação no caso do Brasil, até traduções de termos para a língua
com a conservação das praias brasileiras cresce a cada portuguesa. Uma breve discussão sobre os problemas
ano, tendo sido inserida no contexto do Plano Nacional com a terminologia utilizada no Brasil para ambientes
de Gerenciamento Costeiro, PNGC (Lei no 7.661, de praiais é apresentada em Angulo (1996). Dessa forma,
16 de maio de 1998), que atende aos preceitos da Agenda trabalhos com ênfase no sistema praial devem apresentar
21. Nesse sentido, o PNGC já definiu, em escala as definições dos diferentes ambientes e feições,
nacional, 133 grandes áreas prioritárias para a acompanhadas de figuras explicativas, com o objetivo
conservação da biodiversidade das zonas costeira e de proporcionar ao leitor um claro entendimento relativo
marinha, que incluem as praias a elas associadas (MMA, à nomenclatura empregada. Neste livro, é adotada uma
2002). proposta de sistema praial conforme apresentada na
O Brasil tem aproximadamente 9.200 km de linha Figura 7.1, cujas zonas e setores são definidos a seguir.
de costa em diversos estágios de degradação/
preservação e erosão costeira (Silveira, 1964). O cenário • Pós-praia (backshore): zona que se estende
de elevação do nível eustático do mar (NM) no último do nível do mar na maré alta de sizígia até a base de
século tende a aumentar as áreas em perigo de erosão uma falésia, duna, terraço marinho, linha de vegetação
costeira, e o crescimento acelerado da população no permanente. É usualmente denominada pelos biólogos
litoral pode transformá-las em áreas de risco ou de zona supramaré. Em praias dissipativas e intermediárias,
manejo crítico em um futuro próximo. Assim, a é comum o retrabalhamento eólico e o desenvolvimento
compreensão dos processos costeiros e da resposta de dunas embrionárias na sua porção superior. Essa

131

Quaternario do Brasil.PMD 131 18/1/2008, 11:03


Quaternário do Brasil

Figura 7.1. Nomenclatura e limites do sistema praial (modificado de Short, 1999).

zona é esporadicamente atingida pelas ondas de diárias e sazonais do NM.


tempestade, que podem ali desenvolver uma berma de • Zona de surfe e de arrebentação de ondas:
tempestade, atingir o seu limite superior ou mesmo zona que se estende da primeira linha de arrebentação
ultrapassá-lo. de ondas até o ponto de última quebra da onda sobre a
• Estirâncio (foreshore): zona praial situada entre face da praia.
o nível do mar na maré alta de sizígia e o nível do mar • Zona próxima à praia (nearshore zone): zona
na maré baixa de sizígia. Os biólogos a denominam zona compreendida entre o nível base de ação das ondas de
intermaré. Em regimes de macromaré, essa zona pode tempo bom e a primeira linha de arrebentação de ondas.
ser subdividida em: zona de intermarés superior, limitada Nessa zona, ocorre o processo de empolamento de
pelas linhas de maré alta de sizígia e de maré alta de ondas (wave shoaling), entendido como uma
quadratura (as definições encontram-se no próximo item progressiva redução do comprimento de onda e
deste capítulo); zona de intermarés média, limitada pelas aumento de sua altura, que resulta em sua arrebentação.
linhas de maré alta de quadratura e de maré baixa de
quadratura; e zona de intermarés inferior, limitada pelas 3. PROCESSOS COSTEIROS
linhas de maré baixa de quadratura e maré baixa de Os processos sedimentares (erosão e deposição)
sizígia. que ocorrem em uma praia são produto de fatores
• Face litorânea (shoreface): zona oceanográficos/hidrológicos, meteorológicos/
compreendida entre o nível do mar na maré baixa de climáticos, geológicos e antrópicos (Souza, 1997). Os
sizígia e o nível base de ação das ondas de tempo bom. fatores oceanográficos/hidrológicos envolvem a ação
É também conhecida pelos biólogos e geólogos que de ondas, marés e ventos, e as correntes geradas por
estudam ambientes de macromarés como zona cada um desses agentes. Os fatores climáticos/
inframaré. meteorológicos têm maior influência nas variações do
• Praia subaérea: zona que se estende do ponto NM (diários, sazonais e de longo período) e na atuação
da última quebra de onda normal na face da praia até o dos ventos, agindo no comportamento do clima de ondas
limite máximo de ação do espraiamento de ondas de e, conseqüentemente, interferindo nas características
tempestade. Engloba a pós-praia e parte do estirâncio. das correntes costeiras. Dentre os diversos fatores
A posição da face de praia modifica-se com as variações geológicos atuantes no litoral, os de maior importância

132

Quaternario do Brasil.PMD 132 18/1/2008, 11:04


7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

para as praias são os processos sedimentares quando as ortogonais convergem para um determinado
responsáveis pelos ganhos (deposição) e perdas (erosão) local, há concentração de energia, predominando a
de areia na praia, que determinam o seu balanço erosão, e quando as ortogonais divergem, há dispersão
sedimentar. Os fatores antrópicos compreendem as de energia, predominando a deposição. Quando as ondas
interferências do homem nos ecossistemas costeiros, atingem as zonas mais rasas, o seu comprimento diminui,
modificando os demais fatores. em contraposição ao aumento da altura das cristas,
Os agentes e processos mais importantes adquirindo elevada esbeltez. Esse processo avança com
responsáveis pela dinâmica sedimentar das praias são a diminuição da profundidade até que a onda se
descritos a seguir. desestabiliza e quebra, produzindo a arrebentação. Existem
quatro tipos básicos de quebra de ondas ou arrebentação,
3.1. Ondas e Ventos que dependem da esbeltez inicial da onda e da declividade
As ondas são geradas no oceano aberto pelos da praia. Embora não haja um consenso na literatura
ventos e dependem fundamentalmente de sua nacional em relação à tradução dos termos em inglês,
velocidade, duração e da extensão da pista na superfície adotam-se aqui as traduções usadas em Toldo Jr. et al.
do oceano (fetch) sobre a qual eles atuam. Quanto (1993), para a arrebentação: deslizante (spilling),
maiores a duração e a pista, maior a quantidade de mergulhante (plunging), ascendente (surging) e frontal
energia potencial absorvida pelas ondas. As ondas (collapsing).
geradas nos locais de tempestade originam um trem Outro fenômeno muito comum em águas rasas
regular de ondas conhecidas como ondulações (swells). é a reflexão dos trens de ondas, quando encontram um
As ondulações viajam pelos oceanos perdendo pouca obstáculo, gerando um novo trem de ondas, que acaba
energia. Portanto, as ondulações que atingem a linha de se superpondo ao anterior. As perturbações geradas pela
costa, denominadas ondas incidentes ou gravitacionais difração e reflexão das ondas são freqüentes em linhas
(gravity waves), podem ter sido geradas em áreas de de costa recortadas, tornando complexa a circulação
tempestade a milhares de quilômetros de distância. de correntes na praia e a sua morfologia.
Algumas ondas secundárias (seas) podem ser geradas Os ventos, além de produzirem as ondas, são
nas proximidades da linha de costa devido à ação de também um importante agente na dinâmica sedimentar
ventos fortes ou produzidas a partir de alterações na das praias, sendo o principal responsável pela troca de
energia das ondas gravitacionais na costa. A energia da areias entre as praias e as dunas.
onda refletida pela face da praia pode ficar aprisionada
dentro da costa, gerando as ondas estacionárias 3.2. Correntes Geradas por Ondas
(standing waves), ou ser reintegrada ao oceano, A incidência de ondas na linha de costa gera um
assumindo a forma de ondas de ressonância (edge sistema de circulação ou correntes costeiras, que pode
waves). Essas ondas atuam ao longo da zona de surfe e ser dividido em quatro partes: transporte de massa de
são responsáveis por topografias rítmicas, como as água costa-adentro (onshore transport), correntes de
cúspides praiais (Guza & Inman, 1975). Quando mais deriva litorânea (longshore currents), fluxos de retorno
de um trem de ondas atinge a linha de costa ao mesmo costa-afora, que incluem as correntes de retorno (rip
tempo, a interação ou interferência entre eles produz as currents) e o transporte de massa de água costa-afora
ondas de infragravidade (infragravity waves). Existe (offshore transport), e o movimento ao longo da costa
ainda um tipo de onda gerada por abalos sísmicos, das cabeças das correntes de retorno (CERC, 1977). O
conhecida por maremoto (tsunami), que possui um ângulo de incidência das ondas na praia determinará o
longo período mas baixa amplitude, tendo um efeito tipo de circulação costeira. A componente paralela à praia,
devastador quando atinge a zona costeira. denominada corrente de deriva litorânea ou longitudinal,
Em águas profundas, a velocidade de propagação é a mais importante corrente costeira. Ela é o principal
das ondas é proporcional ao seu período. Entretanto, agente de movimentação, retrabalhamento e distribuição
quando o trem de ondas se aproxima da costa, a espessura dos sedimentos ao longo da costa, e também a principal
da lâmina de água começa a influenciar na velocidade, causa de afogamentos que ocorrem nas praias.
diminuindo-a e absorvendo energia. As ondulações que A deriva litorânea é produto de duas componentes
chegam à costa sofrem o efeito de refração no fundo vetoriais: a deriva costeira, que atua na zona de surfe e
marinho, em função da diminuição de profundidade, e tem sentido paralelo à praia, e a deriva praial, que atua
difração ao redor de obstáculos (ilhas, promontórios etc.). no estirâncio e face da praia, definindo um padrão de
Esses fenômenos geram perturbações na direção de transporte em forma de dente-de-serra, mas com
propagação das ondas (ortogonais) de tal modo que, resultante no mesmo sentido da deriva costeira (Taggart

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Quaternário do Brasil

& Schwartz, 1988; Komar, 1991). A velocidade de uma pela Lua, que exerce o dobro da força gravitacional do
corrente de deriva litorânea varia principalmente em Sol, devido a sua maior proximidade com a Terra. À
função do ângulo de incidência das ondas, sendo que medida que a Terra rotaciona, as águas oceânicas sobem
ângulos superiores a 5o são suficientes para produzir e descem duas vezes ao dia na maior parte das costas,
velocidades bastante eficientes (Muehe, 1994). produzindo as marés semidiurnas. Algumas costas,
A deriva litorânea resultante tem o sentido no qual entretanto, devido à configuração das bacias e às
a maioria dos sedimentos se move durante um longo complexidades da linha de costa, exibem marés diurnas
período de tempo, a despeito da ocorrência de qualquer com uma subida e uma descida por dia, ou marés mistas
sentido oposto, menor ou sazonal de movimento. Cada com subidas e descidas de diferentes magnitudes. Durante
setor de costa com um determinado sentido de deriva o mês, as variações entre o alinhamento do Sol e da Lua
litorânea resultante forma uma “célula de circulação geram as marés astronômicas de sizígia (luas nova e
costeira” (Noda, 1971; Jacobsen & Schwartz, 1981; cheia) e de quadratura (quartos de Lua). As marés de
Taggart & Schwartz, 1988). Cada célula consiste em sizígia são cerca de 20% mais altas (maré alta) e mais
três zonas: a) zona de erosão, onde se origina a corrente baixas (maré baixa) do que as marés de quadratura.
(barlamar) e há maior energia de ondas; b) zona de Em função da latitude geográfica, as costas
transporte, através da qual os sedimentos são transferidos apresentam diferentes regimes de marés, que são
ao longo da costa; e c) zona de deposição ou acumulação, classificadas em três tipos: micromarés, quando a
onde a corrente termina (sotamar), havendo diminuição amplitude de maré de sizígia é <2 m; mesomarés,
da energia das ondas. Quando duas células estão quando as amplitudes variam entre 2 e 4 m; ou
presentes, lado a lado, duas situações podem ocorrer: 1) macromarés, quando as amplitudes são >4 m, podendo
convergência de correntes (zona de sotamar de duas atingir até 12 m em algumas regiões do planeta (Davies,
células), podendo ocorrer intensa acumulação e/ou o 1964). No Brasil, as micromarés ocorrem nas costas
desenvolvimento de uma terceira componente, a corrente sul e sudeste, as mesomarés atuam na costa leste e em
de retorno; e 2) divergência de correntes (zona de parte da nordeste, e as macromarés ocorrem em parte
barlamar de duas células), onde o processo erosivo será da costa nordeste e em toda a costa norte (maiores
acentuado. Uma célula de circulação costeira pode detalhes no Capítulo 5).
começar e terminar ao longo de um pequeno trecho, de Correntes geradas por marés astronômicas são
poucas dezenas de metros, ou pode se prolongar por significativas somente em costas baixas sujeitas a
quilômetros de distância (Taggart & Schwartz, 1988). macromarés. Entretanto, em qualquer tipo de costa,
No Brasil, há poucos estudos sobre essas células de durante a subida e a descida das marés, ocorre a
circulação costeira. Souza (1997) e Souza & Suguio deposição de pares de lâminas alternadas de areia e pelitos
(1998) determinaram um método indireto para a (silte e argila), geralmente associadas a ondulações de
caraterização dessas células utilizando parâmetros corrente de pequena (microondulações) até grande
morfológicos e sedimentológicos, aplicando-o para as (megaondulações ou sandwaves) escalas. A lâmina de
praias do Estado de São Paulo. Métodos diretos de pelitos é formada principalmente por material floculado
determinação dessas células envolvem campanhas com depositado sobre a calha das ondulações arenosas,
medições em correntômetros, estudos com corpos de durante os períodos de estofa de maré. Assim, cada
deriva e colorimetria de sedimentos (Noda, 1971), sendo par areia-pelito representa deposição durante um ciclo
os primeiros os mais utilizados no Brasil. de enchente e vazante. Por outro lado, em costas
A deriva litorânea é também a principal submetidas a regime de micromarés, as correntes
responsável pelas migrações laterais das geradas por marés adquirem importância em corpos de
desembocaduras fluviais, lagunares e estuarinas ao água restritos em costas recortadas e nos canais de
longo da costa. Por outro lado, o bloqueio dessas ligação entre lagunas e baías costeiras e o mar, gerando
correntes causado pelos fluxos fluviais tem sido nessas desembocaduras depósitos conhecidos por deltas
considerado por muitos autores o principal mecanismo de maré vazante ou de maré enchente.
de construção das planícies “deltaicas” do nordeste e O NM pode variar em diferentes escalas de
leste do Brasil, a exemplo dos rios Jequitinhonha, São tempo: horária, diária, sazonal e de longo período
Francisco e Paraíba do Sul (Dominguez, 1999). (Mesquita, 2000). As variações horárias e diárias estão
associadas às mudanças na intensidade e direção dos
3.3. Marés e Variações do Nível do Mar ventos, acompanhadas de variações na pressão
As marés resultam da atração gravitacional atmosférica, ambas relacionadas à passagem de frentes
exercida nas águas oceânicas pelo Sol e principalmente frias (sistemas frontais). Elas podem causar oscilações

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

horárias do NM de até 2 m e variações diárias da ordem 3.4. Balanço Sedimentar das Praias
de 70 cm acima do nível médio (exemplos para cidades A relação entre as perdas e os ganhos de
da costa sudeste brasileira). As variações sazonais do sedimentos em uma praia é denominada balanço
NM são menores nos portos localizados na região Sul sedimentar (Tabela 7.1). Ele é bastante complexo e
do país, como em Imbituba, onde é da ordem de 10 depende de uma série de fatores, sendo, na prática, difícil
cm, e maiores nos portos do Norte, como em Belém, a identificação e a quantificação de cada um deles. Quando
onde atinge 20 cm. Na região Norte, existem dois picos o balanço sedimentar na praia for negativo, ou seja, quando
sazonais de elevação do NM, um em março-abril e outro houver mais perda de sedimentos do que ganho,
em setembro-outubro. Os portos da costa leste exibem predominará a erosão.
picos em fevereiro, causados pela intensa radiação de
ar e precipitação nos meses de dezembro, janeiro e 4. TIPOS DE PRAIAS E MORFODINÂMICA
fevereiro. Na região Sudeste, ocorre um nível máximo As praias variam as suas características
em maio, provavelmente devido ao efeito esteárico granulométricas e morfológicas principalmente em
causado pela ocorrência de maior volume de água função de alguns condicionantes geológico-
aquecida na Corrente do Brasil, que permanece até geomorfológicos e oceanográficos. Dentre os
agosto-setembro. Essa região apresenta um regime de condicionantes geológico-geomorfológicos,
variação sazonal bem definido e que pode ser dividido predominam as características fisiográficas da planície
em intervalos de 22, 13, 3,3 e 2,1 anos, os quais podem costeira e da plataforma continental adjacentes à praia
estar relacionados às oscilações do El Niño/ENOS e o suprimento de sedimentos (tipo e quantidade). Os
(maiores detalhes no Capítulo 2) e à variabilidade das oceanográficos, que de certa forma também dependem
manchas solares e precipitação atmosférica na região da fisiografia costeira, determinam as características
Nordeste. Com o mesmo intervalo estatístico, podem do clima de ondas, que, por sua vez, condicionam os
ser determinadas bandas de periodicidades de 14 e 16 processos sedimentares, incluindo suprimento, remoção
meses, associadas à “maré polar”, de 12 meses, e transporte de sedimentos costeiros.
relacionadas às marés anuais, e de 5 meses, devidas às O conceito de estágio ou estado morfodinâmico
marés planetárias. As oscilações do NM de longo ou modal da praia é usado para designar a assembléia
período na costa brasileira, medidas desde 1781, indicam completa das formas deposicionais e a sua relação com
taxas de até 4 mm/ano ou cerca de 50 cm/século. A os processos hidrodinâmicos (Sazaki, 1980, apud
causa mais provável para essa elevação é o aquecimento Carter, 1988; Wright & Short 1984; Short, 1991;
da temperatura global, que foi em média 0,6 ± 0,2°C Masselink & Short, 1993). A morfologia de uma praia
para o século XX, resultando em uma elevação global em um determinado tempo é função da característica
do NM entre 0,1 e 0,2 m no mesmo período (IPCC, dos sedimentos, das ondas imediatas e antecedentes,
2001) (maiores detalhes no Capítulo 2). das condições de maré e de vento, e do estágio de praia

Tabela 7.1. Balanço sedimentar de uma praia (Fonte: Souza, 1997, modificado).

Suprimento de sedimentos para a praia Perda de sedimentos da praia Balanço

Provenientes dos rios e canais de maré Transportados rumo ao continente, para rios
e canais de maré
Provenientes de costões rochosos, praias e Transportados ao longo da praia (correntes
depósitos marinhos frontais de deriva litorânea)
Provenientes da plataforma continental (cor- Transportados para a plataforma (correntes Processos
rentes geradas por ondas e marés) de retorno e de costa-afora) deposicionais e
Provenientes das dunas (transportadas pelo Removidos para as dunas (ventos e ondas de erosivos no sistema
vento e ondas de tempestades) tempestade) praial, em equilíbrio

Alimentação artificial da praia (contribuição Extração/mineração de areia da praia e de de-


antrópica) sembocaduras
Aumento do volume de sedimentos produzi- Redução do volume de sedimentos produzi-
dos no continente na plataforma continental dos no continente e na plataforma continental
(causas naturais e antrópicas) (causas naturais e antrópicas)

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Quaternário do Brasil

antecedente. Entretanto, durante um período longo de Wright & Short (1984) e Short (1991, 1999)
tempo, uma dada praia tende a exibir um estágio modal classificaram as praias da Austrália de acordo com seis
recorrente ou predominante. estados morfodinâmicos dissipativo e reflexivo e quatro
Diferentes modelos conceituais de praias têm sido estágios intermediários. Os modelos estabelecidos foram
propostos, destacando-se os das escolas americana baseados nas características do clima de ondas,
(Sazaki, 1980, apud Carter, 1988) e australiana (Wright principalmente através do parâmetro de Dean (1973,
& Short 1984; Short, 1991). Sazaki (1980, apud Carter, apud Wright & Short, 1984) conhecido como Ω
1988) estabeleceu as características principais para os (velocidade de decantação adimensional). Esse
três estados morfodinâmicos, dissipativo, reflexivo e parâmetro é dado pela expressão: Ω = Hb / (Ws . T),
intermediário, conforme mostra a Tabela 7.2. O modelo onde Hb é a altura da onda na arrebentação, Ws é a
de Sazaki é bastante útil quando dados sobre clima de velocidade de decantação dos grãos e T é o período da
ondas não estão disponíveis. Souza (1997, 2001b) onda.
utilizou para as praias do Estado de São Paulo Masselink & Short (1993) e Masselink & Turner
(micromarés) a classificação de Sazaki, introduzindo (1999) ampliaram as idéias de Wright & Short (1984) e
ainda os conceitos de “alta energia” (costas abertas) e Short (1991), passando a considerar também os efeitos
“baixa energia” (costas abrigadas), definindo assim relativos das ondas e marés na morfologia das praias,
cinco principais tipos morfodinâmicos: dissipativo de combinando os modelos preexistentes com o conceito
alta energia, dissipativo de baixa energia, intermediário, de Davis & Hayes (1984) sobre variação relativa das
reflexivo de alta energia e reflexivo de baixa energia. marés (Relative Tide Range, RTR). Esse parâmetro é
Dentre as praias intermediárias, ocorrem ainda variações dado pela expressão: RTR = MSR / Hb, onde MSR é a
de tendências para os estados dissipativos e reflexivos variação da maré e Hb é a altura da onda na arrebentação.
de alta e baixa energia. Ocorre também em São Paulo Altos valores de RTR indicam o domínio de marés, e
apenas uma praia onde há maior influência de marés, baixos valores expressam a dominância de ondas. A
classificada como dissipativa de muito baixa energia Figura 7.2 mostra a nova classificação morfodinâmica
(planície de maré de Caraguatatuba). da escola australiana obtida por Masselink & Turner

Tabela 7.2. Principais índices morfodinâmicos praiais segundo Sazaki (Fonte, Souza, 1997).
Parâmetros Estado morfodinâmico
Dissipativo Intermediário Reflexivo

Ondas
Tipo de quebra Deslizante (spilling) Deslizante (spilling) - Mergulhante (plunging) -
mergulhante (plunging) frontal (collapsing)
Número de quebras >3 1-3 1
Reflexividade Baixa - Alta
Nível relativo de energia Alto Médio Baixo
Ângulo de incidência Normal à costa Médio (0-10o) Oblíquo (10-45 o)
Correntes
Horizontais Grandes giros Pequenos giros Unidirecional
Costa afora Fortes correntes de retorno Médias correntes de retorno Fluxo rumo sotamar
Morfologia
Barras Múltiplas, paralelas Em crescente Sem barras
Inclinação da praia e zona <2o 2-4o >4o
submersa
Cúspides Embaiamentos rítmicos, Cúspides de surfe Cúspides de lavagem (de
aperiódicos maré)
Perfil praial Plano Transicional Em degraus
Transporte de sedimentos
Resultante ao longo da costa Baixo Médio Alto
Costa-adentro/Costa-afora Alto Médio Baixo
Modo dominante Suspensão Misto Carga de fundo
Granulometria Fina Média Grossa
Atividade eólica Alta Média Baixa

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

Figura 7.2. Classificação dos estados morfodinâmicos de praias considerando a variação relativa das marés (Fontes:
Masselink & Turner, 1999; Masselink & Short, 1993, modificado).

(1999). De acordo com esses autores, com o aumento Brasil, reunindo as classificações apresentadas.
do RTR, praias reflexivas gradam para praias de terraço
de maré baixa com correntes de retorno e praias de 5. EROSÃO COSTEIRA E EROSÃO PRAIAL
terraço de maré baixa sem correntes de retorno; praias A erosão costeira é um processo que ocorre ao
intermediárias com barreiras gradam para praias com longo da linha de costa, atingindo promontórios, costões
morfologia de correntes de retorno/barras no nível de rochosos, falésias e praias (erosão praial). Como
maré baixa; praias dissipativas com barras submersas mencionado anteriormente, a erosão costeira é um
produzidas por RTR baixo gradam para praias processo natural decorrente de balanço sedimentar
dissipativas sem barras; e praias dissipativas sem barras negativo. Entretanto, quando ela se torna severa e
e correntes de retorno gradam para praias perdura por longo período ao longo de toda a praia ou
ultradissipativas (RTR >7). Quando o RTR é >15, a em trechos dela, ameaçando áreas de interesse
praia inicia a transição para planície de maré, que se socioeconômico e ecológico, deve merecer a atenção
estabelece quando o RTR >>15. Os tipos de cientistas e autoridades, pois a costa está em perigo
morfodinâmicos definidos por Souza (1997, 2001b) para e risco.
o Estado de São Paulo ajustam-se, até certo ponto, à Segundo Clark (1993), podem ser consideradas
classificação apresentada por Masselink & Turner áreas com problemas de erosão aquelas que apresentam
(1999), sendo, por exemplo, a planície de maré de pelo menos uma das seguintes características: a) altas
Caraguatatuba do tipo ultradissipativo. taxas de erosão ou erosão significativa recente; b) taxas
A maioria dos autores no Brasil utiliza os de erosão baixa ou moderada em praias com estreita
conceitos da escola australiana para definir faixa de areia e localizadas em áreas altamente
morfodinâmica praial. Para algumas praias de Santa urbanizadas; e c) praias reconstruídas artificialmente e
Catarina, Klein & Menezes (2000) introduziram também que seguem um cronograma de manutenção. Poder-
os conceitos de praias expostas, semi-expostas, se-ia incluir aí também as praias que necessitam ou que
protegidas e semiprotegidas, reunindo em sua já possuam obras de proteção ou contenção de erosão.
classificação os vários parâmetros morfodinâmicos da A erosão costeira pode trazer várias
escola australiana, incluindo o índice RTR, além de conseqüências, dentre elas, a redução na largura da
parâmetros morfológicos e sedimentológicos. A Figura praia, perda e desequilíbrio de hábitats naturais, aumento
7.3 exibe alguns exemplos de tipos morfodinâmicos no na freqüência de inundações decorrentes das ressacas,

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Quaternário do Brasil

Praia de Capão da Canoa (RS): praia de micromaré Praia do Atalaia (Salinópolis-PA): praia de macromaré
dissipativa de alta energia, com desenvolvimento de dissipativa de alta energia com sistema de bancos e calhas
correntes de retorno concentradas (Foto: Sérgio R. (Foto: Amílcar C. Mendes)
Dillenburg)

Praia de Massaguaçu (Caraguatatuba-SP): praia de Praia de Domingas Dias (Ubatuba-SP): praia de micromaré
micromaré reflexiva de alta energia, com cúspides bem reflexiva de baixa energia, com berma pouco desenvolvido
desenvolvidas e dois níveis de bermas (Foto: Celia R. de G. e sem feições (Foto: Celia R. de G. Souza)
Souza)

Praia de Maresias (São Sebastião-SP): praia de micromaré Praia de Ajuruteua (Bragança-PA): praia de macromaré
intermediária, com correntes de retorno associadas aos ultradissipativa, de perfil extremamente plano e sem feições
embaíamentos das cúspides e às interrupções da barra de (Foto: Pedro W. M. Souza Filho)
deriva litorânea (Foto: Nícia Guerriero).

Figura 7.3. Exemplos de estados morfodinâmicos de praias brasileiras.

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

aumento da intrusão salina no aqüífero costeiro, causa está relacionada à elevação do NM durante o
destruição de estruturas construídas pelo homem e perda último século. Bruun & Schwartz (1985) concluíram
do valor paisagístico e, conseqüentemente, do potencial que de 10 até 100% da erosão observada nas praias
turístico da região. Em geral, as conseqüências da arenosas do planeta poderia ser atribuída à elevação atual
erosão são percebidas como problema quando ameaçam do NM.
as atividades humanas de forma a causar prejuízos No Brasil, embora a erosão costeira venha se
econômicos. Entretanto, mesmo quando ela ocorre em tornando um risco crescente e chamado muita atenção
locais não habitados pelo homem, deve ser motivo de principalmente a partir da década de 1970, investigações
preocupação, porque terrenos estão sendo perdidos, mais detalhadas sobre suas causas são relativamente
podendo levar ao colapso de importantes ecossistemas recentes e ganharam impulso na década de 1990 (Souza
costeiros, como dunas, manguezais e vegetação de & Suguio, 2002). A maioria dos trabalhos apresenta
restinga. algumas evidências (indicadores) que atestam o estado
Cerca de 20% das linhas de costa de todo o de erosão e relaciona o fenômeno a causas, naturais e/
planeta são formadas por praias arenosas, das quais ou antrópicas. Sistematizações mais completas sobre
70% estão em processo predominante de erosão, 20% as causas e os efeitos de erosão costeira em alguns
em progradação e os restantes 10% encontram-se em estados e regiões do país são encontradas nos trabalhos
equilíbrio relativo (Bird, 1985, 1999). As razões para de Dominguez (1995, 1999), Souza & Suguio (1996,
essa predominância de erosão ou retrogradação da linha 2002), Souza (1997, 2001b), Souza Filho (2000) e
de costa no mundo podem ser agrupadas em causas Esteves et al. (2002). A Tabela 7.3 mostra uma síntese
naturais e causas antrópicas (Bird, 1985, 1999; Bruun dos principais indicadores de erosão costeira
& Schwartz, 1985; NRC, 1990, entre outros). encontrados no Brasil.
Entretanto, a maioria dos autores acredita que a principal Em termos gerais e independentemente da escala

Tabela 7.3. Indicadores de erosão costeira (Fontes: Souza, 1997, 2001b; Souza & Suguio, 2003).

Indicadores de erosão costeira

Pós-praia muito estreita ou inexistente devido à inundação permanente durante as preamares de sizígia (praias
I
urbanizadas ou não).
Retrogradação geral da linha de costa nas últimas décadas, com diminuição da largura da praia em toda a sua
II
extensão, ou mais acentuadamente em determinados locais dela (praias urbanizadas ou não).
Erosão progressiva de depósitos marinhos e/ou eólicos pleistocênicos a atuais que bordejam as praias, sem o
III
desenvolvimento de falésias ou escarpamentos em dunas e terraços marinhos (praias urbanizadas ou não).
Presença de falésias com alturas de até dezenas de metros em rochas sedimentares mesozóicas, sedimentos terciários
IV (Formação Barreiras) e rochas de praia pleistocênicas e holocênicas, e presença de escarpamentos em depósitos
marinhos e/ou eólicos pleistocênicos a atuais que bordejam as praias (praias urbanizadas ou não).
Destruição de faixas frontais de vegetação de “restinga” ou de manguezal e/ou presença de raízes e troncos em
V posição de vida soterrados na praia, devido à erosão e soterramento causados pela retrogradação/migração
da linha de costa, ou por processos de sobrelavagem (ilhas e praias-barreiras).
Exumação e erosão de depósitos paleolagunares, turfeiras, arenitos de praia ou terraços marinhos holocênicos e
VI pleistocênicos, sobre o estirâncio e/ou a face litorânea atuais, devido à remoção das areias praiais por erosão
costeira e déficit sedimentar extremamente negativo (praias urbanizadas ou não).
Freqüente exposição de “terraços ou falésias artificiais”, apresentando pacotes de espessura até métrica, formados
VII por sucessivas camadas de aterros soterrados por lentes de areias praiais/dunares (contato entre a praia e a
área urbanizada).
Construção e destruição de estruturas artificiais erguidas sobre os depósitos marinhos ou eólicos holocênicos
VIII
que bordejam a praia, a pós-praia, o estirâncio, a face litorânea e/ou a zona de surfe.
Retomada erosiva de antigas plataformas de abrasão marinha, elevadas de +2 a +6 m, formadas sobre rochas do
embasamento ígneo-metamórfico précambriano a mesozóico, ou rochas sedimentares mesozóicas, ou
IX sedimentos terciários (Formação Barreiras) ou arenitos praiais pleistocênicos, em épocas em que o nível do
mar encontrava-se acima do atual, durante o final do Pleistoceno e o Holoceno (praias urbanizadas ou não).
Presença de concentrações de minerais pesados em determinados trechos da praia, em associação com outras
X evidências erosivas (praias urbanizadas ou não).
Presença de embaíamentos formados pela atuação de correntes de retorno concentradas associadas a zonas de
XI barlamar ou centros de divergência de células de deriva litorânea localizados em local mais ou menos fixo da
praia, podendo ocorrer também processos de sobrelavagem (ilhas e praias-barreiras).

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Quaternário do Brasil

Tabela 7.4. Causas naturais da erosão costeira e efeitos e processos associados (Fontes: Souza, 1997, 1999, 2001b;
Dominguez, 1999; Souza & Suguio, 2003).

Causas naturais da erosão Efeitos e processos associados


costeira
Dinâmica de circulação costeira: Na zona de barlamar de uma célula de deriva litorânea, o processo erosivo é
presença de centros de diver- naturalmente predominante. Em um centro de divergência de duas células, o
gência de células de deriva lito- processo erosivo é mais intenso, podendo ocorrer fortes correntes de retorno
1 rânea em determinados locais e embaiamentos na praia. A ocorrência dessas células em locais mais ou
mais ou menos fixos da linha de menos fixos da praia foi destacada por Souza (1997) em São Paulo e por Calliari
costa e atuação do efeito “foco et al. (1998) na costa do Rio Grande do Sul, onde o fenômeno gerado pela
estável”. concentração de energia de ondas por processos de refração em certos trechos
da linha de costa foi denominado “foco estável”.
Praias intermediárias têm maior mobilidade e variabilidade temporal devido à pre-
sença de correntes de retorno e barras submersas extremamente móveis, sendo,
portanto, as mais suscetíveis à erosão. As reflexivas de alta energia (expostas) são
Morfodinâmica praial: mobilida- mais suscetíveis à erosão do que as dissipativas de alta energia (estas apresentam
2
de e suscetibilidade à erosão alto estoque sedimentar no perfil submerso). Os locais de maior erosão são associ-
costeira. ados aos embaiamentos em praias intermediárias e dissipativas de alta energia. As
dissipativas e reflexivas de baixa energia (abrigadas) são as mais estáveis e menos
suscetíveis à erosão, exibindo baixa variabilidade temporal e espacial.
Aporte sedimentar atual natural- O aporte sedimentar constante equilibra o balanço de sedimentos na linha de
mente ineficiente (continente, costa, principalmente em situações de elevação de nível do mar. Se esse
3 praia e fundo marinho adjacente). suprimento é ineficiente, haverá erosão costeira, seja pela ausência de grandes
rios, pela eficiência de perdas ao longo da costa, ou pela retenção de sedimentos
na plataforma continental e/ou nos campos de dunas adjacentes à praia.
Presença de irregularidades na Quando essas irregularidades da linha de costa estão presentes, ocorre forte
linha de costa: mudanças brus- dispersão de sedimentos e erosão em certos trechos. Eles causam a interrupção
cas na orientação da linha de local da deriva litorânea resultante, provocando: acumulação de sedimentos a
costa, promontórios rochosos e montante dessas irregularidades e erosão a jusante, pois duas pequenas células
4
cabos inconsolidados. de deriva litorânea de mesmo sentido são geradas; e/ou a dispersão de
sedimentos rumo ao oceano devido à atuação de correntes de retorno.
Em certos segmentos longos e retos de linha de costa, a zona de transporte da
Presença de amplas zonas de célula de deriva litorânea resultante é muito ampla, causando simultaneamente
transporte ou trânsito de sedi- deposição e erosão de sedimentos, que pouco permanecem na praia, pois
5 mentos (by-pass). estão em trânsito contínuo. O resultado é, em geral, a erosão praial,
principalmente quando outros fatores contribuem para o déficit sedimentar.
A migração de desembocaduras causada por correntes de deriva litorânea
Modificação da deriva litorânea mais intensas do que o fluxo fluvial tem efeito erosivo direto sobre a linha de
devido à presença de: desembo- costa no sentido da migração. Quando o fluxo fluvial é mais intenso do que a
caduras fluviais (migração late- deriva litorânea, ocorre o efeito “molhe hidráulico”, havendo forte acúmulo
ral e efeito “molhe hidráulico”), de sedimentos a barlamar da deriva litorânea e erosão intensa a sotamar (duas
obstáculos situados na zona pró- pequenas células são formadas). Os obstáculos costa-afora promovem
xima à praia (barras de desembo- fenômenos de difração e refração das ondas, induzindo à geração de pequenas
6 cadura fluvial, ilhas, parcéis, células de deriva litorânea que convergem para a zona de sombra atrás do
arenitos de praia e recifes), baías obstáculo, que constituem excelentes armadilhas de sedimentos (tômbolos).
e desembocaduras lagunares. Baías abertas no sentido da deriva litorânea e desembocaduras lagunares são
também armadilhas naturais de sedimentos, provocando déficit sedimentar
nas praias a sotamar das células de transporte costeiro.
Inversões bruscas da orientação Eventos de “El Niño” alteraram o regime de ventos e de ondas podendo
da deriva litorânea causadas por causar inversão das correntes de deriva litorânea. Isto tem sido observado
fenômenos climático-meteoroló- principalmente nas planícies costeiras e praias da costa leste e nordeste do
gicos, como a passagem de ci- Brasil (situação normal: de sul para norte; situação de “El Niño”: de norte
clones extratropicais ou Antici- para sul) e conseqüente erosão praial. Nas costas sul e sudeste, o “El Niño”
7 clone Tropical Atlântico (frentes parece não afetar a circulação costeira tão intensamente, a qual é mais sensível
frias estacionárias) e a atuação às passagens de sistemas frontais estacionários (ventos e ondas provenientes
intensa do “El Niño/ENOS”. de SSW-S-SSE), que podem gerar inversões no sentido da deriva litorânea
resultante em certos trechos de linha de costa mais aberta.

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

Tabela 7.4. Causas naturais da erosão costeira e efeitos e processos associados (cont.).

Causas naturais da erosão Efeitos e processos associados


costeira
Elevações do NM de curto perí- Esses fenômenos referem-se a variações horárias, diárias e sazonais definidas
odo devido a efeitos combina- por Mesquita (2000), conforme descrito anteriormente. Ocorre a inundação de
8 dos de fenômenos astronômi- praias, dunas e parte das planícies costeiras e a migração de todo o perfil
cos, meteorológicos e oceano- praial rumo ao continente, causando erosão severa na linha de costa e
gráficos. destruição de estruturas construídas pelo homem.
Efeitos primários da elevação do O predomínio de erosão costeira é um dos principais efeitos da elevação do
NM durante o último século, em MN, provocando a retrogradação da linha de costa e a diminuição geral da
9
taxas de até 50 cm/século ou 4 largura das praias. Estruturas construídas pelo homem são constantemente
mm/ano. destruídas.
Efeitos secundários da elevação Estudos sobre as modificações no comportamento da batimetria da plataforma
de nível do mar de longo perío- continental paulista, entre as isóbatas de 0 e 50 m, mostraram um deslocamento
do - Regra de Bruun: processos generalizado das isóbatas rumo ao oceano e a diminuição da declividade da
10 erosivos no perfil emerso da plataforma continental no período de 1938 a 1994, sugerindo que parte das
praia e deposição no perfil areias estejam sendo erodidas da praia subaérea e transportadas e retidas no
submerso e fundo marinho adja- fundo marinho adjacente (zona próxima à praia e zona de transição).
cente (perfil de equilíbrio).
Evolução quaternária das planí- A maior ou menor presença de sedimentos quaternários reflete se o balanço
cies costeiras: balanço sedimentar foi negativo ou positivo e também o comportamento geral do
11 sedimentar de longo prazo nega- transporte costeiro. Áreas que estiveram sujeitas à intensa erosão no passado
tivo e dinâmica e circulação cos- ou à grande retenção de sedimentos por processos eólicos (grandes campos
teira atuante na época. de dunas) têm atualmente baixo estoque de sedimentos disponível no sistema
costeiro.
Balanço sedimentar atual negati- O déficit de sedimentos em uma praia pode ser causa e efeito dos processos
12 vo originado por processos na- erosivos. Todos os fatores naturais citados acima também induzem ao balanço
turais individuais ou combinados. sedimentar negativo de praias.
Embora esses fatores não sejam ainda muito bem conhecidos na costa do
Brasil, estudos realizados no Rio Grande do Norte sugerem que a neotectônica
tem exercido papel fundamental na atuação de processos erosivos costeiros
13 Fatores tectônicos. de longo período, condicionando em altos e baixos estruturais (horstes e
grabens) a formação de falésias de até 15 m de altura (áreas de localização dos
horstes) e de baías em forma de zeta (grabens). Estas feições morfológicas,
por sua vez, têm sido esculpidas pela erosão diferencial dos sedimentos da
Formação Barreiras associada a padrões de refração e difração de ondas de
direção persistente ao longo do tempo (Diniz, 1998; Vital et al., no prelo).

espacial e temporal, a erosão costeira é essencialmente temporal e espacial diferentes.


produto de uma elevação do NM e/ou de um balanço A Tabela 7.6 mostra uma relação de exemplos
sedimentar negativo do sistema praial. No entanto, são de trabalhos sobre erosão costeira no Brasil, os quais
diversas as causas e os agentes que provocam esses foram destacados porque abrangem longos setores de
dois fenômenos e, também, os efeitos decorrentes deles. linha de costa, incluindo um ou mais estados e até regiões
Nesse sentido, os fatores naturais e antrópicos ou, na ausência de trabalhos regionais, porque
interagem entre si o tempo todo no condicionamento contribuíram para o conhecimento de setores da linha
da erosão costeira, sendo freqüentemente difícil de costa de determinado estado. Para fins deste trabalho,
identificar quais são aqueles mais ativos, ou mesmo estão sendo consideradas cinco regiões costeiras,
individualizar cada um. Um resumo das causas naturais conforme apresentado na referida tabela. Um panorama
e antrópicas de erosão costeira no Brasil é apresentado geral sobre a situação das praias brasileiras em relação
nas Tabelas 7.4 e 7.5, respectivamente. Embora algumas aos indicadores de erosão costeira encontrados e às
das causas apresentadas apareçam relacionadas mais causas do fenômeno é apresentado na Tabela 7.7. A
de uma vez nessas tabelas, elas foram individualizadas Figura 7.4 exibe alguns exemplos dessas praias.
porque geram processos e/ou efeitos em escalas Os estudos de erosão costeira podem ser

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Quaternário do Brasil

Tabela 7.5. Causas antrópicas da erosão costeira e efeitos e processos associados (Fontes: Souza, 1997, 1999,
2001b; Dominguez, 1999; Souza & Suguio, 2003)..
Fatores e causas antrópicas Efeitos e processos associados
da erosão costeira
Urbanização da orla, com destruição Essas intervenções causam processos erosivos diretos, por eliminarem um
14 de dunas e/ou impermeabilização de dos estoques sedimentares da praia e interferirem na circulação de correntes
terraços marinhos holocênicos e costeiras, principalmente durante as ressacas e preamares de sizígia em algumas
eventual ocupação da pós-praia. praias.
Implantação de estruturas rígidas Espigões (de pedra ou bolsa-roca), molhes, enrocamentos, guias-corrente,
ou flexíveis, paralelas ou trans- canais de drenagem, anteparos e muros/ muretas (pedra, concreto e outros
15
versais à linha de costa (em geral materiais), gabiões e quebra-mares interferem na circulação de correntes
para conter ou mitigar a erosão costeiras, pois modificam o ângulo de incidência das ondas, alteram o perfil
costeira). praial e o regime sedimentar. Em geral, elas intensificam os problemas erosivos.
Recifes artificiais implantados na plataforma continental interna rasa também
podem modificar o clima de ondas, o padrão de refração das ondas incidentes
e estacionárias, causando modificações no perfil praial, inversões nas células
de deriva litorânea e erosão praial.
Armadilhas de sedimentos As estruturas artificiais não paralelas à linha de costa são efetivas armadilhas
16 associadas à implantação de de sedimentos, pois interrompem as correntes de deriva litorânea, dividindo a
estruturas artificiais. célula original em duas células de deriva litorânea menores. Haverá acumulação
de sedimentos à barlamar da estrutura (que na verdade passa a ser a zona de
sotamar de uma das novas células) e erosão intensa à sotamar da estrutura
(que passa a ser zona de barlamar da outra nova célula).
17 Retirada de areia de praias e Causa erosão na praia local e em praias vizinhas, alterando o balanço
dunas. sedimentar das mesmas.
Extração de areias fluviais Alteram o balanço sedimentar regional e desencadeiam processos erosivos
(desassoreamento de desembo- nos sistemas fluvial, estuarino e lagunar e nas praias. Por outro lado, podem
18 caduras e mineração) e dragagens aumentar o aporte de sedimentos no sistema costeiro, pelo menos
em canais de maré e na plataforma momentaneamente.
continental.
Conversão de manguezais, pla- Essas modificações causam desequilíbrios no balanço sedimentar regional,
nícies fluviais e lagunares, pân- aumentando os processos erosivos no sistema costeiro e, conseqüentemente,
19 tanos e áreas inundadas em ter- nas praias. Além disso, muitos desses terrenos passam a ser suscetíveis a
renos para urbanização e ativida- inundações.
des antrópicas; mudanças no
padrão de drenagem.
Balanço sedimentar atual negati- O déficit de sedimentos em uma praia pode ser causa e efeito dos processos
20 vo decorrente de intervenções erosivos. Todos os fatores antrópicos citados acima também induzem ao
antrópicas. balanço sedimentar negativo das praias.

efetuados por meio de métodos diretos e métodos são representados em diagramas de cota ou elevação
indiretos, para a determinação de taxas ou identificação (m) versus distância (m) e os dados obtidos são
de indícios de erosão costeira, que ocorrem em processados em programas computacionais (por
intervalos de curto e/ou longo períodos. O método direto exemplo, Surfer, Arc View, entre outros). É feita a análise
mais utilizado no Brasil é o clássico monitoramento das comparativa das variações da linha de costa e do volume
praias através do levantamento de perfis topográficos de sedimentos entre os perfis e são efetuados os cálculos
(descrito por Emery, 1961), que inclui a caracterização das perdas, dos ganhos e do balanço sedimentar em
morfológica da praia, análises sedimentológicas e a cada perfil praial no período de estudo. A utilização desse
integração com dados meteorológicos e oceanográficos método no Brasil remonta o início da década de 1970
diretos (medições in situ) ou indiretos (dados de (Kowsmann, 1970), mas se tornou mais expressiva a
campanhas oceanográficas realizadas em outros partir da década de 1990. Inúmeros exemplos podem
períodos). Em geral, ele é utilizado para a identificação ser encontrados em publicações relacionadas a eventos
de eventos erosivos de baixa freqüência, que envolvem que trataram do tema, entre elas: Anais do 39 o
também fenômenos sazonais. Os perfis topográficos Congresso Brasileiro de Geologia e Simpósio sobre

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

Tabela 7.6. Exemplos de trabalhos sobre erosão costeira realizados no Brasil.

Região Estado Referências


Norte Amapá Mendes & Faria Jr. (1996)
Pará Mendes et al. (1997), Souza Filho (2000, 2001) e Souza Filho. et al. (2002)
Nordeste Maranhão Gonçalves (1995) e Dominguez (1999)
Piauí Dominguez (1999)
Ceará Meireles & Gurgel (1994), Valentine (1994), Castro (1996), Moraes (1998), Moraes
et al. (1999) e Magalhães et al. (2000)
Rio Grande do Norte Diniz (1998), Diniz & Dominguez (1999), Alves et al. (2002), Tabosa et al. (2001),
Vital et al. (2003) e Vital et al. (no prelo)
Paraíba Neves & Dominguez (1999) e Neves et al. (2001)
Pernambuco Manso et al. (1996, 2001)
Alagoas Araújo & Lima (2001)
Sergipe Fontes (1999) e Oliveira & Dominguez (2001)
Leste Bahia e costa leste- Dominguez (1995), Dominguez & Bittencourt (1996), Dominguez (1999), Addad
nordeste do Brasil (1995, 1997) e Addad & Martins-Neto (2000)
Espírito Santo Albino et al. (2001)
Sudeste Rio de Janeiro Valentine & Neves (1989) e Bastos & Silva (1996, 2000)
São Paulo Souza & Suguio (1996, 1998, 2003) e Souza (1997, 1999, 2001a,b)
Sul Paraná Angulo (1993a,b, 1995)
Santa Catarina Castilho & Gré (1996), Klein et al. (1999) e Caruso et al. (2001)
Rio Grande do Sul Calliari et al. (1998), Tomazelli & Dillenburg (1998), Tomazelli et al. (1998, 1999), Dillenburg
& Kuchle (1999), Toldo Jr. et al. (1999), Esteves et al. (2001, 2002) e Esteves & Santos (2001)
Diversos trechos Muehe & Neves (1995)
da costa brasileira

Erosão Costeira (Salvador - 1996); Anais da Academia intervalos de tempo, da ordem de minutos a poucos
Brasileira de Ciências - Reuniões do Projeto LOICZ dias; requerem sensores espalhados ao longo da face
(1996, 1998); Anais dos V, VI, VII e VIII Congressos praial; requerem a análise de uma quantidade de dados
da ABEQUA (Niterói - 1995, Curitiba - 1997, Porto meteorológicos e oceanográficos geralmente não
Seguro - 1999 e Imbé - 2001, respectivamente); Anais disponíveis, mas que são importantes para a
do Simpósio Brasileiro sobre Praias Arenosas (Itajaí - compreensão dos fenômenos; e exigem rápida
2000); Journal of Coastal Research (2002; Trabalhos mobilização das equipes de campo. Estudos desse gênero
do Simpósio Brasileiro sobre Praias Arenosas); e Revista têm sido desenvolvidos em algumas praias do Brasil, a
Pesquisas em Geociências (2001 - Trabalhos do VIII exemplo de Sperle et al., 2000, Serau & Calliari, 2000,
Congresso da ABEQUA). entre outros. O método consiste na instalação de tubos
Os eventos erosivos de alta freqüência ou de de PVC, graduados centimetricamente, na face praial
curto período, como a passagem de fortes sistemas de cada estação de levantamento de perfil topográfico
frontais polares que geram tempestades, são de difícil sazonal convencional, para a obtenção de medidas
medição por vários motivos: ocorrem durante curtos diretas da dinâmica sedimentar horária, durante o

Tabela 7.7. Situação das praias brasileiras em relação aos indicadores e às causas de erosão costeira apresentadas nas
Tabelas 7.3, 7.4 e 7.5. Os campos foram assinalados com base na literatura destacada na Tabela 7.6 (a ausência de marcação
de um campo pode significar também a insuficiência de dados, principalmente nas regiões mais carentes de estudos).
Causas de erosão costeira
Região Indicadores de erosão costeira
Naturais Antrópicas
I II III IV V VI VII VIII IX X XI 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Norte • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Nordeste • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Leste • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Sudeste • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Sul • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

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Quaternário do Brasil

Praia em Rio do Fogo, litoral norte do RN: Indicadores de Praia do Farol em Bragança-PA: Indicadores de erosão I, II,
erosão I, II, III, VI, X. Causas da erosão 1, 2, 3, 7, 8, 10, 11, 13 III, V. Causas da erosão 1, 2 , 4 , 5, 6, 8 , 9 (Foto: Pedro W. M.
(Foto: Helenice Vital, 2001). Souza Filho, 2002).

Praia de Lagoa Doce, litoral sul do ES: Indicadores de erosão Praia de Piratininga, Niterói-RJ: Indicadores de erosão: I, II,
I, II, IV, XI. Causas da erosão: 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 VII, VIII. Causas da erosão: 4, 7, 8, 13, 14 (Foto: Soraya
(Foto: Célia R. de G. Souza, 2000). Patchineelam, 2002).

Praia de Ilha Comprida, litoral sul de SP: Indicadores de Praia do Hermenegildo, RS: Indicadores de erosão: I, II, III,
erosão I, II, IV, V, X, XI. Causas da erosão: 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, VI, VIII, X. Causas da erosão: 2, 3, 5, 7, 8, 9, 11, 12, 14, 15, 17,
10, 12 (Foto: Célia R. de G. Souza, 2000). 20 (Foto: Ulisses R. da Rocha, 1999).

Figura 7.4. Exemplos de praias brasileiras em erosão, indicadores e causas de erosão costeira (indicadores estão na
Tabela 7.3 e causas nas Tabelas 7.4 e 7.5).

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

período de passagem da frente fria, incluindo dados anual da linha de costa do estado do Rio Grande do Sul
hidrodinâmicos, sedimentológicos e geomorfológicos. desde 1997 (Toldo Jr. et al., 1999). Comparações entre
Os métodos indiretos são geralmente utilizados as linhas de costa obtidas por esse método (1997-2000)
para a caracterização de eventos de erosão costeira de e mapas topográficos (1975) mostraram que cerca de
longo período. 80% das praias gaúchas encontram-se em erosão (Toldo
a) Cálculo de taxas de retração ou retrogradação Jr. et al., 1999; Esteves et al., 2001).
da linha de costa (metros/ano) baseado em análises de d) Identificação de indicadores de erosão costeira
fotografias aéreas, imagens de satélite e mapas topográficos (Tabela 7.3) e monitoramento de sua ocorrência espacial
e batimétricos antigos e atuais, com o objetivo de mapear e temporal na linha de costa, durante períodos de anos a
as variações da linha de costa. Carter (1988) aponta os décadas (Souza & Suguio, 1996, 2003; Souza, 1997,
cuidados a serem tomados e os erros envolvidos na 2001b). A partir da presença (número) desses indicadores
utilização desse método. Vários exemplos de uso desse e de sua distribuição espacial ao longo da linha de costa,
método podem ser encontrados em publicações citadas Souza & Suguio (2002) elaboraram uma matriz de
anteriormente, a exemplo dos trabalhos de Angulo (1993a), classificação de risco à erosão costeira para as praias do
Amaral (1999) e Souza Filho (2000). estado de São Paulo (Tabela 7.8). Os resultados obtidos
b) Estimativa de taxas de retração ou mostraram que 22% das praias paulistas apresentam risco
retrogradação da linha de costa (metros/ano) baseada Muito Alto, 19% Alto, 31% Médio, 18% Baixo e apenas
em fórmulas que utilizam parâmetros como taxa média 5% estão sob risco Muito Baixo.
de elevação do NM de longo período (metro/século),
profundidade máxima de troca de sedimentos entre a 6. MÉTODOS DE PROTEÇÃO E CONTENÇÃO DE
costa e a plataforma continental (metros), e a distância EROSÃO COSTEIRA E RECUPERAÇÃO DE
máxima (metros) entre esse local e a linha de costa PRAIAS
atual (Bruun, 1962, 1988; Dubois, 1975; Dean, 1977). A tendência atual de aumento das áreas em risco
Um exemplo da utilização deste método no Brasil está de erosão costeira, decorrente principalmente da
no trabalho de Souza (2001b). Com base na Regra de ocupação desordenada da zona costeira, faz com que
Bruun (1988), foram calculadas as taxas de as comunidades tenham que se preocupar cada vez mais
retrogradação da linha de costa para as seis praias sob com o gerenciamento do problema. Três tipos de ações
maior risco de erosão do litoral paulista, presentes em podem ser adotadas como resposta ao problema da
seis setores morfodinâmicos diferentes, para o período erosão (e.g., NRC, 1990; Pilkey, 1991), conforme
entre 1938 e 1994 (anos da primeira e última publicações descrito a seguir.
de cartas náuticas da Diretoria de Hidrografia e a) Abandonar a área ameaçada. Consiste em
Navegação - Marinha do Brasil, para a área de estudo). deixar a erosão seguir seu curso, sem adotar medidas
Foram obtidos valores médios máximo de 3,22 m/ano de contenção ou recuperação. É uma alternativa para
e mínimo 1,51 m/ano. áreas em que os valores em risco são menores do que
c) Monitoramento da posição da linha de costa os custos de protegê-los. Não ocorrem gastos com
(linha de água) por meio da utilização de GPS (Global proteção costeira, mas há prejuízo pela perda de terrenos
Position System ou Sistema de Posicionamento Global) e destruição de estruturas construídas pelo homem.
em veículo motorizado (velocidade constante), por um b) Restringir a ocupação das áreas em risco.
período de vários anos consecutivos. Esse método foi Implica em regulamentar onde, como e os tipos de uso
pioneiramente utilizado no Brasil para o monitoramento que podem ser implementados nas áreas sujeitas à

Tabela 7.8. Matriz de classificação de risco à erosão costeira (Fontes: Souza, 2001b; Souza & Suguio, 2003).

Número total de Distribuição espacial na praia


indicadores de
erosão costeira >60% 41-60% 21-40% ≤20%
10 a 11 Muito Alto Muito Alto Alto Alto
Risco

7a9 Muito Alto Alto Médio Médio


4a6 Alto Médio Médio Baixo
1a3 Médio Médio Baixo Baixo
0 Muito Baixo

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Quaternário do Brasil

erosão. Esta parece ser a melhor opção para costas único método que fornece areia a um sistema em déficit
pouco urbanizadas, pois previne a ocupação em áreas sedimentar, enquanto que os outros redistribuem a areia
críticas, reduzindo o risco ao longo do tempo. Entre as disponível, transferindo a erosão para faixas adjacentes.
medidas mais adotadas, estão: estabelecer linhas de As desvantagens estão na dificuldade em encontrar
recuo para a ocupação; criar zoneamentos das áreas de material compatível para reconstituir a praia sem causar
risco onde se definem os tipos de ocupação permitidos; novos problemas, no elevado custo da execução e
e incentivar a relocação de estruturas em risco e o manutenção da obra e na dificuldade de prever com
redirecionamento do uso e ocupação do solo. precisão o tempo de duração da praia reconstituída (e.g.,
c) Implementar medidas de proteção costeira. NRC, 1995; Weggel, 1995).
Esta é uma opção escolhida quando a área, os valores No Brasil, a preocupação em proteger a costa é
ou atividades em risco são significativos. As técnicas relativamente recente. Historicamente, quando as
de proteção podem ser agrupadas em duas categorias: propriedades estão ameaçadas pela erosão, os próprios
obras de engenharia rígidas ou flexíveis e obras de moradores utilizam blocos de pedras ou sacos de areia
engenharia passiva. As primeiras incluem estruturas na tentativa de proteger as estruturas em risco (Figura
paralelas à costa, como muros e anteparos de contenção/ 7.5). Com o agravamento da situação, são construídas
proteção, gabiões, quebra-mares e recifes artificiais, que estruturas mais robustas, como gabiões, anteparos de
utilizam materiais como rocha, concreto, pneus, aço pedra, muros de concreto e espigões, cujas obras
etc., e estruturas perpendiculares ou transversais à geralmente não são precedidas de estudos prévios sobre
costa, como espigões, enrocamentos, molhes e guias- a dinâmica costeira, não seguem projetos de engenharia
corrente, que utilizam materiais como rocha, concreto, adequados e não recebem manutenção periódica. Outro
bolsas de areia (bolsa-roca) etc. Os métodos de problema freqüente é a tomada de medidas por cada
engenharia passiva consistem em reconstruir dunas e proprietário isoladamente, gerando uma “segmentação”
praias artificialmente (alimentação artificial). Walker da linha de costa e fazendo com que as obras de um
(1981) e CERC (1977, 2002) apresentam discussões agravem a erosão nas propriedades vizinhas. Tudo isso
sobre os diferentes métodos de proteção costeira e os desencadeia um ciclo vicioso de construção e
impactos que eles provocam na linha de costa. reconstrução de estruturas, que acabam sendo cada vez
Os métodos de proteção costeira agem de forma maiores, mais impactantes e mais numerosas (Figura
a mitigar temporariamente as conseqüências da erosão, 7.5).
já que não eliminam as causas do processo em si, A reconstrução praial tem sido utilizada com
necessitam de manutenção periódica para que preservem sucesso em algumas praias brasileiras, a exemplo das
sua função e, principalmente no caso de estruturas praias de Copacabana (RJ) em 1970 (Nicoletti, 1970),
rígidas e flexíveis, aceleram os processos erosivos em Camburi (ES) em 1998 (Albino & Oliveira, 2000) e
áreas adjacentes a elas. Os efeitos prejudiciais que as Piçarras, Alegre e Gravatá (SC) em 1999 (Abreu et al.,
estruturas rígidas têm sobre as praias, como a redução 2000).
na largura da faixa emersa, obstrução do acesso ao mar
e o impacto visual negativo, são amplamente descritos 7. APLICAÇÕES, LACUNAS DE ESTUDOS, E
na literatura internacional (e.g., Walker, 1981; Kraus & PERSPECTIVAS E NECESSIDADES DE
McDougal, 1996). Elas alteram os mecanismos PESQUISAS FUTURAS
sedimentares ao longo da linha de costa, agravando a Os estudos de morfodinâmica, circulação costeira
erosão (ver Tabela 7.5). São, portanto, bastante e erosão podem ser diretamente aplicados na mitigação
questionáveis a utilidade e a eficiência desses métodos, e no controle de erosão costeira, em zoneamentos
gerando controvérsias entre engenheiros e geólogos ou ecológico-econômicos ou ambientais, bem como
geomorfólogos costeiros. subsidiar políticas públicas por meio de medidas e
A reconstrução de praias e dunas consiste em normas disciplinadoras visando o planejamento
adicionar areia de granulometria semelhante à da praia territorial e o gerenciamento costeiro integrado (e.g.,
original (geralmente por dragagem e aterro) para Valentine, 1994; Souza & Suguio, 2000, 2002; Souza,
compensar o volume e a área perdidos por erosão. Esse 2001a, 2002; Esteves et al., 2000; Souza Filho, 2001;
método, desde que aplicado adequadamente, não afeta Esteves & Santos, 2001; Souza Filho et al., 2002). A
o aspecto paisagístico da praia, mantém as funções partir de um zoneamento de risco à erosão costeira
recreativas e turísticas com o aumento na largura da pode-se, por exemplo, aplicar algumas normas
faixa de areia e não provoca erosão nas praias adjacentes disciplinadoras:
(e.g., NRC, 1995; Weggel, 1995; CERC, 2002). É o a) praias sob risco muito alto e alto –devem ser

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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

Praia do Farol Velho (Salinópolis-PA): estaqueamento com Praia do Atalaia (Salinópolis-PA): muro de arrimo em
vigas de concreto em falésias esculpidas na Formação concreto e anteparo de blocos de arenito ferruginoso
Barreiras (Foto: Pedro W. M. Souza Filho, 2002). (Formação Barreias) (Foto: Amílcar C. Mendes, 1995).

Praia de Canapum (Macau-RN): muro em concreto e Praia de Bugia (Conceição da Barra-ES): anteparo de pedra
espigões de pedra; a assimetria praial nas faces dos (Foto João E. Addad, 1998).
espigões denota a interrupção das correntes de deriva
litorânea (Foto: Helenice Vital, 2001).

Praia de São Vicente (São Vicente-SP): mureta em Praia de Camboriú (Camboriú-SC): mureta em
concreto e anteparo e espigões de pedra (Foto: Celia concreto. em níveis (Foto: Luciana S. Esteves, 1999).
R. de G. Souza, 2001).

Figura 7.5. Exemplos de obras de proteção costeira no Brasil.

147

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Quaternário do Brasil

monitoradas e exigem manejo adequado e medidas de Federal do Pará) está desenvolvendo o projeto “Uso e
proteção e conservação, devendo essas áreas estar sujeitas Apropriação de Recursos da Zona Costeira”, com
às ações de resposta à erosão, descritas no item anterior; financiamento do Instituto do Milênio (FINEP/MCT/
b) praias sob risco moderado –requerem atenção, CNPq). Dentre os seus objetivos, estão o monitoramento,
estando o uso e a ocupação sujeitos a regras visando a modelagem, a erosão e a ocupação costeira. O
não agravar a erosão; comportamento dos processos sedimentares atuantes nas
c) praias sob riscos baixo e muito baixo –podem praias monitoradas será avaliado em diversas escalas
ser ocupadas com algumas restrições que visem não temporais, através de análise de mapas geológicos,
agravar a erosão; e fotografias aéreas, imagens de satélite e coleta de
d) toda obra a ser efetuada na linha de costa, testemunhos sedimentares para avaliação da estratigrafia
envolvendo a implantação de estruturas rígidas, a e datações através do 14C e da termoluminescência. Os
retirada de areia de praia e o desassoreamento de processos erosivos/deposicionais atuais serão estudados
desembocaduras, deve ser precedida de estudos sobre com a realização de perfis de monitoramento em praias
dinâmica costeira e de uma autorização do órgão urbanizadas e não urbanizadas, por nível de precisão e
ambiental competente (Souza & Suguio, 2002). trenó submarino, sendo os dados arquivados e
A grande extensão do litoral brasileiro, com suas processados em um banco de dados organizado por um
particularidades fisiográficas regionais, e as Sistema de Informações Geográficas –SIG. Esses dados
discrepâncias no que se refere à pesquisa básica serão a base para a construção de mapas regionais de
resultam em uma heterogeneidade de conhecimento vulnerabilidade dos ambientes costeiros à erosão, levando-
científico em relação aos diversos temas abordados se em conta tanto os processos naturais quanto a ação
neste capítulo, destacando-se morfodinâmica, dinâmica antrópica. Um projeto similar a esse, denominado SIIGAL
de circulação costeira e processos sedimentares (Sistema Integrador de Informações Geoambientais para
atuantes nas praias. Os principais problemas que afetam o Litoral de São Paulo, Aplicado ao Gerenciamento
as praias, como a erosão costeira e a poluição Costeiro –FAPESP), está em desenvolvimento para o
(balneabilidade), também ainda são pouco estudados. litoral do estado de São Paulo, abrangendo, entre outros,
Estudos sistemáticos envolvendo setores costeiros estudos sobre riscos à erosão costeira, inundação/
amplos, como as costas estaduais, estão concentrados enchente e poluição ambiental (Souza, 2003/2004).
nas regiões Sudeste e Sul do país, em virtude da
presença de grande número de centros de pesquisa e REFERÊNCIAS
universidades, da maior disponibilidade de suporte Abreu, J.G.N.; Klein, A.H.F.; Diehl, F.L.; Santos, M.I.F.;
financeiro para a pesquisa e da mais rápida formação Alves Jr., L.A. 2000. Alimentação artificial de praias no
de quadros nessas regiões. Apesar disso, tem havido litoral centro-norte de Santa Catarina. Os casos de
um efetivo esforço por parte das instituições de pesquisa estudo das praias de Piçarras, Praia Alegre e Gravatá.
In: Klein, A.H.F. et al. (Orgs.). Simpósio Brasileiro sobre
e ensino das regiões Norte e Nordeste no sentido de
Praias Arenosas. Morfodinâmica, Ecologia, Usos,
aprimorar a formação de seus recursos humanos,
Riscos e Gestão, Itajaí. Anais... p.426-427.
fomentar projetos científicos, obter mais verbas e Addad, J. 1995. Erosão nas praias de Alcobaça, sul da
ampliar as pesquisas científicas voltadas ao estudo das Bahia. 140p. Dissertação (Mestrado) - Instituto de
praias. O conhecimento fragmentado sobre as praias Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais.
dificulta uma classificação brasileira de áreas de risco Addad, J. 1997. Alterações fluviais e erosão costeira.
à erosão costeira, a identificação de indicadores de Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v.2, n.1, jan./
erosão e o estabelecimento de padronizações de jun., p.5-13.
nomenclatura em nível nacional. Conseqüentemente, Addad, J. & Martins-Neto, M. 2000. Deforestation and
ficam comprometidos o planejamento do uso e erosion: a case from East Brazil. Journal of Coastal
ocupação da zona costeira e a conservação das praias. Research, v.16, n.2, p.423-431.
Atualmente, um consórcio entre várias instituições Albino, J. & Oliveira, R.M. 2000. Monitoramento topográfico
e granulométrico das areias da Praia de Camburi, Vitória,
de ensino superior (Fundação Universidade do Rio
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Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Praias Arenosas. Morfodinâmica, Ecologia, Usos,
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7. Praias Arenosas e Erosão Costeira

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Capítulo 8

OCEANOGRAFIA GEOLÓGICA E
GEOFÍSICA DA PLATAFORMA
CONTINENTAL BRASILEIRA
Helenice Vital
Luciana Slomp Esteves
Tereza Cristina Medeiros de Araújo
Soraya Maia Patchineelam

RESUMO. Este capítulo versa sobre a oceanografia geológica e geofísica, ciências que estudam a estrutura do
fundo oceânico, sua evolução ao longo do tempo geológico, e a composição e história dos sedimentos depositados.
A geologia e a geofísica marinha fornecem uma visão integrada sobre a história dos processos que formaram a
estrutura do assoalho oceânico e a evolução dos oceanos em escalas local, regional e mundial. A geologia marinha
estuda as rochas e os sedimentos, enquanto a geofísica marinha trata dos dados relativos à gravidade e magnetismo
da Terra, fluxo térmico, terremotos, além do comportamento das ondas sísmicas geradas natural ou artificialmente
ao se propagarem nas diferentes camadas do fundo oceânico. A geologia e a geofísica são associadas no estudo
do fundo oceânico, pois seus dados se complementam, na caracterização da superfície sólida da Terra coberta por
água. Nesse sentido, é dada ênfase aos processos dinâmicos e no transporte sedimentar, bem como no relevo e na
composição do fundo marinho atual. São apresentadas as divisões do fundo marinho e sua classificação de acordo
com a morfologia, arcabouço tectônico, tipo de sedimento e definição e importância de plataforma continental. Em
seguida, tem-se a descrição dos principais métodos geológicos, geofísicos e oceanográficos utilizados, de forma
a fornecer ao leitor uma compreensão geral tanto da utilidade quanto das limitações das medições resultantes. Os
processos hidrodinâmicos e os seus efeitos são discutidos por meio de modelos processo-resposta e regimes
hidráulicos de plataforma, modelos de dispersão de sedimentos e modelos estratigráficos dinâmicos, utilizando-se
exemplos de várias regiões do Brasil. Em seguida, a Plataforma Continental Brasileira é caracterizada por regiões,
conforme as divisões do REVIZEE (programa para o levantamento dos potenciais sustentáveis de captura de
Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva) e REMPLAC (avaliação dos Recursos Minerais da Plataforma
Continental Jurídica Brasileira) em Norte, Nordeste, Central e Sul, com dados e ilustrações de perfis sísmicos,
batimétricos, sedimentológicos e padrões de correntes. Finalmente, são discutidos brevemente os problemas e as
perspectivas da oceanografia geológica e geofísica sobre aspectos econômicos e ambientais, bem como impactos
antrópicos e tendências futuras.
Palavras-chave: Oceanografia; Geologia marinha; Geofísica; Plataforma continental.

ABSTRACT. This chapter deals with geological oceanography or marine geology and marine geophysics.
These sciences include the study of the seabed structure and the evolution of the oceans and their margins.
Marine geology and marine geophysics differ in that geology study the rocks and sediments, while geophysics
concerns with investigation of the Earth’s gravity, geomagnetic field, the rate at which heat passes through
the ocean floor, seismic displacements, passage of seismic waves through seawater and seabed. But marine
geology and geophysics studies commonly rely on collaboration to investigate, interpret, and model the
ocean bottom surfaces and processes. This chapter deals with the dynamic processes that affect the seabed
from the littoral zone to the continental shelf edge. Seabed structure based on its morphology, tectonic
framework, sediment types and definition of continental shelf are presented. The most used methods of the
sea floor study are briefly described. After a historical description of the origins of marine geophysics and
geology in Brazil, an outline is given on the Brazilian continental shelf. The characterization of the Brazilian
continental shelf take in account the division adopted by the REVIZEE and REMPLAC national research
program in four geographical regions: North, Northeast, Central, and South. Finally, the problems and
perspectives of the marine geology and marine geophysics, such as economical and environmental aspects,
are briefly discussed and as well as future progress.
Key-words: Oceanography; Marine geology; Marine geophysics; Continental shelf.

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Quaternário do Brasil

1. INTRODUÇÃO continental, que é dominado por processos oceânicos.


A oceanografia geológica (ou geologia marinha) A largura da plataforma é variável, sendo estreita no
estuda a estrutura do fundo oceânico, bem como sua nordeste do Brasil (30 km) e larga na foz do Amazonas
evolução ao longo do tempo geológico, e a composição (250 km).
e história dos sedimentos depositados. A geologia e a As principais características desses ambientes
geofísica marinha fornecem uma visão integrada sobre são profundidades menores que 200 m, gradiente suave
a história dos processos que formaram a estrutura do (1-0,1o), salinidade marinha normal (35%o) e uma ampla
assoalho oceânico e a evolução dos oceanos em escalas variedade de processos físicos, como correntes de
local, regional e mundial. A geologia marinha estuda as marés, ondas, correntes geradas por tempestades e
rochas e os sedimentos, enquanto a geofísica marinha correntes oceânicas. Os mares plataformais apresentam
trata dos dados relativos à gravidade e magnetismo da um perfil distinto, representado por uma superfície de
Terra, fluxo térmico, terremotos, além do equilíbrio relacionada à base das ondas e caracterizado
comportamento das ondas sísmicas geradas natural ou por um balanço entre erosão e deposição.
artificialmente ao se propagarem nas diferentes camadas Embora os mares plataformais ocorram sob
do fundo oceânico. Assim, a Geologia e a Geofísica várias formas e tamanhos em função de sua localização
são associadas no estudo do fundo oceânico, pois seus geográfica e tectônica, dois tipos morfológicos
dados se complementam, na caracterização da superfície principais podem ser reconhecidos: os mares
sólida da Terra coberta por água. pericontinentais e os epicontinentais. Os primeiros
Cerca de 70% da superfície terrestre encontra- ocorrem nas margens continentais (por exemplo, na
se abaixo do nível do mar, sendo ainda relativamente margem atlântica brasileira) e são caracterizados pelo
pouco conhecida. As duas feições fisiográficas mais perfil clássico de linha de costa-plataforma-talude, vistos
impressionantes do fundo oceânico são as cordilheiras como clinoformas em margens continentais
mesoceânicas e as fossas submarinas. De acordo com agradacionais. Os mares epicontinentais são mares
a teoria da tectônica de placas, paradigma desenvolvido parcialmente fechados no interior de áreas continentais
a partir dos anos de 1960, nova crosta oceânica está (por exemplo, o Mar do Norte, na Europa), onde as
sendo continuamente formada, ao longo das cordilheiras águas são rasas e, em geral, apresentam perfis em forma
pela expansão do assoalho oceânico. A litosfera assim de rampa, apesar do perfil plataforma-talude também
formada pode, eventualmente, retornar a astenosfera ocorrer em bacias interiores mais profundas.
através das fossas submarinas, que são a expressão O arcabouço tectônico também permite
superficial de planos inclinados conhecidos como zonas diferenciar dois padrões principais, as margens passivas
de subducção. Entre as cordilheiras e as fossas, e as ativas. As margens continentais passivas,
encontram-se planícies abissais cobertas por assísmicas, do tipo Atlântico ou divergentes
sedimentos, bem como cordilheiras subsidiárias e uma desenvolvem-se onde o continente e a bacia oceânica
variedade de altos e platôs, alguns dos quais atingem a adjacente fazem parte da mesma placa, como é o caso
superfície formando ilhas. A margem continental separa da margem leste da placa sul-americana, onde está
os domínios continentais (planície litorânea emersa) dos situada toda a costa brasileira. Elas se localizam sobre
oceânicos (assoalho submarino), representando uma uma crosta continental fina, sobre a qual se acumulam
zona de transição entre crosta continental e crosta sedimentos para construir a plataforma, o talude e o
oceânica. Ela é constituída por plataforma continental, sopé continentais. Encontram-se margeando os
talude continental, elevação continental e fossa, além continentes e desenvolvem prismas plataformais que
das planícies costeiras. Este capítulo versa se espessam em direção ao mar, onde o sedimento é
principalmente sobre a plataforma continental, já que fornecido por sistemas de drenagem continentais. Já
os conhecimentos sobre o talude e o sopé continentais as margens continentais ativas, sísmicas, do tipo
são mais restritos no Brasil, e as planícies costeiras são Pacífico ou convergentes, ocorrem em áreas de
discutidas no Capítulo 5 (Geologia e Geomorfologia subducção, onde um continente e uma bacia oceânica
Costeiras). adjacente pertencem a placas diferentes. São as margens
As plataformas continentais ocorrem margeando destrutivas, onde a litosfera oceânica está sendo
os continentes ou como mares interiores e ocupam consumida abaixo da margem continental, como ocorre
cerca de 7% da superfície do assoalho oceânico, com na margem oeste da placa sul-americana, onde está
profundidade média de 130 m, mas podem chegar a inserida a costa chilena. Nesses casos, as plataformas
550 m (Reading, 1996). Estendem-se das áreas rasas, são tipicamente mais estreitas, cortadas por ondas, o
dominadas por processos costeiros, ao limite do talude talude é mais íngreme que em margens assísmicas e

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

uma fossa abissal geralmente substitui a elevação recursos. Dessa forma, o Brasil, como um país
continental. costeiro, tem enorme responsabilidade para se colocar
Apesar dessas diferenças morfológicas, todos os na vanguarda desse conhecimento.
mares rasos ou plataformais estão sujeitos à mesma
variação de processos físicos, biológicos e químicos 2. MÉTODOS DE ESTUDOS EM ÁREAS
que, juntos, definem as fácies sedimentares desse SUBMERSAS
ambiente complexo. Dependendo do tipo de sedimento, Os trabalhos de geologia e geofísica marinha
as plataformas podem ser subdivididas em: plataformas diferem das investigações realizadas em áreas emersas.
autóctones, como, por exemplo, no nordeste do Brasil, Os geólogos marinhos não podem caminhar diretamente
que recebem sedimentos quase que exclusivamente do sobre os afloramentos no fundo oceânico exceto através
retrabalhamento in situ de depósitos pretéritos de submersíveis. Portanto, métodos e técnicas
(relíquias), e plataformas alóctones, cujos sedimentos específicos foram desenvolvidos para que amostragens
são parcialmente supridos por fontes modernas, como submarinas pudessem ser realizadas. Basicamente, toda
no norte do Brasil, trazidos principalmente do continente pesquisa marinha requer um meio flutuante e os métodos
adjacente. Em relação à composição dos sedimentos, utilizados em áreas emersas precisam sofrer adaptações
as plataformas podem ser subdivididas ainda em para ser utilizados no mar. O alto custo da tecnologia
plataformas siliciclásticas, quando há predomínio de para exploração marinha e o uso e manutenção dos
sedimentos silicosos, como no sul do Brasil, plataformas navios de pesquisa torna a Oceanografia uma ciência
carbonáticas, quando há predomínio de sedimentos muito cara. Esse alto custo tem incentivado a
carbonáticos, por exemplo, no nordeste do Brasil, e cooperação, de forma que expedições envolvendo
plataformas mistas, onde as quantidades de sedimentos instituições de diversos países se tornaram importantes
silicosos e carbonáticos são aproximadamente iguais. nas pesquisas de oceanografia moderna.
Os principais fatores que controlam os padrões Os equipamentos de pesquisa marinha surgiram
de sedimentação e as fácies características em e foram aperfeiçoados desde o início do século passado
plataformas siliciclásticas são: a) transporte sedimentar e tiveram um grande incremento durante a Segunda
(regime hidráulico); b) suprimento sedimentar; e c) Guerra Mundial. A sofisticação veio nos anos de 1970,
mudanças relativas no nível do mar. Alguns fatores devido ao grande interesse em hidrocarbonetos, levando
secundários que podem dominar em ambientes ao grande aperfeiçoamento dos métodos sísmicos. No
carbonáticos incluem: o clima, fatores biológicos final desse século, houve o desenvolvimento dos
(interação sedimento-animal) e fatores químicos métodos de navegação por satélite, que minimizou um
(composições químicas dos sedimentos e da água dos grandes problemas de trabalho no mar, com a
marinha). Seqüências marinhas rasas antigas também localização precisa dos pontos de interesse.
foram influenciadas pela história geológica e a evolução A investigação em áreas submersas pode ser feita
da bacia, incluindo controle tectônico e sedimentação, de forma direta ou indireta. A forma indireta é aquela
e a natureza do registro sedimentar preservado. na qual se obtém informações do fundo oceânico por
A importância da plataforma reside no fato de meio de métodos geofísicos, sem ter contato direto com
que a circulação das águas da plataforma continental o material de estudo. Os estudos diretos são realizados
tem profunda influência no ciclo de vida de animais e quando o pesquisador vai pessoalmente à área de estudo
vegetais marinhos, na distribuição de nutrientes, no ou quando usa equipamentos para trazer partes da área
transporte e dispersão de contaminantes e no de estudo (amostras de sedimentos ou de rochas do
planejamento e construção de obras de engenharia fundo oceânico) ao seu encontro. A estratégia de
costeiras. Além disso, o valor econômico dos pesquisa no mar envolve seleção dos equipamentos a
hidrocarbonetos nas margens continentais aumentou serem utilizados no navio e plano de trabalho de forma
consideravelmente o interesse pelos seus estudos. Os a otimizar a cobertura da área. Em geral, a amostragem
recursos minerais marinhos, por outro lado, devem ser geológica só é efetuada após a aplicação de algum
encarados como um recurso natural potencial, cujo valor método indireto.
real é principalmente político e estratégico. De fato, o Pesquisas em águas rasas tendem a ser mais
conhecimento técnico-científico do potencial mineral detalhadas, encontrando ampla variação local de feições,
de fundos oceânicos, incluindo o mapeamento das tipos e distribuição de sedimentos. Em águas profundas,
ocorrências e o desenvolvimento das técnicas de que cobrem área substancial do fundo oceânico,
exploração e explotação minerais em áreas submersas, geralmente existe mais interesse nas mudanças de tipos
determinam quais os países que possuem esses de sedimentos e de feições de grande escala. Nos dois

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Quaternário do Brasil

Tabela 8.1. Principais métodos geofísicos e suas características.

Método Propriedade física O que é medido Causa


Gravimetria Densidade Gravidade Natural
Magnetometria Suscetibilidade magnética Magnetismo Natural
Sísmico Elasticidade física Tempo de percurso Artificial
Geoelétrico Condutividade elétrica Condutividade Natural e artificial
Radiometria Radioatividade Radioatividade Natural
Geotermia Condutividade térmica Temperatura Natural

casos, o tamanho mínimo esperado da feição de um feixe lateral de ondas acústicas, que permite obter
interesse geralmente determina o tipo de equipamento a uma imagem acústica do fundo do mar, semelhante a
ser utilizado, o espaçamento das linhas de pesquisa e o uma fotografia aérea. Os sistemas de sonar de varredura
tipo de posicionador. lateral podem ser rebocados próximo à superfície do
A Geofísica estuda a Terra através da medida de mar ou próximo ao fundo. Os primeiros operam em
suas propriedades físicas. Existem vários tipos de um intervalo de freqüência mais baixo (6 a 12 kHz) e
métodos, cada um versando sobre a medida de uma mapeiam em grande escala, podendo varrer até 30 km
propriedade física (Tabela 8.1). A medida dessas para cada lado da trajetória do navio. Os últimos operam
propriedades fornece informações sobre as em intervalo de freqüência de 100 a 500 kHz e possuem
características da área que se quer estudar. capacidade de varredura de até 1 km para cada lado,
Nos estudos marinhos, os métodos geofísicos sendo, portanto, sistemas de maior resolução (Blondel
mais utilizados baseiam-se na propagação de ondas & Murton, 1997).
acústicas, ou seja, os métodos sísmicos. Os mais Ondas sonoras também são utilizadas para medir
utilizados são os perfiladores (freqüentemente processos hidrodinâmicos. Os correntômetros
designados de sísmicos), que coletam dados ao longo eletromagnéticos, por exemplo, estão sendo
de uma faixa estreita diretamente abaixo do navio, e os substituídos pelo sensor ADCP (Acoustic Doppler
sistemas de sonar (sonografias), que permitem obter Current Profiler), cujo funcionamento se baseia no
dados em faixa mais larga, através da trajetória do navio. princípio do deslocamento Doppler (Doppler Shift), em
A sísmica fornece informações sobre a estrutura das que o sensor transmite pulsos acústicos à água. À
camadas sedimentares abaixo do fundo marinho, medida que o som se propaga, parte da energia é
enquanto a sonografia permite observar as refletida por pequenas bolhas de ar na água. O sensor
características morfológicas e sedimentológicas do detecta o movimento das bolhas e determina a
fundo do mar. velocidade e a intensidade da corrente. A unidade de
No método sísmico, várias fontes são utilizadas medida utilizada é de cm/s para a velocidade e de graus
para gerar uma onda acústica e, dependendo da fonte magnéticos para o sentido da corrente.
utilizada, pode-se ter informações mais detalhadas da Os sensores OBS (Optical Backscatterance
subsuperficie oceânica (Tabela 8.2). Cada tipo de fonte Sensor) são utilizados para obter informações sobre a
é utilizada para uma finalidade. Quanto mais alta for a concentração do sedimento em suspensão em diferentes
freqüência de uma determinada fonte, maior será a sua profundidades. Uma amostra do material em suspensão,
atenuação e menor a sua capacidade de penetração. coletada in situ, é necessária para calibração do
A técnica da sonografia consiste na emissão de equipamento.

Tabela 8.2. Principais tipos de fontes sísmicas.

Fonte Freqüência Penetração (m) Resolução (m)

Ecobatímetro 200 Hz 0 (lama fluida) 0,5


Pinger 1 kHz 0 - 30 0,4
Boomer 800 - 1.300 Hz 10 - 100 0,5
Sparker 300 - 600 Hz 50 - 250 2
Canhão de ar (air gun) 40 - 250 Hz 100 - 1.000 10
Canhão de água (water gun) 100 - 1.200 Hz 100 - 1.000 5

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

Tabela 8.3. Características principais dos amostradores de fundo tipo dragas e busca-fundos (Fonte: Figueiredo Jr. &
Brehme, 2000).

Equipamento Volume (l) Peso (kg) Limite Max. Prof. (m) Tipo de sedimento
Draga Gibbs 1-5 2 - 20 200 Areia e lama
Draga retangular 50 20 200 Areia e lama
Draga de Rocha 200 400 2.000 - 3.000 Rocha
Phipps 2 10 200 Areia e lama
Skoopfish 0,075 15 200 Areia e lama
Diets-la Fond 0,5 - 1 15 200 - 300 Areia e lama
Shipeck 3-5 20 300 - 400 Areia, lama e cascalho
Van Veen 30 - 40 40 500 - 800 Areia, lama e cascalho
Ekman 40 30 500 - 800 Lama
Amostrador de caixa 100 - 300 300 - 1.000 6.000 Areia e lama
Amostrador multicaixa 10 x 10 500 6.000 Areia e lama
Amostrador multitestemunho 12 x 5 500 6.000 Lama

A coleta de sedimentos e rochas do fundo do de forma significativa a morfologia e a sedimentação


mar requer equipamentos apropriados, pois fatores como da plataforma (ver Capítulos 5 e 6). Decorrente
profundidade, velocidade de correntes de fundo, estado principalmente da rápida elevação do nível do mar
dinâmico do mar e natureza do fundo podem influenciar durante a última transgressão (Quaternário tardio),
sobremaneira na operação. Além disso, a amostragem estima-se que 70% das plataformas continentais atuais
tem que ser representativa. Outro fator a ser considerado são relíquias em algum grau (Emery, 1968). A
é a localização do ponto de amostragem. As amostragens denominação sedimento relíquia refere-se aos depósitos
podem ser superficiais ou subsuperficiais. As amostras formados em ambientes sob condições diferentes das
superficiais não passam dos primeiros 30 cm, quais hoje estão sujeitos, ou seja, os depósitos foram
englobando equipamentos busca-fundos e dragas de formados quando a plataforma estava exposta e consistia
arrasto (Tabela 8.3). As amostragens subsuperficiais numa extensa planície costeira. Atualmente, estão sendo
envolvem a coleta de sedimentos desde a superfície até retrabalhados sob condições hidrodinâmicas de
dezenas ou centenas de metros, utilizando plataforma continental, distintas daquelas em que foram
testemunhadores (Tabela 8.4). gerados.
A deposição moderna das plataformas
3. PROCESSOS HIDRODINÂMICOS E SEUS continentais é tipicamente lamosa, embora areia fina ou
EFEITOS silte grosso possam ser supridos durante tempestades
Para chegar à plataforma continental, os intensas, formando depósitos conhecidos como
sedimentos clásticos têm que ultrapassar vários tempestitos. A maior fonte de sedimentos lamosos
ambientes costeiros que agem como armadilhas supridos para a plataforma é representada pelo material
retentoras de sedimentos, como os estuários, baías, em suspensão trazido pelos rios. O volume de
lagunas, deltas e planícies de maré. Uma vez sobre a sedimentos que chega à plataforma depende da distância
plataforma, os sedimentos ainda podem ser distribuídos entre a fonte de sedimento e a foz do rio, da
por vários processos hidrodinâmicos, entre eles ondas, disponibilidade de sedimentos finos na área fonte e da
marés, correntes oceânicas e correntes de densidade, capacidade de transporte do rio. Além dos sedimentos
levando também à perda de parte do material para oceano terrígenos (trazidos do continente), as plataformas
profundo. Além desses processos dinâmicos atuais, as também apresentam sedimentos biogênicos (conchas
flutuações do nível do mar no Quaternário influenciaram e outras carapaças carbonáticas), que são mais

Tabela 8.4. Principais características dos testemunhadores (Fonte: Figueiredo Jr. & Brehme, 2000).

Equipamento Comprimento (m) Diâmetro (cm) Peso (kg) Limite Máx. Prof. (m) Tipo de sedimento
Gravidade 3 - 20 7,5 ou 11 100 - 1.000 6.000 Areia e lama
Pistão 3 - 24 7,5 ou 11 1.100 6.000 Lama e areia
Vibrador 15 7,5 50 20 Areia e lama
Percussão 15 7,5 50 20 Cascalho, areia e lama

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Quaternário do Brasil

abundantes em águas quentes. Localmente, sedimentos sedimentos nas plataformas é o resultado direto da ação
eólicos e vulcânicos podem contribuir de diversas forças que geram movimentação da água,
significativamente, assim como minerais autigênicos como as marés, as ondas, os ventos, a descarga de
(principalmente fosforita e glauconita) e os residuais rios etc. (Figura 8.3). A importância de cada um desses
(gerados pelo intemperismo subaquoso). A distribuição processos varia em função da escala em questão e da
generalizada dos sedimentos de plataforma em função natureza do sedimento transportado. Num modelo
da latitude é apresentada na Figura 8.1. simples, pode-se dizer que a dinâmica dos sedimentos
Por conveniência, a plataforma normalmente é grossos (não-coesivos) ocorre basicamente na camada
dividida em quatro faixas: plataforma externa, plataforma limite do fluxo, enquanto a dinâmica dos sedimentos
intermediária, plataforma interna e zona de surfe (Figura finos (coesivos) ocorre em toda a coluna de água. No
8.2). Na plataforma externa, os fluxos geostróficos são primeiro caso, o transporte ocorre por tração e saltação
mais importantes, as forças friccionais são menores e e, no segundo, basicamente por suspensão.
a agitação do fundo induzida por ondas é mínima. As
camadas de limite de fundo e superficial são distintas e, 3.1. Modelos Processo-Resposta e Regimes
muitas vezes, separadas por estratificação interna. A Hidráulicos Plataformais
plataforma intermediária geralmente caracteriza-se pela Os tipos de sedimentos e os acamamentos
transição do regime de fluxo e pelo decréscimo em podem fornecer dados sobre os processos
direção ao mar na freqüência e intensidade da agitação hidrodinâmicos atuantes na plataforma moderna. Os
das camadas de fundo. A plataforma interna é dominada regimes hidráulicos da plataforma caracterizam-se pela
por forças friccionais, na qual a camada de limite interação de processos operando em escala de tempo
superficial e a camada de limite de fundo superpõem- de dias a meses e pela freqüência e intensidade de
se e podem ocupar toda a coluna de água. As camadas tempestades. Quatro tipos principais de plataformas são
limítrofes (isto é, interface meteorológica, superfície identificadas com base no regime hidráulico: 1)
do oceano, fundo e sedimentar) interagem diretamente dominada por maré; 2) dominada por onda; 3) dominada
e não podem ser diferenciadas (Smith & Brink, 1994). por tempestade; e 4) dominada por corrente oceânica.
A hidrodinâmica da plataforma é determinada pela As plataformas dominadas por maré são
interação entre vários processos em diferentes escalas diariamente varridas por poderosas correntes de maré,
de tempo e de espaço. O transporte e a dispersão dos que podem causar significativa erosão do fundo marinho
e transporte do sedimento da carga de fundo em grande
escala, tanto paralela quanto transversalmente às formas
de fundo. Elas são mais comuns em bacias fechadas e
indicam evidência de transporte de sedimentos em
direções opostas. A distribuição de sedimentos que
chegam às plataformas dominadas por marés é
complexa, dependendo da posição em relação aos canais
das correntes de maré. Há uma tendência geral à redução
de granulometria, de areia grossa para lama, com
diminuição na velocidade da corrente. Aproximadamente

Figura 8.2. Relação espacial das grandes sub-regiões da


plataforma continental. Observar que as camadas-limite da
Figura 8.1. Distribuição esquemática dos sedimentos na superfície e de fundo misturam-se na plataforma interna (Fonte:
plataforma continental (Fonte: Emery, 1968, adaptado). Nittrouer & Wright, 1994, modificado).

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

Figura 8.3. Correntes atuantes sobre a plataforma e suas forças regadoras (Fonte: Reineck & Singh, 1980, modificado).

17% das plataformas do mundo são dominadas por Santo, onde as amplitudes das marés são de micromarés
marés. No Brasil, macromarés (amplitudes > 4 m) (< 2 m) e as ondas passam a ser dominantes. Nesse
ocorrem ao longo da costa norte nos litorais do caso, as ondas geradas pelos fortes ventos de sul,
Maranhão, Pará e Amapá, onde as plataformas adjacentes associados à passagem das frentes frias que
são dominadas por maré. caracterizam as tempestades de inverno, são os
As plataformas dominadas por onda e tempestade principais agentes responsáveis pelo transporte e
são combinadas, pois representam um espectro no dispersão de sedimento na plataforma.
regime hidráulico que varia no clima de onda-tempestade As plataformas dominadas por correntes
de relativamente baixa-energia e baixa-freqüência para oceânicas são regularmente varridas por correntes
alta-energia e alta-freqüência. Ambos os tipos são, de unidirecionais, as quais são geradas em bacias oceânicas,
fato, dominados por tempestade, desde que a dispersão mas ocasionalmente migram sobre plataformas
dos sedimentos seja controlada principalmente por continentais adjacentes. Esse tipo de plataforma é
flutuações sazonais na intensidade de ondas e correntes, tipicamente estreita, do tipo pericontinental,
com transporte máximo durante as tempestades. As compreendendo somente 3% das plataformas
tempestades também podem realçar ou dominar o continentais do mundo. Como exemplo brasileiro, tem-
transporte do sedimento associado com a maioria dos se a plataforma norte do Rio Grande do Norte.
processos de curta duração. Os sedimentos finos são Diferentes formas de fundo, em diferentes
transportados por advecção, causada por correntes escalas, podem ser desenvolvidas no fundo marinho,
residuais geradas durante tempestades, que transportam constituindo-se em um dos mais importantes indicadores
as plumas de sedimento fino em direção ao mar aberto, de direção e velocidade do transporte de sedimentos
ou por difusão para a plataforma externa, onde são nas plataformas continentais. O desenvolvimento das
depositados sobre as areias relíquias ou palimpsésticas. formas de fundo está relacionado a três parâmetros
Em alguns locais, ondas de tempestade podem afetar o principais: granulometria dos sedimentos, profundidade
fundo em profundidades da ordem de 200 m; sedimentos e velocidade de fluxo, podendo ocorrer em várias
finos ressuspendidos podem ultrapassar o limite da escalas, desde ondulações até dunas e barras. Ashley
plataforma e depositar-se no talude. Desta forma, as (1990) faz uma revisão dos problemas de nomenclatura
plataformas dominadas por ondas apresentam das formas de fundo, simplificando e eliminando a
tipicamente diminuição de granulometria com o aumento maioria das confusões (Figura 8.4). Segundo esse autor,
da profundidade, decorrente da redução na energia de as dunas (formas de fundo de grande escala) foram
ondas. Esse regime hidráulico é o mais comum nas classificadas em bidimensionais (dunas 2-D) e
plataformas modernas (80%). No Brasil, ocorrem ao tridimensionais (dunas 3-D). As dunas 2-D apresentam
sul e sudeste, da costa do Rio Grande do Sul ao Espírito seções transversais prismáticas simples e dão origem

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Quaternário do Brasil

sedimentos, onde a transgressão é dominante. Alguns


conceitos da estratigrafia de seqüências são essenciais
para a discussão dos modelos estratigráficos dinâmicos
em regiões de plataforma continental e serão
apresentados a seguir.
Atributos-chave da estratigrafia de seqüências
são a natureza cíclica de sucessões estratigráficas e a
utilização do arcabouço cronoestratigráfico para melhorar
a previsão litológica. O empilhamento de seqüências
deposicionais dentro de um arcabouço
cronoestratigráfico constitui o alicerce da estratigrafia
de seqüências. A unidade fundamental é a seqüência
deposicional formada por uma sucessão de estratos
Figura 8.4. Gráfico mostrando a relação entre a
granulometria dos sedimentos e a velocidade média do flu- geneticamente relacionados, livres de qualquer
xo na geração das formas de fundo. Símbolos diferentes descontinuidade interna, limitados no topo e na base
indicam as várias fases de fundo, como indicado pelos por discordâncias ou suas conformidades relativas. As
nomes no centro de cada campo. Observar a superposição discordâncias que limitam as seqüências deposicionais
entre os campos (Fonte: Ashley, 1990, adaptado). podem ser dos chamados tipos 1 e 2. A discordância
tipo 1 ocorre quando a taxa de queda eustática é maior
às estratificações cruzadas tabulares, limitadas por que a taxa de subsidência, produzindo uma queda relativa
superfícies planares de ordem primária. As dunas 3-D do nível do mar. A descida relativa do nível do mar
são caracterizadas por cristas sinuosas associadas às resulta em diminuição do espaço de acomodação,
estratificações cruzadas acanaladas. transferência de sedimentos, exposição e erosão
subaérea da plataforma, e rejuvenescimento fluvial. A
3.2. Modelos Estratigráficos Dinâmicos discordância tipo 2 ocorre quando a taxa de queda
(Suprimento versus Acomodação) eustática é menor que a taxa de subsidência, o que não
A necessidade de aprofundar o estudo das produz uma queda relativa do nível do mar, resultando
sucessões de estratos sedimentares em regiões de em agradação no lugar da progradação.
plataforma continental para a exploração e explotação O nível do mar é o nível de base para a
do petróleo gerou o aparecimento da estratigrafia de sedimentação em sistemas deposicionais costeiros e
seqüências. Esse é um ramo da estratigrafia moderna plataformais. O espaço entre o nível do mar e a superfície
que possibilita uma visão global e integrada na análise deposicional constitui o espaço disponível para a
de bacias sedimentares, reunindo informações da sedimentação, denominado espaço de acomodação,
sedimentologia, geofísica, bioestratigrafia, controlado pela interação entre a taxa de oscilação
paleogeografia, paleontologia, entre outros, podendo ser eustática e a taxa de subsidência da bacia (Figura 8.5).
aplicado em todas as escalas (desde canal, afloramento Por outro lado, a profundidade da lâmina d’água é função
e poço, até dados sísmicos de alta resolução e
convencionais), constituindo-se em uma forma de
observar e ordenar dados.
A estratigrafia de seqüências constitui-se em uma
resposta estratigráfica à interação entre o fluxo de
sedimentos e o espaço disponível para ser preenchido
por esses sedimentos. O espaço disponível na plataforma
(acomodação) é função das mudanças eustáticas e de
subsidência total do assoalho oceânico devido à
tectônica, carga, compactação sedimentar etc. Assim,
os modelos estratigráficos dinâmicos podem ser
divididos em regimes dominados por suprimento,
caracterizados por alta taxa de suprimento sedimentar
e regressão generalizada, e regimes dominados por Figura 8.5. Diagrama mostrando a relação entre o nível do
acomodação, caracterizados por altas taxas de subida mar e o espaço para acomodação (Fonte: Posamentier et
relativa do nível do mar e alta taxa de dispersão de al., 1988, adaptado).

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

de três parâmetros: suprimento sedimentar, eustasia e espaço de acomodação gerado pela elevação relativa do
tectônica (subsidência/soerguimento), e corresponde à nível do mar. Assim, a linha de costa desloca-se em
posição do nível relativo do mar menos a espessura do direção ao continente (transgressão marinha), resultando
sedimento acumulado (Figura 8.6). O suprimento em empilhamento sedimentar retrogradante (Figura
sedimentar corresponde ao volume de sedimentos de 8.7B). Com o desenvolvimento da transgressão, as
origem continental que preenche parcial ou totalmente fácies litorâneas migram em direção ao continente. O
o espaço de acomodação. Esse volume sedimentar varia empilhamento vertical típico é o de fácies de ambientes
em função da movimentação tectônica local, do clima parálicos, recobertas por fácies litorâneas que, por sua
da área-fonte e da variação eustática do nível do mar. A vez, são recobertas por fácies marinhas. A elevação do
razão entre o espaço de acomodação e o suprimento nível do mar aumenta a profundidade de água perto do
sedimentar controla o modelo dinâmico de litoral, aumentando a força das ondas e favorecendo a
preenchimento da bacia. A taxa de acomodação erosão costeira, a migração das praias, o afogamento
determina a arquitetura do empilhamento sedimentar, de vales fluviais e o preenchimento de estuários.
ou seja, a relação de progradação, retrogradação e A geometria agradacional, por sua vez, ocorre
agradação (relacionada à arquitetura da bacia). quando o suprimento sedimentar e a taxa de criação do
A geometria progradacional ocorre quando o volume estão aproximadamente em equilíbrio. O cinturão
volume de sedimentos é maior que o espaço disponível de fácies empilha-se verticalmente e não migra. O
para deposição (espaço de acomodação), de forma que equilíbrio entre o volume sedimentar e o incremento no
a linha de costa se desloca em direção ao oceano espaço de acomodação caracteriza linha de costa
(regressão normal), resultando em progradação costeira estacionária, resultando no empilhamento sedimentar
(Figura 8.7A). Em dados sísmicos, a progradação é agradacional (Figura 8.7C). Não há migração de fácies
expressa como clinoformas. A progradação de sistemas nem no sentido do continente nem no sentido da bacia
costeiros também pode resultar de uma regressão deposicional. O arranjo agradacional é o menos comum,
forçada, ou seja, quando há um rebaixamento relativo sendo observado nos sistemas de margem de plataforma
do nível do mar gerado quando a taxa de queda eustática e na passagem entre os sistemas transgressivos e os
supera a taxa de subsidência. O progressivo
rebaixamento do nível do mar tende a erodir o fundo da
bacia, enquanto a progradação continua
independentemente do aporte sedimentar. Quando o
nível do mar alcança sua posição mais baixa, termina a
fase erosiva e começa a deposição fluvial, cessando a
regressão forçada.
A geometria retrogradacional ocorre quando o A
volume de sedimentos é insuficiente para preencher o

Figura 8.7. Conjunto de parasseqüências progradacional


Figura 8.6. Diagrama mostrando diferenças entre nível do (A), retrogradacional (B) e agradacional (C) em função da
mar, nível de mar relativo e lâmina de água (Fonte: razão entre deposição e acomodação (Fonte: Posamentier
Posamentier et al., 1988, adaptado). et al., 1988, adaptado).

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Quaternário do Brasil

máximos transgressivos. Produção Mineral), CPRM (Companhia de Pesquisas de


É necessário observar que os termos regressão Recursos Minerais), DHN, CNPq, além da Woods Hole
e transgressão referem-se à bacia oceânica. Portanto, Oceanographic Institution e o Lamont Doherty
uma regressão (marinha) resulta em movimento da linha Geological Observatory da Universidade de Colúmbia,
de costa em direção à bacia, enquanto uma transgressão EUA. Os resultados dos estudos realizados pela primeira
leva ao deslocamento da linha de costa em direção ao fase do Projeto REMAC constituem a mais completa
continente. coletânea de trabalhos sobre a sedimentação da margem
continental brasileira, agrupados em onze volumes, sob
4. CARACTERIZAÇÃO DA PLATAFORMA a denominação “Série Projeto REMAC”. Em 1980, o
CONTINENTAL BRASILEIRA DNPM elaborou o primeiro mapa geológico do Brasil,
integrando áreas emersas e submersas. Em 1981, foi
4.1. Histórico criado um grupo de trabalho em minerais marinhos pelo
As primeiras informações sobre os sedimentos MME (Ministério das Minas e Energia), que produziu
de fundo da margem continental brasileira foram obtidas um relatório onde especifica os principais recursos
pela famosa expedição do “HMS CHALLENGER” minerais da Margem Continental Brasileira.
(1872-1876), coletando 19 amostras, especialmente no O Brasil, como estado-membro da COI-
Nordeste (Murray & Renard, 1891). A partir de 1935, UNESCO (Comissão Oceanográfica Intergovernamen-
a DHN (Diretoria de Hidrografia e Navegação) do tal), integra, desde 1985, o Programa OSNLR (Ocean
Ministério da Marinha iniciou levantamentos batimétricos Sciences in Relation to Non Living Resources). A partir
sistemáticos, que constituem uma fonte importante de de 1997, o programa OSNLR foi ampliado para todo o
dados para análise e interpretação do relevo submarino País. O LEPLAC (Plano de Levantamento da Platafor-
das províncias marginais brasileiras. ma Continental Brasileira), instituído em 1988, visou
O estudo da geologia marinha nas universidades estabelecer o limite externo da plataforma continental,
brasileiras começou em 1958, com o Instituto de no seu enfoque jurídico, conforme critérios estabeleci-
Biologia Marítima e Oceanografia da Universidade de dos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
Recife (PE). Em colaboração com a DHN e com a do Mar. O LEPLAC gerou um enorme acervo de dados
Divisão de Recursos Pesqueiros da SUDENE sobre batimetria de precisão, sísmica de reflexão
(Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), multicanal, gravimetria e magnetometria, importantes
foram realizados os primeiros trabalhos sistemáticos para o conhecimento do arcabouço estrutural da nossa
sobre a identificação e distribuição dos sedimentos na margem continental.
plataforma continental brasileira. As primeiras análises Recentemente, o REVIZEE incluiu um
limitaram-se à determinação da composição textural dos levantamento de dados pretéritos referentes à geologia
sedimentos e dos seus componentes bióticos, marinha. Adicionalmente, o “Levantamento Bibliográfico
importantes para o mapeamento das comunidades sobre a Geologia Marinha no Brasil, 1841-1992”,
biológicas de valor econômico. O primeiro mapa da realizado pelo PGGM, constitui a mais completa
distribuição dos sedimentos da plataforma continental, coletânea de referências bibliográficas sobre a geologia
entre Recife e Cabo Orange, foi apresentado por e a geofísica marinhas do Brasil. Já as atividades de
Coutinho & Morais (1968). pesquisa e ensino realizadas em universidades e centros
Diante do crescente interesse de instituições de pesquisa no país foram sumariadas por Mahiques &
estrangeiras pela geologia do Atlântico Sul, a partir da Tessler (1997). Em 1997, o governo brasileiro
década de 1960, universidades e instituições brasileiras estabeleceu o Programa REMPLAC para promover o
reuniram-se no programa de pesquisa em geologia e conhecimento dos recursos minerais da plataforma
geofísica marinha. Em conseqüência desse esforço, o continental brasileira. No final de 2001, a CPRM concluiu
CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento a compilação e atualização do Mapa Geológico do Brasil,
Científico e Tecnológico), com apoio da DHN, criou o na escala de 1:2.500.000, incluindo a porção oceânica.
PGGM (Programa de Geologia e Geofísica Marinha) As atividades em geologia e geofísica marinha
em 1969. continuam sendo realizadas por grupos de pesquisa
Outro grande programa, incluindo estudos de universitários e de outras instituições nacionais que
geologia e geofísica marinha, veio com a criação do Projeto participam do PGGM. As pesquisas concentram-se
REMAC (Reconhecimento Global da Margem Continental principalmente em estudos de geomorfologia, de
Brasileira), em 1972, envolvendo a Petrobrás (Petróleo sedimentos superficiais da plataforma continental, de
Brasileiro S/A), DNPM (Departamento Nacional da geofísica e de problemas de zonas costeiras. Poucos

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

pesquisadores dedicam-se ao estudo das regiões de mar


profundo, pois a falta de recursos e infra-estrutura
dificultam este tipo de trabalho.

4.2. Margem Continental Brasileira:


Características Gerais da sua Fisiografia e Evolução
Tectono-Sedimentar
A margem continental brasileira tem as
características de margem passiva clássica, com os
elementos fisiográficos, tectono-magmáticos e
sedimentares bem definidos em toda a sua extensão.
Poucas margens continentais apresentam maior
diversidade de morfologia, ambiente e tipos de
sedimentos que a margem continental brasileira,
tornando-a extremamente atrativa, tanto do ponto de
vista científico quanto econômico.
Modelada inicialmente pelas estruturas resultantes
dos movimentos distensivos e translacionais nos
primórdios da separação dos continentes sul-americano
e africano, no Cretáceo inferior, a margem continental
brasileira teve sua configuração estabelecida pela intensa
sedimentação subseqüente. Considerando a natureza e
Figura 8.8. Placa Sul-Americana e domínios da margem
orientação dos campos de tensões regionais durante o atlântica (Fonte: Milani & Thomaz Filho, 2000).
rifteamento e posterior dinâmica de movimentos
divergentes entre as placas africana e sul-americana, a superpostas, os arcabouços estruturais das bacias
margem atlântica brasileira é subdividida por Milani & marginais de ambos os lados são imagens especulares
Thomaz Filho (2000) em: a) domínios principalmente de seus correspondentes geográficos. Algumas áreas
extensionais ao longo da costa leste brasileira, do Chuí mostram superposições decorrentes da intensa atividade
(RS) à Ponta do Calcanhar (RN); b) domínios sedimentar posterior localizada (Cone do Amazonas e
principalmente transformantes ao longo da margem Cone do Níger) e outras resultantes de estiramentos
equatorial; e c) domínio atlântico central, região norte crustais (Platô de São Paulo e Plataforma de Abrolhos).
da foz do Rio Amazonas, também extensional (Figura Em geral, a separação dos continentes sul-
8.8). americano e africano seguiu uma direção geral leste-
Nesse processo de construção da margem oeste, como foi evidenciado pelos traçados das zonas
continental, a progradação da plataforma e do talude de fratura ou rastros de pontos quentes (hot spots) que
continentais foi alimentada principalmente por são representativos da direção da movimentação dos
sedimentos oriundos da erosão do território emerso e dois continentes. Genericamente, a margem continental
determinou o alargamento do bloco continental, leste brasileira apresenta os traçados dessas zonas de
transpondo em muitas áreas o limite entre crosta fraturas, mostrados por altos estruturais na plataforma
continental e oceânica. As províncias e feições continental separando bacias marginais no sentido norte-
fisiográficas originadas dessa sedimentação terrígena e sul e por lineamentos ou cadeias transversais à margem
as estruturas geológicas que as controlam desde o início de direções essencialmente leste-oeste. A margem
do rifteamento constituem o prolongamento natural para continental norte-brasileira situa-se na região equatorial
o mar das terras emersas brasileiras. Assim, extensos e tem uma direção aproximada leste-oeste. Por causa
derrames basálticos formam as elevações oceânicas, disso, os traçados das zonas de fratura equatoriais são
enquanto colinas e montes submarinos —isolados, mostrados em longa extensão na direção leste-oeste,
agrupados ou dispostos em cadeias lineares— são formando altos estruturais na plataforma continental,
expressões fisiográficas de vulcanismo mais localizado. que continuam até o talude e a elevação continentais
Um perfil topográfico representativo da margem como cadeias marginais. Essas cadeias, tanto na
continental brasileira nas imediações de Pernambuco margem leste quanto na margem equatorial, foram, em
pode ser observado na Figura 8.9. grande parte, originadas a partir de um tectonismo
Quando a África e a América do Sul são continental inicial à separação dos continentes, que se

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Quaternário do Brasil

Figura 8.9. Perfil topográfico representativo da margem continental de Pernambuco. Profundidades médias anotadas ao
longo do perfil (Fontes: Araújo et al., 2002; Zembruscki & França, 1976, adaptado).

propagou à crosta oceânica, desenvolvendo cadeias vai da Baía de São Marcos ao Cabo de São Tomé,
marginais e lineamentos, que hoje têm os seus apresenta formas de relevo com forte influência
correspondentes em cadeias transversais de zonas de tectônica e vulcânica, em contraste com as regiões norte
fratura na região axial da Cordilheira Meso-Atlântica. e sul, cujas formas são resultantes de processos
Tectonismo e magmatismo posteriores à separação dos sedimentares.
continentes sul-americano e africano foram
responsáveis, em alguns lugares da margem continental 4.3.1. Plataforma Norte
brasileira, por seqüências de rochas vulcânicas A margem continental do norte do Brasil constitui
interestratificadas, pela formação de montanhas um dos ambientes sedimentares mais interessantes do
submarinas e pelo desenvolvimento de falhas e mundo. O Rio Amazonas é o maior do mundo em termos
estruturas em seqüências sedimentares bacinais. de área de drenagem (6 x 106 km2) e de descarga de
Em resumo, a história da evolução sedimentar
da margem continental brasileira está intrinsecamente
associada à evolução do Atlântico Equatorial e Sul, que
imprimiu características próprias às bacias marginais
brasileiras. Inicialmente, elas apresentavam uma seção
inferior, com falhas normais envolvendo o embasamento
e vulcanismo de caráter básico associado,
correspondente aos eventos de rifteamento iniciais à
separação dos continentes, até a formação da crosta
oceânica. Posteriormente, passaram a ter uma seção
superior sedimentar, correspondente à fase de expansão
do Oceano Atlântico, que desenvolveu a margem
continental brasileira.

4.3. Características da Plataforma Brasileira


A plataforma brasileira será apresentada, a seguir,
por regiões, conforme as divisões do REVIZEE e do
REMPLAC, em Norte, Nordeste, Central e Sul (Figura
8.10). A região Norte vai do Oiapoque (AP) ao delta do
Parnaíba (PI); a região Nordeste, do delta do Rio
Parnaíba (PI) a Salvador (BA); a região Central, de
Salvador (BA) a São Tomé (RJ); e a região Sul, de São
Tomé (RJ) ao Arroio Chuí (RS).
A Tabela 8.5 sumaria as regiões morfológicas Figura 8.10. Divisão da plataforma brasileira de acordo
da margem continental brasileira de acordo com com projetos REMPLAC e REVIZEE (Fonte: Horn Filho,
Zembruscki et al. (1972). A região nordeste-leste, que 2001).

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

Tabela 8.5. Regiões morfológicas da margem continental brasileira (Fonte: Zembruscki et al., 1972).

Região Zonas Limites Área (em km2)


Plataforma Talude + Sopé
Norte Do Cone Amazonas Cabo Orange até Rio Pará 162.000 268.00
Pará/Maranhão Rio Pará até São Luís 87.000
Nordeste/Leste Norte/Nordeste São Luís até Sul de Ilhéus 99.000 664.000
Leste Sul de Ilhéus até Cabo de São Tomé 82.000
Sul Embaiamento de São Paulo Cabo de São Tomé até Cabo de Santa Marta 152.000 787.000
Bacia de Pelotas Cabo de Santa Marta até Arroio Chuí 118.000

água (equivalente a 20% da água doce despejada nos & Summerhayes, 1975; Damuth & Kumar, 1975).
oceanos), além de contribuir com uma carga de Ampla distribuição de gás metano foi documentada na
sedimentos fluviais estimada em 1.200 t/ano (Nittrouer plataforma interna (Figueiredo Jr. & Nittrouer, 1995).
et al., 1995). Na sua foz, o Amazonas forma um delta De acordo com esses autores, a presença do gás impede
subaquoso (Figueiredo Jr. et al., 1972; Nittrouer et al., observações sísmicas na plataforma interna; entretanto,
1986) dominado por marés. A grande descarga de na plataforma externa, observa-se a presença de
sedimentos e água interage com as vigorosas correntes horizontes acusticamente refletivos separando
derivadas do vento e de marés, bem como com marés sedimentos relativamente “transparentes”, interpretados
semidiurnas de mais de 3 m de amplitude. Assim, a como areias e lamas, respectivamente (Figura 8.11).
plataforma do Amazonas é um ambiente complexo Os sedimentos superficiais da plataforma
influenciado por processos terrestres na bacia do Rio continental norte-brasileira ao norte do estado do Pará
Amazonas e por processos oceanográficos atuando no são representados por sedimentos imaturos textural e
Oceano Atlântico equatorial oeste. Esses processos mineralogicamente do rio Amazonas. Em contraste, os
afetam a sedimentação na plataforma do Amazonas pelo sedimentos encontrados em frente e a sul do estado do
controle na dispersão e suprimento sedimentar. Atividade Pará são caracterizados por alto grau de maturidade
tectônica e variações do nível do mar são processos textural e mineralógica, indicando derivação de rios
adicionais, e seus efeitos na sedimentação são aparentes costeiros. Sedimentos ricos em carbonatos, compostos
em escalas de longa duração (Nittrouer et al., 1995). principalmente de fragmentos de algas coralinas e
O modelo clássico de sedimentação deltaica, no recifes, predominam na maior parte da plataforma
qual a acumulação de sedimentos ocorre principalmente externa.
na interface continente-oceano, nos ambientes da frente
deltaica e da planície deltaica inferior, não se aplica ao 4.3.2. Plataforma Nordeste
moderno Amazonas. A principal diferença entre o delta A sedimentação na plataforma continental
clássico e o delta do Amazonas é a ausência de depósitos nordeste do Brasil reflete a área fonte, o clima, a
subaéreos (Nittrouer et al., 1986). O ambiente altamente drenagem e o ambiente tectônico. Devido ao clima
energético na foz do Amazonas, juntamente com a tropical e sedimentação terrígena desprezível, essa
grande descarga sedimentar, resulta na exportação de plataforma estreita (63 km de largura média) e rasa (na
sedimentos mar afora e construção de feições deltaicas sua maior parte mais rasa que 40 m, exceto a noroeste
subaquosas na plataforma continental (Nittrouer et al., de Natal onde é mais rasa que 20 m), é uma das poucas
1986). O mecanismo de crescimento do delta subaquoso áreas no mundo onde uma plataforma estável e aberta
aparentemente ocorre através de ciclos de trapeamento apresenta-se coberta, quase inteiramente, por
e ressuspensão na zona frontal, tanto na foz quanto na sedimentos carbonáticos biogênicos. Em contraste com
plataforma, e são transportados mar afora outras plataformas tropicais, os corais estão virtualmente
episodicamente como lamas fluidas (Kineke et al., ausentes, assim como os oóides e outras formas de
1996). carbonatos precipitados. Os sedimentos carbonáticos
O depocentro dos sedimentos do Rio Amazonas são dominados por algas coralinas recentes. Os corais
durante o período Quaternário migrou com as mudanças são encontrados nos recifes da zona litorânea, mas
do nível eustático do mar. Durante condições de nível contêm apenas alguns dos gêneros construtores de
de mar baixo, os sedimentos ultrapassam a plataforma recifes comuns no oeste das Índias (Laborel, 1967).
e são depositados no leque do Amazonas. Durante Como resultado, os recifes são mais parecidos com
períodos de nível de mar alto, os sedimentos acumulam- cadeias algais de outros ambientes tropicais do que com
se próximo da linha de costa e na foz dos rios (Milliman recifes de corais. Os sedimentos terrígenos são, na sua

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Quaternário do Brasil

Figura 8.11. Registro sísmico (geopulse) da Plataforma do Amazonas com lamas modernas sobrejacentes a camadas de
areias transgressivas (A) e três refletores de subfundo distintos (B, C, D). A presença de gás é observada no interior de
um canal. Profundidades em metros abaixo da lâmina de água e distâncias laterais em metros (Fonte: Figueiredo Jr. &
Nittrouer, 1995).

grande maioria, relíquias e a sua composição sugere nas areias de algas recifais.
que, no Pleistoceno, o clima foi muito similar ao atual Pesquisas na plataforma continental nordeste,
(Milliman & Summerhayes, 1975). principalmente as relacionadas às formas de fundo em
De acordo com Coutinho (1976), a análise da grande e média escala, tiveram grande avanço após a
morfologia e da distribuição dos diversos tipos de disponibilização de imagens de satélite (Vianna &
sedimentos da plataforma continental do nordeste mostra Solewicz, 1988; Testa & Bosence, 1998). Mais
uma plataforma interna limitada pela isóbata de 20 m, recentemente, mapeamento sistemático desenvolvido na
com relevo suave e mostrando algumas irregularidades plataforma setentrional do Rio Grande do Norte (Vital
devido à presença de recifes, canais e ondulações. É et al., 2002a,b,c; Amaro et al., 2002a,b), a partir de
coberta por areia terrígena, com pouco cascalho e lama, sensoriamento remoto, dados sísmicos e sedimentos
e pobre em carbonato de cálcio, onde os componentes superficiais, permitiu visualizar a distribuição de
bióticos são muito retrabalhados. A plataforma média sedimentos nessa região, cujo padrão é determinado
vai de 20 a 40 m de profundidade e exibe um relevo pela evolução costeira e o contexto tectônico da costa
bem mais irregular, sendo recoberta por sedimentos norte desse estado. Freire et al. (1997) propõem uma
grossos de origem biogênica, sendo o mais comum o nomenclatura para os sedimentos da plataforma
maerl, sedimento formado principalmente por talos livres continental nordeste do Brasil, tendo em vista a
ou ramificados de algas coralíneas, com um teor em predominância de depósitos carbonáticos nessa região.
carbonato de cálcio superior a 90% (Freire et al., 2002). Posteriormente, Freire et al. (2002) sugerem a
A cor dos sedimentos sugere que as algas incrustantes subdivisão da região apenas em duas províncias
vivas sejam mais abundantes. Os sedimentos sedimentares, carbonática e siliciclástica, se o teor de
carbonáticos não mostram sinal de retrabalhamento. A CacO3 for maior ou menor que 50%, respectivamente.
plataforma externa inicia-se a 40 m de profundidade e A morfologia de fundo nessa plataforma interfere
acha-se coberta com areias biodetríticas, cascalhos de diretamente nos processos erosivos e deposicionais
algas e lamas cinza-azuladas. As algas calcárias através dos seus efeitos sobre a refração das ondas
Halimeda tendem a ser mais abundantes e o teor em (Vital et al., 2001; Tabosa, 2002; Tabosa et al., 2002).
carbonato de cálcio é superior a 75%. Os sedimentos O padrão de refração de ondas gerado pela morfologia
carbonáticos são muito retrabalhados, particularmente da plataforma adjacente a São Bento e Caiçara do Norte,

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

aparentemente influenciado pela tectônica local e Atlântico Sul.


associado ao padrão de correntes (Caldas, 2002), resulta A plataforma continental também apresenta
em erosão e/ou deposição praial, afetando todo esse vestígios de drenagem escavada em épocas de nível do
litoral até Macau, incluindo a área de instalação do Pólo mar mais baixo que o atual. Michelli et al. (2001)
Petrolífero de Guamaré e Campo de Serra (Figura 8.12). registrou na plataforma continental sul de Pernambuco
Estudos voltados para episódios de estabilização a presença de um paleocanal, que se inicia em torno da
do nível do mar na plataforma continental do nordeste isóbata de 30 m, com uma largura de 940 m, alargando-
são mais recentes. Na plataforma continental de se no sentido noroeste-sudeste, atingindo até 4.500 m
Pernambuco, episódios de estabilização de nível do mar de largura. Diversos refletores são observados
estão representados por terraços de abrasão na borda da preenchendo o canyon do Rio Açu na plataforma do
plataforma ou por feições correlatas a rochas praiais Rio Grande do Norte (Vital et al., 2002a,b). O talude
submersas encontradas na plataforma. Michelli et al. continental nordeste é cortado por dois grandes canyons
(2001) identificaram ocorrências de rochas praiais (o Japaratuba e o São Francisco) na plataforma
submersas nas profundidades de 20 e 40 m na plataforma sergipana. O talude é interrompido pelos platôs de
continental sul de Pernambuco. Amaral et al. (2001) Pernambuco e do Rio Grande do Norte. Os principais
observaram alinhamentos de corpos areníticos rios são: São Francisco (SE-AL), Jaguaribe (CE) e Açu
submersos, provavelmente rochas praiais, entre as (RN). Outros rios de pequeno porte parecem contribuir
profundidades de 30 e 35 m na costa oriental do Rio com quantidades insignificantes da carga em suspensão
Grande do Norte. Na plataforma norte deste estado, Vital que chega ao mar.
et al. (2002a,c) também identificam dois níveis de
ocorrência de rochas praiais, respectivamente a 10 e 20 4.3.3. Plataforma Central
m de profundidade (Figura 8.13), e Albuquerque (2002) A morfologia dessa plataforma reflete sua
identificou um terraço a 40 m de profundidade. evolução geológica em associação aos processos
Uma série de montes submarinos rasos, erosivos e sedimentares relacionados à transgressão
pertencentes às cadeias Norte-Brasileira e de Fernando marinha quaternária observada durante os últimos
de Noronha, ocorre ao largo dessa plataforma 20.000 anos (Silva & Lopes, 2002). Adjacente a Macaé
continental, notadamente em frente aos estados do Ceará (RJ) e Cabo de São Tomé (RJ), feições interpretadas
e Rio Grande do Norte. Nesse contexto, destacam-se o como antigos lobos deltaicos e paleolagunas são
Arquipélago de Fernando de Noronha, o Monte observadas de 10 a 80 m de profundidade, e escarpas
Submarino do Ceará e o Atol das Rocas, único atol no proeminentes, interpretadas como antigas paleolinhas

Figura 8.12. PC4 das imagens Landsat-7ETM+(WRS 215/064, de 12/06/2000, baixamar). Processamento ressaltando a
morfologia do fundo submarino na plataforma setentrional do Rio Grande do Norte. Feições de fundo relacionadas a
condições hidrodinâmicas e/ou controladas por padrões estruturais (Fontes: Tabosa et al., 2001; Vital et al., 2001,
2002a,b,c; Caldas, 2002).

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Quaternário do Brasil

Figura 8.13. Rochas praiais a 20 m de profundidade na plataforma norte do Rio Grande do Norte (Foto: Helenice Vital).

de costa, são encontradas a profundidades de 25-30 no sul, onde o continente é muito úmido. Em períodos de
m, 80-90 m e 100-115 m (Figura 8.14). nível do mar mais baixo, a predominância de caulinita era
A sedimentação carbonática predomina nessa deslocada para norte, presumivelmente acompanhada pelo
plataforma continental tropical rasa (menos de 60 m de aumento da precipitação costeira ao norte e diminuição ao
profundidade). Os sedimentos mais comuns são sul.
compostos de algas coralinas incrustantes, que formam 2) Uma laguna com área de cerca de 5.000 km2
extensos recifes vivos cobrindo a maior parte da existia na depressão de Abrolhos. Silte fino biogênico
plataforma externa. Em torno dos recifes, encontram- misturado com pouca argila montmorilonítica acumulou-
se sedimentos coralinos grossos, dominados por se nessa depressão. A argila teria sido originada da
briozoários, ao sul das ilhas de Abrolhos e por algas alteração de material vulcanogênico provavelmente das
coralinas, ao norte. Em águas mais rasas, ilhas de Abrolhos e Caravelas.
particularmente onde há sedimentos lamosos, existe uma 3) Detritos terrígenos foram transportados para
infauna bem desenvolvida de moluscos e foraminíferos o talude através da plataforma externa, rica em
bentônicos. Em contraste com outras plataformas carbonatos. Assim, no talude continental sul, a lama
carbonáticas, os corais e os oóides estão ausentes e a montmorilonítica da região de Abrolhos tornou-se
alga calcária Halimeda não é muito comum. componente mais importante que a lama do Rio Doce.
A sedimentação terrígena está restrita
principalmente à plataforma interna e exibe taxas muito A parte norte da plataforma central é muito
baixas. Os sedimentos terrígenos consistem de areias estreita, com larguras variando entre 30 km em frente
lamosas e areias subarcozianas, mineralogicamente a Belmonte e 10 km em frente a Salvador. Entre Belmonte
submaturas e relíquias. Arcózios imaturos estão sendo e São Tomé, a plataforma tem largura variável e pode
fornecidos através do Rio Doce. Três variações estender-se até 100 km, para formar o banco Charlotte,
significantes na sedimentação terrígena ocorreram e 200 km, para formar o banco de Abrolhos (Figura
quando o nível do mar estava mais baixo que o atual, 8.15). Esses bancos foram formados pela acumulação
durante o Pleistoceno (Milliman & Summerhayes, 1975): de sedimentos entre os montes submarinos e a margem
1) Atualmente, a caulinita predomina na fração argila continental (Bacoccoli & Meister, 1974).

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

Figura 8.14. Escarpas na plataforma interna (Bacia de Campos-RJ), interpretadas como antiga linha de costa (Fonte:
Silva & Lopes, 2002).

Enquanto a plataforma interna apresenta e Rio Grande do Sul. De São Paulo à ilha de Santa
topografia suave devida à sedimentação holocênica, a Catarina, a plataforma é larga e as isóbatas apresentam-
superfície das plataformas médias e externas é marcada se mais próximas, indicando maior declividade; de Santa
pela presença de vários bancos pequenos e canais Catarina a Mostardas (RS), a plataforma torna-se mais
estreitos e íngremes. Apenas as rochas vulcânicas e os estreita e o traçado das isóbatas é bastante homogêneo;
recifes biogênicos do arquipélago de Abrolhos e os dali a Chuí (RS), a plataforma volta a ficar mais larga e
esparsos na zona costeira alcançam a superfície. Ao cortada por vários paleocanais fluviais, apresentando
sul das ilhas de Abrolhos, esses recifes costeiros estão também uma série de bancos arenosos (Corrêa &
ausentes. Os rios Doce e Jequitinhonha são os principais Villwock, 1996). Em contraste com outras áreas da
rios da região. margem continental brasileira, a quebra da plataforma
e o talude não são cortados por muitos canyons. Talvez
4.3.4. Plataforma Sul as feições que mais se destacam na plataforma
A plataforma continental sul do Brasil apresenta continental sul sejam os registros de várias paleolinhas
largura variando de 90 km, adjacente a Cabo Frio (RJ), de costa, representados por aumento significativo da
até mais de 180 km, adjacente aos estados de São Paulo declividade, descritas em detalhe no Capítulo 6.

Figura 8.15. Ilha Redonda, no arquipélago de Abrolhos (Fonte: Ab´Saber, 2001).

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Quaternário do Brasil

A plataforma continental sul do Brasil é a única que em pequenas áreas, principalmente formando uma franja
apresenta um ambiente subtropical a temperado. Em no talude superior à altura de Torres (RS). É formada
função disso, os sedimentos dessa margem continental por siltes médios a finos, com areias finas e algum
são pobres em carbonatos. Essa plataforma é dominada bioclasto associado (Corrêa & Villwock, 1996). A
por sedimentos relíquias, depositados quando o nível do descrição de testemunhos confirmou a presença de
mar estava aproximadamente 120 m abaixo do atual, e a estruturas sedimentares geradas por fluxos
atual plataforma representava uma vasta planície costeira. gravitacionais de depósitos arenosos, provavelmente
Atualmente, poucos sedimentos modernos chegam à depositados sobre a plataforma externa (Corrêa &
plataforma, pois sistemas de lagunas e lagoas costeiras Abreu, 1984). A textura silte ocorre apenas em duas
retêm grande parte dos sedimentos transportados pelos pequenas áreas próximas de Torres, uma na plataforma
rios. O mapa textural da plataforma continental sul mostra média e outra no talude superior. Siltes argilosos são
a presença de oito províncias texturais, dominadas por bastante comuns nas plataformas interna e externa entre
sedimentos terrígenos que variam de areia (média a fina) Iguape (SP) e Imbituba (SC) e distribuídos ao longo do
a argila síltica. As principais províncias texturais são talude do Rio Grande do Sul.
apresentadas resumidamente a seguir, de acordo com A plataforma média entre Torres e Mostardas,
Corrêa & Villwock (1996). entre Paranaguá (PR) e Itajaí (SC) e em Rio Grande
A textura arenosa aparece como uma faixa (RS) é coberta principalmente por sedimentos argilo-
margeando a zona costeira e interrompida somente na sílticos. Estes sedimentos também ocorrem próximo
altura da Ilha de Santa Catarina, ocorrendo também na da desembocadura da Laguna dos Patos, depositados
plataforma externa entre Florianópolis (SC) e Mostardas por floculação da carga em suspensão proveniente da
(RS) e do Farol do Albardão (RS) ao Chuí (RS) de laguna (Corrêa, 1987).
forma descontínua. Essa faixa arenosa é formada por
areias quartzosas médias a finas, muito semelhantes às 5. INFLUÊNCIA DA CIRCULAÇÃO OCEÂNICA
areias das praias e dunas da planície costeira atual SOBRE A PLATAFORMA CONTINENTAL
(Corrêa, 1987). Essas areias são depósitos relíquias BRASILEIRA
formados durante a regressão pleistocênica, quando a A costa brasileira é influenciada basicamente pela
plataforma estava exposta, tendo sido retrabalhados pela corrente quente Sul-Equatorial, que se bifurca no Rio
transgressão holocênica (Martins et al., 1972; Corrêa, Grande do Norte em Corrente Norte do Brasil e Corrente
1980, 1987). Ao longo da plataforma externa e na altura do Brasil. A primeira segue para o Golfo do México,
da Lagoa Mangueira (RS), adjacente à costa, os enquanto a segunda desce ao longo do litoral, até
sedimentos arenosos contêm bioclastos carbonáticos encontrar-se com a corrente fria das Malvinas, oriunda
altamente fragmentados e arredondados, indicando alta da Argentina. O encontro dessas correntes forma a
energia durante a sua acumulação (Corrêa, 1980, 1987). confluência subtropical, que tem sentido para sul e para
A textura areno-síltica estende-se por toda mar aberto no verão, e para norte e para a costa no
plataforma média e externa, principalmente entre Cabo inverno (Lima et al., 1996). Dessa forma, enquanto
Frio (RJ) e Itajaí (SC), consistindo em areias finas a grande parte da plataforma brasileira está sob influência
médias, com siltes médio a grosso (Corrêa & Villwock, de correntes quentes, a plataforma continental sul-
1996). Esses sedimentos ocorrem associados à textura brasileira ora é dominada pelas águas frias sub-
arenosa, comportando-se como uma fácies transicional. Antárticas, ora pelas águas tropicais da Corrente do
Outra textura transicional consiste em areias síltico- Brasil. Durante o inverno, a subida da confluência causa
argilosas, distribuídas principalmente sobre a plataforma deslocamento para norte das águas costeiras formadas
externa entre Florianópolis e o Chuí. pelas vazões do Rio da Prata e da Laguna dos Patos,
Sedimentos areno-argilosos ocorrem cuja influência pode alcançar o litoral sul de São Paulo.
concentrados em pequenas áreas, principalmente na Em subsuperfície, observa-se a presença de uma
plataforma interna próxima de Florianópolis e dispersa massa de água fria, denominada Água Central do Atlântico
ao longo da plataforma externa do Rio Grande do Sul Sul (ACAS), abaixo da água quente da Corrente do Brasil,
(Torres, Tramandaí, Farol da Solidão e Lagoa denominada Água Tropical. A interface entre essas
Mangueira). Segundo Corrêa (1987), os sedimentos massas de água encontra-se em profundidade variável.
argilosos provavelmente são de origem fluvial, que se Durante o verão, o aumento da intensidade dos ventos
misturaram às areias preexistentes, gerando essa fácies NE e a atuação do mecanismo de Ekman, que afasta a
mista. água superficial da costa, resultam na estratificação da
A textura síltico-arenosa ocorre esparsamente plataforma sul e sudeste através do bombeamento da

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

ACAS para a superfície. Em função de fatores geográficos de energia das ondas e modificando o fluxo do
e do estreitamento da plataforma, a ACAS pode aflorar Amazonas sobre a plataforma. A presença de densa
em superfície, como nas ressurgências do Espírito Santo, camada de lama fluida (> 10 g/l), próxima da cunha
Rio de Janeiro e Santa Catarina. salina, gera estratificação por densidade, que inibe a
Segundo Lima et al. (1996), a circulação sobre a mistura vertical da água. Essa camada de lama fluida
plataforma sul-brasileira varia sazonalmente, conforme pode alcançar até 7 m de espessura e cobrir uma extensa
descrito a seguir. No verão, o predomínio do vento nordeste área, com variações sazonais de 5.700 a 10.000 km2
favorece a penetração da Corrente do Brasil em latitudes (Kineke & Sternberg, 1995).
mais altas, onde águas quentes (21-26ºC) e salgadas (34- No nordeste setentrional, o padrão geral das
36‰) dominam a plataforma. Por efeito do mecanismo correntes está associado à orientação leste-oeste da linha
de Ekman, o fluxo das águas costeiras para mar aberto de costa e à direção preferencial leste-sudeste dos
propicia a ressurgência de águas frias por invasão da água ventos, que desenvolvem uma forte corrente de deriva
de fundo sobre a plataforma. Essas águas de ressurgência litorânea que flui para noroeste. A direção predominante
permanecem em profundidades de 40-50 m, durante o desta corrente, de orientação leste-oeste, pode ser
verão, quando associadas ao aquecimento das águas constatada pela migração para oeste dos pontais
superficiais, e resultam em forte estratificação térmica da arenosos e canais de maré. A construção e a migração
coluna de água. A chegada do outono coincide com a de leste para oeste de bancos submarinos no assoalho
atuação de fortes ventos de sul e sudoeste, que da plataforma continental da costa NE do Brasil
impulsionam as águas frias da Corrente das Malvinas para dependem da Corrente Norte do Brasil e das correntes
a costa brasileira. Durante o inverno, a Corrente das litorâneas decorrentes da refração das ondas de leste-
Malvinas domina grande parte da plataforma, principalmente nordeste em litoral orientado essencialmente nessa
ao sul da latitude 31ºS, onde a temperatura das águas direção (Gorini et al., 1982; Caldas, 2002). As águas
superficiais varia entre 12 e 14ºC na altura de Rio Grande, plataformais exibem salinidades acentuadas (36 a 37‰),
a 32º de latitude sul. Enquanto isso, a Corrente do Brasil exceto a sul do São Francisco, onde a descarga fluvial
segue fluindo para o sul sobre o talude, com temperaturas é maior. A temperatura das águas superficiais varia de
superficiais de 19ºC e salinidade de 35%, gerando forte 27 a 29oC no verão e de 25 a 27oC no inverno.
gradiente sobre a quebra da plataforma. No final da
primavera, os ventos nordeste e leste voltam a dominar na 6. PROBLEMAS E PERSPECTIVAS
região, a Corrente das Malvinas retrai para o sul, até que,
no verão, as águas quentes da Corrente do Brasil voltam a 6.1. Aspectos Econômicos
ocupar a plataforma. A plataforma continental é a extensão natural do
No extremo norte do Brasil, na plataforma território continental de um país costeiro, que é detentor
adjacente à desembocadura do Rio Amazonas, as dos direitos de soberania para “exploração e
características hidrodinâmicas diferem grandemente das aproveitamento dos recursos do solo e subsolo
descritas para a plataforma sul-brasileira. Geyer et al. marinhos”, de acordo com a Convenção das Nações
(1996) descrevem detalhadamente a oceanografia física Unidas sobre o Direito do Mar, que entrou em vigor no
sobre a plataforma continental adjacente à foz do Brasil com o Decreto no 1.530, de 22 de junho de 1995.
Amazonas, caracterizando-a como de alta energia e Essa convenção instituiu o conceito de Zona Econômica
extrema variabilidade. Essa situação decorre da Exclusiva (ZEE), onde todo país costeiro “tem direitos
combinação de fortes correntes de maré, grande de soberania para fins de exploração e aproveitamento,
descarga de água doce, ventos constantes e intensos conservação e gestão dos recursos naturais, vivos e
fluxos longitudinais associados à Corrente do Brasil. A não-vivos, das águas do mar, do leito do mar e do seu
alta vazão de água doce do Amazonas (média de 18.000 subsolo e no que se refere a outras atividades com fins
m3/s) interfere no movimento das águas de plataforma, econômicos”. A água do mar contém vários recursos
mas as marés e os ventos são os fatores determinantes. minerais, como o próprio sal marinho, que também é
As correntes de maré dominam nessa região, sendo fonte de elementos economicamente importantes.
amplificadas pela plataforma larga e rasa, atingindo Atualmente, os únicos elementos extraídos da água do
amplitudes de até 6 m. Correntes de maré transversais mar para fins comerciais são: sódio, cloro, magnésio e
à plataforma atingem velocidades de até 2 m/s, que bromo (Mello & Palma, 2000). A formação de jazidas
influenciam a posição e estrutura da mistura de águas depende da interação entre a água do mar e mecanismos
doce e salgada. Os ventos alísios dominantes são mais de enriquecimento, como o aporte sedimentar
intensos de dezembro a abril, promovendo o incremento (precipitação e sedimentação), a atividade biológica, a

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Quaternário do Brasil

diagênese e o vulcanismo. O que se conhece hoje de causa o soterramento dos organismos na área de
potencial econômico dos recursos minerais marinhos despejo, com possível alteração da composição
não atingiu o que se estimava na década de 1970 (Mello sedimentar do local e introdução de contaminantes. A
& Palma, 2000). Além do petróleo, recurso marinho construção de inúmeras barragens para geração de
mais explorado atualmente no Brasil (Gomes et al., energia elétrica vem bloqueando cargas sedimentares,
2000), poucos depósitos marinhos têm sido explorados uma vez que muitos sedimentos ficam retidos nos lagos
economicamente, como os pláceres de minerais artificiais. Assim como a retenção dos sedimentos, o
pesados, as areias e cascalhos para a construção civil, controle dos fluxos impede a ocorrência de picos de
as conchas e algas carbonáticas, os evaporitos e os vazões, importantíssimos para o aporte sedimentar para
depósitos de fosforita. No Brasil, exceto a prospecção a costa. Por outro lado, as atividades agrícolas e o
de petróleo, a explotação desses recursos minerais é desrespeito à manutenção das matas ciliares em margens
pontual e descontínua, limitando-se à extração de areias de rios aumentam o suprimento sedimentar. O aumento
para reconstrução de praias e de conchas e algas das atividades mineradoras nas regiões de plataforma
calcárias no Rio de Janeiro e Espírito Santo (Gomes et continental exige uma ação firme das agências
al., 2000). controladoras na exigência de estudos ambientais prévios
para um melhor conhecimento e monitoramento do
6.2. Aspectos Ambientais e Impactos ecossistema e, em conseqüência, para escolha da
Antrópicos sobre a Plataforma metodologia mais adequada de exploração e explotação
Os oceanos possuem grande variedade de desses recursos minerais.
recursos vivos e minerais de interesse para o homem.
Além disso, o papel dos oceanos como fonte de oxigênio 6.3. Tendências Futuras
à atmosfera, no controle climático global e no ciclo do A crescente escassez dos recursos minerais
carbono, é vital para o homem e todos os outros seres sobre os continentes para atender à demanda cada vez
vivos. Embora os oceanos ocupem a maior parte (70%) maior faz com que os oceanos representem importante
da superfície terrestre, a maior produtividade é área para mineração na Terra. O levantamento
encontrada nas águas costeiras e da plataforma sistemático da margem continental torna-se necessário
continental. As águas mais produtivas estão associadas para investigação do seu potencial mineral. Além disso,
à proximidade do continente, recebendo grande o mapeamento do substrato geológico subsidia as
influência dos processos que ali ocorrem. pesquisas de recursos vivos e a identificação de riscos
Conseqüentemente, essas também são as áreas marinhas naturais à mineração em mar aberto. Os recursos
mais impactadas pelas atividades humanas, como a minerais marinhos devem ser entendidos, atualmente,
mineração de areia, as dragagens, a explotação de como recursos essencialmente estratégicos. No Brasil,
recursos minerais, a construção de barragens e os sob o ponto de vista político e estratégico, é necessário
desmatamentos ao longo de rios. A maior parte da conhecer a geologia e os recursos minerais de nossa
exploração de petróleo, no Brasil, ocorre em ambiente plataforma, mas hoje enfrentam como fatores limitantes
marinho profundo, porém os impactos dessa atividade a ausência de meios flutuantes e equipamentos
também atingem as áreas costeiras e a plataforma. Por adequados, carência de pessoal especializado e
ali passam os dutos e os navios que transportam os desarticulação entre as instituições com infra-estrutura
hidrocarbonetos extraídos para as plantas de insuficiente. A aprovação do REMPLAC, em 1997,
processamento em terra. Além dos vazamentos de representou um instrumento político para enfrentar as
petróleo, que afetam a biota e a qualidade da água, a carências detectadas. O REMPLAC deveria enfatizar
presença de oleodutos e gasodutos interfere localmente seu papel político-estratégico em relação aos recursos
nos padrões de sedimentação e o tráfego de navios minerais, de forma a garantir vocação oceanográfica
obriga as dragagens dos canais de navegação, que podem para o país através de um programa integrado,
alterar a distribuição de sedimentos para as áreas envolvendo formação de pessoal, desenvolvimento
adjacentes mais profundas. científico e tecnológico e avaliação dos recursos
As dragagens podem resultar em alteração no minerais potenciais. Espera-se que esse programa
padrão de sedimentação local, alterando o tipo de consiga realizar a real avaliação de nossa capacidade
sedimento depositado, com conseqüente morte de mineral, visando atender diretrizes internacionais quanto
organismos sésseis e fuga das espécies com capacidade à soberania.
de locomoção. Por outro lado, o despejo de rejeitos de Em futuro próximo, muitos cientistas marinhos
canais de navegação ou outros tipos de resíduos sólidos deixarão de ir ao mar, pois receberão continuamente

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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

em seus laboratórios dados transmitidos por satélites a Araújo, T.C.M.; Seoane, J.C.S.; Coutinho, P.N. 2002.
partir de bóias oceanográficas e plataformas marinhas. Geomorfologia da Plataforma Continental de
Algumas dessas técnicas de pesquisa já estão em uso. Pernambuco. In: Oceanografia - Um cenário tropical.
Instrumentos eletrônicos sofisticados têm sido (no prelo).
instalados em satélites que podem, por exemplo, registrar Ashley, G.A. 1990. Classification of large-scale subaqueous
bedforms: a new look at an old problem. Journal of
precisamente a topografia do fundo marinho. Essas
Sedimentary Petrology, v.60, p.160-172.
técnicas de sensoriamento remoto permitem aos
Azambuja Filho, N.C.; Leão, Z.M.A.N.; Kikuchi, R.K.P.;
cientistas pesquisar grandes áreas dos oceanos, de forma Costa, L. 1998. The coral reefs-Abrolhos area. Field
rápida, eficiente e a custos relativamente baixos. Trip n.5. Associação Brasileira de Geologia do Petróleo.
Computadores com alta capacidade também estão CD-ROM.
exercendo papel importante na pesquisa oceânica, não Bacoccoli, G. & Meister, E.G. 1974. Oil prospecting offshore:
apenas como ferramenta para armazenar, selecionar e Brazilian east coast. In: Annual Meeting AAPG, 59,
analisar grande quantidade de informações, mas também San Antonio, Texas. 11p. (Petrobrás - Relatório Interno).
para simular os processos oceânicos e conduzir Blondel, P. & Murton, B.J. 1997. Handbook of
experimentos para rastrear mudanças em escalas SeafloorSonar Imagery. John Wiley & Sons. 414p.
temporais que vão de poucos anos (ciclo El Niño) a Caldas, L.H.O. 2002. Late Quaternary coastal evolution of
milhões de anos (abertura das bacias oceânicas). the northern Rio Grande do Norte coast, NE Brazil.
Germany. 92p. Thesis (PhD) - Kiel University.
Corrêa, I.C.S. 1980. Distribuição dos sedimentos modernos
AGRADECIMENTOS
da plataforma continental entre São Paulo e Santa
Agradecemos aos colegas N.O. Horn Filho (atual Catarina. Pesquisas, v.13, p.109-141.
coordenador do PGGM), G.S.S. Freire, I.C.S Corrêa e Corrêa, I.C.S. 1987. Sedimentos superficiais da plataforma
C.A. Schetine por contribuições na elaboração do e talude continental do Rio Grande do Sul. Pesquisas,
capítulo. v.19, p.95-104.
Corrêa, I.C.S. & Abreu, V.S. 1984. Evolução da
sedimentação holocênica da plataforma continental e
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8. Oceanografia Geológica e Física da Plataforma Continental

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Quaternário do Brasil

Capítulo 9

FORAMINÍFEROS, TECAMEBAS E
OSTRACODES RECENTES UTILIZADOS
COMO BIOINDICADORES EM ESTUDOS
AMBIENTAIS BRASILEIROS
Wânia Duleba
João Carlos Steffani Coimbra
Setembrino Petri
Cátia Fernandes Barbosa

RESUMO. Este trabalho faz uma síntese das principais contribuições sobre foraminíferos, tecamebas e ostracodes
recentes realizados no Brasil. Esta síntese permitiu: 1) reconhecer diversas associações e seus respectivos padrões de
distribuição espacial em ambientes parálicos (estuários, lagunas, canais fluviais e mangues) e marinhos (plataforma
interna, externa e carbonática) do Oiapoque ao Chuí; e 2) elaborar um banco de dados ambientais de várias espécies, isto
é, preferências quanto à salinidade e à estratificação salina, ao tipo de circulação hidrodinâmica, à granulometria, à
quantidade de matéria orgânica e ao teor de oxigênio. Os padrões de distribuição espacial dos diversos ambientes foram
comparados entre si e com padrões de ambientes equivalentes da Argentina, África Ocidental, Europa e Estados
Unidos. Os principais parâmetros abióticos e a fisiografia de cada ambiente também foram apresentados. Comparações
realizadas permitiram constatar que os padrões de distribuição espacial da microfauna dos ambientes parálicos da costa
brasileira são semelhantes entre si e aos padrões da África Ocidental. Algumas exceções foram encontradas, como o
padrão de distribuição da microfauna dos estuários da Juréia (SP), do delta do Rio Doce (ES) e das lagoas Mirim e Barros
(RS), mais semelhantes aos padrões existentes na Argentina e no Hemisfério Norte. Em relação à microfauna de ambiente
marinho, as associações de cada subprovíncia biogeográfica possuem composição faunística característica. Essas
diferenças na composição faunística devem-se principalmente a padrões hidrográficos, oceanográficos, geomorfológicos
e fisiográficos de cada região. A análise da microfauna de vários ambientes brasileiros, assim como o banco de dados de
espécies bioindicadoras aqui apresentados, constituem importantes subsídios para estudos de biomonitoramento,
biozoneamentos e de reconstrução paleoambiental.
Palavras-chave: Foraminíferos; Tecamebas; Ostracodes; Padrões de distribuição espacial; Ambientes parálicos e
marinhos; Bioindicadores ambientais brasileiros.

ABSTRACT. A synthesis of the main papers on Recent Brazilian Foraminifera, Arcellacea (Thecamoebians) and Ostracoda
and the significance of their distribution is here presented. This synthesis reveals distribution patterns of these organisms
in different environments, such as in estuaries, fluvial channels and mangroves, as well as on near and offshore clastic
and carbonate shelves. It also resulted in a data bank on environmental parameters and their meaning for the distribution
of organisms. This includes information on salinity and saline stratification of the waters, hydrodynamic circulation,
sediment grain-sizes, organic matter content, and oxygen content. Species distribution patterns of Brazilian paralic
environments were compared with equivalent environments of Argentine, the west coast of Africa, Europe and North
America. The main abiotic parameters and physiographic data for each Brazilian environment are also presented here.
Microfaunal distribution patterns in a great number of Brazilian estuaries and mangroves are similar to those reported
from the west coast of Africa, although some exceptions were observed along the Southeast and Southern Brazilian
coast, e.g. in the microtidal estuaries of Juréia, Rio Doce and the lagoons of Lagoa Mirim and Lagoa Barros. In these
regions the microfaunal patterns are similar to the pattern of macrotidal estuaries of Argentine and temperate regions.
The species compositions of each biogeographic subprovince of the Brazilian offshore are described and related to
hydrographic, oceanographic and geomorphologic patterns. The data bank provides background information for
understanding geographic and paleoenvironmental distributions of microfaunal species.
Key-words: Foraminifera; Arcellacea (Thecamoebians); Ostracode; Species distribution; Paralic and marine environments;
Environmental bioindicators; Brazil.

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

1. INTRODUÇÃO ventos fortes que dispersam o material em suspensão,


Os objetivos deste capítulo são analisar e ocorre o aparecimento de foraminíferos planctônicos.
sintetizar os resultados dos principais trabalhos sobre Tecamebas constituem um grupo artificial,
foraminíferos, tecamebas e ostracodes recentes no pertencente a duas subclasses dentro do Subfilo Sarcodina
Brasil. Ele apresenta os padrões de distribuição em (Lobosa e Filosa) (Loeblich & Tappan, 1964). Esses
diferentes ecossistemas brasileiros e províncias organismos diferem dos foraminíferos por possuírem
biogeográficas e as principais espécies bioindicadoras, pseudópodes lobosos ou filosos e carapaças que
como, por exemplo, de aporte de água doce, de água apresentam grandes aberturas. As tecamebas constroem
oceânica, de matéria orgânica e de circulação carapaças simples e uniloculares, que podem ser
hidrodinâmica. secretadas, autógenas (raramente fossilizadas), ou
xenógenas, (freqüentemente fossilizável) (Figura 9.1). As
1.1. Conceitos Básicos carapaças autogênicas podem ser proteináceas, silicosas
Foraminíferos são protozoários com ou, mais raramente, calcárias. As carapaças xenogênicas
pseudópodes delgados e anastomosados. Diversas são construídas por partículas aglutinadas do ambiente,
organelas, com vacúolos digestivos e mitocôndrias, como grãos de quartzo e outros minerais, e mesmo frústulas
movimentam-se constantemente por seu protoplasma, de diatomáceas, sobre um cimento autogênico. Alguns
configurando-lhe uma aparência granulosa. Essas táxons podem construir as testas de ambos os tipos, como
características permitem incluir os foraminíferos no Filo os Hyalosphenidae (Scott et al., 2001). De acordo com o
Granuloreticulosa (Loeblich & Tappan, 1988). formato das carapaças, as tecamebas podem ser separadas
O protoplasma dos foraminíferos é protegido por em três grandes grupos: testas em forma de boina (Arcella,
uma carapaça que pode ter uma ou mais câmaras, todas Centropyxis), testas em forma de saco (Difflugia,
interconectadas por um orifício (forâmen), que permite Pontigulasia) e testas com forma variável, que podem
ao protoplasma ocupar todo interior da carapaça. A apresentar numerosas aberturas (Mississippiella), ou duas
carapaça pode ser de matéria orgânica (proteoglicanas aberturas (Amphitrema).
- polissacarídeos), de minerais secretados (calcita, As tecamebas originaram-se em mares do Pré-
aragonita ou sílica) ou de partículas aglutinadas (grãos Cambriano (Porter & Knoll, 2000), mas, atualmente,
de areia, mica e espículas de esponja). Há espécies de restringem-se a ambientes aquáticos com salinidades
foraminíferos aglutinantes altamente seletivas em relação menores que 5‰. Além de rios e lagos, as tecamebas
ao tamanho e ao tipo de material dos grãos (Scott et são encontradas em águas de esgoto, musgos, cascas
al., 1998). de árvores ou solos úmidos (Odgen & Hedley, 1980;
Os foraminíferos podem ser bentônicos ou Medioli et al., 1990).
planctônicos. Os bentônicos, presentes há cerca de 550 A Classe Ostracoda constitui um grupo de
milhões de anos na Terra (Langer, 1999), sofreram crustáceos microscópicos que ocorre em praticamente
radiação adaptativa em todas as zonas climáticas, dos todos os ambientes aquáticos. O corpo, constituído por
pólos às poças hipersalinas do Saara e em todos os vários pares de apêndices, é completamente envolvido
ambientes estuarinos, lagunares e marinhos, da região por uma carapaça bivalvia (Figura 9.2). A carapaça é
entre-marés à abissal (Debenay et al.,1996) (Figura 9.1). constituída por calcita magnesiana e freqüentemente é
Os foraminíferos bentônicos podem ser da epifauna e/ encontrada bem preservada em sedimentos não só do
ou da infauna, habitando vários tipos de substratos. Quaternário, mas de todo o Fanerozóico. Os apêndices
Foraminíferos planctônicos são mais recentes e quitinosos raramente são fossilizados, mas espécimens
surgiram há 190 milhões de anos no Jurássico, tornando- fosfatizados já foram achados preservados por
se mais abundantes a partir do Cretáceo. Os completo, incluindo os apêndices, como em
foraminíferos planctônicos são exclusivamente Pattersoncypris micropapillosa, encontrado na
marinhos, necessitando viver em águas oceânicas, Formação Santana, Bacia do Araripe, do Cretáceo
limpas, sem material em suspensão. Esses organismos inferior do Brasil (Bate, 1972).
evitam águas costeiras e rasas, pois a profundidade da Nos mares atuais, eles podem ser encontrados
plataforma interna, na maioria das vezes, é pequena desde a linha de costa até profundidades abissais.
demais para que realizem suas migrações verticais Também habitam lagunas, estuários, lagoas, poças
ontogenéticas. Em determinadas regiões do Pacífico d’água, córregos, lagos hipersalinos e fontes de águas
(e.g. Califórnia e Chile), no entanto, a plataforma termais. Alguns gêneros colonizaram inclusive a
continental é muito estreita e o talude é relativamente serapilheira de florestas, um deles —Terrestricandona—
próximo à linha de costa. Nessas regiões, quando há recentemente registrado no Brasil (Pinto et al., 2002).

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Quaternário do Brasil

Figura 9.1. Exemplos de algumas espécies de tecamebas e foraminíferos, que ocorrem no Brasil e seus respectivos tipos de
ambientes. 1) Arcella vulgaris, 2) Curcubitella corona, 3) Curcubitella tricuspidis, 4) Centropyxis constricta, 5) Difflugia
oblonga, 6) Lagenodifflugia vas, 7) Pontigulasia compressa, 8) Miliammina fusca, 9) Gaudryiina exilis, 10) Arenoparrella
mexicana, 11) Haplophragmoides wilberti, 12) Ammonia tepida, 13) Cribroelphidium excavatum forma clavata, 14)
Pararotalia cananeiaensis, 15) Cribroelphidium poyeanum, 16) Pseudononion atlanticum, 17) Brizalina striatula, 18)
Fursenkoina pontoni, 19) Bolivina pulchella, 20) Rosalina floridana, 21) Oolina hexagona, 22) Cassidulina crassa forma
media, 23) Buccella peruviana forma campsi, 24) Angulogerina angulosa v. angulosa, 25) Uvigerina bifurcata, 26)
Canepaia brasiliensis, 27) Sigmoilopsis schlumbergeri, 28) Saccamina atlantica, 29) Cassidulinoides braziliensis, 30)
Uvigerina peregrina, 31) Bulimina marginata, 32) Archaias angulatus , 33) Borelis pulchra, 34) Sorites marginalis, 35)
Planorbulina mediterranensis, 36) Textularia agglutinans, 37) Globigerina bulloides, 38) Orbulina universa, 39) Globigerina
sacculifer, 40) Neogloboquadryna pachyderma, 41) Globorotalia truncatulinoides, 42) Globorotalia menardii.

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Figura 9.2. Ostracodes. A-B. Principais estruturas morfológicas. C. Anchistrocheles mcquadei Maddocks – fêmea. D.
Legitimocythereis echinata (Brady) – macho valva esquerda. E. Echinocythereis echinata (Sars) – fêmea valva
esquerda. (Fotos, R.Maddock)
Elpidium bromeliarum vive exclusivamente na água são estenobióticas (Boltovskoy et al., 1991; Würdig et
empossada nas axilas de folhas das bromeliáceas. A al., 2000). Além da sensibilidade às variações ambientais,
flexibilidade adaptativa desses organismos é expressa esses três tipos de organismos apresentam carapaças
não só nos diferentes hábitos de vida que apresentam, facilmente diagnosticáveis, isto é, com grande
quer seja bentônico, planctônico, nectônico ou variabilidade morfológica e distribuição geográfica ampla.
intersticial, como também nas variações morfológicas São abundantes, pequenos, fáceis de coletar, permitindo
da carapaça e dos apêndices. Essas estruturas refletem análises a custo baixo e facilidade de armazenamento
diferentes adaptações a substratos, recursos alimentares das amostras (Boltovskoy & Wright, 1976; Loeblich &
e estratégias reprodutivas. Tappan, 1988). Devido a todas essas características
mencionadas, foraminíferos, tecamebas e ostracodes
1.2. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes podem ser considerados bons indicadores ambientais.
como Bioindicadores Ambientais Em estudos ambientais, esses organismos são
Determinados organismos da microfauna utilizados para delimitar províncias biogeográficas
bentônica, sensíveis às variações ambientais, permitem (Boltovskoy, 1964; Boltovskoy & Wright, 1976; Whatley
diagnosticar as condições físico-químicas do ambiente et al., 1998), detectar padrões de circulação oceânica,
(Haq & Boersma, 1978). Dentre esses organismos, os estuarina e fluvial (Ribeiro, 1970; Sturrock & Murray,
foraminíferos, tecamebas e ostracodes podem ser 1981; Longyin et al., 2000; De Decker et al., 1988) e
utilizados para esse objetivo, uma vez que várias espécies diagnosticar as propriedades físico-químicas das massas

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Quaternário do Brasil

de água (Walker, 1982; Lea et al., 1995; Rathburn et Leipinitz et al., 1999, 2000; Debenay et al., 2001b).
al., 2000; Cronin et al., 1996). A segunda linha de pesquisa refere-se a estudos
Esses grupos podem ainda ser utilizados como de biozoneamento de ambientes, baseados na distribuição
bioindicadores de impactos ambientais, causados pela das associações de foraminíferos. Essa linha iniciou-se
aquacultura (Scott et al., 1995), construção de portos, na década de 1960, quando os primeiros estudos
hidrovias e canais artificiais (Reinhardt et al., 1994; começaram a relacionar a distribuição dos organismos
Williams, 1995; Palacios-Fest et al., 2001), destruição da com gradiente salino horizontal, existente ao longo de
camada de ozônio e o conseqüente aumento da radiação estuários e lagunas (e.g. Closs, 1962; Closs & Medeiros,
ultravioleta em regiões de recifes de corais (Hallock et al., 1965, 1967; Closs & Madeira, 1966, 1967, 1968; Forti
1995; Williams et al., 1997), eutrofização causada por & Roettger, 1967). A partir da década de 1970, os estudos
esgotos domésticos, industriais e dejetos portuários de biozoneamento foram se aprimorando gradativamente,
(Bodergat et al., 1998; Asioli et al., 1996; Debenay et al., utilizando parâmetros abióticos adicionais, como
2001a), ou poluição química-industrial (Sharifi et al., 1991; temperatura, granulometria e dados geoquímicos do
Alve, 1995; Patterson et al., 1996). sedimento, dados de correntometria, além da salinidade
para explicar os padrões de distribuição dos foraminíferos
2. HISTÓRICO de regiões parálicas e marinhas (e.g. Santos, 1972; Petri,
1974, 1979; Madeira-Falcetta, 1974; Suguio et al., 1975,
2.1. Foraminíferos Recentes 1979; Tinoco, 1971, 1972, 1980; Vicalvi & Milliman,
Estudos sobre foraminíferos recentes realizados 1976; Carboni et al., 1979; Zaninetti et al., 1979;
no Brasil podem ser agrupados em três linhas de pesquisa Brönnimann et al., 1981a,b; Dias-Brito et al., 1981, 1988;
bem definidas, taxonomia, biozoneamento de ambientes e Sá-Brito & Vicalvi, 1982; Tinoco & Matos, 1983; Scott
análises morfológicas. A primeira linha, de estudos de et al., 1990; Barbosa, 1991, 1995; Sanches, 1992; Zucon
cunho taxonômico, inclui inventários, notas de distribuição & Loyola-Silva, 1992; Machado & Sousa, 1994;
biogeográfica, batimétrica e de história natural. D’Orbigny Machado et al., 1997; Macedo & Machado, 1995; Vilela,
(1839) citou pela primeira vez a ocorrência de 1995; Disaró, 1995; Eichler et al., 1995; Bonetti &
foraminíferos em amostras de sedimentos superficiais Eichler, 1997; Debenay et al., 1998; Barbosa & Suguio,
marinhos coletados no Rio de Janeiro. No final do século 1999; Vilela et al., 1999; Duleba et al., 1999; Figuerêdo
XIX, Brady (1884) identificou foraminíferos de duas & Machado, 1999; D’Agostino, 1999; Disaró et al., 1999;
amostras, coletadas na Bahia e Pernambuco, durante a Machado & Kikuchi, 1999; Machado, 2000; Bonetti,
famosa expedição científica do navio HMS Challenger. 2000; Eichler, 2001; Debenay et al., 2001c; Duleba &
Posteriormente, Brady et al. (1888) realizaram o primeiro Debenay, 2003).
levantamento taxonômico importante, identificando A terceira linha de pesquisa caracteriza-se por
espécies de foraminíferos bentônicos em profundidades enfocar análises morfológicas (morfometria e dados
de 57 a 1.720 m na região de Abrolhos (BA). No início do ultra-estruturais) e tafonômicas das carapaças de
século XX, Cushman & Parker (1931) identificaram foraminíferos (Bonetti, 2000; Geslin et al., 2002; Duleba
algumas espécies da Baía da Guanabara (RJ), & Debenay, 2003; Barbosa et al., no prelo). Os dados
comparando-as com as que ocorrem nas Antilhas. morfológicos obtidos nesses trabalhos são ferramentas
Estudos taxonômicos realizados por úteis para diagnosticar diferentes tipos de ambientes.
pesquisadores brasileiros iniciaram-se na década de
1950, com a publicação de Carvalho & Chermont 2.2. Tecamebas Recentes
(1952), que estudaram foraminíferos bentônicos de Existem poucos estudos sobre tecamebas
Ubatuba (SP). A partir desse trabalho, vários outros realizados no Brasil e a maioria desses estudos é de
estudos taxonômicos foram realizados na costa e cunho ecológico. Uma boa revisão sobre o assunto é
plataforma brasileira (Tinoco, 1955, 1958a,b, 1965, encontrada em Oliveira (1999). De acordo com essa
1967; Narchi, 1956, 1960, 1961, 1963, 1965a,b; autora, os trabalhos sobre tecamebas no Brasil podem
Ottman, 1959; Boltovskoy, 1959, 1961a,b; Closs & ser divididos em dois grupos: o primeiro refere-se às
Barberena, 1960a,b; Rebouças, 1965; Mabesoone & pesquisas realizadas em ambientes lacustres ou de rios
Tinoco, 1965; Ribas, 1966; Boltovskoy & Lena, 1966; no interior do continente, e o segundo trata de
Madeira, 1969; Pereira, 1969; Rodrigues, 1968, 1972; foraminíferos de regiões parálicas, em que as tecamebas
Madeira-Falcetta, 1977; Brönnimann, 1979, 1980; são utilizadas como indicadoras do aporte de água doce
Brönnimann et al., 1979; Brönnimann & Zaninetti, em sistemas estuarinos ou marinho costeiro.
1984a,b; Leipnitz, 1987, 1988; Levy et al., 1995; O histórico sobre o primeiro grupo é breve: inicia-

180

Quaternario do Brasil.PMD 180 18/1/2008, 11:05


9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

se com esparsas citações de tecamebas de rios em pH, salinidade e substrato.


trabalhos gerais sobre protozoários (Cunha, 1913; Pinto, Geraque (1997) e Ghiselli Jr. (2000) utilizaram-
1925). Trabalhos específicos sobre tecamebas se dos ostracodes para caracterizar os ambientes da
começaram a ser realizados a partir da década de 1970. região de Cananéia-Iguape e do Canal de Bertioga,
Ribeiro (1970) realizou estudo ambiental do Rio Piranga respectivamente. Para tanto, os autores enfocaram as
(MG), com base na distribuição das tecamebas, inter-relações entre as associações de ostracodes e
granulométrica e mineralógica. Do fim da década de diversos parâmetros físico-químicos, incluindo também
1970 até a de 1990, foram realizados trabalhos sobre a aspectos morfológicos e tafonômicos. Somente com o
ecologia de tecamebas de rios de grandes bacias trabalho pioneiro de Pinto et al. (1978) é que foi dada
hidrográficas brasileiras (e.g., para a região do Pantanal mais atenção aos ostracodes da plataforma continental
mato-grossense, Green, 1975, Hardoim & Heckman, brasileira. Eles apresentaram um levantamento
1996; para a Amazônia, Walker & Lages, 1980; Walker, preliminar dos gêneros mais abundantes, desde o Amapá
1982; para o Alto Paraná, Velho, 1996a,b). Dentre esses até o Rio Grande do Sul. Essa linha de pesquisa, com
trabalhos, destaca-se o de Walker (1982), que realizou ênfase em sistemática e zoogeografia, tem tido várias
trabalho pioneiro sobre tecamebas bioindicadoras da contribuições ao longo dos últimos 20 anos, destacando-
qualidade da água dos riachos da Floresta Amazônica. se aqui as de Coimbra et al. (1995, 1999a,b), Coimbra
Paralelamente ao estudo das tecamebas & Carmo (2002) e Ramos (1994, 1996).
continentais, foram realizados estudos em ambientes
parálicos. Contudo, nesses ambientes, as tecamebas foram 3. SÍNTESE DOS PRINCIPAIS TRABALHOS
apenas coadjuvantes dos foraminíferos, para realização SOBRE FORAMINÍFEROS E TECAMEBAS
dos biozoneamentos dos estuários e lagunas (cf. Closs &
Madeira, 1962a,b, 1966, 1971; Madeira-Falcetta, 1974; 3.1. Regiões Estuarinas, Lagunares,
Barbosa & Suguio, 1999; Duleba & Debenay, 2003). Manguezais e Canais Fluviais
Algumas exceções a essa regra foram os estudos de Petri A costa brasileira apresenta vários tipos de
(1979), que utilizou as tecamebas como bioindicadores ambientes parálicos, de estuários lineares e pequenos a
da direção do aporte de água doce em ambiente marinho, sistemas estuarino-lagunar complexos, lagunas fechadas
situados próximos à foz do Rio Doce, e o de Oliveira ou abertas, planícies de maré, regiões deltaicas e de
(1999), que realizou estudo minucioso sobre as tecamebas manguezais. Desde a década de 1950, os foraminíferos
da Bacia Hidrográfica do Rio Itanhaém. O conhecimento de ambientes parálicos têm sido estudados no Brasil
sobre tecamebas no Brasil ainda é incipiente, sendo (veja seção 2.1). Os resultados dos principais trabalhos
necessária a realização de mais estudos ecológicos e sobre esses protozoários foram reorganizados e
faunísticos para aprimorar o conhecimento do grupo. sintetizados nas Tabelas 9.1 a 9.3, de modo que fosse
possível observar a composição das associações, ao
2.3. Ostracodes Recentes longo de um talvegue, isto é, um eixo da desembocadura
Embora há mais de um século alguns autores à porção superior do ambiente. Esse eixo foi dividido
estrangeiros tenham realizado registros de ocorrências nas porções inferior, intermediária e superior, de acordo
de ostracodes no Brasil, apenas agora estudos com a proposta de Dionne (1963) para estuários. A
detalhados da ostracofauna recente dulciaqüícola e porção inferior apresenta forte influência marinha, a
estuarina/lagunar foram iniciados no Rio Grande do Sul, intermediária caracteriza-se pela intensa mistura da água
com ênfase na região norte da planície costeira do estado. do mar com a água fluvial e a porção superior
Foram descritas inúmeras espécies novas e observações corresponde à região dominada por água doce, mas
sobre biologia e ecologia podem ser encontradas nos sujeita à influência diária da maré.
trabalhos de Pinto & Sanguinetti (1958), Pinto & Kotzian A partir da compilação dos principais trabalhos
(1961), Pinto & Purper (1965, 1970), Purper & Würdig- realizados no Brasil (sintetizados nas Tabelas 9.1 a 9.3),
Maciel (1974), Kotzian (1974), Ornellas (1974), Purper foi possível detectar dois tipos de padrões de distribuição
(1974) e Würdig (1983), entre outros. O sistema de foraminíferos e tecamebas, da desembocadura até
estuarino-lagunar de Tramandaí foi detalhadamente região superior dos estuários, das lagunas de dos canais
estudado por Würdig (1984), com ênfase na sistemática, fluviais (Tabela 9.4). O primeiro padrão corresponde a
biologia e ecologia de ostracodes de água doce e uma sucessão de foraminíferos calcários marinhos,
mixoalinos. Essa autora descreveu 27 espécies, além seguidos por espécies calcárias mixoalinas, que vão
de fornecer dados de sua distribuição espacial e sazonal sendo substituídas gradativamente por foraminíferos
em relação a variáveis ambientais, como temperatura, aglutinantes, até a predominância de tecamebas, em

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Quaternario do Brasil.PMD 181 18/1/2008, 11:05


Quaternário do Brasil

Tabela 9.1. Principais trabalhos sobre foraminíferos e tecamebas recentes realizados em regiões estuarinas, sistemas
estuarinos e canais fluviais.

ESTUÁRIOS, SISTEMAS ESTUARINOS#, CANAIS FLUVIAISo ESPÉCIES DOMINANTE*, SUBDOMINANTEº E


LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA ACESSÓRIA“
1) Chuí (Closs & Madeira, 1962b; Madeira-Falcetta, 1974) Porção inferior: Elphidium discoidale*, Ammotium salsum*,
33°41’S - 53°19’W - Rio Grande do Sul Miliammina fusca*, Ammonia beccarii°, Quinqueloculina
60 km de comprimento, 12 m de largura. seminulum”.
Dominado predominantemente por água doce, excetuando-se a Porção média: Difflugia mitriformis*, D. capreolata*, D. urceolata*.
desembocadura, onde a salinidade varia de 11 a 27. Porção superior: D. mitriformis*, D. capreolata*, D. urceolata*.

Porção inferior: Flintina bradyana°, Quinqueloculina


2) São Francisco do Sul (Madeira-Falcetta, 1974) lamarckiana°, Rotalia cubensis (= Pararotalia )°, Rolshauseni
26°14’S - 48°40’W - Santa Catarina rolshausen°, Ammonia parkinsoniana*, Elphidium spp.*,
Região portuária, situada na porção sul do Rio São Francisco, Pseudononion grateloup°.
sujeita a forte influência antrópica. Nessa região, há forte aporte Porção média: E. spp.*, Textularia earlandi”, T. paranaguaensis°,
de água doce, proveniente de uma ampla rede hidrográfica local. Arenoparrella mexicana”, Ammotium planissimum”.
Porção superior: Difflugia mitriformis”, D. capreolata”.

3) Itajaí (Madeira-Falcetta, 1974) Porção inferior: M. fusca*, E. gunteri*, E. excavatum*,


26°56’S - 48°41’W - Santa Catarina Ammotium salsum°, Textularia earlandi”, Trilacularena patensis”,
Estuário conectado ao mar por um estreito canal. Quinqueloculina lata”, Rotalia cubensis (= Pararotalia)”.
Porção média: M. fusca*, E. excavatum*, E. gunteri*.
Porção superior: D. capreolata”, D. pyriformis”, D. corona”,
D. mitriformis”, P. compressa”, Centropyxis marsupyformis”.

4) Paranaguá # (Closs & Madeira, 1966; Madeira-Falcetta, 1974) Porção inferior: Quinqueloculina laevigata”, E.discoidale*,
25°10’ - 35’S - 48°10’ - 45’W - Paraná Ammonia parkinsoniana*, Textularia earlandi*, T. paranaguaensis*,
Baía semi-aberta, com 45 km de comprimento e largura máx. de 7 km. Arenoparrella mexicana”, Ammotium planissimum”, E. excavatum”.
Possui dois eixos principais: leste-oeste, formado pelas baías de Porção média: mesmas espécies da porção inferior.
Antonina e de Paranaguá e norte-sul, constituído pela Baía das
Laranjeiras. Abriga várias ilhas (do Mel, Coatinga, Rasa da Coatinga)
que atuam como barreira geográfica. É rasa (0,5 a 3 m de profundidade).

5) Guaratuba (Barbosa, 1995; Barbosa & Suguio, 1999) Porção inferior: A. beccarii*, Elphidium spp.*, Pseudononion
25°S - 48°36’W - Paraná atlanticum°, Bolivina spp.°, Q. seminulum”, Trochammina spp.”.
Formato alongado, margeado por mangues e pântanos salobros. Porção média: D. oblonga*, Trochammina macrescens*, T.
Raso, pequeno (14 km de comprimento) e estreito (5 km de squamata*, Gaudryina exilis*,A.salsum°, A.mexicana°.
largura). A rede de drenagem está concentrada na porção norte. Porção superior: M. fusca*, P. ipohalina°, Ammotium salsum°,
Reophax nana° e tecamebas da família Centropyxididae”.
Mangue: Arenoparrella mexicana*, Haplophragmoides wilberti*.

6) Baía das Laranjeiras (Disaró, 1995) De modo geral, há predominância de foraminíferos aglutinantes
25°18’ - 25°28’S - 48°26’ - 48°20’W - Paraná (Ammobaculites exiguus* e Cribrostomoides sp.*). Contudo, na parte
Situada na porção norte da Baía da Paranaguá, próximo a central e norte, há ocorrência marcante de Elphidium articulatum* e
Guaraqueçaba. Apresenta 30 km de comprimento e de 13 km de Quinqueloculina sp.° Na porção sul da baía, há presença de foraminíferos
largura. Protegida do mar aberto pela presença das ilhas do Mel, marinhos, como Stainforthia fusiformis° e Hopkinsina pacifica°.
das Peças e Rasa. Pouco profunda (14 m), apresentando extensos
baixios (do Bagre e do Perigo).

7) Cananéia-Iguape # (Eichler et al., 1995b; Duleba, 1997) Com o Valo Grande totalmente aberto:
24°40’S - 25°00’S, 47°25’ - 48°00’W - São Paulo Na desembocadura de Cananéia e Baía de Trapandé: Ammonia*
Sistema estuarino-lagunar constituído por ambientes complexos spp., Elphidium spp.*, Pararotalia canaeiaensis°, Poroeponides
(mangues, pântanos salobros e planície de lama) associados a lateralis”, Pseudononion atlanticum”, Ammotium salsum”.
ilhas-barreiras (ilhas de Cananéia-Iguape) e canais lagunares No mar de Iguape: Miliammina fusca*, Centropyxis aculeata°,
extensos e paralelos à linha de costa. Apresenta 110 km de Difflugia protaeformis°, D. urceolata°, Lagenodifflugia vas°,
comprimento, largura variável de 1 a 3 m. Profundidades média e Curcubitella corona”.
máxima de 6 e 12 m, respectivamente. Comunica-se com mar Com Valo Grande fechado e/ou parcialmente fechado:
aberto através de duas desembocaduras situadas a norte (Barra de Baía de Trapandé: P. cananeiaensis*, Ammonia tepida°,
Icapara) e a sul (Barra de Cananéia). Elphidium spp.°, Gaudryina exilis°, Pseudononion atlanticum”,
Buliminella elegantissima”, Ammotium salsum”.
Mar de Cubatão: Gaudryina exilis*, Ammobaculites exiguus°,
A. tepida°, A. salsum°, E. gunteri°, A. mexicana”, H. wilberti”, M.
earlandi”.
Mar de Cananéia: Brizalina striatula*, A. tepida°, E. gunteri°,
G. exilis°, B. elegantissima”, Trochammina spp.”.
Mar de Pequeno: Ammonia tepida*, Miliammina earlandi°, A.
mexicana°.

182

Quaternario do Brasil.PMD 182 18/1/2008, 11:05


9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.1. (cont.).


ESTUÁRIOS, SISTEMAS ESTUARINOS#, CANAIS FLUVIAISo ESPÉCIES DOMINANTE*, SUBDOMINANTEº E
LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA ACESSÓRIA“
8) Rio Itapintangui (Bonetti & Eichler, 1997) Da foz até a região superior do rio: Miliammina fusca*,
25°00’S - 48°00’W - São Paulo. Um dos principais canais de drenagem Trochammina inflata°, Gaudryina exilis°, Siphotrochammina lobata°,
da porção sudoeste do sistema lagunar de Cananéia-Iguape. Seu leito Ammotium cassis°, Ammotium salsum°, Trochamminita irregularis”.
possui 9 km de extensão navegável, com profundidades inferiores a Próximo à foz do rio: Subambiente polihalino (salinidade de 18
1 m, próximo à cabeçeira, e superiores a 6 m, próximo à desembocadura. a 30) - Ammonia parkinsoniana°, Elphidium clavatum°, A.
tepida*, Helenina anderseni”, Haynesina germanica”, E. gunteri”.
Subambiente mesohalino (salinidade de 5 a 18): Centropyxis
constricta°, C. aculeata°, Difflugia tricuspis°, Pontigulasia
compressa”, C. arenatus”.

9) Rio Verde (Duleba, 2004) Porção inferior e média: Ammonia tepida*, Cribroelphidium
24°33’S - 47°13 ‘W - São Paulo. Estuário de água clara e principal excavatum°, Cribroelphidium poyeanum°, Quinqueloculina milletti”.
canal de drenagem da Serra da Juréia. Apresenta 3 km de comprimento, Porção superior: Centropyxis aculeata*, C. constricta*,
3 m de largura e profúndidade média de 2 m e máxima de 4 m. Na Pontigulasia compressa*, Difflugia oblonga°, D. protaeformis°,
porção inferior do estuário, há grande concentração de material em Lagenodifflugia vas”, Curcubitella tricuspis”.
suspensão, e a partir da porção média, a água torna-se cristalina.

10) Rio Una (Duleba & Debenay, 2003) No verão, o Rio Una é dominado por Miliammina fusca* (na
23°33’S - 46°43’W - São Paulo. É o maior estuário de água escura da porção superior), Difflugia proateformis°, Curcubitella tricuspis°
Juréia, possuindo 80 km de comprimento. Em seu percurso, capta e Pararotalia cananeiaensis° (na região da desembocadura). No
toda a água da parte norte da Serra da Juréia, Maciço do Itatins e as inverno, as tecamebas são substituídas por Pararotalia
águas da planície aluvionar. Por essas razões, suas águas são escuras cananeiaensis*. Ao redor da Ilha do Ameixal, no verão e inverno,
e ricas em ácidos húmicos (pH=4). Sua largura gira em torno de 3 a 4 há predominância de foraminíferos calcários mixoalinos, como
m, contudo há vários locais rasos, devido à presença de bancos de Ammonia tepida* e Cribroelphidium excavatum forma
areia e de soleiras. Profundidades média de 3 m e máxima de 10 m. selseyensis°.

11) Rio Guaraú (Duleba & Debenay, 2003) Porção inferior: Cribroelphidium excavatum forma excavata*,
24°22’S - 47°01’W - São Paulo. Estuário de água clara de 12 km de C. excavatum forma clavata*, Ammonia beccarii°, Pararotalia
comprimento e largura média de 2 m. Possui nascentes dendríticas, cananeiaensis°.
originadas na porção leste da Serra do Itatins. Canais de drenagem Porção média: Cribroelphidium excavatum forma excavata*,
passam por uma série de cascatas e corredeiras, que se agregam em Ammonia beccarii°, Miliammina fusca°.
dois braços principais: os rios Teteqüera e Perequê. Profundidades Porção superior: M. fusca°, Centropyxis constricta”, Curcubitella
média de 3 m e máxima de 8 m. tricuspis”, Lagenodifflugia vas”, Pontigulasia compressa”.

12) Bacia Hidrográfica de Itanhaém: Rio Guaú, Rio Itanhaém/ Rios Guaú e Itanhaém: Miliammina fusca*, Ammotium salsum°,
Volta Deixada, Rio Acima, Rio Branco, Rio Aguapéu, Rio A. cassis°, Haplophragmoides wilberti°, Trochammina inflata°,
Preto (Oliveira, 1999; Oliveira & Dias-Brito, 1999) T. macrescens”, Arenoparrella mexicana”, Gaudryina exilis”.
23°50’ - 24°15’S - 46°35’ - 47°00’W - São Paulo. Bacia Volta Deixada: Miliammina fusca*, H. manilaensis°, H. wilberti°,
hidrográfica (área 970 km2) constituída por rios de água branca T. macrescens°, A. salsum”, A. mexicana”, Trochammina ochracea”.
(Rio Branco), água preta (Rio Preto, Rio Aguapéu, Rio Acima) e Rio Acima: M. fusca*, A.salsum”, H. wilberti”, P. ipohalina”.
de água clara (Rio Itanhaém/Volta Deixada). Rio Preto: M. fusca*, Trochamminita salsa”, T. earlandi”.
Rios Aguapéu e Branco: Lesquereusia sp.°, Difflugia oblonga°,
D. proteformis°, H. wilberti”, M. fusca”.

13) Santos-São Vicente # (Suguio et al., 1975; Bonetti, 2000) Baía de Santos - lado oeste: Pararotalia canaeiaensis*,
24°47’ - 25°S - 46°30’ - 46°7’W - São Paulo. Sistema estuarino Elphidium poyeanum°, Pseudononion atlanticum°.
de Santos-São Vicente é composto pelo canal Piaçaguera, que se Estuário Santos e Canal do Porto: Ammonia tepida*, A.
bifurca na Ilha de São Vicente, formando os estuários de Santos e parkinsoniana°, Buliminella elegantissima°, Bolivina striatula°.
de São Vicente. Esses dois estuários desembocam na Baía de Estuário São Vicente e áreas mais internas: A. tepida*, A.
Santos. O Canal Piaçaguera recebe o aporte de rios, córregos e parkinsoniana°, E. gunteri°.
canais de marés. O sistema apresenta cerca de 20 km de Áreas marginais, fortemente confinadas: A. mexicana*, A.
comprimento. Região portuária, industrial e de veraneio altamente salsum°, H. wilberti*.
impactada, com profundidades menores que 14 m (Santos) e 6,5
m (São Vicente). O Canal de Piaçaguera apresenta profundidades
média de 10 m e máxima de 23 m, devido a dragagens periódicas.

14) Bertioga # (Suguio et al., 1975; Eichler, 2001) Desembocadura sul: Pseudononion atlanticum°, Pararotalia
23°50’S - 23°58’S; 46°07’ - 46°19’W - São Paulo. Sistema estuarino cananeiaensis*.
formado pelo encontro das águas dos rios Itapanhaú, Taguaré e Parte interna sul: Buliminella elegantissima°, Ammonia tepida*.
Garatuba. Inicia-se junto à Praia da Enseada e termina ao lado da Base Largo do Candinho: A. tepida*, Elphidium spp.*.
Aérea de Santos. Possui cerca de 25 km de extensão e largura média de Rio Trindade, canais Acari, Crumaú: Ammotium salsum°,
1 km. A rede de drenagem local é constituída por rios pouco extensos Arenoparrella mexicana*, Haplophragmoides wilberti*.
(e.g. rios Itapanhaú, Iriri, Tia Maria, Cabuçu e Trindade). Parte interna norte: A. tepida*.
Desembocadura norte: P. atlanticum°, P. cananeiaensis*.

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Quaternario do Brasil.PMD 183 18/1/2008, 11:05


Quaternário do Brasil

Tabela 9.1. (cont.).


ESTUÁRIOS, SISTEMAS ESTUARINOS#, CANAIS FLUVIAISo ESPÉCIES DOMINANTE*, SUBDOMINANTEº E
LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA ACESSÓRIA“
15) Rio Doce ° (Petri, 1974, 1979) Rio Doce - Canais fluviais, lagoas, pântanos não marinhos:
18°30’S; 40°15’W - Espírito Santo. O Rio Doce é o principal predominância da associação: Difflugia-Navicula (composta
construtor do delta, contudo, outros rios como o sistema Mariricu- por tecamebas e por diatomáceas): Centropyxis marsupiformis,
São Mateus contribuem em menor parcela. Rio Doce é um rio Difflugia capreolata, D. corona, D.pyriformins, D. lageniformis,
volumoso, onde não há penetração de água do mar no rio. A ação Navicula, Fragilaria e Melosira.
das marés reflete-se apenas no represamento das águas do rio na Tecamebas são lançadas ao mar por correntes fluviais e,
desembocadura. Mesmo nas marés de sizígia existe fluxo de posteriormente, são transportadas pela costa na direção N-NE.
correntes fluviais em direção ao mar. Como resultado, a penetração
de água salgada é quase nula.

16) Rio São Mateus, Rio Mariricu ° (Petri, 1979) Ambientes transcionais: o aumento gradual da influência das
18°30’S - 40°15’W - Espírito Santo. Rios construtores do delta marés nos canais fluviais permite o aparecimento das seguintes
do Rio Doce, contudo, o Rio São Mateus possui volume d’água associações: 1) Difflugia* - Polymyxus*; 2) Haplophragmoides*
bem inferior ao do Rio Doce, permitindo a penetração de correntes - Polymyxus* - Difflugia*; 3) Haplophragmoides* - Polymyxus*;
de maré, rumo a montante. Próximo à foz, o Rio São Mateus 4) Ammonia* - Plymyxus* -Haplophragmoides*.
recebe um afluente, o Rio Mariricu, que tem traçado paralelo à Ambiente de mangues: Ammonia-Polymyxus-
costa. Haplophragmoides- Ammoastuta.

17) Camamu (Sá Brito & Vicalvi, 1982) Biofácies 1: Arenoparrella mexicana*, Ammotium salsum*,
39°00’S - 14°00’W - Bahia. Baía semi-aberta, protegida do Oceano Trochammina inflata*, Textularia earlandi°.
Atlântico pelas ilhas Grande e Pequena. Em suas porções internas, Biofácies 2: Ammonia beccarii*, secundariamente Elphidium
estende-se uma planície, densamente coberta por manguezais, cortada spp.”. Textularia earlandi°, Tiphotrocha comprimata”.
pelo Rio Camamu e por canais de maré. Pode ser dividida em quatro Biofácies 3: A. beccarii*, E. galvestonense°.
biofácies: 1) biofácies 1: região sob intenso aporte do continental Biofácies 4: A. beccarii*, E. discoidale*, secundariamente Q.
(Rio Camamu); 2) biofácies 2: ocupa uma faixa situada na parte polygona°.
externa dos mangues e baixios; 3) biofácies 3: situada nas imediações
da Ilha do Camarão à região do Maranguá Mirim; e 4) biofácies 4:
correspondente à região que recebe maior influência marinha.

18) Rio Piauí (Zucon & Loyola e Silva, 1992) Porção inferior: Ammonia beccarii*, Nonion gratloupi°, Pararotalia
37°22’30”S - 11°22’30”W - Sergipe. O complexo estuarino Piauí- cubensis (= Rotalia)”, Elphidium spp.°, Miliolinella subrotunda”,
Fundo-Real ocupa uma faixa alongada na planície costeira ao sul Triloculina laevigata”, T. oblonga”, Quinqueloculina lamarckiana”.
do Estado de Sergipe, a 80 km de Aracaju. Essa planície é drenada Porção média: Arenoparrella mexicana*, Ammonia beccarii°.
por vários cursos d’ água, como os rios Piauí e Fundo. Porção superior: Difflugia sp.*, Centropyxis sp.*, Pontigulasia
compressa°, Lesquereusia sp.°, Miliammina fusca°,
Haplophragmoides wilberti°.

regiões com intenso aporte de água doce (geralmente, complexos (São Francisco do Sul-SC, do Itajaí-SC,
na porção superior do estuário/laguna). Esse padrão de Baía de Paranaguá-PR, Cananéia-Iguape-SP, Santos-São
distribuição dos foraminíferos e tecamebas é o mais Vicente, Bertioga-SP, Baía de Camamu-BA). Esses
freqüentemente observado nas regiões Sul e Sudeste quatro últimos ambientes não são considerados nem
do Brasil (Tabela 9.4). lagunas nem estuários clássicos, mas são denominados
Vários estudos têm demonstrado que a salinidade na literatura regional brasileira sistema ou complexo
é o principal fator responsável pelos padrões de estuarino ou estuarino-lagunar. Segundo Miranda et al.
distribuição dos foraminíferos e tecamebas em (2002), esses sistemas são “ambientes costeiros amplos
ambientes parálicos (Hayward & Hollis, 1994; Hayward de planície costeira que se compõem de uma rede de
& Triggs, 1994; Barbosa & Suguio, 1999; Debenay et canais interligados entre si e com o oceano, recebendo
al., 2000; Duleba & Debenay, 2003). A salinidade está descarga fluvial de numerosas fontes”. Nesses sistemas
diretamente relacionada à capacidade de penetração das complexos, geralmente há presença de desembocaduras
correntes de maré no ambiente, e essa capacidade, por amplas, de ilhas-barreira com diferentes tamanhos e
sua vez, depende principalmente da fisiografia do origem geológica (e.g. Ilha Comprida-SP, Ilha do Mel-
ambiente (declividade do assoalho), da vazão de água PR), baixios de grande extensão (Baixios do Perigo e
doce e da carga de detritos das correntes fluviais. do Bagre na Baía de Paranaguá-PR) e planícies de maré
O primeiro padrão ocorre em lagunas extensas e cobertas por mangues.
conectadas diretamente ao mar (Lagoa dos Patos, A presença de uma ou mais desembocaduras
Tramandaí-RS), canais fluviais extensos (Rio São possibilita a entrada de correntes de maré nesses
Mateus-Mariricu-ES) ou em ambientes parálicos sistemas. Essas correntes enfraquecem ao deparar-se

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.2. Principais trabalhos sobre foraminíferos e tecamebas recentes realizados em regiões lagunares brasileiras.
LAGUNAS ESPÉCIES DOMINANTE*, SUBDOMINANTEº
LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA E ACESSÓRIA“

1) Lagoa Barros (Madeira-Falcetta, 1974) Centropyxis arenata*, C. constricta*, Difflugia lobostoma*, D.


29°55’S - 51°24’W - Rio Grande do Sul. Lagoa rasa (3 a 4 m de mitriformis*, D. capreolata “, D. corona”.
profundidade), constituída inteiramente por água doce. Situada
próxima à Cidade de Tramandaí.

2) Lagoa Mirim (Closs & Medeiros, 1965) Dominância de tecamebas: Centropyxis constricta*, Difflugia
33°30’S - 32°10’W - Rio Grande do Sul. Segunda maior laguna do Brasil, capreolata*, D. elegans*, D. mitriformis*, D. pyriformis* .
com área de 3.770 km2, com 174 km de comprimento e largura máxima Foraminíferos, quando presentes, restringem-se à porção
de 45 km. É rasa (4 a 10 m de profundidade). É conectada ao norte com norte da lagoa: Ammonia parkinsoniana”, Elphidium discoidale”
a Lagoa dos Patos, que, por sua vez, é conectada diretamente ao oceano. e Haynesina germanica* (= Nonion tisburyensis).

3) Lagoa dos Patos (Closs, 1962; Closs & Madeira, 1968; Regiões próximas à desembocadura: Ammonia
Closs & Medeiros, 1965) parkinsoniana”,Quinqueloculina seminulum”, Buccella peruviana
30°30’S - 32°S - 51°30’W - Rio Grande do Sul. Maior laguna do campsi”, Buliminella elegantissima”, Bulimina marginata”.
Brasil, com área de 11.000 km2 e 250 km de extensão. Largura Na região central da laguna: Miliammina fusca*, Trilacularena
máxima de 60 km, na região de São Lourenço do Sul. É rasa, com patensis*, Elphidium excavatum°, Textularia earlandi*.
cerca de 6 a 8 m na região central e 0,5 a 3 m nas margens. A laguna Na região norte da laguna: M. fusca*, D. pyriformis”, D. mitriformis”,
é conectada ao mar por um canal. D. corona”, Pontigulasia compressa”, Centropyxis arenata”.

4) Lagoa de Tramandaí (Closs & Madeira, 1967) Regiões sob influência marinha: Elphidium discoidale*,
Situada na parte norte da planície costeira do Rio Grande do Sul, Nonionella atlantica°, Ammonia parkinoniana°, Quinqueloculina
possui 30 km2 de área, com profundidade máxima de 3 m. Vários rios seminulum”, Bulimina patagonica”, B. peruviana campsi”,
de pequeno porte desembocam na lagoa, alterando sensivelmente a Elphidium incertum”, Cibicides bertheloti forma typica”.
salinidade, durante períodos chuvosos. A laguna é conectada ao mar Regiões mixoalinas: Miliammina fusca*, Ammotium salsum*,
por uma pequena desembocadura, seguida de pequeno e estreito canal. Trilocularena patensis*, Trochammina inflata”.
Regiões com aporte d’água doce: Difflugia pyriformis°, D.
corona”, D. mitriformis”, Pontigulasia compressa”.

5) Lagoas Santo Antônio e Imaruí (Madeira-Falcetta, 1974) M. fusca*, A. parkinsoniana*, Trilocularena patensis°, A. beccarii*, E.
28°25’S - 48°50’W - Santa Catarina. Situadas na região sudeste da discoidale*, E. excavatum*, E. gunteri*, Buliminella elegantissima*,
Cidade de Laguna. Apresentam profundidades de 1 a 5 m. B. patagonica*, Buccella frigida*, B. peruviana campsi*, A. Salsum”.

6) Lago Itacolomi (Duleba, 2004) Próximo à desembocadura: Pararotalia cananeiaensis*.


Situado na Praia do Rio Verde, faz parte de um complexo de lagunas Regiões mais profundas: A. tepida°, Cribroelphidium
remanescentes do máximo transgressivo, ocorrido há 5.100 A.P. É isolada excavatum°, Quinqueloculina milletti*.
do mar por cordões arenosos, formados nas fases regressivas. A cada Regiões mais confinadas: A. salsum°, M. fusca*.
maré alta ocorre washover sobre o cordão arenoso, ocorrendo transporte Regiões próximas a córregos: Centropyxis aculeata”, C. constricta”.
de sedimentos marinhos para o interior da laguna. Em épocas de grande
pluviosidade, há rompimento desse cordão, havendo saída de grande
parte da água da laguna para o mar. Durante estações secas, o cordão não
se rompe e a laguna permanece com grande volume de água salobra.

7) Lagoa da Conceição (Debenay et al., 1997) Nas regiões mais rasas e nos bancos arenosos: Ammotium salsum*,
27°30’ - 27°37’S - 48°25’ - 48°29’W - Santa Catarina. Laguna Miliammina earlandi°, Pseudoclavulina sp.”, Gaudryina exilis”.
parcialmente fechada, conectada ao mar por um canal artificial, Canal oeste e no sistema sul: Elphidium gunteri*.
estreito e extenso de 2 km de comprimento. Devido a essas condições No lado oeste e nas partes mais profundas (nas depressões):
fisiográficas, as trocas realizadas com o mar são muito reduzidas. Ammonia tepida*.
Apresenta área de 19,2 km 2 , 13,5 km de comprimento e (Obs. Sem padrão de distribuição horizontal).
profundidades média de 4 m e máxima de 8,7 m.

8) Araruama (Barbosa, 1997; Debenay et al., 2001c) Canal Itajuru e em frente a Iguaba Grande: predominância de
22°50’ - 22°57’S - 42°00’ - 42°44’W - Rio de Janeiro. É a maior Cribroelphidium poyeanum*.
laguna hipersalina do Brasil e uma das maiores do mundo. Apresenta Parte norte e oeste: predominância de A. tepida*.
área de 210 km2, mais 65 km2 de salinas. Possui cerca de 47 km de Parte sul: Triloculina oblonga*.
comprimento, largura máxima de 14 km2, profundidades média de 3 (Obs. Sem padrão de distribuição horizontal).
m e máxima de 17 m. Comunica-se com o mar por um canal estreito
e raso de 4 m de profundidade (Canal de Itajuru). Na parte norte e
oeste da laguna, estão situadas as cidades de Araruama, Iguabinha,
Iguaba Grande e São Pedro da Aldeia. Na parte sul, há várias enseadas
delimitadas por pontais arenosos (Saco Tiririca, Enseada Acaíra,
Enseada das Gaivotas e dos Tucuns).

com baixios, ilhas e a própria rede complexa de canais. aglutinantes.


Isso possibilita o estabelecimento gradual de ambientes Nesses sistemas estuarino-lagunar, ou lagunas
cada vez mais confinados, a medida que se distancia da mais complexas, as espécies Arenoparrella mexicana,
desembocadura estuarina ou lagunar. Por esse motivo, Haplophramoides wilberti, Ammotium salsum,
há substituição gradativa das espécies calcárias pelas Gaudryina exilis são freqüentemente encontradas vivas

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Quaternário do Brasil

Tabela 9.3. Principais trabalhos sobre foraminíferos e tecamebas recentes realizados em manguezais brasileiros.

MANGUES ESPÉCIES DOMINANTE*, SUBDOMINANTEº


LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA E ACESSÓRIA“

1) Baía de Paranaguá: Ilha do Mel, Ilha Guaramiranga de Miliammina fusca* e Arenoparrella mexicana* são as espécies
Dentro, Ilha das Rosas, Rio Baguaçu, Rio Guaraguaçu, Rio dominantes, distribuindo-se desde as regiões eurialinas a polialinas.
Almeida e Rio da Cachoeira (Disaró et al., 1999) Trochammina inflata°, Ammotium directum°, Gaudryina exilis° e
25°10’ - 35’S - 48°10’ - 45’W - Paraná Ammotium salsum° tendem a ser mais abundantes nas regiões
Baía margeada por manguezais e pântanos salobros. Os bosques des- eurialinas.
ta região apresentam gradiente em termos estruturais, com indivídu- Ammonia tepida” e Elphidium spp.” ocorrem nas áreas polialinas e
os mais altos, margeando a baía e a jusante dos rios. Rhizophora eurialinas.
mangle, Laguncularia racemosa e Avicennia schaueriana são as
espécies que compõem o bosque da região.

2) Guaratuba (Scott et al., 1990) Transecto I (região com vegetação espaçada): Parte superior
25°S - 48°36’W - Paraná. Manguezais constituídos por Laguncularia do mangue: Trochammina inflata*, Haplophragmoides spp.*
racemosa e Rhizophora mangle. A região superior do mangue é Franja do manguezal: Arenoparrella mexicana*, Ammotium
dominada por Scirpus sp. salsum*.
Transecto II (região com mangue denso): Parte superior:
Haplophragmoides sp.*.
Franja do manguezal: Arenoparrella mexicana*, Ammotium
salsum*, Ammoastuta inepta°.

3) Rio Baguaçu (Eichler & Bonetti, 1995) Mangue denso alto, correspondente à franja do manguezal:
24°59’S - 47°53’W - São Paulo. Trata-se de um pequeno córrego Gaudryina exilis*, Tiphotrocha comprimata, Difflugia oblonga, D.
escavado pelas marés (gamboa ou marigot), situado na Ilha Compri- urceolata”, Haplophragmoides manilaensis”, Reophax nana”.
da, na porção sul do sistema lagunar de Cananéia-Iguape (SP). É um Mangue denso baixo, correspondente ao mangue mais disperso:
córrego bastante sinuoso, cujas margens são bordeadas por manguezais M. fusca°, T. inflata”, A. salsum”, A. mexicana”, H. wilberti”.
extensos e preservados.

4) Rio Verde (Duleba, no prelo) Mangue externo: Miliammina fusca*, Arenoparrella mexicana°,
24°33’S - 47°13’W - São Paulo. Manguezais pouco extensos, restri- Haplophragmoides wilberti°.
tos à porção inferior do estuário. Constituído por Rhizophora mangle,
Laguncularia racemosa e Avicennia schaueriana.Presença de pe-
quenos bancos de S. alterniflora.

5) Rio Una (Duleba & Debenay, 2003) Mangue externo: A. tepida*, Cribroelphidim gunteri*, M. fusca*,
23°33’S - 46°43’W - São Paulo. A porção inferior do Rio Una A. salsum°.
caracteriza-se por apresentar mangues bem desenvolvidos,
estruturados e preservados. Nessa porção, encontra-se a Ilha do
Ameixal, perifericamente recoberta por vegetação de mangue, cujas
principais espécies são: Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa,
Avicennia schaueriana. Presença de bancos pequenos de Spartina
alterniflora.

6) Rio Guaraú (Duleba & Debenay, 2003) A região do mangue exterior é dominada por espécies mixoalinas
24°22’S - 47°0’W - São Paulo. Porção inferior do rio apresenta calcárias, como A. tepida*, Cribroelphidium excavatum forma
manguezais pouco desenvolvidos, devido à presença do Morro do clavata*, Cribroelphidium excavatum forma excavata*.
Guaraú. Rumo a montante, há mangues que margeam o rio, contudo, Subordinada a essas espécies, há presença das formas aglutinantes,
estes são pouco extensos. Os bancos de Spartina alterniflora são como M. fusca° e H. wilberti°.
pequenos e esparsos.

7) Guaratiba (Zaninetti et al., 1997; Brönnimann et al., 1981a,b) Fácies mangue (externo): Arenoparrella mexicana* (70 a 92%
23°00’ - 23°03’S; 43°37’30" - 43°32’50”W - Rio de Janeiro. Planí- de cada amostra estudada), secundariamente Haplophragmoides
cie de maré, de 40 km2 de superfície, localizada na extremidade leste wilberti°, Trochammina inflata°, Miliammina fusca”.
da Baía de Sepetiba. Pode ser dividida em: 1) planície de maré supe-
rior correspondente à zona supra-maré, (fácies caranguejo/alga); e
2) planície de maré inferior, caracterizada pela presença de
manguezais bem desenvolvidos (fácies mangue). Essa planície é re-
cortada por dois tipos de canais de maré: largos, rasos (situados
próximos à Barra de Guaratiba) ou meandrantes e/ou profundos.
Presença de mangues bem desenvolvidos, constituídos principal-
mente por Rhizophora mangle.

8) Acupe (Zaninetti, et al., 1979) Espécie dominante em todos os subambientes: Arenoparrella


12°37’07” - 12°40’53”S - 38°46’10” - 38°42’30”W - Bahia maexicana*.
Planície de maré de 3 km de comprimento, localizada na parte Mangue interno: Trochamminita salsa*, Lituola salsa”,
oeste da Baía de Todos os Santos. Rios e vários canais de maré P.ipohalina°, tecamebas°.
atravessam a planície (e.g. rios São Gonçalo, São Brás e Acupe), Mangue interno a sub-externo: Ammoastuta salsa°, A. inepta°.
formando ilhotas, que se individualizam durante a maré baixa. Mangue subexterno: Miliammina fusca*, Ammotium salsum°.
Recoberto por exuberante manguezal, constituído por Laguncularia Mangue externo (Baía): Trochammina inflata*,
racemosa. Subordinada a esta espécie, ocorre Avicennia nitida, Haplophragmoides wilberti°, Siphotrochammina lobata*.
sempre situada em regiões mais elevadas nas ilhotas. Rhizophora Baía (marinha): Rotaliina*, Miliolina°.
mangle é praticamente ausente nessa planície, devido a sua extra-
ção indiscriminada.

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.4. Tipos de distribuição de foraminíferos e tecamebas recentes, em estuários, lagunas e planície de maré
(Foraminíferos calcários = hialinos e porcelanáceos). Nota: As numerações referentes aos tipos de distribuição dos
foraminíferos e tecamebas foram dividididas de acordo com a intensidade e a importância das correntes de marés.
TIPOS DE DISTRIBUI-
ÇÃO DE FORAMI-
NÍFEROS E TECA- PORÇÃO SUPERIOR E/OU EXEMPLOS DE ESTUÁRIOS,
MEBAS EM AMBIEN- ÁREAS COM FORTE APORTE LAGUNAS E CANAIS FLU-
TES PARÁLICOS PORÇÃO INFERIOR PORÇÃO MÉDIA DE ÁGUA DOCE VIAIS BRASILEIROS

1 Foraminíferos calcários Foraminíferos mixoalinos Foraminíferos aglutinantes e/ou São Francisco do Sul,
marinhos e/ou mixoalinos e aglutinantes tecamebas Itajaí, Paranaguá,
Guaratuba, Baía da La-
ranjeiras, Cananéia-
Iguape, Itapitangui, San-
tos-São Vicente,
Bertioga, Rio São
Mateus, Rio Mariricu,
Camamu, Rio Piauí, La-
goa dos Patos,
Tramandaí, Itacolomi,
Guaratiba
2a Foraminíferos calcários Foraminíferos calcários Miliammina fusca e/ou Rio Verde, Rio Una (inver-
marinhos e mixoalinos mixoalinos (ocorrência tecamebas (escassez ou au- no), Rio Guaraú Lagoa
de alguns marinhos) sência de outros aglutinantes) Santo Antônio e Imaruí
2b Foraminíferos calcários Foraminíferos calcários Miliammina fusca e/ou Rio Uma (verão)
marinhos e/ou tecamebas mixoalinos (ocorrência tecamebas (escassez ou au-
de alguns marinhos) sência de outros aglutinantes)
2c Foraminíferos calcários Tecamebas Tecamebas Chuí
mixoalinos e aglutinantes
e tecamebas
2d Foraminíferos aglutinantes Tecamebas Tecamebas Lagoa Mirim, Bacia
Hidrográfica de Itanhaém
2e Tecamebas Tecamebas Tecamebas Lagoa Barros, Rio Doce
Sem padrão horizontal Lagoa da Conceição, Lagoa
de Araruama

no canal estuarino e lagunar, sendo muitas vezes com influência marinha forte (padrão 2a) a um ambiente
dominantes na associação local (Tabelas 9.1 a 9.3). dominado inteiramente por água fluvial (padrão 2e, cuja
Nessas regiões, as correntes de maré são relativamente vazão e o volume de água doce é tão grande que impede
fracas, favorecendo a deposição de sedimentos finos e a entrada da maré).
ricos em matéria orgânica, o que propicia a ocorrência O padrão 2a caracteriza-se pela presença de
de foraminíferos aglutinantes. As espécies calcárias não foraminíferos calcários marinhos e mixoalinos na região
conseguem se adaptar a essas condições por causa do da desembocadura, os quais vão diminuindo
excesso de matéria orgânica e conseqüente atividade progressivamente rumo a montante (Tabela 9.4). Na
bacteriana, que abaixa o pH do sedimento, dissolvendo região superior ou próxima a pequenos riachos, os
o carbonato de cálcio das testas. Esse padrão de foraminíferos calcários mixoalinos são substituídos por
distribuição também é o principal padrão de distribuição Miliammina fusca e tecamebas. À exceção de
dos foraminíferos de regiões parálicas de micro e Miliammina fusca, as formas aglutinantes são muito
mesomaré, temperadas (Canadá, Inglaterra e França), raras no leito do canal estuarino ou lagunar. Esse padrão
tropicais (África) e subtropicais (Vietnã, África e de distribuição ocorre nos estuários de micromarés da
Austrália) (revisão em Debenay et al., 2000 e Debenay região da Juréia (estuários dos rios Guaraú, Una e Verde
& Guilou, 2002). - SP) e nas Lagoas Santo Antônio e Imaruí (RS).
O segundo padrão de distribuição observado na Nos estuários da Juréia, as correntes de maré
costa brasileira é bem diferente do primeiro, pois não são fortes e atingem até a região superior do ambiente.
há passagem gradativa entre as associações calcárias e A estratificação salina é moderada a forte. Nesses
aglutinantes (Tabela 9.4). Esse padrão foi dividido em ambientes, há predominância de sedimentos arenosos
cinco sub-categorias, de acordo com o grau de e pobres em carbono orgânico ao longo do canal
influência de águas marinhas (Tabela 9.4). Do padrão estuarino. Por esse motivo, há predomínio de formas
2a ao 2e, há gradientes que abrangem desde ambiente calcárias e a quase ausência de foraminíferos

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Quaternário do Brasil

aglutinantes, mesmo em regiões mais confinadas, como Apesar da aparente semelhança fisiográfica e
ao redor da Ilha do Ameixal (estuário do rio Una), onde hidroquímica dos rios da BHI com os da Juréia,
ocorre dominância de formas calcárias, pois nessa constata-se sensível diferença na composição faunística
região há presença de uma soleira que propicia o e no padrão de distribuição dos foraminíferos e
aprisionamento de águas mais salinas no fundo. Esse tecamebas nesses rios. A presença de foraminíferos
ambiente de forte estratificação é ideal para calcários marinhos e mixoalinos demonstra claramente
desenvolvimento de Ammonia tepida (Debenay et al., que os rios da Juréia são mais influenciados pelas
1998; Duleba & Debenay, 2003). Nesses estuários da correntes de maré. Isto ocorre porque a declividade do
Juréia (SP), apesar do regime de micromarés, o padrão assoalho estuarino, a vazão das águas fluviais e a carga
de distribuição da microfauna é muito semelhante aos fluvial dos rios Una e Guaraú não chegam a formar
padrões encontrados nos estuários argentinos de uma barreira que impeça a penetração de águas mais
mesomaré do Rio da Prata e do Rio Quequen Grande salinas, diferente do que ocorre no Rio Itanhaém.
(Boltovskoy & Boltovskoy, 1968; Boltovskoy & Lena, No padrão 2e, são observadas somente
1971, 1974a,b) e ao de macromaré em regiões tecamebas ao longo do canal fluvial ou lagunar (Tabela
temperadas do Hemisfério Norte (Boltovskoy & Wright, 9.4). Esse tipo de distribuição ocorre no rio Doce e na
1976; Murray, 1991; Debenay & Guilou, 2002). lagoa Barros. No Rio Doce, não há praticamente
O padrão 2b é uma variação do padrão 2a, onde penetração de correntes de maré (Petri, 1979). A ação
foraminíferos marinhos e tecamebas são dominantes, das marés reflete-se apenas no represamento das águas
na região da desembocadura (Tabela 9.4). Na porção do rio na barra. Mesmo nas marés de sizígia, existe um
intermediária, os foraminíferos mixoalinos são fluxo de correntes fluviais para jusante. Como resultado,
abundantes e os foraminíferos aglutinantes e tecamebas a penetração de água salgada no Rio Doce é quase nula,
quase ausentes. Rumo a montante, os foraminíferos que só tem lugar, em grau atenuado, nas preamares
mixoalinos são substituídos por M. fusca e pelas muito fortes, simultâneas com períodos de estiagem,
tecamebas. Esse padrão é observado no estuário do rio isto é, quando o rio está muito baixo e com pequena
Una durante o período chuvoso, quando aumenta o competência.
volume de água doce dos rios que desembocam no
estuário. 3.2. Baías Costeiras, Regiões de Plataformas
No padrão 2c, os foraminíferos calcários Interna, Externa e Carbonática
mixoalinos e aglutinantes são dominantes na região da Os principais estudos sobre foraminíferos
desembocadura, havendo, inclusive, nessa região, recentes realizados na plataforma continental brasileira
algumas carapaças de foraminíferos calcários marinhos estão sintetizados nas Tabelas 9.5 a 9.7. A composição
e tecamebas (Tabela 9.4). Rumo a montante, ocorrem faunística das associações de foraminíferos da
somente tecamebas. Esse padrão é encontrado na região plataforma brasileira e seus respectivos padrões de
do Chuí (RS). Esse tipo de distribuição indica que a distribuição são mais bem compreendidos se são
influência marinha se restringe à região da porção inferior, contextualizados em zonas biogeográficas A costa
onde há forte estratificação que favorece aos calcários brasileira está inserida na Província Biogeográfica das
mixoalinos. As correntes de maré não conseguem Índias Ocidentais, também denominada Antilhana,
penetrar a montante devido ao volume relativo elevado Caribenha ou Caraíbica (Tinoco, 1975; Boltovskoy &
de água doce. Wright, 1976). Essa província inicia-se na região de
No padrão 2d, há apenas a ocorrência de Guayaquil (2°-3°S), distribui-se pelas costas do
foraminíferos aglutinantes na porção inferior do sistema Equador, Colômbia, Venezuela, Guianas e Brasil, até a
e o predomínio de tecamebas rumo a montante (Tabela latitude 33°S.
9.4). Esse padrão é observado no Rio Itanhaém. Nesse No Brasil, a Província das Índias Ocidentais pode
ambiente, a influência marinha não é suficientemente ser dividida, de acordo com Leipnitz et al. (1999), em:
forte para propiciar o aparecimento de formas calcárias; 1) Subprovíncia Norte, situada entre as latitudes 5° e
de modo que, na região da desembocadura, ocorrem 0° N; 2) Subprovíncia Nordeste Brasileira, de 0° à
somente foraminíferos aglutinantes. Os rios da Bacia latitude de Cabo Frio (23°S), abrangendo toda a costa
Hidrográfica de Itanhaém, SP (BHI) assemelham-se nordeste e leste do Brasil, as ilhas de Fernando de
hidroquimicamente aos rios da Juréia (padrões 2a e 2b), Noronha e Trindade, o arquipélago de Abrolhos e o
sendo classificados como escuros (Rio Preto, Rio Atol das Rocas; e 3) Subprovíncia Sul-Brasileira, que
Aguapé), brancos (Rio Branco) e claros (Rio Itanhaém, se prolonga do paralelo 23°S ao 33°S, onde começa a
Rio Acima, Volta Deixada e Rio Guaú) (Oliveira, 1999). Província biogeográfica Sul-Americana Atlântica.

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.5. Principais trabalhos sobre foraminíferos recentes realizados em regiões de plataforma interna do Brasil.

BAÍAS COSTEIRAS E PLATAFORMA INTERNA ESPÉCIES DOMINANTE* E ACESSÓRIA“


LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA

1) Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul (Boltovskoy, 1959; Associação XIII: localizada na região de Cabo Frio: dominância
Vicalvi & Milliman, 1976) de Quinqueloculina agglutinata, Q. horrida, Q. atlantica, Q.
18°00’ - 34°00’S - 56°00’ - 48°00’W - RJ ao RS. Larguras variá- horrida, Q. seminulum, Pyrgo patagonica, P. peruviana, P.nasuta,
veis entre 90 e 180 km, apresentando declividade entre 1 e 2 m/km. Triloculina tricarinata, Bulimina marginata, Cibicides lobatulus.
Associação XIV: região de Cabo Frio até Itajaí : dominância de
Bulimina marginata*, secundariamente Quinqueloculina
agglutinata, Q. horrida, Q.atlantica, Q. lamarckiana, Q. seminulum,
P. nasuta, T. tricarinata, Pseudononion atlanticum, Cribroelphidium
discoidale, Buccela peruviana campsi, B. frigida.
Associação XV: norte de Santa Catarina: Quinqueloculina spp.,
P. atlanticum*, Cribroelphidium discoidale*.
Associação XVI: sul de Santa Catarina e norte do Rio Grande do
Sul: Bulimina marginata*, Ammonia rolshauseni*, P.atlanticum*,
C. discoidale, Buccella peruviana campsi, Cancris sagra.
Associação XVII: Rio Grande do Sul: B. marginata, P. atlanticum,
Buccella peruviana campsi, B. frigida, Rolshauseni rolshauseni.

2) Canal de São Sebastião (Eichler et al., 1995a) Lado continental: Buliminella elegantissima, Fursenkoina
23°40’S - 45°30’W - São Paulo. Feição alongada de 25 km de compri- pontoni, P. atlanticum.
mento, que separa o continente da Ilha de São Sebastião. Apresenta Porção central e lado insular: Bulimina marginata e aumento
larguras variáveis entre 2 e 7 km. Seu eixo, onde estão as maiores das espécies da epifauna, como Cancris sagra, Hanzawaia
profundidades (30 a 50 m), está deslocado para o lado insular, já as boueana, Miliolinella subrotunda, Poroeponides lateralis, Pyrgo
profundidades menores ocorrem no lado continental. As entradas nor- spp., Triloculina spp.
te e sul apresentam 25 e 20 m de profundidade, respectivamente.

3) Enseada do Mar Virado (Sanches, 1992) Ammonia beccarii multigranulata*, Cassidulina subglobosa°,
23°22’ - 23°33’S - 45°9’48” - 45°12’36”W - São Paulo. Embaiamento Globigerinita uvula“, Discorbis williamsoni”.
de formato retangular, voltado para SSE, com desembocadura de 6 km
de largura. As maiores profundidades encontram-se em sua desembo-
cadura (10 m). O perfil batimétrico traçado em sua desembocadura
indica a existência de uma pequena assimetria, estando as maiores
profundidades deslocadas para sua extremidade oeste. A porção mais
interna da Enseada do Mar Virado recebe a descarga de duas bacias de
drenagem: do Rio Maranduba, a oeste, e do Rio Lagoinha, a nordeste.

4) Enseada da Fortaleza (Sanches, 1992) Bulimina marginata*, Ammonia beccarii multigranulata°,


23°29’30” - 23°29’30”S - 45°7’ - 45°9’W - São Paulo. Desembo- Discorbis williamsoni°, Cassidulina subglobosa, Bolivina
cadura de 5 km de largura, voltada para SSE, que se afunila pro- pulchella.
gressivamente em direção aos rios Claro e Escuro. A desemboca-
dura apresenta perfil simétrico, de declividade suave. Profundi-
dades máximas de 11 m (desembocadura); em direção ao interior
da enseada, as isóbatas assumem a conformação geral da linha de
costa.

5) Enseada do Flamengo (Sanches, 1992; Duleba et al., 1999) Elphidium articulatum, Bolivina pulchella, D. williamsoni,
23°29’12” - 23°31’30”S - 45°05’W - São Paulo. Ambiente Buliminella elegantissima, Pseudononion atlanticum, C.
semiconfinado, pouco profundo (prof. máx. de 14 m), largura mé- subglobosa.
dia de 2,5 km e bastante abrigado da penetração de ondas S, SW e E,
devido à presença das ilhas Anchieta e do Mar Virado. Apresenta
desembocadura com perfil assimétrico, estando as maiores profun-
didades situadas na extremidade oeste. Abriga a Praia da Enseada, a
nordeste, e duas pequenas baías: Saco do Perequê Mirim, a norte, e
o Saco da Ribeira, a noroeste. A rede de drenagem local é constitu-
ída por pequenos cursos d´água e pelo Rio Perequê Mirim.

6) Enseada de Ubatuba (Sanches, 1992) A. beccarii multigranulata, B. elegantissima,


23°27’36” - 23°25’12”S - 45°03’ - 45°04’W - São Paulo. Carac- D. williamsoni, E. discoidale, C. subglobosa.
teriza-se por ser um dos embaiamentos mais abertos ao mar de
Ubatuba. É exposto às ondas E e abrigado das ondas S e SE. A
desembocadura apresenta 4,4 km de largura, perfil batimétrico
assimétrico, com maiores profundidades situadas próximo à Pon-
ta Grossa. A porção interna apresenta profundidades de até 10 m
(Ponta do Surutuva).

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Quaternario do Brasil.PMD 189 18/1/2008, 11:05


Quaternário do Brasil

Tabela 9.5. (cont.).


BAÍAS COSTEIRAS E PLATAFORMA INTERNA ESPÉCIES DOMINANTE* E ACESSÓRIA“
LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA

7) Baía de Sepetiba (Suguio et al., 1979; Brönnimann et al., Biofácies 1: Cribroelphidium spp.*, Ammonia beccarii*,
1981b; Dias-Brito et al., 1988) Gaudryina exilis” , Quinqueloculina sp.”
22°51’ - 23°15’S - 43°33’ - 44°10’W - Rio de Janeiro. Baía Biofácies 2: Ammonia beccarii*, Cribroelphidium spp.*, G. exilis”,
semi-aberta com 305 km2 de área, limitada a norte pelo conti- Quinqueloculina sp.”, Ammobaculites exiguus”, Trochammina sp.”.
nente, a leste pela planície de maré de Guaratiba, a oeste por um Biofácies 3: G.exilis*, A.beccarii”, Cribrioelphidium spp.”,
cordão de ilhas e a sul pela Restinga da Marambaia (ilha barreira Trochammina sp.”, Asterotrochammina camposi”.
de 40 km). Profundidade máxima de 30 m encontrada nos canais Biofácies 4: Quinqueloculina sp.*, A. beccarii multigranulata”,
entre as ilhas de Itacuruçá e Jaguanum e a ponta da Pombeba. Asterotrochammina sinuosa”, Edentostomina sp.”.
No interior da baía, as profundidades diminuem gradativamente Biofácies 5: Ammonia rolshauseni (=Rolshausenia)*, Cribroelpiidum
de oeste para leste, do centro para as bordas. Nas proximidades spp.*, A. beccarii”, Bulimina marginata”, Nonionella spp.”.
da desembocadura de Guaratiba, as profundidades estão em Biofácies 6: A. rolshauseni*, Cribroelphidium spp.”, Nonionella spp.”.
torno de 1 a 2 m. Biofácies 7: Textularia sp.*, Cribroelphidium spp.”, Nonionella spp.”.

8) Baía da Guanabara (Vilela et al., 1999) Parte norte da baía (Ilha do Governador, Baixada Fluminense e
A superfície de 400 km, perímetro de 131 km e largura de 1 a 15 milhas. Niteroí): Elphidium discoidale, Ammonia beccarii, Parrelina sp.,
Nela deságuam 55 rios e encontram-se 82 km2 de importantes áreas de Arenoparrella mexicana, Pseudothurammina limnetis.
manguezal. O fundo da baía é coberto por uma camada de lama, que
pode alcançar até 10 m de espessura. Sedimentos arenosos são encon-
trados apenas nos trechos mais profundos do canal. As profundidades
média e máxima são de 7,6 m e de 50 m, respectivamente.

9) Região de Cabo Frio (Tinoco, 1955) Textularia agglutinans, Quinqueloculina candeiana, Erichsenella
22°52’46”S - 42°01’07”W - Rio de Janeiro. Situado na baixada lito- kegeli, Triloculina subrotunda, Pyrgo nasuta, P. patagonica, P.
rânea a sudeste do Estado do Rio de Janeiro, limita-se a norte com subsphaerica, Pseudononion grateloupi, Cribroelphidium spp.,
Casimiro de Abreu, a sul com Arraial do Cabo, a oeste com Araruama Crysalidenella dymorpha, Discorbis isabelleana, Globigerina rubra.
e São Pedro da Aldeia e a leste com Búzios. Clima semi-árido.

10) Delta do Rio Doce (Petri, 1974; 1979) Ambientes marinhos (parte submersa do delta):
18°30’S - 40°15’W - Espírito Santo. Área deltaica formada por pro- 1) Baías e ambientes marinhos situados nas desembocadu-
cessos construtivos marinhos/ fluviais. É classificado como delta ma- ras dos rios: Brizalina striatula, Quinqueloculina seminula.
rinho altamente destrutivo dominado por ondas. O nível de energia é 2a) Prodelta - Ambientes lamosos e com profundidades abaixo de 20 m:
alto e a atuação das ondas é perpendicular à costa, porém o nível de Associação: Ammonia catesbyana, Gavelinopsis, Ampelisca, Hemiopholis.
energia do fluxo fluvial excede o do mar de tal modo que sua carga, do 2b) Ambientes arenosos e com profundidades abaixo de 20
ponto de vista da competência, jogada ao mar é maior que a disponibi- m: Associação: Ammonia, Gavelinopsis, Astropecten marginatus.
lidade energética do meio receptor para distribuí-la igualmente pela 3) Ambientes de 18 a 70 m de profundidade: Globocassidulina,
costa. Hanzawaia, Nebalia, Phoxocephalopsis.
4) Ambientes de recifes: Peneroplidae, Siphonnidae, Ophiostigma.

11) Baía de Aratu (Leão & Bittencourt, 1977; Carboni et al., 1979) No canal que conecta as baías de Aratu e de Todos os Santos:
12°49’ - 12°45’S - 38°24’ - 38°32’W - Bahia. Baía pequena (área de 20 Poroeponides lateralis°, Ammonia spp.”, Cribroelphidium
km2) conectada à Baía de Todos os Santos por um longo e estreito canal. poyeanum”, Quinqueloculina poyeana”, Rosalina isabelleana”,
Apresenta aspecto recortado com várias enseadas, sacos e pontas salien- Amphistegina gibbosa”, Heterostegina depressa”.
tes. Pode ser dividida em quatro zonas distintas: 1) corpo principal, zona Parte central da baía: Ammonia spp.”, Cribroelphidium spp.”.
de águas, com profundidades de 3 a 10 m; 2) enseadas, com profundida- Porção inferior: Ammonia beccarii”, Elphidium galvestonese”, Textularia
des inferiores a 5 m; 3) zonas de desembocadura dos cursos d’ água; 4) agglutinans”, T. earlandi”, Bolivina compacta”, B. dotiana”, Brizalina
canal com profundidades de até 50 m. Caracteriza-se pela ausência de striatula”, Cornuspira involvens”, Triloculina oblonga”, T. consobrina”.
praias, sendo suas margens ocupadas por estreitos manguezais. Pode ser Porção média: sem foraminíferos.
considerada como ambiente de fraca energia e águas calmas. Porção superior: sem foraminíferos.

12) Baía de Todos os Santos (Figuêredo & Machado, 1999) Ammonia beccarii, Textularia gramen, Quinqueloculina pricei,
12°35’S - 13°7’30”W - Bahia. Imensa baía semi-aberta com 972 Triloculina oblonga, Cibicides pseudogerianus, Bolivina striatula,
km2 de área e 200 km de perímetro, recortado por inúmeras ense- Cibicides pseudogerianus. Área central da Baía de Todos os San-
adas (e.g. Iguape e Aratu), ilhas (30) e desembocaduras de rios tos: Elphidium poeyanum, Discorbis mira.
(21). Profundidade média 6,9 m (maior profundidade 102 m).

13) Litoral de Salvador e litoral norte da Bahia (Machado et Textularia agglutinans, T. gramen, T.candeiana, T. kerimbaensis,
al., 1997*) *estudo realizado somente com aglutinantes Bigenerina nodosaria, Dentostotomina enoplostoma,
12°30’ - 12°30’S - 38°00 - 38°30’W - Bahia. Parte rebaixada do Pseudoclavulina humulis, Quinqueloculina agglutinans, Q.
gráben de Salvador onde estão situadas as praias da Ribeira, Penha e horrida,
Boa Viagem, e na porção mais elevada as praias dos rios Vermelho, Schlumbergerina alveoliniformis.
Itapuã, Arembepe e Guarajuba. A costa é recortada por enseadas e
cabos rochosos na região entre a Praia Ribeira e o Rio Vermelho,
tornando-se mais retilínea no restante da área. O estirâncio é mais
largo a partir do Rio Vermelho até o Rio Guarajuba, onde as águas são
mais agitadas. No Rio Vermelho, a costa é limitada por falésias.

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.6. Principais trabalhos sobre foraminíferos recentes realizados em regiões de plataforma externa do Brasil.
PLATAFORMA EXTERNA ESPÉCIES DOMINANTES
LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA

1) Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul (Boltovskoy, 1959; Associação I: localizada na região de Vitória. Constituída predomi-
Vicalvi & Milliman, 1976) nantemente por espécies tropicais, com a dominância de:
18°00’ - 34°00’S - 56°00’ - 48°00’W - RJ ao RS Amphistegina lessoni, A. radiata, Homotrema rubrum, Gypsina
Larguras variáveis entre 90 e 180 km, apresentando declividade vesicularis, Peneroplis carinatus e dos miliolídeos Quinqueloculina
entre 1 e 2 m/km. parkeri, Q. cuvieriana, Q. horrida, Q. disparilis curta, Pyrgo de-
pressa, P. ringens, P. peruviana, Spiroloculina antillarum.
Associação II: localizada na região de Cabo Frio. Sensível diminuição das
espécies tropicais, dominância de: Quinqueloculina sawanesis, Q. bradyana,
Pyrgo subsphaerica, Amphistegina lessoni, Spaerogypsina sp., Discorbis
obtusus, Cassidulina subglobosa, Spiroplectammina floridana.
Associação III: Rio de Janeiro a São Paulo. Dominância de espécies
aglutinantes subtropicais: Cuneolina sp., Textularia candeiana, T. lateralis,
Spiroplectammina floridana, Textulariella conica, Bigenerina nodosaria,
Canepaia brasiliensis, Gaudryina aequa irregularis, Gaudryina atlantica,
Carpenteria proteiformis, Pseudoclavulina mexicana.
Associação IV: Paraná a Santa Catarina. Dominância de espécies
aglutinantes e secundariamente de calcárias hialinas: Cuneolina sp.,
Ammoscalaria pseudospiralis, Gaudryina aequa irregularis, G.
atlantica, Pseudoclavulina mexicana, Spiroplectammina floridana,
Textulariella trochus, Textularia conica, T. barretti, Canepaia
brasiliensis, Carpenteria proteiformis, Eponides antillarium.
Associação V: Rio Grande do Sul. Dominância de aglutinantes:
Cuneolina sp., Textulariella trochus, Textularia conica, Textularia
barretti, Canepaia brasiliensis, Gaudryina aequa atlantica,
Textularia candeiana, Eponides antillarium.
Associação VI e VII: Rio Grande do Sul (Lagoa dos Patos a Lagoa
Mirim): quase ausência de aglutinantes e dominância de calcários
hialinos: Cibicides pseudoungerianus, Bulimina marginata.

2) Amapá ao Chuí (Madeira-Falcetta, 1974, 1977) Latitudes inferiores a 23°S: Spiroloculina antillarum var. angulata,
34°04’ - 05°05’N; 34°31’ - 52°57’W - Amapá ao Chuí. Consul- S.mosesi, Quinqueloculina cuvieriana, Q. microcostulata, Q.parkeri var.
tar projeto REMAC: plataforma continental norte - Palma (1979); bowdenensis, Dentostomina enoplostoma, Pyrgo alata, Pyrgo tainanensis,
fundo atlântico equatorial oeste - Damuth & Palma (1979); mar- Triloculina baldai, T. reticulata forma bicarinata, T. reticulata forma sagra,
gem continental leste - França (1979); e margem continental sul - Triloculina reticulata forma typica, Articulina muilticularis, A. mucronata,
Zembruscki (1979). Peneroplis bradyi, P. proteus, Archaias angulatus, Alveolina melo, Discorbis
mira, Siphonina reticulata, Elphidium sagrum, Heterostegina
suborbicularis, Amphistegina lessonii, Gypsina vesicularis.
Latitudes superiores a 23°S: Quinqueloculina horrida, Pyrgo nasuta,
T. tricarinata, Cancris sagra, Elphidium discoidale, Hanzanwaia bertheloti,
Buccella peruviana campsi, Cibicides aknerianus, Cassidulina crassa.

3) Amapá ao Pará (Tinoco, 1971; Santos, 1972; Leipnitz, Fácies amazônica e transicional: Ammonia parkinsoniana e
1987, 1991; Leipnitz et al., 1992) Nonionella (= Pseudononion) atlantica. Fácies arenosa: espécies domi-
0° - 5°N; 47° - 51°W - Cabo Orange à Foz do Rio Amazonas. nantes: Amphistegina lessonii, Quinqueloculina disparilis var. curta;
Plataforma com largura variável, com extensão de 2.150 km. Con- espécies acessórias: Hanzawaia bertheloti, Q. horrida, Q. polygona,
figuração regional da linha de costa entre o cabo Orange (PA) e Canepaia brasiliensis, Pyrgo bulloides, Cibicidoides pseudoungerianus.
Acarú (CE) apresenta inúmeras reentrâncias e é muito recortada. A Fácies biodetrítica: Amphistegina lessonii, Spiroplectammina floridana,
porção mais reentrante do litoral (Golfão Amazônico) corresponde Quinqueloculina floridana, Quinqueloculina polygona, Hanzawaia
aos depocentros das bacias de Marajó e do baixo Amazonas. A bertheloti, Amphicoryna scalaris var. separans, Cibicidoides spp.
margem continental norte-brasileira apresenta substratos compos- Fácies de talude: Globigerina spp., Globigerionoides spp.,
tos por diferentes litologias e conteúdo biótico. Composta por Globorotalia spp., Orbulina sp., Pulleniatina sp.
cinco fácies, que se dispõem paralelas à linha de costa: 1) amazôni- Espécies mais constantes: Amphistegina lessonii,
ca; 2) transicional; 3) arenosa; 4) biodetrítica; e 5) talude. Spiroplectammina floridana.

4) Rochedos de São Pedro e São Paulo (Leipnitz et al., 1995) Discorbis mira, Amphisorus hemprichii, Miliolinella subrotunda s.l.
29°20’30” - 29°20’30”W; 0°55’03” - 0°55’15”N - São Paulo. Os
rochedos estão localizados na cadeia transversal norte da zona de
fratura de São Paulo. São pequenas ilhas isoladas no Atlântico
Equatorial e que estão apenas a 23 m acima do nível do mar, mas
a 3.500 m do fundo oceânico. Estes rochedos têm sua origem a
partir de uma falha transformante originária da Dorsal do Atlân-
tico. Distam cerca de 760 km da costa brasileira, com arranjo de
meia lua com aproximadamente 1 km de diâmetro.

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Quaternario do Brasil.PMD 191 18/1/2008, 11:05


Quaternário do Brasil

Tabela 9.6. (cont.).


PLATAFORMA EXTERNA ESPÉCIES DOMINANTES
LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA

5) Fernando de Noronha (Tinoco, 1971, 1972; Levy et al., Textularia agglutinans, T. candeiana, T. conica, Spiroloculina
1995; Rossi, 1996) antillarum, Quinqueloculina auberiana, Q.bradyana,
03°51’S; 32°25’W - Pernambuco. Arquipélago vulcânico isolado Q.lamarckiana, Q.polygona, Miliolinella subrotunda, M.
no Atlântico Equatorial Sul, sendo sua ilha principal a parte visí- webbiana, Pyrgo subsphaerica, Triloculina occidentalis, Borelis
vel de uma cadeia de montanhas submersas. Dista a 345 km do pulchra, Peneroplis pertusus, Archaias angulatus, Sorites sp.,
Cabo São Roque (RN) e a 545 km de Recife (PE). Constituído Discorbina mira, Siphonina reticulata, Planorbulina
por 21 ilhas, ilhotas e rochedos de natureza vulcânica, tem a ilha mediterranensis, Amphistegina gibbosa, Elphidium cuvillieri, E.
principal uma área de 18,4 km2, maior eixo com cerca de 10 km, sagra, Heterostegina depressa.
largura máxima de 3,5 km e perímetro de 60 km. A base dessa
enorme formação vulcânica está mais de 4.000 m de profundida-
de. A ilha principal, cujo nome é o mesmo do arquipélago, cons-
titui 91% da área total, destacando-se as ilhas Rata, Sela, Gineta,
Cabeluda, São José e as ilhotas do Leão e da Viúva. A formação do
arquipélago data de 2 a 12 milhões de anos.

6) Pernambuco, Alagoas e Sergipe (Tinoco, 1965, 1971, 1972, Fácies litorânea arenosa: Archaias angulatus, Peneroplis spp.,
1980; Santos, 1972; Tinoco & Matos, 1983) Amphistegina radiata.
8°00 - 8°20’S - Cabo de S. Agostinho e farol de Olinda (PE) Fácies de algas calcárias: espécies dominantes: Archaias
8°55’S - 11°20’W - Sergipe-Alagoas. A plataforma continental é angulatus, Amphistegina radiata forma typica e tumida, Peneroplis
relativamente estreita, com 42 km ao norte e 18 km no extremo spp.; espécies acidentais: Poroeponides lateralis, Discorbis mira.
sul, com largura média de 30 km (França, 1979). A profundidade Fácies de material organógeno: mesmas espécies citadas nas
máxima da plataforma não ultrapassa 65 m. Compõe-se de cinco fácies calcárias, dominância de: Archaias, Amphistegina, contu-
facies sedimentares: 1) litorânea - encontrada imediatamente ad- do, com maior número de espécies.
jacente à praia e numa estreita faixa ao longo da costa; 2) algal - Fácies de lama e do Rio São Francisco: Ammonia beccarii,
situada na parte norte da área; 3) organógena (constituída por Discorbis parisiensis, Elphidium spp., Bolivina spp.
fragmentos calcários de algas, moluscos, briozoários e corais) - Talude: Textulariella sp., Liebusella sp., Reophax sp., Dentalina
encontrada na porção sul e nos bordos da plataforma e no talude sp., Frondicularia sp., Robulus sp. (= Lenticulina).
superior; 4) lama - ocorre em pequenas manchas sobre a platafor-
ma; e 5) do Rio São Francisco - da foz até ao cânion profundo que
corta a plataforma.

7) Abrolhos a Macaé (D’Agostinho, 1999) Rio Paraíba do Sul: Globocassidulina subglobosa, Globigerina
18°00’ - 22°50’S; 38°12,1° - 41°19’W - Abrolhos a Macaé. Nes- bulloides, Globigerinoides sacculifer.
ta região, a plataforma apresenta larguras muito variáveis, de 250 Macaé: Glocassidulina subglobosa,G. neocarinata, Globorotalia
a 50 km, nas regiões de Abrolhos e de Cabo Frio, respectivamen- spp., Globigerina bulloides.
te. Na região de Cabo Frio, a plataforma é regular e uniforme, com Rio Doce: Globocassidulina subglobosa, Cassidulinoides bradyi,
gradiente médio na proporção de 1:1.000. Ao largo do Rio Doce, Globigerionoides sacculifer.
há a deposição de sedimentos terrígenos, que se estende até a Abrolhos: Miliolinella subrotunda, Quinqueloculina lachlarella,
plataforma externa. No trecho Vitória a Cabo Frio, o Rio Paraíba Q.lamarckiana, Globocassidulina subglobosa.
do Sul é a maior fonte de material terrígeno.

8) Monte Submarino Colúmbia (Machado & Kikuchi, 1999) Vasa composta por: Globigerinoides ruber, Globorotalia
20°48’ - 20°50S; 35°17’ - 35°22’W - Cadeia de Vitória-Trindade menardii, Orbulina universa, Homotrema rubrum, Archaias
MS Colúmbia situa-se na Cadeia de Montes Submarinos de Vitó- angulatus.
ria-Trindade, alinhamento de altos vulcânicos do fundo oceânico
com direção E-W próximo à latitude de 20°S. Os MS mais eleva-
dos da cadeia situam-se na sua extremidade oriental e formam o
conjunto de ilhas de Trindade e Martim Vaz. Os Montes mais
próximos à margem continental têm o topo aplainado e constitu-
em elevações do tipo guyot. Por se situarem dentro da zona fótica,
em profundidade às vezes inferiores a 60 m, há crescimento de
recifes nesses topos.

A principal corrente oceânica que ocorre na dependem de uma série de fatores, como energia e
primeira subprovíncia é a Corrente Norte do Brasil. direção dos ventos, força da corrente costeira,
Originária da Corrente Sul-Equatorial, a Corrente Norte topografia do fundo etc. Por exemplo, na região entre
flui para noroeste, distribuindo parte dos sedimentos e Cabo de Santo Agostinho e o Farol de Olinda (8°00’-
água do Rio Amazonas. Na segunda subprovíncia, a 8°20’S), no verão, a Corrente do Brasil desloca-se junto
principal corrente é a Corrente do Brasil. A extensão, a à costa. Já no inverno, a Corrente do Brasil é afastada
intensidade e a proximidade dessa corrente da costa da costa pelos ventos SE, surgindo uma contracorrente

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.7. Principais trabalhos sobre foraminíferos recentes realizados em regiões de plataforma carbonática do Brasil.
PLATAFORMA CARBONÁTICA ESPÉCIES DOMINANTES
LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO FISIOGRÁFICA

1) Arquipélago de Abrolhos (Leão & Machado, 1989; Sanches Amphistegina lessonii, Archaias angulatus, Articulina sagra,
et al., 1995) Clavulina tricarinata, Dentostomina antillarum, Elphidium
17°59’ -17°57’S; 38°43’ - 38°41’W - Bahia. Entre Caravelas (BA) sagrum, Pyrgo subsphaerica, Quinqueloculina lamarckiana, Q.
e São Mateus (ES), a plataforma continental se prolonga por 260 tricarinata, Textularia gramen, Triloculina reticulata.
km, formando extensos planaltos submersos com profundidades
médias de 200 m. Suas bordas elevam-se bruscamente para 50 m de
profundidade. Esses trechos mais rasos da plataforma serviram de
base para numerosos recifes de coral. O arquipélago está assentado
sobre cinco formações rochosas: ilhas Santa Bárbara, Redonda,
Siriba, Sueste e Guarita. Dispostas em arco, por serem restos da
borda de cratera vulcânica, essas formações abrigam um dos maio-
res recifes de coral do Atlântico Sul. As profundidades entre as
ilhas e no seu entorno variam de 3 a 20 m na baixamar de sizígia.

2) Atol das Rocas (Tinoco, 1971, 1975; Machado & Souza, 1994) Segundo Tinoco, as espécies dominantes são: Amphistegina
03°51’03”S; 33°40’29”W - Rio Grande do Norte. Situado a 417 km radiata, Gypsina vesicularis, Peneroplis sp., Globigerinoides
de Recife (PE) e a 148 km W de Fernando de Noronha. Atol das trilobus. Segundo os demais autores, as espécies dominantes são:
Rocas corresponde a duas pequenas ilhas em forma de elipse quase Archaias angulatus, Amphistegina lessonii, Gypsina vesicularis,
circular, com área interna de 5,5 km2. Essas ilhas são constituídas por Sorites marginalis, Heterostegina suborbicularis.
bancos algáceos, capeados por feições eólicas carbonáticas. As duas
ilhas, do Farol e do Cemitério, e o recife circular formam uma lagoa
bastante rasa. Na maré baixa, as ilhas se interligam e quase todo recife
fica descoberto, formando conjunto de lagos isolados.O atol não é
um atol verdadeiro, do tipo coralino - Pacífico, mas um recife de algas
construído sobre uma plataforma de abrasão. Seu eixo maior (E-W)
tem 3,7 km de comprimento e o menor (N-S), cerca de 2,5 km.

3) Salvador (Itapuã), Guarajuba, Arembepe (Machado, 2000) Fácies areno-biodetrítica: Amphistegina lessonii, Archaias
38°00’ - 38°30’W; 12°40’ - 13°00’S - Bahia. As contruções coral-algais angulatus, secundariamente Quinqueloculina lamarckiana, Q.
associadas a arenitos de praia são encontradas ao longo da Praia de parkeri, Q. angulata, A. gibbosa, Cibicides pseudoungerianus,
Arembepe, e as crostas carbonáticas associadas a rochas cristalinas loca- Pseudoclavulina humilis, Articulina multilocularis, Q. disparillis
lizam-se na área de Itapuã, caracterizada como pequena enseada onde curta, Q. microcostata, Poroeponides lateralis, Textularia
predominam sedimentos do tipo areia grossa e afloramentos rochosos. agglutinans, Textularia kerimbaensis, Heterostegina
suborbicularis, Globigerinoides ruber, G. trilobus.
Fácies areno-quartzosa: Archaias angulatus, Amphistegina gibbosa,
A. lessonii. secundariamente Quinqueloculina spp., Homotrema
rubrum, A. multilocularis, Triloculina sommeri, Poroeponides lateralis,
Textularia agglutinans, Glabratella brasiliensis, Heterostegina
suborbicularis, Peneroplis proteus, G. ruber.
Fácies lamosa e/ou lamo-arenosa: Ammonia beccarii,
Pseudononion atlanticum, Hanzawaia bertheloti, Lagena gracilis,
Bolivina tortuosa, Pseudononion grateloupi, Lagena aspera, Bolivina
compacta, Discorbis mira, D. floridanus, Cibicides aknerianus,
Discorbis aknerianus, D. orbicularis, D. concina, secundariamente
Amphistegina lessonii, Archaias angulatus, Quinqueloculina spp.,
Pseudoclavulina humilis, Articulina multilocularis, Poroeponides
lateralis, Textularia agglutinans, Peneroplis proteus, Siphonina
pulchra, Globigerinoides ruber, G. conglobatus, Orbulina universa.
Fácies de recife de coral: Homotrema rubrum, Quinqueloculina
bicornis, Amphistegina gibbosa, secundariamente Textularia agglutinans,
Amphistegina lessonii, Archaias angulatus, Quinqueloculina
lamarckiana, Cibicides pseudoungerianus, Poroeponides lateralis,
Reusella spinulosa, Quinqueloculina spp., entre outras.

dirigida para o norte. Em Abrolhos, a Corrente do Brasil associações de foraminíferos da Subprovíncia Norte
gera vórtices anticiclônicos devido à presença dos incluem: Amphistegina lessonii, Spiroplectammina
bancos de corais (Figueiredo & Pätzold, 1996). floridana, Canepaia brasiliensis, Quinqueloculina
As associações de foraminíferos das duas disparilis var. curta, Quinqueloculina polygona, Pyrgo
subprovíncias são compostas por espécies tropicais e nasuta, Marginulinopsis planata, Reussella spinulosa,
típicas de águas quentes (Tabelas 9.5 a 9.7). As Siphonina pulchra, entre outras. As associações de

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Quaternário do Brasil

foraminíferos bentônicos da Subprovíncia Nordeste são Q. lamarckiana, Pyrgo nasuta, P. patagonica,


constituídas por espécies típicas de áreas de Triloculina tricarinata, Nodosaria intercellularis,
sedimentação carbonática (e.g., Abrolhos e Atol da Lenticulina iotus, Bulimina marginata, Buccella frigida,
Rocas, Tabela 9.7) e temperatura acima de 14°C: Discorbis advenus, Ammonia rolshauseni, Elphidium
Archaias angulatus, Articulina multilocularis, A. discoidale, Hanzanwaia bertheloti, Pseudononion
mucronata, Peneroplis bradyi, Pyrgo alata, P. grateloupi, entre outras. De Cabo Frio rumo ao Rio
tainanensis, Spiroloculina mosesi, Spiroloculina Grande do Sul, há aumento gradativo de espécies
antillarum, Quinqueloculina cuveriana, Q. bentônicas e planctônicas típicas das correntes mais
microcostulata, Q. parkeri, Q. sawanensis, Triloculina frias, como da ACAS e das Malvinas. Entre elas, estão
baldai, T. laevigata, T. reticulata forma typica, Cassidulina crassa, Cibicides aknerianus, Buccella
Amphistegina lessonii, Elphidium sagrum, Gypsina peruviana campsi, Anomalina vermiculata,
vesicularis, Heterostegina suborbicularis, Borelis Angulogerina angulosa e os planctônicos Globigerina
pulchra e Gypsina vesicularis. As espécies planctônicas pachyderma, Globigerina bulloides, Globorotalia
típicas são Globorotalia menardii s.l., Globigerina truncatulinoides, Globorotalia conglomerata e
eggeri, Globigerinoides ruber, G. sacculifer e G. Globorotalia inflata.
conglobatus.
A principal diferença entre as associações das 4. SÍNTESE DOS PRINCIPAIS TRABALHOS
subprovíncias Norte e Nordeste é que na primeira há SOBRE OSTRACODES
predomínio de Amphistegina e Spiroplectammina, com
o concomitante desaparecimento de Archaias angulatus 4.1. Regiões Estuarinas e Lagunares
e Peneroplis spp. Já na segunda, Spiroplectammina spp. O interesse no estudo dos ostracodes mixoalinos
é inexpressiva e Archaias spp. e Peneroplis spp. são do Brasil ainda é pequeno, principalmente quando
espécies muito abundantes (Leipnitz et al., 1999). comparado com os inúmeros estudos já realizados com
Na terceira subprovíncia, a Sul-Brasileira, há foraminíferos. Há muitos problemas envolvendo o
substituição das espécies tropicais e de água quente por conhecimento de sua taxonomia, ecologia, zoogeografia
espécies subtropicais e de águas mais frias. Essa e aplicações ao monitoramento ambiental. No presente
substituição é gradativa, conforme se pode constatar trabalho, é apresentada apenas uma síntese da
em Vicalvi & Milliman (1976) e na Tabela 9.6. Em Cabo distribuição das associações mixoalinas do Sul e Sudeste
Frio, ponto extremo de inflexão da costa brasileira e do Brasil, as únicas regiões até agora estudadas, embora
local de ressurgência de correntes frias, ainda há ainda de forma muito pontual. Mesmo para essas áreas,
presença de espécies de água quente, Amphistegina desconhecem-se tanto coletas quanto artigos publicados
lessoni e Spiroplectammina floridana (Tabela 9.6). para o norte do estado de Santa Catarina e a região
No verão, na região da plataforma sul e sudeste costeira do estado do Paraná.
brasileira com profundidades maiores que 50 m, a O primeiro trabalho sobre ostracodes brasileiros,
camada de água superficial é dominada pela Água publicado por Hartmann (1955), tratou da descrição de
Tropical - AT (uma ramificação da Corrente do Brasil), umas poucas espécies marinhas e mixoalinas da região
cujas características termoalinas são 27°C de de Itanhaém (Lat. 24°11’S), litoral norte do estado de
temperatura e salinidade de 37. Nas camadas mais São Paulo. Na oportunidade, ele descreveu a espécie
profundas, ocorre a Água Central do Atlântico Sul eurialina Cyprideis multidentata, muito comum em todo
(ACAS), constituída por águas frias (T = 16°C) e salinas o Sudeste e Sul do Brasil. Somente dez anos depois,
(S = 35,5). Já em regiões com profundidades menores Pinto & Ornellas (1965) iniciaram os estudos dos
que 20 m, a camada de água superficial é dominada ostracodes mixoalinos do sistema estuarino/lagunar de
pela Água Costeira (AC), caracterizada por águas Tramandaí, no estado do Rio Grande do Sul, tendo
quentes (T = 29°C) e pouco salinas (S = 31). No descrito Cyprideis riograndensis, hoje considerada
inverno, a ACAS não penetra muito sobre a plataforma sinônimo júnior de C. multidentata. Em 1970, Pinto &
continental, sendo o domínio interior ocupado pela Água Ornellas descrevem uma nova espécie mixoalina,
Costeira, e nas isóbatas maiores que 50 m, ocorre na também de Tramandaí, denominada Perissocytheridea
camada subsuperficial intrusões da Água Tropical. kroemmelbeini. Mas foi somente com os trabalhos de
De acordo com Madeira-Falcetta (1977), as Ornellas (1974) e Ornellas & Falavena (1978), sobre
espécies bentônicas mais representativas ao sul do os ostracodes mixoalinos viventes no canal que liga o
paralelo 23°S são Textularia foliacea occidentalis, sistema estuarino/lagunar de Tramandaí com o mar (Lat.
Quinqueloculina atlantica, Q. horrida, Q. seminulum, 29°58’40’’S) e também do extremo sul do estado do

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Rio Grande do Sul, mais especificamente os do canal Das dez biofácies de ostracodes, pelo menos quatro
que une a Laguna dos Patos com o mar (Lat. 32°06’S), são tipicamente mixoalinas, e outras duas também
que se iniciou, no Brasil, o estudo de comunidades de apresentam flutuações na salinidade, embora menores.
ostracodes de ambientes transicionais. Ornellas (1974) De acordo com Dias-Brito et al. (1988), a Baía de
registrou, nas duas áreas estudadas, uma associação Sepetiba é um ecossistema tipicamente lagunar,
dominada por quatro espécies, quais sejam: C. dominado por seis espécies eurialinas: Perissocytheridea
riograndensis (=C. multidentata), P. kroemmelbeini, sp. 1 (=Whatleyella sanguinettiae; Coimbra et al.,
Cytherura sp. (=C. purperae; Ornellas & Falavena, 1994), Cyprideis riograndensis (=C. multidentata),
1978), e por Minicythere heinii, gênero e espécie Cyprideis salebrosa, Minicythere cf. M. heinii,
descritos por Ornelas (1974). Nesse mesmo trabalho, Callistocythere sp. 1 (=C. ornata; Hartmann, 1956) e
ela registrou a mesma associação para as áreas Tanella sp. (=T. gracilis; Kingma, 1948). Dentre essas
mixoalinas adjacentes à Cidade de Laguna (Lat. cinco espécies, Whatleyella sanguinettiae é a mais
28°29’S), no estado de Santa Catarina. Em todas as abundante e amplamente distribuída na baía estudada,
regiões estudadas por aquela autora, carapaças e valvas apresentando preferência pela área central, onde as águas
vazias de ostracodes marinhos ocorreram em várias são calmas e mais eualinas. Entretanto, ela é
amostras, notadamente Cytheretta sp. (=Cytheretta praticamente ausente da biofácies 10, onde as condições
punctata; Sanguinetti, 1979), tratando-se, são fortemente marinhas.
evidentemente, de fauna alóctone. O sistema estuarino/lagunar de Cananéia-Iguape
Würdig (1983, 1984) apresentou estudos sobre está localizado no extremo sul do estado de São Paulo,
a sistemática, biologia e ecologia de ostracodes de água próximo à divisa com o estado do Paraná (Lat. ~25°S),
doce e mixoalinos do sistema estuarino-lagunar de e foi estudado por Geraque (1997). Esse sistema possui
Tramandaí. As lagunas de Tramandaí e do Armazém três ligações com o Oceano Atlântico: ao norte, através
recebem água de drenagem do Rio Tramandaí, ao norte, da desembocadura de Icapara; ao centro pela
e do Canal do Camarão, ao sul. A conexão com o mar desembocadura de Cananéia; e ao sul, pela
é realizada através de um canal muito estreito e curto. desembocadura de Ararapira. A Baía de Trapandé é
A ação das marés provoca um gradiente de salinidade cercada ao sul pela Ilha do Cardoso e ao norte pela Ilha
nas lagoas, principalmente ao sul do estuário. Há também de Cananéia. Os demais corpos aquosos que também
lagoas de água doce no sistema, as quais não possuem compõem o sistema são o Mar de Cubatão, o Mar de
ligação direta com águas mixoalinas ou marinhas. Würdig Cananéia e o Mar Pequeno, todos com 1 a 3 km de
(1984) descreveu 27 espécies dessa região, além de largura e profundidade média em torno de 6 m. Esse
fornecer dados de sua distribuição espacial e sazonal último é separado do oceano pela Ilha Comprida, que
em relação a variáveis ambientais, como temperatura, se caracteriza como uma típica ilha barreira. O sistema
salinidade e substrato. Ela identificou quatro associações recebe água doce do Vale Grande, aberto artificialmente
de ostracodes, cuja distribuição espacial está fortemente em 1830, que liga o Rio Ribeira de Iguape com o Mar
controlada pela salinidade, dividindo-as em polialina (18- Pequeno, na área norte do sistema. Além disso, a região
35‰), mesoalina (0,5-18‰), oligoalina (<3‰) e límnica possui um índice pluviométrico muito elevado ao longo
(0‰). Würdig (1984) utilizou o termo mixoalina para de todo o ano, o que também contribui para o
as espécies que vivem numa região que possui incremento de água doce no sistema como um todo.
características tanto de águas poli- quanto mesoalinas. Nas regiões do Mar de Cananéia e Baía de
Na associação por ela classificada como tipicamente Trapandé/Mar de Cubatão, foram registrados valores
mixoalina, presente principalmente no canal de ligação de 23 a 30,5‰ na estação fria de 1979; no verão, onde
do sistema com o mar, encontrou as mesmas espécies o índice pluviométrico é ainda maior, tendo sido obtidos
já registradas por Ornellas (1974) —C. multidentata, valores entre 8,6 e 26,33‰ de salinidade. A composição
M. heinii, P. kroemmelbeini e C. purperae. da ostracofauna desse sistema, considerando
A Baía de Sepetiba (Lat. ~23°S) foi subdividida especialmente as espécies mais abundantes (W.
em dez biofácies de ostracodes e sete com base em sanguinettiae, Cyprideis multipunctata, Tanella gracilis
foraminíferos (Dias-Brito et al., 1988). A baía em e Minicythere heinii) é caracteristicamente mixoalina.
questão é uma área de aproximadamente 305 km², semi- Na Baía de Trapandé, onde a influência marinha é maior,
isolada do oceano por uma barreira arenosa de cerca ocorre a presença de alguns espécimens de espécies
de 40 km de comprimento. Não é muito profunda e epineríticas, destacando-se Cytheretta punctata, Keijella
possui variações na salinidade devido à chegada de águas dyction e Loxoconcha bullata. As demais espécies
continentais, trazidas especialmente pelo Rio Guandu. marinhas registradas na desembocadura de Cananéia

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Quaternário do Brasil

—Copytus sp., Cytherella sp., Cytherois sp., Cytherura de Perissocytheridea kroemmelbeini e Whatleyella
sp., Hemicytherura sp., Hulingsina sp., Necaudites sanguinettiae, embora em número muito menor. Na
triplistriatus, Neocytherideis sp., Papillosacythere região mais ao sul, próximo à Cidade de Santos, o
parallela, Pellucistoma sp. e Semicytherura sp.— Canal de Bertioga possui uma associação de ostracodes
representam apenas 5% da ostracofauna em estudo e extremamente pobre tanto em abundância quanto em
suas ocorrências podem ser consideradas como diversidade, representada por Auradilus costatus,
secundárias, isto é, muito diferente do ambiente Cornucoquimba conulata, Cyprideis maxipunctata,
francamente marinho ideal para o desenvolvimento de Cyprideis salebrosa, Minicythere heinii e Whatleyella
suas populações. sanguinettiae.
O Canal de Bertioga, com 25 km de extensão e
no máximo 1 km de largura, encontra-se numa região 4.2. Regiões Marinhas
transicional entre o litoral norte e o litoral sul do estado O estudo dos ostracodes marinhos do Brasil
de São Paulo, apresentando características desses dois iniciou-se com Brady (1880), que analisou umas poucas
sistemas. Os ostracodes desse canal foram estudados amostras coletadas no Nordeste do Brasil pela expedição
na dissertação de mestrado de Ghiselli Jr. (2000). Esse HMS Challenger, levada a cabo na segunda metade do
canal está inserido na Baixada Santista, caracterizada século XIX. Mas foi necessário quase um século para
por Suguio & Martin (1978) como uma sucessão de que novos estudos fossem publicados, ressaltando-se
planícies sedimentares separadas por pontões cristalinos o trabalho de Pinto et al. (1978), que registrou
que alcançam o mar. A mistura de águas fluviais e preliminarmente a presença de mais de 50 gêneros de
marinhas, ocorrendo entre as áreas do continente e as ostracodes neríticos, desde o Oiapoque (AP) até o Chuí
ilhas, favorece a formação de condições estuarinas. O (RS), ao longo de aproximadamente 8.000 km de costa.
gradiente de salinidade de fundo permanece em um Eles enfatizaram a ausência de ostracodes ao redor da
intervalo de alta salinidade (23 a 37‰) ao longo de todas Ilha de Marajó, no estuário amazônico, e explicaram
as estações do ano, o que não permite caracterizá-lo esse dado pelo rebaixamento da salinidade devido ao
como um ambiente estuarino clássico. Sendo um local grande fluxo de água doce. A esse trabalho, seguiram-
de baixa energia e com margens e porções internas se vários estudos da taxonomia de determinados gêneros
adequadas, há ali o desenvolvimento de um grande de ostracodes, com a descrição de várias espécies
manguezal. (Chukewiski & Purper, 1985a,b; Coimbra & Ornellas,
A ostracofauna encontra-se distribuída em três 1987, 1989; Purper & Ornellas, 1987a,b, 1989; Ramos,
compartimentos ao longo do Canal de Bertioga, tanto 1994, 1996; Fauth & Coimbra, 1998; Coimbra &
no inverno quanto no verão. Pode-se observar, ainda, Carreño, 2002; Coimbra & Carmo, 2002; Coimbra &
variação na distribuição das espécies ao longo do canal, Fauth, 2002).
ocorrendo concentração de espécimens e espécies na O primeiro trabalho tratando da zoogeografia
região norte, onde o canal se encontra com o mar. A destes microcrustáceos em nível de espécie na
maior concentração de indivíduos e a maior diversidade plataforma brasileira, foi o de Coimbra & Ornellas
ocorrem nessa região, sendo Cytheretta punctata as (1989). Estudando a subfamília Orionininae, os autores
espécies dominantes, seguidas por Callistocythere descreveram sete espécies e delimitaram três
litoralensis, Caudites ohmerti e Cytherella sp. associações, denominadas1 norte/nordeste (ao norte de
Ocorrem, ainda, uns poucos espécimens de Auradilus Ilhéus, BA, Lat. 15°S), transição (entre Ilhéus e Cabo
costatus, Caudites obliquecostatus, Copytus sp., Frio, RJ, Lat. 23°S) e sul (desde Cabo Frio até o Chuí,
Coquimba bertelsae, Cornucoquimba conulata, RS, Lat. 33°41’S). Esse artigo ainda estabeleceu, embora
Cushmanidea variopunctata, Cyprideis salebrosa, preliminarmente, as bases para os estudos posteriores
Cyprideis maxipunctata, Hemicytherura sp., sobre a distribuição dos ostracodes marinhos no Brasil.
Loxoconcha bullata, Loxocorniculum tricornatum, Essa associação de transição tem sido sistematicamente
Macrocyprina sp., Neocaudites triplistriatus, confirmada mais recentemente (Ramos, 1994, 1996;
Oculocytheropteron sp., Papillosacythere parallela, Coimbra et al., 1995).
Pellucystoma ex gr. magniventra, Protocytheretta A associação norte, também chamada por
multicostata, Puriana variabilis, Urocythereis Coimbra et al. (1999a,b) de ostracofauna da plataforma
dimorphica, Semicytherura sp. e Triebelina sertata. equatorial, está situada entre o limite internacional do
O compartimento central, tipicamente mixoalino, é
dominado por Cyprideis salebrosa e Cyprideis 1 Estes limites incluem a pequena modificação introduzida por
maxipunctata, sendo também importante as presenças Coimbra et al. (1994) no limite sul da associação de transição.

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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Rio Oiapoque (AP) e o Cabo de São Roque (RN), e tem Neomonoceratina m. mediterrânea, têm sua origem
sido estudada em separado da associação nordeste, por provável no Oceano Indo-Pacífico, enquanto Kangarina
eles denominada ostracofauna da plataforma leste (Cabo abyssicola e Paracytheridea tschoppi são tipicamente
de São Roque até Ilhéus, BA). Os motivos para essa tetianas. Essas espécies experimentaram um longo
separação são apenas de ordem prática, pois há um período de estase e dispersão geográfica, ainda pouco
enorme volume de amostras para serem estudadas e o estudada. A despeito de serem cosmopolitas, essas seis
Laboratório de Ostracodes Fósseis e Recentes do espécies são componentes minoritários nas associações
Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio onde se fazem presentes, com exceção de
Grande do Sul tem realizado esses estudos por etapas. Paracytheridea tschoppi, muito abundante na
Até o presente, a plataforma norte é a melhor estudada, plataforma equatorial brasileira. Ainda que pendente de
mas também nessa região ainda resta um certo número estudos adicionais, parece correto afirmar que as
de espécies mais raras, provavelmente em torno de 20, ostracofaunas das plataformas equatorial e leste do Brasil
que ainda não foram descritas. A plataforma sul foi pertençam ao que é denominada Província Caribenha,
mais detalhadamente estudada na tese de doutorado de não só pela grande similaridade genérica, mas também
Ramos (1998), e mais de 30 espécies novas também pelo número considerável de espécies comuns ao Mar
aguardam para ser formalmente descritas. As duas do Caribe e às áreas em tela no Brasil (Coimbra et al.,
regiões menos conhecidas são a de transição e a leste, 1999a,b; Wood et al., 1999).
para as quais há apenas alguns estudos, como, por A plataforma sul, segundo Ramos (1998) e
exemplo, os da plataforma interna do norte do estado Whatley et al. (1998), pode ser subdividida em duas
do Rio de Janeiro, realizados por Ramos et al. (1999). subprovíncias: a Sul-Brasileira (Lat. 21°/22°S até 30°/
A ostracofauna da plataforma equatorial é 31°S) e a Platense/Uruguai/Pelotense (Lat. 30°/31°S até
constituída por pelo menos 74 espécies e 45 gêneros, 36°S), esta última atingindo o Uruguai. Entretanto, há
distribuídos em 17 famílias, muito comuns em águas divergência entre os dois trabalhos citados no que se
quentes. A noroeste da foz do Rio Amazonas, a refere à inclusão dessas duas subprovíncias. Isto é,
plataforma interna (<40 m) é praticamente estéril, sendo Ramos (1998) considera-as como parte da Província
que as populações de ostracodes encontram-se na zona Argentina, enquanto Whatley et al. (1998) as incluem
infranerítica (>40 m). A razão da ausência de ostracodes numa província exclusiva, por eles denominada
na zona epinerítica está relacionada às variações da Província Brasileira, que também englobaria as
salinidade de fundo, à turbulência e conseqüente associações das plataformas leste e equatorial do Brasil.
remobilização dos sedimentos (predominantemente Os autores desse capítulo concordam com a proposta
formados por argilas de origem fluvial), e à grande de Ramos (1998), pois a ostracofauna da plataforma
quantidade de material em suspensão. Todas essas sul do Brasil é muito mais similar à do Uruguai e norte
variáveis são conseqüência da enorme descarga do Rio da Argentina, inclusive em nível específico, do que com
Amazonas, segundo Muller-Karger et al. (1988), com a das plataformas leste e norte, com as quais não
uma média anual de 180.000 m3/s. Doze espécies são compartilham sequer uma única espécie. A Província
restritas à plataforma tipicamente amazônica, enquanto Argentina (sensu Ramos, 1998) é influenciada tanto
16 espécies são típicas da região a sudoeste da foz do pelas águas subtropicais da Corrente do Brasil, com
Rio Amazonas (Tabela 9.8). Nessa última região, os temperaturas entre 26° e 22°C, como pela Corrente das
ostracodes são mais abundantes a profundidades Malvinas, que traz águas muito frias do sul do continente.
menores que 75 m, apresentando raras exceções. As Apresenta, na sua porção brasileira, em torno de 80
espécies Bairdoppilata obovata e Bairdoppilata espécies, muitas ainda em nomenclatura aberta, porque
dorsoangulata, presentes ao longo de toda a área em não foram formalmente descritas.
apreço, são os ostracodes mais abundantes a noroeste
da foz do Rio Amazonas. Já a sudoeste, as espécies 5. ESPÉCIES DE FORAMINÍFEROS, TECAMEBAS
mais abundantes são Paracytheridea batei, Paranesidea E OSTRACODES BIOINDICADORAS DE
parabipustulosa, Puriana variabilis, Neonesidea AMBIENTES PARÁLICOS E MARINHOS
equatorialis, Neonesidea longisetosa e Xestoleberis sp. BRASILEIROS E SUA APLICABILIDADE EM
1. A maioria dos gêneros registrados na plataforma ESTUDOS AMBIENTAIS E PALEOAMBIENTAIS
equatorial também é conhecida como fóssil e em torno A partir da análise de cada um dos trabalhos
de um terço remonta sua origem ao Neoterciário. Quatro citados nas Tabelas 9.1 a 9.3, elaborou-se uma tabela
espécies cosmopolitas, Hermanites transoceanicus, síntese das principais espécies de foraminíferos e
Keijia demissa, Kotoracythere inconspicua e tecamebas parálicas brasileiras (Tabela 9.9). Nessa

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Quaternário do Brasil

Tabela 9.8. Distribuição geográfica dos ostracodes ao longo da Plataforma Continental Brasileira (<200 m de profundi-
dade). A Plataforma Equatorial é a que está mais bem estudada, embora também necessite de mais pesquisas taxonômicas
e zoogeográficas. A Plataforma Leste é a menos conhecida, enquanto a Plataforma Sul possui um grande número de
espécies novas que ainda não foram formalmente publicadas e, assim, são aqui citadas em nomenclatura aberta (sp. para
uma espécie ou spp. para várias espécies novas do mesmo gênero).
Ostracodes da Plataforma Continental Brasileira
Plataforma Equatorial Plataforma Leste Zona transicional proposta por Plataforma Sul
Cabo Orange (AP) Cabo de São Roque (RN) Coimbra & Ornellas (1989) e modi- Cabo Frio (RJ)
Cabo de São Roque (RN) Ilhéus (BA) ficada por Coimbra et al. (1994). Chuí (RS)
Lat. 15°°S (Ilhéus, BA), 23°°S (Cabo
Frio, RJ)
Noroeste da Foz do Sudeste da Foz do Actinocythereis brasiliensis Actinocythereis brasiliensis Actinocythereis brasiliensis
Rio Amazonas Rio Amazonas Auradilus costatus Auradilus costatus Argilloecia parameridionalis
Callistocythere cellaria Callistocythere cellaria Ambocythere sp.
Bradleya sp. Auradilus costatus
Callistocythere fossulata Callistocythere fossulata
Argenticytheretta levipunctata
Cletocythereis sp. Australimoosella sp. Callistocythere laminata Callistocythere laminata
Argilloecia spp.
Costa Callistocythere Bairdoppilata sp.
cranekeyensis Callistocythere ornata Callistocythere ornata Basslerites sp.
variabilicostata Coquimba ornellasae Callistocythere sigmocostelata Callistocythere sigmocostelata Bradleya sp. 1
ssp. Cornucoquimba nana Caudites nipeensis Caudites gnomus Bradleya sp. 2
Cytheropteron Cornucoquimba Coquimba alata Caudites nipeensis Brasilicythere reticulispinosa
posterosulcatum ramosae Bythocythere sp.
Hemicytherura bradyi Coquimba ornellasae Caudites ohmerti Callistocythere litoralensis
Eucytherura Coquimba punctata Caudites vandenboldi
dinglei Hermanites Callistocythere rioplatensis
transoceanicus Cornucoquimba decorata Coquimba alata Cativella sp. 1
Eucytherura Keijia demissa Cornucoquimba nana Cornucoquimba conulata Cativella sp. 2
pulchra Kotoracythere Krithe coimbrai Cornucoquimba decorata Caudites fluminensis
Kangarina inconspicua Krithe reversa Krithe coimbrai Caudites gnomus
abyssicola Loxoconcha (L.)
Meridionalicythere sp. Krithe reversa
Caudites vandenboldi
Kangarina ancyla tricornata Copytus spp.
Neonesidea Oculocytheropteron delicatum Meridionalicythere sp. Coquimba bertelsae
Munseyella sp. Orionina bradyi Nanocoquimba labirynthica
equatorialis Coquimba tenuireticulata
Phlyctocythere sp. 1 Orionina similis Orionina similis Nanocoquimba pulchra Cornucoquimba ? planeforma
Phlyctocythere sp. 2 Puriana convoluta Paracytheridea batei Nealocythere sp. Cornucoquimba conulata
Pseudoceratina Radimella ex gr. Paracytheridea inflata Oculocytheropteron delicatum Cushmanidea variopunctata
droogeri confragosa
Paracytheridea paralelicostata Orionina similis
Cytherella hermagentina
Radimella ovata Semicytherura Cytherella spp.
paralelocostata Paracytheridea reticulata Paracytheridea bulbosa Cytheretta punctata
Paracytheridea tschoppi Paracytheridea paralelicostata Cytheropteron spp.
Espécies comuns às regiões NW e SE à Phlyctocythere sp. Phlyctocythere sp. Eucythere spp.
Foz do Rio Amazonas Puriana variabilis Radimella ex. gr. confragosa Eucytherura spp.
Radimella ex. gr. confragosa Semicytherura caudata Hemicytherura auriculata
Australoecia sp. Hemicytherura lapillata
Aversovalva wurdigae Semicytherura caudata Semicytherura paralelocostata Hemingwayella sp.
Bairdoppilata dorsoangulata Semicytherura paralelocostata Semicytherura rugosoreticulata Henryhowella sp. 2
Bairdoppilata obovata Semicytherura rugosoreticulata Semicytherura sp. Henryhowella heros
Bythoceratina carmoi Semicytherura sp. Semicytherura tenuicostata Henryhowella macrocicatricosa
Semixestoleberis gibba Semixestoleberis gibba Henryhowella sp. 1
Bythoceratina parviornata Kangarina sp.
Callistocythere fossulata Krithe coimbrai
Callistocythere laminata Krithe m. morkhoveni
Callistocythere ornata Krithe reversa
Cativella sp. 2 Loxoreticulatum sp.
Meridionalicythere sp. 1
Cativella sp.1 Meridionalicythere sp. 2
Caudites nipeensis Muellerina sp.
Coquimba alata Munseyella sp.
Coquimba punctata Nanocoquimba labirynthica
Cornucoquimba decorata Nanocoquimba pulchra
Costa variabilicostata aff. recticostata Nealocythere sp.
Neocytherideis impudicus
Cytherella sp. Neocytherideis sp.
Cytherura duracina Neonesidea sp.
Cytherura silvai Oculocytheropteron circumcostatum
Gangamocytheridea dyction Oculocytheropteron delicatum
Glyptobairdia coronata Oculocytheropteron macropunctatum
Henryhowella sp. Oculocytheropteron micropunctatum
Oculocytheropteron reticulopunctatum
Hulingsina toreuma Papillosacythere parallela
Keijcyoidea ornellasae Paracypris sp.
Loxoconcha sp. Paracytheridea bulbosa
Macrocyprina sp. Paracytheridea paralelicostata
Neocaudites subimpressus Pellucistoma elongata
Neocaudites triplistriatus Phlyctocythere sp.
Polycope sp.
Neomonoceratina m. mediterranea Pontocypris sp.
Neonesidea longisetosa Protocytheretta multicostata
Oculocytheropteron pintoi Pseudocythere spp.
Orionina similis Quadracythere sp.
Paracypris sp. Quadracythere eichlerae
Paracytheridea batei Rotundracythere ? larai
Semicytherura caudata
Paracytheridea inflata Semicytherura closteria
Paracytheridea reticulata Semicytherura paralelocostata
Paracytheridea spinosa Semicytherura rugosoreticulata
Paracytheridea tschoppi Semicytherura spp.
Paranesidea bensoni Semixestoleberis sp.
Paranesidea parabipustulosa Trachyleberis sp.
Xestoleberis sp.
Pellucistoma ex gr. magniventra Xestoleberis umbonata
Puriana variabilis
Semicytherura bertelsae
Xestoleberis sp. 1
Xestoleberis sp. 2

198

Quaternario do Brasil.PMD 198 18/1/2008, 11:06


9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.9. Principais espécies de foraminíferos e tecamebas encontradas em ambientes parálicos brasileiros e suas
respectivas preferências abióticas.

ESPÉCIES AMBIENTES HIDROGRAFIA E HIDRODINAMISMO SEDIMENTO

Salinidade Estratificação Intensidade Granulometria Características


das correntes geoquímicas
de maré
Foraminifera
Allogromiina
* Chitinosaccus sp. 1b - c; 3 4 1, 2 3 4 3, 6
Textulariina
* Ammoastuta inepta 1a - b; 2a -b 4 1,2 3 3,4 3,6
* Ammoastuta salsa 1a - b; 2a - b 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammobaculites dilatatus 1a - b; 2a 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammobaculites directus 1a - b; 2a 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammobaculites exiguus 1a - b; 2a 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammoscalaria pseudospiralis 1a - b 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammotium cassis 1a - b; 2a 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammotium diversus 1a - b; 2a 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammotium directum 1 b - c; 2a - b 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammotium planissimum 1a - b; 2a 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammotium pseudocassis 1a - b; 2a 3, 4 1,2 3 3,4 3, 6
* Ammotium salsum 1 b - c; 2a 3, 4 1,2, 3 1, 2, 3 2, 3, 4 2, 3, 6
* Arenoparrella mexicana 1 b - c; 2a - b 3, 4 1, 2, 3 2, 3 3, 4 3, 6
* Asterotrochammina sp. 1 b - c; 2a 4 1 1, 2 2, 3, 4, 5 3, 6
* Deuterammina sp. 1 b - c; 2a - b 4 1, 2, 3 2 2, 3, 4, 5 3, 6
* Gaudryina exilis 1 b - c; 2a - b 4 1, 2 3 3, 4 3, 6
* Glommospira gordialis 1b-c 4 1, 2 3 3, 4 3, 6
* Haplophragmoides manilaensis 2a - b 4 1 3 3, 4 3, 6
* Haplophragmoides wilberti 1 b - c , 2a - b 3, 4 1, 2 1, 2, 3 3, 4 3, 6
* Jadammina polistomma 1b-c 3, 4 1 3 5 3, 6
* Miliammina earlandi 1 a, b, c; 2a - b 4, 4 2, 2 2 1, 2, 3, 4 1, 2, 3, 6
* Miliammina fusca 1 a, b, c; 2a - b 4, 5 2, 3 3 1, 2, 3, 4 1, 2, 3, 6
* Paratrochammina clossi 1 b - c; 2a 3, 4 2, 3 2, 3 3, 4 2
* Polysaccammina ipohalina 1 c; 2a 3, 4 2, 3 2, 3 3, 4 2
* Pseudoclavulina curta 1 b - c; 2a 3, 4 2, 3 2, 3 3, 4 2, 3
* Pseudoclavulina gracilis 1a - c; 2a 3, 4 2, 3 2, 3 3, 4 2, 3
* Pseudothurammina limnetis 1c 4 1 3 3, 4 3, 6
* Reophax nana 1 a - c; 2 a 3, 4 1, 2, 3 2, 3 2, 3 3
* Siphotrochammina lobata 2a-b 4 2, 3 3 5 —
* Sorosphera confusa 1c 4 1 3 3, 4 3, 6
* Textularia aglutinans 1 a - c; 2 a 3, 4 2, 3 2, 3 2, 3, 4 3, 5, 6
* Textularia candeiana 2 a - c; 2 a 3, 4 2, 3 2, 3 2, 3, 4 3, 5, 6
* Textularia gramen 3 a - c; 2 a 3, 4 2, 3 2, 3 2, 3, 4 3, 5, 6
* Textularia paranaguaensis 1a 3, 4 1, 2, 3 2, 3 2, 3, 4 3, 5, 6
* Tiphotrocha comprimata 1c 3, 4 2, 3 2, 3 2, 3 2, 3
* Trilocularella patensis 1a 3 2 2 2, 3 2, 3
* Trochammina inflata 1 b - c; 2a - b 4 1, 2 3 3, 4 3, 6
* Trochammina laevigata 1 b - c; 2a - b 4 1, 2 3 3, 4 3, 6
* Trochammina macrencens 1 b - c; 2a - b 4 1, 2 3 3, 4 3, 6
* Trochammina ochracea 1 b - c; 2a - b 4 1, 2 3 3, 4 3, 6

tabela, são mostradas várias espécies e suas respectivas estratificação salina. Siphotrochammina lobata,
preferências abióticas (salinidade, estratificação da Deuterammina sp. e Asterotrochammina spp. são
coluna d’água, intensidade das correntes de maré, tipo epífitas de raízes de mangues ou de Spartina
de sedimento —características granulométricas e alterniflora.
geoquímicas). As espécies típicas de ambientes mixoalinos não
Constata-se que as espécies típicas de ambientes tão confinados, mas com estratificação salina forte a
salobros são aglutinantes. Em particular, Miliammina moderada, são as espécies calcárias Ammonia tepida e
fusca é característica de ambientes com intenso aporte Elphidium spp. Essas espécies calcárias, apesar de
de água doce. Arenoparrella mexicana, serem euribióticas, desenvolvem-se melhor em
Haplophragmoides wilberti, Gaudyina exilis e ambientes parálicos moderadamente a fortemente
Trochammina inflata ocorrem tanto em manguezais estratificados (como ocorre na Lagoa da Conceição,
quanto em canais com sedimentos lamosos. Ammotium Ilha do Ameixal e Rio Guaraú). As espécies indicadoras
salsum é a espécie mais euribiótica dos aglutinantes, de aporte de água do mar (espécies marinhas) são
ocorrendo em todos os tipos de sedimentos e Pararotalia cananeiaensis e várias outras espécies

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Quaternario do Brasil.PMD 199 18/1/2008, 11:06


Quaternário do Brasil

Tabela 9.9. (cont.).

ESPÉCIES AMBIENTES HIDROGRAFIA E HIDRODINAMISMO SEDIMENTO

Salinidade Estratificação Intensidade Granulometria Características


das correntes geoquímicas
de maré
* Trochamminita irregularis 1 c; 2a - b 4 1, 2 3 3, 4 3, 6
* Trochamminita salsa 1 c; 2 b 4 1, 2 3 3, 4 3, 6
* Warrenita paulustris 1b-c 3, 4 1, 2 2, 3 3, 4 3, 6
Rotaliina
* Ammonia parkinsoniana 1 a - b; 2 a 1, 2, 3 1, 2, 3 1, 2, 3 1, 2, 3 1, 2
° Ammonia rolshauseni 1a 2 1, 2 1, 2 1 1, 4
* Ammonia tepida 1 a - b; 2 a 1, 2, 3 1, 2, 3 1, 2, 3 1, 2, 3, 4 1, 2
° Bolivina doniezi 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Bolivina ordinaria 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Bolivina pulchella 1a 2 2 1, 2 1, 2 1
*/PI Bolivina striatula 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Buccella frigida 1a 2 1, 2 1, 2, 3 1 4
*/PI Buliminella elegantissima 1a 2, 3 1, 2, 3 1, 2, 3 2, 3 6
° Bulimina marginata 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Cassidulina sp. 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
*/PI Cibicides variabilis 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
*/PI Cribroelphidium discoidale 1a 2 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 5, 6
* Cribroelphidium excavatum 1 a - b; 2 a 1, 2, 3, 4 1, 2, 3 1, 2, 3 1, 2, 3 1, 2, 5, 6
* Cribroelphidium galvestonense 1a-b 2, 3 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2, 5, 6
* Cribroelphidium gunteri 1a-b 2, 3 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2, 5, 6
* Cribroelphidium poyeanum 1a-b 2, 3 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2, 5, 6
° Fursenkoina pontoni 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
* Helenina anderseni 1a-b 2, 3 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2, 5, 6
° Hopkinsina pacifica 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
*/PI Lobatula lobatula 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Pararotalia cananeiaensis 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Poroeponides lateralis 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Pseudononion atlanticum 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Pseudononion opima 1a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
Miliolina
° Cornospira involvens 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Edentostomina cultrata 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Pseudotriloculina lecalvezae 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Pseudotriloculina patensis 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Quinqueloculin atlantica 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Quinqueloculina patagonica 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Quinqueloculina lata 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
*/PI Quinqueloculina milletti 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Quinqueloculina lamarckiana 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Quinqueloculina polygona 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Quinqueloculina poyeana 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
*/PI Quinqueloculina seminula 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Triloculina oblonga 1 a 1 *, 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4
° Triloculina consobrina 1 a 2, 3 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2, 4

típicas de plataforma interna marinha (fato já constatado espécies marinhas, mixoalinas, salobras e de águas
por Debenay et al., 2001b). fluviais. Na Tabela 9.8, a distribuição das espécies
Com relação aos foraminíferos marinhos, marinhas está organizada em províncias biogeográficas.
baseando-se nos resultados de todos os trabalhos
apresentados nas Tabelas 9.5 a 9.7, foi possível elaborar 6. CONCLUSÕES
uma outra tabela síntese com as principais espécies de A partir da análise dos principais trabalhos sobre
foraminíferos encontradas na região de plataforma e foraminíferos, tecamebas e ostracodes, foi possível
suas respectivas preferências abióticas (Tabela 9.10). discutir os principais padrões de distribuição desses
Nessa tabela, são mostrados a batimetria e o tipo de organismos ao longo de vários ambientes e
província biogeográfica, de corrente, de sedimento e subprovíncias biogeográficas do Brasil. Também foi
de teores de oxigênio no sedimento para cada espécie. possível elaborar um banco de dados sobre as
Dados ambientais relacionados à distribuição dos preferências ambientais de várias espécies de
ostracodes são ainda escassos. Na Tabela 9.11, há uma foraminíferos e tecamebas. Esse banco de dados poderá
breve descrição das principais espécies ao longo de um ser utilizado em estudos de biomonitoramento,
talvegue. A partir dessa tabela, é possível verificar as biozoneamentos, bem como fornecer subsídios para

200

Quaternario do Brasil.PMD 200 18/1/2008, 11:06


9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.9. (cont.).

ESPÉCIES AMBIENTES HIDROGRAFIA E HIDRODINAMISMO SEDIMENTO

Salinidade Estratificação Intensidade Granulometria Características


das correntes geoquímicas
de maré
Tecamebas
* Apodera vas 3 5 1 4
* Arcella discoides 3 5 1 4
* Arcella vulgaris 3 5 1 4
* Bullinularia indica 3 5 1 4
°/ * Centropyxis aculeata 1b - c; 3 5 1 4 1 4
°/ * Centropyxis arenatus 1b - c; 3 5 1 4
°/ * Centropyxis constricta 1b - c; 3 5 1 4 1 4
°/ * Centropyxis marsupyformis 1b - c; 3 5 1 4
°/ * Curcubitella corona 1b - c; 3 5 1 4 1 4
°/ * Curcubitella tricuspis 1b - c; 3 5 1 4 1 4
* Cyclopyxis impressa 3 5 1 4
°/ * Difflugia capreolata 1b - c; 3 5 1 4
°/ * Difflugia correntina 1b - c; 3 5 1 4
°/ * Difflugia corona 1b - c; 3 5 1 4 1 4
°/ * Difflugia globulus 1b - c; 3 5 1 4
°/ * Difflugia oblonga 1b - c; 3 5 1 4 1 4
°/ * Difflugia protaeformis 1b - c; 3 5 1 4 1 4
°/ * Difflugia pyriformis 1b - c; 3 5 1 4 1 4
°/ * Difflugia urceolata 1b - c; 3 5 1 4
°/ * Difflugia urens 1b - c; 3 5 1 4
°/ * Difflugia viscidula 1b - c; 3 5 1 4
* Euglypha sp. 3 5 1 4
* Heleopera sphagni 3 5 1 4
* Hoogenraadia sp. 3 5 1 4
°/ * Lagenodifflugia vas 1b - c; 3 5 1 4 1 4
* Lagunculina sp. 3 5 1 4
* Lesquereusia modesta 3 5 1 4
* Nebela carinata 3 5 1 4
* Nebela collaris 3 5 1 4
* Plagiopyxis sp. 3 5 1 4
°/ * Pontigulasia compressa 1b - c; 3 5 1 4 1 4
* Oopyxis sp. 3 5 1 4
* Trigonopyxis arcula 3 5 1 4
* Trinema sp 3 5 1 4

estudos de reconstrução paleoambiental. No tocante aos of Foraminiferal Research, v.26, n.3, p.248-61.
ostracodes e tecamebas recentes, estudos ecológicos Barbosa, C.F. 1991. Caracterização biossedimentológica
estão ainda nas suas fases preliminares, onde inventários quantitativa do sistema estuário-manguezal da Baía
faunísticos, repartições ecológicas das espécies, dados de Guaratuba (PR). São Paulo. 100p. Dissertação
de distribuição espacial e temporal estão ainda por ser (Mestrado) - Instituto de Geociências, Universidade
de São Paulo.
obtidos.
Barbosa, C.F. 1995. Foraminifera e Arcellacea
(“Thecamoebia”) recentes do estuário de Guaratuba,
AGRADECIMENTOS Paraná, Brasil. Anais da Academia Brasileira de
Agradecemos ao Prof. Dr. Jean-Pierre Debenay Ciências, v.67, n.4, p.465-492.
(Université d’Angers - France), pela leitura e críticas Barbosa, C.F. 1997. Reconstituição paleoambiental de
ao manuscrito, e ao Prof. Dr Thomas Rich Fairchild, fácies lagunares com base em foraminíferos: o nível
pela revisão do abstract. do mar no Quaternário superior na área de Cabo Frio,
RJ. São Paulo. Tese (Doutorado) - Instituto de
Geociências, Universidade de São Paulo.
REFERÊNCIAS Barbosa, C.F. & Suguio, K. 1999. Biossedimentary facies of
Alve, E. 1995. Benthic foraminifera response to estuarine a subtropical microtidal estuary - An example from
pollution: a review. Journal Foraminiferal Reserch, Southern Brazil. Journal of Sedimentary Research, v.69,
v.25, p.190-203. p.576-587.
Asioli, A.; Medioli, F.S.; Patterson, R.T. 1996. Barbosa, C.F.; Scott, D.B.; Seoane, J.C.S.; Turcq, B.J. (no
Thecamoebians as a tool for reconstruction of prelo). Foraminiferal zonations as base lines for
paleoenvironments in some Italian lakes in the foothills Quaternary sea-level fluctuations in South-Southeast
of the Southern Alps (orta, Varese and Candia). Journal Brazilian mangroves and marshes. Journal of

201

Quaternario do Brasil.PMD 201 18/1/2008, 11:06


Quaternário do Brasil

Tabela 9.10. Principais espécies de foraminíferos encontradas na região de plataforma e suas respectivas preferências abióticas.
Batimetria: 1) Plataforma interna 0-25 m; 2) Plataforma intermediária 25-75 m; 3) Plataforma externa 75-150 m. Províncias: I)
Subprovíncia Norte; II) Subprovíncia Nordeste; III) Subprovíncia Sul. Correntes: 1) Água quente (Corrente do Brasil ou Água
Tropical ou Água Costeira); 2) Água fria e rica em nutrientes (ACAS e Corrente das Malvinas). Sedimentos: 1) Arenoso; 1a)
Arenoso biodetrítico; 2) Arenolamoso; 3) Lamoarenoso; 4) Lamoso; 5) Substrato consolidado (algas e conchas). Teores de
oxigênio no sedimento: 1) tendendo a anóxico; 2) moderadamente oxigenado; 3) bem oxigenado.
Espécies Batimetria Províncias Espécies Batimetria Províncias

Sedimento

Sedimento
Correntes

Correntes

O2
O2
1 2 3 I II III 1 2 3 I II III
Texulariina Pyrgo elongata ° ° ° * * * 1 1, 1a 3
Bigenerina cylindrica ° ° * * * 2, 3, 4 2 Pyrgo murrhina ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Bigenerina nodosaria ° ° ° * * 2, 3, 4 2 Pyrgo nasuta ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Bigenerina textularoides ° ° ° * * * Pyrgo patagonica ° ° ° * * * 1, 1a, 2 3
Bolivinopsis floridana ° ° ° * * * 3, 4 1 Pyrgo peruviana ° ° * * * 1, 1a 3
Canepaia brasiliensis ° ° * * * 1 2, 3, 4 2 Pyrgo ringens ° ° ° * 1 1, 1a, 2 3
Clavulina angularis ° ° ° * * 1 Pyrgo rotalaria ° ° * * * 1 1, 1a 3
Clavulina tricarinata ° ° ° * * 1 Pyrgo subsphaerica ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Cuneolina sp. ° * 2, 3, Pyrgo tainanensis ° ° * * 1 1, 1a 3
Dentostomina antillarum ° ° * * 1 1, 1a Quinqueloculina agglutinata ° ° ° * * * 1 1, 1a 3
Dentostomina enoplostoma ° ° * * 1 1, 1a Quinqueloculina angularis ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Gaudryina aequa irregularis ° ° * * * 2, 3, 4 1 Quinqueloculina atlantica ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Gaudryina atlantica ° ° * * * 2, 3, 4 1 Quinqueloculina bradyana ° * 1 1, 1a 3
Liebusella goesi ° ° ° * * * 1, 2 Quinqueloculina candeiana ° ° * * * 1 1, 1a 3
Pseudoclavulina humilis ° ° ° * * * 3, 4 1 Quinqueloculina cuvieriana ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Pseudoclavulina mexicana ° * 3, 4 1 Quinqueloculina disparilis ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Recurvoides contortus ° * 2 1 Quinqueloculina gracilis ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Reophax irregularis ° ° * * 1 Quinqueloculina microcostulata ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Siphotextularia affinis ° ° * * * 3, 4 1 Quinqueloculina poyeana ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Schlumbergerina alveoliformis ° ° ° * * 1, 2 3 Quinqueloculina horrida ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Spiroplectammina floridana ° * 2, 3, 4 2 Quinqueloculina lamarckiana ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Textularia agglutinans ° ° ° * * 2, 3 Quinqueloculina moynensis ° ° ° * * * 1 1, 1a 3
Textularia calva ° * 1, 2 Quinqueloculina parkeri ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Textularia conica ° ° ° * * * 1, 2 Quinqueloculina polygona ° ° ° * * 1 1, 1a, 2 3
Textularia gramen ° ° ° * * * 1, 2 Quinqueloculina sabulosa ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Textularia candeiana ° ° ° * * * 2, 3 Quinqueloculina sawanensis ° ° ° * * * 1 1, 1a 3
Textularia trochus ° ° ° * * * 1, 2 Quinqueloculina seminula ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2, 3 3, 2
Miliolina Quinqueloculina sulcata ° ° ° * * * 1 1, 1a 3
Amphisorus hemprichii ° ° * * 1 5 3 Quinqueloculina tricarinata ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Archaias angulatus ° ° ° * * 1 1, 1a, 5 3 Quinqueloculina undosa ° ° * * * 1 1, 1a 3
Articulina mucronata ° ° * * 1 1, 1a, 5 3 Spiroloculina antillarum ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Articulina sagra ° ° * * 1 1, 1a, 5 Spiroloculina caduca ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Biloculinella globulus ° ° * * * 1 3 Spiroloculina clara ° ° * * 1 1, 1a 3
Borelis pulchra ° ° * * 1 5 3 Spiroloculina depressa ° ° ° * * 1 1, 1a, 2 3
Borelis pygmea schlumbergeri ° ° * * 1 5 3 Spiroloculina grateloupi ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Cornuspira foliacea ° * 1 3 Spiroloculina mosesi ° ° * * 1 1, 1a 3
Lachlanella carinata ° ° * * 1 1, 1a 3 S. pernambucensis ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Lachlanella kerimbatica ° ° * * 1 1, 1a 3 Spiroloculina subimpressa ° ° * * 1 1, 1a 3
Lachlanella reticulata ° ° * * 1 1, 1a 3 Sorites marginalis ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Massilina secans ° ° ° * * * 1 1, 1a, 5 3 Triloculina baldai ° ° ° * * 1 1, 1a, 2 3
Miliolinella labiosa ° ° ° * * * 1 1, 1a, 5 3 Triloculina laevigata ° ° * * 1 1, 1a, 2 3
Miliolinella suborbicularis ° ° ° * * 1 1, 1a, 5 3 Triloculina oblonga ° ° ° * * 1 1, 1a, 2 3
Miliolinela subrotunda ° ° ° * * * 1 1, 1a, 5 3 Triloculina planciana ° ° * * 1 1, 1a 3
Nodobaculariella cassis ° ° * * 1, 1a, 5 3 Triloculina lutea ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Peneroplis bradyi ° ° ° * * 1 1, 1a, 5 3 Triloculina tricarinata ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Peneroplis carinatus ° ° ° * * 1 1, 1a, 5 3 Triloculina trigonula ° ° ° * * * 1 1, 1a, 2 3
Peneroplis discoideus ° ° * * 1 1, 1a, 5 3
Peneroplis pertusus ° ° ° * * * 1 1, 1a, 5 3
Peneroplis planatus ° ° ° * * 1 1, 1a, 5 3
Peneroplis proteus ° ° ° * * * 1 1, 1a, 5 3
Pyrgo alata ° ° ° * * 1 1, 1a 3
Pyrgo depressa ° ° ° * * * 1 1, 1a 3

Foraminiferal Research. de Recherche Oceanographique, v.23, n.4, p.139-144.


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9. Foraminíferos, Tecamebas e Ostracodes Recentes como Indicadores

Tabela 9.11. Ocorrência das principais espécies de ostracodes nos estuários, baías e plataforma adjacente do Brasil.

LITORAL/MARINHO RASO REGIÕES ESTURARINAS


Transicional Duceaqüícola
Sistema Estuarino/ Argenticytheretta laevipunctata, Cyprideis multidentata, Candonopsis brasiliensis,
Lagunar de Tramandaí Brasilicythere reticulispinosa, Cyprideis salebrosa, Cytherura Chlamydotheca spp.,
(RS) Callistocythere litoralensis, Caudites purperae, Minicythere heinii, Cypricersus acanthigera,
ohmeti, Coquimba tenuireticulata, Perissocytheridea Cypridopsis vidua, Cyprinotus
Cyprideis multidentata, Cyprideis kroemmelbeini trispinosus, Cytheridella
salebrosa, Cytheretta punctata, ilosvayi, Darwinula spp.,
Cytherura purperae, Loxoconcha Diaphanocypris meridana,
bullata, Oculocytheropteron spp., Eucypris obtusata, Heterocypris
Papillosacythere paralella incongruens, Isocypris
Perissocytheridea kroemmelbeini, beauchampi, Limnocythere
Protocytheretta multicostata cidreirensis, Stenocypris major,
Quadracythere eichlerae, Strandesia spp.
Semicytherura spp., Urocythereis
dimorphica

Estuário de Cananéia/ Cytheretta punctata, Cyprideis Cyprideis multidentata, Não registrado


Iguape (SP) multidentata, Keijella dyction, Minicythere heinii, Tanella
Loxoconcha bullata, Tanella gracilis, gracilis, Whatleyella
Whatleyella sanguinettiae sanguinettiae

Canal de Bertioga (SP) Auradilus costatus, Callistocythere Cyprideis maxipunctata, Não registrado
litoralensis, Caudites ohmerti, Cyprideis salebrosa,
Cytherella sp., Cytheretta punctata, Perissocytheridea sp.,
Loxoconcha bullata, Whatleyella sanguinettiae
Papillosacythere paralella,
Protocytheretta multicostata,
Whatleyella sanguinettiae

Baía de Sepetiba (RJ) Callistocythere litoralensis, Cyprideis multidentata, Obs.: não ocorrem áreas
Callistocythere ornata, Cyprideis salebrosa, dulceaqüícolas nesta baía
Cornucoquimba ? planeforma, Minicythere cf. heinii,
Keijella dyction, Kotoracythere Perissocytheridea
inconspicua, Neocaudites kroemmelbeini, Tanella gracilis,
triplistriatus, Orionina bradyi, Whatleyella sanguinettiae
Urocythereis sp., Whatleyella
sanguinettiae

Baía de Tamandaré (PE) Auradilus costatus, Caudites Obs.: não ocorrem áreas Obs.: não ocorrem áreas
obliquecostatus, Coquimba transicionais nesta baía dulceaqüícolas nesta baía
ornellasae, Gangamocytheridea
dyction, Kotoracythere inconspicua,
Loxocorniculum tricornatum,
Neocaudites triplistriatus, Orionina
bradyi, Puriana variabilis,
Xestoleberis spp.

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Capítulo 10

NEOTECTÔNICA DA PLATAFORMA
BRASILEIRA
Allaoua Saadi
Francisco Hilário Rego Bezerra
Ricardo Diniz da Costa
Hailton Luiz Siqueira Igreja
Elena Franzinelli

RESUMO. No quadro geotectônico global, a Plataforma Brasileira é parte central da placa litosférica sul-americana,
delimitada, a leste, pela Cadeia Mesoatlântica, borda em regime extensional, a oeste, pela zona de subducção andina,
borda em regime compressional, ao norte, pela subducção da placa caribenha, outra borda em regime compressional.
Nesse contexto, sua atividade neotectônica apresenta características típicas de uma tectônica intraplaca e de margem
passiva, registrando, no entanto, uma nítida influência, principalmente em sua porção oeste, dos esforços tectônicos
afetando a margem ativa Andina. O período neotectônico inicia-se, a partir do Paleógeno, num quadro de tensões
compressivas, sucedendo ao período de distensão crustal generalizada que conduziu à fragmentação do
megacontinente Gondwana e nucleação do Oceano Atlântico. Do ponto de vista bioclimático, a semi-aridez cretácica
foi substituída por condições úmidas intertropicais, que facilitariam o exercício dos processos de intemperismo
químico. Nesse novo quadro morfoclimático, heranças geológicas que, em escala regional, remontam até o limite
Arqueano-Proterozóico acumularam um grande número de anisotropias e zonas de fraqueza (weakness zones). Essas
zonas vão assumir o papel de áreas de dissipação dos esforços neotectônicos, ao controlar o quadro de reativação
das estruturas herdadas, o comportamento geomorfogenético e, conseqüentemente, a compartimentação
morfoneotectônica. Os resultados do estado-da-arte da neotectônica brasileira são discutidos no quadro de uma
divisão regional que, se não corresponde exatamente à referida compartimentação, tem o mérito de não fugir muito
dela e, ao mesmo tempo, de retratar os estados diferenciados de avanço do conhecimento sobre o assunto, bem como
os enfoques adotados regionalmente e que são, de alguma forma, conseqüência da importância das manifestações
sísmicas ocorridas nessas regiões durante a última década. As regiões que apontam como as mais afetadas pela
atividade neotectônica são: a) bloco do nordeste setentrional, onde se destacam os efeitos de soerguimentos periódicos,
flexura continental e falhamentos transcorrentes controlando notável sismicidade; b) os blocos montanhosos das
serras do Mar e da Mantiqueira, suas margens e depressões internas, onde a reativação de largas zonas de cisalhamento,
com falhas normais, inversas e transcorrentes, é palco de sismicidade de intensidade baixa a média; c) a baixada da
planície amazônica, interpretada como eixo de grande estrutura em flor, resultado da interação das placas Sul-Americana,
de Nazca e Caribenha; e d) a extremidade oeste da Amazônia, onde a sismicidade é ligada à subducção andina. Por fim,
apresenta-se a primeira versão do Mapa Neotectônico do Brasil, elaborado no quadro do International Lithosphere
Program, para constar do World Map of Major Active Faults, contendo as principais estruturas neotectônicas e
banco de dados associado.
Palavras-chave: Estruturas herdadas; Tensões compressivas; Mapa neotectônico.

ABSTRACT. Within the global geotectonic framework, the Brazilian Platform constitutes a central part of the South
American lithospheric plate, which is delimited: to the East, by the mid-atlantic ridge, border submitted to extensional
stress, to the West, by the Andean subducted zone, a border submitted to compressive stress; and to the North, by
the subduction of Caribbean plate, another border submitted to compressive stress. In this context, its neotectonic
activity presents typical characteristics of intraplate and passive margin tectonics, registering, however, a clear
influence, mainly in its western portion, of the tectonic stress affecting the Andean active margin. The neotectonic
period begins in the Paleogene, within a scenery of compressive stress, following a period of generalized crustal
extension that led to fragmentation of Gondwana mega-continent and nucleation of the Atlantic Ocean. According to
the bio-climatic point of view, the Cretaceous aridity was replaced by inter-tropical humid conditions that turned the
chemical weathering process easier. In this new morpho-climatic environment, geological inheritance that, in regional
scale, date back to the Archean-Proterozoic boundary, added a great number of anisotropy and weakness lines.
These will assume the role of dissipation zones of neotectonic stress, controlling the reactivation of the inherited

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Quaternário do Brasil

structures, the geomorphogenetic behavior and, consequently, the morpho-neotectonic organization. The state of
the art of neotectonics in Brazil is discussed in the context of a regional division that, if does not exactly correspond
to the morpho-neotectonic organization, has the merit of not differing too much from it. At the same time, it illustrates
the different state of knowledge on the subject, as well as the approaches regionally adopted, which in some way are
consequences of the importance given to the seismic events happened in these regions, during the last decade. The
regions most affected by the neotectonic activity are: a) Northeastern block, where the effects of periodic uplifts and
continental flexure are relevant and strike-slip faulting controls a remarkable seismicity; b) the mountainous blocks of
the Serra do Mar and Serra da Mantiqueira, its margins and internal depressions, where reactivation of wide shear
zones, with normal, inverse and strike-slip faults, constructed a scenery for a seismicity with low to middle intensity;
c) the depression of the Amazonian plain, interpreted as a big flower-structures axis, as a result of the interaction of
the South-American, Nazca and Caribbean plates; and d) the Amazon western border, where the seismicity is related
to the Andean subduction. Finally, we present the first version of the Neotectonic Map of Brazil, made in the context
of the International Lithosphere Program, to take place in the World Map of Major Active Faults project, holding the
main neotectonic structures and related database.
Key-words: Inherited structures; Compressive stress; Neotectonic map.

1. INTRODUÇÃO 2. ASPECTOS CONCEITUAIS


O objetivo fundamental deste capítulo é discutir
a influência da tectônica no desencadeamento e/ou no 2.1. Neotectônica, Sismotectônica e
desenvolvimento dos fatos geológicos/geomorfológicos Morfotectônica
recentes, principalmente quaternários, com base no Apesar dos notáveis avanços galgados durante
consenso de que, do mesmo modo que no restante do as duas últimas décadas, no tocante ao conhecimento
planeta Terra, a estabilidade tectônica da Plataforma dos fenômenos neotectônicos, definir satisfatoriamente
Brasileira é apenas relativa. a neotectônica continua sendo uma tarefa relativamente
O sepultamento das crenças na existência de árdua. Ela envolve processos ligados à geodinâmica
áreas do Planeta, onde reinaria um estado de interna da litosfera, estudados principalmente por suas
estabilidade, resultado da imposição do modelo da expressões mais indiretas —as conseqüências
tectônica global ou tectônica de placas, permitiu morfológicas. Por esse motivo, V.A. Obruchev
ampliar o campo de visão da Geomorfologia e da empregou pela primeira vez em 1948 o termo
Geologia do Cenozóico mundial, para além da devoção neotectônica para referir-se aos movimentos da crosta
aos modelos interpretativos baseados unicamente nos terrestre cujas manifestações ocorreram durante o
efeitos das variações climáticas quaternárias. Isso se período englobando o Terciário superior e o Quaternário,
aplica particularmente ao Brasil, onde, devido a sua e que assumiram um papel decisivo na formação da
posição geográfica, houve influência dos ciclos de topografia contemporânea.
glaciação/deglaciação, principalmente indireta, Trinta anos mais tarde, no novo contexto do
incluindo as oscilações eustáticas e as respectivas pensamento geotectônico, baseado no modelo da
conseqüências sobre migrações dos níveis de base tectônica global, a Comissão de Neotectônica da
fluviais. INQUA (International Union for Quaternary Research)
O tratamento adequado da influência do fator definiu movimentos neotectônicos como “quaisquer
tectônico no desenvolvimento dos fenômenos movimento ou deformação do nível geodésico de
geomorfológicos recentes impõe o reconhecimento da referência, seus mecanismos e sua origem geológica”.
importância da estrutura acumulada durante um tempo Postulou ainda a ausência de limites temporais rígidos,
geológico que se estende ao Pré-Cambriano. Grandes assumindo para a neotectônica um período que vai
falhas e zonas de cisalhamento, sistemas de juntas e dos movimentos “instantâneos” (sísmicos) até os de
fraturas, planos de estratificação associados a gradientes idade superior a 107 anos, quando isso for necessário
de resistência litológica, eixos de dobramentos, sistemas ao entendimento da origem dos movimentos
de fraturas e/ou foliações, entre outras feições estruturais, registrados. Com essa definição, incorporou-se a esses
constituem elementos geradores de anisotropias. Essas estudos, além da óbvia relação com a morfologia atual,
anisotropias exerceram e continuam exercendo fortes a preocupação com todas as deformações da crosta
controles sobre o intemperismo químico e o que tenham ocorrido no período neotectônico. Sua
desenvolvimento da rede de drenagem, processos vigência teria se iniciado, segundo Pavlides (1989),
fundamentais da morfogênese em ambientes intertropicais. “após a orogênese final - pelo menos nos casos em

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

que ocorreram orogêneses recentes-, ou mais 2.2. Discussão do Período Neotectônico no


precisamente após a ... reorganização tectônica mais Brasil
significativa” da região estudada. Considerando todas De acordo com Hasui (1990), a idade máxima
as regiões do globo em relação ao “quebra-cabeças” da neotectônica no Brasil deveria ser correlacionada com
das placas litosféricas e seus vários tipos de contatos, as manifestações finais do evento extensional Sul-
deve-se admitir que não há uma idade neotectônica Atlantiano, provavelmente correspondente ao Oligoceno.
universal, mas períodos neotectônicos, cujo início Saadi (1993) analisou a relação entre as idades admitidas
depende do comportamento geotectônico específico para os eventos sedimentares cenozóicos, seus eventuais
de cada porção de placa litosférica. controles tectônicos e as datações relativas das
Isso também implica que nem todas as estruturas deformações posteriores para propor, em caráter
neotectônicas tenham de ser ativas atualmente. Esse é preliminar, uma correspondência dos pulsos
o caso específico da tectônica ativa, que inclui os neotectônicos da Plataforma Brasileira com os eventos
movimentos ocorridos em épocas que pudessem ser orogênicos andinos. Para isso, utilizou a cronologia de
registrados pelo ser humano e apresentando, portanto, Frutos (1981), que apresenta uma boa correlação entre
razoáveis probabilidades de recorrência. Para Wallace esses e os valores de altas taxas de afastamento na Cadeia
(1986), esse intervalo deveria se estender de 10-20 ka Mesoatlântica. Nessa proposta, o evento andino Incaic
até 100 a 200 ka passados; a força tarefa do projeto II (Eoceno-Oligoceno) corresponde ao início do período
ILP II.2 (World Map of Major Active Faults) considera neotectônico, com a instalação do “Sistema de rifte da
apenas os 10 ka do Holoceno. Serra do Mar”, das bacias do Quadrilátero Ferrífero, e
O conceito de tectônica ativa interliga-se com o começo da Sedimentação Barreiras (Formação
diretamente ao estudo da sismicidade, sendo essa relação Serra do Martins). No Plioceno, um segundo pulso
colocada em dois níveis temporais de análise. A história neotectônico (evento andino Quetchuan II), registrado
e relações mantidas entre os terremotos do intervalo de em todo o Planeta, seria responsável pela instalação do
tempo “histórico” e suas causas tectônicas são objeto “rifte de São João del Rei”, da Formação Guararapes
de estudo da sismotectônica, devendo resultar na (formação intermediária do Grupo Barreiras) e da
caracterização do “regime sismotectônico presente”. Formação Solimões, além do soerguimento de várias
Terremotos “pré-históricos” (ou “fósseis”) dizem áreas e instalação de inúmeras bacias lacustres isoladas.
respeito ao campo da paleossismicidade que os estuda, Um terceiro pulso, no Pleistoceno médio a inferior
considerando sua idade e freqüência, bem como a (evento andino Yarmouthian), seria responsável pela
energia liberada e efeitos causados. Para isto, utiliza- emersão da maior parte do litoral e basculamento das
se, além da eventual análise de planos de falhas aflorantes, camadas do Grupo Barreiras, deslocamento das falésias
informações agregadas a partir de indicadores nas regiões Norte e Nordeste, deformação e/ou inversão
geomorfológicos e observações diretas em trincheiras de bacias sedimentares anteriormente formadas (Bacia
exploratórias, secionando perpendicularmente as linhas de São Sebastião da Vitória) e soerguimento generalizado
de falhas, de sismitos e outras evidências de da Plataforma Brasileira.
deformações impostas aos sedimentos. Esta última Com base nos dados geofísicos do Projeto
abordagem permite extrapolar o período neotectônico, LEPLAC, Bassetto (1996) identificou a existência, ao
pois eventuais efeitos de terremotos em sedimentos largo da Baía de Paranaguá, de feições morfológicas e
poderiam ser observados em toda a coluna estratigráfica sedimentares que indicam a atuação, no Eoceno, de
do Fanerozóico e mesmo em rochas de idade pré- esforços compressivos com direção NW-SE, afetando a
cambriana (Fragoso-Cesar et al., 2001). crosta oceânica e os sedimentos sobrepostos. Esse fato
Em condições de superfície, a morfotectônica reforça a pertinência do limite atribuído ao início do
—ou também morfoneotectônica— se dedica ao estudo período neotectônico, pois confirma a mudança do regime
das relações de causa-efeito entre a atividade tectônica de esforços.
e a geomorfogênese (Summerfield, 1986; Doornkamp,
1986; Saadi, 1991, 1999). Nesse enfoque, devem ser 3. EVOLUÇÃO DOS CONHECIMENTOS SOBRE
considerados os efeitos geomorfológicos da atividade A NEOTECTÔNICA BRASILEIRA
tectônica (ou neotectônica), reservando o termo
morfoestrutural para as formas de relevo adaptadas, 3.1. Fase Pioneira
no momento de sua formação, à presença de estruturas Referências à interferência de movimentos
geológicas passivas, estabilizadas, incluindo falhas tectônicos cenozóicos na gênese e desenvolvimento de
(Mescherikov, 1968). feições geológicas ou geomorfológicas locais e/ou

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Quaternário do Brasil

regionais, datam do final do século XIX. Em 1870, Hartt Melo et al. (1985) ligaram a origem do rifte a uma
já enxergava na posição dos sedimentos fluviais distensão crustal relacionada com a abertura do Oceano
pliocênicos do médio Jequitinhonha (sobre topos de Atlântico. Essa interpretação foi reutilizada por Riccomini
chapadas), o resultado de alçamento tectônico com (1989), com proposta de nova denominação —o “Rifte
relação aos depósitos correlatos situados ao longo do Continental do Sudeste Brasileiro”, extensão de sua área
litoral baiano (Sedimentos Barreiras). Alguns anos depois, de abrangência à Bacia de Curitiba e outras menores
Gorceix (1884) descrevia com minuciosos detalhes as dos litorais de São Paulo e Rio de Janeiro, e adiantamento
bacias terciárias de Gandarela e Fonseca (na borda do início de sua formação para o Eoceno.
oriental do Quadrilátero Ferrífero), como semigrábens Os trabalhos dedicados ao estudo dessa feição
preenchidos por sedimentos flúvio-lacustres. durante duas décadas agregaram esforços oriundos de
No início do século XX, deve-se destacar os várias equipes de pesquisadores, levantaram discussões
primeiros relatos sobre manifestações da sismicidade na extremamente frutíferas e funcionaram, daí em diante,
Plataforma Brasileira (Branner, 1920) e o início da como uma poderosa alavanca para os estudos de
participação da geomorfologia na caracterização dos efeitos neotectônica.
regionais da tectônica recente, com os trabalhos de De
Martonne (1940) e King (1956), baseados no estudo das 3.3. Fase de Diversificação Regional e
superfícies de erosão do Brasil Oriental, e, mais Interdisciplinaridade
especificamente, do Brasil Sudeste. Na Amazônia, A década de 1990 abriga uma fase de
Sternberg (1950, 1953) esforçava-se em demonstrar, por diversificação regional e estudos em abordagem
um lado, a existência de relações entre feições morfológicas interdisciplinar. Nesse período, os esforços têm três
das planícies aluviais e suas redes de drenagem, e também tipos abordagens, tentativas de sínteses preliminares
de estruturas tectônicas e sismicidade. cobrindo o território brasileiro, investigações regionais
Os primeiros trabalhos, no entanto, enfocando com enfoque morfoneotectônico e enfoques
diretamente a influência da neotectônica na formação interdisciplinares. No primeiro caso, Hasui (1990)
do relevo brasileiro foram os de Freitas (1951), que desencadeou o processo, traçando um quadro em que
tentou delinear os grandes aspectos da Tectônica as estruturas neotectônicas mestres provêm de uma
Moderna do Brasil, associando critérios geológicos e cadeia de reativações de estruturas, cujas origens podem
geomorfológicos, e o de Guimarães (1951), que remontar ao Pré-Cambriano. Saadi (1993) propôs uma
interpretou a organização das principais redes organização neotectônica da Plataforma Brasileira em
hidrográficas e de sedimentos cenozóicos em bandas blocos crustais ascendentes ou subsidentes, separados
meridianas, no leste e centro de Minas Gerais, como por descontinuidades crustais desenvolvidas sobre zonas
resultado de controle tectônico. de fraqueza herdadas. Ao trazer uma atualização do
A transição entre esta “fase pioneira” e a que se estado-da-arte sobre a questão, Suguio (1999) introduziu
poderia qualificar de “fase de amadurecimento” foi a discussão sobre o papel da tectônica recente no
assegurada por uma das mais relevantes contribuições desenvolvimento do litoral brasileiro. Finalmente,
à explicitação das características e efeitos da tectônica Riccomini & Assumpção (1999) propuseram um leque
recente em quase todo o território brasileiro. Uma série de causas possíveis da atividade neotectônica no Brasil
de trabalhos publicados, entre 1955 e 1976 por F.F.M. e suas relações com a sismicidade.
de Almeida culmina com o reconhecimento do “Sistema No segundo caso, projetos de investigação da
de Riftes Continentais da Serra do Mar”. neotectônica em escala regional foram implantados por
grupos de pesquisa em vários estados: Minas Gerais
3.2. Fase de Amadurecimento: “Sistema de (IGC/UFMG), São Paulo (IGCE/UNESP Rio Claro),
Riftes Continentais da Serra do Mar” Rio Grande do Norte (DEGEO/UFRN), Ceará (DEGEO/
O “Sistema de Riftes Continentais da Serra do UFCe) e Pará (CEGEO/UFPa). A estratégia geral desses
Mar” é composto por quatro bacias tectônicas (Volta projetos foi baseada numa abordagem inicial sob o ponto
Redonda, Resende, Taubaté e São Paulo), alinhadas no de vista morfotectônico, focalizando uma análise
vale do Rio Paraíba do Sul (Almeida, 1976). Segundo regional e concomitante dos arranjos morfológicos e
esse autor, a depressão que formou o rifte abateu-se a anomalias de drenagem, seguida de investigações
partir do Oligoceno como conseqüência de um detalhadas, em campo, das áreas suscetíveis de abrigar
arqueamento causado pelo levantamento da Serra do registros de movimentações neotectônicas.
Mar e basculamento da Bacia de Santos, explicando o Finalmente, deve-se ressaltar que os resultados
aspecto de meio-gráben das bacias basculadas para NW. iniciais desses projetos, desenvolvidos por

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

geomorfólogos e geólogos, foram suficientes para isotrópico ante os agentes e processos morfogenéticos.
suscitar interesses de equipes e/ou profissionais de Essa é, visivelmente, a causa primeira do absoluto
várias áreas específicas das geociências —geofísica, predomínio, nessas áreas, de paisagens planas ou
geotectônica, sedimentologia, paleontologia, pedologia, suavemente onduladas nos planaltos das Guianas e do
geologia marinha, geocronologia, entre outras—, Brasil central, principalmente, resultantes da melhor
criando oportunidades de colaboração e parcerias que preservação de morfologias associadas a velhíssimas
darão impulso à próxima fase, caracterizada por uma superfícies de aplainamento pré-cambrianas,
tendência à especialização dos estudos de neotectônica recentemente exumadas ou, em grande parte, ainda
no Brasil. fossilizadas.
As áreas de ocorrência das faixas de dobramento
4. QUADRO CONTINGENCIADOR HERDADO proterozóicas, formadas e/ou remobilizadas com
A comparação dos mapas representando as intensidades variáveis durante o Ciclo Brasiliano (faixas
Províncias Geoestruturais (Almeida et al., 1981) e os Tocantins, Borborema e Mantiqueira), concentram as
Compartimentos de Relevo brasileiros (Ab’Saber, 1964) saliências orográficas essenciais do país, ou seja, os
mostra um alto grau de correspondência entre os limites relevos com características serranas e planálticas
e a extensão de ambos (Figura 10.1). Sua análise revela fortemente escarpadas. Essa correspondência espacial,
fortes interdependências entre as condições litológicas por si só, valida a hipótese de uma mobilidade tectônica
e estruturais do assoalho geológico e a gênese e tipologia posterior, controlando a volumetria topográfica a partir
dos grandes compartimentos de relevo. A incorporação, da forte anisotropia herdada do Ciclo Brasiliano. O
nessa análise, de uma linha de tempo pontuada pelos reaproveitamento das estruturas brasilianas durante o
principais momentos da história geológica da Plataforma Fanerozóico explica a distribuição das principais serras
Brasileira permite completar o quadro dentro do qual se e escarpas (serras da Mantiqueira, do Mar e do
construiu o arcabouço fundamental do relevo brasileiro. Espinhaço, serras do Nordeste, escarpas marginais das
grandes bacias intracratônicas fanerozóicas, entre
4.1. Quadro Geoestrutural Gondwânico outras), bem como suas orientações paralelas àquelas
O quadro geoestrutural gondwânico do Brasil é herdadas da Orogênese Brasiliana.
composto por áreas cratônicas, faixas de dobramento À extensão das grandes sinéclises paleozóicas,
proterozóicas, grandes sinéclises paleozóicas- reaproveitadas no Mesozóico como cenários para
mesozóicas e bacias sedimentares mesozóicas e/ou importantes eventos vulcânicos e sedimentares (bacias
cenozóicas. Nas áreas cratônicas, a ausência de do Paraná, Parnaíba e Amazonas), correspondem
deformação em contexto orogênico brasiliano, a unidades de relevo do tipo planalto, na aceitação plena
exemplo dos crátons Amazônico e do São Francisco, do termo, e extensas planícies (planaltos Meridional e
garantiu ao assoalho litoestrutural um comportamento do Maranhão-Piauí, planícies e terras baixas

Figura 10.1. (a) Províncias geoestruturais do Brasil; e (b) Compartimentos de relevo de primeira ordem de grandeza
(Fontes: Almeida et al., 1981; Ab’Saber, 1964).

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Quaternário do Brasil

amazônicas). A predominância absoluta de unidades preferencial da fraqueza local pelos agentes do


morfológicas planas, horizontais a ligeiramente intemperismo e dissecação cenozóicos, como de realces
inclinadas, expressa o controle efetuado diretamente topográficos relacionados com reativações tectônicas
pelo arranjo litoestrutural em camadas sedimentares. recentes. A importância relativa das descontinuidades
As diferenças morfológicas entre unidades de relevo geomorfológicas aparece como função das variações
deve-se claramente ao comportamento diferencial da escalares e tipológicas existentes no conjunto das
morfogênese ante variações espaciais significativas nas estruturas tectônicas que controlaram sua gênese. Isso
taxas de soerguimento mesozóico-cenozóico e na conduz, por um lado, a uma diferenciação obrigatória
resistência litológica das coberturas vulcano- entre os papéis do Lineamento Transbrasiliano
sedimentares mesozóicas. A imponência das escarpas (Schobbenhaus et al., 1975) e, por outro, os de várias
que geralmente bordejam os limites atuais dessas estruturas menores, correspondendo a zonas de
sinéclises (Serra Geral, no sul, serras de Maracaju e de cisalhamento e arcos tectônicos.
Gerônimo, no centro-oeste, e Serra da Ibiapaba, no
nordeste, entre outras) aparece claramente como uma 4.2.1. Lineamento Transbrasiliano e os Dois
função quase direta da importância relativa do alçamento “Brasis” morfotectônicos
das bordas, acompanhando a subsidência dos eixos das Schobbenhaus et al. (1975) atribuíram a
bacias e o soerguimento do assoalho pré-cambriano em denominação “Lineamento Transbrasiliano” à estrutura
suas periferias. No caso específico da Bacia do Paraná, linear que, com 2.700 km de extensão e direção média
a importância dos derrames basálticos conferiu especial N45°E, corta o território brasileiro, do litoral cearense
realce às suas escarpas periféricas, influindo tanto sobre de Acarau/Camocim à extremidade sudoeste do Mato
a subsidência central quanto sobre suas resistências ao Grosso do Sul. Essa estrutura possui extensões no
desgaste pela erosão. noroeste da África (falha Kandi-Hoggar) e nos territórios
As áreas de notável sedimentação cenozóica, paraguaio e argentino. Trabalhos posteriores —
correspondentes a eixos subsidentes das sinéclises sintetizados em Gottardo & Strieder (1997)—
paleozóicas-mesozóicas, fossas tectônicas terciárias e/ adicionaram diversas estruturas tectônicas e feições
ou quaternárias e uma expressiva faixa litorânea, morfotectônicas ao grande elenco de zonas de falhas e
apresentam morfologias planas e baixas, tais como os grabens apresentados por Schobbenhaus et al. (1975)
tabuleiros do litoral e as planícies do Pantanal, da Ilha como argumentos da existência desse lineamento.
do Bananal e amazônicas, bem como as planícies e terras O conjunto dos trabalhos permite concluir que a
baixas costeiras, entre outros. No entanto, importantes mobilidade intermitente da estrutura, ou ao menos de
inversões, ligadas à reativação cenozóica de estruturas alguns de seus segmentos, afetou até seqüências
tectônicas predominantemente pré-cambrianas, são sedimentares cretácicas. Reativações cenozóicas foram
denunciadas pelo alçamento de várias dessas áreas a identificadas no Ceará por Saadi & Torquato (1992)
altitudes que ultrapassam 1.000 m. com base em evidências de campo. Hasui & Mioto
Na área oceânica, fossas, altos e ilhas (1988) forneceram argumentos sismotectônicos para
mesozóicos-cenozóicos da margem continental, apesar a mobilidade recente do segmento central, ou goiano,
de imersos, expressam efeitos dos mecanismos que interpretação aprimorada por Mioto (1993) com base
presidiram a deriva da Placa Sul-Americana, cuja na análise e reinterpretação de todos os trabalhos
incorporação à análise geomorfodinâmica do território realizados nesse intervalo de tempo.
brasileiro ainda não foi realizada adequadamente. A existência desse lineamento é de igual
importância para a geologia e a geomorfologia, e, por
4.2. O Papel das Grandes Geossuturas extensão, para toda a geografia física do território
Paralelamente às referidas correlações entre brasileiro. Os Dois “Brasis” Geotectônicos de Brito
Províncias Geotectônicas e Compartimentos de Relevo Neves (1991), caracterizados como um “Domínio Pré-
de primeira ordem de grandeza, impõe-se a consideração Brasiliano” (Região Amazônica) com constituição
dos limites estabelecidos entre unidades de relevo, predominantemente cratônica e um “Domínio
geralmente de ordem inferior, por grandes lineamentos Brasiliano” (Região Extra-Amazônica), definido como
tectônicos de natureza e idade variáveis (muitas vezes “colagem variada de diversas orogenias, no sentido
parcialmente indefinidas) e geossuturas correspondendo moderno do termo”, encontram equivalentes
às principais frentes de empurrão proterozóicas. As geomorfológicos estritamente dependentes dessa
descontinuidades geomorfológicas, expressões físicas diferenciação geotectônica fundamental. A Figura 10.2
desses limites, resultam tanto de uma exploração ilustra essa diferenciação fisiográfica fundamental entre

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

Dois “Brasis” (também) Geomorfológicos, cuja proporcionais ao grau de anisotropia. Também é notável
fronteira comum é nitidamente estabelecida pelo a correspondência desses com a compartimentação
Lineamento Transbrasiliano: morfoclimática proposta por Ab’Saber (1964), exceto
a) um Brasil Amazônico, situado a NW do que esta última não respeita um ordenamento espacial
lineamento e correspondendo, predominantemente, a em função da latitude, mas em manchas de orientação
regiões de morfologia plana a ligeiramente ondulada em NE-SW, orientação geral dos grandes conjuntos
altitudes inferiores a 500 m, com raras exceções nas orográficos, que, calcados sobre as direções estruturais
extremidades norte e sul; e brasilianas, exercem forte bloqueio sobre o avanço,
b) um Brasil Extra-Amazônico, situado a SE do rumo a oeste, das massas de ar oceânicas.
lineamento, e correspondendo a regiões cuja morfologia As repercussões desse controle estendem-se até
associa, predominantemente, tipos planálticos elevados à organização geométrica das grandes bacias hidrográficas
a tipos serranos acidentados, em altitudes, muito brasileiras. Nessa organização, ao Brasil Amazônico
freqüentemente, superiores a 500 m. corresponde principalmente a bacia do Rio Amazonas,
com sua forma quase circular, característica de bacia de
A absoluta clareza dessa diferenciação área cratônica, enquanto o Brasil Extra-Amazônico abriga
fisiográfica, perfeitamente ilustrada pela distribuição várias bacias hidrográficas (São Francisco, Paraná,
espacial das grandes linhas do relevo brasileiro, ou por Uruguai, bacias do Nordeste, do Leste e do Sudeste),
sua fortíssima concentração no compartimento de SE, com orientação predominante NE-SW a NNE-SSW,
demonstra, de fato, a existência de duas realidades paralela à das faixas de dobramento brasilianas.
morfoneotectônicas distintas. A gênese de Em função disso, consideram-se os dois
compartimentos de relevo tão distintos foi e continua compartimentos como unidades territoriais
sendo, evidentemente, influenciada pela profunda caracterizadas por comportamentos morfotectônicos
diferenciação das condições litoestruturais dos diferenciados pelos graus de isotropia herdados dos
substratos. No entanto, posto que o conjunto da períodos geológicos pré-cenozóicos. Eles são
Plataforma Brasileira tem sido afetado por eventos de denominados: a) Compartimento Morfotectonicamente
soerguimento pós-cretácicos, tendo em vista a Isotrópico Amazônico; e b) Compartimento
comprovada intensidade da erosão durante o Cenozóico, Morfotectonicamente Anisotrópico Extra-Amazônico
deve-se admitir que a esculturação do relevo revela (Saadi, 1999). Essas características demonstram o
também respostas diferenciadas às solicitações papel fundamental do Lineamento Transbrasiliano na
neotectônicas, sendo que as possibilidades de reativação evolução morfotectônica da Plataforma Brasileira e
de estruturas herdadas são, de alguma maneira, justificam, inclusive, a necessidade de empregar, em
cada um deles, abordagens metodológicas específicas
para investigações neotectônicas.

4.2.2. Grandes lineamentos e geossuturas


Outros grandes lineamentos, entre os quais
geossuturas brasilianas bem definidas, vêm exercendo,
também, notável influência sobre o quadro neotectônico
brasileiro. Entre outros, eles envolvem:
• frentes de empurrão principais brasilianas, a
exemplo das rampas frontais dos empurrões brasilianos
que margeiam, a leste e a oeste, o Cráton do São
Francisco;
• zonas de cisalhamento transcorrentes, a exemplo
dos lineamentos Paraíba e Pernambuco, ou ainda das
zonas de transcorrência do sul de Minas Gerais; e
• arcos “tectono-magmáticos”, a exemplo dos que
seccionam as bacias sedimentares do Amazonas e do
Paraná, ou do que estabelece a borda sul da Bacia Potiguar.

Figura 10.2. Os Dois “Brasis” morfotectônicos como con- Esses lineamentos funcionam como zonas de
seqüências do Lineamento Transbrasiliano. intensa deformação com dimensões regionais,

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Quaternário do Brasil

resultando da reativação episódica, geralmente em do Brasil Oriental, foi o fator fundamental de sua
regime de transcorrências, de geossuturas pré- separação em unidades sedimentares específicas pelos
cambrianas. Por falta de melhor conhecimento diversos pesquisadores, apesar da ausência de elementos
específico de cada um deles, eles foram caracterizados que permitam a aplicação de critérios seguros de
por Saadi (1993) como descontinuidades crustais (DC), diferenciação. Isto alimentou, durante décadas, as
algumas das quais mais evidentes: DC dos Dois “Brasis” discussões sobre esses sedimentos, em torno de,
(DCDB), DC Minas-Alagoas (DCMA), DC Tocantins- principalmente, duas questões:
Araguaia (DCTA), DC do Alto São Francisco (DCASF), — Onde começa e termina, no tempo, a sedimentação
DC do Alto Rio Grande (DCARG), DC do Lineamento atribuível ao “Barreiras”? e, conseqüentemente,
Pernambuco (DCLP), DC do Médio-Alto Paraná — Trata-se de uma “formação” de idade neogênica,
(DCMAP) e DC do Paraíba do Sul (DCPS). conforme a concepção mais usual, ou de um “grupo”
Em algumas dessas descontinuidades, foram Barreiras mais amplo, conforme sugere Mabesoone
gerados riftes continentais ou bacias sedimentares et al. (1972)?
isoladas, parte delas posteriormente comprimidas e
invertidas, como no caso do Rifte Cenozóico da Região 4.3.2. “Grupo” Barreiras e setores
de São João del Rei (Saadi, 1991, Leite et al., 1996). morfossedimentares do Brasil Oriental
Essas descontinuidades organizam de vários modos a A Figura 10.3 ilustra, para o compartimento
compartimentação dos macrorrelevos e controlam a morfotectônico extra-amazônico, a relação entre as
organização da rede hidrográfica, bem como a orientação grandes faixas de Sedimentos Barreiras neogênicos,
e segmentação das principais bacias. Os blocos por elas situadas ao longo do litoral, e as manchas de sedimentos
delimitados apresentam-se fragmentados por falhamentos cenozóicos considerados mais antigos, situadas nas
de todos tipos e ordens de grandeza, alternando eixos de regiões mais interioranas, além do conjunto dessas
subsidência e de arqueamento (Saadi, 1993). ocorrências e a organização dos grandes
compartimentos de relevo do Brasil Oriental.
4.3. Sedimentação Barreiras e Desse conjunto de relações espaciais, resulta a
Compartimentação Morfotectônica Cenozóica diferenciação de quatro setores morfossedimentares (S1
a S4), onde a posição das manchas de sedimentos
4.3.1. Unidade e fragmentação cenozóicos com relação às linhas-mestra do relevo serve
A Sedimentação Barreiras é uma forma de de fio diretor para a recomposição de um grande Grupo
expressão bastante recorrente quando se procura Barreiras, cuja deposição foi diferenciada regionalmente
discutir, com uma visão global, os problemas da pelos comportamentos morfotectônicos específicos dos
sedimentação continental cenozóica brasileira. Mesmo
que atualmente esteja presente apenas por manchas
residuais, esparsas e de difícil correlação espacial e/ou
cronológica, ela representa, provavelmente, o melhor
meio para reencontrar o elo perdido entre os contextos
geomorfológicos do final do Mesozóico e do Cenozóico,
e desvendar o papel da tectônica na evolução
geomorfológica diferenciada das diversas partes do
Brasil Oriental, durante o Cenozóico.
A continuidade física dessas manchas
sedimentares, na forma de lençol quase contínuo, do Rio
de Janeiro à Guiana —pelo menos no que diz respeito às
áreas continentais— sugere que sua forma inicial
correspondia a rampas detríticas coalescentes
mergulhando rumo ao nível de base atlântico. Estas teriam
acumulado a sedimentação correlativa de eventos de
desnudação, ocorridos como respostas aos eventos de
soerguimento epirogenético que edificaram as superfícies
culminantes em diversos pontos do interior brasileiro. Figura 10.3. Relações entre as ocorrências de sedimentos
A forte fragmentação e isolamento das manchas cenozóicos e as grandes linhas de relevo do Brasil Oriental
sedimentares cenozóicas, observável na parte emersa Extra-Amazônico.

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

referidos setores. organização morfotectônica regional. Além dos


A continuidade dos Sedimentos Barreiras na Sedimentos Barreiras (neogênicos) da franja costeira,
franja litorânea só é interrompida, de fato, ao longo da chapadas interioranas (serras do Martins, de Santana e
costa de emersão (setor S3), entre os estados do Rio do Cuité, principalmente) suportam capas de sedimentos
de Janeiro e Santa Catarina, onde ocorreu o maior fluviais considerados paleogênicos, em altitude média
soerguimento cenozóico em território brasileiro. O de 700 m. Essas chapadas alojam-se entre dois rebordos
resultado dessa fragmentação, expresso pela intercalação de anfiteatros escalonados, cuja geometria denuncia os
de uma estrutura de gráben —o vale do Rio Paraíba do controles das zonas de cisalhamento NE-SW e do eixo
Sul— entre duas de horste —as serras do Mar e da de soerguimento E-W da Província Borborema. O
Mantiqueira— explica a retenção dos sedimentos rebordo do anfiteatro paleogênico deve indicar a posição
terciários em armadilhas tectônicas (riftes de São João da superfície culminante, a partir de cujo soerguimento
del Rei e da Serra do Mar, bacias das baixadas cariocas (provavelmente ligado à transpressão entre as zonas de
e paulistas), impedido-os, em maior parte, de alcançar cisalhamento Pernambuco e Patos) e conseqüente ciclo
a franja costeira. erosivo instalaram-se os sedimentos correlativos das
O setor S4 corresponde à costa subsidente primeiras formações do “Grupo” Barreiras aqui
gaúcha sem anteparo orográfico no continente, aonde proposto. O rebordo do anfiteatro neogênico indica a
os sedimentos terciários e quaternários chegaram linha para onde migrou o eixo de soerguimento
livremente à costa, compondo sistemas de leques (provavelmente ligado ao magmatismo cenozóico na
recobertos por planícies flúvio-marinhas holocênicas.
No setor S2, é evidente o papel de superfície culminante
assumido, durante o Cenozóico, pelos planaltos das
serras do Espinhaço e Quadrilátero Ferrífero, unidas
por efeito do Ciclo Brasiliano que conectou as
litoestruturas do Supergrupo Espinhaço às do Grupo
Caraça. É notável o fato de que todos os sedimentos
terciários jazem em bacias tectônicas situadas a leste
da frente de empurrão brasiliana (borda leste do
Quadrilátero Ferrífero, médio Rio Doce, médio Rio
Jequitinhonha, borda leste da Chapada Diamantina, entre
outros), cujos indícios de reativação cenozóica foram
discutidos por Saadi (1991). Nesse caso, também são
claras as evidências de retenção dos sedimentos em
armadilhas tectônicas, situadas entre o Planalto do
Espinhaço e os blocos orientais do sistema Mantiqueira.
Os soerguimentos experimentados localmente, com
menor intensidade e mais tardios que no setor S3, não
impediram que parte dos sedimentos alcançassem a linha
de costa. No litoral sul da Bahia, Saadi (2000b) registrou
neles efeitos da tectônica plio-quaternária, caracterizados
por falhas transcorrentes, grabens e arqueamentos,
esses últimos provavelmente ligados a magmatismo
cenozóico associado a zonas de fraturas oceânicas
(Figura 10.4). Finalmente, o setor S1 ilustra
perfeitamente a originalidade do bloco do nordeste
setentrional, isolado de setor precedente pelo Lineamento
Pernambuco, tratado a seguir.

4.3.3. “Grupo” Barreiras e anfiteatros


terciários no nordeste setentrional
Como complemento da Figura 10.3, representa-
se, na Figura 10.5, a posição dos sedimentos Figura 10.4. Mapa da neotectônica do litoral sul do Esta-
paleogênicos do nordeste setentrional, em relação à do da Bahia (Fonte: Saadi, 2000b).

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Quaternário do Brasil

Sedimentação Barreiras em nível nacional.

5. NEOTECTÔNICA DA REGIÃO NORDESTE


Dados históricos e instrumentais têm
demonstrado que a região Nordeste é uma das regiões
que apresenta maior atividade sísmica do país. O
primeiro tremor conhecido na região ocorreu em 1808,
próximo a Assu, RN (Figura 10.6, Ferreira &
Assumpção, 1983). Estudos sismológicos e
neotectônicos sistemáticos tiveram, entretanto, início
no século XX. Os primeiros, realizados na primeira
metade do século XX, concentraram-se principalmente
na costa (Branner, 1920). Tais estudos evoluíram nas
décadas de 1950 e 1960 para investigações com
enfoque morfológico tanto na costa, quanto no interior
(Feio, 1954), descrevendo principalmente a
compartimentação e flexura de superfícies de grandes
blocos crustais. Posteriormente, trabalhos que incluíam
novos conceitos de tectônica de placas, de cunho
neotectônico e geomorfológico, foram apresentados até
meados da década de 1980 (Sykes, 1978). Entretanto,
é somente a partir de 1986, com a espetacular seqüência
de tremores ocorrida na região de João Câmara, RN,
Figura 10.5. Relações entre ocorrências de sedimentos
que os estudos sismológicos e neotectônicos tiveram
paleogênicos e organização morfotectônica no nordeste
setentrional.

borda sul da Bacia Potiguar), induzindo a dissecação da


superfície anterior e deposição das formações mais
recentes do Grupo Barreiras ao longo da linha de costa.
Essa interpretação reforça a concepção de um “Grupo”
Barreiras conforme proposto por Mabesoone et al.
(1972) para o litoral oriental do Nordeste.

4.3.4. Importância do Grupo Barreiras para


o estudo da neotectônica do Brasil
O conjunto de dados sintetizados sobre as
ocorrências de sedimentos cenozóicos no Brasil Oriental
e suas relações com as feições morfotectônicas sugere
que os sedimentos, já classificados em inúmeras formações,
ainda que em caráter preliminar, poderiam ser agrupados
numa unidade com ordem de grupo, o “Grupo” Barreiras.
De fato, observou-se que, do Paleógeno ao Quaternário,
seus jazimentos indicam relações com vários pulsos de
soerguimentos das superfícies culminantes que limitam
sua extensão no interior. Na maior parte das vezes, o
estabelecimento das relações cronoestratigráficas é
dificultado pela fragmentação em pequenas bacias devido
à mobilidade tectônica ocorrida durante o Cenozóico.
Finalmente, é essa mesma relação que faz desses
sedimentos a chave para o entendimento da evolução Figura 10.6. Mapa geológico simplificado da região Nor-
neotectônica no Brasil, justificando a necessidade de deste, incluindo sítios de liquefação e deslizamento asso-
implantação de um programa de estudo integrado da ciados a tremores históricos.

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

um impulso significativo na região. (Ferreira & Assumpção, 1983, Figura 10.7). Além disso,
Os estudos sismológicos e neotectônicos mais evidências de liquefação em sedimentos quaternários,
recentes concentraram-se na porção setentrional do principalmente conglomeráticos, causadas por
Nordeste (Figura 10.7). A sismicidade foi caracterizada paleotremores, foram descritas por Saadi & Torquato
por investigações que envolveram redes de estações (1992). Bezerra & Vita-Finzi (2000), baseados em dados
sismográficas móveis e identificaram diversas falhas empíricos, sugeriram que tais paleotremores atingiram
pela relação entre distribuição de epicentros e tensões magnitudes (medida aproximada da energia do tremor)
tectônicas (Assumpção, 1992; Takeya et al., 1989; iguais ou superiores a 6,8.
Ferreira et al., 1998). Concluiu-se que a sismicidade Após 1986, os estudos neotectônicos
na região ocorre como enxames de terremotos, que investigaram principalmente o papel das falhas em áreas
duram vários anos e estão concentrados na porção de alta sismicidade. Torres (1992) identificou várias
superior da crosta, entre 1 e 12 km. O mais bem zonas de falhas e as respectivas paleotensões, numa
estudado exemplo ocorreu próximo a João Câmara-RN, tentativa de mapear zonas de risco sísmico elevado.
onde foi registrada uma seqüência de mais de 40.000 Investigações recentes na costa oriental do Rio Grande
tremores entre 1986 e 1989. Os tremores concentraram- do Norte e Paraíba mostraram a influência de
se ao longo de uma faixa denominada Falha de movimentos neotectônicos no Quaternário resultantes
Samambaia (Figura 10.8), com mais de 40 km de principalmente da reativação de zonas de cisalhamento
extensão, direção N40o E e mergulho aproximado de dúcteis pré-cambrianas. Uma estrutura de horstes e
70o para NW. Estima-se que mais de 30.000 imóveis grabens alternados foi identificada nessa área. Essa
foram danificados parcial ou totalmente por tais eventos. estruturação produziu os chamados tabuleiros costeiros,
Dados macrossísmicos (baseados nos efeitos que representam horstes capeados pelos Sedimentos
dos tremores) e informações registradas em depósitos Barreiras, em altitudes de até 200 m. Na zona costeira,
quaternários indicaram que o fenômeno não é novo. os horstes acabam abruptamente na zona de praia,
Registros históricos identificaram tremores que formando falésias de até 50 m de altura. Os grabens
provocaram liquefação e/ou deslizamento de solos desde abrigam vales fluviais encaixados em falhas
o início do século XX. Os mais importantes ocorreram transcorrentes e normais (Figura 10.9). Dois conjuntos
na Bacia do Recôncavo e na borda da Bacia Potiguar principais de falhas foram identificados NE (40-60o) e

Figura 10.7. Mapa geológico simplificado da porção setentrional do Nordeste, incluindo sismicidade histórica e recente
(Fonte: Ferreira et al., 1998, modificado).

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Quaternário do Brasil

elas pré-cambrianas ou derivadas da separação das placas


Sul-Americana e Africana.

6. NEOTECTÔNICA DAS REGIÕES SUDESTE E SUL


As publicações tratando direta ou indiretamente
da tectônica cenozóica na região Sudeste são as mais
numerosas, mas não permitem ainda a elaboração de uma
síntese definitiva, pois tratam de áreas espalhadas em
regiões caracterizadas por contextos geoestruturais
muitos diversificados. Quanto à região Sul, ainda não há
trabalhos com enfoque claro na questão da neotectônica.
Deve-se referência obrigatória à fossa tectônica
que abriga o vale do Rio Paraíba do Sul, rifte continental
gerado a partir do Oligoceno, por reativação da zona de
cisalhamento do Paraíba do Sul (ENE-WSW), gerando
uma série de meio-grabens isolados por falhas NNE-
SSW. O rejeito atual da falha principal é próximo dos
Figura 10.8. Falha de Samambaia, indicada por setas, 3.000 m, considerando os 2.000 m da escarpa que
marcada pelo alinhamento de epicentros (Fonte: Takeya et bordeja o Maciço do Itatiaia e os 700 m de sedimentos
al., 1989, modificado). cenozóicos identificados por sondagens sísmicas da
Petrobrás (Mohriak & Barros, 1990). Parte desse rejeito
NW (300-320o), que apresentam movimentação destral
e sinistral, respectivamente, com movimentos alternados
de falha normais (Bezerra & Vita-Finzi, 2000; Bezerra
et al., 2001).
Diversos modelos têm sido propostos para explicar
a sismicidade e os movimentos neotectônicos. A
associação entre atividade sísmica, fluxo geotérmico e
magmatismo cenozóico foi iniciada por Sykes (1978) e
retomada por Carneiro et al. (1989), que sugeriram que
a atividade sísmica regional vincula-se às zonas em que
os gradientes e intensidade de fluxo térmico atingem
níveis entre médio e alto. Assumpção (1992) e Ferreira
et al. (1998) sugeriram que as tensões provocadas pela
migração da Placa Sul-Americana para oeste, somada às
tensões provocadas pela diferença entre a densidade da
crosta continental e oceânica, são as responsáveis pelo
grande número de tremores ocorridos ao longo da costa
setentrional do Nordeste. Saadi & Torquato (1992)
propuseram, para o estado do Ceará, um megassistema
destral, caracterizado por falhas de direção E-W, limitadas
a sul pelo Lineamento Patos e a norte por outro lineamento
oceânico. No Rio Grande do Norte, Torres (1992) propôs
um sistema semelhante, entretanto caracterizado por
movimentação sinistral. Mais recentemente, Bezerra &
Vita-Finzi (2000) sugeriram que zonas de cisalhamento
dúcteis pré-cambrianas ou falhas de idade cretácea,
orientadas segundo a direção NE ou NW, estavam em
posição ideal para reativação por transcorrência pela tensão
Figura 10.9. Dobra associada a falhas transcorrentes oblí-
máxima atual E-W. Todos esses modelos têm em comum quas afetando a Formação Barreiras. Níveis escuros
o fato de sugerirem o papel de estruturas crustais correspondem às camadas com alto grau de alteração
preexistentes na atividade sísmica e neotectônica, sejam intempérica.

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

deve ser atribuída ao Pleistoceno, visto que em toda a o qual não faltam argumentos de ordens geológica,
Serra da Mantiqueira mineira são comuns os vales geomorfológica e hidrográfica (Almeida, 1964; Soares
quaternários suspensos e as deformações tectônicas em & Landim, 1976). Acredita-se que os problemas
terraços fluviais (Saadi, 1991; Hiruma et al., 2001). Na enfrentados para o estudo neotectônico dessa região
região de Aiuruoca, MG, Santos (1999) identificou sinais devem ser ligados às dificuldades de observação, ante
de inversão tectônica de uma bacia sedimentar a complexidade das estruturas sedimentares da
paleogênica. Também no vale do Rio Paraíba do Sul, cobertura cretácica e o amortecimento dos
Riccomini et al. (1989) descreveram importantes deslocamentos tectônicos pelos pacotes de rochas
deformações em sedimentos quaternários, incluindo sedimentares mesozóico-cenozóicas. Além disso, a
“linhas de pedra” e colúvios. fragmentação da Bacia do Paraná pelas falhas de direção
Ao lado desse rifte, existem outras bacias NW-SE, representando claramente prolongamentos
tectônicas neocenozóicas, tais como a Bacia de Curitiba, continentais dos correspondentes lineamentos
o Gráben de Sete Barras, no Vale do Ribeira (Melo et oceânicos, é nitidamente evidenciada pela
al., 1989), o Gráben de Barra de São João, na plataforma compartimentação geomorfológica, em associação com
de Cabo Frio (Mohriak & Barros, 1990), além de a segmentação da rede de drenagem. O lineamento do
inúmeras bacias menores nos arredores do Rio de Rio Paranapanema (DCMAP; Saadi, 1993) assumiu o
Janeiro. Não há, portanto, dúvidas de que a zona de papel morfotectônico mais marcante desse conjunto.
cisalhamento do Paraíba do Sul constitui uma zona de A oeste da Serra da Mantiqueira, no estado de
fraqueza fundamental, tendo sido denominada Minas Gerais, vários trabalhos foram desenvolvidos a
Descontinuidade Crustal do Paraíba do Sul (DCPS) por partir de 1987, resultando numa síntese morfotectônica
Saadi (1993), com referência a sua atividade cenozóica. (Saadi, 1991), na qual se demonstrou que as bordas
A continuidade da atividade tectônica na região durante leste, sul e oeste do Cráton do São Francisco foram
todo o Quaternário foi marcada por deformações de reativadas durante o Cenozóico, com maior intensidade
terraços no Vale do Ribeira de Iguape (Melo et al., 1989), no Plioceno, mas continuando ativas durante o
adernamentos de depósitos holocênicos no Vale do Rio Quaternário. Na borda leste, no médio Jequitinhonha,
Paraíba do Sul (Verdade & Hungria, 1966) e de paralelamente ao soerguimento e basculamento para leste
sedimentos praiais do Pleistoceno superior (Suguio & do Planalto do Espinhaço, foi gerado o Gráben de Virgem
Martin, 1976). Outra evidência marcante é representada da Lapa, preenchido por 100 m de sedimentos fluviais
pela continuação da subsidência do litoral sul-rio- da Formação São Domingos (Pedrosa Soares & Saadi,
grandense (Asmus & Guazelli, 1981) controlada por 1989; Saadi & Pedrosa Soares, 1990). A falha principal
falhas normais de direção NE-SW. integra um lineamento regional (DCMA; Saadi, 1993),
Na parte nordeste da região Sudeste, evidências de direção NE-SW, marcado por anomalias magnéticas
de tectônica compressiva quaternária foram descritas e atividade sísmica em todo seu comprimento. Esse
por Gallardo et al. (1987), próximas a Nova Venécia lineamento inicia-se em Minas Gerais, com o controle
(ES). Trata-se principalmente de falhas transcorrentes do Rio Araçuaí, atravessa o estado da Bahia a oeste da
e reversas deslocando coberturas de encostas e calhas Baía de Todos os Santos, onde deforma intensamente
fluviais. Ellert (1974) identificou uma estrutura de horste os Sedimentos Barreiras, e termina controlando a borda
e gráben afetando os Sedimentos Barreiras e controlando oeste da Bacia Sergipe-Alagoas.
as lagoas da região de Linhares, no baixo Rio Doce. No médio Rio Doce, transcorrências sinistrais SE-
Alguns quilômetros a oeste, no contato tabuleiros- NW cortam terraços quaternários e adentram-se à Serra
colinas, observa-se forte flexuramento nos Sedimentos do Espinhaço, ao norte de Diamantina. Essa serra também
Barreiras, confirmando o abatimento neotectônico do é afetada por transcorrências destrais E-W, na latitude
delta do Rio Doce. de Diamantina e Serro. Além dessas, falhas normais NE-
Na Bacia do Paraná, Bjornberg (1969), Bjornberg SW controlam um escalonamento de blocos entre a Serra
et al. (1971) e Bjornberg & Gandolfi (1974) apontam a do Espinhaço e a calha do Rio Doce (Figura 10.10).
ocorrência de basculamentos para NW de blocos com Conforme Souza (1995), que identificou uma organização
dimensões variando de poucos a milhares de quilômetros morfotectônica da bacia do Rio Doce compatível com o
quadrados, bem como a predominância de falhas modelo de evolução do Planalto do Espinhaço, que a
transcorrentes, além de falhas normais e reversas. De bordeja, são comuns deslocamentos tectônicos em
qualquer modo, não se pode ocultar a probabilidade da terraços fluviais e rampas coluviais. Saadi (2001) mostrou
continuação da subsidência do centro da bacia e o que esse quadro mantém relações claras com a
correspondente levantamento de suas bordas, fato para distribuição dos epicentros sísmicos (Figura 10.10).

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Quaternario do Brasil.PMD 223 18/1/2008, 11:06


Quaternário do Brasil

Na borda sul do Cráton do São Francisco, a em estreita relação com o soerguimento e basculamento
reativação pliocênica da zona de transcorrência SW-NE para NNW da borda sul do cráton. A leste e oeste do eixo
(DCARG; Saadi, 1993) gerou o “Rifte de São João del de arqueamento N-S, passando por Arcos e Bom
Rei” (Saadi, 1991), onde se alinham duas bacias Despacho, a reativação dos empurrões associados a planos
transtensionais bem preservadas, e uma terceira, Bacia de descolamento (detachment), que estruturam a cobertura
de São Sebastião da Vitória, posteriormente invertida por proterozóica do Grupo Bambuí, imprimiu uma morfologia
esforços transpressivos (Saadi, 1992). Na borda sudoeste, de blocos basculados em direções divergentes (Saadi,
após a elaboração da superfície Sul-Americana, o Planalto 1993). As evidências desse tipo de deformação encontram-
do alto Paranaíba foi levantado no mínimo 200 m e se, ainda, nas falhas reversas, vergentes para leste, que
basculado para WNW. No topo da escarpa da Serra da deslocam o Cretáceo no alto Paranaíba, como também na
Saudade, encontra-se uma estrutura de horste e gráben relação dos sismos de Manga (norte de Minas Gerais),
controlada por falhas E-W e envolvendo perfis de solos com falha reversa vergente para oeste (Veloso et al., 1990).
e coberturas coluviais (Saadi, 1991). No Quadrilátero Ferrífero, os testemunhos de
A porção sul do cráton é recortada por uma zona superfícies de erosão apresentam estreitas relações com
de cisalhamento de direção N50W, com largura de 50 km os domínios litoestruturais (Varajão, 1991) e os
(DCASF; Saadi, 1993), que demonstrou atividade posicionamentos altimétricos atuais resultam de
recorrente desde o Pré-Cambriano até o Quaternário, deslocamentos verticais, por reativações de falhamentos
quando abrigou os grabens de Arcos e Doresópolis, com antigos (Brajnikov, 1947; Freitas, 1951; King, 1956;
direção N30-40W (Saadi, 1993). Segundo esse autor, a Barbosa, 1966; Braun, 1971). A ocorrência de tectônica
evolução posterior da rede de drenagem, carstificação e cenozóica, nessa região, foi demonstrada por Gorceix
sedimentação fluvial demonstra ter sido realizada sob (1884), com a descrição das bacias de Gandarela e
controle tectônico, pelo menos até o Pleistoceno inferior, Fonseca, onde Lima & Salard-Cheboldaeff (1981) tinham

Figura 10.10. Modelo morfoneotectônico da bacia do Rio Doce-MG e sismicidade associada (Fontes: Souza, 1995;
Saadi, 2001).

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

identificado palinomorfos de idade eocênica-miocênica. A do Rio Solimões-Amazonas e de sua planície de


identificação de uma terceira bacia tectônica (Bacia do inundação. Entretanto, estruturas neotectônicas foram
Gongo Soco; Saadi et al., 1992), com 260 m residuais de descritas em afloramentos da Formação Alter do Chão,
sedimentos flúvio-lacustres afetados por mergulho de 70º na Amazônia central, por Franzinelli & Piuci (1988) e
e falhas normais e inversas, confirmou, mais uma vez, a Franzinelli & Igreja (1990), os quais definiram o modelo
mobilidade tectônica da região durante o Cenozóico. neotectônico para a região do baixo Rio Negro.
Em resumo, o estado de Minas Gerais foi, Um grande passo no conhecimento da
durante o Cenozóico, compartimentado em domínios neotectônica da Amazônia resultou do trabalho de Costa
morfotectônicos separados por “descontinuidades et al. (1993), que resume três aspectos fundamentais
crustais”, as quais correspondem a importantes para o entendimento desse processo: a tectônica
geossuturas pré-cambrianas episodicamente reativadas ressurgente, as zonas sismogênicas e a compartimentação
(Saadi, 1991). As principais deformações são tectono-estrutural. Numerosos artigos foram dedicados
relacionadas a falhas transcorrentes e à reativação de nesse período especialmente às feições da neotectônica
planos de descolamento e empurrões suborizontais. O na calha do Rio Amazonas (Franzinelli & Latrubesse,
campo médio de tensões neotectônicas, determinado 1992; Costa et al., 1993, 1994; Villegas, 1994; Bemerguy
pelos métodos de Arthaud (1969) e dos Diedros Retos et al., 1995; Borges et al., 1995), na calha do Rio Ma-
(Angelier & Mechler, 1977), é caracterizado por um deira (Souza Filho et al., 1999) e na região ao SW da
vetor compressivo horizontal SE-NW. Amazônia (Latrubesse & Rancy, 2000).
O modelo geral da neotectônica na região
7. NEOTECTÔNICA DA REGIÃO NORTE amazônica foi definido por Igreja (1999) após estudos
exaustivos de sensoriamento remoto e algumas
7.1. Introdução e Histórico verificações de campo. Esse autor identificou os pulsos
Feições estruturais, tais como anomalias de ou as fases dessa neotectônica (Igreja et al., 2001). Os
drenagem, capturas fluviais, formas de lagos e de estudos atuais dirigem-se para a verificação de
sistemas de relevo, anormalidades em elementos de aplicações da neotectônica na Amazônia, visando
bacias hidrográficas e irregularidades nas seqüências caracterizar sua importância na configuração de
sedimentares que resultam de movimentos crustais a ecossistemas sob o aspecto vegetal (Franzinelli et al.,
partir do Terciário superior (Mioceno-Plioceno) e do 1999) e animal (Igreja et al., 2001).
Pleistoceno superior ao Recente, são consideradas
efeitos da neotectônica. De acordo com Hasui (1990, 7.2. Modelo Neotectônico Amazônico
apud Costa, 1996), essas idades são marcadas por Para se atingir o atual modelo neotectônico
registros geológicos que coincidem com as amazônico (Figura 10.11), os aspectos fundamentais
manifestações finais do evento extensional Sul- da geomorfologia e fisiografia amazônicas foram
Atlantiano, que na Amazônia resultou na deposição da interpretados à luz da neotectônica, cujos movimentos
seqüência superior da Formação Alter do Chão e, mais recentes ainda se mostram fortemente controlados
provavelmente, no Oligoceno pelo desenvolvimento do pelas estruturas do Pré-Cambriano, Paleozóico e
perfil laterítico-bauxítico sobre a mesma formação. Mesozóico (Igreja, 1992). As considerações
A consideração e o estudo da neotectônica na geodinâmicas iniciais de processos isostáticos de uma
Amazônia se desenvolveu nos últimos 50 anos, com um planície estável deram então lugar à revelação de uma
início tímido. A partir da década de 1990, no entanto, região relativamente movimentada, cujo eixo, o Rio
esse estudo foi bastante intensificado com o Amazonas, representa uma Zona Principal de
aprimoramento dos produtos e técnicas de sensoriamento Deformação transcorrente essencialmente destral,
remoto. O precursor dos estudos da neotectônica na compondo uma extensa e sistemática malha de grandes
Amazônia foi Sternberg (1950) que, por meio de falhas e fraturas. Desse modo, atualmente, o sistema
investigações em mapas e fotografias aéreas, mostrou amazônico representa uma imensa estrutura em flor
que os vales da planície amazônica e os cursos dos rios (Igreja, 1999), peculiar de sistemas tectônicos
Urubu, Preto da Eva e Uatumã estão condicionados a direcionais. Trata-se, nesse caso, de reflexo da interação
lineamentos de direção NE-SW e NW-SE. Suguio & das placas Sul-Americana, de Nazca e Caribenha.
Iriondo (1982), após estudo da geomorfologia da planície
quaternária do Rio Amazonas, definiram a ocorrência de 7.3. Sismicidade da Bacia Amazônica
blocos soerguidos, subsidentes e inclinados para justificar Os fenômenos de deposição e/ou erosão
as formas e as características de alguns trechos do curso acelerada (“terras-caídas”), assim como os

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Quaternário do Brasil

deslizamentos e desabamentos catastróficos quando em orogênese Diaguita, na borda pacífica do continente


áreas urbanas, atribuídos à simicidade por Sternberg sul-americano, e o presente sistema neotectônico
(1953), na área do Rio Urubu e Careiro, ainda não transpressional a partir do Pleistoceno superior
tiveram o necessário monitoramento sísmico, em que (Transpressão Marajoara), na região amazônica. O
pesem os históricos prejuízos materiais e principalmente presente Pulso Neotectônico Marajoara controla os
de vidas humanas. As zonas sismogênicas associadas aspectos fisiográficos dos rios, divisores de água, lagos,
às estruturas neotectônicas foram preliminarmente ilhas fluviais, entre outras feições geomorfológicas.
delineadas e praticamente restritas às intersecções dos
grandes lineamentos por Mioto (1993). Esses escassos 8. NEOTECTÔNICA DA REGIÃO CENTRO-OESTE
conhecimentos refletem a necessidade de avançar-se São muito poucos os trabalhos que permitem
nos estudos sísmicos da região, uma vez que eles se analisar a evolução neotectônica da Região Centro-Oeste.
tornam fundamentais para a subdivisão neotectônica Com base nas informações existentes, o que se pode
na configuração dos compartimentos ecológicos, das elaborar são interpretações sobre feições específicas. A
áreas de riscos, das unidades geomorfológicas, ou seja, expressão maior da neotectônica na região é sem dúvida
da evolução cenozóica da Amazônia. representada pela Bacia do Pantanal —fossa tectônica de
direção N-S, com 400 km de comprimento e 250 km de
7.4. Pulsos de Neotectonismo na Amazônia largura— com espessuras de sedimentos fluviais e lacustres
Na Amazônia, foi possível identificar três pul- quaternários superiores a 412 m (Weyler, 1964). Davino
sos neotectônicos (Igreja, 1999): Tapajônico no (1968) caracterizou-a como estrutura de meio-gráben,
Mioceno, Manauara no Plioceno e Marajoara no mergulhando para oeste, rumo à calha do Rio Paraguai,
Holoceno (Figura 10.12). Esses pulsos são onde o embasamento se encontra 100 m abaixo do nível
correlacionáveis aos pulsos tectônicos da borda oeste do mar. De fato, a geometria da estrutura é condizente
equatorial do continente sul-americano. com o que se observa em superfície: extrema assimetria
A colisão das placas de Nazca e Sul-Americana, da bacia fluvial, com concentração dos afluentes na margem
que causou a orogenia Quéchua na costa do Pacífico, leste, escoando de E para W, e empilhamento/coalescência
deu origem, na Amazônia, à Transpressão Tapajônica, de leques aluviais vindo de leste. No entanto, a grande
que propiciou a deposição das formações Solimões, a variabilidade espacial do pacote sedimentar, entre 37 e 302
oeste, e Pirabas, a leste. Depois de um possível pulso m (Weyler, 1962), indica importante fragmentação da bacia,
transtensional no Mioceno superior, ocorreu o pulso em sistema de horste e gráben. A continuação da
transpressional Manauara, que contribuiu para a subsidência nesta bacia, durante o Holoceno, foi
deposição das formações Içá, a oeste, e Barreiras, a argumentada por Almeida (1959), a partir de dados
leste (Transpressão Manauara). A retomada dos hidromorfológicos e encontra confirmação no
processos compressionais interplaca originaram a comportamento das cheias e do aluvionamento atuais.

Figura 10.11. Modelo neotectônico atual da Amazônia (Fonte: Igreja, 1999).

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

Figura 10.12. Carta tectono-sedimentar mostrando a inter-relação dos principais pulsos neotectônicos das placas de
Nacza e Sul-Americana (Fonte: Igreja, 1999).

A estruturação em horste e gráben, confirmada quaternárias. Ainda mais para leste, a fossa quaternária
pelas anomalias magnéticas (Hales, 1981), é comparável do Araguaia, ainda subsidente, é alojada no vale do rio
àquela detectada pelos levantamentos magnetométricos homônimo. Observa-se, portanto, a existência de um
do Projeto Geofísico Brasil-Canadá na Fossa do gradiente estrutural decrescente de W para E,
Araguaia / depressão da Ilha do Bananal, também de sucessivamente do alto Juruema, passando pelo alto
direção N-S e idade pleistocênica. Xingu e findo no médio Araguaia. Esse gradiente
Para a origem da Fossa do Pantanal, há consenso demonstra a existência de um alto estrutural de direção
entre os autores de que ela resulte de uma distensão SW-NE gerado por um soerguimento cenozóico mais
associada ao encurtamento gerado a oeste pela pronunciado a oeste (Chapada dos Parecis) do que a
Orogênese Andina. No entanto, as relações que ela leste. O caráter recente desse soerguimento e sua
mantém com a Fossa do Araguaia —ambas são contemporaneidade com o levantamento das bordas N
delimitadas ao sul pelo Lineamento Transbrasiliano e NW da Bacia do Paraná foi ainda demonstrado por
(DCDB; Saadi, 1993)— e suas semelhanças em termos Almeida (1948) com base nas anomalias
de orientação e estruturação permitem propor hidromorfológicas existentes nos planaltos divisores do
mecanismos de gênese diferentes. Parece mais lógico conjunto Rio das Mortes-Rio Araguaia com os afluentes
conceber ambas as fossas como resultado de esforços de margem direita do alto Paraná: drenagem indecisa,
transtrativos ligados: a) à movimentação da DCDB, em caracterizada por “águas emendadas”.
associação com a Descontinuidade Crustal Tocantins- As evidências de movimentos verticais quaternários
Araguaia (DCTA; Saadi, 1993), para a Fossa do pronunciados encontram-se ainda, além das escarpas
Araguaia; e b) à movimentação da DCDB em associação tectônicas que delimitam o lado oriental da Fossa do Pantanal,
com o lineamento que controla o trecho ENE da Faixa na posição das “morrarias” que compõem o Maciço do
Paraguai, para a Fossa do Pantanal. Urucum, na região de Corumbá. Esses apresentam escarpas
Nesse trecho, a Faixa Paraguai constitui as serras subverticais bordejando topos aplanados, que suportam vales
Azul e das Araras, isolando a Bacia dos Parecis da Bacia bem evoluídos, mas absolutamente secos, por terem sido
do Paraná. A primeira, inclinada para norte e delimitada desconectados da nova rede de drenagem que, após o
a sul pelas cuestas da Chapada dos Parecis, tem suas alçamento das morrarias, submeteu-se ao controle de níveis
rochas cretácicas cobertas por camadas terciárias de base diferentes.
ligeiramente dissecadas pela drenagem do alto Juruema,
que escoa em direção NNE. A leste dessa chapada, a 9. NEOTECTÔNICA DA LINHA DE COSTA
drenagem do alto Xingu, rumando também para NNE, A expressão “tectônica da linha de costa”, ou
disseca profundamente coberturas terciárias e tectônica costeira, é tão redundante quanto a expressão

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Quaternário do Brasil

“tectônica no interior do continente”. A linha de costa 10. EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE OS


não corresponde necessariamente a um ambiente CAMPOS DE TENSÃO NEOTECTÔNICOS DO
tectônico distinto. Essa expressão, entretanto, tem sido BRASIL
empregada para descrever estudos efetuados em zonas Os dados relativos à determinação dos campos de
costeiras por várias razões: a) o nível do mar pode ser tensões intraplaca na América do Sul são bastante escas-
usado como um datum de referência plano e horizontal sos. A maioria deles diz respeito a determinações de meca-
em regiões de algumas poucas centenas de quilômetros; nismo focal de sismos (Assumpção, 1992, 1998a,b; Veloso
b) a zona costeira, mesmo em regiões áridas, é fonte et al., 1990) e de dados geológicos. Assumpção (1992)
abundante de matéria, principalmente orgânica, que pode apresentou uma compilação dos dados disponíveis, onde a
ser datada; e c) a atividade neotectônica em ambientes maioria se concentra na costa oeste, na região dos Andes.
costeiros produz efeitos únicos, pois qualquer mudança Esses dados foram integrados no projeto World Stress Map
brusca na linha de costa ou no nível do mar perturba o (Zoback, 1992), cujas atualizações podem ser encontradas
delicado balanço dos fenômenos biológicos, químicos e no sítio do projeto, <http://www.world-stress-map.org>.
físicos nesse ambiente. Esses fatores estão No Brasil, a maioria dos dados disponíveis provém
proporcionando um aumento no número de estudos de das bacias do Amazonas, Paraná e costeiras, geralmente
movimentos neotectônicos com alta resolução temporal sendo obtidos pela análise de breakout de poços de petró-
e espacial. Esse tipo de abordagem foi sistematizada por leo. Lima et al. (1997) apresentaram uma compilação dos
Lajoie (1986), foi assunto de vários congressos, dados disponíveis (Figura 10.13) e uma comparação dos
conferências e capítulos de livros, culminando na edição, dados obtidos com os modelos teóricos de distribuição
por parte de Stewart & Vita-Finzi (1998), de um livro dos campos de tensão para a Plataforma Sul-Americana.
dedicado ao tema. Nas bacias marginais, os dados indicam que a direção de
No Brasil, dois grupos principais de estudos foram SHmáx. (tensão máxima horizontal) é paralela à costa brasi-
realizados. O primeiro envolve investigações de leira, o que é interpretado como expressão de condições
paleolinhas de costa e correlações geomorfológicas, a locais devidas a tensões flexurais associadas à carga
exemplo dos trabalhos de Martin & Suguio (1975) e sedimentar na margem continental. Os dados relativos às
Souza & Souza (2001), que identificaram paleolinhas bacias intracratônicas são bastante dispersos, não permi-
tectonicamente soerguidas no litoral paulista. O segundo tindo uma boa definição do campo de tensões litosférico.
envolve datações absolutas e comparações de paleoníveis Os mais constantes indicam uma direção média NW-SE
marinhos com curvas de variação do nível do mar. Martin para o SHMáx., na Bacia do médio Amazonas e no Brasil
et al. (1986) dataram indicadores do nível do mar no Central, e uma direção ENE-WSW, na Bacia do Paraná.
Recôncavo Baiano e, observando sua posição em relação Magalhães (1999) apresentou um estudo sobre as
à variação eustática de Salvador, identificaram sete blocos tensões regionais no território brasileiro e suas variações
crustais, que deslocaram em até 3 m a linha de costa
durante o Holoceno. Posteriormente, Bezerra et al. (1998)
dataram depósitos sedimentares de maré e indicadores
de nível do mar holocênicos ao longo da Falha de
Carnaubais-RN, concluindo que o bloco SE da falha foi
soerguido em relação ao Bloco NW entre 1 e 3 m no
período entre 4.000 e 2.800 anos A.P. Ainda no litoral do
Rio Grande do Norte, Barreto et al. (2002) encontraram
depósitos sedimentares de maré com idade entre 120.000
e 210.000 A.P. As diversas alturas encontradas, uma vez
comparadas com depósitos de mesma idade situados na
costa da Bahia (Martin et al., 1982), levaram a sugerir a
ocorrência de levantamentos e rebaixamentos crustais
de até 12 m, entre o final do Pleistoceno e o presente.
O potencial para esse tipo de investigação é
imenso no Brasil. Estudos detalhados podem ser
realizados principalmente em regiões de micromarés (Sul
e Sudeste) e mesomarés (Nordeste), onde há
abundância de fósseis e boas exposições de depósitos Figura 10.13. Distribuição dos vetores horizontais máxi-
costeiros quaternários. mos de parte da América do Sul (Fonte: Lima et al., 1997).

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10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

locais, associadas a fatores diversos, fisiográficos e tro-leste de São Paulo e sul e leste de Minas Gerais.
litoestruturais. Esse autor compara dados obtidos por meio Os dados obtidos para a região sul de Minas Gerais
de diversos métodos e conclui que existe uma concordância (Costa, 1999) indicam a predominância de uma deformação
geral entre eles, destacando que as determinações de ativa associada a um regime transcorrente, com o
tensões in situ são muito mais variáveis por estarem desenvolvimento de feições transpressivas e transtensivas
associadas ao campo local de tensões, enquanto as subordinadas. As primeiras têm direção E-W a ENE-WSW,
determinações por dados estruturais são mais constantes com vergência para N, correspondente à direção das serras,
e de significado mais regional. Ele reconhece, em caráter enquanto as transtensivas se dividem em dois grupos
preliminar, duas áreas distintas no território brasileiro, às principais, de direção NNW-SSE e ENE-WSW. O grupo
quais designa Província de Tensões do Interior e Província submeridiano é considerado como associado à tectônica
de Tensões da Costa. A primeira com s1 de direção regional, enquanto o outro é interpretado como resultado
aproximadamente NW-SE em regime tectônico da geração de escarpas, graças ao colapso do relevo gerado
transcorrente, relacionada com a rotação da Placa Sul- pela tectônica regional.
Americana para oeste e a segunda em regime distensivo, Os dados apresentados mostram o panorama geral
relacionada ao relevo serrano e/ou às bacias sedimentares do campo de tensões cenozóico na Região Sudeste. A utili-
costeiras adjacentes com S HMáx. paralelo à costa. zação de técnicas de medição de tensão in situ seria extre-
A Tabela 10.1 apresenta um quadro sintético dos mamente oportuna, uma vez que serviria como balizador e
dados obtidos por diversos autores pela utilização de dados aferidor da técnica de análise cinemática e dinâmica de pla-
geológicos. Deve-se notar que essas deformações se ca- nos estriados, propiciando uma extensão dessa para outras
racterizam por uma forte partição, com campos de tensão áreas semelhantes, onde a ausência de marcadores tempo-
locais compatíveis com o regional, mas de características rais recentes tem criado empecilhos ao desenvolvimento de
diferentes. Associado ao primeiro evento, podem desenvol- estudos neotectônicos. Magalhães (1999) conclui que a
ver-se regimes compressivos NE-SW, conforme verifica- análise cinemática e dinâmica de planos estriados, mesmo
do por Fernandes (1997) e Gesicki & Riccomini (1998), aqueles encontrados em rochas mais antigas, se constitui
ou regimes distensivos NW-SE, conforme sugerido por em um método confiável para análise preliminar do estado
Riccomini (1989), Silva (1997), Morales et al. (1998) e de tensões regional e local, sendo uma ferramenta útil no
Santos (1999). Associado ao segundo evento, podem de- planejamento, execução e interpretação dos resultados de
senvolver-se regimes distensivos de direção NE-SW, suge- campanhas de ensaios para a realização de determinações
ridos por Mioto & Hasui (1992), Silva (1997), Fernandes do campo de tensões por medição in situ.
(1997) e Mello et al. (1998), ou compressivos NW-SE, O entendimento deste quadro tectônico
conforme descrito por Silva (1997), Fernandes (1997) e cenozóico está intimamente relacionado com a evolu-
Morales et al. (1998). Esses dados parecem indicar uma ção do Atlântico Sul, um capítulo ainda aberto e que só
constância, do ponto de vista regional, no campo de ten- poderá ser desvendado com trabalhos intensivos nas
sões recentes no centro-sul do Brasil, uma vez que são bacias plataformais e na borda emersa, incluindo-se aí
apresentados resultados obtidos por diversos autores para análises paleogeográficas, paleomagnéticas, sísmica
a Bacia de Curitiba, Pantanal Mato-Grossense, norte e cen- profunda e gravimetria, entre outras técnicas.

Tabela 10.1. Síntese de comparação dos eventos propostos por diversos autores para o Cenozóico Brasileiro (Fonte:
Costa, 1999). = compressão; = extensão.
Le ite
Cos ta et al . M e llo Ge s icki & M orale s Salamuni Santos
Re fe rê - Riccomini (1995) e Fe rnande s
(1998) e et al . Riccomini et al . Silva (1997) et al . (1999)
ncias (1989) Le ite et (1997)
Cos ta (1999) (1998) (1998) (1998) (1998)
al . (1996)

S E do
Área de Rifte Cont. Rio Planalto E da Bacia E da Bacia Bacia de Aiuruoca
Sul de Minas S.J. del Rei Pantanal
estudo do Sudeste Doce Atlântico do Paraná do Paraná Curitiba
(MT)

N- S a
NE- SW
NNW- SSE NE- SW NNE- SSW EW a NE- SW
Terciário NE- SW NE- SW NE- SW E- W a NW- SE
NE- SW E- W NNW- SSE ENE- WSW
WNW- ESE
NE- SW

NW- SE NW- SE NW- SE


NW- SE
Atual NW- SE NW- SE NW- SE E- W NW- SE N- S WNW- ESE E- W NW- SE
WNW- ESE
E- W NNE- SSW E- W

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Quaternário do Brasil

11. MAPANEOTECTÔNICO DO BRASILNO WORLD caráter específico do território brasileiro, no entanto,


MAP OF MAJOR ACTIVE FAULTS (ILP-II-2) adotou-se, dentro da força-tarefa, o princípio de maior
O Mapa Neotectônico do Brasil (Saadi et al., 1999; flexibilidade no caso das áreas de margem passiva e
Saadi, 2000a) atendeu a solicitação da força tarefa designa- intraplaca. Para isso, as fichas que caracterizam cada
da pelo projeto World Map of Major Active Faults, Projeto uma das falhas catalogadas contêm campos que permitem
II-2 do International Lithosphere Program, com objetivo relativizar o grau de certeza das informações, ou ainda
de realizar a cartografia mundial das principais falhas que contextualizar os métodos de obtenção das mesmas.
apresentam indícios de movimentação neotectônica e, con- Os resultados expressos no mapa não represen-
seqüentemente, riscos de sismicidade associada (Figura tam, portanto, informações definitivas e fechadas. Ao con-
10.14). Os dados do mapa já foram incorporados ao Mapa trário, o site <http://www.igc.ufmg.br/gagea> do Núcleo
Sismotectônico do Mundo, em escala de 1:25.000.000, co- de Geomorfologia Aplicada e Gestão Ambiental (GAGEA/
ordenado por A. Haghipour (Bouysse & Haghipour, 2002). IGC/UFMG) é interativo e abre espaço para incorporação
No caso do Brasil, ficou evidente que, ante as limita- de novas informações, revisão e/ou complementação de
ções impostas ao conhecimento preciso da atividade das fa- informações já implantadas, críticas metodológicas e
lhas (atividade discreta, falta de monitoramento instrumental, conceituais, respeitando a autoria dos colaboradores.
dados históricos de sismicidade reduzidos e muito impreci-
sos, extensão territorial, falta de cartografia em escala ade- REFERÊNCIAS
quada, desconhecimento total de várias regiões, recursos fi- Ab’Saber, A.N. 1964. O relevo brasileiro e seus problemas.
nanceiros extremamente limitados, entre outras razões), o In: Azevedo, A. (Coord.). Brasil, a terra e o homem. São
resultado constitui-se em uma aproximação preliminar. Paulo : Companhia Editora Nacional. v.1, p.135-250.
Um outro elemento importante de relativização diz Almeida, F.F.M. 1948. Reconhecimento geomórfico nos
respeito ao fato de tratar-se de uma plataforma planaltos divisores das bacias Amazônica e da Prata
caracterizada como área intraplaca bordejada por uma entre os meridianos 51º e 56WGr. Revista Brasileira de
margem passiva, não sendo, portanto, sujeita à forte Geografia, v.10, n.3, p.397-440.
Almeida, F.F.M. 1959. Traços gerais da geomorfologia do Centro-
sismicidade, dificultando o estabelecimento de relações
Oeste brasileiro. In: Congresso Internacional de Geografia,
entre terremotos e falhas geradoras. Não sendo esse um
Rio de Janeiro. Guia da Excursão... CNG. n.1, p.7-65.

Figura 10.14. Mapa da neotectônica do Brasil (Fonte: Saadi, 2000a).

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Quaternario do Brasil.PMD 230 18/1/2008, 11:06


10. Neotectônica da Plataforma Brasileira

Almeida, F.F.M. 1964. Fundamentos geológicos do relevo tectonics in NE Brazil. In: Stewart, I. & Vita-Finzi, C.
paulista. In: Geologia do Estado de São Paulo. Boletim (Ed.). Coastal tectonics. Geological Society Special
IGG, v.41, p.67-262. Publication, v.146, p.279-293.
Almeida, F.F.M. 1976. The system of continental rifts Bezerra, F.H.R.; Amaro, V.E.; Vita-Finzi, C.; Saadi, A. 2001.
bordering the Santos Basin, Brazil. Anais da Academia Pliocene-Quaternary fault control of sedimentation and
Brasileira de Ciências, v.48, p.15-26. coastal plain morphology in NE Brazil. Journal of South
Almeida, F.F.M.; Hasui, Y.; Brito Neves, B.B.; Fuck, R.A. American Earth Sciences, v.14, p.61-75.
1981. Brazilian structural provinces: an introduction. Bjornberg, A.J.S. 1969. Contribuição ao estudo do
Earth Science Review, v.17, p.1-29. Cenozóico paulista: tectônica e sedimentologia. São
Angelier, J. & Mechler, P. 1977. Sur une méthode graphique Paulo. Tese (Livre Docência) - Escola de Engenharia de
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Capítulo 11

DUNAS E PALEODUNAS EÓLICAS


COSTEIRAS E INTERIORES
Paulo C.F. Giannini
Mario L. Assine
Liana M. Barbosa
Alcina M.F. Barreto
Alexandre M. Carvalho
Vanda Claudino-Sales
Luís P. Maia
Caroline T. Martinho
Jean-Pierre Peulvast
André O. Sawakuchi
Luiz J. Tomazelli

RESUMO. Os depósitos eólicos ativos brasileiros são classificados como campos de dunas livres e dunas vegetadas.
Os campos costeiros de dunas livres, também conhecidos como transgressivos, encontram-se em quatro áreas principais:
(1) dos Lençóis Maranhenses ao extremo sul do Rio Grande do Norte; (2) nas vizinhanças da desembocadura do Rio São
Francisco (SE/AL); (3) na região de Cabo Frio (RJ); e (4) entre a Ilha de Santa Catarina (SC) e o extremo sul do Rio Grande
do Sul. Nas demais áreas costeiras do país, o tipo de depósito eólico ativo predominante são os vegetados, principalmente
dunas frontais, nebkhas e lobos de ruptura de deflação. As dunas costeiras das regiões Norte e Nordeste migram para
quadrantes de oeste, influenciadas pelos ventos alísios. As dunas da região Sul migram para quadrantes de sul, com
exceções importantes em Florianópolis (SC) e em Torres (RS). A maioria dos campos de dunas transgressivos é formada
por dunas barcanas e cadeias barcanóides, com cordões de precipitação e lobos deposicionais parabólicos a sotavento.
A eles, podem associar-se zonas de deflação a barlavento, com feições vegetadas. Exceções a esse padrão geral de
distribuição de morfologias encontram-se no Ceará, onde se observa a presença de megabarcanas isoladas, e na região
da foz do Rio São Francisco, onde lençóis de areia são bem desenvolvidos no domínio mais externo, com associação a
depósitos de zibar. Entre as paleodunas (dunas inativas) costeiras, o uso de critérios estratigráficos e geomorfológicos
tem permitido o reconhecimento de três gerações no Ceará, na foz do Rio São Francisco, em Santa Catarina e no Rio
Grande do Sul. Datações por termoluminescência e luminescência opticamente estimulada em dunas inativas costeiras
no Rio Grande do Norte e na Paraíba indicam até seis agrupamentos de idades. Entre as paleodunas interiores, as idades
até agora disponíveis permitem interpretar atividade eólica intensificada por clima mais seco, principalmente durante o
Último Máximo Glacial. O sistema de paleodunas do baixo Rio Negro (AM) é formado por vários campos interconectados,
contendo formas parabólicas simples e compostas de cristas bem definidas. O sistema do médio Rio São Francisco
corresponde a campos de dunas livres formadas por ventos de SE e E, com controle topográfico-estrutural evidenciado
pela espessura elevada da acumulação (100 m). As paleodunas do Pantanal Mato-Grossense resultaram do retrabalhamento
eólico de sedimentos de leques aluviais, com deposição no sotavento de depressões deflacionares. Na parte sul do
Leque do Taquari, onde as paleodunas estão alinhadas segundo NE, reconhecem-se lunettes estabilizadas por vegetação
arbórea ao redor de antigas depressões deflacionares, hoje lagoas.
Palavras-chave: Dunas eólicas; Paleodunas; Sistemas deposicionais costeiros.

ABSTRACT. It is possible to recognize in Brazil two types of active eolian systems: dunefields and vegetated dunes.
The coastal, or transgressive, dunefields occur in four main areas: (1) between Lençóis Maranhenses (State of Maranhão)
and southern Rio Grande do Norte, (2) in the São Francisco River mouth, (3) in the Cabo Frio region (State of Rio de
Janeiro), and (4) between Santa Catarina Island and the southernmost Rio Grande do Sul coast. In other coastal sections
of Brazil, the dominant type of eolian deposits corresponds to vegetated dunes, mainly foredunes, nebkhas and blowout
depositional lobes. The transgressive dunefields of northern and northeastern Brazilian regions are frequently moved
westward, influenced by eastern trade winds. In the southern region, dunefields move southward, with exceptions in
Santa Catarina Island and at Torres region (State of Rio Grande do Sul). Most of the transgressive dunefields shows
barchan dunes and barchanoid chains, including precipitation ridges and parabolic depositional lobes in the downwind

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Quaternário do Brasil

side. Deflation zones with vegetated features may occur in the upwind side of the dunefields. Exceptions to this general
pattern of eolian morphologies distribution are found in Ceará, where isolate megabarchans occur, and around the São
Francisco River mouth, where sand sheets, associated to zibar-like deposits, are common. Stratigraphic and geomorphic
data shows three generations of eolian sands for the inactive coastal dunes present in Ceará, São Francisco River mouth
region, Santa Catarina and Rio Grande do Sul. Datings by luminescence technics in coastal paleodunes from Rio Grande
do Norte and Paraíba suggest up to six age groupments. The available data about the ages of interior paleodunes
indicate an intensification of eolian sedimentary activity during the Last Glacial Maximum. The paleodune system of the
lower Negro River, in the State of Amazonas, is formed by several interconnected dunefields, with simple and compound
forms of sharp crests. The paleodune system of medium São Francisco River corresponds to dunefields deposited by
winds from SE and E, under a structural control which is evidenced by the high thickness (about 100 m) of the eolian
accumulation. The Pantanal paleodunes were formed by eolian reworking of alluvial fan sediments, with deposition
taking place on the downwind side of deflation depressions. In the southern portion of Taquari River alluvial fan, where
the paleodunes are NE aligned, old deflation depressions, transformed in ponds nowadays, are bordered by lunettes.
Key-words: Eolian dunes; Paleodunes; Coastal depositional systems.

1. INTRODUÇÃO areia em meio à vegetação ao interior da zona de pós-


praia (sob morfodinâmica praial intermediária) ou da
1.1. Tipos de Depósitos Eólicos Ativos no antepraia superior (sob morfodinâmica dissipativa).
Brasil - Uniformizando Conceitos e Termos Dunas frontais, ou suas variedades morfológicas, são
Numa análise preliminar, os depósitos eólicos descritas na bibliografia brasileira sob diversos outros
ativos do Brasil (Figura 11.1) podem ser classificados nomes, como antedunas, dunas barreira, dunas-cordão
em dois tipos. O primeiro, mais impressionante em e dunas bordejantes. A designação foredunes foi
termos de extensão e volume de areia, inclui os campos introduzida na literatura internacional por Bigarella
de dunas livres e os lençóis de areia (sand sheets). O (1972), como tradução em inglês para anteduna. O
segundo são as dunas “semifixas” (Claudino-Sales, termo foredune teve grande aceitação na comunidade
2002) ou vegetadas, que incluem: dunas frontais científica mundial, principalmente após os trabalhos de
(foredunes) incipientes (embrionárias) e estabelecidas, Hesp (1983, 1988, 2000), mas, curiosamente, acabou
exclusivas de áreas costeiras; rupturas de deflação sendo retraduzido ao português como duna frontal,
(blowouts), que, quando alongadas, se transformam em designação hoje mais utilizada no Brasil. As dunas
dunas parabólicas com rastros lineares residuais (trailing frontais podem apresentar a geometria de cristas de
ridges); os retrocordões (gegenwalle); e os nebkhas. relevo ligeiramente sinuosas, paralelas à linha de costa,
Os campos de dunas livres consistem de grandes quando recebem a denominação dune ridges (Bigarella
massas individuais de areias em movimento et al., 1969) ou cordões dunares. As outras geometrias
(megaformas), constituídas de dunas eólicas simples comuns em dunas frontais, além do cordão, são a rampa
e/ou compostas (cavalgantes ou coalescentes). Contêm e o terraço (Hesp, 2000).
invariavelmente dunas de orientação transversal ao vento As rupturas de deflação são feições mistas
efetivo, com crista linear (dunas transversais sensu (erosivo-deposicionais), geradas pelo vento por retirada
stricto), em meia-lua (barcanas) ou sinuosa (barcanas e redeposição local de depósitos arenosos preexistentes.
lateralmente coalescidas ou cadeias barcanóides). A A ruptura faz-se através da produção de bacia
sotavento, os campos de dunas livres associam-se com deflacionar (deflation basin), delimitada por paredes
freqüência a frentes ou lobos deposicionais parabólicos erosivas subparalelas (erosional walls) que se fecham,
e a cordões de precipitação (precipitation ridges). Em rumo sotavento, em lobos deposicionais (depositional
áreas costeiras, os campos de dunas livres migram via lobes) em forma de U, com faces de avalancha (Hesp,
de regra da praia rumo ao interior, sendo por isso 2000).
designados campos de dunas transgressivos O termo dunas parabólicas, introduzido por
(transgressive dunefields, termo introduzido por Steenstrup (1894, apud Howell, 1960), refere-se a dunas
Gardner, 1955). Os lençóis de areia (termo já utilizado caracterizadas por geometria plana em U ou V, com
por Bagnold, 1941) são massas de areia eólica em convexidade voltada para sotavento. Possuem
movimento, com superfície de relevo negligenciável, basicamente os mesmos componentes da ruptura de
isto é, sem superimposição de dunas com faces de deflação, da qual diferem pelo maior alongamento das
avalancha (Kocurek & Nielson, 1986). paredes, em forma de rastro linear residual, e da bacia
As dunas frontais são acúmulos contínuos de deflacionar. Podem ter geometria simples ou composta.

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

Figura 11.1. Distribuição dos principais campos de dunas transgressivos ativos (em cinza) e campos de dunas
interiores estabilizados (áreas K, L e M) do Brasil As setas pretas indicam rumos de migração de dunas, obtidos por
medidas de estratificações cruzadas. A seta branca (área F) refere-se a rumo observado por Barbosa (1997). Velocida-
des de migração de dunas baseiam-se em medida direta no terreno (+) ou comparação entre fotografias aéreas (*),
realizadas por Maia (1998), Jimenez et al. (1999) e Carvalho (2003) no Ceará, Barbosa (1997) em Sergipe/Bahia, Castro
et al. (2002) no Rio de Janeiro, Giannini (1993) em Santa Catarina, e Tomazelli (1990, 1993) no Rio Grande do Sul (Fonte:
Bigarella, 1970/1971).

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Quaternário do Brasil

A geometria parabólica simples equivale à forma também ou costeiro, e o regime de ventos. O suprimento
conhecida na literatura como hairpin (termo introduzido sedimentar é controlado pelo saldo de sedimentos na
por Melton, 1940, cuja tradução literal é “grampo de porção constante ou intermitentemente emersa do
cabelo”), longwalled (Pye, 1982) ou adelgaçada sistema deposicional que atua como fonte. Depende
(attenuated, de Semeniuk et al., 1989). A geometria de variáveis imediatas e mediatas. Dentre as primeiras,
composta, caracterizada pela coalescência lateral de pode-se citar o regime de inundação fluvial ou lacustre,
várias formas parabólicas menores, tem sido designada em sistemas eólicos interiores (Kocurek & Nielson,
por uma série de sinônimos, como imbricada (Giannini, 1986; Langford, 1989), e o regime de ondas e marés
1993), em ancinho (Barbosa, 1997), escalonada e a morfodinâmica da praia (Short & Hesp, 1982; Short
(Barreto et al., 2002a) ou digitada, respectivamente 1988a,b), em sistemas costeiros. Dentre as variáveis
correspondentes aos termos em inglês imbricate (Tinley, mediatas, destacam-se a dinâmica do lençol freático
1985, apud Hesp et al., 1989), fretted (Semeniuk et ou variações do nível relativo do mar (NRM) e a
al., 1989) ou digitate (Pye & Tsoar, 1990). Quanto à fisiografia da plataforma continental interna (Short,
disposição relativa, algumas dunas parabólicas, tanto 1988a,b; Giannini, 1993; Giannini & Santos, 1994;
simples quanto compostas, apresentam convexidade Giannini et al., 2001b,c). Nas áreas costeiras, o
encaixada na concavidade de dunas parabólicas a estoque sedimentar pode ser favorecido ainda pelo
sotavento, quando são então designadas aninhadas aporte dos rios e sua interação com as correntes de
(Barreto, 1996) ou nidiformes (Barbosa, 1997), deriva litorânea, como ocorre com os rios Preguiças e
traduções para nested (Melton, 1940). Dunas Novo/Cangatá, nos Lençóis Maranhenses (Gonçalves,
subparabólicas formadas a sotavento de playas recebem 1995), e com o Rio São Francisco, na divisa entre
o nome de lunettes. Sergipe e Alagoas (Barbosa, 1997).
O termo retrocordão é aqui sugerido como O regime de ventos depende da dinâmica das
equivalente de gegenwalle (em alemão, literalmente, massas de ar e pode ser quantificado por meio da deriva
acumulação contrária), introduzido por Paul (1944) para eólica potencial (DEP). A DEP, em dado azimute e
designar cordões de areia com vegetação, deixados a intervalo de tempo, é diretamente proporcional à
barlavento durante a migração de campos de dunas. freqüência e ao quadrado da velocidade do vento
Esses cordões posicionam-se em zona de deflação (Langsberg, 1956, apud Goldsmith, 1978; Lettau &
sujeita a alagamentos periódicos e exibem geometria Lettau, 1975, apud Fryberger, 1979). Da interação da
em planta subconcordante com o lado barlavento do DEP com o suprimento de areia, resulta a deriva eólica
campo de dunas móveis. efetiva (DEE), transporte de areia para o interior do
O termo nebkhas foi introduzido por Killian sistema eólico. A DEE depende da existência de areia
(1945, apud Tenberg, 1994) para referir-se a montículos incoesa em granulometria compatível com a
de areia formados por deposição eólica em meio à competência do vento. Nela influi, portanto, a umidade
vegetação. Podem possuir caudas alongadas no sentido e pluviosidade associada aos diferentes rumos de ventos
do vento. Nesse caso, denominam-se dunas de sombra atuantes. Guarda correspondência com o conceito de
(shadow dunes). influxo no modelo de sistema deposicional eólico de
Os dois tipos maiores de depósitos eólicos aqui Kocurek & Havhlom (1993). O influxo é necessário,
reconhecidos não são completamente independentes, mas não suficiente para assegurar formação de depósitos
pois feições vegetadas, como dunas parabólicas e rastros eólicos, pois a deposição depende de que a saída de
lineares, com freqüência associam-se a zonas de sedimentos do sistema (efluxo) seja menor que a entrada
deflação a barlavento de campos de dunas móveis. Além (influxo).
disso, é possível a passagem, no tempo e no espaço, de O saldo positivo na diferença entre influxo e
um tipo para outro, na dependência de variações no efluxo é determinado pela resistência ao transporte
equilíbrio entre a taxa de suprimento eólico e a taxa de exercida por vegetação, irregularidades de relevo e/ou
crescimento de vegetação (Giannini & Santos, 1994). convergência de ventos simultâneos. Nos sistemas
eólicos costeiros, quanto mais reto (próximo de 90°) o
1.2. Fatores Controladores dos Tipos de ângulo α entre o vento e a linha de costa, menor a
Depósitos Eólicos distância que o sedimento eólico percorre antes de ser
As variáveis controladoras do tipo e das freado ou desviado pela vegetação, e mais próximo do
dimensões dos depósitos eólicos são o estoque de mar começa a ocorrer deposição.
sedimentos disponíveis para o transporte eólico, via A análise da dinâmica das massas de ar é requisito
de regra fornecido por um sistema deposicional fluvial fundamental para compreender a formação de dunas,

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

pois determina tanto o regime de ventos como as chuvas nordeste, entre o centro-leste do Maranhão (região dos
associadas e, portanto, o grau de incoesão das areias Lençóis Maranhenses) e o extremo sul do Rio Grande
na área fonte. do Norte, a costa de Sergipe-Alagoas nas vizinhanças
da desembocadura do Rio São Francisco, a costa do
2. DUNAS COSTEIRAS Rio de Janeiro na região de Cabo Frio e a costa
meridional, entre a ilha de Santa Catarina e o extremo
2.1. Dinâmica das Massas de Ar sul do Rio Grande do Sul (Figura 11.1). Nas demais
As massas de ar da zona costeira brasileira são áreas costeiras do país, o tipo de depósito eólico ativo
centros de alta pressão aos quais se associa circulação predominante são os vegetados, principalmente dunas
divergente em célula anti-horária ou anticiclone (maiores frontais, nebkhas e lobos de ruptura de deflação
detalhes no Capítulo 2). A costa Norte-Nordeste é (blowouts).
influenciada por três massas de ar principais. A Massa
Equatorial Norte associa-se à zona de alísios de NE do 2.3. Campos de Dunas Transgressivos
Anticiclone do Atlântico Norte, mais atuante na estação
chuvosa, entre dezembro e abril. A Massa Equatorial 2.3.1. Dados sobre orientação, taxa de
Atlântica associa-se à zona de alísios de SE do transporte, velocidade e deriva eólica
Anticiclone do Atlântico Sul, mais atuante durante a Sob o efeito da atuação dos ventos alísios, o rumo
estiagem. A Massa Tropical Atlântica, que se forma exato de avanço dos campos de dunas transgressivos
nas áreas marítimas aquecidas do Atlântico Sul, na costa norte-nordestina do Brasil é variável segundo
tangencia a fachada litorânea leste-nordeste do Brasil, compartimentos (Figura 11.1). As zonas de alteração
sobretudo no primeiro semestre do ano, produzindo no rumo de transporte eólico preferencial nessa região
instabilidades e ação de alísios de E. Em conjunto, os do país coincidem com mudanças na orientação da linha
alísios determinam a migração preferencial dos campos de costa, de modo que o transporte efetivo sempre
de dunas transgressivos, entre o Norte-Nordeste e o ocorre em direção transversal (normal ou oblíqua) à
Rio de Janeiro, para quadrantes de oeste. costa. A influência exercida pela orientação relativa da
Em direção ao extremo sul da costa brasileira, linha de costa e por sua interação com as direções de
a Massa Tropical mantém sua importância, mas a vento efetivo, na orientação dos campos de dunas
influência das massas equatoriais é gradualmente cearenses, foi enfatizada por Carvalho (2003). Segundo
substituída pela da Massa Polar (Monteiro, 1973). esse autor, essa influência pode ser expressa
Tanto o Anticiclone Tropical do Atlântico Sul como o matematicamente pela equação Pt = qt.sen α (onde qt é
Anticiclone Migratório Polar atuam na costa através a DEP) e Pt, ou “potencial de formação de dunas”, é
de ventos de E e NE. Importante mudança nesse seu valor corrigido em função do ângulo α entre vento
padrão é acarretada pelas frentes frias, zonas de baixa e linha de costa.
pressão entre os anticiclones, às quais se associam Medidas diretas de transporte eólico nas dunas
intensos ventos ciclônicos de sul e aumento de costeiras do Ceará foram realizadas por Maia (1998),
precipitação pluviométrica. O incremento da coesão Jimenez et al. (1999) e Carvalho (2002) por meio da
das areias pela umidade ligada à passagem de frentes instalação de armadilhas de sedimentos no campo e da
frias tornaria essas areias indisponíveis ao transporte aplicação de fórmulas e modelos matemáticos. Para
eólico e seria, assim, a principal razão do predomínio velocidade crítica de transporte de 5,0 m/s, Maia (1998)
de migração para sul nos campos de dunas do Sul do concluiu que 94% do transporte eólico ocorre nos 10
país (Giannini, 1993). Em Laguna (SC), por exemplo, primeiros centímetros acima da superfície. A areia
os ventos de S a SW (53% da DEP), mais fortes grossa seria transportada até 0,5 cm acima da
(predominantes), revelam coincidência da ordem de superfície, sobretudo por rolamento, e a areia fina, entre
70% com dias de chuva, enquanto os ventos de N a 0,18 e 15 cm de altura, seria carreada por saltação.
NE (41% da DEP), mais freqüentes (prevalecentes), Cálculos da DEP para estações meteorológicas,
são mais atuantes nas épocas menos chuvosas situadas em regiões com campos de dunas
(Giannini, 1993). transgressivos foram feitos na costa de Santa Catarina
(Giannini, 1993) e Rio Grande do Sul (Tomazelli, 1990).
2.2. Distribuição dos Tipos de Dunas Ativas Como regra, têm-se regimes de ventos bimodal de alta
ao Longo da Costa Brasileira energia. O vento prevalecente, proveniente de NE, sopra
As principais áreas de ocorrência de campos de o ano todo, enquanto que os ventos predominantes, de
dunas transgressivos no Brasil são a costa norte- W, SW e S, se tornam mais importantes entre o final

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Quaternário do Brasil

do verão e o início do inverno. Impulsionadas pelo vento migrou muito pouco, mantendo-se praticamente
de NE, as dunas ativas do Rio Grande do Sul e de Santa estabilizada ou até mesmo com pequena reversão. De
Catarina migram para SW, transgredindo os terrenos setembro em diante, foram registradas as maiores
holocênicos e pleistocênicos da planície costeira velocidades de migração, com taxa média mais elevada
adjacente, incluindo paleodunas. Os campos de dunas (4,22 m/mês) no mês de novembro.
da Ilha de Santa Catarina constituem a única grande
exceção em termos de rumo resultante de migração das 2.3.2. Distribuição espacial de feições
dunas (para NNW). Essa anomalia reflete o regime local deposicionais e erosivas
de ventos. A análise de distribuição de freqüências de Claudino-Sales (2002) classificou as dunas
ventos na estação de Florianópolis (Giannini, 1993) faz costeiras ativas do Ceará em móveis e semifixas,
ressaltar a efetividade de ventos de S e SE (86% da designando, assim, respectivamente, os depósitos sem
DEP total), ativos particularmente durante os meses de e com participação essencial da vegetação na
primavera (45% da DEP total). A DEP referente a esses sedimentação. As “dunas móveis” incluem campos de
azimutes é a maior dentre as estações estudadas (mais barcanóides e barcanas, às quais podem associar-se
de dez vezes superior à DEP total de Laguna, por feições longitudinais (parte delas, possivelmente, rastros
exemplo), o que favorece o efluxo e pode, portanto, de deflação). Apresentam altura de 20 m em média,
ser explicação para a superatuação dos processos de com largura e extensão de até centenas de metros, e
deflação nos campos de dunas da ilha. dominam, sobretudo, os segmentos mais externos das
Bigarella (1972, 1975) tentou explicar a migração planícies litorâneas cearenses (Figura 11.2A). Nos
para NNW dos campos de dunas transgressivos da Praia setores de pontas litorâneas, os lençóis de areia e
de Campeche-Joaquina (“campo da Lagoa”) e barcanóides cruzam os tabuleiros como dunas de
Moçambique com base na idéia de obstáculo exercido passagem (bypass dunes).
pelos morros da ilha, alinhados segundo N-S. Assim, Medições de campo e utilização de modelos
os ventos de NE seriam defletidos para N e matemáticos indicam que a migração das dunas móveis
enfraquecidos no corredor N-S criado entre os morros de Jericoacoara (litoral ocidental do Ceará), as quais
e os pontões costeiros. Essa hipótese é compatível com incluem “megabarcanas” de até 55 m de altura por 500
os dados de ventos da estação de Florianópolis, em que a 600 m de largura e extensão, dá-se sem alteração de
se nota a maior DEP dos ventos de N, em relação aos forma e volume (Jimenez et al., 1999). Essa conclusão
de NE. Além disso, ventos de NE seriam subparalelos aplica-se apenas em termos de saldo de sedimentos na
às praias, reduzindo a DEE. Uma hipótese adicional é megaforma. Não significa, portanto, que a passagem
que, devido à deriva litorânea residual para NNE, o da “megabarcana” não deixe depósitos residuais a
suprimento de areia eólica estaria restrito às extremidades barlavento ou que parte de sua areia não seja levada
norte das praias de Moçambique e Campeche. Como para porções mais avançadas (distais) do campo de
essas extremidades encontram-se protegidas do vento dunas. Por exemplo, para a mesma região, Claudino-
prevalecente, de NE, pela Ponta das Aranhas e pela Ponta Sales & Peulvast (2002) relatam interações das formas
do Retiro, respectivamente, o estoque de areia seria de leito em movimento com obstáculos como formações
transportado apenas pelo vento predominante, de sul. vegetais preexistentes e lagoas interdunares, resultando
Essa hipótese adicional é compatível com a localização na evolução de rastros lineares residuais e cordões
dos campos de dunas, deslocada, em ambos os casos, arenosos (retrocordões) intercalados com pequenas
para a parte norte da praia, e com a ausência de campo lagoas em meia-lua (Figuras 11.2A e 11.3A).
de dunas na Praia dos Ingleses (norte da ilha), cujo As “dunas semifixas” da classificação de
estoque sedimentar seria desfavorecido por sua posição Claudino-Sales (2002) são representadas por dunas
e orientação, abrigada das ondas de sul. frontais, nebkhas e dunas parabólicas. As frontais, com
Tomazelli (1990, 1993) realizou determinações l a 2 m de altura, dominam setores de praia protegidos
das taxas de migração das dunas transgressivas no Rio (retaguarda de cordões de rochas praiais) e faixas de
Grande do Sul por monitoramento direto no terreno, praia em progradação. As “dunas parabólicas semifixas”
em uma cadeia barcanóide com altura média de 8 m freqüentemente evoluem a partir de blowouts. Elas
durante o intervalo de tempo de três anos. Encontrou apresentam até 20 m de altura e centenas de metros de
importante variação sazonal na taxa de migração das largura e extensão. Ocorrem no litoral central e ocidental,
dunas, o que confirma os dados de ventos registrados associadas com lagoas temporárias ou perenes
nas estações meteorológicas. Durante os meses de resultantes da interceptação do nível de base de erosão
outono-inverno (março a agosto), a duna monitorada pela deflação, na parte central das áreas entre os braços

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

da parábola (Figura 11.2B). da região entre Alagoas e Bahia. Neles são


Entre a costa sudeste do Ceará e a região de individualizados três domínios (Barbosa, 1997): o
Touros (RN), predominam dunas ativas caracterizadas externo, ou de lençol de areia (LA), o intermediário, ou
morfologicamente pela presença de cadeias barcanóides de dunas isoladas e interdunas (DII), e o interno,
associadas a frentes parabólicas transgressivas, com constituído por dunas compostas (DC) e de precipitação
pouca ou nenhuma vegetação. Na região de Macau, (DP). O rumo dominante de migração eólica é W. A
por exemplo (Figura 11.3B), encontra-se uma morfologia e a textura dos sedimentos diferenciam-se
distribuição bastante peculiar de feições eólicas da costa entre as margens opostas do rio. No trecho a NE da
para o continente, composta por dunas barcanas foz do Rio São Francisco, estão presentes dunas
isoladas, cadeias barcanóides e frentes parabólicas barcanas com altura variável, desde poucos centímetros
transgressivas, associadas a formas parabólicas até 5 m. Mais internamente, ocorre uma megaforma de
compostas aninhadas com 4 a 7 km de extensão leito, constituindo duna composta com cristas
migrando sobre a planície flúvio-marinha do Rio Açu. transversais superimpostas de 18 a 33 m de altura. No
Entre a zona de progradação associada à foz do período seco, identificam-se cristas transversais e
Rio São Francisco (SE/AL) e Mangue Seco (BA), pequenas barcanas na face barlavento dessa megaforma.
encontram-se os campos de dunas ativos mais extensos Nesse trecho, a granulação da areia varia entre fina e
muito fina.
No trecho a SW da foz do Rio São Francisco,
ocorrem depósitos eólicos de cristas pouco marcadas,
sem faces de deslizamento e com braços voltados para
barlavento, associados com numerosas dunas de
sombra. Essas feições apresentam de poucos
centímetros a 5 m de altura e são mais bem classificadas
como depósitos de zibar. Na porção mais interna,
identificam-se cordões de precipitação com 20 m de
altura em média associados a numerosos corredores
de deflação. A granulometria varia entre areia média e
areia fina. Assim, os depósitos eólicos do setor a
sudoeste da foz do rio são em média mais grossos que
os do setor oposto.
As diferenças texturais e morfológicas entre os
depósitos eólicos situados nas margens opostas da foz
do Rio São Francisco podem ser atribuídas a contrastes
de granulação dos sedimentos na praia, em conjunção
com a orientação da linha de costa adjacente aos campos
de dunas. No setor situado a NE da desembocadura, a
disposição da linha de costa, transversal aos ventos, e a
maior disponibilidade de areia fina a muito fina são
responsáveis pela formação das dunas barcanas e da
duna composta. Do outro lado, a orientação da linha de
Figura 11.2. Dois exemplos de morfologias resultantes costa quase paralela à direção dos ventos e a menor
da interação entre dinâmica eólica e sistemas lagunares disponibilidade de sedimentos finos na praia determinam
na costa cearense: A. Dunas transversais barcanóides a formação de zibars e dunas de precipitação, associadas
subatuais (geração D2) colmatando lagunas entre a li-
a feições em blowout. A diferença de granulação
nha de costa e as barreiras e flechas do litoral ocidental
(Barrinha). A presença de água nas interdunas reduz a relaciona-se à deriva litorânea preferencial de sedimentos
deflação e o fornecimento de sedimentos e mantém, desse de NE para SW e ao efeito de molhe associado à
modo, a individualização das barcanas. B. Dunas para- desembocadura fluvial. Desse modo, os sedimentos
bólicas “semifixas” na planície litorânea de Lagoinha, transportados pela deriva litorânea longitudinal são
formadas a partir da evolução de rupturas de deflação. retidos no trecho a NE da foz, enquanto o trecho a SW
As partes centrais abrigam lagoas interdunares forma-
das quando a deflação atinge o nível de base de erosão é alimentado pelo aporte sedimentar fluvial.
(Fonte: Claudino-Sales, 2002. Fotos:Jean-Pierre De acordo com McKee & Bigarella (1972), o
Peulvast). campo de dunas de Cabo Frio caracteriza-se, a

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Quaternário do Brasil

Figura 11.3. Fotografias aéreas verticais de campos de dunas transgressivos do Brasil, formados por barcanas e/ou
barcanóides: A. Campo de Paracuru (costa noroeste do Ceará), associado a dunas parabólicas e rastros lineares deixa-
dos no percurso de migração. B. Campo situado a leste de Macau (RN), com barcanas isoladas e cadeias barcanóides
agrupadas sob forma de frente parabólica, em migração sobre paleodunas com morfologia pouco nítida. C. Campo de
Ibiraqüera, Município de Imbituba (SC), com associação a rastros lineares e retrocordões bem desenvolvidos. D. Campo
situado a sul de Quintão, litoral médio do Rio Grande do Sul, o qual assoreia e modifica a morfologia dos corpos lacustres
adjacentes (Lagoa dos Moleques e Lagoa Barro Velho). Escala aproximada: lado maior das fotos = 7 a 9 km. Ortofotos:
A, B: Geofoto, 1978, escala original 1:30.000; C, D: Cruzeiro do Sul, 1980, escala original 1:25.000.

barlavento (NE), pela presença de dunas transversais “sistema duplo de cordões eólicos”.
pequenas (altura métrica) e cadeias barcanóides mal O campo de dunas localizado entre as praias da
desenvolvidas. Passaria, rumo a sotavento, para “dunas Joaquina e do Campeche e a margem sul das lagunas
parabólicas” (talvez seja mais apropriado aqui o termo do Canto da Lagoa e da Conceição, em Florianópolis,
lobo ou frente deposicional de campo de dunas, com descrito por Bigarella (1975) sob a denominação “campo
geometria individual parabólica), maiores nas áreas mais de dunas da Lagoa”, consiste, segundo este autor, de
desvegetadas e próximas à praia. Castro et al. (2002) “grande massa de areia deflacionada” (blowouted sand
concebem os depósitos eólicos costeiros dessa mesma mass), parcialmente rodeada e delimitada por “cristas
região como dois sistemas, um de orientação NE-SW, de areias eólicas estabilizadas” na parte externa. Dunas
formado por barcanas e barcanóides (campo de dunas parabólicas são a feição deposicional principal da zona
livres), e outro, paralelo à costa, descrito como um de deflação, enquanto dunas transversais lineares (a

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

sinuosas, na dependência do grau de atuação de ventos maior que a velocidade de crescimento de vegetação
reversos, de NE e N) se destacam na porção terminal pioneira, o que dificulta o desenvolvimento perene de
(norte). Na terminologia adotada neste capítulo, dunas frontais. Esse estado de desequilíbrio favorece a
corresponde a um campo de dunas transgressivo, com “instabilização maciça de dunas frontais” (Short,
excepcional desenvolvimento da zona deflacionar, 1988a), dando vez ao desenvolvimento de extensos
devido à intensa deriva eólica para NW (conforme item campos de dunas transgressivos, que se iniciam na orla
1.2). As cristas de areia referidas pelo autor seriam, praial e só terminam nas frentes parabólicas interiores,
portanto, cordões de precipitação. distantes por até dezenas de quilômetros. Nas áreas
Giannini (1993, 1998, 2002) introduziu uma costeiras de aporte eólico menor, as dunas frontais não
abordagem de sistemas deposicionais e análise de fácies se instabilizam, mas sofrem deflação gradual pelo ventos
para descrever a distribuição espacial e a dinâmica de prevalecentes, formando dunas parabólicas de migração
feições erosivas e deposicionais associadas aos campos lenta, as quais se coalescem em maior ou menor grau
de dunas da região centro-sul catarinense. O exame de na forma de lençóis de areia e campos de dunas
fácies eólicas definidas pelo critério morfológico transgressivos, de geometria geral parabólica, sempre
conduziu à distinção de duas associações de fácies
(Figura 11.4A). A associação de fácies maciça, de
posição proximal, inicia-se por dunas frontais
incipientes tipicamente instabilizadas (fácies de
suprimento), grada ao interior para dunas transversais
lineares e barcanóides (fácies de superposição) e
termina, rumo SW, em frentes parabólicas (fácies de
avanço). A associação de fácies distal inicia-se por
rastros lineares, dunas parabólicas isoladas e cavas
deflacionares inundadas (fácies residuais de deflação),
passa para cadeias barcanóides (fácies de superposição)
e termina por frentes e dunas parabólicas alongadas
(fácies de avanço). A margem interna de ambas as
associações apresenta frentes de avanço secundárias,
contidas por vegetação (fácies de contenção),
correspondentes a cordões de precipitação. Martinho
& Giannini (2002) aplicaram essa classificação ao
campo de dunas de Ibiraqüera (Figura 11.3C), ao norte
de Imbituba, reconhecendo a presença de retrocordões,
à retaguarda de cadeias barcanóides, dentre as fácies
residuais de deflação.
Geneticamente, supõe-se que a associação
maciça seja formada pelo espalhamento contínuo de
areias sob alta DEE. As dunas frontais, quando instáveis,
de ocorrência restrita e/ou temporária, constituem a
fonte imediata de areia para esse tipo de associação.
Quando estáveis, sob a forma de cordões contínuos e
perenes favorecidos pela baixa DEE, são a fácies única
da mesma associação abortada, isto é, não desenvolvida
completamente por falta de areia. A segunda associação
situa-se sempre a sotavento da primeira, seja esta
abortada ou não, dela se separando por uma área Figura 11.4. Modelos de organização espacial de feições
deflacionar, onde se encontram suas fácies mais deposicionais nos sistemas eólicos ativos do Sul do Bra-
proximais (Giannini, 1993, 1998). Estaria relacionada a sil: A. Mapa esquemático com os dois tipos de associa-
valores mais baixos de DEE e/ou de razão influxo/ ções de fácies na costa centro-sul de Santa Catarina (modi-
ficado de Giannini, no prelo). Extensão dos campos de du-
efluxo. nas é variável: poucos quilômetros a dezenas de quilôme-
Nas áreas de aporte eólico mais efetivo, a tros. B. Perfil transversal esquemático da planície costeira
deposição de areia eólica junto à praia ocorre em taxa do Rio Grande do Sul (segundo Tomazelli 1994).

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Quaternário do Brasil

menos extensos que os depósitos maciços proximais. é atribuída a capeamento arenoso escuro, de até 50 cm
O grau de instabilização das dunas frontais, processo de espessura, com conchas inteiras e fragmentadas de
fundamental na distinção entre os dois tipos de gastrópodes. Nos Lençóis Maranhenses, Gonçalves et
associações de fácies, aumenta, ao longo de dado setor al. (2002) classificam os depósitos eólicos em quatro
praial, no rumo de deriva litorânea longitudinal (Giannini, compartimentos: um de dunas livres atuais, um de
1993; Giannini & Santos, 1994). superfícies de truncamento eólico (descritas em
O desenvolvimento completo da associação Gonçalves, 1995) e dois de dunas fixas, transversais e
proximal ocorre preferencialmente sobre o sistema parabólicas.
deposicional barra-barreira existente a sul do Cabo de No Ceará, “campos de dunas fixas” ocorrem ao
Santa Marta. Essa distribuição geográfica pode estar longo de toda a extensão costeira (Claudino-Sales, 2002).
ligada ao excesso de areia em desequilíbrio na face Trata-se de depósitos sem formas definidas,
litorânea e costa afora, favorecido pela redução do estabilizados por vegetação costeira florestal. Além
gradiente da plataforma interna a sul de Santa Marta desses, dunas fixas parabólicas em U ocorrem a
(Giannini, 1993, 1998, no prelo; Giannini & Santos, barlavento das pontas litorâneas, onde o estoque de areias
1994; Giannini et al., 2001b,c). Entretanto, pode no estirâncio é abundante. Em toda a extensão central e
relacionar-se também à orientação do vento efetivo em ocidental da costa do Ceará, ocorrem dunas cimentadas
relação à linha de costa (Martinho & Giannini, 2002). por carbonato de cálcio ou eolianitos (Maia, 1998). A
Sob esse aspecto, é importante destacar que o campo presença de eolianitos exclusivamente nesse setor
de dunas transgressivo entre Santa Marta e Campo Bom associa-se à disponibilidade local de carbonatos na praia
(SC) talvez seja o único, na costa brasileira, com e plataforma continental adjacente, provavelmente
orientação essencialmente paralela à costa. mobilizados durante episódios transgressivos
Tomazelli (1994) apresentou uma classificação quaternários (Maia et al., 1999). A deflação atuando
dos principais tipos de feições eólicas encontradas no sobre os eolianitos cria uma morfologia ruineforme do
litoral norte do Rio Grande do Sul (Figura 11.3D), bem tipo yardang (Carvalho et al., 1994). Na costa oriental,
como sua distribuição espacial mais comum (Figura os yardangs cedem espaço aos rebdus, ou formas de
11.4B). De acordo com seu modelo, as dunas vegetadas escala métrica criadas em torno de vegetação costeira
(dunas frontais incipientes ou embrionárias, dunas arbórea de pequeno porte (e.g. Joly, 1997), as quais
frontais estabelecidas e nebkhas) ocorrem, em geral, representam por vezes vestígios de formas longitudinais
mais próximas à linha de costa, enquanto as dunas livres e dunas parabólicas destruídas pela deflação (Claudino-
não vegetadas (barcanas, cadeias barcanóides e dunas Sales & Peulvast, 2001).
transversais) se encontram mais interiorizadas. Outras Nos últimos anos, a evolução do conhecimento
feições eólicas (blowouts, dunas parabólicas e rastros sobre os depósitos eólicos do Ceará tem permitido várias
lineares) associam-se, em geral, a zonas vegetadas tentativas de classificação em diferentes gerações de
submetidas à deflação. Em determinados locais, faixas dunas. Dentre outros, Maia (1998) propôs quatro
arenosas não vegetadas (lençóis de areia) —que, na gerações. Posteriormente, Claudino-Sales & Peulvast
maioria das vezes, estendem-se a partir de rupturas (2001), Claudino-Sales (2002) e Carvalho (2003)
deflacionares existentes nas dunas frontais— são uma identificaram cinco gerações. Claudino-Sales (2002)
importante feição eólica que permite ao campo de dunas propôs divisão constituída por cinco diferentes
livres continuar recebendo suprimento de areia nova gerações, sendo as duas últimas ainda em atividade
proveniente diretamente da fonte, a praia. Esses (dunas ativas com idades distintas de iniciação). De
“corredores de alimentação” evitam ou retardam o qualquer modo, a questão das gerações de dunas no
desaparecimento gradativo do campo de dunas livres, Quaternário do Ceará permanece em aberto, dada a
que inevitavelmente passa a ocorrer quando a fonte de escassez de dados de datação absoluta.
alimentação é cancelada. Na classificação de Claudino-Sales (2002), as
dunas atuais, móveis, denominadas “dunas D1”,
2.3.3. Distribuição da deposição no tempo correspondem às formas acumuladas no curso dos três
Paleodunas, também designadas dunas fixas ou últimos séculos. Essa definição temporal é dada pela
inativas, têm sido descritas em associação com a maioria identificação de interrupção (Maia, 1998; Claudino-Sales
dos campos de dunas transgressivos brasileiros. No & Peulvast, 2002) na iniciação de campos de dunas
Piauí, Lehugeur (1995) descreve um campo de por volta de 0,3 a 0,4 ka A.P., tomando como padrão a
paleodunas próximo à praia, sem vegetação, entre as velocidade de migração das dunas atuais e sua distância
localidades de Luiz Correia e Coqueiro (PI), cuja fixação em relação à costa. A origem dessa interrupção pode

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

estar associada a oscilações climáticas. Dunas iniciadas denominação “dunas D4”. Grande parte dessas dunas
entre 0,3/0,4 ka e 1,2 ka, ainda móveis, foram definidas acha-se coberta pelas mais recentes. Em outros locais,
como “dunas D2”, sendo que a célula sedimentar elas representam campos de dunas descontínuos
Barrinha-Jericoacoara-Guriú é sua área de ocorrência vegetados, que, em Icapuí, se estendem até 40 km no
típica (Figura 11.5). Tomando como critério a velocidade interior da zona costeira (Claudino-Sales & Peulvast,
de migração das dunas nessa área, a distância entre 2001, 2002). As dunas mais antigas que o início da
Barrinha (local de formação das dunas) e Guriú (local transgressão holocênica, denominadas “dunas D5”,
de chegada), da ordem de 12 km, teria demandado representariam todas as acumulações cuja identificação
intervalo de tempo máximo de cerca de 1,2 ka para a individual ainda não foi feita, e estariam sustentando
passagem completa através da ponta de Jericoacoara. falésias inativas em diversos setores litorâneos.
Os lençóis de areia que se encontram nos demais setores Na costa potiguar, as dunas inativas são mais
da costa cearense teriam a mesma idade de D2. As importantes na faixa que se estende de Touros até o
gerações de dunas acumuladas no Holoceno Médio limite com a Paraíba e se distribuem desde a linha de
receberam a denominação “dunas D3”, estando hoje praia atual (nas regiões de maior erosão) até 15-20 km
fixadas (Claudino-Sales, 2002). A autora admite continente adentro. Têm morfologia predominantemente
provisoriamente o intervalo situado entre o Holoceno parabólica, composta ou simples. Quanto ao grau de
Médio e 1,2 ka como definição temporal, coincidindo o preservação, a morfologia, identificada em campo e nas
limite inferior com a idade das “dunas D2”, assim como imagens de satélite e fotografias aéreas, pode ser nítida,
com a idade de 1,2 ka (obtida por termoluminescência) tênue ou dissipada, o que corresponde aos três domínios
de duna hairpin situada no Pecém (Maia et al., 1999). geomorfológicos de dunas inativas descritos e mapeados
As “dunas D3” incluiriam, além das parabólicas hairpins, por Barreto et al. (2004). Para a separação desses
os campos de dunas fixos sem formas definidas e os domínios, esses autores utilizaram três tipos de critérios:
eolianitos. 1) critérios morfológicos, que incluem a possível
As dunas formadas durante os intervalos de modificação dos ângulos de inclinação de barlavento e
tempo anteriores, contemporâneos e imediatamente sotavento, a presença de ravinas e leques de areia, o
posteriores à transgressão holocênica receberam a grau de dissecação e a tendência para a redução da altura

Figura 11.5. Megabarcanas de Jericoacoara e célula sedimentar eólica Barrinha/Jericoacoara/Guriú, de idade subatual
(dunas D2). Estas dunas realizam a passagem através da ponta litorânea, migrando para SW até 12 km a sotavento, onde
já aterraram a laguna e o manguezal instalado no sistema flecha litorânea - Laguna Guriú. Na migração, vão sendo
formadas lagoas interdunares, além de depósitos residuais de retroduna em meia-lua e rastros lineares de gerações D1,
D2 e D4 (Fonte: Claudino-Sales & Peulvast, 2002).

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Quaternário do Brasil

da duna e obliteração das formas deposicionais originais, procedeu em momentos de NRM mais baixo que o atual
todas crescentes com a idade; 2) critérios durante o Pleistoceno superior, entre 64.100 e 27.000
sedimentológicos, baseados na cor, presença de silte e anos A.P.
argila pedogenéticos e no grau de seleção da areia; e 3) Na Bahia e em Sergipe, reconhecem-se duas
critérios biológicos, que envolvem principalmente a gerações de dunas pleistocênicas inativas e duas
presença e a densidade de cobertura vegetal, que no gerações de dunas holocênicas bem evidenciadas (Martin
Rio Grande do Norte varia de aberta, do tipo restinga et al., 1980; Bittencourt et al., 1982; Dominguez et al.,
(maior parte do estado), até vegetação densa de Mata 1996). Embora as alterações por intervenção humana
Atlântica (sul do estado). (estradas, residências, extração de areia etc.) dificultem
A partir de observações de campo, como, por a definição da morfologia das dunas pleistocênicas,
exemplo, o contato abrupto entre dunas supostas como identificam-se algumas formas que lembram dunas
de gerações distintas em vista de seus contrastes de parabólicas. A geração mais antiga, ou das “dunas
textura e coloração, foram estabelecidas possíveis internas” (Qe1), ocupa área maior. É formada por areias
discordâncias entre depósitos eólicos. Posteriormente, finas, dominantemente quartzosas, caracterizadas pelo
os hiatos de tempo entre esses depósitos foram predomínio de grãos angulosos (80%),
evidenciados pelos resultados de datações por granulometricamente bem selecionados, resultantes da
termoluminescência. As idades obtidas apontaram para ação eólica sobre sedimentos de origem continental.
pelo menos seis fases de atividade eólica, seguidas de Segundo Dominguez et al. (1996), essa geração é
fixação: de 390.000 a 326.000 anos A.P.; de 270.000 a anterior à formação dos terraços relacionados à
240.000 anos A.P.; de 210.000 a 150.000 anos A.P.; de Penúltima Transgressão (120 ka). Isto pode ser
63.000 a 24.000 anos A.P.; de 11.000 a 9.000 anos visualizado na região entre a foz do Rio Joanes e a Praia
A.P.; e de 6.500 anos A.P. até hoje. de Arembepe, onde esses terraços se apóiam
De acordo com as idades apresentadas em diretamente sobre “dunas Qe1”. De maneira semelhante,
Barreto et al. (2004), a geração de dunas eólicas teria na costa de Sergipe, Bittencourt et al. (1982)
ocorrido tanto durante os contextos de NRM alto reconheceram a mesma geração sobre os tabuleiros da
(estádios interglaciais), como nos de NRM baixo Formação Barreiras, defronte à extremidade sul da zona
(estádios glaciais). Com base em resultados de progradação associada à foz do Rio São Francisco.
granulométricos e de proveniência de minerais pesados O fato de não atualmente haver mais nenhuma cobertura
obtidos por Giannini et al. (2001a) para as mesmas arenosa na parte inferior da encosta da Formação
amostras submetidas à datação por Barreto et al. (2004), Barreiras seria indício de que os depósitos eólicos de
interpreta-se que os sedimentos eólicos depositados em cavalgamento da falésia são anteriores à Penúltima
contexto de mar baixo teriam sido influenciados pela Transgressão, pela qual foram erodidos. Todavia, não
erosão mais efetiva da Formação Barreiras, o que pode há informação de idade baseada em datação absoluta.
ser atribuído ao rebaixamento do nível de base de erosão. A geração pleistocênica mais nova, Qe2 ou das
As dunas desse contexto seriam formadas a partir do “dunas externas”, apresenta na costa baiana sedimentos
retrabalhamento de areias da planície exposta na arenosos bem selecionados, com grãos
regressão forçada. A maior importância da Formação subarredondados. Resultaria da ação eólica sobre os
Barreiras como rocha-fonte imediata nos períodos de terraços marinhos pleistocênicos, formados após a
nível do mar mais baixo do que o atual explicaria a Penúltima Transgressão. A idade pleistocênica dessas
presença de dunas de coloração mais vermelha e de dunas foi admitida por Dominguez et al. (1996) com
granulação mais grossa nesses períodos. base no que se observa no Bairro Armação, em
As dunas inativas do norte da Paraíba apresentam Salvador. Nessa região, os terraços holocênicos
alturas de 5 a 30 m e morfologia parcialmente aparecem em contato lateral com as dunas e nota-se a
preservada, como parábolas escalonadas, voltadas para ausência dos terraços marinhos pleistocênicos pós-
NW (possivelmente rupturas de deflação e dunas Penúltima Transgressão, os quais teriam sido destruídos
parabólicas). A morfologia teria sido modificada, após pela Última Transgressão (5,1 ka). Em Sergipe, essa
a sua fixação, pela ação das águas pluviais e instalação geração é melhor evidenciada no trecho entre o Rio
da cobertura vegetal (Restinga ou Mata Atlântica), entre Real/Rio Piauí e o Rio Vaza Barris. Bittencourt et al.
outros fatores. Barreto et al. (2002a) dataram por (1982) visualizaram essas dunas cobrindo os terraços
termoluminescência (TL) dunas em Barra do Rio pleistocênicos nas margens de um pequeno afluente do
Camaratuba, na Praia de Camaratuba e na Baía da Rio Piauí.
Traição. As idades sugerem que a fixação das dunas se As duas gerações de dunas holocênicas são

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

melhor evidenciadas na planície costeira associada à antiga, predominam areias de aspecto maciço, com
foz do Rio São Francisco (SE/AL). Formam campos cimentação argilo-limonítica generalizada e ocorrência
de dunas de 1 a 3 km de largura e até 30 km de extensão freqüente de grânulos e/ou pequenos seixos dispersos.
ao longo da costa. Essas gerações correspondem às A dissecação é profunda, com ravinas de drenagem em
dunas litorâneas atuais (Qe3), reportadas em Martin et V transversais à costa. A geração 2 apresenta cimentação
al. (1980) e Bittencourt et al. (1982, 1983a,b), e às heterogênea, a qual pode formar manchas e bandas
dunas inativas e ativas descritas por Barbosa (1997). nodulares ou ressaltar estruturas primárias de geometria
Aqui, adota-se a anotação Qe3 e Qe4. A geração Qe3 é definida. Sob o aspecto textural, destaca-se a presença
mais extensa na planície costeira do Rio São Francisco. freqüente de grânulos e seixos concentrados em
Corresponde a dunas inativas já fixadas pela vegetação, paleopavimentos e paleocanais. Seu aspecto
formando cordões dunares sem formas bem definidas geomorfológico mais marcante é a dissecação fluvial
e dunas parabólicas simples e compostas (nidiformes e controlada por vales entre braços de dunas parabólicas
em forma de ancinho). A altitude varia de 6 a 13 m. alongadas segundo SW-NE. A geração 3 constitui-se
Orientam-se segundo E-W e SE-NW. A granulação dos de areias incoesas, colonizadas por vegetação, com
sedimentos é areia fina, bem selecionada, sendo os grãos sinais extensivos de pedogênese incipiente. Apresenta-
subarredondados. Essa sedimentação ocorreu após 3,7 se sob a forma de dunas parabólicas alongadas,
ka, o que é atestado pela presença dessas dunas sobre imbricadas, ou como rastros lineares residuais de
terraços marinhos holocênicos, datados entre 2,5 e 3,7 deflação, resultantes de deslocamento de dunas atuais.
ka (Barbosa et al., 1986). A geração Qe4 compreende A geração 4 corresponde a dunas ativas.
cordões dunares frontais e dunas livres que bordejam a O contato entre os depósitos das gerações 2, 3 e
linha de costa atual. Seus sedimentos apresentam 4 é determinado apenas por mudanças de cor, textura
granulação semelhante à das praias adjacentes. Com ou coesão entre areias eólicas, a menos da existência
base na taxa conhecida de migração de dunas e cordões localizada de paleossolos, com tubos preenchidos por
de precipitação, Barbosa (1997) infere um período de óxidos de ferro, no topo da geração 2. O contato entre
200 a 400 anos para seu desenvolvimento. as gerações 1 e 2, em contraste, contém
Na região de Cabo Frio, Martin et al. (1997) paleopavimentos grânulo-seixosos, paleossolos e
fazem referência a “dunas atualmente fixadas pela paleocanais com preenchimento intraclástico. Nas
vegetação e completamente inativas”. Segundo os margens do sistema lagunar, as formas parabólicas da
autores, “pode-se dizer que essas dunas sejam geração eólica 2 encontram-se truncadas
holocênicas porque avançaram [quando ativas] sobre o discordantemente em algumas áreas (Giannini 1993;
sistema lagunar”, correlacionado ao máximo Giannini & Santos 1994) ou afogadas ao longo de
transgressivo do Holoceno. planícies interdunares NE-SW em outras. A geração 2
Depósitos arenosos ligeiramente ondulados, foi, portanto, afetada pelo sistema lagunar gerado na
repousando sobre areias mais consolidadas do terraço transgressão holocênica, cujo máximo NRM foi atingido
marinho regressivo pleistocênico, têm sido relatados por volta de 5.100 anos A.P. A partir dessas observações,
em diferentes porções da planície costeira paulista, Giannini et al. (2001b,c) consideraram que, do ponto
como em Santos, Bertioga (Martin & Suguio, 1976) e de vista da estratigrafia de seqüências, os sistemas
Peruíbe-Itanhaém (Martin & Suguio, 1976; Suguio & eólicos quaternários costeiros de Santa Catarina fazem
Martin, 1978; Giannini, 1987). O topo desses depósitos parte de duas seqüências. A seqüência superior,
atinge cotas de até 14 m, pelo menos 4 m acima do pleistocênica-holocênica, inclui um trato de sistemas
máximo NRM admitido para o interglacial Sangamon transgressivo, no qual se enquadra a geração 2, e o
na região. Desse modo, esses depósitos foram atual trato de sistemas de mar alto, com as gerações 3
interpretados como produto de retrabalhamento pelo e 4. A superfície irregular do topo da geração 1
vento (possíveis antigos lençóis de areia). materializaria o limite de seqüências.
Na costa centro-sul de Santa Catarina, admite- As quatro gerações de areias eólicas de Santa
se a existência de pelo menos quatro gerações de Catarina foram confrontadas quanto a características
depósitos eólicos (Giannini, 1993, 2002; Giannini & granulométricas e mineralógicas da fração clástica
Suguio 1994; Giannini et al., 2001b,c; Martinho & (Giannini 1993; Giannini & Suguio 1994; Giannini et
Giannini, 2001a,b). A distinção dessas gerações baseia- al., 1997) e quanto à textura e quimismo do cimento
se no uso combinado de informações sobre (Martinho & Giannini 2001a,b). Na comparação entre
empilhamento estratigráfico, grau de dissecação e os valores granulométricos médios de cada geração,
aspectos mineralógicos e texturais. Na geração 1, mais observaram-se, com o decréscimo de idade, tendências

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Quaternário do Brasil

para afinamento, melhoria de seleção e aumento da paleovento dominante de NE, à semelhança das dunas
assimetria. Esse padrão de variação pode ser atribuído atuais. Dunas formadas por areias de tonalidades claras,
ao efeito de afinamento seletivo progressivo pelas consideradas holocênicas, possuem granulometria fina
sucessivas fases de dissecação e atividade eólica. Os a muito fina e composição essencialmente quartzosa,
sedimentos grossos contidos nas dunas mais antigas com enriquecimento, em alguns locais, com minerais
teriam sido preferencialmente retidos na drenagem que pesados de alta estabilidade (principalmente ilmenita,
dissecou essas dunas, enriquecendo em finos a fração magnetita, turmalina, rutilo e zircão). Correspondem a
transportada pela drenagem em direção à costa e, areias supermaturas, textural e mineralogicamente, que
portanto, à área-fonte de dunas mais novas. Diferenças resultariam, portanto, do retrabalhamento de depósitos
significativas entre as quatro gerações eólicas foram sedimentares submetidos a vários ciclos de
detectadas também no aspecto mineralógico. O índice sedimentação (Tomazelli, 1990).
somatório de minerais ultra-estáveis (ZTR) diminui da
geração 1 para a 4. Índices de minerais metaestáveis e 2.4. Cordões de Dunas Frontais
instáveis apresentam o comportamento inverso. Essas No Nordeste do Brasil, a leste de São Luís (MA),
tendências permitem supor que o efeito de o trecho da costa entre Formosa e Porto do Barco (CE)
retrabalhamento sucessivo de sedimentos preexistentes, é a única região com predomínio extensivo de dunas
cuja atuação foi admitida com base em resultados frontais. A sul, as dunas frontais só começam a
granulométricos, não prevalece, no âmbito da destacar-se como principal depósito eólico costeiro nos
mineralogia. O aumento de maturidade mineralógica nas estados de Pernambuco e Paraíba. Exemplos com
gerações mais antigas pode, portanto, ser atribuído à diferentes graus de preservação podem ser vistos na
dissolução pós-deposicional preferencial de minerais Praia de Boa Viagem, em Recife, e no litoral sul-
instáveis, função direta da idade dos sedimentos. pernambucano, em Serrambi e Muro Alto.
Na planície litorânea do Rio Grande do Sul, os No litoral de Alagoas, entre Ponta do Miaí e
deslocamentos laterais da linha de costa resultantes das Pontal do Peba, as dunas frontais atingem 5 m de altura,
flutuações glácio-eustáticas do nível do mar durante o chegando a 7 m no litoral norte da Bahia, entre Salvador
Quaternário teriam produzido quatro sistemas do tipo e Arembepe. No litoral sul-baiano, entretanto, as dunas
laguna-barreira (Villwock et al., 1986). Cada uma dessas frontais tornam-se pouco desenvolvidas.
barreiras marca o limite máximo atingido por um dos Em São Paulo, dunas embrionárias no Guarujá e
eventos transgressivos transcorridos durante o na Praia Grande foram descritas por Freitas (1951a,b).
Pleistoceno superior e o Holoceno. Todas as barreiras Hueck (1955) fez referência à presença desse tipo de
caracterizam-se por apresentar uma expressiva duna desde Ubatuba até Cananéia, com maior
cobertura eólica. As dunas das barreiras pleistocênicas abundância no litoral sul do estado. Dunas móveis
são formadas por areias quartzo-feldspáticas, finas a ocorreriam apenas localmente, como resultado de
médias, de cores amarelo-avermelhadas e que podem desestabilização pela ocupação antrópica, com destaque
apresentar até 15% de matriz síltico-argilosa, de origem para dunas de até 3 m em Peruíbe. As maiores dunas
pedogenética. Os processos pedogenéticos foram eólicas do estado encontram-se na Ilha Comprida, em
responsáveis também pela destruição quase total de suas cujo terço externo reconhecem-se até quatro
estruturas sedimentares primárias. Crostas e concreções alinhamentos descontínuos de dunas com 8 m de altitude
ferruginosas são feições comuns e, em alguns locais, máxima (Barcelos, 1975; Barcelos et al., 1976; Suguio
ocorrem horizontes com traços fósseis de raízes & Martin, 1978) e idade TL de até 7.400 (± 1.600)
(rizólitos). A concentração dessas estruturas biogênicas anos (Suguio et al., 1999). Paleodunas de até 5 m de
em distintos níveis é indicativa de paleossolos e sua altura, em erosão na linha de costa atual, encontram-se
recorrência nos afloramentos é considerada por também na Praia da Juréia (Iguape).
Tomazelli (1990, 1993) um registro das variações No litoral do Paraná, Bigarella et al. (1969)
paleoclimáticas cíclicas que afetaram a região durante relataram a existência de cordões de dunas (um a mais
o Pleistoceno. Fases climáticas mais secas favoreceriam de dois), muitos naquela época já destruídos pelo
a atividade eólica e fases úmidas favoreceriam a homem. No Jardim São Pedro, adjacente à Praia do
estabilização das dunas pela vegetação. Leste, Bigarella et al. (1969) e McKee & Bigarella
Em alguns locais, as paleodunas sobre a Barreira (1972) fizeram menção a um cordão dunar ondulado,
III, correlacionada ao máximo NRM de 120 ka, de 5 a 10 m de altura, retido por uma linha de vegetação
preservam parte de suas formas originais, como e, por isso, designado “duna de retenção”. Esse cordão
barcanas e dunas parabólicas, as quais indicam foi caracterizado pelos autores como um empilhamento

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

de areia contra a vegetação, normal ao vento. A ocupação antrópica. Desse modo, a proteção e
descontinuidade e sinuosidade das cristas de cordão reconstituição de campos de dunas não pode prescindir
foram atribuídas a interrupções por rupturas de deflação de planejamento cuidadoso na ocupação das áreas de
aproximadamente ortogonais, com línguas de areia paleodunas. A criação de áreas de preservação ambiental,
(lobos deposicionais) à retaguarda. A distribuição de abarcando os principais campos de dunas e paleodunas
azimutes de mergulho das estratificações cruzadas ameaçados pelo adensamento urbano, apresenta-se
confirmam a ação de ventos de SE e E, originados, como primeiro passo para a manutenção dos sistemas
segundo os autores, da migração de celas de anticiclones praias-dunas brasileiros. Exemplo de iniciativa nesse
no avanço de Massa de Ar Polar, atuantes principalmente sentido encontra-se no “Parque das Dunas”, área de
no inverno. preservação de dunas inativas e ativas situada entre a
foz do Rio Potengi e a Praia de Ponta Negra, na zona
2.5. Importância Ambiental e Econômica urbana de Natal (RN).
Praias e dunas eólicas ativas mantêm entre si Um aspecto singular da questão ambiental das
interações de energia e matéria típicas de um sistema dunas e paleodunas costeiras é a extração mineral.
natural em equilíbrio dinâmico. A modificação de Concentrações de minerais pesados com valor
qualquer parte desse sistema pelo homem implica a econômico observam-se com freqüência em meio a
alteração do sistema como um todo em direção a novos esses depósitos. Dois exemplos de extração de areias
estados de equilíbrio, cujo funcionamento pode ser titano-zirconíferas em paleodunas holocênicas são
indesejável e de difícil controle. Exemplos brasileiros encontrados na região de Bojuru, litoral médio do Rio
de erosão de praias induzida pela destruição de dunas Grande do Sul, e em Mataraca, costa norte da Paraíba.
costeiras, apresentados no Capítulo 7, são ilustrações No depósito de Bojuru, descoberto e descrito por
de sistemas naturais colocados fora de controle (ou em Villwock et al. (1979), os minerais de minério são
estados muito distantes do equilíbrio). A preservação ilmenita, rutilo e zircão. Na ocorrência de Mataraca,
integral das dunas vegetadas, especialmente as dunas interpretada como fácies de berma ou antepraia superior
frontais, tem-se mostrado crucial na preservação desse preservada sob fácies de dunas eólicas, a fração pesada
equilíbrio. compõe-se principalmente dos minerais de titânio
Durante o processo de migração, por outro lado, (ilmenita e rutilo) e zircônio (zircão), e de turmalina e
as dunas ativas transgridem os terrenos adjacentes. cianita, essa última também aproveitada
Desse modo, contribuem para o assoreamento de economicamente na indústria de refratários.
banhados e corpos lacustres-lagunares, interrompem Considerado dentre as maiores reservas nacionais de
estradas e, nas regiões urbanizadas, avançam sobre ruas, titânio (DNPM, 1984), o depósito de Mataraca constitui
casas e outras edificações. Nesse caso, a mobilidade exemplo de lavra acompanhada de trabalho de
dos campos de dunas introduz um fator complicador recuperação ambiental. Este trabalho inclui
no planejamento da ocupação: a necessidade de reconstituição do relevo das dunas e construção de
ponderar-se a influência da dinâmica dunar, por meio quebra-ventos (cercas transversais ao alongamento das
de previsões em médio prazo. Os conflitos entre a paleodunas) destinados à minimização da erosão eólica.
atividade antrópica e a dinâmica dos campos de dunas Outro uso das areias de paleodunas eólicas
transgressivos constituem uma das mais complexas e pleistocênicas e holocênicas, especialmente comum na
importantes questões ambientais do litoral brasileiro. planície costeira do Rio Grande do Sul, é como material
Mesmo nas áreas de paleodunas, o uso do solo de aterro nas zonas urbanizadas do litoral. Esse emprego
não pode ser feito sem um planejamento embasado em resulta da necessidade de elevar topograficamente o
sólido conhecimento geológico, pois o adensamento da terreno tendo em vista que, na maior parte da planície
ocupação e as atividades agropecuárias via de regra costeira, o lençol freático se encontra muito próximo
exacerbam ou reiniciam processos geológicos, da superfície. A extração de areia de campos de dunas
principalmente de transporte sedimentar. A grande ativos pode ter implicações ambientais graves. Nos
suscetibilidade dos sedimentos arenosos incoesos à casos em que parte da areia do campo de dunas retorna
erosão pela água ou à reativação pelo vento faz com à praia em longo prazo, através de sangradouros, a
que o uso do solo conduza ora à desfiguração redução substancial dos estoques de areia eólica incoesa
geomorfológica completa das paleodunas, com reflexos afeta o sistema praia-duna como um todo, podendo
irreversíveis na hidrologia e na biodiversidade faunística romper o equilíbrio erosivo-deposicional das praias
e florística, ora à produção de novos campos dunares, adjacentes. A questão é polêmica do ponto de vista da
que passam a afetar áreas até então favoráveis à legislação mineral, uma vez que a proteção preconizada

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Quaternário do Brasil

pela Lei Nacional de Gerenciamento Costeiro e a paleoclimática no Quaternário do Nordeste brasileiro.


proibição constante em Resolução do CONAMA Corresponde à acumulação de areias supridas pelo Rio
(Conselho Nacional do Meio Ambiente) nem sempre São Francisco e transportadas pelos ventos de SE e E.
são acompanhadas por leis em nível municipal e estadual. A maior concentração de dunas inativas encontra-se
Em Imbituba (SC), areias do campo de dunas ativo de delimitada nas latitudes de 10 o 00’ e 11 o 00’ S e
Ibiraqüera, nas proximidades de Ribanceira do Norte, longitudes 42o 30’ e 43o 20’ W, e ocupa parte dos
vêm sendo exploradas há mais de dez anos para obtenção municípios de Barra e Pilão Arcado (BA). Embora o
de matéria-prima para fabricação de argamassas de estabelecimento desse extenso depósito possua forte
construção civil. A comparação entre fotografias aéreas influência climática, o controle topográfico e estrutural
de 1956 e 1994 e observações de campo permitem também deve ter sido necessário para favorecer o
verificar que o campo de dunas de Ibiraqüera passa acúmulo de areias eólicas numa área contínua de 7.000
por forte desfiguração, com achatamento das cadeias km2 e com espessuras que chegam a mais de 100 m
barcanóides e aumento da área fixada por vegetação. (Barreto 1996; Barreto et al., 2002b). Campos de dunas
Essa mudança é indício de falta de renovação do aporte inativos menores, associados ao mesmo contexto
sedimentar, o que pode em parte estar relacionado à geológico, podem ser vistos próximo à Lagoa de
mineração. Itaparica (Xique-Xique) e em Alagoado.
A área foi referida por Williams (1925) como
3. DUNAS EÓLICAS INTERIORES um “pequeno Saara ao longo do São Francisco”. Moraes
Campos de dunas inativas interiores representam Rego (1926) incluiu os depósitos aluviais e eólicos, que
uma herança de climas antigos mais secos que o atual margeiam o Rio São Francisco, na Formação Vazantes,
(Thomas & Shaw, 1991). Geralmente, exibem formas por ele proposta. As primeiras considerações
originais parcialmente reafeiçoadas pelo intemperismo paleoclimáticas sobre a área são de Domingues (1948),
e erosão pluvial e fluvial. São encontrados em diversas que atribuiu as paleodunas à fase de acentuada aridez
partes do mundo, em desertos atuais ou nas suas durante o último período glacial do Hemisfério Norte.
adjacências, e fornecem dados relacionados a A maioria das dunas exibe grandes dimensões e
paleoclimas e paleoventos (Melton, 1940; Lowe & apresenta forma parabólica composta, com diferentes
Walker, 1997). No Brasil, pelo menos três áreas graus de preservação da morfologia eólica, o que permite
geográficas com dunas eólicas interiores têm merecido o reconhecimento de três domínios geomorfológicos
a atenção dos pesquisadores quaternaristas: o baixo Rio (Figura 11.6a): lençol de areia, dunas com morfologia
Negro (AM), o médio Rio São Francisco e o Pantanal tênue e dunas com morfologia nítida. O gigantismo das
(MS). dunas (com até 13 km de extensão) deve refletir efeitos
combinados de alta energia dos ventos, abundante
3.1. Morfologia e Constituição suprimento de areias e resistência aerodinâmica
O sistema de paleodunas inativas do baixo Rio oferecida pela vegetação local. Teria sido originado
Negro (AM) é formado por vários campos assim extenso e espesso “mar de areia”, através do
interconectados de dunas, cobrindo uma área estimada empilhamento sucessivo de várias gerações de dunas
de 300 km2, entre os paralelos 1 e 3°S e 61 e 63°W durante o Quaternário.
(Tatumi et al., 2002), com orientação regional ENE- Estudos granulométricos, morfoscópicos e
WSW (Carneiro Filho et al., 2002). Destaca-se o campo mineralógicos das areias das dunas inativas indicaram
de dunas entre os rios Catrimani e Água Boa, com 40 altas maturidades textural e química e auxiliaram na
km de extensão e 25 km de largura. De acordo com delimitação dos três diferentes domínios eólicos. O teor
Santos et al. (1993), as dunas dessa área são parabólicas de minerais pesados em relação à amostra total é baixo,
simples e compostas com cristas bem definidas que, não ultrapassando a 0,7%. A ausência aparente de
segundo medidas baseadas em sensoriamento remoto, estruturas sedimentares é bastante comum. Drenagens
chegariam a 6 km de comprimento e 20 m de altura. e áreas interdunares apresentam depósitos não
Existiriam ainda, conforme esses autores, dois outros explorados de diatomitos e turfas, na porção sul, e de
campos de dunas gigantes, em Anauá (RR) e Aracá calcretes na porção norte. Sondagens elétricas verticais
(AM), bem como campos de dunas menores, dunas indicam que o embasamento das dunas, constituído
isoladas e “extensos campos de areia sem estruturação principalmente pelos metassedimentos dos grupos
de dunas” (presumivelmente, lençóis de areia). Chapada Diamantina e Bambuí e pelos calcários da
O sistema de dunas inativas do médio Rio São Formação Caatinga, apresenta desníveis de até 140 m
Francisco representa importante registro de variações em relação ao nível de base atual do Rio São Francisco

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

e que as areias encontram-se acumuladas com na área da Pampa Deprimida, na Argentina. Com base
espessuras variáveis entre 50 e 150 m. na interpretação de imagens de satélite, mapeou as
O Pantanal Mato-Grossense é um trato deposicional principais áreas de atuação pretérita de processos eólicos
composto por vários leques aluviais, onde o Paraguai é o (Figura 11.6B).
rio-tronco. Muitos pesquisadores interpretaram que esses Segundo Assine & Soares (2004), a paisagem
leques se formaram sob condições de clima semi-árido no do Pantanal Mato-Grossense é resultado da
final do Pleistoceno (Braun, 1977; Tricart, 1982; Klammer, superimposição de diversos eventos geológicos atuantes
1982; Ab’Saber, 1988). nos últimos 120.000 anos. Durante o último período
O megaleque aluvial do Rio Taquari é a feição seco, coincidente com o máximo glacial no final do
geomorfológica mais espetacular do Pantanal, ocupando Pleistoceno, distributários de lobos aluviais da parte sul
quase a metade da planície pantaneira. Na porção sul do Leque do Taquari foram abandonados e os
desse megaleque, área conhecida como Nhecolândia, sedimentos retrabalhados pelo vento, gerando
existem centenas de pequenas lagoas distribuídas em meio depressões de deflação. Pequenas dunas eólicas foram
à trama de paleocanais distributários e de canais formadas no lado de sotavento das depressões, muitas
tributários atuais (“vazantes”). As lagoas possuem formas vezes em forma de meia-lua (lunette dunes),
as mais diversas (circulares, elípticas, piriformes, constituindo elevações marginais de areias finas a muito
crescentiformes e irregulares) e podem ocorrer alinhadas finas (as chamadas cordilheiras). Com a deglaciação, a
e conectadas, como num rosário, ou isoladas da drenagem mudança para um clima mais úmido na região
atual e com águas salobras, quando recebem então a promoveu a elevação do nível freático, dando origem
denominação de “salinas”. As lagoas, sobretudo as às lagoas (Figura 11.7). Muitas delas, devido ao seu
“salinas”, são margeadas por elevações de areia fina com isolamento da drenagem superficial, tornaram-se salinas,
até 4 m de altura, denominadas “cordilheiras”. tendo sido por isso consideradas salt pans por Klammer
Na Nhecolândia, Almeida (1945) observou uma (1982).
lagoa associada à obstrução de vale por barragem arenosa As paleodunas estão alinhadas aproximadamente
de 2 m de altura e concluiu que as lagoas teriam sido segundo a direção NE, mas não são retilíneas, uma vez
derivadas de vales barrados por dunas eólicas. Para que acompanham a forma das lagoas. Assim, embora a
corroborar sua interpretação, apresentou resultados de ação do vento tenha impresso sua marca na paisagem
análises granulométricas das barragens, em que se observa pantaneira, muito há ainda por ser caracterizado com
o predomínio de areias limpas e bimodais (finas a médias). relação às paleodunas e às paleodireções do vento,
A partir do trabalho de Almeida (1945), a existência especialmente porque os enxames de dunas longitudinais
de paleodunas eólicas no Pantanal foi assumida como de direção NNE e NNW, identificados por Klammer
fato em alguns trabalhos. Valverde (1972), por exemplo, (1982) em imagens de radar, não foram constatados
considerou que as cordilheiras são a expressão em imagens de satélite e em fotografias aéreas (Assine
morfológica de antigas dunas eólicas formadas em & Soares, 2004).
condições desérticas pretéritas. Posteriormente, Klammer No Holoceno, simultaneamente à reativação dos
(1982) identificou milhares de dunas longitudinais fósseis processos aluviais em várias outras partes do megaleque
orientadas segundo as direções NNE-SSW e NNW-SSE, do Taquari, uma rede de drenagem tributária implantou-
concluindo que os ventos foram constantes de NNE e se na Nhecolândia e promoveu a conexão das lagoas,
NNW e que “o relevo do Pantanal é como o de um deserto conseqüentemente com a destruição progressiva da
posto sob influência de clima úmido”. A suposta paisagem eólica remanescente. Nessa linha de raciocínio,
existência desse padrão uniforme de dunas levou as “salinas” do Pantanal, cujas águas ainda se mantêm
Clapperton (1993) a considerar que o Anticiclone do isoladas da drenagem superficial, constituem formas
Atlântico Sul estava numa posição mais austral durante a relictas de uma paisagem anteriormente dominada por
formação do campo de dunas. processos eólicos, agora em remodelagem por
Numa outra perspectiva de análise, mas também processos aluviais.
considerando a atuação do vento como agente geológico
modelador de parte da paisagem pantaneira, Almeida & 3.2. Distribuição da Deposição no Tempo
Lima (1959) sugeriram que processos de deflação eólica Datações por termoluminescência (TL) e
contribuíram para a gênese das lagoas. A hipótese foi luminescência opticamente estimulada (LOE) foram
retomada muitos anos depois por Tricart (1982), para realizadas em 14 amostras, coletadas entre 50 e 300
quem as lagoas foram formadas a partir de depressões cm de profundidade em sedimentos de terraços
de deflação, em analogia a formas similares existentes marginais do baixo Rio Negro atribuídos a paleodunas

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Quaternário do Brasil

eólicas. As idades variaram entre 7.800 e 32.600 anos


A.P. Com base nesses resultados, Carneiro Filho et al.
(2002) e Tatumi et al. (2002) interpretam que durante
o Pleniglacial e parte do Holoceno, a região noroeste da
Amazônia tenha sido submetida a condições climáticas
mais secas e sazonais que as atuais.
Na planície quaternária do médio Rio São
Francisco, datações por termoluminescência (TL),
realizadas em poços rasos, com no máximo 4 m,
sugerem que pelo menos desde 28 ka A.P., houve
condição de fixação de dunas, sendo provavelmente o
início bem mais antigo da atividade eólica na região,
uma vez que todo o pacote apresenta mais de 100 m de
espessura. (Barreto, 1996; Tatumi et al., 1998). As
idades obtidas permitem interpretar ainda que, durante
o Holoceno, houve condições tanto para atividade como
para estabilização de dunas eólicas, dado o grande
número de amostras holocênicas obtidas e o fato de a

Figura 11.7. Aspectos da paisagem da Nhecolândia: A.


Figura 11.6. Mapas geomorfológicos de duas regiões de Lagoas alinhadas aproximadamente segundo a direção NE,
dunas interiores: A. Médio Rio São Francisco, na Bahia. B. em imagem de satélite obtida na estação seca. Também
Leques aluviais do Pantanal, cujo padrão distributário é podem ser observados canais tributários rasos (vazantes)
ressaltado pelos paleocanais fluviais. As áreas hoje ocu- superimpostos à paisagem eólica, principalmente na parte
padas por lagoas constituem paisagem reliquiar produzida direita da imagem. B. Salina (lagoa isolada da drenagem
por deflação eólica em leques inativos ou lobos abandona- superficial), cercadas de paleodunas em meia-lua (lunettes)
dos. A principal área de ocorrência de paleodunas é a da estabilizadas por vegetação arbórea (“cordilheiras”, na ter-
Nhecolândia, na parte sul do leque do Taquari (Fontes: A = minologia pantaneira) (Fonte: Assine & Soares, no prelo,
Barreto, 1996, modificado; B = Tricart, 1982, modificado). modificado).

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11. Dunas e Paleodunas Eólicas e Interiores

idade TL representar momentos de fixação da duna e, conseqüência, as possibilidades de aplicação do


portanto, de encerramento de atividade eólica. A conhecimento nos estudos de impacto ambiental e no
interpretação de discordâncias entre os depósitos eólicos planejamento da ocupação são ainda muito limitadas.
baseou-se em diferenças texturais e de coloração. Configuram-se, assim, três temas urgentes na
A história holocênica da área do médio Rio São pesquisa sobre a sedimentação eólica quaternária no
Francisco está relativamente bem compreendida (De Brasil: a terminologia de feições erosivo-deposicionais,
Oliveira et al., 1999). Entretanto, há carência de estudos a quantificação de processos, depósitos, variáveis
que possam dar mais informações e sanar dúvidas em controladoras e idades deposicionais (estas devidamente
relação a sua evolução paleogeográfica durante o posicionadas no arcabouço estratigráfico regional) e a
Pleistoceno. Por exemplo, têm sido citadas por vários elaboração de modelos morfodinâmicos teóricos ou
autores, como os pioneiros Moraes Rego (1926) e aplicados, tanto conceituais quanto matemáticos. Para
Domingues (1948), modificações no curso do Rio São atender a essas demandas maiores, algumas lacunas de
Francisco ou mesmo uma drenagem endorréica em fase conhecimento podem ser consideradas prioridades de
mais seca, o que teria propiciado a atividade eólica investigação. Em relação ao primeiro tema, a prioridade
quaternária na área. A compreensão entre relações de reside em buscar uma classificação dos tipos
fácies fluvial e eólica, a determinação do início da atividade morfológicos e cronológicos de dunas do Brasil de
eólica, o estudo dos depósitos de diatomitos lacustres na modo a propiciar a correlação inter-regional. Com
porção sul do sistema de dunas e a realização de sondagens respeito à quantificação, podem-se citar, entre outras
profundas deverão fornecer melhor compreensão da prioridades, estudos sistemáticos dos dados de estações
história evolutiva das dunas dessa região. meteorológicas, coleta adicional de dados diários de
parâmetros climáticos (como ventos, insolação,
4. PERSPECTIVAS E PRIORIDADES PARA precipitação e evaporação), cálculos de taxa de
PESQUISAS FUTURAS suprimento sedimentar para os campos de dunas atuais,
Após o marcante trabalho desenvolvido por J.J. monitoramento sistemático das variações morfológicas
Bigarella entre o final da década de 1960 e o início da nas áreas ainda pouco perturbadas pela interferência
década de 1970, a investigação dos depósitos eólicos humana, análise das interações entre aporte e tipo de
quaternários no Brasil volta a ensaiar, desde 1990, novo cobertura vegetal , em especial, do papel das espécies
período de florescimento, com a apresentação de vegetais na fixação e acumulação de depósitos eólicos,
inúmeras dissertações, teses e artigos sobre a maioria e datações absolutas e levantamentos estratigráficos que
dos campos de dunas e paleodunas, principalmente precisem as idades das gerações de dunas e sua
costeiros, de nosso território. Com isso, dispõe-se hoje correlação. De posse dos resultados desses dois temas,
de um panorama geral, que se tentou resumir neste será possível a elaboração de modelos de morfodinâmica
capítulo, sobre a distribuição de morfologias e gerações eólica capazes de contemplar a influência das variáveis
de depósitos nesses campos de dunas. controladoras da sedimentação (suprimento de
A base de dados atual apresenta, no entanto, uma sedimentos, variações climáticas, flutuações do nível
série de problemas e limitações. Em primeiro lugar, não do mar e ação antrópica), a capacidade de suporte dos
existe padronização na nomenclatura de processos e depósitos eólicos perante a ocupação humana e o
feições eólicas. A falta de padronização tornou desenvolvimento de técnicas adequadas de contenção
necessário, neste capítulo, um item introdutório, voltado de dunas ou de controle e planejamento da ocupação
a terminologia e conceitos. Sem dúvida, não se trata de nas áreas cobertas por campos dunares ativos e inativos.
um problema exclusivo da literatura científica nacional,
mas de uma dificuldade mundial, que se agrava no Brasil
por discrepâncias na tradução e adaptação de termos REFERÊNCIAS
estrangeiros. Em segundo lugar, os dados quantitativos Ab’Saber, A.N. 1988. O Pantanal mato-grossense e a teoria
dos refúgios. Revista Brasileira de Geografia, v.50.
sobre a dinâmica dos sistemas eólicos brasileiros, como
p.9-57.
medidas de ventos e aporte sedimentar, são ainda pouco
Almeida, F.F.M. 1945. Geologia do sudoeste mato-
numerosos. Datações, quando disponíveis, nem sempre grossense. Boletim da Divisão de Geologia e
são acompanhadas de um arcabouço estratigráfico Mineralogia (DNPM), v.116, p.1-118.
solidamente estabelecido. Em terceiro lugar, a escassez Almeida, F.F.M. & Lima, M.A. 1959. Planalto Centro-
desses estudos quantitativos tem implicações negativas Ocidental e Pantanal mato-grossense. do In: Congresso
na elaboração de modelos teóricos de fácies e de evolução Internacional de Geografia, Rio de Janeiro. Guia de
morfodinâmica de campos de dunas. Como Excursão... Rio de Janeiro : IBGE. 171p.

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Quaternário do Brasil

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Quaternário do Brasil

Capítulo 12

PROCESSOS E PRODUTOS
MORFOGENÉTICOS CONTINENTAIS
Mário Sérgio de Melo
Vanda Claudino-Sales
Jean-Pierre Peulvast
Allaoua Saadi
Claudio Limeira Mello

RESUMO. A análise da paisagem, sua gênese, evolução, formas e materiais superficiais (solos, sedimentos) envolve o
estudo dos tipos de intemperismo (mecânico, químico e biológico), a compreensão da relação entre paleoformas e
formas recentes ou em elaboração, o entendimento do significado das superfícies de aplainamento e sua utilização na
cronologia, classificação genética e compartimentação do relevo, o estabelecimento das relações entre formas, depósitos
e processos geradores e, finalmente, o desenvolvimento de técnicas adequadas de representação cartográfica. Os
mapas produzidos —com aplicação na previsão de riscos geoambientais, prospecção de recursos minerais,
comportamento geotécnico de materiais superficiais, gestão urbana/rural e manejo de áreas especiais— são documentos
de uso multidisciplinar, que deverão ter leitura acessível a técnicos de diversas áreas. O estudo das formas e materiais
quaternários fornece ainda elementos para reconstituições paleoambientais e apóia previsões para o futuro próximo,
auxiliando na discriminação das mudanças naturais e induzidas. Essa possibilidade de aplicação terá tanto mais eficácia
quanto maior o sucesso na integração dos dados fragmentados produzidos pelo estudo do Quaternário continental
brasileiro. No Brasil, os processos e formas continentais quaternários dominantes nem sempre apresentam clara correlação
com os grandes traços da compartimentação do relevo. Nos escudos sustentados pelo embasamento antigo, ocorre
acumulação de materiais superficiais autóctones nos topos aplainados e erosão nas encostas e vales. Nas grandes
bacias sedimentares (Amazonas, Parnaíba e Paraná), ocorre tanto acumulação de materiais autóctones em topos aplainados
quanto erosão nos interflúvios e altas encostas e sedimentação em rampas colúvio-aluviais, terraços e planícies aluviais.
Na Bacia do Pantanal, encontra-se acumulação de diversos tipos de depósitos (eólicos, fluviais e lacustres) ao longo do
Quaternário. Nas regiões costeiras, interdigitados com os típicos depósitos litorâneos que ocorrem mais a jusante,
aparecem depósitos de tálus, acumulações de leques aluviais coalescentes e depósitos de planície de inundação fluvial.
Notadamente nos escarpamentos do Planalto Atlântico, onde há uma convergência de fatores (encostas abruptas,
solos espessos, altas precipitações e inadequado uso da terra), ocorrem expressivos movimentos de massa
(escorregamentos e corridas de lama e de detritos). No presente capítulo, serão abordados essencialmente processos
continentais naturais (e seus produtos) atuantes nas regiões planálticas do país, seja nos platôs nivelados, seja nas
encostas intraplanálticas ou escarpamentos em relevos de transição entre planaltos diferentes. Os aspectos enfatizados
relacionam-se às superfícies de aplainamento, conceitos e exemplos da morfoestratigrafia e aloestratigrafia, processos e
produtos associados à evolução das vertentes, cartografia de processos e produtos morfogenéticos. Ainda que esses
aspectos não esgotem o tema, eles fornecem uma base genética e descritiva para a organização dos processos e
produtos, os quais transcendem os limites usualmente utilizados na compartimentação geomorfológica ou morfoclimática.
Palavras-chave: Superfícies de aplainamento; Evolução de encostas; Morfoestratigrafia; Aloestratigrafia.

ABSTRACT. The study of landscape (genesis and evolution of landforms and surface materials, as soils and sediments)
involves weathering (mechanical, chemist, biological), the comprehension of the relation between ancient and recent
forms, the understanding of planation surfaces and its use in chronology, genetic classification and mapping of the
relief, the understanding of the relations between landforms, deposits and its genetic processes, and finally the
development of adequate cartographic representation. The maps produced are applicable to geohazard forecast, search
for mineral resources, geotechnical behavior of surface materials, and management of urban/rural or other areas. These
maps are multipurpose documents, so they must be readable by professionals of different areas. The study of Quaternary
landforms and materials supports paleoenvironmental reconstructions and forecasts for the near future, assisting in the
discrimination of natural and induced changes. This application possibility will have more effectiveness the larger the
success in the integration of fragmented data produced by the study of the continental Brazilian Quaternary. Dominant
Quaternary continental processes and landforms in Brazil do not present a direct correlation with the major relief

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12. Processos e Produtos Morfogenéticos

domains. In the old shields there is the accumulation of autochthonous superficial materials in the flat tops, and erosion
in the hillsides and valleys. In the great sedimentary basins (Amazonas, Parnaíba and Paraná), there is accumulation of
autochthonous materials in flat tops as well as the erosion in the highlands and hillsides and sedimentation in colluvial-
alluvial gentle slopes, terraces and alluvial plains. In the Pantanal Basin several types of deposits (eolian, fluvial and
lacustrine) took place along the Quaternary. In the coastal areas there are talus, coalescent alluvial fans and floodplain
deposits interfingered with the downstreams more typical littoral deposits. Especially in the escarpments of the Atlantic
Plateau a convergence of factors (abrupt hillsides, thick soils, high precipitations, inadequate land use) results in
expressive mass movement (landslides, mudflows and debrisflows). In this chapter these patterns are focused essentially
from the point of view of the natural continental processes (and their products) active in the highlands of the country,
whether at the leveled plateaus or at the intraplateau hillsides or escarpments in the transition relief among different
plateaus. Leveling surfaces, concepts and examples of morphostratigraphy and allostratigraphy, processes and products
associated to the slopes evolution, and the cartography of morphogenetic processes and products are considered.
Although not entirely covering this area of knowledge, these aspect forward a genetic and descriptive base for the
organization of landscape processes and products, which usually extend themselves beyond the limits used in the
geomorphological and morphoclimatic mapping.
Key words: Leveling surfaces; Slope evolution; Morphostratigraphy; Allostratigraphy.

1. INTRODUÇÃO o comportamento geotécnico dos materiais superficiais


Uma apresentação do Quaternário do Brasil não (estabilidade, permeabilidade, reação à carga etc.).
poderia prescindir da abordagem dos processos Formas e materiais, portanto, constituem informação
morfogenéticos (gênese e evolução das formas) e seus básica para a elaboração das cartas geotécnicas, estas
produtos correlatos, materializados nas formas de relevo entendidas como documentos de síntese que interpretam
e nos materiais incoesos (solos e sedimentos) os atributos da paisagem, com interesse para as diversas
superficiais. Na verdade, a gama de processos e formas de uso da terra, seja na gestão de áreas urbanas
produtos morfogenéticos quaternários é vasta, objeto ou rurais, seja para aplicações específicas, como, por
de vários capítulos deste livro (Capítulos 5 a 7, sobre exemplo, na mineração ou na prevenção de acidentes
materiais e formas costeiros, Capítulo 11, sobre materiais geoambientais.
e formas eólicos, Capítulo 13, sobre sistemas fluviais, Interpretar formas e materiais quaternários não
Capítulo 15, sobre ambientes cársticos, e Capítulo 17, é tarefa simples. Eles coexistem, na paisagem, com
sobre processos e produtos tecnogênicos). Neste formas e materiais mais antigos, às vezes muito mais
capítulo, são enfatizados alguns dos aspectos genéticos antigos. Se, por um lado, pode-se generalizar que as
e descritivos mais significativos para a compreensão formas e materiais mais antigos estão em desequilíbrio
dos processos continentais considerados. com a paisagem e processos atuais, por outro, há
São muitas as formas de relevo elaboradas por também que se considerar que formas e processos
processos quaternários continentais: superfícies de quaternários refletem justamente a ação de processos
aplainamento mais ou menos extensas, diversos tipos mais recentes, que podem repetir-se ou intensificar-se
de encostas, feições de erosão (ravinas, boçorocas, na escala de tempo humana. A interpretação da paisagem
colapsos, pipings etc.) e feições de acumulação (rampas implica, pois, na classificação cronológica de seus
colúvio-aluviais, leques e terraços aluviais), que talvez constituintes e na identificação das conseqüências da
sejam as principais formas que ocorrem no meio tropical interação de feições e materiais herdados com processos
brasileiro. Intimamente relacionados com essas formas, vigentes atualmente.
ocorrem os materiais originados por processos
quaternários: coberturas colúvio-eluviais, depósitos de 2. PROCESSOS E AGENTES DA MORFOGÊNESE
tálus, de rampas colúvio-aluviais, de leques e terraços E FORMAS ASSOCIADAS
aluviais, depósitos que preenchem paleofeições erosivas, As formas de relevo refletem as interações
além de espessos latossolos e areias quartzosas. existentes entre estrutura geológica, atividades
A análise das formas e materiais quaternários é endógenas (magmatismo e tectonismo) e dinâmicas
crucial para o entendimento da dinâmica da paisagem. atmosférica, hidrológica, glaciológica e biológica. Tais
As formas constituem um dos critérios de classificação dinâmicas esculturam permanentemente as paisagens
e cartografia do relevo, que permitem inferir, por das terras emersas, e suas manifestações nos horizontes
exemplo, suscetibilidade a processos erosivos, o mais superficiais da litosfera são agrupadas sob a
comportamento da água subterrânea, a ocorrência de denominação “processos morfogenéticos”. Durante o
materiais úteis (minérios ou materiais de empréstimo) e Plioceno superior e o Quaternário, os processos

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Quaternário do Brasil

morfogenéticos foram intensamente marcados por os agentes morfogenéticos dependentes do clima só


oscilações climáticas e eustáticas, sendo exemplos interferem indiretamente sobre as rochas.
espetaculares de tais mudanças os períodos glaciais e A identificação de níveis de paleossolos em
interglaciais que ritmaram a evolução morfoclimática numerosas regiões do mundo mostrou que, em razão
mundial com uma periodicidade regular da ordem de da multiplicidade das variações de seqüências climáticas
100.000 anos a partir do Plioceno médio, mas que se sucederam depois do Neogeno, as formas de
particularmente depois do Pleistoceno médio (e.g., relevos raramente refletem apenas as condições
Foucault, 1996). presentes (“formas características”: Brunsden, 1993),
Assim, as paisagens atuais exibem formas exceto em casos em que condições morfoclimáticas
(terraços fluviais, paleossolos e relevos em escalas particularmente agressivas apagaram todo traço de ações
variadas) que resultaram da ação de paleoclimas muito anteriores (Summerfield, 1991; Peulvast & Vanney,
diferentes dos atuais, não representando, portanto, a 2002). Nessa última perspectiva, e tomando como
tradução simples de sistemas morfoclimáticos facilmente referência o período temporal posterior ao
identificáveis e bem delimitados. Sobretudo, as Pliopleistoceno (início das grandes glaciações
paisagens naturais são o resultado de superposições cenozóicas), três grandes tipos de domínios naturais
parciais e complexas de sistemas climáticos instáveis podem ser distinguidos (Coque, 1993; Peulvast &
no tempo e no espaço. Algumas dessas superposições Vanney, 2001): 1) os meios continuamente marcados
foram mais ou menos curtas e correspondem às por ações mecânicas e as regiões continuamente
oscilações climáticas plioquaternárias cuja duração vai desérticas ou semi-áridas (no Brasil, as regiões de
da ordem de alguns séculos ou menos até cerca de 100 elevadas latitudes e altitudes respectivamente do Sul e
ka (e.g., Foucault, 1996). Outras apresentaram duração Sudeste, e do Nordeste); 2) os meios alternativamente
mais longa e correspondem de forma geral à oposição, marcados por ações mecânicas e bioquímicas que, pela
no Quaternário das baixas latitudes, entre os climas riqueza de suas heranças, apresentam uma complexidade
secos dos períodos glaciais e os climas mais úmidos de máxima nas relações entre processos, condições
fases interglaciais (Thomas, 1989a). climáticas e formas de relevo —nesse caso, sobretudo
Em cada ambiente, o registro geomorfológico as regiões temperadas, onde as ações glaciais ou
de tais mudanças dependeu da duração e da intensidade periglaciais repetidamente se alternaram com condições
das variações, assim como da tendência das paisagens próximas das atuais, não tendo grande expressão no
em registrar mais ou menos rápida e permanentemente Brasil; e 3) os meios continuamente marcados por ações
as modificações ambientais —ou, em outras palavras, bioquímicas, nos quais as condições foram sempre
da existência local de “paisagens sensitivas e paisagens propícias ao desenvolvimento de solos do tipo
insensitivas” (Brunsden, 1993). Nesse contexto, a ferralíticos e fersialíticos, com alternâncias de
compreensão acerca dos processos e produtos fenômenos de formação e degradação de couraças
morfogenéticos quaternários continentais exige não lateríticas in situ (Tardy & Roquin, 1998) e de
apenas a análise dos agentes responsáveis pela alternância de fases de intemperização profunda e
esculturação atual das terras emersas, mas também do ablação, favoráveis aos fenômenos de pediplanação
papel exercido na evolução das paisagens pelos (Thomas, 1989b; ver também a seção 5 deste capítulo).
processos que atuaram durante as grandes oscilações Nesses meios, houve sempre forte tendência à
climáticas plioquaternárias. manutenção das formas de relevo, que não se
diferenciam de maneira marcante daquelas atuais. Nesse
2.1. Processos e Paisagens: o Papel das domínio, situa-se a quase totalidade da zona intertropical
Heranças Morfológicas e das Paleoformas brasileira.
Os processos morfogenéticos atuais colaboram
na morfogênese em proporções variáveis, de acordo 2.2. Lacunas e Perspectivas
com os sistemas morfoclimáticos dominantes. Nessa A análise da relação entre processos e produtos
perspectiva, dois tipos principais de meios podem ser da morfogênese atual permite considerar, além da
considerados no Brasil (Penteado, 1978; Coque, 1993): variação natural dos meios, a aplicação desse
um primeiro autoriza uma intervenção direta dos agentes conhecimento no contexto de riscos naturais, uso e
externos sobre as rochas (sobretudo no Centro-Oeste, ocupação do meio ambiente e manejo de áreas naturais.
interior do Nordeste e extremo sul do país). Em No entanto, com exceção de ambientes extremamente
oposição, nos meios com cobertura pedólogica e vegetal instáveis (setores de zonas litorâneas e leitos fluviais)
contínua (em particular nas regiões Norte e Sudeste), ou de depósitos e construções particularmente recentes,

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12. Processos e Produtos Morfogenéticos

tal abordagem não pode desprezar a análise de formas freqüentemente consideradas como última etapa,
e modelados produzidos por condições morfoclimáticas inexorável, da evolução dos relevos criados pelas
que agiram antes do estabelecimento das combinações dinâmicas internas. Definidas como peneplanos,
dinâmicas em curso. As perspectivas futuras apontam pediplanos e até ultiplanos (Twidale, 1983), elas se
no sentido de relativização crescente da importância situam no centro dos grandes modelos de evolução em
dada pelos estudos morfoclimáticos clássicos (e.g., longo prazo do relevo continental e alimentam reflexões
Geomorfologia Climática, em Tricart & Cailleux, 1965) sobre a natureza —funcional ou herdada
aos processos atuais, a favor da consideração do papel (paleosuperfície)—, sobre o significado cronológico dos
exercido na organização das paisagens pelos processos mecanismos envolvidos e sobre o contexto geodinâmico
pretéritos, climáticos e estruturais (ver Capítulos 2 e no qual se inserem.
10), assim como aqueles de ordem social (ver Capítulo
17). O desafio associado aos estudos paleoambientais 3.1. Conceito de Superfície de Aplainamento
quaternários e socioambientais atuais é o de contribuir As superfícies de aplainamento —ou superfícies
de forma decisiva para a compreensão —e assim, quiçá, rochosas horizontalizadas resultantes da ação erosiva,
para a preservação— dos modelados e das formações com declives apenas suficientes para a ocorrência de
superficiais naturais que a humanidade recebeu como escoamento superficial livre e fluxos fluviais (Figura
herança e que, na maior parte dos casos, não são 12.1)— com freqüência representam heranças de
renováveis, pelo menos no período de muitas gerações. superfícies anteriores por vezes extremamente antigas
(como as superfícies proterozóicas no Escudo das
3. SUPERFÍCIES DE APLAINAMENTO: GÊNESE Guianas). Elas truncam indistintamente as estruturas
E MATERIAIS ASSOCIADOS dos embasamentos cristalinos e suas coberturas
Testemunhas da possante esculturação das terras sedimentares, apresentando-se mais ou menos
emersas, as superfícies de aplainamento são soerguidas, deformadas e dissecadas, subsistindo na

Figura 12.1. Paisagens multiconvexas na área de Bananal, no vale do Rio Paraíba do Sul, entre os estados de São Paulo
e Rio de Janeiro. As colinas acham-se associadas a uma superfície de aplanaimento, o que indica a seqüência ao longo
do tempo da ação de processos atuais e pretéritos. A área é sede de intenso ravinamento associado a movimentos de
massa de grande magnitude como os deslizamentos resultante tanto de condições naturais quanto de formas inadequa-
das de uso e ocupação do solo local (desmatamentos e agricultura em vertentes íngremes) (Foto: J.P. Peulvast).

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Quaternário do Brasil

paisagem como interflúvios planos ou de topografia parcialmente revestidos por solos concrecionários,
acidentada. A longa persistência que apresentam lhes considerados como testemunhos de ciclos de erosão
permitiu atuar como superfícies de contato entre o sucessivos (África, Brasil: King, 1962; Tardy & Roquin,
embasamento e suas coberturas, assim como de 1998). A maior parte dos autores concorda que as altas
substrato para o trânsito de sedimentos. Tendo tido superfícies aplainadas são as mais antigas, sendo
regolitos e solos renovados, o que dificulta a exemplos referenciados no Brasil (e.g., Ab’Saber, 2000)
reconstituição de suas origens a partir das coberturas as superfícies (com altitude e idade decrescente,
preservadas, elas exibem em diversos casos a respectivamente Cretáceo superior/Terciário inferior,
coexistência de elementos de idade e de origens variadas Terciário inferior, Pliopleistoceno e Pleistoceno/
em níveis topográficos homogêneos (como no caso da Holoceno): Gondwana, Sul-Americana e Velhas e o ciclo
superfície sertaneja, no Nordeste brasileiro; Peulvast de dissecação Paraguassu de King (1962) e o Pd3, Pd2
& Claudino-Sales, 2002; Figura 12.2). e Pd1, seguidos dos pedimentos P1 e P2 de Bigarella &
Certos aplainamentos constituem vastos planos Andrade (1965).
regulares de milhares de quilômetros de extensão, Cedo identificados sob a forma de discordâncias
enquanto outros são mais reduzidos e recentes (idade basais (Hutton, 1795), os aplainamentos suscitaram
paleozóica e posterior), particularmente nos numerosas tentativas de explicação, dentre elas, o ciclo
embasamentos e bacias sedimentares descontínuas, nas de erosão de Davis (1899), finalizando com a formação
proximidades de cadeias montanhosas recentes e em de peneplano, eventualmente expondo relevos
margens passivas, onde estão organizados como vastos incompletamente erodidos (os monadnocks). Como o
sistemas escalonados em relação aos processos de modelo posterior de pediplanação de King (1962), a
abertura oceânica. Nas regiões tropicais, acham-se teoria da peneplanação apóia-se na idéia de evolução

Figura 12.2. Pediplano com inselbergs em curso de exumação no sopé da Cuesta do Apodi, Nordeste brasileiro, no
entorno da Bacia Potiguar (divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte). Essa superfície ligeiramente dissecada, recoberta
em direção à zona costeira pelos sedimentos cenozóicos Barreiras, evoluiu em regime acíclico depois do aplainamento
parcial dos ombros do rifte Potiguar no Cretáceo, enquanto a sua periferia e os seus apêndices ampliavam-se em relação
aos relevos do interior, soerguidos desde o Cretáceo superior. O conjunto nessa etapa evoluía por reincisões ritmadas
por movimentos verticais lentos no Terciário e sobretudo pelos rebaixamentos do nível de base durante o Neogeno,
resultando em exumação de inselbergs de idade cretácea (pré-cenomaniana) (Fonte: Peulvast & Claudino-Sales, 2002.
Foto: J.P. Peulvast.)

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12. Processos e Produtos Morfogenéticos

marcada por pulsações tectônicas, seguidas de fases tropicais— para demonstrar o recuo dos abruptos
de incisão fluvial e, em seguida, de aplainamentos dos paralelos a eles mesmos depois da incisão inicial (por
volumes soerguidos. O modelo de Penck (1924) supõe ravinamento e movimentos de massa). O resultado seria
um soerguimento prolongado, ao curso do qual a erosão a redução dos relevos a montante dos inselbergs e
produz um ou vários aplainamentos na periferia da área inselgebirges, estes cada vez mais compartimentados.
soerguida, em função das velocidades de soerguimento. Essa idéia, que implica em desenvolvimento simultâneo
De acordo com Penck (1924) e com King (1962), a de pedimentos e pediplanos, opõe-se à de Davis (1899),
evolução ocorreria mais por recuo dos escarpamentos segundo quem o relevo evoluiria seguindo o perfil
—backwearing— que por abaixamento das vertentes e longitudinal dos cursos d’água por rebaixamento
das superfícies —downwearing. Ao contrário, o progressivo dos declives (maturidade e senilidade),
downwearing é privilegiado no modelo davisiano, assim depois de uma fase de incisão consecutiva a um
como no de dupla superfície de aplainamento — soerguimento brutal (juventude).
doppelten Einebnungsfläschen, de Büdel (1957). Nesse
último, a erosão progride tanto pelo ataque da rocha sã 3.2. Condições, Mecanismos e Ritmos de
ao nível de um front de meteorização quanto pela Aplainamento
remoção do material alterado pelo escoamento superficial Nas últimas décadas, preponderou a idéia de um
(etchplanation: Figura 12.3). controle das condições próprias das regiões tropicais
No seu modelo, King (1962) acentua o papel da para o desenvolvimento de superfícies planas como
pedimentação —o desenvolvimento na base das pedimentos ou pediplanos ricos em inselbergs. Após
vertentes de sopés erosivos trabalhados em rochas Büdel (1957) e Thomas (1989a), as publicações vêm
coerentes previamente alteradas, principalmente em insistindo sobre o papel das alternâncias entre fases
resposta à ação do escoamento difuso e de processos climáticas úmidas e quentes, propícias à alteração em

Figura 12.3. Pedimentação, etchplanation e surgimento de relevos residuais. (a) esquema do desenvolvimento dos
pedimentos acompanhados de um recuo das vertentes paralelamente a elas (de acordo com L. King, 1962, redesenhado);
(b) denudação por etchplanation, erosão diferencial e surgimento de relevos residuais na superfície de um cráton ao
longo dos últimos 100 Ma (de acordo com M. Thomas, 1989b, redesenhado) (Fontes: Peulvast & Vanney, 2001; Peulvast
& Claudino-Sales, 2002).

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Quaternário do Brasil

profundidade (cripto-alteração), e fases secas ou de a 60 km) às expensas do ombro sul do rift Potiguar,
vegetação rarefeita, que permitem a remoção dos mantos em vias de exumação entre a Chapada do Apodi (Figura
de intemperismo e o nivelamento dos desníveis pela 12.2) e o sopé dos platôs residuais de Portalegre,
erosão areolar, gerando aplainamentos do tipo Martins, João do Vale e Santana (Rio Grande do Norte).
etchplanation (caracterizado sobretudo pela cripto- Essa observação implica na remoção de uma fatia de
alteração) e stripping (aplainamento por denudação, rocha de 500 a 1.000 m ou mais e no recuo do
essencialmente pela ação areolar; Thomas, 1989b). escarpamento ao ritmo de 1,5 a 3,0 km.Ma-1 (Peulvast
As taxas associadas de erosão em longo prazo & Claudino-Sales, 2002).
dos aplainamentos são fracas: de 15 a 20 mm/1.000 No caso de aplainamento sucedendo relevo
anos nos últimos 500 Ma nas regiões de plataformas e montanhoso, faz-se necessário avaliar o papel do balanço
escudos antigos, e de 1 a 10 mm/1.000 anos nas áreas erosão/soerguimento na origem e na evolução do relevo
cratônicas tropicais (Stone & Vasconcelos, 1999). Tais montanhoso. Nas regiões submetidas a regime
taxas, traduzindo a remoção de modestas parcelas de epirogênico, um soerguimento lento ou flutuações
rochas na borda e reverso dos relevos montanhosos eustáticas moderadas podem inibir retomadas erosivas
(algumas centenas de metros em 60 Ma), poderiam (Bremer, 1993), o que ocorre quando as regiões se acham
explicar um bombeamento isostático moderado durante inicialmente desprovidas de relevo importante,
o soerguimento do relevo montanhoso, bem como caracterizando os “peneplanos primários” (Primärrumpf)
possível retomada de erosão. Tal situação reflete os no sentido de Penck (1924) e as evoluções acíclicas de
aspectos menos contestáveis, em função da eliminação Klein (1959). Graças ao processo de regradação —ou
do caráter escalonado, da cimatogenia (sucessivos manutenção da superfície por aplainamento lento, do tipo
soerguimentos resultantes de reações isostáticas à erosão etchplanation— o soerguimento final pode ser nulo
durante episódios de aplainamentos regionais) de King durante todo o tempo em que as condições de
(1962). As cadeias montanhosas e as unidades morfogênese (movimentos verticais, níveis marinhos e
soerguidas de pequeno talhe, bombeamentos do climas) permaneçam constantes ou flutuem dentro de
embasamento, blocos soerguidos das zonas de limites compatíveis com a manutenção do equilíbrio
deformação associadas ao colapso gravitacional de (Hack, 1975). Múltiplos índices sugerem que a destruição
certas cadeias de montanhas e zonas de rifteamento erosiva de cadeias montanhosas e embasamentos e
difusas (rifte Cariri-Potiguar, Nordeste) tendem, mais escudos que guardam suas estruturas profundas seria
que outras áreas, a ser rapidamente mordidas por inconcebível sem redução de relevo associada à própria
aplainamentos parciais que reduzem o volume evolução tectônica, sobretudo em se considerando que
montanhoso inicial a relevos residuais descontínuos não existem, em bacias sedimentares próximas, depósitos
(Calvet & Lemartinel, 1991), eventualmente em prelúdio proporcionais à erosão completa de grande volume
a aplainamento completo. As condições favoráveis nesse montanhoso (Malavieille & Séranne, 1996). O afinamento
processo podem ser de ordem litológica (presença de que afeta a crosta ao final das orogêneses facilita também
rochas tenras nas regiões frontais e dobras de a redução do relevo e intrusões tardi e pós-orogenéticas
cavalgamento nas cadeias), tectônica (os arrasamentos (orogenia panafricana/brasiliano; Almeida et al., 2000).
são, em princípio, mais poderosos no reverso de blocos Quando colocadas em afloramento, parecem sensíveis à
basculados e dobrados que no front de relevos de falhas) desagregação, o que contribuiu para o aplainamento final,
ou morfoclimática, em particular sob condições de maneira que o aplainamento representa uma tendência
propícias à pedimentação, geralmente do tipo semi-árida habitual da evolução morfológica dos continentes. Quanto
(Dufaure, 1996). a evoluções regionais de menor duração, elas se
O estudo de paleoformas de aplainamento parcial inscrevem em contextos por demais complexos para que
pode revelar durações de desenvolvimento comparáveis. os ciclos, no sentido de seqüências repetitivas pautadas
No caso dos riftes neocomianos Potiguar e Tucano- por verdadeiras “resuperficializações” (ou retornos a um
Jatobá-Recôncavo (Nordeste), formados em domínio zero hipotético no contador da evolução geomorfológica)
intracontinental antes da abertura do Atlântico Equatorial possam ser identificados.
(e.g., Matos, 1992), parece possível que o arrasamento
dos horstes intermediários tenha sido em parte 3.3. Aplainamentos: Registros Essenciais da
produzido simultaneamente ao rifteamento, em menos História Evolutiva dos Continentes
de 18 Ma, antes da fossilização que ocorreu na fase O progresso no conhecimento dos processos
pós-rifte cenomaniana. Data do mesmo período o de aplainamento inclui o reconhecimento das condições
desenvolvimento de largo pedimento com inselbergs (30 tectônicas favoráveis a sua ocorrência —

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12. Processos e Produtos Morfogenéticos

compartimentação de relevos, colapso gravitacional reside no fato de que os depósitos quaternários não se
tardi-orogênico e rifteamentos difusos— e às durações encontram restritos a bacias sedimentares sensu strictu,
e taxas de erosão envolvidas. Em relação aos mas distribuídos sob as diversas formas do relevo, não
mecanismos que produzem os aplainamentos, sendo incomum a detecção de valiosas relações de
numerosos estudos fortalecem a importância da gênese entre forma e depósitos.
pedimentação e da pediplanação sob climas tropicais Diferentes abordagens de integração forma-
ou semi-áridos, mas outros fenômenos zonais ou azonais depósitos têm sido propostas, porém normalmente
(como a abrasão marinha) podem estar associados a enfatizando os aspectos geomorfológicos e
aplainamentos parciais ou aperfeiçoamento de subordinando a esses a análise do registro estratigráfico.
aplainamentos extensos (Peulvast & Vanney, 2001). Em De acordo com Moura (1994), a perspectiva
todos os casos, as durações dos processos envolvidos, morfoclimática adotada por Bigarella e colaboradores
da ordem de 106 a 107 Ma, sugerem que as alternâncias no estudo do Quaternário brasileiro (e.g., Bigarella &
climáticas favorecem os aplainamentos, mas os locais Andrade, 1965; Bigarella et al., 1965a,b), relacionando
exatos de atuação dos processos concorrentes, como superfícies de aplainamento a depósitos correlativos,
a etchplanation, permanecem abertos. Acha-se enquadra-se nessa abordagem integradora. Nesse
comprovado, no entanto, o fenômeno de regradação contexto, encontra-se o conceito de unidades
associada a evoluções acíclicas em resposta a oscilações morfoestratigráficas, discutido a seguir.
moderadas do nível de base (Peulvast & Vanney, 2002),
evidenciando a ação conjunta do backwearing e do 4.1. Morfoestratigrafia
downwearing na evolução do relevo. Uma tentativa de operacionalização do enfoque
Todos esses processos podem ocorrer em Geomorfologia-Estratigrafia na classificação do registro
qualquer etapa da vida de um bloco tectônico em função sedimentar quaternário é representada pela proposição
de mudanças no regime tectônico ou de variações das unidades morfoestratigráficas por Frye & Willman
climáticas e eustáticas, transformando, assim, os (1962). Na definição desses autores, essas unidades
aplainamentos não em fases terminais, mas antes em corresponderiam a corpos sedimentares identificáveis
formas transitórias, cujos testemunhos se acham primariamente pela forma apresentada em superfície,
presentes nas paisagens na forma de “heranças”. A independentemente de diferenças de litologia e/ou idade.
despeito das dificuldades de datação e interpretação, a Por essa definição, torna-se evidente a subordinação da
grande extensão, o arranjo freqüente em dispositivos estratigrafia dos depósitos quaternários à percepção das
escalonados “policíclicos” e a associação com formas do relevo, como foi alertado por Meis & Moura
formações superficiais reveladoras dos paleoambientes (1984). Na aplicação prática da proposta de Frye &
que presidiram suas gêneses e evolução (Tardy & Willman (1962), resultam duas sérias limitações: a)
Roquin, 1998) transformam-nas em preciosos diferentes unidades estratigráficas sob uma única forma
elementos morfoestratigráficos, testemunhos essenciais de relevo não podem ser distinguidas; e b) formas
da história dos continentes. distintas geradas por erosão corresponderiam a
diferentes unidades estratigráficas, a despeito de nenhum
4. RELAÇÕES ENTRE AS FORMAS DA registro deposicional ter sido produzido.
PAISAGEM E OS DEPÓSITOS QUATERNÁRIOS Meis & Moura (1984) propuseram que o
O estudo do Quaternário envolve uma visão conceito de unidades morfoestratigráficas fosse restrito
interdisciplinar interessante de Geomorfologia- às situações em que houvesse uma relação genética
Estratigrafia, em que o entendimento da evolução das direta entre a forma e o depósito, o que pode ser
paisagens ou a extensão temporal dos modelos de detectado somente através de análises estratigráficas.
funcionamento dos sistemas geomorfológicos não Nessa concepção, as unidades morfoestratigráficas
podem prescindir da análise do registro estratigráfico, restringem-se a formas com origem deposicional,
assim como, em contrapartida, a análise estratigráfica tornando-se instrumentos valiosos de reconhecimento
de depósitos quaternários deve necessariamente preliminar e mapeamento de unidades quaternárias.
considerar os diferentes padrões de organização das Nessa moderna perspectiva, as feições de
paisagens. No primeiro caso, trata-se do valor dos rampas de colúvio e os terraços fluviais surgem como
depósitos quaternários como instrumento menos importantes elementos morfoestratigráficos (Moura,
subjetivo de registro da história erosiva e deposicional 1994), respectivamente associados à deposição dos
(Johnson, 1982). No caso seguinte, a importância da sedimentos coluviais e aluviais (Figura 12.4). A utilização
geomorfologia na ordenação do registro quaternário da perspectiva morfoestratigráfica introduzida por Meis

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Quaternário do Brasil

Figura 12.4. Bloco-diagrama exibindo a relação entre as formas de encosta e os depósitos sedimentares associados em
subsuperfície. Formas de encosta côncavas relacionam-se a depósitos coluviais superpostos (complexos de rampas de
colúvio), enquanto que a destacada forma plana de fundo de cabeceira reflete, em superfície, a sedimentação por
depósitos alúvio-coluviais (Fonte: Moura & Mello, 1991, modificado).

& Moura (1984) permite superar uma das limitações Uma unidade aloestratigráfica corresponde a um corpo
resultantes da proposta original de Frye & Willman sedimentar estratiforme, mapeável, definido pelo
(1962) —a segunda anteriormente listada. No entanto, reconhecimento de descontinuidades limitantes. A
mesmo com essa nova perspectiva, a primeira limitação aloestratigrafia enquadra-se no conjunto denominado
assinalada ainda não pode ser totalmente equacionada. por Walker (1990) como as “novas estratigrafias”, ao
Isso resulta na necessidade de a morfoestratigrafia estar lado da Estratigrafia de Seqüências, baseadas em
associada a outros critérios de classificação estratigráfica descontinuidades limitantes. Permite distinguir, por
que permitam a identificação dos eventos deposicionais exemplo, depósitos de litologia similar, superpostos ou
cujos registros não se relacionam diretamente a formas contíguos; distingue, ainda, como unidade única,
atuais da paisagem, ou seja, estão recobertos por depósitos litologicamente heterogêneos, quando
depósitos mais recentes. englobados por descontinuidades.
As unidades aloestratigráficas, embora
4.2. Aloestratigrafia diacrônicas por definição, possuem um forte significado
Uma notável característica do Quaternário é a temporal (uma vez que descontinuidades correspondem
sua breve duração. Como conseqüência do curto intervalo a planos de tempo relativo), individualizando eventos
geológico envolvido, o estudo dos depósitos quaternários deposicionais, que podem ser apropriadamente
não pode prescindir de um detalhamento desconhecido analisados em termos paleoambientais. Por esse motivo,
nos estudos das sucessões estratigráficas mais antigas a classificação aloestratigráfica pode fornecer um quadro
(Bowen, 1978). Por essa razão e pela natureza geralmente estratigráfico mais próximo do “empilhamento” natural
descontínua e pouco espessa do registro quaternário, da história sedimentar, mais simples e detalhado do que
marcada por similaridade e recorrência de fácies, as a classificação litoestratigráfica (Figura 12.5).
abordagens tradicionalmente utilizadas para a classificação A importância das descontinuidades
estratigráfica dos depósitos sedimentares antigos (lito-, bio- estratigráficas para análise dos depósitos quaternários
e cronoestratigrafia) apresentam sérias limitações quando está no fato de que seu reconhecimento documenta
aplicadas ao registro quaternário, normalmente não variações evolutivas não evidenciadas pelas
resultando em quadros estratigráficos com o detalhamento características litológicas, freqüentemente similares em
exigido. um pequeno intervalo deposicional.
Por esses motivos, o Código Estratigráfico A relevância da abordagem aloestratigráfica para a
Norte-Americano de 1983 (NACSN, 1983) introduziu identificação e a classificação de depósitos quaternários
as unidades aloestratigráficas para a classificação de coluviais e aluviais pode ser verificada com os estudos de
depósitos cenozóicos, particularmente os quaternários. Moura e colaboradores na região do médio vale do Rio

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12. Processos e Produtos Morfogenéticos

Figura 12.5. Análise comparativa de possíveis classificações litoestratigráfica e aloestratigráfica de depósitos em uma
bacia de tipo rifte (interpretação a partir de modelo apresentado no Código Estratigráfico Norte-Americano). Quatro
unidades aloestratigráficas superpostas, definidas a partir de descontinuidades lateralmente traçáveis (desconformidades
e paleossolos), reúnem classes litológicas distintas que poderiam ser englobadas em uma ou duas unidades
litoestratigráficas (Fonte: NACSN, 1983).

Paraíba do Sul (Moura & Meis, 1986; Moura & Mello, paisagem assume importância ante a prevenção/mitigação
1991; Mello et al., 1995; Figura 12.6). Descontinuidades de acidentes geoambientais, a prospecção de materiais
estratigráficas documentadas como de âmbito regional úteis e a pesquisa de indicadores de modificações
associam-se a discordâncias erosivas, por vezes refletidas ambientais quaternárias.
no arranjo das feições geomorfológicas, e a paleossolos.
Tais descontinuidades têm permitido o reconhecimento 5.1. Principais Processos da Dinâmica das
de importantes marcos evolutivos regionais, entre eles o Vertentes
limite Pelistoceno-Holoceno. As vertentes, ou encostas, constituem vasto
A análise e o reconhecimento de perfis de solo segmento do terreno sobre o qual atuam os processos
desenvolvidos nos depósitos quaternários representam de denudação, os quais vão carrear materiais
uma ferramenta importante para as interpretações da (previamente liberados pelo intemperismo) até os cursos
evolução estratigráfica e, portanto, geomorfológica. d’água, estes responsáveis pelo transporte por distâncias
Além de excelentes marcadores estratigráficos, os maiores, pelo eventual acúmulo do material carreado
paleossolos fornecem indicadores sobre condições das encostas, e pelo entalhamento do relevo e
paleoambientais (paleoclimas, paleo-hidrologia, rebaixamento do nível de base regional. Os principais
paleovegetação). processos erosivos nas vertentes são:
(a) erosão laminar (ou em lençol), que é a remoção de
5. EVOLUÇÃO DE ENCOSTAS: PROCESSOS E material superficial pelo escoamento das águas
PRODUTOS ASSOCIADOS pluviais na forma de lâmina sobre a superfície do
O entendimento da evolução das encostas abrange terreno; é um processo muito importante em áreas
o entendimento dos processos, seus fatores determinantes sem proteção vegetal, onde o impacto das gotas da
(naturais e/ou induzidos), feições e materiais resultantes. chuva (splash) favorece a desagregação do solo,
Tanto nas paisagens naturais (como ainda é o caso de que é facilmente transportado;
partes dos escarpamentos litorâneos do Sul e Sudeste do (b) erosão linear, que resulta do escoamento concentrado
Brasil) quanto em paisagens transformadas (como os das águas pluviais (enxurradas), aumentando o poder
espaços urbanos), a compreensão da dinâmica da de incisão da erosão e originando sulcos de erosão

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Quaternário do Brasil

Figura 12.6. Reconstituição esquemática do arcabouço estratigráfico preservado no domínio das encostas e de vales
fluviais na região do médio vale do Rio Paraíba do Sul, destacando os principais marcos evolutivos quaternários e
idades radiocarbono (Fonte: Mello et al., 1995).

e ravinas; vegetal, originando os corpos de tálus, onde há


(c) boçorocas, que são grandes feições erosivas lineares mistura de solo e fragmentos de rocha em
ou ramificadas, originadas pelo aprofundamento de proporções variáveis;
ravinas que atingem o lençol freático, cujas águas (h) solifluxão, que é a saturação, pela água da chuva,
passam a participar do processo erosivo; dos materiais superficiais incoesos, com sua
(d) erosão subterrânea remontante (piping), gerada pela conseqüente fluidização e escoamento, originando
infiltração e escoamento subterrâneo concentrado, as corridas de lamas ou de detritos;
quando galerias ou túneis são escavados em materiais (i) quedas ou desabamentos, que são a movimentação
incoesos (sedimentos e regolito), freqüentemente abrupta de porções de solo/rocha de vertentes
dando origem a boçorocas (a jusante) e/ou escarpadas repentinamente liberadas das forças que
abatimentos do terreno (a montante); as sustentavam, originando alguns tipos de corpos
(e) dissolução e remoção de solutos do solo e da rocha de tálus, onde predominam fragmentos de rocha.
subjacente, pelas águas superficiais e de infiltração;
(f) rastejo ou reptação (creep), que é a lenta 5.2. Variações Ambientais Quaternárias e
movimentação dos materiais superficiais encosta Evolução do Relevo
abaixo, por ação da gravidade —quando o rastejo O Quaternário, como já foi mencionado,
movimenta materiais pedologicamente caracteriza-se pela importância das oscilações
desenvolvidos, gerando solos transportados paleoclimáticas, que deixaram marcas evidentes na
(alóctones), é chamado de coluvionamento; paisagem. Henri Erhart, em 1955, apresentou os
(g) escorregamentos, que são movimentações repentinas fundamentos da teoria da bio-resistasia, que relaciona
do material superficial, normalmente alterado e os processos observados nas vertentes com o clima e
incoeso, sobre encostas íngremes, pela ação da a cobertura vegetal. Ele distingue dois períodos, que se
gravidade —os escorregamentos são desencadeados sucedem com as variações climáticas (Erhardt, 1955).
por chuvas intensas, interferências na encosta
(cortes e construções) e remoção da cobertura (a) Período de biostasia. Isento de atividades tectônicas

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12. Processos e Produtos Morfogenéticos

e oscilações climáticas, equilíbrio ambiental e controlados pela natureza e pela estrutura do substrato
desenvolvimento máximo dos organismos; rochoso, clima, relevo, ação antrópica e pelo tempo
intemperismo químico pronunciado, relativo de atuação desses fatores—determinam os tipos
desenvolvimento do regolito, denudação química de produtos resultantes, os materiais e as formas que
(remoção da fase solúvel —bicarbonatos de Na, K, compõem a paisagem. Uma tentativa de sistematização
Ca, Mg e sílica combinada— e concentração no solo baseada nesses fatores isoladamente resultaria
da fase residual —hidróxidos de Fe, Al e argila demasiado artificial, pois as combinações e variações
aluminosa caulínica); sedimentação química ou possíveis são muito diversificadas.
terrígena fina. Além dos exemplos já citados, outros merecem
(b) Período de resistasia. Ocorrência de desequilíbrio referência, por serem representativos de situações que
climático e rarefação/desaparecimento da cobertura permeiam várias situações dentro das classificações
vegetal, com intemperismo físico pronunciado, morfológica e morfoclimática brasileiras. Esses
remoção mecânica dos materiais do solo, produção exemplos não esgotam o tema, e devem ser
de sedimentos grossos, portadores de minerais considerados indicativos do quadro dos processos,
residuais (da rocha-matriz). formas e materiais quaternários no país.
No baixo vale do Rio Ribeira do Iguape, no litoral
Além do tipo de intemperismo, do tipo de sul do estado de São Paulo, Bigarella & Mousinho (1965)
denudação e da natureza dos sedimentos produzidos, o descreveram o que talvez se constitua no mais notável
clima determina também o volume e a geometria dos exemplo brasileiro de pedimentação associada à
corpos sedimentares, e as formas do relevo. sedimentação fluvial cenozóica em níveis de terraços
Generalizando-se, a influência do clima na evolução do escalonados, refletindo variações climáticas terciárias
relevo manifesta-se como: e quaternárias (Figura 12.7). Estudos posteriores
postularam a influência da neotectônica no
(a) intemperismo: químico nos climas úmidos; físico escalonamento dos terraços (Melo et al., 1990, 1994),
nos secos; entretanto sem invalidar a influência paleoclimática na
(b) regolito: formação nos climas úmidos; erosão sedimentação e elaboração das formas.
mecânica nos climas secos; Na região centro-leste do estado de São Paulo,
(c) denudação: química nas fases úmidas; mecânica e abrangendo parte da Depressão Periférica Paulista e
intensa nas fases secas; porções adjacentes do Planalto Atlântico e Planalto
(d) sedimentos: finos e fase solúvel (migradora) nos Ocidental, foram identificados vários tipos de depósitos
climas úmidos; grossos, com minerais residuais associados, resultantes da interferência de diversos
preservados nos climas secos, ou sob tectônica fatores, como atividade tectônica terciária, pedimentação
ativa; intenso coluvionamento (mobilização do em fases paleoclimáticas mais secas, acumulação de
regolito) na transição de fases úmidas para secas; materiais eluviais de topo, evolução das encostas e de
(e) forma das encostas: arredondadas e suavizadas nas planícies aluviais (Melo et al., 1997; Figura 12.8). Os
fases úmidas; retilíneas (com regressão paralela) nas depósitos têm importância regional, pois constituem
fases secas; matéria-prima para minerações de areia e argila, e
(f) formas de erosão: ravinas e boçorocas nas encostas
nas fases secas; entalhamento dos vales nas fases
úmidas;
(g) formas de acumulação: depósitos de tálus, leques
aluviais, talvegues assoreados nas fases secas;
planícies meandrantes nas fases úmidas; e
(h) terraços e pedimentos: alargamento dos vales nas
fases secas (formação de terraços e pedimentos);
entalhamento dos vales nas fases úmidas (erosão
dos terraços e pedimentos). Figura 12.7. Esboço das relações espaciais entre os diver-
sos níveis de degradação e agradação no Sul e Sudeste do
5.3. Outros Exemplos Brasileiros de Brasil. Pd: pediplano; P: pedimento; Tpd: terraço corres-
pondente a pediplano; Tp: terraço correspondente a
Processos, Formas e Materiais Correlatos pedimento; Rc: rampa de colúvio; Tc: baixo terraço com
Quaternários cascalheiro; Tv: terraço de várzea; To: várzea atual (Fonte:
Os processos atuantes nas vertentes — Bigarella & Mousinho, 1965).

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Quaternário do Brasil

No espaço urbano de Ponta Grossa, cidade média


situada no Segundo Planalto Paranaense, singularidades
no substrato rochoso, relevo e clima determinam uma
associação particular de processos, formas e sedimentos
quaternários (Melo & Medeiros, 2002; Figura 12.10).
Existem no espaço urbano muitas acumulações discretas
de materiais sedimentares, atribuídas a fases de biostasia
e de resistasia dos últimos 40.000 anos. Embora
delgadas (menos de 10 m de espessura) e pouco extensas
(freqüentemente não mapeáveis na escala 1:8.000), tais
acumulações controlam o aparecimento de processos
erosivos (boçorocas, piping e colapsos associados,
escorregamentos, solapamento de margens e
desmoronamentos) que, por sua vez, determinam a
ocorrência de áreas de risco no espaço urbano.
Outros exemplos podem ser mencionados, por
assumirem relevância regional, decorrentes da
convergência de fatores que amplificam a intensidade e
Figura 12.8. Relações entre as unidades estratigráficas alcance dos processos observados. É o caso da
cenozóicas na porção centro-leste do Estado de São Paulo. arenização (preferível a desertificação) decorrente do
Qa: aluviões em planícies e baixos terraços; Qca: depósitos uso intenso e inadequado da terra em áreas de substrato
colúvio-aluviais em baixos terraços; Ql: depósitos lacustres
arenítico no Rio Grande do Sul (e.g., Suertegaray,
em depressões fechadas; Qg: depósitos lamíticos de fluxos
gravitacionais; Qb: depósitos de fundo de boçorocas; 1996), dos movimentos de massa (principalmente
Qf: depósitos rudáceos de tálus e leques aluviais junto à escorregamentos) nas encostas da Serra do Mar
escarpa de cuesta; Qc: cascalhos aluviais em baixos terra- (estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de
ços junto à escarpa de cuesta; Qt: cascalhos aluviais em Janeiro), resultantes das altas declividades, chuvas
terraços intermediários; Qce: depósitos colúvio-eluviais intensas, solos espessos e impactos ambientais de
areno-argilosos em topos e rampas de colinas amplas;
Tqca: depósitos colúvio-aluviais em rampas e terraços ele- natureza antrópica (e.g., Cruz, 1975) e das boçorocas
vados; Tqa: depósitos aluviais em rampas e terraços eleva- em solos arenosos na periferia de cidades do noroeste
dos; Tqt: cascalhos aluviais em terraços elevados; do Paraná (e.g., Popp & Bigarella, 1975).
Tqcf: couraças ferruginosas; Tqf: depósitos rudáceos de tálus
e leques aluviais separados da escarpa da cuesta; 5.4. Aplicações do Entendimento da Dinâmica
Trcl: Formação Rio Claro - lamitos de processos gravitacionais;
das Vertentes
Trcc: Formação Rio Claro - cascalhos e areias de canais e
barras fluviais; Trca: Formação Rio Claro - areias finas de rom- Como visto, além da compreensão da evolução
pimento de diques marginais; Trcm: Formação Rio Claro - ar- da paisagem e da gênese de seus constituintes, o
gilas de transbordamento em planície de inundação;
Kti: Formação Itaqueri - rudáceos, arenitos e lamitos de le-
ques aluviais (Fonte: Melo et al., 1997).

controlam a ocorrência de boçorocas e colapsos. A


diversidade de fatores genéticos e forma de jazimento
desses depósitos destaca a necessidade de observação
acurada para lograr-se estabelecer modelos previsionais.
Na mesma região centro-leste do estado de São
Paulo, destaca-se um tipo de depósito que foi motivo de
muita controvérsia sobre sua gênese, idade e distribuição
espacial. Trata-se dos depósitos originalmente definidos
como Formação Santa Rita do Passa Quatro (Massoli, Figura 12.9. Seção de relevo esquemática mostrando a
1980), a qual foi revista por Melo et al. (2001), sendo ocorrência da Formação Santa Rita do Passa Quatro sobre
as superfícies de aplainamento regionais. A, I, B, Bd e R:
considerada o produto de acumulação de materiais extensão das superfícies de aplainamento; a a e:
colúvio-eluviais no topo de várias das superfícies de nivelamento dos topos; 1 a 4: pontos de inserção (Fonte:
aplainamento da região (Figura 12.9). Melo et al., 2001).

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12. Processos e Produtos Morfogenéticos

testemunhada por seus produtos geomorfológicos, as


formas de relevo e as formações superficiais. As
combinações diferenciadas desses elementos resultaram
em unidades variadas de paisagem, onde o modelo de
desenvolvimento das atividades humanas hodiernas
condiciona o grau de estabilidade morfodinâmica e os
fatores locais de risco geoambiental.
A identificação tipológica e espacial dessas
unidades, sua cartografia e a de seus componentes
básicos, de maneira sintética ou tematicamente
pulverizada, sempre ocupou espaço de destaque em meio
às preocupações dos geocientistas envolvidos nos
estudos do Quaternário, principalmente nos casos em
que se solicitou sua contribuição em processos de
planejamento territorial.
Os primeiros esforços nesse sentido
concentraram-se na busca de métodos de representação
cartográfica da organização e dinâmica do relevo, como
subsídio aos projetos de ocupação dos vastos territórios
ainda vazios. Seguindo os exemplos americano e
Figura 12.10. Esquema da distribuição dos principais pro- australiano de mapeamento dos land systems, o Projeto
cessos erosivos no espaço urbano de Ponta Grossa, PR
Radambrasil cobriu integralmente o território brasileiro
(Fonte: Melo & Medeiros, 2002).
com cartas geomorfológicas na escala de 1:1.000.000
—além de outras características geoambientais—
entendimento da dinâmica das vertentes e seus fatores baseadas em princípios de compartimentação
condicionantes tem aplicação em diversas áreas. O morfoestrutural e caracterização morfodinâmica apoiada
mapeamento das formas e materiais suscetíveis a na profundidade da dissecação e na origem genética da
processos erosivos em áreas urbanas é uma dessas forma de relevo (acumulação ou erosão). Os produtos
aplicações. Nesse caso, há estreita relação com a cartográficos desse projeto, junto com os relatórios que
elaboração das cartas geotécnicas (ver seção 6). Outra acompanham cada recorte de folha, desempenharam
área de aplicação é a prospecção de materiais úteis, sejam função crucial nos processos de colonização dos
minérios (argilas, areias para fundição, bauxita), ou territórios, principalmente das regiões Norte e Centro-
materiais para a construção civil (cascalhos, areias, solos Oeste, tais como Mato Grosso, Tocantins, Rondônia,
lateríticos). Pode-se ainda elaborar mapas para uso em Roraima, Acre, Pará, entre outros.
obras civis (barragens, estradas) e para o manejo de áreas Em regiões de ocupação mais antiga, no
de proteção (mananciais, entorno de reservatórios). entanto, fez-se necessário um desenvolvimento
Em conseqüência da descontinuidade espacial e metodológico para um maior detalhamento das
cronológica dos depósitos relacionados à evolução das especificações geomorfológicas. Atenderam a essa
vertentes, a datação dos eventos depende da reunião de demanda Ponçano et al. (1979), com uma proposta
informações dispersas, o que demanda a investigação de metodológica implementada na cartografia
vários registros isolados, para a composição de uma geomorfológica dos estados de São Paulo (IPT, 1981)
seqüência, quase sempre truncada pela falta de registros, e Rio de Janeiro pela Companhia de Pesquisa de
que permita reconstituições paleoambientais e correlações Recursos Minerais (CPRM). Nessa proposta, a
regionais (e.g., Melo et al., 1987, 1990, 1997). Essas interpretação de aerofotos serve de técnica básica para
seqüências tornam-se particularmente úteis em áreas onde a identificação de conjuntos de formas de relevo com
inexistem registros contínuos da evolução quaternária. textura e padrão semelhantes, que serão caracterizados
por parâmetros morfométricos como amplitude
6. CARTOGRAFIA DE PROCESSOS E altimétrica, gradiente, geometria de topos e vertentes,
PRODUTOS MORFOGENÉTICOS E GESTÃO densidade de drenagem, padrão de drenagem e por suas
AMBIENTAL formações superficiais. Numa visão global, nota-se a
A história das mutações ocorridas à superfície importância atribuída aos estados morfodinâmicos de
do globo durante o Quaternário, como vimos, é agradação (onde predomina a acumulação) e degradação

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Quaternário do Brasil

(onde predomina a erosão), como primeiro critério de padronização dos princípios, sistemas e métodos
individualização dos sistemas de relevo, e aos cartográficos (UNESCO-IAEG, 1976).
parâmetros morfométricos de amplitude de relevo e de No Brasil, Maciel Filho (1994) deu impulso ao
declividade. Na prática, os sistemas de relevo são uso da cartografia geotécnica com base no conceito
concebidos como subunidades geomorfológicas das internacional. Zuquette (1987), no entanto, tem tido um
“unidades morfoesculturais”, que se agrupam, por sua empenho especial no objetivo de desenvolver um modelo
vez, em “unidades morfoestruturais”, conforme de cartografia adaptado às peculiaridades dos ambientes
classificação de Mescerjakov (1968). intertropicais, peculiaridades geradas pela importância
Quanto ao mapeamento geomorfológico de das formações superficiais oriundas do intemperismo
caráter mais dinâmico, baseado na legenda da RCP77 bioquímico. Seus princípios foram largamente utilizados
(Programa de Pesquisa Cooperativa, do CNRS francês, pela CPRM, no âmbito do Programa Informações para
coordenado por Tricart, 1972), ele só encontrará uso Gestão Territorial - GATE (http://www.cprm.gov.br/
através de raras experiências realizadas. Uma delas, foi gate), na avaliação das características geotécnicas de
realizada no estado de São Paulo, abrindo espaço para a áreas metropolitanas, como foi feito para Curitiba, PR,
cartografia das formações superficiais em escalas mais em 1994, para São Paulo, SP, em 1995/1997, e Manaus,
detalhadas (Coutard et al., 1978). No entanto, a AM, em 1998, entre outros.
cartografia das coberturas inconsolidadas encontra uma Paralelamente, nas universidades brasileiras,
série de dificuldades, principalmente ligadas à vários grupos têm proposto metodologias particulares
especificidade dos ambientes intertropicais: como de mapeamento geotécnico e de risco e/ou
mapear unidades alo-estratigráficas (Moura & Mello, suscetibilidade a processos de instabilidade, conforme
1991; Moura et al., 1999) e, nos planaltos areníticos e descritos por Zuquette & Nakazawa (1998) e Cerri &
basálticos das regiões Sul e Sudeste, bem como na Amaral (1998). Dentre essas iniciativas, vale descatar
Amazônia, decidir se se cartografa o solo stricto sensu alguns projetos:
ou o material sedimentar e/ou de alteração que lhe deu
suporte. Essas questões encontraram respostas no caso a) do Instituto de Geociências da Universidade Federal
da cartografia das formações superficiais da faixa do Rio de Janeiro, orientado para o risco de
costeira brasileira (em escalas variando entre 1:100.000 deslizamento de encostas e sua ocupação, com
e 1:250.000), onde se optou claramente (e felizmente) cartografia nas escalas de 1:50.000 a 1:10.000, mas
pelas unidades sedimentares, caracterizando-as por sua com especialidade confirmada nas escalas maiores
litologia, forma de relevo associada e idade (Suguio & que 1:10.000;
Martin, 1978; Martin et al., 1980, 1988, 1997). b) a do Instituo de Pesquisas Tecnológicas do estado
Apesar dos avanços registrados, ao longo das úl- de São Paulo, fortemente focalizado nos
timas décadas, no tocante à cartografia geomorfológica instrumentos de aplicação do produto;
e de formações superficiais, a pressão sempre mais acen- c) do Departamento de Geotecnia da Escola de
tuada das atividades humanas sobre as formas e materi- Engenharia de São Carlos da Universidade de São
ais quaternários vem necessitando, em várias circuns- Paulo, centrado no procedimento global do processo
tâncias, de abordagens cartográficas ao mesmo tempo de produção das cartas nas escalas de 1:100.000 a
mais abrangentes, do ponto de vista temático, e mais 1:10.000;
objetivas, no que diz respeito à sua aplicabilidade. d) do Grupo de Geotecnia da Universidade Federal do
Nesse contexto, desenvolveu-se primeiro a Rio Grande do Sul, cujo enfoque nos solos é
cartografia geotécnica, como mapa geológico de uso condicionado pelas próprias características da
especial, fornecendo uma representação das superfície do relevo do estado gaúcho;
características geológicas dos terrenos superficiais e) do Instituto de Geociências da Universidade de São
pertinentes à avaliação de sua estabilidade e ao Paulo, cujo enfoque está no conceito de tipos de
planejamento do uso da terra por construções e projetos terrenos.
variados. Na França, ela foi objeto do Programa
ZERMOS (Zonas Expostas a Riscos de Movimentos Num segundo momento, com a implantação
do Solo), programa nacional de cartografia geotécnica dos mecanismos legais de fiscalização ambiental e, a
em base municipal, nas áreas mais sensíveis (Chazan, conseqüente obrigatoriedade de documentos de
1973). Em nível internacional, a UNESCO empenhou- avaliação ambiental para implantação e/ou
se, com a contribuição da Associação Internacional de monitoramento de empreendimentos de grande porte
Geologia de Engenharia e Ambiental, em coordenar uma (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao

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Quaternario do Brasil.PMD 272 18/1/2008, 11:07


12. Processos e Produtos Morfogenéticos

Meio Ambiente - EIA/RIMA), instalou-se a demanda áreas especiais e estudo de indicadores ambientais
que incentivou seriamente a reflexão sobre métodos de (passados e futuros), depende de um esforço de
cartografia geoambiental. O fato de esses mapas terem integração e uniformização de dados naturalmente
sido realizados com finalidades práticas, no entanto, fragmentados no Quaternário continental, e de sua
dificultou sua circulação nos meios acadêmicos. A adequada representação cartográfica, na forma de cartas
necessidade de usar muitas cores proíbe, por outro lado, temáticas e geotécnicas (integradoras).
sua publicação em revistas. Divergências e impasses conceituais,
O notável número de empreendimentos de gran- relacionados, por exemplo, com a gênese das superfícies
de porte instalados no estado de Minas Gerais, tais como de aplainamento, deverão ser superados com o progresso
unidades hidrelétricas (UHEs), áreas de extração minerária da integração e compreensão dos dados obtidos na
e expansão urbana, principalmente, motivou o desenvol- pluralidade de situações no território brasileiro.
vimento de metodologias cartográficas adequadas à de-
manda (Saadi, 1997a,b). Uma delas visou a representa- REFERÊNCIAS
ção sintética —associada a legendas que permitem uma Ab’Saber, A.N. 2002. Summit surfaces in Brazil. Revista
leitura direta da cadeia de impactos— do conjunto de Brasileira de Geociências, v.30, n.3, p.515-516.
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de, entre os estados de Minas Gerais e São Paulo (Saadi, platform. Earth Sciencie Revue, v.50, p.77-111.
1989). A geomorfologia, através das formações superfi- Bigarella, J.J. & Andrade, G.O. 1965. Contribution to the
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Quaternario do Brasil.PMD 275 18/1/2008, 11:07


Quaternário do Brasil

Capítulo 13

GRANDES SISTEMAS FLUVIAIS:


GEOLOGIA, GEOMORFOLOGIA E
PALEOIDROLOGIA
Edgardo M. Latrubesse
José Cândido Stevaux
Manoel L. dos Santos
Mario L. Assine

RESUMO. O presente capítulo aborda a evolução quaternária das principais bacias hidrográficas brasileiras, enfocando
os depósitos sedimentares e as morfologias fluviais associados à calha das suas drenagens principais. Os eventos
quaternários tratados com maior detalhe são aqueles restritos aos intervalos em que ocorreram as mais importantes
mudanças climáticas e, por conseguinte, hidrológicas nos sistemas fluviais. Na Bacia do Rio Amazonas, os principais
depósitos pleistocênicos estão associados ao Pleniglacial médio e superior, cujas taxas de precipitação se situavam
entre 500 e 1.000 mm. A fase de sedimentação mais jovem, correlacionada ao Tardiglacial, é identificada em apenas
alguns rios da bacia (Caquetá-Jupará, Negro e Madeira). Nesse período, as descargas desses rios devem ter sido de até
sete vezes menores do que as atuais. As oscilações climáticas ocorridas no Holoceno afetaram o Rio Amazonas menos
intensamente do que aquelas ocorridas no Pleistoceno superior. Os sedimentos do Holoceno médio e inferior foram
depositados sobre climas com progressivo decréscimo de precipitações, alcançando uma extrema aridez durante o
Hipsitérmico (7.000-4.500 anos A.P.). A ocorrência de sedimentos eólicos e formas de deflação próxima à cidade de Boa
Vista, RR, evidenciam esse período de aridez. O sistema aluvial do Rio Paraná estende-se em território brasileiro por cerca
de 635 km de comprimento, com a ocorrência de ampla planície de inundação, terraços, ilhas e barras arenosas. Os
terraços aluviais elevam-se cerca de 10 m acima do nível médio do rio e são compostos por fácies conglomeráticas e
arenosas depositadas por um sistema entrelaçado em condições climáticas áridas (14C 32.000 - 40.000 anos A.P.). A
planície de inundação atual começa a ser construída acerca de 6.000 anos A.P., provavelmente durante o Hipsitérmico,
sob condições climáticas úmidas. Durante um curto período (3.500-2.500 anos A.P.), essa área esteve sujeita a condições
climáticas áridas, evidenciadas pelos processos de avulsão de canais, pelo desenvolvimento de leques aluviais, pela
ocorrência de campos de dunas inativas e de vegetação do tipo savana. O Pantanal (Rio Paraguai) foi originado em
conseqüência de reativações tectônicas do forebulge Andino durante o último evento compressivo (cerca de 2,5 Ma
A.P.). O sistema aluvial quaternário do Pantanal tem cerca de 550 m de espessura, porém somente uma fina camada
superficial foi estudada até agora. A morfologia e dinâmica atual dessa região foi definida no limite do Pleistoceno-
Holoceno, com a individualização de sistemas lacustres, sob condições úmidas (14C 10.200 anos A.P.). A Bacia dos rios
Tocantins e Araguaia é praticamente desconhecida na literatura. A planície de inundação atual foi construída desde o
Holoceno médio por um sistema de canais muito maiores do que os atuais. Somente no Holoceno superior os canais
assumem suas presentes dimensões. O Rio Uruguai em território brasileiro não apresenta depósitos aluviais importantes,
desenvolvendo-se praticamente sobre as rochas vulcânicas da Formação Serra Geral. No Pleistoceno superior, foi
identificado um período árido para os sedimentos da Formação Touro do Passo. No seu curso superior, os eventos
erosivos do final do Pleistoceno foram sucedidos por eventos de sedimentação no Holoceno médio. O principal registro
quaternário do Rio São Francisco vem da ocorrência de dunas eólicas em seu curso médio (28.000 a 900 anos A.P.).
Provavelmente, as trocas hidrológicas mais importantes nesse rio ocorreram no limite Pleistoceno-Holoceno.
Palavras-chave: Sistemas fluviais; Paleoidrologia; Quaternário fluvial.

ABSTRACT. This chapter focus on sedimentary deposits and fluvial morphology under the point of view of climatic
and hydrological changes occurred during the middle and upper Pleniglacial and, secondarily, during the Holocene. The
main Pleistocene deposits of Amazon rivers are associated with the Middle and Upper Pleniglacial when annual rainfall
ranged between 1.000 to 500 mm (estimate on sediments, mammal fossils and pollen analysis). The earliest sedimentation
phase, correlated to Tardiglacial, is identified in some rivers (Caquetá, Jupará, Negro, Madeira). During this time the
discharge of these rivers could have been reached seven times less than the present. During the Holocene Amazon
Rivers were affected, with less intensity than in the Upper Pleistocene, by climatic oscillations. Sediments of Lower and

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13. Grandes Sistemas Fluviais

middle Holocene were deposited under a climate with progressive decrease in rainfall, reaching an extreme in aridity
during the Hypsethermal (7.0-4.5 ka B.P.). The occurrence of wind blown sediments (loess) and deflation forms (pans)
near Boa Vista is an evidence of this period of aridity. The alluvial reach of the Paraná River in Brazil is 635 km, with wide
floodplains, terraces, islands and sandbars. The alluvial terrace rises about 10 m over the channel water level and is
composed by gravelly and sandy facies deposited in braid system probably under arid climate (14C 32-40 ka B.P.). Some
eolian deposits are also associated with terraces sediment and enforces the hypothesis of aridity in the Pleniglacial. The
construction of the present floodplain begun around 6-5 ka B.P., probably during the Hypsethermal, under a climate wetter
than the present. During a short period in the Middle (3.5 to 2.5 ka B.P.) a semi arid climate was experienced. Channel
avulsions, small alluvial fans development, and savanna-like vegetation (identified by pollen and 13C rate analyses),
inactive dune field and deflation pans are evidence of aridity. The Pantanal (Paraguay River) was originated in consequence
of tectonic reactivation of the Andean forebulge during the last compressive event, around 2.5 M.y.B.P. and has alluvial
Quaternary sediments about 550 m thick, but only a thin superficial layer has been studied. The present morphology and
dynamics were settled out around the Pleistocene/Holocene limit, with the individualization of a lake system (14C 10.2 ka
B.P.) under a wet climate. The Araguaia-Tocantins River basin is practically unknown in the literature. The present flood
plain was formed since the Middle Holocene by a system of channels larger than at the present. In the Upper Holocene river
channels assumed its present dimension, nowadays changing by intensive agricultural occupation of its upper and middle
basin. The Uruguay River in Brazil practically runs over basalt rock of Serra Geral Formation and do not present important
alluvial deposits. Most of its Quaternary history can be seen in Brazil is its tributaries sediments. An arid period was
identified in Touro do Passo Formation (Upper Pleistocene). In its upper course (river over basement reach) an erosive
event at the end of Pleistocene was followed by a sedimentary event in the Middle Holocene. The main Quaternary record
of the São Francisco River comes from eolian dunes is its middle course. Eolian activity occurred in this area since 28 to 0.9
ka B.P. Probably the most important hydrological changes in the river occurred at the Pleistocene/Holocene limit.
Key-words: Fluvial systems; Paleohydrology; Fluvial Quaternary.

1. INTRODUÇÃO enfocando, na medida do possível, os depósitos


O Brasil possui alguns dos maiores rios do mundo sedimentares e as morfologias fluviais associados à
em termos de descarga, como o Amazonas (e seus calha das suas drenagens principais. Por sua vez, os
tributários Negro e Madeira), o Paraná, o Tocantins e o eventos quaternários tratados com maior detalhe são
Araguaia. Mesmo drenagens menores, como o São aqueles restritos aos intervalos em que ocorreram as
Francisco, o Uruguai e o Paraguai, figuram entre as 20 mudanças climáticas e, por conseguinte, hidrológicas
maiores drenagens do planeta (Figura 13.1). Esses rios mais importantes nos sistemas fluviais: o Pleniglacial
drenam uma área de 6.346.000 km2, cerca de 75% da médio e superior, e em menor intensidade no Holoceno.
área total do país (Tabela 13.1). A despeito desse enorme
potencial para o estudo de sistemas fluviais, as pesquisas 2. BACIA DO RIO AMAZONAS
do Quaternário tem-se concentrado na região costeira A Bacia do Rio Amazonas é a maior bacia fluvial
e, em sua maioria, enfocam temas referentes à oscilação do mundo com uma área de drenagem superior a
do nível do mar. As investigações na imensa área 6.000.000 km2. A oeste e sudeste, está limitada pelos
continental são escassas, de caráter regional e envolvem Andes, a norte e sul pelo escudo das Guianas e pelo
grande intervalo temporal (Stevaux, 1994, 2000). escudo Brasileiro, respectivamente. Com uma descarga
O presente capítulo aborda a evolução quaternária média de 209.000 m 3s -1 e uma carga sedimentar
das principais bacias hidrográficas brasileiras, suspensa superior a 1,2 bilhão de toneladas por ano

Tabela 13.1. Dados gerais das principais bacias fluviais brasileiras (Fonte: ANEEL, 2000). Notas: AM - Bacia do Amazo-
nas; PR - Bacia do Paraná; T/A - Bacia Tocantins/Araguaia; SF - Bacia do São Francisco; e UG - Bacia do Uruguai.

Rio/Bacia Drenagem total Drenagem no Brasil Descarga média anual Carga sedimentar
(km2) (km2) (m3.s-1) (x 106.ton.a-1)
Amazonas (AM) 6.000.000.000 3.900.000 209.000 1.200
Paraná (PR) 2.600.000 877.000 18.000 158
Paraguai (PR) 1.095.000 336.000 3.734 63
Tocantins (T/A) 757.000 757.000 12.000 18
São Francisco (SF) 634.000 634.000 3.800 6
Uruguai (UG) 385.000 178.000 3.600 8

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Quaternário do Brasil

Figura 13.1. Principais bacias hidrográficas do Brasil. Bacia do Rio Amazonas: 1 - Rio Negro; 2 - Rio Branco; 3 - Rio
Juruá; 4 - Rio Purus; 5 - Rio Madeira; 6 - Rio Tapajós; 7 - Rio Xingu; 8 - Área detalhada na Figura 13.2; e 9 - Área detalhada
na Figura 13.3. Bacia dos rios Tocantins-Araguaia: 1 - Rio Araguaia; 2 - Rio Tocantins; 3 - Ilha do Bananal; e 4 - Rio das
Mortes. Bacia do Paraná: 1 - Rio Paranaíba; 2 - Rio Grande; 3 - Área detalhada na Figura 13.5; 4 - Canyon de Sete
Quedas (Reservatório de Itaipu); e 5 - Rio Paranapanema. Bacia do Rio Paraguai: 1 - Rio Paraguai; 2 - Rio Taquari; 3 -
Rio Cuiabá; e 4 - Pantanal (área detalhada na Figura 13.6). Bacia do Rio São Francisco: 1 - Sistema de dunas do médio
São Francisco. Bacia do Rio Uruguai: 1 - Rio Uruguai; e 2 - Rio Pelotas.

medidos em Óbidos, próximo à foz (Filizola, 1999; Jupará, Putumaio-Içá e Pastaza); 2) sistemas fluviais
Meade et al., 1983), o Rio Amazonas é também o maior com cabeceira nas planícies sedimentares (Purus, Juruá
sistema fluvial do mundo em descarga de água. O e Javari); e 3) sistemas fluviais com cabeceira em áreas
Amazonas é o sistema coletor que recebe água e cratônicas (Xingu, Negro, Tapajós e Trombetas).
sedimento de uma grande variedade de tributários (Figura A floresta pluvial tropical do Amazonas é a maior
13.1). Os grandes sistemas tributários do rio Amazonas, floresta desse tipo do mundo, ocupando uma área de
como Madeira, Negro, Juruá, Purus e outros, estão cerca de 6 milhões de km2, espalhada em sua maior
entre os 20 maiores rios do planeta. parte sobre a Bacia do Rio Amazonas. Na verdade, a
Os rios amazônicos podem ser classificados em região amazônica é um complexo mosaico de diferentes
três grupos: 1) sistemas fluviais com cabeceira nos tipos de vegetação, incluindo floresta pluvial fechada,
Andes (Ucaiali, Marañon, Madre de Dios, Caquetá- floresta campina, savanas, floresta e bambu, pântanos,

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13. Grandes Sistemas Fluviais

floresta de montanha e submontana e floresta de liana 32 e 40 ka A.P. Dumont et al. (1992) encontraram
(Murcia-Pires, 1984; Nelson & Oliveira, 2001). cascalhos fluviais (cerca de 10 vezes mais grossos que
O clima predominante é o tropical úmido, com o material da atual carga de fundo) associados ao Rio
precipitação média de 2.000 mm/ano, que aumenta para Ucaiali, e os sedimentos grossos nos depósitos do Rio
nordeste, atingindo, em algumas partes na zona Madre de Dios apresentaram troncos vegetais associados
subandina, mais de 4.000 mm/ano. com idade entre 36 e 28 ka A.P.
Sedimentação aluvial também foi registrada nos
2.1 Registro Fluvial do Pleistoceno rios que drenam a porção norte dos Andes, tais como
Os rios amazônicos têm planície aluvial bem Caquetá (Japurá em território brasileiro), na Amazônia
desenvolvida, com formação de terraços constituídos colombiana, e Pastaza (Amazônia peruana). No primeiro,
de sedimentos quaternários. Em muitos rios, a posição depósitos de cascalho arenoso com camadas de argila
do canal, a morfologia e o tamanho da planície aluvial e material turfoso são encontrados nos terraços baixos.
estão relacionadas à atividade tectônica durante o As datações de 14C nesses depósitos apresentaram
Quaternário superior (Sternberg, 1950; Tricart, 1977; valores variando de 30 ka A.P. a idades superiores ao
Iriondo & Suguio, 1981; Dumont & Fournier, 1994; limite do método (Van der Hammen et al., 1992a). Por
Latrubesse & Rancy, 2000; Latrubesse & Franzinelli, outro lado, o Rio Pastaza construiu, em várias épocas,
2002 e outros). Contudo, neste capítulo, o enfoque será um vasto leque aluvial que se estende por mais de 60.000
dado ao registro sedimentar e morfológico como km2 de área. Rasanen (1993) determinou que a época
indicador de sinais de mudanças climáticas e de construção dessa feição deu-se entre 33 e 7 ka A.P.
paleoidrológicas. Depósitos conglomeráticos quaternários também
Os sedimentos arenosos e conglomeráticos do são encontrados nos terraços baixos de alguns rios do
sistema Ucaiali, Madre de Dios, Caquetá, Purus, Juruá sudoeste da Amazônia, como os rios Acre, Juruá, Purus
e Negro foram depositados no Pleniglacial médio durante e Madeira (Latrubesse, 2000; Latrubesse & Rancy,
o Pleistoceno (≅65-24 ka A.P.). O Pleniglacial é o 1998; Latrubesse & Kalicki, 2002). Os dados
período correspondente à expansão máxima das geleiras quaternários mais precisos vêm das bacias do Juruá e
no Hemisfério Norte (cf. Suguio, 1998). Na Amazônia Purus superiores, onde foram processadas 21 datações
peruana, os depósitos rudáceo-arenosos têm idade entre por 14C em restos de madeira e folha (Figura 13.2).

Figura 13.2. Seção esquemática transversal ao vale do Rio Purus, próximo a Boca do Acre (ver Figura 13. 2 para
localização). Legenda: 1 - embasamento (Formação Solimões); 2 - conglomerado; 3 - areia; 4 - intercalação de areia e silte
(diques marginais); 5 - silte arenoso; 6 - silte; 7 - silte argiloso; 8 - silte orgânico; 9 - turfeira; 10 - fragmentos vegetais; 11
- troncos (subfósseis); T - terraço; PI - planície de inundação; R - raízes; C - nível d’água na cheia de 1997; e CA - nível
d’água em cheia anual (Fonte: Latrubesse & Kalicki, 2002, modificado).

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Quaternário do Brasil

Sedimentos grossos foram depositados durante o Último Máximo Glacial. A interpretação paleoidrológica
Pleniglacial médio e nos estágios mais antigos do dos leques mencionados sugere uma aridez pretérita
Pleniglacial superior. Em alguns rios, tais como Juruá e para a área, que teria causado a substituição da floresta
Madeira, no terraço inferior, os conglomerados são ricos por savana e desencadeado processos de avulsão nos
em fósseis da fauna de mamíferos pleistocênicos referidos rios.
(Simpson & Paula Couto, 1981; Latrubesse & Rancy, Resultados de Van der Hammen & Absy (1994)
1998). Análise de fácies revela que esse sedimento obtidos na localidade de Catira no estado de Rondônia
consiste de um depósito residual (lag deposit) ou (≅9o S e 63o W), próximo ao rio Jiparaná, sugerem
depósitos de barra de cascalho gerados provavelmente condições de aridez, com substituição de floresta por
em período de forte atividade morfogenética do canal. savana durante o Pleniglacial médio e superior, com
Latrubesse & Rancy (2000) encontraram também uma precipitação anual estimada entre 1.000 e 500 mm
sedimentos provavelmente do Pleniglacial médio nas durante o Último Máximo Glacial. A hipótese de geração
margens do Rio Moa, afluente do Rio Juruá, no sudoeste de leques, mencionada anteriormente, concorda com o
da Amazônia. cenário climático e vegetal apresentado por Van der
Nos rios que drenam áreas cratônicas, como Hammen & Absy (1994).
Negro, Xingu, Tapajós e outros, os depósitos Uma fase de sedimentação mais jovem, correlata
sedimentares quaternários são escassos, restringindo- ao Tardiglacial, é descrita em alguns rios da Amazônia.
se a algumas ocorrências da alta Bacia do Rio Negro. Para a Amazônia peruana, Dumond et al. (1992)
Nos rios Tiquié, Vaupes e Curicuiari, ocorrem terraços concluíram que, há 13 ka A.P., a descarga do Rio Ucaiali
do Pleistoceno superior constituídos por cerca de 14 foi sete vezes menor que a atual. Essa fase de deposição
m de espessura de areia grossa com fragmentos de também foi registrada por Van der Hammen et al.
plantas (caules e folhas), matéria orgânica amorfa e (1992b) no médio Rio Caquetá (Jupará) com idade
cimentados por óxido de ferro. Datação por 14C de inferior a 14 ka A.P., e por Latrubesse & Franzinelli
troncos e matéria orgânica mostrou idades variando (1998) e Latrubesse (2002), nas bacias cratônicas do
entre 27 ka e mais de 40 ka A.P., nesse caso além do Rio Negro e tributários do Rio Madeira (Jiparaná e leques
limite do método. Esse episódio de sedimentação foi, de Aripuanã). Dados do Holoceno mostram que a
com certa precaução, colocado no Pleniglacial médio Amazônia sofreu efeito de oscilações climáticas que
por Latrubesse & Franzinelli (1998). O regime afetaram seus sistemas fluviais, mas em menor
paleoidrológico da bacia foi aproximadamente proporção do que durante o Pleistoceno superior.
semelhante ao atual, mas com atividade morfogenética Depósitos do Holoceno superior e médio são
ligeiramente mais intensa, propiciada por uma maior encontrados nos rios Juruá, Purus e Caquetá, ao passo
variação na descarga e na energia das cheias. Essa que sedimentos do Holoceno superior (mais jovens que
situação produziu uma seqüência agradativa de areia 3.000 anos A.P.) foram registrados também no Rio
quartzosa, supermadura, sendo os depósitos antigos Amazonas. A sedimentação durante o Holoceno inferior
ligeiramente mais grossos que os atuais. Na Bacia do e médio provavelmente está associada a um decréscimo
alto Rio Negro, a interpretação dos registros progressivo na precipitação, atingindo um pico de aridez
sedimentológicos concorda com os dados palinológicos entre 7 e 4,5 ka A.P. —o Hipsitérmico (termo usado
obtidos no divisor das bacias dos rios Caquetá e Negro, por Deevery & Flint, 1957, apud Thomas & Goudie,
ou seja, o predomínio de floresta com enclaves de mata 2000, para designar um período quente no Holoceno,
aberta mais extensos que os atuais (Van der Hammen et envolvendo o Boreal e Sub-Boreal).
al., 1992a). Nenhuma mudança climática importante foi
Latrubesse (2002) identificou dois leques amplos registrada na Bacia Amazônica durante o Holoceno
no médio Rio Amazonas. Essas formas foram superior. Contudo, foram registradas mudanças
construídas pelos rios Japirá e Aripuanã, dois tributários drásticas no comportamento de algumas bacias, como
do Rio Madeira que drenam a área do Escudo Brasileiro. as dos rios Negro e Amazonas (Latrubesse &
O leque do Rio Aripuanã é o maior deles e estende-se Franzinelli, 1998, 2002). Grande parte dos depósitos
por uma área de mais de 29.000 km2. Um cinturão fluvial recentes do Rio Solimões/Amazonas e a maioria das
inativo com cerca de 2,5 km de largura e ilhas do Rio Negro ocorreu no Holoceno superior e,
aproximadamente 200 km de comprimento foi assim, posteriormente às mudanças climáticas do
reconhecido nesse sistema. Datações por Holoceno médio (Latrubesse & Franzinelli, 2002). Tais
termoluminescência revelaram uma idade de 29 ka A.P., fatos sugerem que tanto o Rio Amazonas com o Rio
indicando que a deposição dos leques se deu durante o Negro sofreram uma resposta tardia e complexa às

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13. Grandes Sistemas Fluviais

variações hidrológicas provocadas pelas mudanças e arenosos de aproximadamente 1,0 m de espessura e


climáticas regionais do Holoceno médio. O Negro ocupando uma área de mais de 10.000 km2. Dunas
passou de um rio com carga suspensa abundante e longitudinais e parabólicas dissipadas com orientação
domínio de acréscimo vertical para um rio de baixa NE-SW são reconhecidas ao norte da Serra de Tucano
carga suspensa (tipo de água negra), enquanto o e na área de Cauamé (próximo à Boa Vista), com
Amazonas evoluiu de um rio com alta taxa de acréscimo depósitos siltosos associados a oeste do sistema eólico
vertical para um rio de maior atividade lateral. Contudo, e nos vales intramontanos. Tais sedimentos foram
as oscilações climáticas do Holoceno superior tiveram interpretados como originados de um sistema eólico
menor influência na planície de inundação desses rios, durante o Pleistoceno superior (Latrubesse & Nelson,
que foram reguladas por processos autogênicos 2001). Um período árido mais recente, provavelmente
(Latrubesse & Franzinelli, 1998, 2002). do Holoceno médio, pode ser responsável pela formação
de lagoas (pans) de deflação eólica (Figura 13.3).
2.2. Sedimentos Eólicos na Amazônia Resultados importantes foram obtidos
Durante os últimos anos, grandes campos de recentemente por Carneiro Filho et al. (2002) sobre a
depósitos eólicos foram identificados na Amazônia. Os cronologia de campos de dunas da Bacia Amazônica.
campos de areia normalmente são cobertos por uma Datações pelo método da termoluminescência nos
associação vegetal de campina, composta de arbustos campos de dunas inativas (paleodunas) de Catrimani,
esparsos e uma abundância de gramíneas altas. Dunas Aracá, Temedauí, Tucano e Anauã indicam períodos
parabólicas com orientação ENE-WSW e NE-SW, de atividade eólica do final do Pleniglacial médio até o
provavelmente do Holoceno, foram identificadas no Holoceno inferior (32 a 8 ka A.P.).
Pantanal Setentrional, entre o médio curso dos rios Na área entre Manaus e Parintins, no médio
Negro e Branco (Carneiro Filho, 1992; Nelson, 1994; Amazonas, solos argilo-siltosos e camadas de areia
Santos, 1992; Santos et al., 1993). Campos de areia argilosa cobrem o relevo num manto irregular. A seção
menores também foram descritos por Iriondo & superior, formada por solo maciço e poroso (loam), é
Latrubesse (1994) entre Manaus e a costa do Atlântico. interpretada como originada por processos eólicos
Para o norte, no estado de Roraima e na Guiana (Iriondo & Latrubesse, 1994). No estado de Rondônia,
ocidental, também são identificados depósitos siltosos ao longo da Rodovia BR 364, foram descritos depósitos

Figura 13.3. Feições de atividade eólica do Holoceno na região de Roraima-Guiana, Alto Rio Branco (ver Figura 13.2
para localização). a, b e c - campo de dunas parabólicas de Cauamé. As dunas apresentam-se bastante erodidas; d - dales
circulares (pans) fotografadas na estação seca. Próximo ao Rio Uraricoeira, afluente do Rio Branco, próximo a Boa Vista
(Fonte: Latrubesse & Nelson, 2001, modificado).

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Quaternário do Brasil

siltosos de cerca de 1,0 m de espessura, distribuídos Mesopotâmia Argentina, o Planalto Atlântico e o Escudo
homogeneamente numa área extensa e em diferentes Brasileiro. Em território brasileiro, a bacia hidrográfica
níveis topográficos. Esses depósitos foram desenvolve-se em sua maior parte (cerca de 90% da
interpretados como de origem eólica e datados área total) sobre as litologias da Bacia do Paraná, sendo
indiretamente como do Holoceno. a ocorrência das rochas cristalinas restritas aos limites
leste e norte da bacia. As unidades estratigráficas da
3. BACIA DO RIO PARANÁ Bacia do Paraná anteriores à Formação Serra Geral
A Bacia do Rio Paraná é a segunda maior área de formam uma faixa alongada a leste e a oeste da bacia,
drenagem da América do Sul, com cerca de 2,6 milhões limitando para o interior a grande área de ocorrência
de km2 (incluindo o Rio Paraguai), estendendo-se pelo dos arenitos cretáceos do Grupo Bauru. Os rios
Brasil (45,6%), Argentina (29,7%), Paraguai (13,2%), formadores do Rio Paraná (Paranaíba e Grande) e os
Bolívia (6,6%) e Uruguai (4,8%) (Orfeo & Stevaux, principais tributários da margem esquerda têm suas
2002). Sua principal drenagem é o Rio Paraná que, com cabeceiras nos terrenos cristalinos das serras do Mar,
uma descarga média anual de 18.000 m3s-1 e cerca de Mantiqueira e Canastra, enquanto que os afluentes da
200 x 106 toneladas de carga sedimentar transportada margem direita têm as cabeceiras localizadas nos
por ano, está entre os dez maiores rios do planeta (Figura terrenos sedimentares da Serra do Maracaju (MS), na
13.1, Tabela 13.1). O Rio Paraná estende-se por 2.738 parte ocidental da bacia (Figura 13.4). A bacia abrange
km (3.965 km da cabeceira na Serra da Mantiqueira) também vários domínios climáticos: região tropical
desde a confluência dos rios Grande e Parnaíba até a úmida brasileira, tropical com estação seca no Chaco,
foz, próximo a Buenos Aires, no estuário do Rio de La região Pampeana temperada e áreas úmidas a semi-
Plata, Argentina. Em território brasileiro, o Rio Paraná áridas dos Andes.
percorre 813 km. A principal drenagem da Bacia do Paraná é o
A bacia drena uma grande variedade de próprio Rio Paraná, seguido dos tributários Paranaíba e
províncias morfoestruturais, como a Bacia Sedimentar Grande, seus formadores a montante, Tietê,
do Paraná, as montanhas dos Andes Orientais, a Planície Paranapanema, Ivaí, Piquiri e Iguaçu (os principais
Chaco-Pampeana e sua extensão para o Pantanal, a afluentes da margem esquerda), e os rios Ivinheima e

Figura 13.4. Mapa geológico da Bacia do Alto Rio Paraná (Fontes: DNPM, 1981; Fernandes & Coimbra, 1994, modificado).

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13. Grandes Sistemas Fluviais

Verde, como afluentes da margem direita. O Rio de Guaíra (PR), o rio percorre 178 km encaixado no
Paraguai, embora seja o principal afluente do Paraná, canyon de Sete Quedas (hoje Reservatório de Itaipu),
tanto em volume de água como em carga sedimentar escavado sobre rochas basálticas da Formação Serra
hidro-transportada, será tratado isoladamente mais Geral desde o Plioceno (Maack, 1968). O Rio Paraná
adiante. no Brasil hoje está quase totalmente inundado pelas
barragens de Itaipu, Porto Primavera, Jupiá e Ilha
3.1. Depósitos Associados ao Alto Rio Paraná Solteira, restando apenas um trecho de 255 km entre o
A implantação do sistema de drenagem do Rio final do Lago de Itaipu e a Barragem de Porto Primavera
Paraná e sua evolução pleistocênica foram promovidas no qual o rio apresenta-se nas condições naturais.
pelas interações climáticas e tectônicas que moldaram Os depósitos do sistema fluvial do Rio Paraná
o paleorrelevo, produzindo patamares escalonados têm sua gênese a partir do Pleistoceno superior e formam
aproximadamente planos, constituídos por depósitos um sistema deposicional de arquitetura assimétrica que,
aluviais (terraços) e a planície aluvial atual (Souza Filho, via de regra, se desenvolve no lado direito do canal,
1993; Stevaux, 1994; Souza Filho & Stevaux,1997; constituindo os depósitos dos terraços e da planície
Stevaux & Santos, 1998). Os depósitos aluviais do Alto aluvial, cujas espessuras variam de 10 a 20 m (Figura
Rio Paraná distribuem-se por um trecho de 635 km, 13.5). A base desse sistema deposicional é formada
constituído por planícies aluviais de extensão variada por areia grossa a média estratificada, associada a
(que atingem até 20 km na região de Ilha Grande, PR), cascalho de seixos e grânulos, interpretados como
importantes sistemas de ilhas e barras arenosas (a maior depositados em sistema fluvial entrelaçado (braided).
delas, Ilha Grande, com cerca de 15 km de largura e 80 Datações por isótopos de carbono atingiram idades de
km de comprimento), depósitos expressivos de areia e, 42.520 ± 1.700, 31.140 ± 1.700 e 31.000 anos A.P.
secundariamente, cascalho no canal (com espessura (Stevaux & Santos, 1998). A grande maioria desses
entre 10 e 15 m) e por um conjunto de terraços aluviais, depósitos encontra-se hoje compondo um sistema de
desenvolvidos geralmente em sua margem direita. terraços elevados até cerca de 10 m acima do nível do
No último trecho em território brasileiro, a partir rio e que acompanha o curso do Rio Paraná por cerca

Figura 13.5. Seção geológica transversal ao Rio Paraná ao longo do eixo da Represa de Porto Primavera (MS/SP) (Fonte:
Santos, 1997).

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Quaternário do Brasil

de 300 km em sua margem direita (grande parte desses eventos climáticos ocorrentes durante o Pleistoceno
terraços está atualmente submersa pelo lago da Usina superior e Holoceno que contribuíram significativamente
de Porto Primavera), numa faixa de cerca de 6 km de para a evolução desse sistema fluvial. O primeiro evento,
largura. ocorrente entre 40 e 8 ka A.P., caracterizou-se por um
Os depósitos correspondentes à planície de clima seco, com uma vegetação de savana e a deposição
inundação assentam-se discordantemente sobre restos de barras de areia e cascalho em um sistema fluvial
da unidade anterior (Figura 13.5) e constituem-se de entrelaçado braided, que se constitui na base do sistema
areia fina a média estratificada recoberta por pelito deposicional do Rio Paraná. A ausência de dados impede
maciço ou laminado. Datações por 14C obtidas por um maior detalhamento desse intervalo, que
Stevaux (1994), Santos (1997) e Stevaux & Santos provavelmente inclui mudanças climáticas mais curtas.
(1998) sugerem que a atual planície tenha evoluído por O segundo período é caracterizado por uma
um sistema de canais anastomosados a partir do mudança para clima úmido, a partir de aproximadamente
Holoceno inferior. A planície aluvial exibe uma geometria 8,0 ka A.P., com um ótimo climático em torno de 6,5
assimétrica, desenvolvendo planície de inundação ka A.P. Esse período produziu uma forte alteração na
somente ao longo do lado direito do canal fluvial, como hidrologia do sistema fluvial, propiciando a deposição
uma faixa com cerca de 6 km de largura e de 3 a 5 m de uma carga de fundo de areia fina a média e o
de altura acima do nível médio do rio. Ao longo da desenvolvimento de uma planície de inundação. A
margem esquerda, afloram os arenitos cretáceos da ocorrência de depósitos de rompimento e de amplos
Formação Caiuá, formando paredões resistentes com processos de avulsão, aliados a inúmeros paleocanais
altura média de 16 m acima do nível médio do rio. Esses (feições facilmente visíveis cortando a planície atual e
paredões, formados pela erosão fluvial, impedem o ilhas do Rio Paraná), indicam o desenvolvimento de
desenvolvimento de planície de inundação ao longo do um sistema anastomosado que se constitui no pacote
lado esquerdo do canal fluvial. superior do sistema deposicional descrito anteriormente
Os processos eólicos atuais têm ocorrência (Santos,1997; Stevaux et al., 1997).
restrita associada a retrabalhamento de barras arenosas Uma segunda fase seca estabeleceu-se entre o
que emergem no canal durante o período de águas curto período de 3,5 a 2,5 ka A.P. e caracteriza-se tanto
baixas. Contudo, Parolin (2001) e Parolin & Stevaux pela ocorrência de depósitos eólicos (Parolin, 2001;
(2002) descrevem a ocorrência de dunas eólicas na Parolin & Stevaux, 2002), quanto pelo abandono de
superfície dos terraços da margem direita (região de inúmeros canais, atestado pela ocorrência dos
Taquaruçu, MS), atribuindo sua formação a um curto paleocanais que cortam os depósitos da planície (Santos,
período de clima seco ocorrente no fim do Holoceno 2001; Souza, 2000; Stevaux & Souza, 2004). Esse breve
médio, identificado também por outros autores nas período de aridez também é evidenciado pela ocorrência
regiões Sudeste e Central do Brasil e Nordeste da de pequenos leques aluviais que se desenvolveram a
Argentina (Stevaux, 2000; Iriondo & Garcia, 1993; partir dos tributários locais da margem direita do Rio
Barbosa et al., 1990; Bigarella & Andrade-Lima, 1982). Paraná (Stevaux, 1994, 2000) e por estudos
Efeitos de retrabalhamento eólico (superfície de paleopalinológicos efetuados por Thomaz (2000) em
deflação) também foram identificados na área por testemunhos de sondagens (vibrocores) dos depósitos
Kramer (1998) e Kramer & Stevaux (2001). da planície e lagoas em Taquaruçu (MS).
A evolução desse sistema fluvial ao longo do O quarto e atual período evolutivo do sistema
Quaternário está bem marcada na arquitetura do sistema aluvial desenvolve-se desde 2,5 ka A.P. até o presente e
deposicional e nas associações faciológicas e caracteriza-se pelo retrabalhamento dos antigos
palinológicas dos depósitos, revelando uma interação depósitos tanto no canal atual como na planície,
climática e tectônica atuante desde o início da formando ilhas e aprofundando o talvegue. Um nível
construção desse sistema. A geometria assimétrica da de paleossolo de grande expressão areal é encontrado
cunha sedimentar e a migração lateral do canal do Rio nos depósitos da planície de inundação do Rio Paraná a
Paraná em direção às margens paulistas e paranaenses, aproximadamente 2,0 m de profundidade com idade de
com a concomitante construção de terraços em sua 14
C 1.700 ± 70 anos A.P. (Barczysczyn, 2001; Stevaux
planície, revelam uma nítida influência tectônica et al., 2001). Dados palinológicos e de dC13 indicam
(Stevaux, 1994; Pires Neto et al., 1994; Santos 1997). um aumento gradativo de plantas do tipo C3 (arbórea)
Stevaux (1993, 2000) e Stevaux & Santos em relação às do tipo C4 (gramíneas), o que corrobora
(1998), baseados em estudos faciológicos, palinológicos a hipótese de uma mudança para clima mais úmido a
e em datações 14C e TL, inferem quatro principais partir de 2,5 ka A.P. (Barczysczyn, 2001).

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13. Grandes Sistemas Fluviais

4. BACIA DO RIO PARAGUAI: O PANTANAL cuja espessura sedimentar máxima ultrapassa os 550 m.
O Rio Paraguai tem suas nascentes na Chapada dos As áreas a sul da confluência do Rio Miranda
Parecis, a norte da Cidade de Cuiabá, no estado de Mato experimentaram pequena subsidência, sendo a espessura
Grosso, cortando terras da região Centro-Oeste do Brasil de sedimentos quaternários no Pantanal de Jacadigo-
apenas em seu alto curso. O rio corre para sul atravessando Nabileque menor que 100 m. Rochas do embasamento
todo o Paraguai, até a divisa com a Argentina, onde deságua cristalino afloram mais a sul, na região de Fecho dos
no Rio Paraná, do qual é o principal afluente (Figura 13.1). Morros, e processos erosivos tornam-se dominantes a
A Bacia do Alto Paraguai ocupa uma área de partir da confluência do Rio Apa, na divisa com o Paraguai.
aproximadamente 345.000 km2 em território brasileiro. Sua
geomorfologia é sui generis, pois é caracterizada pela 4.2. Leques Aluviais Pleistocênicos
presença de uma área extensa temporariamente alagada O preenchimento da bacia é principalmente
denominada Pantanal Mato-Grossense. Essa planície tem constituído por sedimentos siliciclásticos de origem
altitudes que variam entre 80 e 180 m acima do nível do aluvial. O empilhamento estratigráfico mostra afinamento
mar e ocupa uma área de aproximadamente 135.000 km2. textural para o topo, predominando conglomerados e
O Pantanal é uma área que experimenta inundação arenitos grossos na porção inferior e areias quartzosas
anual durante os períodos de verão e outono. Com base finas a médias na porção superior. Os sedimentos mais
em diferentes padrões de inundação, o Pantanal tem sido velhos expostos na superfície do Pantanal são areias
subdividido em diferentes pantanais, que refletem a avermelhadas, caracterizadas pela presença de cimento
compartimentação geomorfológica de um trato de óxido de ferro, que registram condições ambientais
deposicional composto pela planície fluvial do Rio mais quentes anteriores ao último glacial, provavelmente
Paraguai e grandes leques aluviais marginais (Figura 13.6). de clima tropical semi-úmido.
O leque aluvial do Rio Taquari é a feição mais O leque do Taquari é o mais notável entre os
espetacular da geomorfologia do Pantanal. Com cerca leques aluviais, sendo facilmente visível em imagens de
de 50.000 km2, perfaz quase 40% da área da planície satélite. Na sua superfície, podem ser reconhecidos
pantaneira, o que o coloca entre os maiores leques padrões de paleocanais distributários, que testemunham
aluviais do mundo. Sua superfície é caracterizada por uma paleoidrologia caracterizada por freqüentes
uma rede complexa de paleocanais distributários, que mudanças no curso do rio (Figura 13.7).
testemunham a construção e o abandono de inúmeros Muitos pesquisadores interpretaram que a
lobos (Assine et al., 1997). Embora o Pantanal seja formação dos grandes leques aluviais ocorreu em um
muito conhecido e, como ecossistema, estudado, o clima semi-árido no fim do Pleistoceno (Braun, 1977;
conhecimento da sua geologia é ainda muito pobre. Tricart, 1982; Klammer, 1982). A ocorrência de
depressões de deflação e paleodunas preservadas na
4.1. Bacia Sedimentar do Pantanal morfologia na região de Nhecolândia, na porção sul do
Ao contrário da bacia hidrográfica do Rio Paraná, leque do Taquari, confirmaria a existência de climas áridos
na Bacia do Alto Paraguai predominam rios com baixo durante a maior parte do final do Pleistoceno (Ab’Saber,
gradiente topográfico, porque a Planície do Pantanal é 1986). Para Clapperton (1993), “(...) as características
resultado da colmatação sedimentar de uma bacia presentemente visíveis só podem ter-se formado durante
tectonicamente ativa (Assine & Soares, 2004). Segundo o último intervalo de aridez, presumivelmente
Ussami et al. (1999), sua origem foi conseqüência de correspondendo à última glaciação. Processos eólicos
reativação tectônica distensiva no forebulge andino foram provavelmente mais efetivos no Glacial Máximo
durante o último evento compressivo, em torno de 2,5 como resultado de redução na precipitação e abaixamento
Ma. Forebulge é a denominação para uma área soerguida do nível freático. A drenagem pode ter sido endorréica,
—arco flexural— adjacente a uma região deprimida do como sugerido por Tricart (1982), e o Pantanal como
antepaís (Thomas & Goudie, 2000). área sazonalmente inundada poderia não existir. Os
A ruptura do forebulge aconteceu depois da sistemas de leques aluviais continuaram, entretanto,
geração da superfície de aplainamento sul-americana, ativos. Na porção norte do leque do Taquari, por exemplo,
cuja modelagem terminou no Mioceno. Remanescentes novos lobos foram formados contemporaneamente ao
dessa superfície podem ser encontrados em cotas de modelado da paisagem eólica de Nhecolândia.”
500 a 1.000 m acima do nível do mar em áreas dos
planaltos vizinhos. A mesma superfície constitui o 4.3. Trato Aluvial do Pantanal no Holoceno
assoalho da Bacia do Pantanal, agora coberto por O Pantanal Mato-Grossense é hoje uma extensa
depósitos aluviais quaternários da Formação Pantanal, planície de sedimentação aluvial, onde o Paraguai é o

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Quaternário do Brasil

Figura 13.6. Mapa da Bacia do Alto Rio Paraguai. Divisores de águas estão localizados nos planaltos do
leste e do norte. O Pantanal inclui leques aluviais (1 = Paraguai - Corixo Grande; 2 = Cuiabá; 3 = São Lourenço;
4 = Taquari; 5 = Aquidauana; 6 = Paraguai-Nabileque); planícies fluviais (7 = Piquiri; 8 = Paraguai-Paiaguás;
9 = Negro) e lagos permanentes (A = Castelo; B = Negra; C = Jacadigo) (Fonte: Assine & Soares, 2003,
modificado).

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13. Grandes Sistemas Fluviais

rio-tronco, que coleta as águas de vários leques aluviais como hoje é conhecido, surgiu na transição Pleistoceno/
marginais. O clima atual é semi-úmido, com precipitação Holoceno, com base em datação 14C e em dados
decrescente de 1.500 mm/ano a leste (Planalto Mato- palinológicos de amostras recuperadas por
Grossense) para 800 mm/ano a oeste (Rio Paraguai). vibrotestemunhador em três lagos: Castelo, Negra e
Os leques continuam ativos, embora muitos lobos Jacadigo (Figura 13.7). Bezerra (1999) interpretou um
estejam abandonados, em parte estabilizados pela clima mais úmido a partir do início do Holoceno e a
vegetação e em parte submetidos a processos de erosão individualização dos sistemas lacustres entre 10.200
devido à superimposição de redes de drenagem anos (Lago Negra) e 5.190 anos A.P. (Lago Castelo).
tributárias. Períodos de clima úmido entre 10,5 e 3,5 ka
Os dados disponíveis indicam que o Pantanal, A.P. também foram reconhecidos no nordeste da

Figura 13.7. Borda oriental do leque do Taquari. A área-fonte está situada no planalto a leste (Serra de Maracaju),
esculpido em rochas terrígenas paleozóicas e mesozóicas da Bacia do Paraná. Uma escarpa íngreme é o limite natural
entre o planalto e o leque. Paleocanais distributários são visíveis no leque superior, onde o rio está atualmente confinado
em um cinturão de meandro (Fonte: Imagem de satélite Landsat, banda 5, 06/21/1975).

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Quaternário do Brasil

Argentina (Iriondo & Garcia, 1993) e na Bacia do Alto meandrantes abandonados.


Rio Paraná (Stevaux, 1994). Níveis progressivos de No leque do Taquari, sedimentação atual ocorre
aumento na umidade e na temperatura também foram em dois contextos bem diferentes. Na porção superior
interpretados para a região do médio curso do Rio de do leque, o Rio Taquari apresenta padrão meandrante,
São Francisco, bem a norte do Pantanal (10º 24’ S), estando confinado num cinturão de meandramento
para o intervalo entre 10,54 e 6,79 ka A.P. (Oliveira et entrincheirado em sedimentos mais antigos (Figura
al., 1999). 13.7), margeado por terraços com vários metros de
A sedimentação aluvial é influenciada pela altura. Na porção média/inferior do leque, o Rio Taquari
tectônica, que define subsidência diferenciada de blocos é caracterizado por um padrão distributário, com muitos
e, por conseguinte, áreas mais suscetíveis à inundação. pontos de avulsão, crevasses e mudanças de curso do
Na Cidade de Corumbá, por exemplo, o curso de Rio canal principal, constituindo o lobo ativo de
Paraguai muda abruptamente para leste devido à sedimentação (Figura 13.8).
interposição de uma importante falha E-W, sendo a
sedimentação mais ativa no bloco mais subsidente 5. BACIA TOCANTINS-ARAGUAIA
situado a norte (Figura 13.8). A planície fluvial é mais A Bacia dos rios Tocantins-Araguaia é
larga e é comum a presença de lagos nessa área, praticamente ignorada na literatura internacional sobre
conhecida como Pantanal de Paiaguás, que é quase grandes rios. Com área de 757.000 km2 e descarga
completamente inundada durante a estação das cheias. média anual de 12.000 m3s-1 (Tabela 13.1), o sistema
A sinuosidade do Rio Paraguai diminui para dos rios Tocantins-Araguaia situa-se como a décima
jusante e a planície fluvial é estreita e encaixada no primeira drenagem do mundo em vazão (Latrubesse &
Pantanal de Jacadigo-Nabileque, refletindo a entrada Stevaux, 2002). As únicas informações disponíveis
para um bloco tectônico diferente. A drenagem fluvial sobre o Quaternário da bacia provêm do trecho alto e
evidencia superposição de padrões, onde canais menos médio do Rio Araguaia, concentradas mais
sinuosos estão cortando uma rede prévia de canais especificamente na Planície do Bananal (Figura 13.1).

Figura 13.8. Planície fluvial do Rio Paraguai a norte da Cidade de Corumbá. Mudança de direção do rio na altura da
Cidade de Corumbá é decorrência da existência de uma falha E-W com bloco alto a sul. Na parte direita da imagem, pode
ser vista a franja do lobo ativo do leque do Rio Taquari, importante sítio atual de sedimentação (Fonte: Imagem de satélite
Landsat, banda 5, 06/21/1975).

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13. Grandes Sistemas Fluviais

5.1. Rio Araguaia e Planície do Bananal que os atuais, que escoavam uma descarga mais intensa.
A bacia localiza-se no Planalto Central Brasileiro A unidade Planície de Espiras e Meandros, ligeiramente
e inclui rochas pré-cambrianas do Escudo Brasileiro, mais recente que a anterior, mostra cicatrizes de antigos
rochas do Paleozóico e Mesozóico da Bacia Sedimentar canais com dimensões semelhantes às dos canais atuais,
do Paraná, seqüências terrígenas do Terciário e mas com sinuosidade mais alta. A unidade mais recente,
extensivos depósitos do Quaternário. Os rios dessa bacia a Planície de Bancos Acrescidos, foi depositada
têm planícies aluviais pouco desenvolvidas e correm, praticamente nas últimas décadas e registra as alterações
em seu maior trecho, sobre um embasamento composto hidrológicas induzidas pela ocupação antrópica da bacia
de rochas pré-cambrianas fortemente estruturadas. (Bayer, 2002). Uma quarta unidade, a Planície Aluvial
Contudo, uma imensa bacia sedimentar denominada de Rios Menores, está associada aos pequenos
Planície do Bananal está localizada no médio curso do tributários locais.
Rio Araguaia. Essa unidade sedimentar cobre mais de
90.000 km2, ocupando aproximadamente 12% da bacia 6. BACIA DO RIO URUGUAI
fluvial. Os sedimentos apresentam uma espessura que A Bacia do Rio Uruguai drena uma área de
varia entre 170 e 320 m, determinados por estudos aproximadamente 385.000 km 2, percorrendo uma
sísmicos feitos por Araújo & Carneiro (1977), e distância de 2.150 km (incluindo 406 km referentes ao
estendem-se continuamente por mais de 700 km, sendo, Rio Pelotas) até sua foz junto à Ilha Juncal, no estuário
contudo, praticamente desconhecidos (Latrubesse & do Rio de La Plata. Sua descarga média anual é de 4.666
Stevaux, 2002). m3s-1, podendo atingir uma descarga de pico de máximo
Na Planície do Bananal, ocorrem pântanos e de 36.000 m3s-1 e mínimo de 95 m3s-1 (Iriondo, 1999).
lagoas, bem como um grande número de pequenos rios O sistema do Rio Uruguai percorre cerca de 1.620 km
que ocupam paleocanais mais desenvolvidos, os quais em território brasileiro, e, desde sua nascente, na Serra
constituem um complexo sistema de drenagem que é Geral, Estado de Santa Catarina, a 1.210 m de altitude,
inundado temporariamente na estação chuvosa pela até a tríplice divisa com Uruguai e Argentina, corre sobre
elevação do lençol freático. A Planície do Bananal está os basaltos da Formação Serra Geral, não desenvolvendo
instalada sobre os depósitos arenosos da Formação depósitos aluviais significativos.
Bananal, descrita primeiramente por Barbosa et al. Maack (1968) e Bossi (1969), através de
(1990). Vieira (2002), baseando-se em amostras obtidas estimativas indiretas, sugerem que o Rio Uruguai tenha
em perfurações rasas, trincheiras e raros afloramentos, se formado no Plioceno, ou seja, contemporaneamente
descreve esses depósitos como predominantemente às superfícies dos Médios Interflúvios (Soares &
constituídos por areia esbranquiçada, média a fina, Landim, 1976), de Guaíra (Barthelness, 1960), Santana
localmente seixosa, quartzosa, maciça, com (Ab’Saber, 1969) e à Geração Quartzítica do Rio Paraná
mosqueamento plíntico. (Fulfaro & Suguio, 1974). Iriondo (1999) destaca os
Essa imensa bacia sedimentar é atravessada pelo principais eventos ocorridos nesse sistema durante o
cinturão aluvial do Rio Araguaia, que se estende por Plioceno a Pleistoceno inferior: a) formação de grandes
mais de 1.100 km ao longo do trecho médio desse rio. meandros no trecho superior do rio; b) incisão dos
Essa unidade constitui-se num mosaico complexo de meandros nas rochas basálticas; c) estágio de
unidades morfossedimentares holocênicas formadas por pedimentação; d) provável migração do Rio Paraná para
depósitos de canal e de planície de inundação, sotopostos a Bacia do Rio Uruguai, como se pode observar pelo
por areia conglomerática cimentada por limonita de idade traçado dos vales super dimensionados dos rios
provável Pleistoceno superior (Bayer, 2002; Vieira, Aguapey e Miriñay; e e) formação de crosta ferruginosa
2002). na região de Santo Tomé (Argentina) / São Borja (Brasil)
Bayer (2002) e Latrubesse & Stevaux (2002) e Bernardo Irigoyen (Argentina) / Barracão e Dionísio
dividem a planície aluvial do trecho médio do Rio Siqueira (Brasil).
Araguaia em quatro unidades de idade holocênica. A estratigrafia dos depósitos associados ao Rio
Datações por 14C em troncos e folhas dessas unidades Uruguai ainda não está totalmente definida e é bastante
revelam que esses depósitos são bastante recentes, controversa, principalmente nos locais de maior
caracterizando, contudo, mudanças nas condições extensão em território Argentino e Uruguaio. No Brasil,
hidrológicas do sistema. A unidade mais antiga, a esses depósitos são localizados e geralmente restritos
Planície Aluvial de Escoamento Impedido, muito embora às calhas do Rio Uruguai e de seus principais tributários
não tenha sido datada, é estimada como do Holoceno (Tabela 13.2). Os depósitos mais antigos correlatos ao
médio a superior, e foi depositada por canais maiores Rio Uruguai consistem de areia fina a grossa, quartzosa,

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Quaternário do Brasil

com intercalações de termos mais finos e cascalho. esparsos em sua massa. A esses depósitos foi atribuída
Esses depósitos do Pleistoceno inferior foram uma idade correlata ao Estágio Isotópico 2 (24.000 anos
denominados por Gentili & Rimaldi (1979) como A.P.).
Formação Salto ou Salto Chico. Essa denominação A Formação Touro do Passo (Bombim, 1976)
depois foi estendida para o território brasileiro por foi primeiramente descrita como restrita à planície de
Iriondo (1999). Uma outra unidade do Pleistoceno inundação do rio homônimo, próximo ao município de
superior, denominada por Iriondo (1980) como Uruguaiana, entre os rios Ibicuí e Quareí. Iriondo
Formação El Palmar, está muito bem representada na (1999) mais tarde encontrou depósitos correlatos a essa
porção inferior do Rio Uruguai, próximo a Concepción formação por uma faixa de 100 m ao longo do Rio
del Uruguai, mas torna-se descontínua na Província de Uruguai a montante da tríplice fronteira. Em Passo
Corrientes, até desaparecer em território brasileiro. Fundo (RS), apresenta-se como sedimento arenoso
O estágio Isotópico 4 (Tabela 13.2) está avermelhado, com estratificação horizontal contínua,
representado em quase toda Bacia do Rio Uruguai pela sobreposto a cascalho. A Formação Touro do Passo
Formação Oberá (Iriondo, 1999). Esse intervalo é foi dividida, na seção-tipo, em três membros de idades:
caracterizado como o mais seco da última glaciação na 13.000-12.000 anos A.P., 12.000-3.500 anos A.P. e
América do Sul (Clapperton, 1993). Nessa época, a 3.500-presente, sendo proposto um clima mais árido
região pampeana foi palco de um grande mar de areia, para a seqüência basal, com evidente mudança para o
cujo efeito estendeu-se até as porções noroeste da clima atual a partir do membro intermediário (Bombim,
Província de Corrientes (Iriondo & Kröhling, 1995), 1976).
atingindo a Bacia do Rio Ibiqui no oeste do estado do O Hipsitérmico é marcado, na Bacia do Rio
Rio Grande do Sul (Medeiros et al., 1990, apud Iriondo, Uruguai, com a formação da planície de inundação atual,
1999). Essa formação constitui-se de sedimento areno- principalmente com a construção do sistema de diques
argiloso, moderadamente a pouco friável, maciço, de marginais. O evento seco do Holoceno médio, descrito
coloração vermelho-escura, que se estende como um por Stevaux (1994, 2000) para o Rio Paraná e por
manto sobre a paisagem. Assim, esses depósitos são Iriondo & Garcia (1993) para o noroeste argentino,
interpretados como tendo sido transportados pelo vento, parece ter deixado seu registro também nos depósitos
deflacionados provavelmente das planícies dos rios associados ao Rio Uruguai. Depósitos arenosos de
Paraná e Uruguai durante as águas baixas. Iriondo (1996) origem eólica são identificados na Bacia do Rio Ibicuí,
propõe para esse tipo de material a denominação loess como também, com maior expressão, na Província de
tropical. Entre Rios, Argentina, tendo sido denominado por
A Formação Yapeyu (Iriondo, 1999), muito Iriondo (1980) como “Areias Eólicas Associadas ao Rio
embora tenha ocorrência mais ampla na Argentina e Uruguai”. Mais ubíquos são os depósitos sílticos que
Uruguai, no Brasil, parece estar restrita à calha do Rio se espalham, na Argentina, por toda as províncias de
Uruguai, na região de São Borja (RS). Consiste de Entre Rios e de Corrientes, e, no Brasil, pelo estado do
sedimento areno-argiloso, maciço, com poucos seixos Rio Grande do Sul, que receberam a denominação formal

Tabela 13.2. Coluna estratigráfica dos depósitos associados ao Rio Uruguai (Fonte: Iriondo,1999). * Valores cf. Bowen
et al. (1986, gráfico 1).
Idade Unidade Estratigráfica
Holoceno superior Formação San Gullermo
Hipsitérmico Solo e diques marginais atuais
Pleistoceno (final) Formação Touro do Passo
Estágio isotópico 2 (13 a 32 ka A.P.) * Formação Yapeyu
Estágio isotópico 3 (32 a 64 ka A.P.) -
Estágio isotópico 4 (64 a 75 ka A.P.) Formação Oberá
Estágio isotópico 5 (75 a 128 ka A.P.) - Interglacial Formação El Palmar
0,8 Ma -
0,8 - 1,3 Ma -
Pleistoceno inferior Formação Salto
Plioceno Crosta de ferro
Pedimentos
Incisão de meandros
Formação de meandros

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13. Grandes Sistemas Fluviais

de Formação San Guillermo (Iriondo, 1990). durante o Quaternário. Muito provavelmente, ao final
Estudando tributários típicos do alto Uruguai na do Pleistoceno, o rio deveria apresentar descarga média
região das mesetas basálticas, Irondo et al. (2000) inferior à atual e desenvolveria um padrão de canal
definiram que um evento erosivo muito intenso ocorreu entrelaçado, onde imensas barras arenosas deveriam
nessas drenagens ao final do Pleistoceno, promovendo ficar expostas à deflação eólica, favorecendo a formação
a remoção de todo registro sedimentar anterior. O das dunas (Barreto, 1996). Esse processo é bastante
principal episódio sedimentar registrado deu-se durante semelhante ao ocorrido nos rios Paraná e Uruguai na
um período seco curto no Holoceno médio (3.500 anos sedimentação da Formação Oberá, sendo que, neste
A.P.). Nesse momento, grande parte dos sedimentos e último caso, o material transportado pelo vento
solos das vertentes foram remobilizados para o vale constituía-se de silte formado por agregados argilosos.
por processos coluviais. A sedimentação nos canais nesta O início do Holoceno é acompanhado por um
fase foi intensa, atingindo taxas de 2,3 mm.ano-1. aumento gradativo da umidade e demarca a instalação
de drenagens secundárias na região. Barreto (1996)
7. BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO atribui a esse período a formação do Rio Icatu, por
O Rio São Francisco é a principal drenagem do exemplo. Essa fase de maior umidade tende a
semi-árido nordestino brasileiro. Com uma bacia de desaparecer no Holoceno médio, o que desencadeou
drenagem de 650.000 km2, o Rio São Francisco corre, novamente os processos de transporte eólico,
em sua maioria, sobre rochas do Pré-Cambriano do juntamente com o processo de instalação da vegetação
Brasil Central, atravessando as zonas de vegetação de de caatinga nas dunas. A diminuição da potência do
Cerrado e Caatinga. Sua descarga anual média é de 3.800 São Francisco permitiu a formação de grande acúmulo
m3.s-1, para uma descarga sólida de 6x106t.ano-1 (Figura de material arenoso no canal, que, em alguns casos,
13.1). vieram a formar ilhas, como a Ilha do Gado Bravo,
As informações sobre o Quaternário do Rio São descrita por Barreto (1996). Essa condição parece
Francisco, como no geral para os rios brasileiros, é permanecer na região até os dias de hoje.
bastante escassa. Provavelmente, o melhor indicador
paleoclimático da bacia é o sistema de dunas do médio 8. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
São Francisco, no estado da Bahia, descrito Como pôde ser observado ao longo deste
primeiramente por Williams (1925). Baseados numa capítulo, os registros do Quaternário das bacias fluviais
comparação entre a carga atual do Rio São Francisco e brasileiras são escassos e, em alguns casos, incipientes.
seus afluentes, e o volume dos depósitos de areia do Existe uma assimetria entre o nível de conhecimento
referido sistema, Barreto & Suguio (1993) estimaram das bacias, algumas podendo ser consideradas
em pelo menos 100.000 anos o tempo necessário para relativamente estudadas e outras não dispondo de
que o rio fornecesse a areia para a formação dessas qualquer estudo sistemático.
dunas. No caso da Bacia Amazônica, por exemplo, as
Ainda com base nos dados fornecidos por esse melhores informações disponíveis referem-se à
sistema de dunas, Barreto (1996) sugere que a atividade cronologia, paleoecologia e geologia do período anterior
eólica ocorreu pelo menos desde 28.000 até 900 anos a 24.000 A.P., possivelmente correspondendo ao
A.P., sendo que o período de maior atividade coincidiu Pleniglacial médio (≅65-24.000 A.P.). Nessa bacia, a
com o Último Máximo Glacial, o que, de certa forma, sedimentação dos cinturões fluviais ocorreu durante esse
corrobora o postulado por Behling (2002) e por Salgado- período para os rios com cabeceiras nos Andes e nas
Labouriau et al. (1998). Um período de mais umidade planícies do sudoeste (Dumont et al., 1992; Latrubesse
instalou-se na região ao final do Pleistoceno e início do & Franzinelli, 1998; Latrubesse & Ramonel; 1994;
Holoceno. Isso é comprovado por análise de pólen, Rasanen et al., 1992; Rasanen, 1993; Van der Hammen
realizada por Oliveira et al. (1999) e por Barreto (1996), et al., 1992a). Para alguns desses autores, a
que constataram alguns elementos arbóreos que hoje sedimentação aluvial poderia estar diretamente associada
se distribuem na Amazônia e na Floresta Atlântica. Essa aos avanços glaciais e às fortes chuvas nos Andes
condição de umidade aumentou progressivamente em centrais e do norte, onde os rios depositaram areia e
duas fases, entre 8.910 e 6.790 anos A.P. e entre 6.236 cascalho. Contudo, os rios com cabeceiras nas planícies
e 4.240 anos A.P. O retorno às condições de Caatinga/ do sudeste Amazônico (Bacias do Juruá e Purus, por
Cerrado deu-se a partir de 4.240 anos A.P. exemplo) e aqueles com cabeceiras nas áreas cratônicas
Esse quadro sugere que o Rio São Francisco (como o Rio Negro) também carregaram abundante
tenha sofrido mudanças em suas condições hidrológicas carga sedimentar. Nas planícies, a ocorrência de areia

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Quaternário do Brasil

grossa e seixos, juntamente com fósseis de mamíferos lagoas de deflação (Kramer, 1998; Kramer & Stevaux,
associados a conglomerado, indica claramente a 2001; Parolim, 2001). As grandes bacias do Brasil
magnitude das mudanças hidrológicas. O Pleniglacial Central, como as do São Francisco e Tocantins-Araguaia,
médio caracterizou-se por uma alta precipitação nos também sofreram com a deterioração climática do
Andes e uma mudança contínua para condições de maior Último Máximo Glacial. Evidências de deflação e
aridez nas planícies, incluindo as áreas cratônicas remobilização de areia pelo vento são registradas no
(Latrubesse, 2000). Resultados recentes na cronologia médio São Francisco por Barreto & Suguio (1993) e
de campos de duna obtidos por Carneiro Filho et al. Barreto (1996).
(2002) confirmaram o proposto por Latrubesse (2000) Iriondo (1997), Iriondo & Latrubesse (1994),
de que a aridez da Planície Amazônica teria iniciado Latrubesse & Ramonel (1994) e Latrubesse (2000)
durante o Pleniglacial médio ou no início do Pleniglacial propuseram modelos de circulação de vento para a
superior. Amazônia e Llanos para o Pleistoceno Tardio (40.000-
O episódio de sedimentação fluvial do Pleniglacial 14.000 A.P.). Na região de médio Rio Amazonas,
médio e início do superior está registrado também nas mudanças de segunda ordem na dinâmica climática
bacias do Alto Rio Paraná e do Rio Uruguai. Sedimento regional foram suficientes para o aparecimento de uma
grosso depositado nesse tempo pelo Rio Paraná indica fase seca (Iriondo & Latrubesse, 1994). Os ventos
um padrão entrelaçado de clima árido (Stevaux, 1994, seriam mais intensos e secos que os atuais, produzindo,
2000; Stevaux & Santos, 1998). Embora muito dessa forma, corredores de deflação e sedimentação
escassos, eles indicam que a Bacia do Rio Uruguai eólica. Os ventos nordeste eram os dominantes na altura
apresenta, no trecho brasileiro, registros da Formação da latitude 2oN e remobilizavam areia e silte nos Llanos,
Oberá no Rio Grande do Sul que revelam uma intensa Pantanal Setentrional e em Roraima. Os ventos sudeste,
atividade eólica periférica ao mar de areias Pampeano, originados no anticiclone do Hemisfério Sul, dominavam
desenvolvido sob condições desérticas na Argentina entre as latitudes 2oN e 0o, atingindo o Chaco através
(Iriondo, 1999). Atividade eólica associada à aridez do sopé da cadeia subandina, ali formando dunas e
também foi identificada nesse período no campo de depósitos de loess. Considerando esses dados, os
dunas do Rio São Francisco (Barreto, 1996). registros palinológicos de Carajás e Rondônia,
Ainda que o Pleniglacial inferior (Estágio juntamente com os registros de paleomamíferos e
Isotópico 4) seja considerado como o intervalo de tempo paleoidrológicos do sudoeste amazônico, indicam que
mais seco da América do Sul (Claperton, 1993; Iriondo, essa área foi dominada por vegetação de savana durante
1999), o Pleniglacial superior também pode ser o Pleniglacial superior, com clima que apresentava uma
considerado como um intervalo de clímax de aridez estação seca mais intensa e prolongada que no presente.
(Latrubesse, 2002) . Nesse último período, a A aridez estendia-se também para o centro e nordeste
sedimentação eólica estendeu-se sobre os Llanos do país, produzindo as dunas do médio São Francisco.
colombianos a venezuelanos e sobre parte da Amazônia A massa de ar frio do Anticiclone do Pacífico
norte, onde a vegetação de savana atingiu seu máximo. Sul (SPA) dominava nas regiões dos Pampas Argentinos
O Último Pleniglacial foi um período de extensiva e na porção oriental do Chaco, onde o clima seco e frio
atividade eólica no Brasil Central, assim como no Chaco (Iriondo & Garcia, 1993; Ramonell & Latrubesse, 1991)
e nos Pampas. Durante o Último Máximo Glacial, o penetrava pelo vale do Rio Paraná, alcançando o Rio
mar de areia pampeana é reativado e um manto de Araguaia. Essa massa de ar frio atingia também o sul e
sedimento de loess é depositado na Planície Pampeana o sudoeste amazônico, causando quedas de temperatura
(Argentina). Os megaleques do Chaco desenvolveram durante o inverno (Latrubesse & Ramonell, 1994). Os
uma grande quantidade de pequenos canais efêmeros ventos do SPA eram intensos e frios, provenientes do
que sofriam simultaneamente deflação. Campos de campo de gelo dos Andes Patagônicos (Iriondo &
dunas formaram-se nos leques dos rios Grande e Garcia, 1993).
Parapeti e depósitos de loess foram sedimentados no Ao final do Pleistoceno e início do Holoceno
Chaco, acerca do sopé da cadeia subandina (Iriondo & (após 14 ka A.P.), a sedimentação fluvial começa a ser
Garcia, 1993). influenciada pela mudança climática associada à última
Nesse tempo, o Rio Paraná apresentava uma deglaciação. O Hipsitérmico foi caracterizado por um
descarga inferior à atual. Grande parte dos depósitos clima úmido e quente, que propiciou o aumento nas
arenosos expostos, bem como grande parte da cobertura descargas dos rios. Essa nova hidrologia foi identificada
arenosa dos terraços, foram remobilizados por ação nos depósitos fluviais dos rios Uruguai e Paraná (Iriondo,
eólica, promovendo o desenvolvimento de dunas e 1999; Stevaux, 2000; Parolim & Stevaux, 2002), como

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13. Grandes Sistemas Fluviais

em várias drenagens de menor tamanho espalhadas pelo temperatura baseadas apenas em dados palinológicos
centro e sudeste brasileiro (Ledru, 1993; Barbosa et devem ser consideradas com precaução. Dados
al., 1990; Van der Hammen, 1991; Bombim, 1976; indicadores provindos da paleolimnologia (silicofitólitos,
Bigarella & Andrade-Lima, 1982; Servant et al., 1989; espículas de espojasa, carapaças de Chironomidae etc.),
Turcq et al., 1997) e nordeste argentino (Iriondo & paleopedologia (relação ácido húmico/fúlvico,
Garcia, 1993). A bacia do sistema Tocantins-Araguaia micromorfologia), sedimentologia (análise de fácies,
também parece ter sido afetada por essa melhoria suscetibilidade magnética, mineralogia de argilas), estudo
climática. O Holoceno inferior nessas bacias é marcado, de fragmentos de carvão e matéria orgânica (d13C),
via de regra, por um período de incisão do talvegue e entre outros, são fundamentais para um conhecimento
geração de terraço, ao mesmo tempo em que se inicia a mais extenso e preciso do Quaternário continental
construção de uma planície de inundação adaptada a brasileiro.
essa nova hidrologia. Esse período, contudo, parece O crescente interesse pela paleoidrologia por
ter sido mais seco no Norte e Nordeste do Brasil. Um pesquisadores brasileiros pode ser demonstrado pela
clima mais seco que o presente foi sugerido para a Bacia produção apresentada no Simpósio de Paleoclimas e
do Amazonas durante o Hipsitérmico (Petit-Marie, Paleoidrologia na América do Sul, no VI Congresso da
1999), bem como Barreto (1996) identifica uma ABEQUA (Curitiba, 1997), no International Symposium
intensificação nos processos de formação de dunas of Geomorphology and Paleohydrology of Large River
eólicas no médio Rio São Francisco. - Araguaia 99 (Goiânia, 1999) e no volume 72 (2000)
Evidências de um curto período mais seco que do periódico Quaternary International: “Quaternary
o atual durante o Holoceno médio (3,5 a 2,5 ka A.P.) Paleohydrology of South America”. O estado atual de
foram observadas em várias localidades do centro, sul conhecimento paleoidrológico do Brasil e da América
e sudeste brasileiro, afetando as bacias do Rio Paraná do Sul e a importância dessa ciência foram expressos
(Stevaux, 1994, 2000), Uruguai (Iriondo, 1999; Iriondo por Baker (2000): “(...) discoveries from field work in
& Garcia, 1993) e outras drenagens secundárias South America afford a spectacular opportunity to
(Barbosa et al., 1990; Van der Hammen, 1991; Bombim, develop a synthesized understanding of realized
1976; Bigarella & Andrade-Lima, 1982; Servant et al., hydrological change. This understanding can only be
1989 entre outros). No médio curso do Rio São achieved by interpreting the indicators (signs) of past
Francisco, a aridez instalada nesse período estendeu- hydrological processes, that is via ... paleohydrology”.
se até o presente, muito embora a atividade eólica tenha Por outro lado, a maior parte dos grandes
se reduzido um pouco a partir de 2,0 ka A.P. (Barreto, sistemas fluviais brasileiros é muito mais preservada da
1996). ação do homem, quando comparados com outros
No Holoceno superior, estabeleceram-se as grandes sistemas do mundo. Assim, os rios brasileiros
condições climáticas e hidrológicas atuais nas várias têm grande potencial para estudo da paleoidrologia
bacias fluviais brasileiras. Muitas datações de 14C em quaternária e para a comparação dos registros
depósitos da planície de inundação do Rio Amazonas e paleoidrológicos com a presente hidrologia e
tributários são bastante jovens (<3.000 anos A.P.) ou morfodinâmica fluvial. Grande parte dos rios
mesmo indicam idades inferiores a 1.000 anos (Absy, amazônicos permanece intacta, sem qualquer influência
1979; Latrubesse & Franzinelli, 2002; Sternberg, 1960; humana. O Pantanal do Mato Grosso e a Planície do
Vital & Stattegger, 2000). Bananal no Rio Araguaia abrigam imensas bacias
sedimentares quaternárias praticamente inexploradas.
8.1. Paleoidrologia e Conhecimento do Novas informações sobre o padrão da circulação de
Quaternário Fluvial Brasileiro ventos no Quaternário poderão advir do aprofundamento
O conhecimento do Quaternário fluvial dos dos estudos dos depósitos eólicos da Amazônia, do
grandes sistemas fluviais brasileiros avançou Pantanal, do alto curso dos rios Paraná e São Francisco.
significativamente nos anos mais recentes. Contudo, a
riqueza, complexidade e tamanho dessas bacias faz com
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que as informações apresentadas neste capítulo sejam
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Quaternário do Brasil

Capítulo 14

A GEOQUÍMICA DOS SEDIMENTOS


E SOLOS
Admilson Moreira Torres
Maria Luiza Lacerda Bastos
Geraldo Resende Boaventura
Otavio Augusto Boni Licht
Dirse Clara Kern
Germano Melo Junior
Francisco Juvenal Lima Frazão
Marcondes Lima da Costa
Ricardo Perobelli Borba
Bernardino Ribeiro Figueiredo

RESUMO. Este capítulo aborda o estudo geoquímico de sedimentos e solos, ressaltando a importância da análise
geoquímica multielementar na caracterização ambiental de uma região, de acordo com a herança natural e/ou a interferência
antrópica. A identificação do relacionamento entre a geoquímica, a natureza e a ação humana deve ser realizada por
equipes multidisciplinares sob uma abordagem integrada do meio físico e do uso e ocupação do solo. A situação das
bacias hidrográficas, bem como dos depósitos de resíduos tóxicos armazenados sob a forma de lagoas de rejeitos e
aterros sanitários sem o devido conhecimento e controle geoquímico, é particularmente preocupante. Com base no
estudo de casos de cada região brasileira, recomenda-se, principalmente, a expansão da cartografia digital regional
multielementar, a elaboração de mapas de potencial de risco e a aplicação da geoquímica para elucidar desde o
comportamento humano pré-histórico até a caracterização da fertilidade agrícola dos solos. Nesse sentido, sugere-se,
para a evolução da pesquisa geoquímica no Brasil: a) levantamento dos estudos geoquímicos de sedimentos e solos já
realizados no Brasil; b) criação de bases de dados com os resultados obtidos pelos estudos geoquímicos; c)
reconhecimento geoquímico das bacias hidrográficas e regiões fronteiriças; d) elaboração de mapas de potencial de
risco a partir da correlação entre as concentrações médias dos elementos e seus efeitos sobre a saúde humana; e)
expansão da cartografia digital regional multielementar, planejada para uso multipropósito em todas as unidades da
federação, de forma descentralizada e coordenada; f) aplicação da geoquímica na exploração mineral e no mapeamento
pedológico para caracterização da fertilidade agrícola dos solos; g) mapeamento geoquímico para localização e
monitoramento de áreas contaminadas; h) controle e monitoramento geoquímico dos rejeitos industriais e de mineração;
i) implementação de programas de mitigação e remediação nas áreas contaminadas; j) conscientização da população
sobre os cuidados com o consumo de água e a utilização do solo em áreas contaminadas; e k) conscientização e
mobilização da população para fortalecer as ações governamentais de fiscalização e controle ambiental dos processos
de estocagem e destinação dos rejeitos industriais e mineiros.
Palavras-chave: Metais pesados; Contaminação de sedimento e solo; Cartografia geoquímica; Bacias hidrográficas.

ABSTRACT. This chapter deals with geochemical studies of soil and sediments, emphasizing the importance of the
multi-elemental geochemistry analysis in the environmental characterization of a region, according to the natural inheritance
and/or antropic interference. Additionally, the identification of relationships between geochemistry, nature, and antropic
action must be done by multi-disciplinary groups under the integrated approach between the physical environment and
use and soil occupation. The environmental status of drainage basins, as well as the toxic residues stored as catchment
basins and “sanitary” landfills without a geochemical knowledge and control is particularly worrying. Based on case
studies in each Brazilian region, it is strongly recommended the expansion of the regional multi-elemental digital mapping,
the elaboration of potential risk charts and the application of geochemistry to elucidate many processes, including the
pre-historical human behavior to the characterization of the agricultural fertility of soils. Some general suggestions can
be drawn for the development of the geochemical research in Brazil: a) a compilation of the geochemical studies of
sediment and soils performed in Brazil; b) creation databases with the results obtained by the geochemical studies;
c) geochemical recognition of the drainage basins and frontier areas; d) elaboration of maps of potential risk from the
correlation between the medium concentrations of the elements and their effects on human health; e) expansion of the

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

multielemental regional digital cartography planned for multipurpose use for all of the units of the federation in
decentralized and coordinated form; f) use of geochemistry in mineral exploration and pedologic mapping for agricultural
fertility of soils characterization; g) geochemical mapping for location and monitoring of polluted areas; h) geochemical
control and monitoring of industrial and mining wastes; i) implementation of mitigation programs and remediation of the
polluted areas; j) understanding by the population about the adequate consumption of water and use of soil in polluted
areas; and k) understanding and mobilization of the population to strengthen the government actions of law enforcement
and environmental control of the stockpiling processes and destination of the industrial and mining wastes.
Key-words: Heavy metals; Sediment and soil contamination; Geochemical mapping; Catchment basins.

1. INTRODUÇÃO Universidade Federal da Bahia (UFBA), iniciaram a


A dinâmica do Quaternário está impressa nos formação de equipes e cursos de pós-graduação em
sedimentos e solos dos terrenos e massas d’água que Geoquímica. Outros centros de pesquisas, como
recobrem a superfície da Terra. As condições de Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM),
extrema instabilidade da crosta terrestre estão refletidos Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Rio
nos elementos naturais (rochas, solos, água e Doce Geologia e Mineração S/A (DOCEGEO), Petrobrás
organismos), submetidos à intensa atividade dos agentes Mineração S/A (PETROMISA), Companhia Baiana de
geológicos, climáticos, biológicos e antrópicos. Pesquisa Mineral (CBPM), Metais de Goiás S/A
A urbanização e as atividades industriais e (METAGO), Metais de Minas Gerais (METAMIG) e
agropecuárias promovidas em larga escala e Minerais do Paraná S/A (MINEROPAR), além de várias
desacompanhadas de planejamento e estratégias empresas de mineração privadas, nacionais e
preventivas de proteção ambiental, mas principalmente multinacionais, também executaram levantamentos
as guerras e as desigualdades sociais, são consideradas geoquímicos, porém os resultados destas últimas
fatores antrópicos altamente impactantes para o meio geralmente não são divulgados. Cabe ressaltar a
ambiente. No mundo inteiro e em diversos graus, essa contribuição dos congressos e encontros promovidos
conscientização tem motivado reuniões e fóruns pela Sociedade Brasileira de Geoquímica (SBGq) e, mais
internacionais buscando viabilizar rotas de recentemente, pela ABEQUA para a evolução da pesquisa
desenvolvimento sustentável e políticas públicas para o geoquímica no Brasil, a partir da publicação e divulgação
uso racional dos recursos naturais. dos trabalhos realizados nas diversas instituições
O estudo geoquímico dos sedimentos e solos científicas do país e do exterior.
oferece um potencial imenso para subsidiar essas De uma maneira geral, os métodos de coleta
políticas e fundamentar novas estratégias de continuam praticamente os mesmos desde a década de
desenvolvimento. A distribuição dos elementos químicos 1970, mas a tecnologia analítica se aperfeiçoou bastante.
na natureza condiciona a qualidade de vida no Planeta e Atualmente, a CPRM realiza projetos em convênio com
o estudo interpretativo dessa distribuição pode não só outras instituições estrangeiras e nacionais, como a
ajudar a esboçar um quadro da ocupação humana MINEROPAR, a CBPM e outras (em sua maioria de
pretérita, como servir para diagnosticar o presente e âmbito local ou municipal), obtendo resultados mais
prevenir futuros desastres ambientais. Esse precisos pela disponibilidade de aplicação da tecnologia
conhecimento geoquímico específico constitui o tema de análise mais avançada de emissão espectrográfica
do presente capítulo. Foram exemplificadas algumas com plasma. Nesse sentido, destaca-se a
situações e aplicações geoquímicas para cada região do compartimentação do estado do Paraná (Licht, 2001a)
Brasil, sem esgotar a diversidade de ambientes e todas permitida pela cartografia geoquímica multielementar
as possibilidades de linhas de pesquisa. executada pela MINEROPAR (Licht, 2001b).
As linhas de pesquisa diversificaram-se nessa
2. EVOLUÇÃO DAS PESQUISAS NO BRASIL área específica do conhecimento geoquímico, podendo-
Os primeiros trabalhos sobre geoquímica de se citar os estudos sobre metalogênese, processos de
sedimentos no Brasil datam dos anos 1970, com os laterização, solos e geoarqueologia desenvolvidos pela
grandes projetos desenvolvidos para prospecção mineral Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal
realizados por instituições nacionais de pesquisa do Pará (UFPA) e Museu Paraense Emílio Goeldi
científica, com destaque para a Companhia de Pesquisas (MPEG). A observação sobre o comportamento do solo
de Recursos Minerais (CPRM), precursora do e dos processos intempéricos facilita a compreensão
reconhecimento geoquímico no Brasil. Naquele da gênese de jazidas, contribuindo para um melhor
momento, as universidades brasileiras, como a aproveitamento mineral, bem como para minimizar

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Quaternário do Brasil

efeitos da poluição e subsidiar o planejamento ambiental. monitoramento geoquímico sistemático das condições
Merece destaque a utilização da geoquímica dos rios, solos e aqüíferos superficiais, vulneráveis e
como metodologia auxiliar para as interpretações responsáveis pela qualidade da água e a produção de
arqueológicas. Assim, por exemplo, embora a alta alimentos. O uso indiscriminado de agrotóxicos,
fertilidade dos solos com Terra Preta Arqueológica fertilizantes e defensivos químicos, gerados pela
(TPA) já fosse conhecida desde o final do século XVIII, atividade agrícola intensiva, também justifica a pesquisa
só em meados do século XX foram realizadas análises geoquímica dos sedimentos e solos para prevenir a
químicas desse material. Na Amazônia, alguns dos contaminação ambiental. A situação do Quadrilátero
primeiros estudos sobre a distribuição geoquímica em Ferrífero e dos grandes rios da Amazônia é
sítios arqueológicos datam dos anos de 1980 e devem- particularmente inquietante pela ocorrência de áreas
se a Kern e colaboradores, cujo estudo de caso ilustra com concentração excessiva de mercúrio, arsênio e
o potencial desse tipo de solo. outros elementos, fruto da intensa atividade mineira em
Nos últimos anos, a possibilidade de escala industrial e garimpeira. Nesse tema, destacam-
contaminação das bacias hidrográficas vem se a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e a
preocupando a comunidade científica internacional e Universidade de Campinas (UNICAMP). O estudo de
motivando pesquisas com o objetivo de preservar a caso descrito por Borba et al. (2002) dá uma idéia da
qualidade da água no Planeta. Nessa área destacam-se contaminação por arsênio gerada e propõe ações para o
os trabalhos realizados pela Universidade de Brasília enfrentamento dessa realidade.
(UnB), Universidade Federal do Rio Grande do Norte Novos estudos estão sendo direcionados à
(UFRN), CPRM e vários outros núcleos de pesquisa. identificação de depósitos naturais com potencial
Nos países em desenvolvimento, principalmente nas interesse econômico, alternativas de energia “limpa” ou
grandes aglomerações urbanas destituídas de novas fontes de produção de alimentos, como as
esgotamento sanitário, essa realidade é alarmante, como pesquisas em geoquímica dos solos conduzidas pela
ilustra a situação do Rio Pitimbu, RN. O planejamento Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
urbano não pode prescindir do monitoramento (EMBRAPA).
geoquímico para evitar alterações danosas nas condições A geoquímica aplicada a estudos de epidemiologia
ainda satisfatórias da rede fluvial, conforme proposto também vem apresentando crescente interesse.
por Boaventura (2001) para o Distrito Federal. Endemias discrásicas (cuja etiologia está relacionada a
A situação dos ecossistemas costeiros (lagunas fatores ambientais, de origem não-infecciosa) podem
e dos manguezais), próximos aos centros urbanos ou estar relacionadas à existência de teores diferenciados
povoados por palafitas, é particularmente inquietante, (carências ou excessos) de elementos químicos
pelas funções paradoxais que são forçados a biodisponíveis. A fluorose dentária e óssea com
desempenhar. De um lado, os ecossistemas atuam elevados graus de severidade e atingindo 70% da
como berçário e criadouro de alimentos para a vida população em idade escolar é conhecida no norte do
aquática, ao mesmo tempo que servem como bacias de estado do Paraná. As pesquisas de odontologia social e
deposição para efluentes domésticos e industriais. A levantamentos epidemiológicos em realização pela
fraca movimentação e depuração das águas nesses Universidade Estadual de Londrina (UEL) estão baseados
ambientes tende a incrementar o processo de nas áreas delimitadas por levantamentos geoquímicos
eutrofização dos corpos hídricos. Nos ecossistemas multielementares (Licht, 2001b), com identificação de
costeiros, destacam-se as pesquisas as pesquisas da espécies químicas (íons ou compostos) facilmente
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), absorvíveis pela cadeia trófica.
Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Mais recentemente, a geoquímica ambiental vem
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal ampliando seu escopo de atuação, avançando para a
da Bahia (UFBA) e outras instituições que desenvolvem geoquímica de hidrocarbonetos voltada para o
estudos para o gerenciamento costeiro, visando diagnóstico e monitoramento desses compostos em
caracterizar os sedimentos, determinar os ciclos sedimentos aquáticos de áreas contaminadas por
biogeoquímicos, a dispersão de metais pesados ou derramamentos de petróleo e seus derivados. São alvos
quantificar elementos-traço metálicos, entre outros prioritários desses estudos as áreas próximas às grandes
aspectos. plantas de processamento primário e de refino de
A preocupação com o local de descarte dos petróleo, e as áreas estuarinas e de baías costeiras, onde
resíduos industriais, rejeitos de mineração e aterros está instalada a maioria das atividades portuárias de maior
sanitários aponta para a necessidade de um envergadura. Esses são temas importantes de

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

investigação na interação entre a Petrobrás e diversos e estuarinos, são identificados os parâmetros


grupos de pesquisa, como Centro de Pesquisas da controladores da geoquímica dos sedimentos nos
Petrobrás (CENPES), Universidade Federal do Paraná ecossistemas costeiros, possibilitando dimensionar a
(UFPR), Universidade Estadual do Rio de Janeiro capacidade de suporte desses ambientes. O
(UERJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), conhecimento do solo deve nortear as ações humanas
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade para evitar possíveis irreversibilidades na estrutura e
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Museu propriedades dessa fonte original de produção de
Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e outros. alimentos. Ao homem, que não pode privar-se das
As pesquisas científicas precisam ser melhorias permitidas pelo progresso, resta desenvolver
acompanhadas de campanhas intensas de metodologias que permitam acompanhar essas
conscientização para mobilizar a população e fortalecer alterações ambientais, recomendando os limites de uso
ações governamentais de fiscalização e controle de certos produtos, propondo a adoção de novos
ambiental dos processos de estocagem e destinação de materiais e procedimentos compatíveis com a
rejeitos. O monitoramento geoquímico é fundamental manutenção da qualidade de vida.
para detectar o grau de risco e evitar desastres, às vezes A melhoria recente na sensibilidade das técnicas
de conseqüências imprevisíveis, como recentemente geoquímicas analíticas aperfeiçoou as investigações
ocorrido no Rio Pomba (MG/RJ), com o vazamento de relativas a padrões de distribuição dos elementos em
resíduos tóxicos de uma fábrica de papel e celulose. materiais naturais, tanto em sedimentos, quanto em
solos. Dentre elas, destacam-se a Espectrometria de
3. MÉTODOS E APLICAÇÕES Emissão com Plasma (ICP/AES), a Espectrofotometria
de Absorção Atômica (AAS) e a Fluorescência de Raios
3.1. Caracterização dos Sedimentos e Solos X (FRX), todas com enorme potencial para a
do Quaternário: Metodologias de Estudo determinação de metais.
O Quaternário caracteriza-se, em sua fase mais A ICP/AES representou um dos maiores avanços
recente, como um período de grandes transformações em tecnologia analítica dos últimos tempos para
ambientais impostas pelo Homem. Nos últimos séculos, determinação de metais e elementos-traço, possibilitando
essa influência vem exercendo forte pressão sobre os baixos limites de detecção, resultados rápidos e precisos
ambientes naturais, destituindo-os de suas funções para um grande número de elementos químicos. As
específicas e levando mesmo a seu desaparecimento, determinações podem ser seqüenciais ou simultâneas,
com sérias conseqüências para a continuidade da vida permitindo a obtenção de grande número de dados para
no Planeta. diversos estudos. Um dos maiores problemas na
A caracterização dos sedimentos e dos solos é aplicação da ICP/AES e da AAS refere-se à exigência
realizada a partir da amostragem e análise desse material, de solubilização das amostras, sendo necessária à
visando avaliar sua composição, estrutura, propriedades aplicação de procedimentos de decomposição para
e comportamento físico-químico. Análises de amostras amostras sólidas. Thompsom & Walsh (1989) estão
de sedimentos de canais fluviais são capazes de entre os que demonstraram o potencial da ICP/AES
caracterizar os processos químicos e físicos que para a determinação de metais e as aplicações em estudos
ocorrem na bacia hidrográfica, a montante do ponto de geológicos, evidenciando a alta qualidade dos dados
coleta. A coleta e análise química de amostras de obtidos com essa técnica para determinações
sedimentos fluviais, também chamados sedimentos de multielementares. Jarvis & Jarvis (1992) desenvolveram
corrente, sedimentos de fundo e sedimentos ativos de pesquisas mostrando as aplicações da ICP/AES em
drenagem, são freqüentemente utilizadas para a análise de amostras de material geológico, enfatizando
identificação da paisagem geoquímica e suas variações. a grande versatilidade dessa técnica e sua importância
Tais características e alterações correspondentes podem para os estudos geocientíficos e ambientais. Essa
representar concentrações naturais (tipos litológicos ou técnica torna-se ainda mais vantajosa pela sua
jazidas minerais) ou estar sendo influenciadas pela ação combinação com a espectrometria de massa ICP-MS,
humana (fontes pontuais ou dispersas de poluição). A a qual intensifica a capacidade de diferenciação e
interpretação da abundância e distribuição geográfica detecção de concentrações cada vez mais sutis de
dos teores deve estar embasada por uma cartografia poluentes em amostras ambientais.
que descreva o ambiente natural e classifique o tipo e a A FRX é uma técnica que viabilizou a análise
intensidade de uso e ocupação do solo. das amostras de sedimentos e solos sem a necessidade
Ao caracterizar os sedimentos praiais, lacustres de solubilização das amostras, evitando, assim, os

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Quaternário do Brasil

problemas enfrentados pelas técnicas analíticas por via Concentrações de Cu, Zn, Au, Mn, P e N no interior ou
úmida, a AAS e a ICP/AES. As análises quantitativas nos arredores de um sítio arqueológico podem ser
ocorrem de modo simultâneo para a maioria dos interpretadas como locais onde o lixo era depositado
elementos nas amostras sólidas em níveis de detecção (Sokoloff & Carter, 1952; Collins & Shapiro, 1987).
que variam de menos de 1 ppm a 100%. A identificação Dados de Fonseca et al. (1996) podem ser
e a quantificação dos elementos químicos presentes em indicados como referência para diferentes atividades
amostras ocorrem pelo uso de radiação primária, relacionadas a processos de acumulação antrópica. No
proveniente de um tubo de raios X, para excitar a caso de fontes gasosas, o processo ocorre por deposição
amostra e provocar emissões de raios X secundários, atmosférica, onde as maiores contribuições referem-se
mensurados por um detector de raios X. Dentre os a Cd, Cu, Pb, Sn, Hg e V, originados de fontes urbanas
aspectos positivos dessa técnica, destaca-se a e industriais; Pb, Mo e V, dos automóveis; e As, Pb,
preservação da amostra, uma vez que não há a Sb, Se, U, V, Zn e Cd, como conseqüência do uso de
necessidade de sua solubilização, possibilitando a combustíveis fósseis. A atividade industrial pode
reanálise da mesma amostra, quando necessário (Fitton, contribuir para a acumulação de Co, Cr, Cd e Hg,
1997). relacionados a produtos plásticos; Zn, Al, Ti e Sn,
relacionados a produtos têxteis; Cu, Ni, Cd, Zn e Sb,
3.2. Aplicações relacionados a artigos de microeletrônica; e Pb, Ni, e
A Geoquímica é uma ferramenta fundamental Cr relacionados a produtos originários de refinarias. Em
para o entendimento dos processos superficiais e relação à atividade agrícola, os corretivos agregam ao
subsuperficiais que governam a distribuição dos ambiente grandes quantidades de Ca e Mg; fertilizantes
elementos químicos e da sua mineralogia. contribuem para o aumento das concentrações de As,
Geologicamente, o estudo da composição química de Cd, Mn, U, P, V e Zn, enquanto os adubos enriquecem
sedimentos e solos possibilita obter informações sobre os sedimentos e solos com As, Cu, Mn e Zn. Os
as características da área de origem ou das rochas- pesticidas, com Cu, Mn, Zn, As, Pb, e águas de irrigação
fonte e das condições químicas, intempéricas, climáticas também podem oferecer algum tipo de contribuição
e tectônicas dominantes. Torres (1997), por exemplo, relacionada com Cd, Pb e Se. A utilização indiscriminada
apresentou análises de amostras de sedimentos de fundo de produtos nitrogenados em solos, já originalmente
da foz do Rio Amazonas com alto conteúdo de elementos ricos em compostos nitrosos, e a reutilização das águas
terras raras, indicando uma proveniência Andina, de rega tendem a elevar perigosamente o grau de
enquanto a presença de alguns valores baixos aponta concentração desses compostos. Para avaliar a
uma contribuição de sedimentos altamente quartzosos ocupação urbana e a adição de efluentes domésticos,
dos escudos pré-cambrianos que foram submetidos a pode-se afirmar que os elementos-traço Zn, Cd, Pb,
um forte intemperismo. Cr, Cu, Ni e Hg são os mais importantes no processo
Razões de freqüência ou teores de alguns de acumulação, devendo ser considerados nas avaliações
elementos têm sido usados como indicadores ambientais.
paleoambientais. O boro, por exemplo, notadamente em Por sua vez, o valor da cartografia geoquímica
associação com Ca, Na, K e Mg, dá informação de digital tem sido demonstrado em diversos países, dentre
salinidade no paleoambiente aquoso deposicional. os quais destacam-se a China, a Finlândia e a Inglaterra.
Os estudos geoquímicos em solos, voltados para A criação do projeto International Geological
elucidar enigmas arqueológicos, desenvolveram-se Correlation Programme (IGCP-259) e, posteriormente,
consideravelmente a partir dos anos de 1970. As o IGCP-360, Global Geochemical Baselines, mostram
anomalias de certos elementos químicos em um sítio a preocupação da United Nations Educational, Scientific
arqueológico, associadas aos dados etnográficos, podem and Cultural Organization (UNESCO) e da
levar a informações conclusivas sobre a forma de International Union of Geological Sciences (IUGS) em
assentamento humano na pré-história. O fósforo, padronizar a metodologia e técnicas empregadas nesse
particularmente, traz contribuições importantes para a tipo de levantamento. O estado do Paraná e uma fração
arqueologia, auxiliando na localização de sítios do Nordeste são as únicas regiões do Brasil para as
arqueológicos, permitindo estimar o tamanho da quais existem mapas geoquímicos multielementares
população, duração e intensidade do assentamento, baseados em coleta e análises de amostras de sedimentos
determinando a alimentação básica e estabelecendo a de grandes bacias hidrográficas. A aplicabilidade é
idade relativa ou absoluta do sítio (Griffith, 1980; ampla, visto que os valores geoquímicos servem como
Sjoberg, 1976; Woods, 1984; Collins & Shapiro, 1987). indicadores das condições ambientais em um

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

determinado momento, podendo ser adotadas como O conteúdo máximo de matéria orgânica nas
referenciais para estudos de monitoramento e adequação TPAs de Caxiuanã é de 7%, bastante elevado quando
da legislação ambiental e/ou sanitária às condições locais. comparado com o Latossolo Amarelo da Amazônia que
A delimitação de anomalias geoquímicas tem aplicação apresenta em média 2%. Nas TPAs de Belterra, porém,
fundamental no planejamento da ocupação e nas ações a matéria orgânica chega a alcançar valor máximo de
de fiscalização e monitoramento das atividades 21% (Pabst, 1991). Para esse autor, a matéria orgânica
humanas. das TPAs, além de diferir em termos de quantidade,
também difere em sua estruturação, sendo mais estável
4. ESTUDOS DE CASOS e mais rica em componentes organometálicos que a
dos Latossolos amazônicos. Para Glaser et al. (2001),
4.1. Geoquímica Multielementar como a estabilidade está diretamente relacionada à combustão
Ferramenta para Identificar Padrão de incompleta do material orgânico, pois, segundo o autor,
Assentamento Pré-Histórico na Amazônia é grande a quantidade de carvão encontrado nos solos
Tendo em vista a impossibilidade de enumerar com TPA. Segundo Kern (1996), esse fato deve estar
as múltiplas situações sob as quais fundamenta-se a ligado à composição inicial da matéria orgânica, pois,
aplicação da geoquímica dos sedimentos e solos, foram no Latossolo, a fonte da matéria orgânica é a cobertura
selecionados cinco casos, em cada região geográfica vegetal natural, enquanto que, nas TPAs, além do
do Brasil, para ilustrar este capítulo. Essa seleção foi componente vegetal selecionado (folhas para cobertura
baseada na relevância e originalidade do tema abordado de casas, sementes ou cipó), há grande contribuição de
e orientada para a difusão de novas metodologias e restos animais, como ossos, carapaças, conchas, fezes
materiais. Assim, foram consideradas relevantes as ou urina. Em conseqüência, formam-se
abordagens sobre o solo e a água, essenciais para microecossistemas dotados de dinâmica própria.
assegurar a sustentabilidade alimentar e a qualidade de O Sítio Manduquinha (Portel, PA), na região de
vida, tendo sido descritos a situação de algumas bacias Caxiuanã, é apresentado a seguir como exemplo de
hidrográficas, bem como o potencial da geoquímica pesquisa com o objetivo de definir o padrão de
multielementar e da técnica ICP/AES aplicada ao assentamento pré-histórico.
reconhecimento geoquímico regional. O Sítio Manduquinha foi mapeado por meio de
As Terras Pretas Arqueológicas (TPAs) são solos oito transversais radiais e um levantamento topográfico
que possuem coloração escura, restos de material expedito em duas transversais leste-oeste e uma norte-
arqueológico (fragmentos cerâmicos e de artefatos sul. A amostragem do solo, bastante preservado,
líticos) e elevados teores de Ca, Mg, Zn, Mn, P e C. As constou de uma malha regular de 5 x 5 m, que se
TPAs apresentam uma distribuição bastante ampla na estendeu além da mancha de TPA. As amostras foram
Amazônia, constituindo a grande maioria dos sítios submetidas a diversas análises: a) SiO2, TiO2, Fe2O3 e
arqueológicos registrados nessa região. Normalmente, Al2O3 (fundente Al2B4O7), P2O5, Na2O, K2O, CaO,
esses sítios destacam-se como locais mais elevados na MgO, Cd, Co, Cu, Mn, Pb e Zn (abertura total
paisagem, geralmente situados em curvas de rios e HF+HClPO 4 ) e C (Walkley-Black, modificado),
igarapés. Pela sua fertilidade, ou por sua posição determinados por absorção atômica, colorimetria e
topográfica, são quase sempre utilizados pelas titrimetria; b) As, Se (geração de hidretos), Hg (geração
populações ribeirinhas para agricultura de subsistência de vapor frio), Zn, Mn e Fe disponíveis (oxalato de
e/ou moradia. Apesar da freqüência com que ocorrem, NH4 + ácido oxálico), complexo sortivo (acetato de
esses solos não são representativos (em termos de classe NH4 a pH 7,0), determinados por absorção atômica; c)
de solo) por estarem restritos a pequenas áreas, Cr, B, V, Sc, por espectrografia ótica de emissão, U
inferiores a 2 ha, embora ocorram sítios com mais de por fluorimetria e F por eletrodo de íon específico; e d)
100 ha, como os da região do Tapajós, Xingu e Caxiuanã. Ba, Cl, Ga, Nb, Sr, Y e Zr, por fluorescência de raios X
As TPAs são encontradas sobre os mais diversos (Kern, 1996).
tipos de solos, como em Latossolos, Argissolos, A análise estatística multivariada e a análise
Espodossolos, Plintossolos, Nitossolos Vermelhos (Terra fatorial dos dados de concentrações químicas do
Roxa Estruturada), Cambissolos e Neossolos (Falesi, horizonte A1 mostraram três agrupamentos distintos,
1970; Smith, 1980; Kern, 1988; Kämpf, 1989). Os denominados agrupamentos I, II e III (Costa & Kern,
horizontes A antrópicos apresentam em média 30 a 60 1999).
cm de espessura, contrastando com os da Floresta O agrupamento I está representado pelo Fe2O3
Amazônica, que variam de 12 a 15 cm. + Na2O + Cd + Co + Cr + Ga + Hg + Nb + Pb + Sc +

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Quaternário do Brasil

V + Zr. Esse agrupamento é constituído por elementos


que apresentam teores geralmente mais baixos na TPA
do que nos solos adjacentes (os latossolos), com
maiores concentrações na porção norte (TPA-N) e
diminuindo acentuadamente para sul (TPA-S).
O agrupamento II, representado por MgO + CaO
+ P2O5 + Ba + Cl + Cu + Mn + Sr + Zn, é formado
pelos elementos que apresentam teores mais elevados
nos horizontes A da TPA. Os mapas de isovalor mostram
uma clara relação desses elementos com a TPA,
principalmente no horizonte A1, onde estão os teores
mais elevados e os elementos principais desse grupo,
como CaO, MgO e P 2O 5. Os componentes desse
agrupamento apresentam maiores concentrações na
porção sul, principalmente a sudeste, comportando-se
de maneira inversa ao Fe2O3. Os elementos Zn, Mn e
Cu apresentam dois núcleos de maior concentração,
localizados a leste da TPA, margeando a Baía de
Caxiuanã.
O agrupamento III é representado pela
associação As-B-F-Y, não se correlacionando
positivamente com nenhum elemento químico principal
(Fe2O3, Al2O3 e SiO2).
A análise fatorial, por sua vez, forneceu três
fatores principais (89,29 da variância total), obtidos com Figura 14.1. Distribuição geoquímica global multielementar
base na carga dos fatores e correlação entre as variáveis indicando as áreas de domínio do F1, F3 e F2 no Sítio
(r = 0,34). No fator F1, incluem-se MgO, CaO, P2O5, Manduquinha.
Ba, Cu, Mn, Sr e Zn, que correspondem em grande
parte aos elementos típicos da TPA, distintos daqueles que esses elementos químicos constituem uma
que caracterizam os latossolos regionais não afetados associação típica de sítio arqueológico com TPA na
pela ocupação humana pré-histórica. A distribuição do Amazônia, relacionado com a atividade humana
fator F 1 ocupa a porção sul do sítio. O fator F 2 , pretérita. Os componentes químicos Fe2O3, Co, Cr, Ga,
discriminado por Na2O, As, Hg, Nb e Zr, separa áreas Hg, Pb e V mostram, por outro lado, um padrão
anômalas a oeste e leste, já fora do sítio, nitidamente independentemente da área do sítio, ou seja, comuns
mostrado no mapa de distribuição geoquímica dos teores às TPAs e áreas adjacentes. As maiores concentrações
de Na2O e As. Para os demais elementos, as análises estão situadas na porção norte, dispersando-se em
modo “R” e os mapas de isoteor não evidenciam direção ao sul, independente de tratar-se de TPA ou
claramente essa relação, aproximando-se mais do área adjacente. Conclui-se que esse grupo de elementos
comportamento do Fe2O3. O fator F3 discrimina a independe da atividade humana pretérita, embora tenha
associação Fe2O3, Ga, Cd, Co, Cr, Pb e V, indicando a sofrido sua influência, representando, na verdade, a
sua afinidade para a porção norte do sítio, concordante assinatura preservada dos solos originais.
com as áreas de maior teor dos elementos desse grupo. A partir dos dados etnográficos, verifica-se que
A Figura 14.1 sintetiza a distribuição geoquímica os resíduos orgânicos, como restos de alimentos,
multielementar em toda área investigada, assinalando folhas, sementes e casca de vegetais, são descartados
as áreas de domínios das assinaturas geoquímicas, onde e normalmente depositados desordenadamente nos
os fatores F1 e F3 se superpõem a F2, delineando o arredores ou dentro das habitações. Desse modo, os
Sítio Manduquinha (Kern, 1996). resíduos orgânicos podem ser considerados os
De modo geral, os perfis e mapas de distribuição responsáveis diretos pelo aumento de elementos
geoquímica dos teores de CaO, MgO, K2O, P2O5, B, químicos nas TPAs. Smith (1980), ao estudar a Terra
Ba, Cl, Cu, Mn, Sr e Zn mostram claramente maior Preta da Amazônia, atribuiu uma origem orgânica ao
concentração nas áreas das TPAs, distribuídos por toda fósforo e cálcio, a partir de fezes, urina, tecidos vegetais,
a porção sul e reduzindo-se para norte. Pode-se concluir animais e ossos. Os resíduos de origem vegetal

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

provavelmente são os principais fornecedores de zinco


e manganês para esses solos (Kern et al., 1999).
Com base nesses dados e na análise geoquímica
multielementar, elaborou-se o mapa hipotético de
assentamento da atividade humana pré-histórica no Sítio
Manduquinha (Figura 14.2), identificando áreas gerais
de atividades (Kern, 1996). As áreas com valores
anômalos de cálcio, magnésio e fósforo, a oeste do sítio,
indicam locais de descarte, principalmente de material
de origem animal (restos de alimentos). Anomalias de
cálcio, no limite sudoeste da TPA com a área adjacente,
foram interpretadas como depósitos de conchas utilizados
como alimentos, a exemplo de bolsões de conchas
encontrados em outros sítios arqueológicos da região.
Anomalias de zinco, manganês e cobre, a sudeste e
nordeste, podem estar relacionados com matéria orgânica
vegetal utilizada na cobertura e paredes das casas, como
mostram os dados etnográficos. Tais áreas foram
interpretadas como locais de habitações. Outras áreas
com teores relativamente baixos dos elementos típicos
da TPA foram identificados: na porção central, local da
provável praça e, por isso, deixado intencionalmente mais
limpo; a norte da TPA, servindo de acesso para a mata,
e, finalmente, a leste, dando acesso à Baía de Caxiuanã,
principal fonte de água para abastecimento do grupo. Figura 14.2. Distribuição espacial hipotética das áreas de
Nos últimos anos, apesar de várias pesquisas atividade no Sítio Manduquinha.
desenvolvidas nos sítios arqueológicos com Terra Preta,
não existe ainda um consenso quanto à sua gênese. localizam-se em um ambiente pouco impactado e ocupado
Uma das hipóteses mais plausíveis é a de que as TPAs por propriedades rurais com atividades agrícolas e pecuárias
seriam solos antrópicos formados não intencionalmente pouco expressivas. Entretanto, à medida que avança em
pelo homem pré-histórico, seguida da hipótese de que direção aos trechos mais urbanizados, o rio atravessa
sejam plaggem epipedon (formados intencionalmente). propriedades com intensa atividade agrícola e pecuária,
Para o estudo da gênese das TPAs, é necessária a indústrias, rodovias, lixões, cemitérios, abatedouros e
realização de pesquisas interdisciplinares, conforme núcleos urbanos densamente povoados e destituídos de
propôs Falesi (1972). Partindo desse princípio, um esgotamento sanitário. Nesse cenário, o rio não só recebe
grupo de especialistas de diversas áreas reuniu-se em a contribuição de efluentes e águas servidas de diversas
Manaus (AM) no International Workshop on origens, como também suas águas são usadas para vários
Anthropogenic Terra Preta Soils, em julho de 2002. fins, como balneação da população ribeirinha de baixa renda,
Durante o evento, foram selecionados temas-chave de dessedentação de animais e irrigação.
pesquisa em TPA, como classificação, origem, Essa situação, típica de drenagens que percorrem
distribuição, fertilidade, potencial para seqüestro de regiões metropolitanas, é particularmente preocupante
carbono, implicação do uso desse solo, seu potencial na medida em que o Rio Pitimbu representa o principal
para produção de alimentos e, finalmente, discussão manancial superficial alimentador da Lagoa do Jiqui,
sobre a possibilidade de replicagem de Terra Preta, responsável por cerca de 16% do abastecimento hídrico
denominada Terra Preta Nova. de toda a população de Natal ou, mais especificamente,
por cerca de 40% da água encanada para a Zona Sul da
4.2. Geoquímica Ambiental dos Sedimentos cidade. O presente caso resume os resultados de um
de Fundo do Rio Pitimbu - Natal (RN) levantamento químico-ambiental realizado a partir da
O Rio Pitimbu está inserido em um contexto análise dos sedimentos de fundo do Rio Pitimbu, com
ambientalmente impactado da Grande Natal (RN), o objetivo de diagnosticar o grau de poluição por metais
abrangendo os municípios de Macaíba, Parnamirim e pesados, ao longo de seus 35 km de extensão.
Natal. Suas nascentes, no Município de Macaíba, A amostragem de sedimento de fundo foi

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Quaternário do Brasil

realizada em 16 dias distribuídos ao longo do mês de A utilização de folhelhos como padrão de referência
outubro de 2000, a partir de 34 estações espaçadas justifica-se pelo fato de essas rochas apresentarem
aproximadamente a cada 1 quilômetro. Em cada uma, composição química e mineralógica semelhante à da
as amostras coletadas foram do tipo composto, fração granulométrica analisada nos sedimentos de
formadas por cerca de dez porções de sedimento de fundo do presente levantamento (menor que 0,063
fundo obtidas na parte central da calha do rio mm). Assim, amostras com teores acima da faixa
(sedimentos ativos), quatro delas coletadas em duplicata. encontrada em folhelhos foram consideradas
Para a análise dos elementos químicos, a fração anormalmente enriquecidas. Nos casos dos elementos
<0,063 mm foi escolhida, visto ser considerada como a químicos em que a literatura informa apenas a
faixa granulométrica com maior capacidade para regis- composição média dos folhelhos (por exemplo: Al), o
trar poluição química em amostras de sedimento (Birch valor máximo considerado normal foi tomado como
et al., 2001). Nessa fração, após ataque com água régia sendo igual a 1,5 vez o valor da média. Com base nesses
a quente, 36 elementos foram analisados por dados, foram computados para cada elemento químico
espectrometria de emissão atômica com fonte de plasma o número de estações de amostragem que ultrapassaram
(ICP/AES) e divididos em dois grupos. No primeiro gru- o valor de referência, obtendo-se, a partir daí, o número
po, estão os elementos químicos reconhecidos como de violações.
ambientalmente preocupantes por diversos órgãos de Observando-se a Tabela 14.1, nota-se que a
legislação e proteção ambiental nacional e internacional: maioria dos elementos não produz violações, com
Ag, Al, As, Ba, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, Hg, Li, Mn, Mo, Ni, exceção da Hg, Pb e Te, com maior número de violações
Pb, Sb, Sn, Te, V e Zn. Estão presentes nesse grupo os (quatro) e considerados ambientalmente preocupantes.
chamados metais pesados. O segundo grupo reúne ele- As fontes antropogênicas desses elementos podem ser
mentos químicos sem implicações ambientais unanime- combustíveis fósseis, especialmente aditivos, metais
mente comprovadas, mas que dão informações sobre industrializados, produtos de borracha, baterias, tintas
processos geogênicos, bem como sobre modificações e pigmentos, agrotóxicos, lixos, esgotos industriais e
desses processos ao longo do tempo, inclusive por cau- domésticos (Cooper & Thornton, 1994) presentes no
sas antropogênicas. São eles Bi, Ca, Ga, K, La, Mg, Na, percurso do Rio Pitimbu.
Nb, S, Sc, Sr, Ta, Ti, W, Y e Zr. Além dos elementos A Figura 14.3 mostra os diagramas de variação
químicos, foram analisados pesticidas organoclorados e dos elementos Cu e Cr, onde a identificação de cada
organofosforados e bifenilas policloradas. elemento está acompanhada do valor de referência
A análise das amostras em duplicata visou a estabelecido a partir da composição de folhelhos. Nos
aplicação da técnica estatística de análise hierárquica de casos em que o valor de referência está dentro da faixa
variância, para avaliação da precisão de amostragem e dos valores obtidos para as amostras desse
analítica (Sokal & Rohlf, 1981), tendo-se constatado que levantamento, esse limite está representado por uma
a variabilidade associada aos procedimentos de coleta e linha tracejada (caso do Cu). Nas situações em que o
laboratório não afeta de forma significativa a variabilidade valor de referência está acima da faixa dos valores
total dos dados. Isso significa que a variabilidade entre obtidos, há representação por uma seta após a
estações de amostragem corresponde à variabilidade identificação do elemento (caso do Cr).
dominante nos dados, atestando a adequabilidade dos Para vários dos elementos químicos, observa-se
resultados analíticos aos propósitos para os quais o um padrão muito irregular de variação de teores ao longo
levantamento químico-ambiental foi realizado. do rio, com todos os valores abaixo do respectivo valor
A Tabela 14.1 apresenta um sumário dos de referência (caso de Cr e Fe), sugerindo um controle
resultados analíticos para as 34 estações de amostragem. dominantemente geogênico na distribuição desses
Três elementos químicos —Sn, Ta e W— forneceram elementos. Outros elementos mostram uma tendência
resultados analíticos menores que os limites de detecção nítida de elevação de teores em direção ao trecho mais
em todas as amostras coletadas. No caso dos demais inferior do rio (caso de Al e Ni). Esse trecho mais inferior,
elementos químicos, o valor mínimo e a média aritmética particularmente das estações 6 a 1, é caracterizado por
foram obtidos substituindo-se os teores menores que obras de dragagem e retificação do curso do rio. A
os limites de detecção pela metade destes. movimentação e a redistribuição de sedimentos têm o
A Tabela 14.1 mostra a composição de folhelhos potencial de alterar as condições físico-químicas nas quais
(Govett, 1983; Mason & Moore, 1982) usados como os sedimentos estavam originalmente depositados,
referência para avaliar-se o grau de enriquecimento dos expondo-os a novas condições de mobilidade, dispersão
diversos elementos químicos nos sedimentos analisados. e precipitação, podendo causar enriquecimento nos

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

Tabela 14.1. Sumário numérico dos parâmetros analíticos em sedimentos de fundo de 34 estações de amostragem no Rio
Pitimbu, Natal (valores extraídos de Govett,1983; Mason & Moore, 1982).

Parâmetros Limite de Sumário numérico Composição de folhelhos* 1,5 vez a Número de


analíticos detecção Valor Valor Média Faixa Média média de violações
LD <LD mínimo máximo folhelhos
%
Al 0,01 0 0,50 6,99 2,48 8 12 0
Fe 0,01 0 0,09 5,99 1,73 4,72 7,08 0
Ca 0,01 0 0,02 0,61 0,13 2,21 3,315 0
K 0,01 3 0,005 0,070 0,021 0,008-7,06 2,66 0
Mg 0,01 0 0,01 0,17 0,05 1,5 2,25 0
Na 0,01 8 0,005 0,050 0,016 0,1-9,2 0,96 0
S 0,01 0 0,02 0,47 0,10 0,24-6,90 0,3 0
Ti 0,010 3 0,005 0,046 0,022 0,42-0,64 0,46 0
ppm
Ag 0,2 31 0,1 2,7 0,185 0,07 0,105 3
As 1 17 0,5 3,8 1,171 3,2-18 13 0
Ba 1 0 21 350 119,68 83-866 580 0
Bi 0,2 27 0,1 0,7 0,174 0,4 0,6 1
Cd 0,2 26 0,1 1,6 0,224 <0,30-2,60 0,22 0
Co 1 3 0,5 9,0 4,162 11-22 19 0
Cr 1 0 13 109 59,35 35-185 90 0
Cu 1 0 6 109 23,12 21-67 45 1
Ga 2 0 2 20 11,38 19 28,5 0
Hg 0,010 1 0,005 9,798 0,463 0,4 0,6 4
La 1 0 4 171 22,15 24 36 3
Li 1 0 1 10 4,26 4-400 61 0
Mn 1 0 7 145 38,32 130-820 670 0
Mo 1 5 0,5 6,0 1,809 2,6 3,9 2
Nb 1 3 0.5 16,0 4,485 13,3-20,1 11 0
Ni 1 0 5 30 14,59 20-90 68 0
Pb 2 0 8 130 25,26 17,6-28 20 4
Sb 0,2 22 0,1 2,2 0,212 0,1-3,0 1,5 0
Sc 5 29 2,5 8,0 3,132 13 19,5 0
Sn 20 todas 10 10 10 2,5-19 6 0
Sr 1 1 0,5 38,0 9,956 20-360 300 0
Ta 10 todas 5 5 5 2 3 0
Te 10 30 5 16 5,94 0,01 0,015 4
V 1 0 8 186 61,32 98-260 130 0
W 20 todas 10 10 10 1,5-3,8 1,8 2,7 0
Y 1 1 0,5 22,0 5,926 26 39 0
Zn 1 0 6 303 40,97 46-197 95 1
Zr 1 0 1 24 8,47 160 240 0

sedimentos de fundo, incluindo os metais pesados elementos Ag, Cd, Cu, Mo, Pb, Sb, Zn, Bi e S,
(Christensen, 1998; Stephens et al., 2001). A presença aparecendo, entretanto, de forma menos destacada para
nesse grupo dos elementos Al, Ga, La, Sc, Y e Zr, cuja outros elementos. Nos casos do Cu (Figura 14.3), Ag,
mineralogia de suporte está tipicamente ligada a minerais Mo, Pb, Zn e Bi, seus picos alcançam concentração
formadores da matriz sedimentar, testemunha o possível superior ao respectivo valor de referência dos folhelhos,
efeito de enriquecimento de elementos químicos causado enquanto que, para Cd, Sb e S, seus picos não chegam
pela movimentação de sedimentos. a alcançar o respectivo valor de referência (ver Tabela
Entre os elementos com picos individuais 14.1). Independentemente da magnitude desses picos
elevados nos diagramas de variação, destacam-se em relação ao referencial, sua ocorrência é
aqueles com picos exclusivamente na estação 14, particularmente preocupante, pois representam situações
nitidamente distintos da faixa de variação bem mais baixa completamente adversas em relação ao padrão geral dos
das demais estações. Esse fato é denotado para os sedimentos de fundo dos demais trechos do rio. É

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Quaternário do Brasil

Figura 14.3. Diagramas de variação de Cu e Cr nas estações de amostragem, no sentido da nascente (34) para a foz (1)
do Rio Pitimbu. Entre parênteses está indicado o valor máximo considerado como normal. A linha tracejada horizontal
(caso do Cu) indica que o valor máximo está dentro da faixa dos teores obtidos. A seta (caso do Cr) indica que o valor
máximo está acima da faixa dos teores obtidos para as amostras.

importante frisar que a estação 14 situa-se imediatamente referência dados da literatura mundial (Yuan et al., 2001;
a jusante de uma indústria de papel, de modo que os Zhou et al., 2001).
teores elevados nessa estação estão relacionados a Os dados analíticos obtidos em sedimentos de
resíduos sólidos e líquidos descartados por essa indústria fundo do Rio Pitimbu mostraram elevações significativas
no Rio Pitimbu, fato observado durante a coleta das e preocupantes quanto ao teor de metais pesados em
amostras no local. Na literatura mundial, a indústria de determinados pontos do rio, geralmente nas proximidades
papel é responsabilizada por diversos tipos de impacto de rodovias, instalações industriais, obras de dragagem e
ambiental, inclusive pela adição de metais pesados em canalização do leito do rio, dentre outros fatores. Tais
drenagens e outros compartimentos ambientais (Cooper anomalias representam a adição direta de metais pesados
& Thornton, 1994). ao sistema hídrico ou, alternativamente, manifestam o
Valores destacadamente elevados também são efeito de modificações físico-químicas impostas aos
observados para os elementos As, Cd, Fe e Zn na estação ambientes naturais, as quais favorecem a acumulação
15, situada sob a ponte da Rodovia BR-304 (Figura 14.5). anormal de metais pesados geogênicos, já naturalmente
A existência desses valores pode ser atribuída à presentes no ambiente. Essas evidências indicam a
contaminação relacionada com o intenso tráfego na rodovia necessidade de se intensificar a adoção de medidas
e à existência de diversas indústrias nas proximidades, preventivas e punitivas por parte dos órgãos ambientais,
particularmente na margem esquerda do afluente, onde bem como a investigação detalhada quanto ao grau de
estão situadas as estações 16 e 17. Particularmente na biodisponibilidade desses elementos.
estação 17, os elementos Cd, Mo, Ni, V e S mostram Em seu conjunto, o estudo mostrou que os
picos elevados, com destaque para o Mo, cujo teor está sedimentos de fundo das drenagens constituem um
acima do máximo definido na Tabela 14.1. material adequado para diagnosticar a poluição química
Para o caso dos poluentes orgânicos analisados das bacias hidrográficas. Normalmente, nesse tipo de
(pesticidas e bifenilas), seus teores foram todos menores levantamento, as águas registram as condições mais
que o respectivo limite de detecção do método analítico, passageiras dos impactos sobre a qualidade do sistema
dentro da faixa de valores observadas em áreas com hídrico, ao passo que os sedimentos de fundo fixam as
impacto mínimo ou não impactadas, usando-se como formas mais persistentes de poluição. No caso deste

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

estudo, os metais ainda estão retidos nos sedimentos de elementos-traço.


de fundo e virtualmente ausentes nas águas do rio A técnica de Espectrofotometria de Emissão com
(Guimarães Segundo & Melo Jr., 2002). Entretanto, Plasma (ICP/AES) foi utilizada para determinação
com a continuidade do processo de enriquecimento em simultânea de elementos como Al, Fe, Ti, Ca, Mg, P,
metais, estes deixarão de ser retidos pelos sedimentos Mn, Zn, Co, Ni, Cr, Be, Cu, Mo, Zr, Y, Ba, V, Be, Sr e
quimicamente saturados e estarão disponíveis para a Cd, respeitando os limites de detecção, ou seja, foi
biota do Rio Pitimbu. utilizado o limite de quantificação equivalente a dez vezes
o limite de detecção. Por isso, os elementos com
4.3. Caracterização Geoquímica dos concentrações abaixo do limite foram excluídos da
Sedimentos das Bacias Hidrográficas do Distrito planilha de dados. A Espectrofotometria de Absorção
Federal Atômica (AAS) foi usada para determinação direta de
Este trabalho iniciou-se em 1995 e está Na e K. Por geração de vapor frio, foi determinado
relacionado com o gerenciamento de bacias também o elemento Hg em grupos específicos de
hidrográficas do Distrito Federal (DF), onde foram amostras.
estudados os sedimentos de corrente em mais de 450 De uma maneira geral, os sedimentos estudados
pontos de coleta. Atualmente, estão disponíveis cerca mostraram homogeneidade geoquímica, com raras
de 17.000 dados básicos obtidos a partir de ocorrências de indícios de alteração ambiental. As
determinações multielementares. Padrões de distribuição avaliações dos resultados foram realizadas com base
de metais pesados e elementos-traço, como nos dados da Reserva Ambiental do Roncador (Instituto
discriminadores ambientais, foram avaliados para todo Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE) e do Parque
o DF, em especial para as bacias dos rios Descoberto e Nacional de Brasília (PNB), que funcionaram como áreas
São Bartolomeu. de controle, escolhidas por apresentarem características
Na Bacia do Rio Descoberto, a região mostra litológicas e vegetais semelhantes, com reduzida
um acentuado processo de alteração ambiental em possibilidade de contaminação por ação antrópica. Assim,
função da urbanização. A área de estudo localiza-se a procurou-se avaliar o comportamento geoquímico dos
oeste do Distrito Federal, constituindo uma região elementos determinados, levando-se em consideração
densamente povoada. Na Bacia do Rio São Bartolomeu, todas as possíveis alterações decorrentes de processos
localizada no centro-oeste do DF, foram realizados naturais ou não.
estudos de avaliação de elementos-traço e metais no Entre os elementos estudados, os que
sistema Sobradinho, Mestre D’Armas e Pipiripau apresentaram concentrações mais elevadas foram Fe e
Corumbá. Nessa região, ocorre forte pressão Al, cujos altos teores podem ser atribuídos à própria
ocupacional e o governo local pretende captar água para natureza das rochas locais, extremamente
abastecimento público. intemperizadas. Geoquimicamente, esses dados são
Para servir como base de comparação entre compatíveis com a mineralogia das amostras estudadas.
concentrações naturais e antrópicas, foram selecionadas Os resultados de difração de raios X mostraram que os
áreas de controle ambiental dentro do Distrito Federal, sedimentos analisados apresentam maiores
supostamente isentas de qualquer contaminação. Os concentrações em minerais de quartzo, caolinita, gibsita
procedimentos seguiram uma metodologia de análise e muscovita, considerados, portanto, mais significativos.
desenvolvida pelo Laboratório de Geoquímica da Em menores proporções, foram encontrados rutilo e
Universidade de Brasília (Boaventura, 1991). clinoclorita de ferro, com pouco significado para
Foi utilizada a amostra de referência geoquímica caracterizar a geoquímica dos sedimentos do Distrito
internacional (padrão internacional) do National Institute Federal. A homogeneidade geoquímica observada na
of Standards and Technology (NIST) - San Joaquim área indica condições de preservação ambiental ainda
Soil. A seleção do padrão de controle de qualidade satisfatórias, estando os maiores problemas relacionados
baseou-se nas características mineralógicas semelhantes com a urbanização e as atividades agrícolas de diferentes
à mineralogia do DF. Essa amostra foi usada para estudo pontos do Distrito Federal.
de interferências causadas pelos elementos maiores e No estudo, foi possível identificar os elementos
para garantir o controle analítico dos resultados. Deve Si, Al, Fe, Ca, Mg, Na, K e Ti como sendo os principais
ser observado que, para os elementos Sr, La, Y, V, Ni, constituintes de importância geoquímica nas diferentes
Cu, Cr, Mn, Ba, Co, Zn e Hg, os resultados são bastante bacias do DF, tanto para sedimentos como para água.
compatíveis e estão dentro dos limites esperados por Em relação aos elementos-traço, os de maior significado
qualquer técnica analítica utilizada para determinação geoquímico relacionado aos processos naturais foram

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Quaternário do Brasil

Sr, La, V, Y, Ni, Cu, Cr, Mn, Ba, Co e Zn. Podem ainda existem fortes indícios de risco ambiental nas áreas sob
ser acrescentados os elementos Mo, Pb e Zr, que pressão ocupacional para novos centros residenciais.
apresentaram concentrações dentro dos limites de
quantificação da metodologia analítica utilizada. Bacia do Rio São Bartolomeu. A Bacia do Rio São
A contribuição antrópica para o processo de Bartolomeu é densamente povoada e corresponde a
alteração superficial foi estudada a partir da avaliação 62,5% da área da região centro-oeste do Distrito Federal.
das atividades agrícolas, mineradoras, industriais e As sub-bacias dos Ribeirões Sobradinho, Mestre
urbanas. Para avaliar a integridade e os efeitos das D’Armas e Pipiripau, afluentes do Rio São Bartolomeu,
alterações ambientais geradas pelos processos físicos foram os alvos das coletas de amostras de sedimento.
e químicos no DF, alguns elementos-traço mostraram- Pinelli (1999) realizou nessa bacia um estudo para
se mais representativos. A Tabela 14.2 mostra as determinação dos elementos Ti, Ca, Mg, Fe, Al, Na, K,
principais fontes observadas e os elementos químicos P, Sr, La, V, Y, Ni, Cu, Cr, Mn, Ba, Co e Zn, após
(maiores e traços) mais significativos para avaliação dos decomposição total com HF/HNO 3/HCl, além da
riscos para o ambiente. extração seqüencial dos elementos Pb, V, Ni, Zr, Cu,
Na Tabela 14.2, pode-se observar que alguns ele- Cr, Mn, Ba, Co e Zn.
mentos aparecem em mais de um grupo. Esse fato é acei- Para avaliar os processos naturais atuantes na
tável em função das suas características individuais em re- área, foi utilizado o índice de impacto geológico definido
lação aos aspectos geoquímicos e hidrogeológicos e, prin- pela soma dos valores encontrados para os elementos,
cipalmente, em função das suas propriedades químicas. Nes- conforme a equação: IGEO = [Cr/Al] + [V/Al]. Na
sas situações, a avaliação dos dados deverá levar em consi- definição do índice, Pinelli (1999) utilizou como
deração tanto o processo de acumulação do elemento na referência os valores normalizados de Cr e V pelo Al,
sua principal fonte, quanto às características locais obser- seguida de avaliação da matriz de correlação para seleção
vadas durante o processo de coleta de amostras. dos elementos, usando-se amostras de referência de
Na avaliação final, os elementos foram divididos área conhecida. Ao final, foi possível avaliar aspectos
em três grupos principais, de acordo com a concentra- relacionados com processos geoquímicos e antrópicos.
ção. A integridade foi definida como sendo “área de acu- Os resultados da decomposição total permitiram
mulação”, para concentrações acima do limite máximo a separação dos elementos em quatro grupos. O primeiro
observado, “área estável” para as concentrações dentro é formado por Cr, Ti, V e Fe; o segundo, por Ca, La,
da faixa observada e, finalmente, “área de concentração Co, P, Ni, e Cu; o terceiro, por Mg, Sr, Zn e Y; e o
residual”, para as concentrações abaixo do limite inferior quarto, por Mn, K, Na e Ba. Paralelamente, foi
da faixa encontrada para cada elemento. estabelecido o índice de contribuição geológica para a
Constatou-se que a acumulação está relacionada área com o intuito de discriminar os impactos de origem
principalmente com as atividades urbanas e, em menor antrópica ou geológica. As áreas urbanas foram
grau, com a agricultura. As alterações geoquímicas para responsáveis pela maior quantidade de alterações, ou
os elementos Ti, Ca, Mg, Fe, Al, K, Sr, Ni, Cu, Cr, Mn, seja, a ocupação urbana é hoje a principal responsável
Zn e, em alguns casos, P mostrou estar relacionada com pelas alterações ambientais observadas na região, com
a utilização agrícola intensiva, mas principalmente su- destaque para o Ribeirão Sobradinho, que apresentou
bordinada aos efeitos decorrentes da ocupação urbana os resultados com maior alteração, e para a Sub-bacia
mal planejada. Não foram observadas acumulações de do Pipiripau, com a menor.
elementos danosos ao ser humano, tendo-se registrado
apenas algumas alterações geoquímicas como fenôme- Bacia do Rio Descoberto. O Rio Descoberto é um dos
nos mais significativos. Observou-se, entretanto, que grandes reservatórios de água do Distrito Federal, sendo
Tabela 14.2. Principais fontes de contribuição de elementos químicos e sua origem no sistema água/sedimento nas
bacias hidrográficas do Distrito Federal.
Fonte de origem Elementos químicos
Água Sedimento
Processos naturais Sr, La, V, Y, Ni, Cu, Cr, Mn, Ba, Co, Zn, Mo, Pb, Sr, La, V, Y, Ni, Cu, Cr, Mn, Ba, Co, Zn, Si, Al,
Zr, Si, Al, Fe, Ca, Mg, Na, K e Ti Fe, Ca, Mg, Na, K e Ti
Atividade agrícola Cd, V, Zn, Cu, P, Mn, Ca, Mg, K e Pb Mn, V, Zn, Cu, Mn, Ca, Mg, K, P e Pb
Ocupação urbana Cd, Cu, V, P, Pb, Mo, Zn, Co, Cr, Al, Fe, Ti e Ni Cd, Cu, V, Pb, Mo, Zn, Co, Cr, Al, Ti, P e Ni

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

responsável por aproximadamente 70% de seu da ocupação humana na área estudada.


abastecimento. Está inserido na Bacia do Paraná e ocupa Os estudos realizados no DF até o momento
uma área de 896 km2, 84% dos quais no DF e 16% no constituem uma base para o desenvolvimento e a
estado de Goiás. O afluente mais importante é o Rio ampliação do conhecimento sobre os sedimentos em
Melchior, que nasce a oeste das cidades de Taguatinga, regiões de cerrado, principalmente na região centro-
Ceilândia, Samambaia e Águas Claras no DF, sofrendo oeste do Brasil, que possui aspectos geológicos e
deles influência na forma de esgotos domésticos sem pedológicos semelhantes aos encontrados na área do
tratamento (Ribeiro et al., 2000). Distrito Federal.
Para a realização dos estudos, foram coletadas
24 amostras de sedimento de corrente nos meses de 4.4. Distribuição do Arsênio nos Sedimentos
outubro de 1999 e março de 2000. Após a secagem e a do Quadrilátero Ferrífero e sua Influência na
preparação das amostras, foi efetuada a determinação Qualidade das Águas Superficiais e nos Solos das
dos elementos-traço Ba, Cr, Cu, Mn, Ni, P, V, La, Co, Bacias de Inundações
Zn, Sr e Y (decomposição ácida: HF/HNO3/HclO4/HCl; A exploração aurífera no Quadrilátero Ferrífero
Boaventura, 1991), dos elementos maiores Si, Ti, Al, (QF), Minas Gerais, teve início no século XVII e deixou
Fe, Ca e Mg (depois da fusão: metaborato de lítio; como herança passivos ambientais representados pelo
Boaventura, 1991) e de análise granulométrica. assoreamento das drenagens, contaminação por arsênio
Os resultados indicaram que as amostras (As) de solos, sedimentos e águas superficiais, e por
possuem predominância da fração granulométrica de pilhas de rejeitos, muitas das quais localizadas às
140 a 630 mm, que corresponde às frações de areia margens das linhas d’água. Além da contaminação
média a fina. Os resultados dos constituintes maiores e ambiental, Matschullat et al. (2000) encontraram o As
dos elementos-traço apresentaram concentrações mais na urina de crianças das comunidades locais, com idades
elevadas para P, Ba e Mn, com valores médios nas duas entre 7 e 12 anos.
coletas, respectivamente, de 754 e 561 mg.g-1 para P e A mineração do ouro no QF iniciou-se nos
246 e 227 mg.g-1 para Mn. Em alguns pontos, foram aluviões do Rio do Carmo, onde hoje é a Cidade de
observados valores de até 1815 mg.g-1 para Mn e 2806 Ouro Preto, e se espalhou por vários locais da região.
mg.g-1 para P (Carmo, 2001). Com o esgotamento dos aluviões, houve a busca de
Os elementos La, V, Cr e Zn possuem outras fontes, iniciando-se a lavra de minério oxidado e
concentrações médias na faixa de 21 a 79 mg.g-1. Para sulfetado. Ao longo de 300 anos de mineração, os rejeitos
Sr, Ni, e Cu, os resultados médios ficaram em torno de lavra e o beneficiamento do minério provenientes da
dos 20 mg.g -1 ± 7 mg.g -1 . Os resultados foram produção, de cerca de 600 t de ouro, foram descartados
semelhantes aos encontrados por Pinelli (1999), como diretamente nos rios e córregos, o que implicou no
conseqüência da presença de efluentes domésticos de lançamento nessas drenagens do QF de cerca de
área urbana e de resíduos de defensivos agrícolas. 150.000 t de As contido nos rejeitos (Borba et al., 2000).
Em termos de correlações entre os elementos, No minério aurífero sulfetado do QF, o As ocorre sob
foi possível observar que Mg, Al, Ti, K, Sr, Ni, Cu, Cr, a forma do mineral arsenopirita (FeAsS) ou como
Co e Zn são fortemente correlacionados com o Fe e o impureza na pirita (FeS2). Nas rochas e nos minérios
Mn. Assim, as formas oxi-hidróxidos de Fe/Mn podem oxidados, o mineral escorodita (FeAsO4.2H2O) é o
ser um dos mecanismos de adsorção desses elementos principal portador de As e a goethita também pode conter
nas frações de 60 a 0,2 mm dos sedimentos de corrente. esse elemento adsorvido ou como impureza. Neste
A correlação entre os elementos Y, V, Cr e Fe nas duas estudo de caso, é descrita a distribuição do As nos
coletas e o elemento Al mostrou a associação com a sedimentos dos principais distritos auríferos do QF e
geologia da área. Para os elementos P, Ca, K, Na e Ba, sua influência, principalmente na qualidade das águas
o comportamento foi inverso, ou seja, origem associada superficiais e no solo. Essa síntese está baseada nos
a ações antrópicas. trabalhos de Borba et al. (2000, 2002).
A Figura 14.4 mostra as concentrações de Hg Os resultados apresentados provêm de duas cam-
nos sedimentos da Bacia do Rio Descoberto em panhas de campo no QF (abril/98-julho/99). Foram
diferentes pontos. O resultado médio ficou próximo de coletadas amostras de água, sedimento e minério (oxida-
0,75 ppm. Os valores são compatíveis com os do e primário) nas regiões de Nova Lima (Bacia do Rio
encontrados em sedimentos de outras regiões. O das Velhas), Ouro Preto-Mariana (Bacia do Rio do Carmo)
mercúrio mostrou associação com materiais voláteis, e Santa Bárbara (Bacia do Rio da Conceição).
especialmente matéria orgânica, mostrando a influência Em cada ponto de coleta, foram medidos in situ

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Quaternário do Brasil

Figura 14.4. Distribuição do mercúrio nos sedimentos de corrente na Bacia do Rio Descoberto, durante a época
chuvosa (Fonte: Carmo, 2001).

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

pH, Eh e coletadas amostras de água não filtradas e filtradas presente nos sedimentos. Nas bacias dos rios das Velhas e do
(0,45 mm) e de sedimentos. A alcalinidade total do bicarbo- Carmo, as maiores concentrações desse elemento nas águas
nato das amostras de água foi determinada por titulação. O superficiais, que alcançam até 350 mg/L de As, ocorrem nos
As dissolvido foi determinado em amostras filtradas por locais que possuem as maiores concentrações de As nos
geração de hidretos acoplada à Espectrofotometria de Ab- sedimentos. Os minerais encontrados nos sedimentos,
sorção Atômica (HG-AAS). Os sedimentos naturalmente goethita, hematita e caulinita, são capazes de adsorver As em
secos foram peneirados e nas frações granulométricas in- suas superfícies. A adsorção de cátions e ânions nas superfí-
feriores a 63 mm foram realizados estudos mineralógicos cies dos minerais é controlada pelo ponto de carga zero (pHpzc)
por DRX e determinados os conteúdos dos elementos mai- do mineral e pelas condições de pH do meio. Como o As
ores, menores e traço por FRX. Em algumas amostras, a ocorre na forma de oxiânions (H2AsO4- e HAsO22-) nas con-
disponibilidade do As foi avaliada utilizando-se os métodos dições de pH-Eh das drenagens do QF, sua adsorção nas
de Terashima & Taniguchi (1998) e Total Characteristics superfícies dos minerais ocorre quando o balanço de cargas
Leaching Procedure (TCLP) da United States Environmental superficiais é positivo, o que acontece quando o pH do meio
Protection Agency (U.S. EPA) (Anon, 1986). é inferior ao pHpzc dos minerais. O pHpzc para a goethita situa-
Os rejeitos ricos em arsênio lançados nas drena- se entre 6 e 7, para a hematita, entre 4 e 7 e, para a caulinita,
gens ou estocados em suas proximidades foram dispersos superior a 4,6. Nas atuais condições de pH das drenagens
ao longo dos leitos dos rios com o passar do tempo. As das bacias do Quadrilátero Ferrífero, 6<pH<8 (Tabela 14.3),
maiores concentrações de As nos sedimentos do QF ocor- os minerais que ainda teriam condições de conter o As
rem nas proximidades das minas dos principais distritos adsorvido em suas superfícies seriam a goethita e a hematita,
auríferos, situados nas bacias dos rios das Velhas (Distrito porém, mesmo nesses casos, já seria possível a ocorrência
de Nova Lima), do Carmo (Distrito de Ouro Preto- da desorção do semimetal. O soterramento dos sedimentos,
Mariana) e da Conceição (Distrito de Santa Bárbara), al- devido ao assoreamento das bacias, ameniza a situação mo-
cançando até 4.000 mg/kg de As (Figura 14.5 e Tabela mentaneamente, retardando a liberação do As para a água
14.3). Além dos rejeitos lançados nas drenagens, ainda superficial, mas não resolve o problema. Mudanças nas con-
ocorre, atualmente, o aporte de sedimentos contaminados dições físico-químicas dos sedimentos podem incrementar a
devido à erosão das pilhas de rejeito e de solos que con- liberação de As. A degradação de matéria orgânica presente
têm As proveniente da oxidação natural das rochas porta- nos sedimentos, devido ao lançamento dos esgotos não tra-
doras de minerais de arsênio. O aporte natural de As nas tados nos rios, pode provocar a formação de um ambiente
drenagens ocorre mesmo em locais onde não há influên- redutor com dissolução de oxi-hidróxidos de ferro e liberação
cia de sedimentos provenientes de regiões com de As adsorvido. Por outro lado, num ambiente oxidante,
mineralizações auríferas (Figura 14.5), configurando a outra possibilidade seria a continuidade da oxidação de sulfetos,
existência de uma extensa anomalia natural de As no QF. com liberação de As, ou ainda uma competição entre o fósfo-
Os sedimentos das três bacias apresentaram ro, presente nos esgotos, e o As pelos sítios de adsorção dos
uma composição mineralógica semelhante em relação oxi-hidróxidos de ferro. A escavação dos sedimentos por
aos principais minerais —quartzo, caulinita, goethita e garimpeiros ou para outra finalidade qualquer pode provocar
hematita, os mais encontrados nos sedimentos. Em um aumento da liberação de As para as águas superficiais.
testes de extração seletiva e geodisponibilidade aplicados Além da qualidade da água, os solos também são afetados
em algumas amostras de sedimentos das bacias dos pelos sedimentos: durante as cheias, os sedimentos contami-
rios das Velhas e do Carmo, houve a liberação de 1 a nados com arsênio depositam-se nas bacias de inundação
4% de As em relação à concentração total do elemento dos rios, conforme foi constatado nas margens do Rio do
nas amostras, o que significa que um máximo de 196 Carmo, dando origem a solos férteis e ricos em As.
mg/kg de As é trocável ou biodisponível. Os testes Em virtude da presença de arsênio nos sedimentos
também indicaram que o As trocável ou geodisponível dos rios, nos solos, nas rochas e nas águas superficiais e
estava preferencialmente ligado aos oxi-hidróxidos de subterrâneas, torna-se evidente que deve haver um contro-
Fe-Mn, o que é condizente com a presença desse mineral le específico para a concentração do semimetal nas águas
nos sedimentos na forma de goethita. Entretanto, em utilizadas pelo abastecimento público. Em muitas amostras,
algumas das amostras com elevadas concentrações de foi superado o limite máximo recomendado pela Organiza-
As, especialmente as da Bacia do Rio do Carmo, também ção Mundial de Saúde de As na água para consumo huma-
havia concentrações significativas de enxofre (S), o que no, que é de 10 μg/L de As, valor também adotado no Brasil
pode indicar a presença de sulfetos portadores de As pela Portaria nº 1.469 da Fundação Nacional da Saúde
nos sedimentos que não foram detectados pela DRX. (FUNASA), de dezembro de 2000. Os aqüíferos hospeda-
A qualidade da água dos rios é influenciada pelo arsênio dos em sedimentos do Quaternário apresentam possibilida-

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Quaternário do Brasil

Figura 14.5. Distribuição do arsênio nos sedimentos das drenagens do Quadrilátero Ferrífero. Dados compilados de
Oliveira et al. (1979), Eleutério (1997) e Borba et al. (2002) (Fonte: Borba et al., 2002, modificado).

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

Tabela 14.3. Composições químicas de amostras de sedimentos e águas das bacias hidrográficas dos distritos auríferos
do Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais.
SEDIMENTOS
Elementos Bacia do Rio das Velhas Bacia do Rio do Carmo Bacia do Rio Conceição
químicos (N=17) (N=14) (N=9)
Média DP Mín. Máx. Média DP Mín. Máx. Média DP Mín. Máx.
As (mg/kg) 583 829 34 2.830 819 1.159 105 4.709 85 42 29 153
S (%) 904 899 266 4.159 1.247 1.099 2 3.428 342 159 185 707

ÁGUAS SUPERFICIAIS
Elementos Bacia do Rio das Velhas Bacia do Rio do Carmo Bacia do Rio Conceição
químicos (N=13) (N=12) (N=14)
Média DP Mín. Máx. Média DP Mín. Máx. Média DP Mín. Máx.
As (μg/L) 67 96,5 0,8 350 23 11 7 43 10 19 2 74
pH 6,9 0,59 6,2 7,9 7,4 0,24 6,9 7,8 6,3 0,9 4 7,5
Eh (mV) 174 48,5 85 230 197 21,5 172 240 327 43 130 300
Nota: DP = desvio padrão; Mín. = valor mínimo; Máx. = valor máximo; N = número de amostras.

des reais de contaminação por As, especialmente aqueles geoquímica multielementar (Darnley et al., 1995). O
situados nas proximidades de locais onde há ou houve pro- Levantamento Geoquímico Multielementar de Baixa
dução de ouro. Esses sedimentos foram contaminados tan- Densidade do Estado do Paraná, executado no período
to devido ao descarte secular de rejeitos diretamente nas 1994-1996, coordenado pela empresa Minerais do
drenagens ou quanto por seu estoque ao lado delas, como Paraná S.A. (MINEROPAR) em cooperação com a
também pela oxidação natural durante o intemperismo das Secretaria de Estado da Indústria e Comércio do Paraná,
rochas portadoras de altas concentrações de As na região. a Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão
Em caso de utilização de água desses aqüíferos, um estudo Rural (EMATER/PR) e a CPRM, obedeceu aos padrões
geoquímico detalhado dos sedimentos que os hospedam e estabelecidos pelo IGCP 259/360.
o monitoramento periódico e constante da qualidade da água O Levantamento Geoquímico Multielementar do
em relação ao As são indispensáveis. Estado do Paraná coletou amostras de sedimentos fluviais
Outro risco potencial de acidentes ambientais no QF em 697 bacias hidrográficas, proporcionando uma cober-
está relacionado com a contaminação de solos das bacias tura completa dos 200.000 km2 do território paranaense.
de inundação por sedimentos que contêm As, solos eventu- O estudo visou identificar os indicadores de poluição ur-
almente utilizados para agricultura, moradia e lazer. O bana e industrial por meio de estudos de geoquímica
gerenciamento ambiental desse problema requer a realiza- ambiental, com base em levantamentos geológicos,
ção de um mapeamento geoquímico no QF para a localiza- hidrológicos e diagnósticos sobre a degradação ambiental.
ção e o monitoramento de todos os locais com solos e Porções dessas amostras de sedimentos ativos de
sedimentos contaminados por As e de pilhas de rejeitos de drenagem foram agrupadas de forma a representar 39 cé-
minério ou de processos industriais, relativos ao refino do lulas regulares do GGRN (Licht et al., 1996). A fração <80
ouro, produzidos no passado e no presente. Em paralelo, mesh (0,162 mm) das 39 amostras compostas foi subme-
recomenda-se a orientação da população local sobre a in- tida à análise geoquímica para 68 elementos ou compostos.
conveniência de certos hábitos no consumo de água e utili- A complexidade e a heterogeneidade da base de
zação de solos em locais contaminados pelo As, e a dados (geologia, hidrografia, solos, densidade
implementação de programas de mitigação e remediação populacional, culturas agrícolas, rede urbana e malha
ambientais de baixo custo nas áreas contaminadas. rodoviária) exigiram a construção de um Sistema de
Informações Geográficas - SIG, baseado em um modelo
4.5. Compartimentação do Estado do Paraná misto (vetorial e raster). A homogeneização das bases
Baseada na Geoquímica de Sedimentos Fluviais de dados foi obtida pela transformação e migração para
O International Geological Correlation Project uma malha de 7.874 pontos (lattice) espaçados de 4.955
IGCP 259/360 - Global Geochemical Baselines m (na direção E-W) e 5.021 m (N-S).
estabeleceu padrões para procedimentos de campo, para Para a identificação das associações e dos padrões
análise geoquímica multielementar e a malha geoquímica de relacionamento entre as variáveis analíticas, foi adotada
de referência (Global Geochemical Reference Network a análise fatorial, por ser capaz de reduzir as dimensões
- GGRN) e para execução de projetos de cartografia da matriz de dados investigando suas estruturas de

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Quaternário do Brasil

relacionamento (baseada na comunalidade). A partir da e gabro-noritos) (Vasconcellos et al., 2001). A província


aplicação da análise fatorial nos resultados geoquímicos S-6 coincide com a seqüência sedimentar clástica
multielementares obtidos nas 39 amostras compostas de paleozóica da Bacia do Paraná. A província S-7 abrange
sedimentos fluviais, o território paranaense foi dividido as ocorrências de intrusões alcalino-carbonatíticas do
em nove compartimentos geoquimicamente Vale do Ribeira e a província S-8 reflete a presença dos
homogêneos. A interpretação dos padrões de distribuição granitóides e rochas ultrabásicas, assim como as
(relações de causa e efeito) e da natureza da abundância mineralizações plumbo-zincíferas e auríferas do Primei-
e escassez dos elementos analisados foram realizadas no ro Planalto e Planície Litorânea paranaenses.
SIG composto por temas descritores do meio físico e A segunda condição (antropização) é expressa pelo
da socioeconomia. cádmio nos compartimentos S-2, S-4 e S-5, que reflete
Na compartimentação geoquímica do território a pluma de poluição de particulados sólidos aéreos origi-
paranaense, baseada na geoquímica dos sedimentos ativos nados na operação da antiga usina termoelétrica a carvão
de drenagem, foram consideradas todas as variáveis, de Figueira. Teores elevados de mercúrio no comparti-
inclusive o Cd, com um valor limítrofe para a mento S-9 refletem os impactos da garimpagem de ouro
comunalidade de 0,5804. Com a aplicação do critério de que ocorre na Planície Litorânea desde o século XVI.
1,00 para mínimo autovalor, foram retidos seis fatores, São descritas, a seguir, as características
que explicaram mais de 90% da variância total dos dados. geoquímicas dos diferentes compartimentos (Figura 14.6)
O primeiro fator, composto por 30 variáveis — em função da herança natural e da contribuição antrópica.
Zn, Fe2O3, Sc, Ga, Co, V, Ti, P, Ni, Mn, Se, Cu, I, Cs,
Al2O3, CaO, Br, Mo, Pd, Cr, Hg, Nb, Eu, Pt, Cd, Te, Província geoquímica S-1. Ocupa uma área de 31.453
Sb e mais SiO2, B e Zr, com carga negativa no fator— km2, restrita à região noroeste do estado, relacionando-
. explica ou resume 44,43% da variância total desse se exclusivamente com a seqüência sedimentar do
sistema geoquímico. O segundo fator, composto por Grupo Caiuá. O uso do solo tem a pecuária e as
18 variáveis —Tm, Yb, Er, Lu, Y, Ho, Tb, Pr, Nd, Th, pastagens como atividades predominantes. A atividade
Sm, Dy, Ce, Gd, La, U, W e Bi—, explica 29,22% da agrícola é restrita e pouco desenvolvida, ocorrendo ainda
variância. Os ETRs homogeneamente contribuem com pequenas manchas de vegetação secundária e de matas
valores elevados de correlação com o fator 2, todos nativas. O Zr, SiO2 e B, com carga negativa no Fator 1,
maiores que 0,86. O terceiro fator, composto por 11 identificam a herança dos arenitos do Grupo Caiuá.
variáveis —Na2O, Sr, K2O, Ba, Rb, F, Cl, MgO, Sn, Pb
e S— resume 7,64% da variância. O quarto fator, Província geoquímica S-2. Ocupa uma extensa área de
composto por quatro variáveis —As, Li, Tl e Be—, 50.308 km2 - praticamente 25% do estado do Paraná.
explica 5,85% da variância. O quinto fator é composto Seu formato de λ concorda com os limites do Grupo
por duas variáveis —Ag e Au— e explica 2,65% da São Bento (Formações Botucatu e Serra Geral e
variância. O sexto fator é composto apenas pelo Ge e vulcânicas ácidas dos Membros Chapecó e Palmas). A
resume 1,73% da variância. agricultura é o uso do solo predominante,
Com os coeficientes padronizados para cada va- subsidiariamente com vegetação secundária e pequenas
riável, foram calculados os seis escores fatoriais e o es- manchas de matas nativas e reflorestamentos.
core fatorial final. Este resume a informação multivariada As variáveis Al2O3, Br, Cd, Cs, Hg, I, Mo, Nb, P,
considerando 90,53% da variância como a variância to- Sb, Se, Te Eu, no Fator 1, Bi, Ce, Dy, Er, Gd, Ho, La, Lu,
tal do sistema. O formato e as assinaturas geoquímicas Nd, Pr, Sm, Tb, Th, Tm, U, W, Y, Yb, no Fator 2, Ba, Cl,
dos nove compartimentos geoquímicos em que foi divi- F, K2O, Na2O, MgO, Rb, S, Sn, Sr, e Rb, no Fator 3, Li e
dido o território do estado do Paraná refletem e descre- Tl, no Fator 4, Au e Ag, no Fator 5, e Ge, no Fator 6
vem as influências preponderantes do substrato geológi- refletem uma herança natural relacionada com litotipos
co e de ocorrências minerais (herança geológica). Entre- diferenciados, intermediários a ácidos, do Grupo São Ben-
tanto, interferências e passivos gerados pela ocupação to. Já as variáveis As no Fator 4 e Ge no Fator 6 identifi-
humana (antropização) também são identificáveis. cam a influência antropogênica relacionada com depósi-
A primeira condição (herança geológica) é tos de rejeitos piritosos da mineração de carvão e com as
exemplificada com os compartimentos S-2 e S-3, que, cinzas volantes da antiga usina termoelétrica de Figueira.
em conjunto, delimitaram as rochas ígneas do Grupo
São Bento (Bacia do Paraná). A província geoquímica Província geoquímica S-3. Ocupa uma área de 45.912
S-3, entretanto, circunscreve a ocorrência de rochas km2 nas regiões sul e sudoeste, avançando para o
ígneas com características máficas a ultramáficas (gabros centro-norte do estado. Está posicionada quase que

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

Figura 14.6. Províncias e anomalias geoquímicas regionais delimitadas por análise fatorial com os dados geoquímicos
de sedimentos fluviais (células GGRN) (Fonte: Licht, 2001a,b).

exclusivamente sobre litologias ígneas básicas do Grupo Teresina e Rio do Rasto) e o Grupo São Bento (Formações
São Bento (Formação Serra Geral), mas atinge ainda Botucatu e Serra Geral), é significativa a coincidência de
algumas manchas de litotipos ácidos (Membro Palmas). seus limites com as anomalias de magnetismo residual
O uso do solo é equilibrado entre a agropecuária e relacionadas com o domo de Quatiguá (Ferreira et al.,
ocorrência de vegetação secundária. 1996, apud Licht, 2001a,b). O uso do solo é
As variáveis CaO, Co, Cr, Cs, Cu, Eu, Fe2O3, predominantemente agrícola, com pequenas manchas de
Ga, I, Mn, Ni, P, Pd, Pt, Sc, Ti, V e Zn, além de SiO2, vegetação secundária e matas nativas. As variáveis Bi,
B e Zr (carga negativa), no Fator 1, caracterizam a no Fator 2, Ba, no Fator 3, e Tl, no Fator 4, delimitam a
presença de litotipos máficos da Formação Serra Geral região onde foram caracterizadas as anomalias
(Grupo São Bento). As variáveis As, Be, Li e Tl, no magnéticas associadas ao domo de Quatiguá.
Fator 4, Au e Ag, no Fator 5, e Ge, no Fator 6, indicam
a presença de litotipos diferenciados ácidos do Membro Província geoquímica S-5. Ocupa uma área de 12.309
Palmas (Formação Serra Geral, Grupo São Bento). A km2. O uso do solo, muito variado, tem predomínio de
variável Hg, com carga positiva no Fator 1, coincide reflorestamentos, subsidiariamente com áreas de
com o Lineamento do Rio Iguaçu e a Falha de Caçador, vegetação secundária, agricultura e pastagens, e ainda
de direção NW-SE, indicando que são estruturas pequenas manchas de mata nativa. A geologia é muito
profundas, com atividade termal remanescente. diversificada, abrangendo unidades geológicas que vão
desde o Proterozóico até o Triássico (Formação
Anomalia geoquímica regional S-4. Ocupa uma Botucatu e Grupo São Bento). Apesar da geologia
superfície de 6.578 km2 e, apesar de estar posicionada mostrar-se como uma continuidade da Província S-6,
sobre uma geologia muito diversificada, que abrange o na Província S-5, ocorrem com maior intensidade as
Grupo Guatá (Formação Rio Bonito), o Grupo Itararé manifestações conhecidas de diques básicos,
(Formação Itararé), o Grupo Passa Dois (Formações relacionados com o Arco de Ponta Grossa.

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Quaternário do Brasil

Província geoquímica S-6. Ocupa uma área de 30.896 Paraná (Grupos Paraná e Itararé).
km2, abrangendo o extremo sul da seqüência sedimentar, A herança geoquímica de mineralizações do escudo
com a presença de todas as unidades estratigráficas paranaense está claramente identificada na geoquímica dos
paleozóicas da Bacia do Paraná. O uso do solo é predomi- sedimentos fluviais. As variáveis Bi, no Fator 2, e Ag e Ge,
nantemente agrícola e subsidiariamente aparecem regiões no Fator 5, delimitam as mineralizações sulfetadas a Pb-Zn-
com vegetação secundária e reflorestamentos, além de Cu do Vale do Rio Ribeira e o W indica a herança recebida
algumas manchas de matas nativas. As variáveis B e SiO2, dos corpos de albititos e greisens dos vales dos rios Capivari
ambas com carga negativa no Fator 1, e Li e Tl, no Fator e Pardo. Finalmente, o As, no Fator 4, e o Au, no Fator 5,
4, caracterizam a seqüência sedimentar clástica paleozóica evidenciam a grande quantidade de ocorrências auríferas
da Bacia do Paraná —Grupos Paraná e Itararé. O As no do escudo paranaense, seja na forma de veios de quartzo
Fator 4 está relacionado com depósitos de rejeitos e sulfeto em shear zones, seja em níveis de chert aurífero nas
particulados aéreos dos processos industriais de retortagem rochas vulcânicas ácidas do Grupo Castro.
do folhelho pirobetuminoso na Cidade de São Mateus do
Sul. O Be, também no Fator 4, relaciona-se com os ní- Anomalia geoquímica regional S-9. Restrita à face leste
veis carbonosos e depósitos de carvão hospedados na da Serra do Mar e ao litoral, ocupa uma área de 1.411
seqüência sedimentar paleozóica da Bacia do Paraná. km2. A geologia é variada, com exposições do Complexo
Pré-Setuva, do Complexo Serra Negra e do Grupo
Anomalia geoquímica regional S-7. Ocupa uma área de Setuva (Formação Perau), mas com predomínio de
4.844 km2. A geologia é complexa, pois atinge o Comple- aluviões marinhos e fluviais. São abundantes as florestas
xo Pré-Setuva, o Grupo Açungui, o Grupo Setuva, os nativas da Serra do Mar, restingas e manguezais, com
granitóides (sieno-granitos), o Grupo Itararé, o Grupo atividade agrícola bastante restrita. O B, no Fator 1,
Paraná e os complexos alcalinos e alcalino-carbonatíticos. caracteriza a forte influência impressa pelo ambiente
O uso do solo predominante é a vegetação secundária e os marinho nos sedimentos fluviais da Planície Litorânea.
reflorestamentos, com pequenas manchas de matas nati- A coleta e análise geoquímica multielementar de
vas e de agricultura. As variáveis Eu, Zr (carga negativa) e amostras de sedimentos fluviais é um instrumento de ex-
B (carga negativa), no Fator 1, Ce, Dy, Er, Gd, Ho, La, Lu, trema utilidade para o diagnóstico ambiental e gestão
Nd, Pr, Sm, Tb, Th, Tm, U, W, Y e Yb, no Fator 2, Ba, Cl, territorial. A dimensão das bacias hidrográficas amostradas
F, K2O, Na2O, MgO, Rb, S, Sn e Sr, no Fator 3, e Be, no deve ser compatível com a escala de representação
Fator 4, estão associadas à província alcalino-carbonatítica cartográfica dos dados. Dessa forma, grandes províncias
do Vale do Rio Ribeira. Já o Sb, no Fator 1, relaciona-se geoquímicas ou anomalias geoquímicas regionais são per-
com as mineralizações sulfetadas a Pb-Zn-Cu do Vale do feitamente delineadas pela coleta de amostras represen-
Rio Ribeira, nas quais ocorre como elemento-traço. tando bacias de médio a grande porte, como as que foram
adotadas na presente investigação. Os padrões geográfi-
Província geoquímica S-8. Ocupa uma área de 16.718 cos de distribuição dos elementos químicos estão direta e
km2 de geologia extremamente complexa, com a presença principalmente relacionados com a herança natural e, se-
de unidades geológicas com idades que variam desde o cundariamente, com a superimposição de fatores
Arqueano (Complexo Pré-Setuva e Complexo Serra Negra) antropogênicos. As investigações das relações de causa e
até o Carbonífero (Grupo Itararé). O uso do solo é variado efeito devem estar alicerçadas em bases de dados integra-
com a presença de áreas agrícolas, de matas nativas, das que descrevam o meio físico e o uso e ocupação do
reflorestamentos e vegetação secundária. As variáveis CaO, solo. É necessário considerar, entretanto, que um sistema
Co, Cr, Cs, Cu, Eu, Fe2O3, Ga, I, Mn, Ni, P, Pd, Pt, Sc, natural submetido a interferências antrópicas é de extre-
Ti, V, Zn e mais SiO2, B (carga negativa) e Zr (carga ma complexidade geoquímica e a identificação de relacio-
negativa), no Fator 1, estão relacionadas com as litologias namentos (geoquímica - natureza - ação humana) deve
arqueanas de quimismo máfico e ultramáfico que ocorrem ser feita não apenas com equipes multidisciplinares, mas
na vertente leste da Serra do Mar e na Planície Litorânea. principalmente sob uma abordagem interdisciplinar.
Os corpos granitóides alcalinos e cálcio-alcalinos do escudo
paranaense são os responsáveis pelas variáveis Zr (carga 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
negativa), no Fator 1, Ce, Dy, Er, Gd, Ho, La, Lu, Nd, Pr, Atualmente, os estudos geoquímicos dos materi-
Sm, Tb, Th, Tm, U, W, Y e Yb, no Fator 2, e Ba, Cl, F, ais da superfície terrestre (sedimentos e solos) no Brasil
K2O, Na2O, MgO, Rb, S, Sn, Sr, e Rb, no Fator 3. A são considerados ainda insuficientes para caracterizar
variável SiO2 (carga negativa), no Fator 1, está relacionada geoquimicamente os ambientes e o grau de risco de con-
à seqüência sedimentar clástica paleozóica da Bacia do taminação para a população. Restam extensas áreas para

318

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14. Geoquímica dos Sedimentos e Solos

serem devidamente estudadas, como a Amazônia, regiões Paulo. Resumos... São Paulo : SBGq, v.2, p.423-426.
fronteiriças, além de várias bacias hidrográficas e, obvia- Borba, R.P.; Figueiredo, B.R.; Rawlins, B.G.; Matchullat, J.
mente, diferentes tipos de ambientes a serem monitorados. 2000. Arsenic in water and sediment in the Iron
Observa-se também uma nítida dificuldade para Quadrangle, Minas Gerais state, Brazil. Revista
se avaliar o nível desse conhecimento no país, devido à Brasileira de Geociências, v.30, n.3, p.554-557.
Borba, R.P.; Figueiredo, B.R.; Rawlins, B.G.; Matchullat, J.
falta de um levantamento completo dos resultados obtidos
2002. Geochemical distribution of arsenic in waters,
pela pesquisa geoquímica no Brasil, principalmente pela
sediments and weathered gold mineralized rocks from
indisponibilidade de muitos trabalhos realizados. Iron Quadrangle, Brazil. Environmental Geology. http:/
Sendo assim, pode-se acrescentar aos resultados /link.springer.de/link/service/journals/ 00254/ contents/
apresentados neste capítulo algumas recomendações gerais: tfirst.htm - DOI: 10.1007/s00254-002-0733-6.
• Compilação e divulgação dos estudos geoquímicos Carmo, M.S. 2001. Geoquímica de águas e sedimentos de cor-
de sedimentos e solos já realizados no Brasil. rente da bacia hidrográfica do Rio Descoberto - Brasília-
• Criação de bases de dados com os resultados obtidos DF. Brasília. 100p. Dissertação (Mestrado em Geologia) -
pelos estudos geoquímicos. Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
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e regiões fronteiriças. and particle distributions of contaminated sediments.
• Elaboração de mapas de potencial de risco a partir da Water Science and Technology, v.37, p.149-156.
Collins, M.E. & Shapiro, G. 1987. Comapation of human
correlação entre as concentrações médias dos
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elementos e seus efeitos sobre a saúde humana.
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• Expansão da cartografia digital regional multielementar America Journal, Madison, v.51, p.171-176.
e planejada para uso multipropósito em todas as Cooper, D.C. & Thornton, I. 1994. Drainage geochemistry in
unidades da federação a ser realizada de forma contaminated terrains. In: Hale, M. & Plant, J.A. Drainage
descentralizada e coordenada. geochemistry. Amsterdam : Elsevier. p.447-497.
• Aplicação da geoquímica na exploração mineral e no Costa, M.L. & Kern, D.C. 1999. Geological signatures of
mapeamento pedológico para caracterização da archaeological sites with black earth soils in Amazon
fertilidade agrícola dos solos. region. Journal of Geochemical Exploration, Israel,
• Mapeamento geoquímico para localização e v.66, p.369-385.
monitoramento de áreas contaminadas. Darnley, A.G.; Björklund, A.; Bølviken, B.; Gustavsson,
• Controle e monitoramento geoquímico dos rejeitos N.; Koval, P.V.; Plant, J.A.; Steenfelt, A.; Tauchid, M.;
Xuejing, X. 1995. A global geochemical database for
industriais e de mineração.
environmental and resource management:
• Implementação de programas de mitigação e
recommendations for international geochemical
remediação nas áreas contaminadas. mapping. Paris : UNESCO. (Final Report of IGCP
• Conscientização da população sobre os cuidados com Project 259).
o consumo de água e a utilização do solo em áreas Eleutério, L. 1997. Diagnóstico da situação ambiental da
contaminadas. cabeceira da Bacia do Rio Doce, no âmbito das
• Conscientização e mobilização da população para contaminações por metais pesados em sedimentos de
fortalecer as ações governamentais de fiscalização fundo. Ouro Preto. 163p. Dissertação (Mestrado) -
e controle ambiental dos processos de estocagem e Departamento de Geologia, Escola de Minas,
destinação dos rejeitos industriais e mineiros Universidade Federal de Ouro Preto.
Falesi, I. 1970. Solos de Monte Alegre. Belém : IPEAN. v.54,
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Birch, G.F.; Taylor, S.E.; Matthai, C. 2001. Small-scale spatial introduction to quantitative chemical analysis
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Boaventura, G.R. 1991. Performance do Espectrômetro de J.; Paula Reis, A.; Patinha, C.; Moreno, F. 1996. Impacte
Emissão com Plasma (ICP), Spectrofame FVMO3, para ambiental e actividade antrópica: exemplos temáticos.
determinação de 20 elementos químicos nas amostras Geociências, Revista da Universidade de Aveiro, v.10,
de referência geoquímica DNC-1, W-2, UNB-B1 e UNB- n.2, p.129-141.
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319

Quaternario do Brasil.PMD 319 18/1/2008, 11:09


Quaternário do Brasil

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agricultura sostentable en los países tropicales. In: CPRM. v.1, 133p. (Relatório final).
Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Pabst, E. 1991. Critérios de distinção entre Terra Preta e
Resumos SAB2001... p.62-63. Latossolo na região de Belterra e os seus significados
Govett, G.J.S. 1983. Rock geochemistry in mineral para a Discussão Pedogenética. Boletim do Museu
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Griffith, M.A. 1980. A pedological investigation of an 19.
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320

Quaternario do Brasil.PMD 320 18/1/2008, 11:09


Capítulo 15

AMBIENTES CÁRSTICOS
Augusto S. Auler
Luís B. Piló
Allaoua Saadi

RESUMO. As feições superficiais e subterrâneas que compõem o ambiente cárstico foram geradas, em sua maior parte,
durante o Quaternário. No Brasil, os relevos cársticos ocupam uma área relativamente reduzida, concentrando-se na região
central do país e estando representados por carbonatos pré-cambrianos essencialmente suborizontalizados, submetidos à
influência de clima sazonal. Quando comparado a outros ambientes geomorfológicos, no entanto, o carste destaca-se por
apresentar importantes vestígios paleoambientais. Os controles estrutural e tectônico são importantes no condicionamento
morfológico e direcional de várias feições cársticas, como dolinas, cavernas e vales. No âmbito do carste superficial, já
foram realizados no Brasil estudos sobre taxas de aprofundamento de dolinas e morfometria de depressões, assim como de
desnudação cárstica, efetuados por meio de estudos hidroquímicos, habilitando a quantificação dos processos envolvidos.
A origem do manto pedológico no carste pode ser complexa, o qual exerce forte influência na dinâmica da zona epicárstica.
Tufos calcários são outro tipo de sedimento superficial que pode fornecer importantes informações sobre épocas pretéritas
de maior pluviosidade, além de muitas vezes encerrar notáveis vestígios paleobiológicos. A acumulação de sedimentos
superficiais pode dar-se no fundo de lagos, objeto de estudo de palinólogos, assim como em abrigos sob rocha, nesse caso
muitas vezes associados a sítios arqueológicos. No Brasil, idades aproximadas para algumas cavernas já foram obtidas por
meio de estudos sobre taxas de entalhamento fluvial, estando situadas no limite entre o Terciário e o Quaternário. Os
sedimentos clásticos e químicos das cavernas prestam-se a uma enorme variedade de estudos paleoambientais. Os
espeleotemas, em particular, têm sido estudados em relação a seu conteúdo polínico, elementos-traço, freqüência e taxa de
crescimento, variações petrológicas e mineralógicas, isótopos estáveis (O e C) e luminescência, os quais têm recebido
crescente atenção no território brasileiro. Muitos estudos promissores de espeleotemas estão em andamento. Vestígios
fósseis são comuns em cavernas brasileiras e são responsáveis pela maior parte do que se conhece sobre a paleontologia
de vertebrados quaternários no Brasil. No entanto, somente agora é que passaram a receber maior atenção em respeito à
tafonomia e à cronologia. Os estudos já realizados demonstram que os sítios fossilíferos em cavernas brasileiras são
bastante complexos, além de abrangerem um amplo intervalo temporal.
Palavras-chave: Carste; Paleoambientes; Quaternário.

ABSTRACT. The surface and underground forms that make up a karst environment have mostly been generated during
the Quaternary. In Brazil, karst terrains cover a relatively small area and are more common in the central portion of the
country, in areas under highly seasonal climate. Brazilian carbonates comprise generally horizontally bedded units of
Precambrian age. When compared to other geomorphic environments, however, karst terrains concentrate many
paleoenvironmental sites of outstanding significance. Structural and tectonic control is very important in determining
the morphology and orientation of a number of karst features, such as dolines, caves and karst valleys. Surface karst
morphometry and doline deepening rates have been obtained in a few Brazilian karst areas, allowing the quantification
of the processes involved. Karst denudation studies, based on hydrochemical monitoring, have also been performed.
The origin of the soil cover can be quite complex and plays an important role in the dynamics of the epikarst zone.
Travertines are another type of surface karst sediment that can yield information on past periods of increased rainfall,
besides containing in many cases, important paleobiological remains. The accumulation of surface sediments can also
take place at lakes, routinely studied by palynologists, and at rock shelters, sometimes related to archaeological sites.
Approximate timescales for the development of some Brazilian caves have been obtained through fluvial incision rate
studies, ages roughly in the Tertiary-Quaternary boundary. Clastic and chemical sediments within caves are of great
paleoenvironmental significance. Speleothems, in particular, have been studied regarding pollen content, trace elements,
growth rate and frequency, petrological and mineralogical variations, stable isotopes (O and C) and luminescence. Many
promising speleothem studies are presently under way. Quaternary fossil remains are common in Brazilian caves, being
of foremost importance in Brazilian Quaternary vertebrate paleontology. However, only recently there have been studies
focusing taphonomy and chronology of the fossil remains. Recent research indicates that the paleontological sites
within caves are highly complex, and cover a considerable time span of emplacement.
Key-words: Karst; Paleoenvironments; Quaternary.

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Quaternario do Brasil.PMD 321 18/1/2008, 11:09


Quaternário do Brasil

1. INTRODUÇÃO de exemplos brasileiros permitirá auferir o atual estágio


O ambiente cárstico, com suas feições das pesquisas sobre o tema em nosso país, assim como
superficiais e subterrâneas, é gerado, em sua maior parte, permitir a comparação com outros registros
a partir de processos ocorridos durante o Quaternário. paleoambientais, discutidos ao longo deste livro.
Certamente, existem feições mais antigas, dentre as
quais feições paleocársticas que podem ter sua gênese 2. SISTEMA CÁRSTICO E SEUS AMBIENTES
associada a processos ocorridos ainda no Pré- O sistema cárstico compreende, em linhas gerais,
Cambriano. Esses constituem, no entanto, exceção à o ambiente externo (Figura 15.1), denominado por alguns
regra. A maioria esmagadora das formas superficiais como exocarste (ou simplesmente carste superficial),
hoje observadas reflete, em sua forma atual, processos marcado por formas superficiais geradas
ocorridos nos últimos 1,6 milhão de anos, embora a primordialmente pelo ataque químico de águas
rocha carbonática estivesse sendo trabalhada desde que meteóricas, e o domínio subterrâneo, chamado de
foi exposta, o que pode ter ocorrido em épocas mais endocarste (ou carste subterrâneo), representado por
remotas. Da mesma forma, as cavernas têm sua cavidades subterrâneas, geradas pela dissolução por
morfologia atual predominantemente gerada em tempos águas subterrâneas de origem diversa. Um terceiro
geológicos recentes (Quaternário), apesar de o iniciação domínio, o epicarste, pode também ser reconhecido,
da espeleogênese ter ocorrido, em muitos casos, no dizendo respeito à zona logo abaixo da superfície,
Terciário. englobando o contato entre o solo e a rocha calcária.
Ainda são incipientes os trabalhos sobre As feições superficiais são geradas por águas
ambientes cársticos no Brasil. É possível detectar, no meteóricas (provindas da precipitação), seja através de
entanto, um aumento contínuo de pesquisas e contato direto com o carbonato, por sob a cobertura
publicações sobre o tema, fruto do crescente interesse pedológica, ou através de drenagens. Os lapiás, ou
de estudantes, especialização do corpo docente e o karren, correspondem a caneluras, pontões, orifícios e
oferecimento de disciplinas específicas nessa áreaem alvéolos gerados tanto em rocha desnuda quanto sob o
algumas universidades brasileiras. solo. No caso de lapiás gerados sob o solo, a morfologia
Este capítulo pretende, ainda que de forma é mais suave ou arredondada, em contraste com as
resumida, proporcionar um rápido panorama sobre o cristas ásperas das formas superficiais. Uma revisão
estado-da-arte dos estudos do carste e sua relação com bastante completa sobre lapiás pode ser encontrada em
o Quaternário brasileiro. A bibliografia atualizada dará Ford & Lundberg (1987). Dolinas são depressões
oportunidade ao leitor de se aprofundar nos vários fechadas, em formato de funil ou cilíndricas,
segmentos que compõem o tema do capítulo. A inserção extremamente comuns em regiões cársticas. São

Figura 15.1. Esboço do sistema cárstico e seus principais componentes (Fontes: Ford & Williams, 1989; Gillieson, 1996).

322

Quaternario do Brasil.PMD 322 18/1/2008, 11:09


15. Ambientes Cársticos

geradas por dois mecanismos principais, dissolução centímetros a milímetros, denominadas protocavernas,
subsuperficial em fraturas, causando rebaixamento da formas embrionárias das cavidades acessíveis aos seres
superfície da rocha e/ou penetração de solo, e colapso humanos. São formadas tanto por águas de origem
devido ao abatimento de teto de caverna no solo ou na meteórica que se infiltraram no maciço carbonático,
rocha. Além das dolinas individuais, podem-se destacar, quanto por águas de origem hipogênica (profunda), caso
no relevo cárstico, as uvalas ou dolinas compostas. no qual a acidez da água pode ser devida a ácidos
Segundo White (1988), essas morfologias podem ser derivados de fontes não-atmosféricas. As cavernas em
interpretadas como conseqüência da dinâmica de um si gradam desde seu estágio inicial de formação,
conjunto de depressões de dissolução que, com o tempo, representado por rede de protocondutos, até o estágio
vão crescendo e coalescendo. Ford & Williams (1989) final, quando a cavidade se torna seca e prestes a ser
e Bondesan et al. (1992) apresentam uma boa revisão interceptada pelo rebaixamento erosivo da superfície
sobre dolinas. do terreno. Uma revisão recente sobre gênese de
Drenagens superficiais em regiões cársticas cavernas foi apresentada em Klimchouk et al. (2000).
tendem a ser absorvidas através de sumidouros, feições Nessa longa história evolutiva, a maior parte
associadas a pontos de absorção de água, como bocas desenvolvida durante o Quaternário, a caverna é
de cavernas ou zonas de infiltração difusa. O sumidouro preenchida por vários tipos de sedimentos. Entre os
marca o ponto final da drenagem superficial, pois ela sedimentos clásticos, os terraços fluviais fornecem
se torna, a partir daí, subterrânea. As nascentes (ou dados importantes sobre a paleoidrologia do local, assim
surgências) representam os pontos onde a drenagem como sobre as fases climáticas pretéritas, sendo
subterrânea se torna superficial. Os vales superficiais passíveis de datação por paleomagnetismo ou métodos
que abruptamente terminam em uma caverna recebem cosmogênicos. Os sedimentos orgânicos incluem
o nome de vales cegos. Existem também outros casos, ossadas fósseis, cuja taxonomia e tafonomia, aliadas a
como quando um rio anteriormente superficial é datações por radiocarbono e pela série do urânio,
absorvido gradualmente, adotando um curso fornecem dados importantes sobre o paleoambiente na
subterrâneo e deixando seu leito superficial seco. Essa superfície. Finalmente, os sedimentos químicos,
feição denomina-se vale seco e independe de regime conhecidos como espeleotemas, podem fornecer
pluviométrico, não guardando relação com feições registros paleoambientais de altíssima resolução.
similares em zonas climáticas secas. Cânions cársticos O sistema cárstico possui ainda o potencial de
podem ser gerados por abatimento de cavernas ou por fornecer informações vitais acerca das mudanças
processos fluviais “normais”. Nicod (1997) faz uma ambientais ocorridas durante o Quaternário, pois
revisão sobre o tema. apresenta evidências de caráter multidisciplinar que
Dentre as demais feições cársticas superficiais, proporcionam um excelente campo para pesquisas no
vale ainda mencionar os poljes, áreas planas que podem âmbito da geografia física e geologia.
atingir centenas de quilômetros, bordejadas por encostas
abruptas controladas por feições estruturais. O 2.1. Carste no Brasil
modelado cárstico superficial admite, ainda, outras O carste no Brasil ocorre não apenas em áreas
morfologias, como cones ou torres, geradas devido a de carbonatos, mas também de rochas siliciclásticas,
condicionantes climáticos, litológicos e estruturais. Para como arenitos e quartzitos. Tanto aqui como em outras
uma revisão sobre feições cársticas superficiais, partes do mundo, o carste carbonático (em calcários e
consultar Jennings (1985). dolomitos) tem recebido maior atenção e será priorizado
As formas anteriormente mencionadas são também neste capítulo. O carste carbonático no Brasil
geradas pela dissolução da rocha. Algumas outras ocorre em áreas de carbonatos antigos, em sua maior
feições, ao contrário, são geradas pela precipitação de parte do Pré-Cambriano, desenvolvidos em regiões
carbonatos. Esse é o caso dos tufos calcários, tectonicamente estáveis (crátons) e submetidos a clima
depositados por águas saturadas em carbonato de cálcio. sazonal. Uma recente compilação sobre as regiões
Essas formas construtivas muitas vezes são formadas cársticas brasileiras (Auler et al., 2001) apresenta
com extrema rapidez, podendo causar agradação de sinopses de cada uma das áreas cársticas carbonáticas
vales. Uma revisão atualizada sobre tufos calcários pode de nosso país. Essas áreas, segundo o mapa geológico
ser encontrada em Ford & Pedley (1996). de Schobbenhaus et al. (1981), totalizam em torno de
No domínio endocárstico, têm-se as cavidades, 200.000 km2 (Figura 15.2). A maior parte compreende
tanto as penetráveis pelo homem, denominadas carbonatos do Grupo Bambuí, nos estados de Minas
cavernas, quanto canalículos de diâmetro da ordem de Gerais, Goiás e Bahia. Os carbonatos do Grupo Una,

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Quaternário do Brasil

mundo, como em áreas alpinas, o carste não exibe


qualquer cobertura pedológica. Em regiões tropicais,
como o Brasil, a cobertura de solo tende a ser significativa
e as feições cársticas superficiais evoluirão principalmente
na interface entre solo e rocha.
O carste subterrâneo, por outro lado, pode
evoluir sem contato direto entre a superfície da rocha
carbonática e os agentes intempéricos superficiais.
Fluxo de água subterrânea pode ocorrer a grandes
profundidades, mesmo que a rocha solúvel esteja ainda
coberta por litologias impermeáveis. Essa fase freática
da evolução das cavernas guarda íntima relação com a
organização inicial dos aqüíferos cársticos, quando uma
série de canalículos com fluxo laminar irá estabelecer
as primeiras conexões entre as zonas hidrológicas de
recarga e descarga. Após interceptar o topo do lençol
freático, a caverna passa a desenvolver-se na zona
vadosa, quando a drenagem tende a expandir
Figura 15.2. Regiões cársticas carbonáticas brasileiras com verticalmente a caverna, à semelhança de redes de
indicação de alguns dos locais mencionados no texto. drenagem superficiais. A evolução geomorfológica
cárstica ocorre predominantemente durante o
na Bahia, encerram algumas das mais importantes Quaternário, embora os processos de controle possam
cavernas do continente e os dos grupos Apodi (Rio ter sido herdados de períodos geológicos mais antigos.
Grande do Norte) e Açungui (São Paulo e Paraná)
também apresentam extensões consideráveis. Diversas 3.1. Controles Estrutural e Tectônico da
outras unidades carbonáticas ao longo do território Carstogênese
nacional apresentam feições cársticas, embora em menor Trabalhos enfocando de forma direta os controles
extensão. estrutural e tectônico da carstogênese são extremamente
As regiões cársticas não-carbonáticas são menos raros, limitando-se a informações sobre a relação entre
conhecidas dos pontos de vista exploratório e científico. direções de fraturas e de feições exocársticas, tais como
Feições importantes foram identificadas nas rochas do lapiás e dolinas. No entanto, é consenso entre os
Grupo Caraça (Pico do Inficionado, MG), Grupo especialistas de carste que, além da presença de rochas
Andrelândia, sul de MG, Grupo Espinhaço, Grupo suscetíveis à solubilização de algum elemento químico
Chapada Diamantina, além de vários outros. relativamente abundante em sua composição
Em termos gerais, o conhecimento científico a (principalmente carbonato de cálcio), o desenvolvimento
respeito dos ambientes cársticos brasileiros ainda é das paisagens cársticas está condicionado a
reduzido, apesar do excelente potencial. Piló (2001) características bioclimáticas e estruturais e/ou
apresenta uma revisão dos estudos já efetuados na área tectônicas.
de geografia física, notando-se que a maior parte dos Segundo Palmer (1991), se as condições
trabalhos ainda é de caráter exploratório ou pioneiro, estruturais e estratigráficas não condicionam todas as
embora contribua para um melhor conhecimento do características geométricas dos sistemas endocársticos,
Quaternário brasileiro. elas influenciam a orientação e a extensão das cavidades.
Esse autor relata que 90% das cavernas por ele
3. CONTEXTO GEOMORFOLÓGICO estudadas têm origem epigênica, cujo desenvolvimento
A evolução dos relevos cársticos processa-se foi controlado pelos planos de estratificação (57%) e
durante longo intervalo temporal. O carste superficial pelas fraturas (42%). Os sistemas de juntas podem
começa a ser modelado quando camadas de rochas influenciar a dissolução já na fase de “pré-iniciação”
insolúveis sobrejacentes são removidas por erosão, (protocondutos) do sistema cárstico, conduzindo a um
causando o contato direto entre a rocha solúvel e os padrão de condutos subterrâneos angulosos,
agentes intempéricos superficiais. O modelamento da principalmente de tipo em rede. Para Quinif et al.
superfície cárstica é fortemente dependente da (1997), essa relação é direta no caso de sistemas de
estruturação tectônica da rocha. Em algumas regiões do fraturas distensivas, principalmente quando ativas,

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15. Ambientes Cársticos

possuindo de início vazios primários independentes da Na mesma seqüência de idéias, Gilli (1997) afirma que,
dissolução, prontos a serem utilizados pela água. no momento de sua implantação, os sistemas cársticos
O padrão em rede está presente no Brasil em registram as características tectônicas dos maciços
diversas cavernas, como em alguns trechos da Toca da rochosos, tais como o estado de fraturamento e a
Boa Vista —a maior caverna brasileira, situada em Campo posição dos níveis de base, assim como suas variações.
Formoso/BA (Auler et al., 2001). Ainda na Bahia, em Após sua implantação, a evolução do carste passaria,
rochas carbonáticas neoproterozóicas do Grupo Una, gradualmente, a registrar as mínimas movimentações
Pereira (1998) atribuiu quatro cavidades a esse padrão tectônicas que viriam a afetar os maciços. A um evento
(cavernas Lapa do Bode, Lagoa Preta, Fazenda Santa de soerguimento corresponderia um rebaixamento
Clara I e Morro da Arara), destacando o papel decisivo dos níveis de base e conseqüente escavação de
dos planos de acamamento e das fraturas verticais a cavidades em níveis inferiores. Ao contrário, eventos
subverticais em seu desenvolvimento, nas fases de pré- de subsidência induzem o entulhamento dos condutos
iniciação e iniciação. Nessa mesma unidade e/ou a escavação de condutos em níveis superiores.
litoestratigráfica, Cruz Jr. (1998) demonstrou esse tipo Junto com os basculamentos de blocos, esses
de controle por meio de dados comparativos, de movimentos podem ser responsáveis por importantes
orientação de condutos/orientação de fraturas, em vários variações nas direções de drenagens subterrâneas e
segmentos do Sistema Lapa Doce, na região de Iraquara superficiais. Respostas desses tipos foram
(BA) (Figura 15.3), embora a maior parte dos condutos identificadas em segmentos do Sistema Lapa Doce
da caverna não se oriente segundo o fraturamento. Em (carste de Iraquara/BA) por Cruz Jr. (1998) como
arenitos eólicos da Formação Botucatu da Bacia do indução pelas falhas e fraturas de cânions na base
Paraná, Ribeiro et al. (1994) relatam que tanto as direções das galerias com piso rochoso, formação de cúpulas
de cavernas quanto os abatimentos de blocos são de corrosão no teto e iniciação de condutos laterais
fortemente controlados por falhas NE-SW e NW-SE. com largura inferior a 1 m.
Em condições superficiais, planos tectônicos e petrografia Pesquisas geoambientais realizadas na Província
das rochas carbonáticas podem influir no controle Cárstica de Arcos-Pains-Doresópolis (Saadi, 1991),
principal dos padrões de lapiás, conforme foi desenvolvida sobre cobertura pelítico-carbonática
demonstrado por Campos et al. (1991) na região de neoproterozóica (Grupo Bambuí) da borda sudoeste do
Itacarambi (MG). Cráton do São Francisco, enveredaram mais
Quinif et al. (1997) consideram que a profundamente no tema do controle tectono-estrutural
carstogênese é dependente de fenômeno de dissipação na carstogênese. As investigações morfotectônicas
de energia e, portanto, o contexto tectônico deve resultaram na identificação de estreita dependência entre
dinamizá-la, pois ele condiciona o ambiente energético. os quadros estruturais regional e locais e a configuração

Figura 15.3. Controle tectônico dos condutos cársticos no Setor 6 (Conduto do Neguinho) do Sistema Lapa Doce, no
Estado da Bahia (Fonte: Cruz Jr., 1998).

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Quaternário do Brasil

de feições e zonas cársticas. Por outro lado, a níveis morfológicos que, em superfície, estabeleciam
consideração de comprovadas manifestações contatos com os níveis endocársticos, descobriu-se que
neotectônicas permitiu analisar os reflexos da a geometria das entradas de cavernas diferenciava-se de
carstogênese na atividade tectônica (Saadi, 1991; Saadi forma principalmente em função do estilo estrutural dos
et al., 1998a,b; Morais, 2002). A Figura 15.4 ilustra a maciços calcários.
organização geomorfológica simplificada da Província Durante o aprofundamento das cavidades, os
Cárstica de Arcos-Pains-Doresópolis, onde se destacam materiais que entulhavam os condutos mais antigos
zonas cársticas diferenciadas pelo posicionamento foram expelidos sob forma de leques aluviais que
morfotectônico, tais como os grabens de Arcos e preencheram bordas do gráben de Arcos e espalharam-
Doresópolis, a Unidade de Pains e o Cânion Cárstico se em grande parte das áreas vizinhas. Esses grabens
do Alto São Francisco. correspondem a bacias transtensionais N35-40W
Os eventos pleistocênicos de rebaixamentos do derivadas da reativação, concomitante ao soerguimento
nível de base, relacionados com o soerguimento da borda principal da Descontinuidade Crustal do Alto Rio São
sul do Cráton do São Francisco, devido à compressão Francisco (Saadi, 1991), de direção N50W e largura de
WNW-ESE, induziram a superposição de três níveis de 50 km, em regime de transcorrência destral.
cavidades e a escavação do cânion. Ao identificar os Essa movimentação foi registrada ainda pela

Figura 15.4. Compartimentação morfotectônica da Província Cárstica de Arcos-Pains-Doresópolis, Minas Gerais (Fon-
te: Saadi, 1991).

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15. Ambientes Cársticos

Figura 15.5. Relações entre o modelo neotectônico da Província Cárstica de Arcos-Pains-Doresópolis (Minas Gerais) e
a orientação de dolinas e cavernas (Fonte: Saadi, 1991).

formação de numerosas dolinas, com a dissolução soerguimento e as zonas de contato entre diferentes
aproveitando fraturas de distensão, conforme ilustra estilos tectônicos.
a Figura 15.5. As maiores cavernas adotaram,
preferencialmente, a direção N-S, seguindo as fraturas 3.2. Evolução Morfopedológica do Carste
de tração abertas pelo arqueamento da cobertura Superficial
pelítico-carbonática, sob efeito da compressão
neotectônica que reproduz e catalisa os efeitos do 3.2.1. Caracterização e gênese das feições
evento Brasiliano. Existe também caverna submersa exocársticas
ornamentada com espeleotemas subaéreos do tipo A morfologia superficial do carste pode ser
estalactite e estalagmite, entre outros. Estende-se por extremamente distinta em função do conjunto de
600 m na direção aproximada N-S, em área de variáveis que se ajustam para configurar os terrenos
subsidência neotectônica. cársticos. White (1988) descreveu vários tipos de carste
Essas relações entre a tectônica e a em função da morfologia dos principais elementos
carstogênese são, na realidade, bastante freqüentes em componentes, tais como carste de dolinas, carste em
várias regiões do mundo, onde estudos adequados torres, carste labiríntico, carste poligonal, fluviocarste,
tenham sido realizados. Exemplos ilustrativos são dentre outros. No Brasil, também foi identificada uma
apresentados por Lippman Baggioni (1975), sobre o grande diversidade de relevos cársticos (Kohler, 1989;
carste do Monte Marzano (Itália), onde o Rio Platano Ferrari, 1990; Karmann, 1994; Rodet, 1995, 1997; Piló,
escavou um cânion de 300 m de profundidade em 1997; Pereira, 1998).
resposta ao soerguimento quaternário, e os poljes de Em regiões cársticas bem desenvolvidas, é
San Gregorio, desenvolvidos no fundo de grabens pós- possível identificar morfologias específicas (lapiás,
pliocênicos. Finalmente, Holzer et al. (1997) relatam maciços calcários, vales cegos e dolinas), como
que, sobre a zona de sutura da colisão mesozóica da também drenagem predominantemente subterrânea.
qual resultou a cadeia ocidental dos Cárpatos tchecos, Essas feições estão associadas à dissolução da rocha.
desenvolveram-se sistemas cársticos cujas Lapiás já foram objeto de estudo morfológico
especificidades se devem muito mais à diversidade por Campos et al. (1991) na região do Vale do Peruaçu
tectônica do que à própria diferenciação petrográfica (MG). Os vales cársticos brasileiros receberam poucos
entre as rochas calcárias. As feições tectônicas mais estudos até o momento. Destacam-se os trabalhos de
influentes seriam as zonas de fraturas e falhas, Bitencourt (1998) sobre o vale cárstico do Morro
principalmente suas interseções, as zonas de Furado, sudoeste da Bahia, além de Piló (1989) e Rodet

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Quaternário do Brasil

& Rodet (2001), sobre o Vale do Peruaçu, norte de horizontes amarelados (hidrólise lenta) em contato com
Minas Gerais. a rocha (Figura 15.6). Portanto, a zona de contato
Dolinas têm merecido alguns estudos no Brasil. rocha-solo (epicarste) seria a principal responsável pelo
Filizola & Boulet (1993), utilizando datações 14C em rebaixamento regional do carste.
material orgânico de depressões fechadas sobre rochas
sedimentares quartzo-caoliníticas da Bacia de Taubaté 3.2.2. Solos no carste
(SP), estimaram taxas de aprofundamento de 120 e 230 O epicarste (zona subcutânea) é constituído pela
mm/ka, atribuídas à exportação geoquímica. No carste porção superior da rocha calcária, coberta ou não por
de Lagoa Santa (MG), Piló (1998) estimou, de forma material inconsolidado e contendo rede de fissuras
preliminar, com datações pelo método 230Th/234U em alargadas por processos cársticos (Williams, 1985;
depósitos químicos de duas cavernas, taxas de Palmer, 1991). Nesse sentido, o manto de alteração, os
aprofundamento máximo de dolinas entre solos e os sedimentos assumem papel de destaque na
aproximadamente 110 e 260 mm/ka. análise da zona epicárstica, pois esses materiais se
Em áreas onde dolinas ocupam densamente os encontram em contato direto com a rocha solúvel
espaços disponíveis de vertentes, o relevo é chamado subjacente, influenciando a circulação hídrica interna e
de carste poligonal, tendo em vista o padrão morfológico a elaboração da morfologia rochosa coberta.
em planta dos divisores de drenagem em polígonos Nos relevos calcários, a dissolução do CaCO3 e
irregulares. Esse padrão morfológico foi primeiramente sua lixiviação da pedosfera são os processos
identificado e analisado por Williams (1971) em Papua- predominantes de intemperismo químico. O mecanismo
Nova Guiné. fundamental dessa alteração, em meios muito lixiviados,
Karmann (1994), baseando-se em mapeamento é a alteração pelicular, sendo a desagregação e a
morfológico e cálculos de índices morfométricos, dissolução condicionadas pela mineralogia, textura,
definiu para o carste do Vale do Ribeira (SP), quatro estrutura e porosidade.
unidades morfológicas: zona fluvial, fluviocárstica, de Nos calcários cristalinos muito puros em CaCO3,
transição e poligonal, que teriam passado por diferentes não ocorre manto de alteração, pois os grãos minerais
estágios evolutivos de relevo cárstico. Partindo de uma são totalmente dissolvidos, causando o desaparecimento
paisagem fluvial, o autor identificou a segmentação das estruturas originais da rocha (Delvigne, 1983). A
gradativa do sistema fluvial pela implantação de situação mais comum é a acumulação do resíduo
drenagem fechada, cujo desenvolvimento levou à insolúvel da rocha, normalmente encontrado em
formação de carste poligonal. Posteriormente, Ferrari pequenas quantidades nos calcários (< 10%). A fração
et al. (1998) aplicaram ao carste do Vale do Ribeira insolúvel dos calcários é composta principalmente por
(SP) um método para obtenção de parâmetros SiO2, Al2O3 e Fe2O3. A sílica sob variadas formas e os
morfométricos a partir de geoprocessamento. minerais de argila compõem a maior parte da fração
Outro aspecto importante diz respeito à circulação insolúvel. Dos minerais silicatados mais freqüentemente
interna da água nos solos e na zona de contato solo- encontrados, destacam-se a caolinita e a ilita.
rocha. Segundo Williams (1985), a saturação do solo Quanto ao tempo necessário à formação de solos
acima da rocha freqüentemente ocorre devido à baixa
capacidade de absorção, permitindo o fluxo lateral de
água ao longo do contato, promovendo a dissolução
acelerada no epicarste. As taxas de dissolução na zona
de contato rocha-solo são normalmente altas (0,1 cm/
ano), segundo White (1988). Karmann (1994) estimou
a taxa de rebaixamento da superfície epicárstica do
carste do vale do Rio Ribeira de Iguape em torno de
31,1 ± 6 mm/ka.
Baseado em análises químicas, macroscópicas
e microscópicas dos solos desenvolvidos sobre o
planalto cárstico de Lagoa Santa (MG), Piló (1998)
propôs um modelo para a drenagem interna dos solos
de médias e altas vertentes, que seria
predominantemente vertical e rápida nos horizontes Figura 15.6. Modelo de circulação hídrica nos solos do
vermelhos (hidrólise rápida) e lateral e mais lenta nos planalto cárstico de Lagoa Santa (MG) (Fonte: Piló, 1998).

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15. Ambientes Cársticos

sobre calcários, Yuan (1991) calculou de 250 ka a 850 estimar taxas de sedimentação de 0,7 a 3 mm/ano. Deve-
ka para produção de 1 m de espessura de solo para o se considerar, nesses sítios, uma sedimentação
carste tropical úmido de Guangxi (China). Lamouroux descontínua no tempo e no espaço, e um incremento
(1972), após estudos experimentais sobre a alteração dessa taxa por atividade antrópica.
de rochas carbonáticas, concluiu que, para a formação Parizzi (1993), com base em datação 14C em
de 30 cm de solo, são necessários 5 m de rocha dura matéria orgânica e estudos palinológicos na Lagoa Santa,
contendo 2,2% de resíduo, sendo necessários de 50 a identificou um aumento geral de tipos arbóreos,
100 ka para a geração do solo. É importante salientar arbustivos de cerrado e de mata, ocorrido entre 3 e 1,8
que o clima e a quantidade de resíduo insolúvel na rocha ka A.P., sugestivo de período mais úmido, com a
calcária exercem papel decisivo no tempo necessário à presença de uma vegetação exuberante. Os polens de
formação de solos sobre calcários. Em climas tropicais mata alcançaram 32%, com aumento significativo em
úmidos, o carbonato de cálcio dissolve-se mais relação à vegetação aberta. Os estudos também
rapidamente que a fração silicatada, ocasionando indicaram período mais seco entre 6 e 5 ka A.P.
concentração relativa de argilas que, nesses casos, são De Oliveira (1992) registrou que o nível da Lagoa
essencialmente herdadas dos processos de alteração da dos Olhos (carste de Lagoa Santa) se elevou entre 4 e
rocha. 1,3 ka A.P. Sugeriu, também, um clima com alta umidade
No Brasil, são freqüentes regiões cársticas com e baixas temperaturas entre 19 e 16 ka A.P. Transição
espessas coberturas pedológicas. Particularmente na para um período mais seco só foi detectada no final
estratigrafia do Grupo Bambuí, as rochas calcárias são dessa época (15-13 ka), que se prolongou até próximo
geralmente recobertas por rochas pelíticas (filitos e a 4 ka A.P.
siltitos). Nesse caso, os solos não apresentam uma A interpolação de datas a partir da aceitação de
filiação genética direta com a rocha calcária existente uma sedimentação contínua nos estudos palinológicos
na base do perfil, mas provêm das rochas pelíticas feitos na região deve ser analisada com cautela. Como
superpostas, como já foi observado em Minas Gerais, visto, as taxas de sedimentação na região são variadas
como em Lagoa Santa, Arcos-Pains ou Curvelo. e, certamente, descontínuas no tempo. A análise de
Portanto, a participação do produto residual da rocha diagramas de polens deve ser concentrada nos níveis
calcária dissolvida, na formação dos solos, é pequena. datados.
No carste de Lagoa Santa, alguns estudos têm Apesar de pouco freqüentes no Brasil, os tufos
procurado integrar as coberturas de solos à evolução e calcários apresentam-se como importantes registros
dinâmica do relevo cárstico (Kohler, 1989; Boulet et deposicionais do carste superficial. Depósitos de tufos
al., 1992; Malta, 1995; Piló, 1998). no Vale do Rio Salitre (BA) foram datados pelo método
230
Th/234U por Auler & Smart (2001). Esses depósitos,
3.2.3. Sedimentos superficiais segundo os autores, são bons indicadores de climas
Os sítios deposicionais superficiais que guardam mais úmidos, já que representam drenagens originadas
registros paleoambientais, muitas vezes passíveis de de surgências cársticas, que estão inativas sob condições
datações absolutas, estão posicionados nas poucas climáticas semi-áridas atuais. Fragmentos vegetais
calhas e terraços fluviais existentes, nos tufos a céu incorporados aos tufos também indicam que, durante
aberto e, particularmente, em fundos de dolinas, que sua deposição, a vegetação na área teria sido mais
representam verdadeiros sítios de acumulação de expressiva que no presente. O trabalho registrou dois
sedimentos. conjuntos de tufos. Os mais jovens registraram idades
Os sedimentos acumulados em lagoas, inclusive entre 21 e 9 ka. Os demais apresentaram idades em
as de origem cárstica, apresentam, segundo Lowe & torno de 400 ka.
Walker (1997), origem alóctone e autóctone. Eles são Os sítios arqueológicos em abrigos sob rocha
derivados parcialmente da produção orgânica dentro do também são testemunhos importantes da história
ecossistema, mas também do afluxo pluvial pelas sedimentar nos terrenos cársticos do Brasil, prestando-
vertentes da bacia de drenagem, nesse caso incluindo se para análises cronológicas e paleoambientais. Os
materiais orgânicos e inorgânicos. sedimentos encontrados em cavernas ou abrigos sob
No carste de Lagoa Santa, o fundo das dolinas rocha podem ter sido acumulados antes, durante e depois
temporariamente ocupadas por lagoas apresenta de eventos relacionados com a atividade humana, sendo
registros sedimentares importantes, com taxas mais comum a mistura de depósitos sedimentares naturais
diferenciadas de sedimentação. Datações 14C em e antropogênicos.
sedimentos orgânicos em lagoas da região permitiram A acumulação de sedimentos em sítios

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Quaternário do Brasil

arqueológicos geralmente é complexa, tendo em vista à zona vadosa. (Figura 15.7) A caverna desaparecerá
os hiatos deposicionais normalmente existentes. No quando for exposta à superfície pelo soerguimento e
carste de Lagoa Santa, taxas de sedimentação em sítios desnudação regional. Em regiões cratônicas estáveis,
podem atingir até 2 m/ka no Holoceno inferior (Lapa onde está situada a maior parte das regiões cársticas
das Boleiras) e 0,17 m/ka no Holoceno superior (Lapa brasileiras, as taxas de desnudação de longo termo
do Santo). Destacam-se ainda, nesse contexto, situam-se em valores prováveis por volta de 20-40 m/
importantes hiatos deposicionais representativos do Ma (Harman et al., 1998), ou seja, uma caverna iniciada,
Holoceno médio. Essas taxas são compatíveis com as por exemplo, a 80 m abaixo da superfície sobreviverá
calculadas na Europa (Farrand, 2001). por cerca de 2 a 4 Ma. Provavelmente, muitas das
Os efeitos de fatores paleoclimáticos e cavidades brasileiras tiveram sua gênese iniciada no
paleoecológicos na ocupação e sedimentação em sítios Terciário, tendo evoluído, principalmente na fase “pós-
arqueológicos, juntamente com outros registros, têm breakthrough”, durante o Quaternário.
sido analisados no carste brasileiro (Kipnis, 2002) e serão Com base em datações 230Th/234U, Karmann
objetos de análise no Capítulo 16. (1994) estimou idade mínima de 2 Ma para as cavernas
que compõem o Sistema Pérolas-Santana no sul de São
3.3. Desenvolvimento do Carste Subterrâneo Paulo. No sudoeste da Bahia, Auler et al. (2002),
O carste subterrâneo compreende basicamente utilizando uma coluna magnetoestratigráfica, estima que
as cavidades subterrâneas, conhecidas no Brasil sob as galerias mais antigas da Gruta do Padre existam há
denominações variadas, como gruta, caverna e lapa, pelo menos 1,95 Ma. A maior caverna brasileira, a Toca
entre outras. Apesar da definição de cavernas ser da Boa Vista, aparenta ser mais antiga, tendo iniciado
essencialmente antropocêntrica, ou seja, cavidade sua formação provavelmente no Terciário (Auler, 1999).
natural grande o bastante para ser penetrada por um O primeiro estudo sobre a geomorfologia e gênese
ser humano, aqui será considerada como caverna de cavernas brasileiras foi efetuado por Lund (1844).
qualquer canalículo, ainda que de diâmetro milimétrico, Em seu trabalho, ele reconhece o papel da dissolução e
que sirva ou tenha servido para conduzir água das fases de entrada e remoção de sedimento. Para uma
subterrânea. contextualização dos trabalhos de Peter Lund em relação
ao conhecimento atual, consultar Piló (2002) e Auler
3.3.1. Espeleogênese (2002). No Vale do Ribeira (SP), Karmann (1994) estudou
Cavernas são feições extremamente difíceis de a gênese das numerosas cavidades inseridas em
se datar, pois nada mais são do que vazios na rocha carbonatos do Grupo Açungui e observou que o padrão
matriz, causados pela remoção química de material das cavernas (retilíneo, sinuoso) guarda relação com o
solúvel. Conforme Sasowsky (1998), não é possível mergulho das camadas da rocha.
datar o que não mais existe. O que é passível de datação Na região de Lagoa Santa (MG), estudada
são sedimentos clásticos ou químicos (espeleotemas) inicialmente por Lund, Auler (1995) enfatizou a importância
que preenchem as galerias. No entanto, esses dos numerosos lagos da área na gênese de cavernas,
sedimentos, principalmente os espeleotemas, só se
formarão em uma etapa mais tardia da evolução da
caverna. Datações de sedimentos fornecerão apenas
idade mínima para a caverna. Diversas datações 230Th/
234U já foram efetuadas em espeleotemas em cavidades

brasileiras (Karmann, 1994; Auler, 1999), mostrando


que essas cavernas são mais antigas que o limite máximo
de alcance do método 230Th/234U de espectrometria alfa,
que é de cerca de 350 ka.
O estágio inicial de formação de cavernas ocorre
em profundidade abaixo do lençol freático. A caverna,
então, consiste de canalículo de diâmetro milimétrico
que se expandirá até atingir importante estágio de
transição, denominado breakthrough, a partir do qual o
regime de fluxo passa a ser turbulento. A partir daí, a
caverna evoluirá mais rapidamente, até que, devido ao Figura 15.7. Modelo esquemático de estágios de evolu-
contínuo rebaixamento do lençol freático, seja exposta ção de uma caverna (Fonte: White, 1988).

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15. Ambientes Cársticos

notadamente as cavidades com padrão labiríntico. Coutard Isto decorre do fato de que depósitos fluviais pretéritos,
et al. (1978) sugeriram que as cavernas da região foram como terraços, ficam preservados em níveis superiores
geradas por paragênese, um processo freático no qual a secos, a salvo da erosão causada por agentes
acumulação de sedimento no piso leva à concentração da superficiais de intemperismo. As taxas de entalhamento
dissolução no teto, fazendo com que a evolução da caverna obtidas em cavernas podem, em muitos casos, ser
se dê verticalmente para cima. Em minucioso estudo da extrapoladas para drenagens que representam nível de
Gruta do Baú, região de Lagoa Santa (MG), Piló (1998) base nas áreas estudadas. Em regiões com relevo
propôs que essa caverna teria sido gerada pelo modelo arrasado e drenagens de baixo gradiente, como nas
“normal” singenético (aprofundamento vadoso), com regiões cratônicas de Minas Gerais e Bahia, essa
posterior preenchimento sedimentar e geração de feições premissa constitui uma generalização aceitável.
paragenéticas tardias. Auler (1999), com base em critérios Dois estudos de entalhamento fluvial de drenagens
morfológicos, retoma os conceitos de Coutard et al. (1978) subterrâneas cársticas já foram efetuados no Brasil. No
e considera a paragênese um processo primário (e não Vale do Ribeira, Karmann (1994) utilizou datação 230Th/
234
posterior) na geração de muitas das cavidades da região U em placas de calcita depositadas sobre antigos
de Lagoa Santa. terraços de rios subterrâneos das cavernas Pescaria,
Outra região cárstica que tem recebido Santana, Chapéu, Alambari de Baixo e Morro Preto. Os
considerável atenção no que diz respeito à espeleogênese resultados sugerem entalhamento vadoso máximo entre
é o carste de Iraquara, região central da Bahia. Algumas 29 e 52 m/Ma, com valor médio de 42 m/Ma (Karmann,
das argumentações levantadas nos estudos em Lagoa 1994). Na Gruta do Padre (sudoeste da Bahia), foram
Santa foram reprisadas em Iraquara. No estudo de efetuadas diversas medidas de paleomagnetismo em vários
Ferrari (1990), foi proposto um modelo em quatro pacotes de sedimento fluvial. A estratigrafia
etapas: geração do conduto freático, incisão vadosa, paleomagnética local foi comparada com a coluna global
preenchimento sedimentar e posterior escavação parcial (Figura 15.8), permitindo inferir taxas de entalhamento
do sedimento. Esse modelo foi adotado por Cruz Jr. vadoso entre 25 e 34 m/Ma (Auler et al., 2002).
(1998), que enfatizou o papel da paragênese em
promover a dissolução do teto e criar feições
paragenéticas. Auler (1999), assim como em Lagoa
Santa, crê que as cavernas evoluíram, desde o início,
por paragênese. Os sedimentos originais, no entanto, já
teriam sido removidos e a gruta teria sofrido
preenchimento sedimentar tardio.
As gigantescas cavernas labirínticas da região
de Laje dos Negros, ao norte da Bahia, possuem padrão
e morfologia atípicos. Estudos hidroquímicos,
isotópicos e morfológicos realizados por Auler & Smart
(2003) sugerem que as cavidades teriam sido geradas
por ácido sulfúrico produzido a partir da oxidação de
lentes de sulfeto nos dolomitos. Esse tipo de origem
contrasta fortemente com cavidades epigênicas geradas
nos calcários vizinhos da Formação Caatinga.
Cavidades geradas em rochas siliciclásticas,
como quartzitos e arenitos, também têm recebido
atenção dos geomorfólogos. Vários trabalhos, entre os
quais destacam-se os de Corrêa Neto et al. (1997) e
Corrêa Neto (2000), enfatizam o papel da dissolução
intergranular na iniciação das cavidades, fazendo com
que os grãos se desagreguem e possam sofrer erosão,
um modelo semelhante ao postulado por Martini (1979). Figura 15.8. Correlação magnetoestratigráfica entre os
sedimentos da Gruta do Padre (coluna à esquerda) e a co-
luna paleomagnética global (direita). Os nomes à esquerda
3.3.2. Entalhamento fluvial correspondem a níveis de galerias da caverna enquanto os
As cavernas representam excelente ambiente para nomes à direita referem-se a episódios de inversão
a obtenção de informações acerca de incisão fluvial. paleomagnética (Fonte: Auler et al., 2002).

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Quaternário do Brasil

3.4. Desnudação Regional por Viana Jr. (2002) utilizando monitoramento


A taxa de desnudação cárstica leva em conta a hidroquímico da infiltração vadosa na Caverna Santana.
quantidade de material removido, seja em escala de bacia O método de tabletes, ainda não aplicado no
de drenagem ou de região cárstica, em um dado Brasil, consiste em distribuir tabletes de carbonato de
intervalo de tempo. Ela é representada, por convenção, peso e densidade conhecidos em várias zonas cársticas
como o valor rebaixado da superfície cárstica, embora (expostos à chuva, enterrados a diversas profundidades
se saiba que, em relevos cársticos, parcela menor, porém etc.), aferindo-se a perda de peso depois de determinado
variável, dessa remoção se dará em subsuperfície. A período de tempo. Um projeto internacional fez com
dissolução é o processo predominante na desnudação que grande quantidade desses tabletes fosse distribuída
cárstica, mas a erosão (intemperismo físico) também a vários pesquisadores em diversas regiões do mundo.
atua, embora sua quantificação seja muito mais difícil. Os resultados foram comparados após alguns anos
Portanto, as medidas de desnudação cárstica levam em (Gams, 1981). Para uma revisão sobre o método,
conta somente o material removido por processos consultar Ford & Williams (1989). No Brasil, essa
químicos. Uma das falhas desse tipo de estudo, segundo metodologia ainda não foi utilizada. Uma terceira forma
Ford & Williams (1989), é devido ao fato de serem de se determinar a desnudação cárstica, também ainda
ignorados os processos mecânicos. não aplicada no Brasil, é por meio de um instrumento
As taxas de desnudação cárstica obtidas em denominado microerosiômetro, que é capaz de medir,
diversas regiões do mundo permitem calcular a rapidez com precisão milimétrica, o rebaixamento ocorrido em
de ocorrência dos processos de dissolução e sua relação um determinado ponto. Maiores informações sobre esse
com o clima vigente. Smith & Atkinson (1976) método podem ser encontradas em Spate et al. (1985).
concluíram que existe relação direta entre denudação e
precipitação (Figura 15.9), sendo mais rápida sob 4. CONTEXTO PALEOAMBIENTAL
regimes mais chuvosos. Ambientes cársticos são bastante propícios à
Existem três métodos principais para se medir a preservação de importantes indicadores paleoambientais.
desnudação cárstica. O método principal e mais utilizado A grande maioria destes vestígios é encontrada no interior
é o hidroquímico, que procura determinar o montante das cavernas onde, a salvo das intempéries, existe a
de material em solução que é removido da região em possibilidade de serem conservados por período de
estudo. O método consiste, normalmente, em monitorar tempo superior a vestígios semelhantes em superfície.
as nascentes que drenam a região cárstica, obtendo os A zona de entrada de cavernas é particularmente
teores de Ca e Mg e a vazão. Desse modo, é possível rica em vestígios associados a fases de ocupação
determinar a quantidade de carbonato removido por área humana ou animal pré-históricas. O interior das
em dado intervalo de tempo. No Brasil, Karmann (1994) cavernas, por outro lado, pode encerrar sedimentos
utilizou essa metodologia no Vale do Ribeira (sul de São químicos e clásticos que podem fornecer inúmeras
Paulo), obtendo taxas de denudação de 31,1 ± 6 mm/ informações paleoambientais. A importância científica
ka para a área drenada pelas cavernas Santana e Pérolas. das cavernas é, pois, cada vez mais reconhecida e
Valores pouco superiores, 45 mm/ka, foram obtidos valorizada em paleoclimatologia, arqueologia e
paleontologia.

4.1. Sedimentos Clásticos em Cavernas


Os sedimentos clásticos são freqüentes em
cavernas, ocorrendo como corpos de forma e
granulometria variadas, desde blocos abatidos até
camadas de silte. Os sedimentos de origem alóctone,
ou seja, provenientes de fora da caverna, podem
fornecer importantes informações paleoambientais.
Durante fases de clima mais seco, a vegetação escassa
faz com que o solo fique desprotegido, causando
carreamento de sedimentos por enxurradas quando de
eventos pluviais. As cavernas que possuem entradas
Figura 15.9. Gráfico ilustrando a relação entre desnudação
cárstica e escoamento (precipitação - evapotranspiração) na base de vertentes e no fundo de dolinas são propícias
para três domínios climáticos (Fonte: Smith & Atkinson, à entrada de sedimentos clásticos. Knox (1984) sugere
1976). que a erosão pluvial de sedimentos é máxima sob

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15. Ambientes Cársticos

pluviosidade em torno de 400 mm/ano, pois em regiões pretéritas, mas também devido à subsidência tectônica,
mais secas a disponibilidade de água é limitada, ao passo quando as cavernas são lentamente “afogadas”. Nesse
que em regiões mais úmidas a vegetação protege e impede caso, a deposição de espeleotemas subaquáticos também
erosão mais acentuada do terreno. pode ocorrer. A região de Bonito, no Mato Grosso do
Em cavernas com drenagem, as fases de erosão Sul, onde muitas cavernas apresentam espeleotemas
e deposição sedimentares possuem dinâmica subaéreos sob lâmina de água, parece refletir situação
extremamente complexa e até mesmo controversa. de subsidência.
Qualquer alteração na dinâmica do canal fluvial deixará
vestígios no interior da cavidade (Tucker & Slingerland, 4.3. Análise de Espeleotemas
1997). Esses vestígios, em ambiente subterrâneo, Espeleotemas são sedimentos químicos
poderão permanecer preservados por maior tempo do depositados em cavernas. É um termo genérico que
que seus congêneres em superfície, fornecendo ótimo engloba grande variedade morfológica e mineralógica
material de pesquisa. Nas cavernas de Iraquara, região de formas cristalinas, como estalactites e estalagmites,
central da Bahia, Laureano (1998) utilizou as estruturas e formas mais raras. Revisão bastante completa sobre
sedimentares para inferir três fases distintas de o tema foi apresentada por Hill & Forti (1997a).
sedimentação na Lapa Doce e Torrinha. Apesar de mais de 250 minerais já terem sido
Nas cavernas da região de Lagoa Santa (MG), identificados dentro de cavernas, a grande maioria dos
são visíveis fases de entrada e de remoção de espeleotemas é composta por carbonato de cálcio
sedimento clástico e fases de precipitação de sedimento (CaCO3), em geral sob forma de calcita e aragonita,
químico sob forma de lentes de calcita. Auler (1999) muito embora espeleotemas de sulfato de cálcio também
interpreta episódios de entrada de sedimento como ocorram com freqüência. Os espeleotemas compostos
relacionados a clima mais seco, sendo que a por carbonato de cálcio têm recebido, até o momento,
precipitação de calcita estaria ligada a condições mais maior atenção no que diz respeito a estudos
úmidas e a remoção de sedimento clástico, prevalente paleoclimáticos.
no presente clima, provavelmente associada a A deposição de espeleotemas depende de uma
condições intermediárias. A presença das camadas de série de reações químicas reversíveis, que podem ser
calcita permite que haja aferição cronológica das sintetizadas na seguinte equação:
seqüências, conforme trabalhos atualmente em
execução. CaCO3 + H2O + CO2 ⇔ 2HCO3- + Ca2+

4.2. Oscilações do Lençol Freático A água de chuva absorve CO2 da atmosfera em


As oscilações do lençol freático também podem seu percurso rumo ao solo. Uma vez infiltrada no solo,
deixar vestígios no interior das cavernas. As águas torna-se ainda mais ácida ao entrar em contato com
subterrâneas em regiões cársticas em geral são saturadas húmus e raízes das plantas. Essa água carregada de
em carbonato de cálcio, precipitando espeleotemas ácido carbônico dissolver o carbonato em seu trajeto
subaquosos de morfologia diversa, como coralóides. descendente pelas fraturas da rocha. A dissolução do
Nas cavernas da região de Laje dos Negros, no norte carbonato faz com que bicarbonato de cálcio, que é
da Bahia, existe evidência de existência pretérita de um altamente solúvel, fique em solução. Ao atingir a
extenso lago, que cobriu vários quilômetros de galeria. caverna, a solução aquosa encontra uma atmosfera com
O paleonível atingido pelo lago pode ser nitidamente uma pressão parcial de CO2 inferior à da água infiltrante.
atestado por borda de calcita bem desenvolvida, Há, pois, liberação de CO2 da água para a atmosfera da
depositada nas paredes da caverna. As datações desse caverna, causando a precipitação do carbonato de cálcio,
paleolago permitiram inferir condições mais úmidas que é insolúvel, e a formação de espeleotemas.
durante o período glacial (Auler & Smart, 2001). Lagos A deposição de espeleotemas ocorre, pois,
subterrâneos também podem depositar sedimentos predominantemente por liberação de CO2, muito embora
finos, que potencialmente podem ser datados por haja outros processos igualmente importantes. No
paleomagnetismo, ou mesmo varves, que correspondem Nordeste do Brasil, onde se encontram as maiores
à alternância regular de lâminas de material fino e grosso, cavernas do país, o clima semi-árido faz com que alguns
conforme observado em cavernas de Minas Gerais e espeleotemas sejam precipitados por evaporação.
da Bahia. O espeleotema mais utilizado para estudos do
A alteração do nível relativo do lençol freático Quaternário é a estalagmite, feições cilíndricas que
pode dar-se não apenas devido a flutuações climáticas crescem a partir do chão. O fato de exibirem lâminas

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Quaternário do Brasil

o local de deposição através de vento, água de infiltração


ou água de inundação. Devido à possibilidade de
retrabalhamento de grãos de pólen antigos ou filtragem
de grãos maiores, apenas polens trazidos pelo vento
propiciarão uma reconstrução representativa da
paleovegetação. Genty et al. (2001c) demonstraram
experimentalmente em cavernas francesas que, em
certos locais, o pólen é trazido pelo vento, ao passo
que, em outros, provém da água de infiltração. Isso
demonstra que a determinação da área-fonte do pólen
pode ser difícil e variável dependendo da caverna e do
local dentro de uma mesma caverna. Burney & Burney
(1993) compararam grãos de pólen modernos em
armadilhas, do lado de fora de cavernas, com os obtidos
dentro de grutas, concluindo que as cavernas podem,
de fato, proporcionar informações confiáveis acerca
da vegetação local e regional, de qualidade comparável
aos registros de sedimentos lacustres. Burney & Burney
(1993) demonstraram que as taxas de acumulação de
grãos de pólen diminuem rapidamente à medida que se
afasta da entrada, o que sugere que locais bem
ventilados, próximos a entradas de grandes dimensões
são os locais potencialmente mais promissores.
O maior problema em se efetuar esse tipo de
estudo é a escassez de pólen encontrada nos
espeleotemas. Pelo menos 200 g de calcita são
Figura 15.10. Estalagmite da região de Campo Formoso necessárias para se obter contagem estatisticamente
(BA) apresentando alguns horizontes datados por ICP- significativa. No Brasil, já foram efetuadas tentativas
MS. Datação e fotografia por Xianfeng Wang, Minnesota
para se obter pólen em espeleotemas, mas sem sucesso
Isotope Laboratory, University of Minnesota (idade em
anos). até o momento, pois as quantidades obtidas não foram
estatisticamente representativas.
de crescimento bem definidas (Figura 15.10) e de não
possuírem um conduto central que pode causar 4.3.2. Freqüência e taxa de crescimento de
redissolução ou precipitação de lâminas espeleotemas
cronologicamente não-seqüenciais faz das estalagmites Espeleotemas são gerados apenas se houver
formas ideais para o estudo das variações climáticas infiltração de água na caverna. Essa infiltração pode ser
durante o período de crescimento do espeleotema. inibida em regiões cársticas de altas latitudes, onde
Várias são as aplicações científicas de espeleotemas para geleiras ou permafrost congelam a água. O mesmo
o estudo do Quaternário, onde o controle cronológico acontece em regiões áridas, onde a evapotranspiração
é realizado rotineiramente pelo método 230Th/234U. supera a precipitação, impedindo que a água infiltrante
atinja a caverna. Nesses dois casos, a simples presença
4.3.1. Pólen de espeleotemas constitui evidência inequívoca de um
A extração de grãos de pólen aprisionados no período mais quente (no caso de altas latitudes) ou mais
espeleotema pode permitir a identificação da úmido (em regiões áridas). Períodos de deposição de
paleovegetação. Os trabalhos pioneiros foram efetuados espeleotemas foram correlacionados com estádios
por Bastin (1978, 1982), que foi capaz de obter registros interglaciais na Inglaterra (Gordon et al., 1989) e no
de paleovegetação para cavernas da Bélgica. Estudos noroeste da Europa (Baker et al., 1993b), e com
palinológicos em espeleotemas têm sido realizados com períodos mais úmidos em desertos africanos (Brook et
sucesso em várias regiões cársticas do mundo (Bastin al., 1997). As regiões cársticas do nordeste brasileiro
& Gewelt, 1986; Brook et al., 1990; Quinif & Bastin, são ideais para se efetuar esse tipo de trabalho, pois há
1994; Lauritzen et al., 1990). abundantes depósitos de espeleotemas, e nenhuma
Os grãos de pólen podem ser transportados para deposição sob o presente clima semi-árido.

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15. Ambientes Cársticos

Durante períodos de maior precipitação, é temperatura e condições ambientais no exterior da


provável que haja incremento na infiltração de água na caverna estão sendo estudados em numerosos trabalhos
caverna, propiciando aumento na taxa de crescimento recentes. Os elementos mais utilizados têm sido Sr, Mg,
de espeleotemas. Assim sendo, caso sejam efetuadas P e Ba. Hellstrom & McCulloch (2000), por exemplo,
datações sucessivas no espeleotema (em geral, sugerem que os teores de Sr e Ba refletem a vegetação
estalagmite), seria possível distinguir, pelo intervalo entre acima da caverna, ao passo que os de Mg dependam
as idades, as épocas em que houve crescimento mais do tempo de residência da água infiltrante. Roberts et
rápido, correlacionando-as com épocas de chuvas mais al. (1999), no entanto, encontraram dificuldades em
intensas. Genty et al.(2001b), no entanto, concluíram reproduzir as variações de Mg, Sr e Ba em espeleotemas
experimentalmente que a taxa de crescimento de coletados lado a lado na mesma caverna, demonstrando
estalagmites é função principalmente da temperatura e que fatores independentes do paleoambiente podem estar
do teor em cálcio da solução infiltrante, e não da taxa interferindo nos registros. Dentre alguns trabalhos
de gotejamento. A determinação de taxas de crescimento recentes que abordam a importância paleoclimática de
em espeleotemas tem sido utilizada para inferir períodos elementos-traço, incluem-se Fairchild et al. (2000,
de maior precipitação em regiões cársticas nos dois 2001), Verheyden et al. (2000), Baldini et al. (2002),
hemisférios (Xia et al., 2001; Zhao et al., 2001; Huang et al. (2001) e Finch et al. (2001). Com a
Musgrove et al., 2001; Spotl et al., 2002). exceção do estudo preliminar de Rego (1998), ainda
não existem no Brasil trabalhos utilizando o potencial
4.3.3. Petrologia e mineralogia paleoclimático de elementos-traço.
A mineralogia de um espeleotema pode ser
condicionada por fatores climáticos, como é o caso 4.3.5. Isótopos estáveis de oxigênio e carbono
dos minerais polimorfos calcita e aragonita. No Brasil, A distribuição de 18O entre o espeleotema e a
várias cavidades apresentam espeleotemas água infiltrante depende somente da temperatura, caso
predominantemente de aragonita, como na Região o sistema esteja em equilíbrio isotópico (Gascoyne,
Metropolitana de Curitiba ou a leste de Goiás. Em 1992). Yonge et al. (1985) demonstraram que, em
cavidades com baixa ventilação e em locais distantes cavernas de regiões temperadas, a composição isotópica
de entradas, o mineral dominante é a calcita. O principal da água infiltrante no interior da caverna é constante e
fator a promover a precipitação de aragonita é a razão aproximadamente igual à média dos valores isotópicos
Mg/Ca na solução infiltrante (Hill & Forti, 1997b). da precipitação. Dessa forma, os isótopos estáveis de
Ambientes mais quentes e secos tendem a favorecer a oxigênio em espeleotemas poderiam fornecer dados
evaporação da solução, causando a precipitação do importantes sobre a paleotemperatura, caso a calcita
mineral menos solúvel (calcita), aumentando a razão tenha sido precipitada em equilíbrio isotópico. Isso
Mg/Ca e favorecendo a deposição de aragonita. freqüentemente ocorre em cavernas frias e com
Railsback et al. (1994) estudaram espeleotema ventilação reduzida, nas quais a umidade se aproxima
holocênico de Botswana que apresentava camadas de 100%. No entanto, a rápida liberação de CO2 e a
anuais de calcita e aragonita. A calcita teria se depositado evaporação devida à atmosfera quente e seca da caverna
inicialmente, seguida de aragonita, com diminuição do pode causar fracionamento isotópico (Harmon et al.,
gotejamento e aumento de temperatura e influência 1978), perturbando o equilíbrio da dependência em
evaporativa (Railsback et al., 1994). relação à temperatura entre a calcita e a água.
No Brasil, Bertaux et al. (2002) realizaram A composição isotópica do oxigênio na água de
detalhado estudo petrográfico em uma estalagmite infiltração (moderna e antiga) é uma informação
aragonítica da região de Bonito (MS). A deposição do importante para alicerçar as determinações
espeleotema iniciou-se a partir de aproximadamente 3,8 paleoclimáticas. Um monitoramento detalhado se faz
ka A.P. e a petrografia dos cristais de aragonita sugere necessário, como o efetuado por Viana Jr. (2002) na
a presença de laminação anual. Dois períodos de maior Caverna Santana ao sul de São Paulo. As inclusões
umidade foram identificados, centrados fluidas poderiam permitir a medição das características
aproximadamente em 4 e 2,5 ka A.P. (Bertaux et al., isotópicas em águas “fósseis”. Poucas aplicações têm
2002). sido efetuadas com sucesso, como a de Matthews et
al. (2000), devido às grandes dificuldades analíticas de
4.3.4. Elementos-traço se extrair a água. No entanto, aperfeiçoamentos
O significado paleoclimático de elementos-traço metodológicos e técnicos recentes (Dennis et al., 2001)
em espeleotemas e sua dependência em relação à trazem a promessa de aplicação mais freqüente de

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Quaternário do Brasil

inclusões fluidas. Macroinclusões, embora bastante 1994). As publicações recentes sobre o tema são
raras, têm sido utilizadas para se obter paleotemperaturas numerosas, podendo-se citar Charman et al. (2001),
(Genty et al., 2002). Ribes et al. (2000) e Van Beynen et al. (2001).
A interpretação das variações do δ 18 O é
complicada por diversos fatores, como alterações do 4.4. Paleontologia
δ18O da chuva, efeitos locais de temperatura e topografia Importantes vestígios paleontológicos têm sido
do terreno, o trajeto do vapor de água entre o oceano e encontrados em cavernas em diversas áreas do planeta.
o local da caverna, dentre outros. A maior parte dos Em regiões cársticas brasileiras, as cavernas encerram
estudos compara as curvas de variação isotópica com grande potencial fossilífero, ainda de que cacimbas ou
dados análogos obtidos em testemunhos no gelo e de lagoas (ou paleolagoas) cársticas também tenham
sondagens oceânicas, inferindo assim, qualitativamente, revelado importantes sítios paleontológicos,
as variações paleoclimáticas. Revisão recente sobre o notadamente no Nordeste brasileiro.
tema foi efetuada por Dorale et al. (2002). Desde os trabalhos pioneiros de Peter Wilhelm
A composição isotópica do carbono em Lund, na primeira metade do século XIX, as cavernas
espeleotemas reflete: a) variações globais tanto do δ13C brasileiras têm fornecido importantes registros
quanto da pressão parcial do CO2 atmosférico (Coplen fossilíferos, os quais têm formado a base das pesquisas
et al., 1994); e b) mudanças na densidade e distribuição sobre a paleontologia de vertebrados do Pleistoceno
espacial da vegetação (Coplen et al., 1994; Goede et (Paula Couto, 1953; Cartelle, 1994). Segundo Paula
al., 1996) e a proporção relativa entre plantas C3 e C4 Couto (1975), durante o Pleistoceno superior, o Sudeste
(Cerling, 1984). Plantas com o ciclo fotossintético C4 brasileiro apresentou clima diverso do atual,
(Hatch-Slack) incluem gramíneas e xerófitas, melhor provavelmente caracterizado por maior pluviosidade e
adaptadas a condições tropicais secas, enquanto plantas temperatura média mais baixa, abrigando, em geral,
que apresentam o ciclo C3 (Calvin) compreendem vegetação mais rica de modo a poder alimentar os
principalmente vegetação arbórea, arbustiva ou herbácea. grandes e numerosos rebanhos de grandes herbívoros
A interpretação paleoambiental dos isótopos de carbono, e filófagos que ali viviam. O referido autor ainda destaca
no entanto, apresenta complicadores, como o possível que os fósseis de vertebrados, tipicamente andinos,
fracionamento na zona de infiltração (Baker et al., 1997) encontrados nas cavernas de Minas Gerais e da Bahia,
e a interferência do carbono “inerte” provindo do ou seja, pertencentes a uma fauna hoje alóctone (lhamas
carbonato (Genty et al., 2001a). e ursos), são conseqüência de uma migração em busca
Apesar dessas limitações, vários estudos têm sido de climas mais propícios à sua subsistência nas terras
bem sucedidos na utilização de isótopos para interpretar baixas. Essa migração estaria associada à expansão de
paleoclima e paleovegetação (Dorale et al., 1998; Neff sistemas glaciais pleistocênicos na Cordilheira dos
et al., 2001; Wang et al., 2001; Plagnes et al., 2002; Andes e planaltos adjacentes.
McDermott et al., 2001; Desmarchelier et al., 2000; Cartelle (1992) defende a idéia de que os indícios
Linge et al., 2001). No Brasil, incursão preliminar no dessa fauna encontrada em cavernas no Brasil (Minas
tema foi efetuada por Rego (1998) em espeleotemas Gerais, São Paulo, Goiás, Bahia, Ceará, Piauí, Mato
nos arredores do Distrito Federal (DF). Grosso e Rio Grande do Norte) são absolutamente
sincrônicas e que a deposição de fósseis nessas jazidas
4.3.6. Luminescência provavelmente foi o resultado de um mesmo fenômeno
Alguns espeleotemas apresentam bandeamento de âmbito regional.
luminescente microscópico por vezes de caráter anual As idades obtidas para Lagoa Santa (MG) e
(Baker et al., 1993a). A luminescência é causada por outras regiões cársticas da Bahia, no entanto,
ácidos orgânicos carreados do solo pela água infiltrante demonstraram que os sítios deposicionais contendo
e precipitados conjuntamente com a calcita (McGarry restos da antiga fauna pleistocênica não são resultado
& Baker, 2000). A luminescência de um determinado do mesmo evento e sim derivados de processos
espeleotema depende do tipo de solo, profundidade do complexos que não guardam necessariamente relação
aqüífero, pluviosidade e temperatura (Baker et al., com eventos paleoclimáticos (Piló & Castro, 1999;
1996). Os estudos sobre luminescência em Auler, 1999). Não foi confirmado, dessa maneira, o
espeleotemas ainda são incipientes e as técnicas “sincronismo absoluto” proposto por Cartelle (1992).
analíticas estão sendo continuamente apuradas. Existe,
no entanto, potencial para se obter registros de altíssima 4.4.1. Tafonomia e cronologia
resolução, de caráter até mesmo diário (Shopov et al., Lund (1844) também foi pioneiro nos estudos

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15. Ambientes Cársticos

tafonômicos no Brasil e demonstrou particular interesse a entrada dos animais nessas cavernas como fortuita,
pelos fatores que teriam causado a entrada de ossos possivelmente em busca de água ou proteção —
nas cavernas: 1) predadores que usam a zona de entrada mecanismo autopod de Vrba (1976) ou situação no 3 de
como abrigo e para se alimentar da presa; 2) a queda Lund (1844)—, de modo que o processo de entrada
ocasional de animais na caverna e nas fendas; 3) animais não possuiria, assim, qualquer significação
que entram nas cavernas à procura de abrigo, água ou paleoambiental imediata. Em cavernas vizinhas, no
para lamber o salitre e que se extraviam e morrem; 4) entanto, como na Toca dos Ossos, carreamento por
animais que vivem parte de seu ciclo vital dentro da enxurradas parece ter sido o mecanismo dominante.
caverna, como morcegos; e 5) carreamento de cadáveres Na região de São Raimundo Nonato (PI), uma
e restos esqueletais pelo fluxo da água vinda de fora. série de estudos paleontológicos também foi realizada
Datação pelo método 230Th/ 234 U em placa na zona de entrada e no interior de cavernas. Datação
estalagmítica da Gruta do Baú, região de Lagoa Santa, por 14C em carvão por sobre ossos fósseis na Toca do
possibilitou a obtenção de idade mínima de 70 ka para Garrincho forneceu idade em torno de 10 ka A.P. (Peyre
fósseis de Hoplophorus euphractus e Pampatherium et al., 1998). Na Toca do Serrote do Artur, um perfil
humboldti (Piló, 1998). No sítio arqueológico da Lapa sedimentar exibe duas camadas fossilíferas separadas
Vermelha IV, em Lagoa Santa, ossos de preguiça por uma placa de calcita. Duas idades 14C (6,9 e 8,5 ka
terrícola (Scelidodon = Catonyx cuvieri) foram datados A.P.) foram obtidas para a camada superior (Faure et
de forma indireta (carvões no mesmo nível sedimentar) al., 1999). Esses autores interpretam os fósseis
em 9,6 ka A.P., mas não foi possível, segundo os (compreendendo gêneros variados, como Hoplophorus,
autores, estabelecer uma relação entre os restos Glyptodon, Palaeolama etc.) como provavelmente
faunísticos e as fogueiras ou instrumentos líticos sendo holocênicos. Apesar das incertezas na
(Laming-Emperaire et al., 1975; Prous, 2002). interpretação de hábitats primitivos de animais extintos,
Visando a obtenção de novos dados, agora por parece que a fauna fóssil do Nordeste brasileiro é
meio de técnicas de datações absolutas por 14C (AMS), indicativa de climas mais úmidos do que o atual.
um projeto coordenado pelo Laboratório de Estudos
Evolutivos Humanos do Departamento de Biologia do REFERÊNCIAS
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veio confirmar a coexistência entre o homem pré- eastern Brazil. 269p. Thesis (Ph.D) - School of
histórico na região de Lagoa Santa e a preguiça terrícola Geographical Sciences, University of Bristol.
(de porte médio) extinta, tendo em vista que a idade Auler, A.S. 2002. Peter Wilhelm Lund e sua visão das
cavernas. O Carste, v.14, p.24-31.
mais antiga de esqueleto humano na região encontra-se
Auler, A.S. & Smart, P.L. 2001. Late Quaternary paleoclimate
entre 11 e 11,5 ka A.P. Acredita-se que essa idade não
in semiarid northeastern Brazil from U-series dating of
representa, necessariamente, o momento da extinção travertine and water-table speleothems. Quaternary
desses animais, sendo possível que eles tenham Research, v.55, p.159-167.
sobrevivido até épocas mais recentes. Paula Couto Auler, A.S. & Smart, P.L. 2003. The influence of bedrock-
(1970) sugeriu, por exemplo, idade de aproximadamente derived acidity in the development of surface and
7 ka para a extinção da megafauna na região. Baffa et underground karst: evidence from the Precambrian
al. (2000) realizaram datações ESR em dente de Toxodon carbonates of semi-arid northeastern Brazil. Earth
provindo de uma caverna no Vale do Ribeira (SP), Surface Processes and Landforms, v.28, p.157-168.
obtendo uma idade média de 6,5 ka. Auler, A.S.; Rubbioli, E.; Brandi, R. 2001. As grandes
Nas cavernas do norte da Bahia, Czaplewski & cavernas do Brasil. Belo Horizonte : Grupo Bambuí de
Cartelle (1998) reportaram duas datações por 14C AMS Pesquisas Espeleológicas. 227p.
Auler, A.S.; Smart, P.L.; Tarling, D.H.; Farrant, A.R. 2002.
em coprólito associado à preguiça terrestre e em
Fluvial incision rates derived from magnetostratigraphy
morcego fóssil de, respectivamente, 12 e 20 ka A.P.
of cave sediments in the cratonic area of eastern Brazil.
Auler (1999) também apresenta uma série de datações Zeitschrift fur Geomorphologie, v.46, p.391-403.
230Th/234U em placas calcíticas sobre e sob fósseis nas
Baffa, O.; Brunetti, A.; Karmann, I.; Neto, C.M.D. 2000.
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da Bahia. As idades são bastante variadas e cobrem boa cave. Applied Radiation and Isotopes, v.52, p.1345-
parte do último período glacial. Auler (1999) interpreta 1349.

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Capítulo 16

ARQUEOLOGIA E PALEOAMBIENTES
Renato Kipnis
Rita Scheel-Ybert

RESUMO. A arqueologia brasileira, segundo uma perspectiva de estudos do Quaternário, tem seguido duas linhas
principais. Uma, como usuária dos estudos paleoambientais, que usa esses dados como pano de fundo para cenários
arqueológicos, procurando entender a ocupação do território brasileiro por populações pré-históricas através de modelos
paleoambientais. A segunda linha é a da arqueologia como geradora de dados que contribuem para a construção de
modelos paleoambientais mais abrangentes, com a incorporação da relação humana com o meio ambiente ao longo do
tempo. A colaboração entre arqueologia e ciências afins (e.g., antracologia, geomorfologia, palinologia etc.) tem gerado
dados inéditos para os últimos 12.000 anos sobre o ambiente no qual viviam as populações pré-históricas, dados que
têm implicações diretas nos modelos arqueológicos.
Neste capítulo, tomou-se como base o modelo paleoambiental proposto por Aziz Ab’Saber, que ainda é o mais utilizado
pelos estudos arqueológicos, para discutir como a arqueologia brasileira tem usado os dados paleoambientais. Na sua grande
maioria, os estudos arqueológicos consideram os modelos paleoambientais estáticos e fragmentados ao longo do tempo. No
geral, não há uma discussão crítica dos modelos empregados nem uma preocupação em atualizá-los. Um exemplo ilustrado
neste capítulo é a questão das primeiras ocupações humanas do Brasil Central durante o final do Pleistoceno e começo do
Holoceno. Assume-se que as mudanças climáticas ocorridas no período pós-glacial foram uniformes no Brasil Central. No
entanto, estudos paleoambientais realizados nos últimos dez anos têm gerado dados regionais mais específicos e demonstrado
que a transição do Pleistoceno para o Holoceno é mais complexa do que se imaginava. Os novos estudos têm demonstrado
que oscilações climáticas associadas à deglaciação, eventos já bem representados nos registros paleoambientais das regiões
temperadas, também estão presentes nos registros paleoambientais dos trópicos. Mais recentemente, vários estudos
paleoambientais têm identificado diversas mudanças climáticas no Brasil Central, não necessariamente ligadas ao período
glacial, mas que, inclusive, podem ser muito mais recentes (Holoceno superior). Conseqüentemente, as populações pré-
históricas tiveram que lidar com essas condições ao longo do tempo regionalmente. Até dez anos atrás, não havia quase
nenhum registro de lagoas (e.g., coluna de pólen ou nível d’água) para as regiões Sul e Central do Brasil que pudessem gerar
modelos mais refinados. Nestes últimos dez anos, um número considerável de trabalhos baseados em registros recolhidos em
lagoas, turfeiras, veredas e sedimentos aluviais tem sido realizado, melhorando assim nosso conhecimento da história
paleoambiental brasileira. Hoje, conta-se com novos instrumentos para a construção de modelos mais refinados das condições
climáticas nas regiões tropicais durante o período pós-glacial para poder entender melhor o povoamento do território brasileiro.
Os estudos da ocupação humana ao longo do litoral brasileiro por populações associadas aos Sambaquis têm gerado
dados paleoambientais importantes através de correlações entre períodos de construção, ocupação, abandono e reocupação
dos sambaquis e oscilações do nível do mar, e também através dos estudos dos restos alimentares das populações dos
sambaquis. Estudos mais recentes, sobretudo na região dos estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina, têm gerado dados
paleogeográficos interessantes, com a constatação da origem antrópica e deliberada dos sambaquis, associado a mudanças
significavas no padrão de organização social dessas sociedades pré-históricas. Um processo semelhante no que diz respeito
à interação humana com o ambiente ocorreu na região amazônica. Nos últimos dez anos, estudos arqueológicos e etnobotânicos
têm demonstrado que o manejo florestal e a prática da agricultura, ambos praticados por sociedades pré-históricas e modernas,
tiveram um grande impacto na composição florística da Hiléia Amazônica. A ocupação humana da Amazônia também produziu
alterações na paisagem que estão associadas a mudanças significativas no padrão de organização social, com a construção de
tesos, aterros, canais e modificações do solo, que deram origem às Terras Pretas.
Ao final, é apresentada uma discussão sobre o papel da arqueologia dentro dos estudos do Quaternário, onde a
arqueologia não é somente usuária dos estudos paleoambientais nem somente geradora de dados, mas uma área do
conhecimento onde o meio ambiente e a ação humana integram-se segundo uma perspectiva histórica.
Palavras-chave: Pré-história; Colonização do Brasil; Caçadores-coletores; Brasil Central; Transição Pleistoceno/Holoceno;
Sambaquis; Sudeste do Brasil; Ocupação humana costeira; Antracologia.

ABSTRACT. Brazilian archaeology, from the perspective of quaternary studies, has pursued two main lines. In one
approach, paleoecological studies are used as background scenarios for archaeological explanations of the colonization
of the Brazilian territory by prehistoric populations through time. In the second line of studies archaeology contributes

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Quaternário do Brasil

to the construction of paleoenvironmental models by generating original data. In this latter perspective, the incorporation
of the relationship between humans and the environment through time results in more inclusive paleoenvironmental
models. Recently the collaboration between archaeology and related sciences (e.g., anthracology, geomorphology,
palynology etc.) in Brazil generated new paleoenvironmental data for the last 12,000 years, which have direct implications
for the constructions of archaeological models.
In this chapter we review how archaeology has used Aziz Ab’Saber’s paleoecological models —still the most
widely used. In general, Brazilian archaeology has used the paleoenvironmental studies as static and fragmented models
through time. There is neither a critical discussion of the models employed nor a real concern to update models. One
example illustrated in this chapter is the problem of the peopling of Central Brazil during the Terminal Pleistocene and
Early Holocene. It has been assumed that climatic changes affected the whole region equally. However, in the last
decade new paleoclimatic studies from different areas in Brazil, and specifically Central Brazil, are producing a more
detailed and complex picture. Moreover, the dramatic environmental changes associated with deglaciation at the end of
the Pleistocene have been recorded also in tropical regions. Recently, several paleoenvironmental studies have identified
climatic changes in Central Brazil that are not necessarily associated with the last glacial period, but rather are much more
recent (Upper Holocene). Consequently, human populations had to manage these climatic conditions regionally. Ten
years ago there were no pollen or lake-level records to allow detailed paleoclimatic reconstruction for South and Central
Brazil. A considerable amount of paleoenvironmental work based on pollen records from lakes, peat bogs, palm swamps
and alluvial sediments has been carried out in the past decade, improving our understanding of the paleoenvironmental
history of Brazil. We are now able to construct more refined models of the climatic conditions in tropical lowlands during
the postglacial period. The palynological data are giving us a better quantification of environmental and climatic change
associated with calibrated radiocarbon dates from which we can integrate point data from a regional to continental scale.
Thus, we are better instrumented to understand the colonization of the Brazilian territory by prehistoric populations.
The studies of the human occupation of the Brazilian coast, associated with the Sambaquis (shellmounds) have
generated important paleoenvironmental data by correlating periods of construction, occupations, abandonment and
reoccupation of the sambaquis with sea level variation. Also, the studies of the rich faunal remain found in the sambaquis
have contributed significantly to paleoenvironmental reconstruction of the Brazilian coastal environment. More recent
studies, mainly in the states of Rio de Janeiro and Santa Catarina, have generated interesting paleogeographical data by
establishing an anthropic and deliberate origin of the shellmounds. Furthermore, the construction of the sambaquis is
associated with significant changes in the pattern of social organization of the prehistoric populations living along the
Brazilian coast. A similar process, with regard to the relationship between prehistoric societies and environment, is also
evident in the Amazon region. Archaeological and ethnobotanical studies have demonstrated in the last ten years that
forest management and agricultural practices, both traditional in prehistoric and modern native societies, had a great
impact in the landscape, which is associated with significant changes in the pattern of social organization, the construction
of earthworks, and modifications of the soil that originated the Terra Pretas.
Finally we discussed the role of archaeology within Quaternary studies. Archaeology must go beyond a simple
‘consumer’ of paleoenvironmental studies or just a source of data, and be an active player in the construction of
knowledge where environment and humans are historically interrelated.
Key-words: Prehistory; Peopling of Brazil; Hunter-gatherers; Central Brazil; Pleistocene/holocene transition; Shellmounds;
Sambaquis; Southeast Brazil; Maratime human occupation; Anthracology.

1. INTRODUÇÃO um conhecimento sobre o passado das relações socie-


O que faz o período Quaternário único é a dade/meio ambiente, contribuindo, assim, para a gera-
presença do Homem interagindo com o meioambiente, ção de soluções para os vários problemas ambientais
daí a utilização dos termos “Idade do Homem” e que teremos que enfrentar no futuro.
“Antropozóico” para referir-se ao Quaternário. A relação A mudança climática e ambiental é
dinâmica entre as sociedades humanas e o meio ambiente potencialmente um dos problemas mais graves e
tem uma história muito longa, e a Arqueologia é a ciência desastrosos com que a humanidade deverá lidar nas
que desempenha o papel único na construção de um próximas décadas. Poluição, aquecimento global,
conhecimento desta história. Estudos recentes de extinção de várias espécies de animais e plantas,
arqueologia têm construído uma ponte conceitual entre desequilíbrio de ecossistemas, degradação ambiental,
as ciências naturais/físicas e as ciências sociais, e entre tornaram-se problemas comuns à humanidade. Mas
as áreas de ciências e de humanidades (ver, por estamos longe de ter qualquer consenso quanto à
exemplo, artigos em Balée, 1998; Crumley 1994), que origem, a causa e a solução destes problemas.
podem catalisar as várias áreas do conhecimento e gerar Apesar dos recentes avanços tecnológicos na

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16. Arqueologia e Paleoambientes

aquisição de dados ambientais e dos avanços teóricos proposto para toda a América do Sul (Ab’Saber, 1977;
na explicação desses dados, ainda sabemos muito pouco Brown & Ab’Saber, 1979). No entanto, os estudos
sobre os aspectos antrópicos das mudanças climáticas sobre o Quaternário no Brasil nos últimos 25 anos têm
e ambientais. Isto se deve ao fato de que a grande maioria produzido dados que mostram um quadro bem mais
dos estudos ambientais tem sido dominada por complexo, levando a uma revisão e a um refinamento
pesquisadores das ciências físicas, sem treinamento nas do modelo.
áreas de ciências sociais e biológicas. Somente nas Os estudos de Ab’Saber são baseados na flora e
últimas décadas e, sobretudo, nos últimos dez anos é na fauna atuais, em evidências geomorfológicas,
que tem havido um esforço para realizar estudos sedimentares e outras. Alguns aspectos importantes do
metadisciplinares, onde o componente antrópico, isto modelo proposto são: 1) a existência, em períodos
é, o comportamento humano é considerado tão anteriores, de grandes áreas de cerrado no Brasil Central,
importante quanto as outras variáveis ambientais. rodeadas por caatingas por todos os lados menos ao
Mas ainda estamos longe de entender questões sul, onde ocorriam florestas temperadas; 2) raros
complexas sobre as relações entre os elementos que refúgios de florestas no Brasil Central; 3) uma segunda
afetam e que são afetados pelo clima, pois, apesar dos área de cerrado em montanhas e planaltos da região
avanços dos estudos metadisciplinares, ainda são poucas Amazônica, coexistindo com florestas de galerias,
as pesquisas que incorporam informações de como as caatingas e refúgios de florestas; 4) extensos refúgios
populações alteram seu meio ambiente e de como a de florestal tropical nas cadeias de montanhas do norte
atividade humana é diferentemente impactada pelo do subcontinente; e 5) durante os períodos glaciais
ambiente. Mudanças na economia de subsistência, secos, quando as vegetações abertas e secas atingiam
demografia, organização social, tecnologia e de suas extensões máximas, as áreas nucleares de florestas
percepção dos riscos ambientais através do tempo deram lugar em parte a zonas de contato e transição.
resultaram em mudanças intencionais e não-intencionais O modelo propõe que a América do Sul era
do ambiente no mundo todo. Apesar de vários cientistas caracterizada por um clima seco durante o Pleistoceno
sociais, como historiadores, geógrafos e, sobretudo, Terminal, o qual teria acarretado a expansão da caatinga
arqueólogos, estudarem as relações entre humanidade em regiões de cerrado, e a expansão do cerrado em
e ambiente há muito tempo, e de terem reconstruído regiões de floresta (Ab’Saber, 1977, 1982, 1989). Por
essas relações para períodos tão longínquos quanto o exemplo, partes importantes da região Amazônica teriam
Pleistoceno inicial, a três milhões de anos, esses dados sido, durante os períodos de seca, um imenso cerrado,
não têm sido incorporados em modelos com refúgios florestais fragmentados, e nos períodos
metadisciplinares mais abrangentes e compreensivos. úmidos as florestas coalesceram em detrimento ao
Já não podemos hoje falar de estudos do Quaternário cerrado. A alternância de períodos de seca e de
sem a inclusão do fator humano. Seria como criar umidade, com fragmentações da floresta seguidas por
modelos sobre o Quaternário sem a inclusão do clima, coalescência, teria, segundo a Teoria do Refúgio,
ou de fatores tectônicos. O estudo do comportamento resultado na atual distribuição de espécies endêmicas
humano enquanto agente transformador e transformado, na Amazônia (Ab’Saber, 1977, 1982, 1989; Haffer,
resultado de um processo histórico do Quaternário do 1969, 2001; Prance, 1973, 1982a; Simpson & Haffer,
Brasil, é o que se advoga neste capítulo através de 1978; Vanzolini & Williams, 1970). Até recentemente,
exemplos da arqueologia Brasileira. essa elegante teoria era quase que unanimemente aceita,
mas na última década o modelo tem sido contestado
2. MODELOS PALEOAMBIENTAIS UTILIZADOS através de evidências polínicas que não registram a
PELA ARQUEOLOGIA BRASILEIRA existência de uma vegetação de cerrado nos períodos e
regiões que supostamente teriam sido áreas onde
2.1. O Modelo de Aziz Ab´Saber cerrado e floresta tropical teriam tido uma associação
As pesquisas arqueológicas em sua grande cíclica com períodos de seca e umidade (Bush et al.,
maioria utilizam os estudos paleoambientais como 1992; Colinvaux et al., 1996, 2000; De Oliveira, 1996;
modelos estáticos, fragmentados ao longo do tempo. Liu & Colinvaux, 1985). Por outro lado, estudos
Em geral, não há uma discussão crítica dos modelos baseados em isótopos de carbono têm gerado dados
empregados, nem uma preocupação em atualizá-los. A que corroboram a Teoria do Refúgio (Freitas et al.,
reconstituição paleoambiental proposta por Aziz 2001; Pessenda et al., 2001; Sanaiotti, 2001). Van der
Ab’Saber (Figura 16.1) para o Pleistoceno Final é Hammen & Absy (1994), Hooghiemstra & Van der
importante por ser o primeiro modelo biogeográfico Hammen (1998) e Van der Hammen & Hooghiemstra

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Quaternário do Brasil

(2000) propuseram um modelo em que acomoda dados Hammen, 1998, Van der Hammen & Absy, 1994; Van
aparentemente contraditórios, onde uma redução entre der Hammen & Hooghiemstra, 2000).
25 e 40% da umidade na região amazônica poderia gerar Segundo o modelo de Ab’Saber, houve, durante
a diversidade espacial e temporal do registro o Pleistoceno terminal, uma expansão da caatinga no
paleoambiental estudado (Hooghiemstra & Van der Brasil Central em detrimento do cerrado. De fato, a

Figura 16.1. Reconstrução paleombiental da América do Sul entre 18.000 e 13.000 anos A.P. (Fonte: Ab’Saber, 1977,
modificado).

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16. Arqueologia e Paleoambientes

ausência de sedimentação de níveis orgânicos em lagos do Brasil (Alho, 1982, 1993; Mares et al., 1981, 1985;
e veredas dessa região e áreas adjacentes (Behling, 1995; Sampaio, 1995; Streilein, 1982a,b), e que as
Parizzi, 1993; Salgado-Labouriau et al., 1998), e pressuposições feitas pelos paleontólogos de que se pode
evidências de uma diminuição no nível de lagos e da utilizar a megafauna como indicadores paleoambientais
predominância de polens de espécies não arbóreas (De está severamente comprometida. O problema aqui reside
Oliveira, 1992; Ferraz-Vicentini, 1993; Salgado- no raciocínio circular, onde os dados de paleovegetação
Labouriau et al., 1997) têm sido interpretados como são utilizados para explicar as adaptações da fauna extinta
indicadores de um período seco entre o máximo glacial e, por sua vez, a presença dessa fauna é utilizada para a
e 10.000 A.P. Por outro lado, outros estudos indicam o reconstrução paleoambiental quando da falta de outros
contrário, ou seja, um clima mais úmido para o mesmo registros e estudos. O que, de fato, são necessários
período e às vezes para registros bem próximos (De são estudos independentes do registro paleoambiental
Oliveira, 1992; Ledru, 1991, 1993; Ledru et al., 1996). em uma mesma localidade para posterior interpretação.
Também não está claro o grau de retração e expansão Há necessidade também de estudos de anatomia
do cerrado, caatinga e florestas de galerias, já que não funcional dessas espécies extintas, muito importantes
há uma correlação direta entre clima e vegetação, para compreender melhor as adaptações
sobretudo para o cerrado, onde o solo e a topografia comportamentais dessas espécies sob uma perspectiva
têm um papel importante na formação dessa vegetação ecológica —mas esses estudos ainda são extremamente
(Eiten, 1972, 1994; Ledru, 1993). Ou seja, apesar do raros no Brasil (para uma exceção, ver Toledo, 1998).
componente climático ser importante, essas formações Apesar da grande importância do modelo original
vegetais têm grande influência edáfica e é preciso de Ab’Saber e dos trabalhos paleoambientais e
conhecer melhor o grau de influência de cada um para paleoclimáticos que se seguiram nas últimas décadas,
melhor caracterizar os modelos paleoambientais. ainda existem problemas chaves a serem resolvidos para
uma melhor interação entre arqueologia e estudos
2.2. Outros Modelos, Novos Dados paleoambientais. Por exemplo, é relativamente comum a
Os estudos de paleofauna no Brasil Central interpolação de datas quando do estudo de colunas
também têm-se desenvolvido nas últimas décadas e polínicas, pressupondo-se assim uma taxa de
contribuído para a discussão do modelo de Ab’Saber. sedimentação constante ao longo do tempo. Isto nem
A fauna extinta da região de Lagoa Santa, composta sempre é verdadeiro e acaba gerando dados que
por preguiça-gigante, tatu-gigante, cavalos e outros dificilmente podem ser comparados com outros registros.
megamamíferos (e.g., Pampatherium, Toxondon, Outro problema é a falta de marcadores cronológicos
Glossotherium, Glyptodon, Eremotherium, Lestodon, bem definidos que possam auxiliar os estudos do
Haplomastodon e Equus) normalmente é interpretada Quaternário. Por exemplo, na América do Norte existem
como sendo adaptada a vegetações abertas e semi- bons marcadores culturais (e.g., pontas Clóvis ≅11.500-
abertas (Cartelle, 1999; Marshall, et al., 1984). Alguns 10.500 A.P.) e naturais (e.g., extinção de Megafauna
outros animais contemporâneos à megafauna (como a ≅11.000 A.P.). Apesar do crescente número de estudos
anta, do gênero Tapirus) são mais adaptados a áreas de paleontológicos, não se tem nenhuma informação sobre
floresta, o que sugere um ambiente de mosaico que a cronologia do aparecimento e da extinção das espécies
incluía vegetação aberta e florestas. Em Lagoa Santa, a de mamíferos do Brasil, bem como de outros animais e
presença do roedor nútria (Myocastor coypus), hoje plantas. No Brasil Central, onde os estudos de
restrito às regiões mais frias do Sul do Brasil, e a paleontologia brasileira se iniciaram há mais de 150 anos,
presença de duas espécies extintas de ursos do gênero com os trabalhos de Lund, até agora só foi feita uma
Arctodus sugerem um clima significativamente mais frio datação, indireta, para espécies extintas. Carvões
que o presente durante o Pleistoceno terminal. No associados a níveis estratigráficos nos quais ossos e
Nordeste do Brasil, nas regiões de São Raimundo coprólitos de uma preguiça terrícola (Catonyx cuvieri)
Nonato, no Piauí (Guérin, 1991; Guérin et al., 1993, foram escavados no sítio arqueológico de Lapa Vermelha
1996), e na Toca da Boa Vista, no nordeste baiano IV na região de Lagoa Santa foram datados em
(Cartelle, 1995; Cartelle & Hartwig, 1996), as espécies 9.580±200 A.P. (GIF 3208, Laming-Emperaire et al.,
presentes são quase que as mesmas que se encontram 1975). Piló e Neves (2002) relatam uma idade de
na região de Lagoa Santa, sugerindo então condições 9.990±40 (BETA 165398) obtida diretamente dos ossos
paleoambientais parecidas. Uma outra explicação seria de uma preguiça gigante da mesma espécie da de Lapa
uma distribuição mais generalizada desses Vermelha IV encontrada na década de 1980 em um sítio
megamamíferos, como é o caso dos mamíferos atuais paleontológico na região de Lagoa Santa.

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Quaternário do Brasil

3. PRIMEIRAS OCUPAÇÕES DO FINAL DO Prous & Malta, 1991; Sítio Lapa Vermelha; Laming-
PLEISTOCENO E COMEÇO DO HOLOCENO Emperaire, 1979; Prous, 2001), em Pernambuco (sítios
Brejo de Madre de Deus-Abrigo 3 e Chão do Cabloco;
3.1. Introdução Martin, 1996; Schmitz, 1987) e no Piauí (níveis
A questão da temporalidade da ocupação humana superiores dos sítios Boqueirão da Pedra Furada e Sítio
no Brasil é um dos problemas mais antigos da arqueologia do Meio; Guidon & Pessis, 1993; Martin, 1996; Parenti,
brasileira. Desde os trabalhos pioneiros de Lund (Couto, 1996).
1950; Lund, 1842, 1844), a cronologia das primeiras Apesar da importância e do apelo popular sobre
ocupações humanas, a contemporaneidade dessas a antiguidade da ocupação pré-histórica do Brasil, essa
ocupações com uma megafauna hoje extinta e a origem discussão tem que se dar dentro de um contexto
das primeiras populações têm sido investigadas e debatidas paleoantropológico mais abrangente, no qual questões
nos meios acadêmicos, mas ainda não há um consenso. sobre evolução humana, tanto nos seus aspectos
Asserções quanto a uma ocupação datada de pelo menos biológicos quanto culturais, sejam estudadas dentro da
35.000 anos (Guidon & Delibrias, 1986; Guidon et al., perspectiva evolutiva e histórica das grandes mudanças
1994; Parenti, 1996) foram feitas para o sítio arqueológico que ocorreram durante o período pós-glacial no mundo,
Pedra Furada, localizado na região de caatinga do nordeste incluindo aí as interações entre sociedades humanas e
brasileiro, no estado do Piauí. Controvérsias quanto à grandes mudanças paleoambientais.
natureza humana de possíveis artefatos líticos, quanto à
natureza das amostras de carvão datadas e a associação 3.2. Transição Pleistoceno/Holoceno:
dessas amostras com o material lítico, e quanto a Contextos Ambientais e Culturais
problemas estratigráficos e tafonômicos (formação do Durante o intervalo de tempo compreendido entre
sítio arqueológico) são questões ainda não resolvidas o final da última glaciação (≅18.000 A.P.) e o começo
(Guidon & Pessis, 1993; Meltzer et al., 1994; Parenti et do pós-glacial (isto é, antes do ótimo climático do
al., 1996). Kipnis (2002) considera que há um problema Holoceno, ≅5.000), populações humanas colonizaram
intrínseco com o material arqueológico e o contexto em as Américas, a última região do planeta a ser ocupada
que foi encontrado em Pedra Furada, de tal maneira que, pelo Homo sapiens (exceto a Antártica), e habitavam
mesmo que fossem encontradas, no futuro, evidências uma vasta variedade de sistemas ecológicos ao redor
indiscutíveis de ocupação humana na América há mais do mundo. Mais notadamente, durante o período entre
de 35.000 anos, ainda assim elas não validariam os 13.000 e 8.000 anos atrás, a história da humanidade
achados de Pedra Furada. presenciou mudanças econômicas extraordinárias, de
Evidências bem documentadas da ocupação uma economia forrageira universal em direção ao
humana no Brasil datam do final do Pleistoceno, com desenvolvimento e à difusão de estratégias de produção
as datações radiocarbônicas mais antigas atingindo alimentar (isto é, domesticação de plantas e animais).
≅11.000 A.P. (Kipnis, 1998; Prous, 1992; Prous & Considerando a história evolutiva humana como
Fogaça 1999; Roosevelt, 1998; Roosevelt et al., 1996; o tempo entre o último momento que se compartilha
Schmitz, 1987). Apesar de que essas datações ainda um ancestral comum com os chimpanzés —os parentes
necessitam de um melhor refinamento cronológico, elas mais próximos do Homem, entre os primatas—, e hoje,
têm tido uma maior aceitação nos últimos anos (Dillehay, e ao se utilizar esse período de 6 milhões de anos como
2000; Fiedel, 2000, Roosevelt et al., 2002). Os uma medida, o advento da produção alimentar é
principais sítios datados do Pleistoceno terminal (Figura extremamente curto. Ao se tornar 6 milhões de anos
16.2), com ótimas evidências arqueológicas (e.g., equivalentes a uma hora, o período de 5 mil anos
cultura material indiscutível, associações estratigráficas (13.000-8.000 anos), quando as populações humanas
bem claras, restos humanos etc.), e que têm sido objeto começaram a domesticar plantas e animais, representa
de estudos nas duas últimas décadas, estão localizados somente três segundos, durante os quais grandes
na Amazônia (Sítio Caverna da Pedra Pintada; Roosevelt, mudanças ocorreram na dieta humana, na tecnologia,
1998; Roosevelt et al., 1996, 2002), no Mato Grosso no padrão de assentamento e na organização social.
(Sítio Santa Elina; Vilhena-Vialou & Vialou, 1994; Essas mudanças, mais conhecidas como broad spectrum
Vilhena-Vialou et al., 1995), em Goiás (vários sítios na revolution, têm sido registradas em todos os
região de Serranópolis; Schmitz, 1984, 1987; Schmitz continentes, e em diferentes contextos ecológicos.
et al., 1989), em Minas Gerais (Sítio Lapa do Boquete; Após o final do Último Máximo Glacial, cerca de
Prous, 1991; Prous & Fogaça, 1999; Sítio Lapa dos 18.000 anos atrás, grandes áreas do planeta foram
Bichos; Kipnis, 1998, 2002; Sítio Santana do Riacho; colonizadas por populações humanas pela primeira vez,

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16. Arqueologia e Paleoambientes

et al., 1996, e de recentes revisões mundiais no


Quaternary International, v.49/50 –1998– e v.53/54 –
1999). Estudos realizados sobre os efeitos da
variabilidade ambiental, no tempo e no espaço, na
organização sociopolítica e na estratégia de subsistência
de sociedades humanas têm sugerido que as respostas
culturais à instabilidade paleoambiental durante o período
pós-glacial são fatores importantes na explicação da
variabilidade de estratégias humanas para a sobrevivência
(Binford, 2001; Gamble, 1986, 1999; Price & Brown,
1985). Vários modelos foram sugeridos para explicar o
padrão de transformação observado no registro
arqueológico, mas estudos recentes têm demonstrado
uma diversidade significativa de estratégias que não
foram previstas pelos modelos até agora construídos.
A diversidade das respostas culturais provém da
premissa de que: 1) o ambiente, em sua grande parte,
determina o tipo, a qualidade, a abundância, a freqüência
Figura 16.2. Principais sítios e regiões arqueológicas do e a distribuição dos recursos alimentares silvestres; 2)
Brasil Central.
mudanças climáticas e de vegetação, especialmente as
oscilações climáticas dramáticas, podem resultar em
o número de assentamentos humanos aumentou, a mudanças na densidade, na distribuição e na freqüência
mobilidade das sociedades de caçadores-coletores reduziu, dos recursos; e 3) as sociedades de caçadores-coletores,
o processo inicial da domesticação de plantas e de animais em face de uma série de novas opções quanto ao que,
teve início, mudanças significativas no modo de onde e como explorar esse ambiente em transformação,
processar e armazenar alimentos ocorreram e responderam à nova situação com criatividade.
organizações políticas e sociais ficaram mais complexas. Importantes variáveis têm sido sugeridas para
Apesar de algumas dessas mudanças terem sido explicar as mudanças nas estratégias de subsistência
generalizadas, elas tiveram uma temporalidade diferente durante o final do Pleistoceno e o início do Holoceno:
entre áreas e variações locais. Por exemplo, tem sido pressão demográfica (Binford, 1968; Clark & Straus,
sugerido que, no Oriente Médio (Flannery, 1965, 1969; 1986; Cohen, 1977), estabilidade ambiental (Jochim,
McCorriston & Hole, 1991; Miracle, 1995) e na 1981), deterioração ambiental (Moore & Hillman, 1992)
Mesoamérica (Flannery, 1968, 1986), recursos e sazonalidade (McCorriston & Hole, 1991). Durante a
alimentares provindos de plantas e de animais silvestres transição Pleistoceno/Holoceno, as flutuações climáticas
(que, apesar de estarem disponíveis anteriormente na e ambientais associadas à deglaciação foram ocorrências
natureza, não eram muito exploradas) tornaram-se mundiais (Bender et al., 1994; Chappelaz et al., 1993;
repentinamente elementos importantes, senão dominantes, Wright Jr. et al., 1993), impondo novos riscos às
da dieta local no final do Pleistoceno e no começo do sociedades de caçadores-coletores.
Holoceno. Na Austrália (Edwards & O’Connell, 1995) e
nas terras baixas da América do Sul (Kipnis, 1998, 2002), 3.3. Transição Pleistoceno/Holoceno na
as mudanças nas estratégias de subsistência, em conjunto Região Neotropical
com o aparecimento de novas tecnologias e mudanças A questão da transição do Pleistoceno/Holoceno
no padrão de assentamento, ocorreram mais tardiamente, nas regiões tropicais foi pouco tratada até recentemente
próximo ao Holoceno médio, bem depois das primeiras devido, entre outros motivos, à idéia difundida entre
evidências de mudanças similares em outras regiões e antropólogos de que o ambiente tropical é caracterizado
não associadas às grandes mudanças climáticas do por uma grande homogeneidade espacial e temporal
Pleistoceno terminal. (Binford, 1980; Jochim, 1981; Whitelaw, 1991).
As mudanças generalizadas do ambiente Acreditava-se que as mudanças climáticas do Pleistoceno
associadas à deglaciação no final do Pleistoceno, terminal não teriam sido significativas nas regiões tropicais,
juntamente com as mudanças nos padrões de adaptação e que elas teriam afetado as terras baixas da América do
cultural humana, têm sido um importante objeto de Sul de forma homogênea. Na realidade, os ambientes
estudo pela arqueologia em todos os continentes (Straus tropicais são muito complexos e compostos por

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Quaternário do Brasil

ecossistemas extremamente diversos, com importantes a hipótese de Lathrap (1968) e Lynch (1978). O que se
variações regionais quanto à disponibilidade de recursos, sabe é que, apesar do pequeno número de projetos
sazonalidade e flutuações interanuais (Bourlière, 1983; arqueológicos sistemáticos na Amazônia, existem dados
Gentry, 1992; Prance, 1982b; Sarmiento, 1984; Whitmore, que indicam uma longa ocupação dessa região.
1998). Além disso, mudanças ambientais associadas ao Na região da Serra dos Carajás, há evidências de
final da deglaciação (Wright et al., 1993) também têm uma ocupação humana (indústria lítica associada a
sido registradas nas regiões tropicais (Guilderson et al., restos faunísticos e fogueiras antrópicas) na Gruta do
1994). De modo geral, as flutuações paleoclimáticas nos Gavião datada em 8.140±130 A.P. (Da Silveira 1994;
trópicos foram sincrônicas com oscilações em outras Prous 1992). O projeto arqueológico coordenado por
regiões do mundo, embora provavelmente com intensidade A.C. Roosevelt (Roosevelt, 1998; Roosevelt et al.,
menos pronunciada do que em regiões de altas latitudes 1996, 2002) na região de Santarém (Caverna da Pedra
ou altitudes. Pintada) tem obtido dados que estendem a ocupação da
Um dos poucos modelos propostos para a região para o final do Pleistoceno, por volta de 11.000
colonização humana da América do Sul é o sugerido A.P. O que não se sabe ao certo é se essas ocupações
por Lathrap (1968) e Lynch (1978). Esses autores estão associadas a florestas ou a cerrados. Estudos
advogaram que a floresta amazônica não oferece palinológicos, ainda muitos preliminares, dos vestígios
condições ecológicas favoráveis para uma ocupação faunísticos e botânicos associados às antigas ocupações
baseada na caça e coleta. Segundo essa hipótese, os humanas, tanto na Gruta do Gavião quanto na Caverna
grupos caçadores-coletores, ao entrarem na América da Pedra Pintada, indicam uma predominância de
do Sul, não teriam ocupado a Amazônia, ou logo se espécies que ocorrem hoje em ambientes de florestas
tornado ali agricultores. Essa hipótese foi retomada no (Da Silveira, 1994; Roosevelt et al., 1996). Estariam
final dos anos de 1980 para explicar a interação entre essas ocupações associadas a períodos de maior
bandos e sociedades tribais modernas. Ela não se limita umidade? Ou será que elas ocorreram em períodos de
à Amazônia, mas abrange outras regiões de florestas seca e estão associadas a áreas de refúgio? Ou ainda,
tropicais (Bailey et al., 1989; Bird-David, 1992; será que os dados arqueológicos não corroboram a teoria
Headland & Bailey, 1991; Headland & Reid, 1989; Speth, do refúgio, mas, pelo contrário, a refutam? Mais
1991; Solway & Lee, 1990; Wilmsen & Denbow, 1990; importante, do ponto de vista do comportamento
Lee, 1991; Shott, 1991). Os modelos teóricos mais humano, será que esses dados refutam a hipótese das
recentes propõem que as florestas tropicais são, em florestas tropicais serem regiões limitantes para a
geral, deficientes em carboidratos (carbohydrate- colonização por parte de sociedades de caçadores-
limited) e, conseqüentemente, sistemas de subsistência coletores? Para poder responder a essas questões, há
baseados em caça e coleta nessas regiões são viáveis necessidade de mais dados arqueológicos e
somente quando carboidratos provenientes de paleoambientais, e de uma maior interação entre as duas
sociedades horticultoras, estão disponíveis através de áreas para que se complementem.
troca (Bailey et al., 1989; Bailey, 1991) ou de “saque” Piperno & Pearsall (1998) advogam um modelo
(Balée, 1992, 1994). Segundo esse modelo, a ocupação no qual as primeiras sociedades de caçadores-coletores
da Amazônia por caçadores-coletores só seria viável teriam colonizado a região neotropical no Pleistoceno
após uma ocupação da região por grupos horticultores. terminal coexistindo com uma megafauna hoje extinta.
Esses modelos assumem implicitamente que a vegetação Essas populações teriam concentrado suas atividades de
da Amazônia no final do Pleistoceno e no início do subsistência na caça dessa megafauna, já que sua
Holoceno teria sido predominantemente constituída por exploração traria um retorno maior em comparação à
floresta tropical. exploração de outros recursos e de outras áreas menos
Para essa discussão, seria fundamental contar favoráveis do ponto de vista econômico. Com a
com quadros paleoclimáticos e paleoambientais mais diminuição e a extinção da megafauna, os grupos de
amplos e refinados do que os hoje existentes (ver caçadores-coletores voltaram-se para áreas menos
discussão acima). Por exemplo, não há uma precisão favoráveis e para recursos com retorno energético menor
cronológica quanto às ocorrências de seca e de umidade (plantas). As autoras propõem uma transição relativamente
no Pleistoceno e no Holoceno, e não há congruência rápida de uma economia de forrageio (voltada para caça,
temporal entre os vários estudos paleoambientais até coleta e pesca) para uma economia de produção
agora efetuados na Amazônia. As áreas de refúgio (domesticação de plantas e horticultura) já no começo
propostas pelos diferentes estudos não coincidem do Holoceno, em torno de 7.000 A.P.
geograficamente. Esses são dados cruciais para testar Um modelo anterior ao de Piperno & Pearsall foi

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16. Arqueologia e Paleoambientes

desenvolvido por Schmitz (1984, 1987) para o Brasil ausência de umas das principais premissas do modelo
Central. Segundo Schmitz, durante o Holoceno inicial, a de Piperno & Pearsall (1998), que é a existência de
região foi ocupada por caçadores-coletores com uma ambientes com uma diferença acentuada quanto ao
dieta alimentar baseada na caça de grandes animais (anta, retorno energético para a exploração por sociedades
veado, porco do mato etc.), suplementada por animais forrageiras. O impacto das mudanças climáticas no
menores (tatus, tamanduás, tartarugas etc.). Schmitz período pós-glacial, principalmente durante a transição
argumenta que, durante o Holoceno médio, ocorreu um Pleistoceno/Holoceno no Brasil Central, é um outro
aumento na exploração de pequenos vertebrados e de ponto importante a ser mais bem caracterizado quanto
plantas que culminou, próximo ao Ótimo Climático aos aspectos paleoambientais. Uma maior estabilidade
(≅5.000 A.P.), na incorporação de plantas domesticadas implicaria um menor risco às populações pré-históricas,
à dieta alimentar. No modelo de Schmitz, com o aumento contra o modelo de Kipnis (2002). Por outro lado, a
da umidade no Ótimo Climático, a vegetação ficou mais instabilidade climática, como indicam os trabalhos
densa, os mamíferos mais dispersos, diminuindo em paleoambientais existentes, necessita de um melhor
abundância, e as sociedades de caçadores-coletores refinamento temporal e espacial. Os períodos de seca
responderam com uma modificação em sua subsistência, prolongada no Brasil Central eram generalizados, ou
com uma maior ênfase em recursos vegetais. localizados? Qual a duração das flutuações climáticas
Uma revisão detalhada dos estudos registradas em algumas seqüências polínicas? A
paleoambientais, juntamente com análise minuciosa do coexistência entre megafauna e populações humanas
material faunístico de três sítios arqueológicos com restringiu-se a alguns poucos anos ou sequer ocorreu?
ocupações datadas do Pleistoceno final e do Holoceno Em resumo, os estudos paleoambientais realizados até
inicial e médio no estado de Minas Gerais não corrobora o momento já possibilitam a construção de quadros
esses dois modelos (Kipnis, 2002). Não há nenhuma referenciais para a interpretação do registro
evidência da caça de megafauna nos sítios do Brasil arqueológico. Esses modelos devem agora guiar o tipo
Central e na Amazônia datados do final do Pleistoceno e de trabalho a ser feito para resolver questões específicas
do começo do Holoceno. A cronologia dessa megafauna, da arqueologia.
como já mencionado, não é conhecida para o Brasil. As
parcas evidências que se têm, duas datações para 4. CONSTRUÇÃO DOS SAMBAQUIS E
preguiças terrícolas em Minas Gerais de cerca de 10.000 ESTABILIDADE DO ECOSSISTEMA
A.P. têm que ser confirmadas e é preciso ter uma LITORÂNEO NAS REGIÕES SUDESTE E SUL DO
cronologia absoluta para várias outras espécies. O registro BRASIL
arqueológico do Pleistoceno final e do Holoceno inicial
do Brasil Central sugere, na verdade, que as primeiras 4.1. Sambaquis e Sambaquieiros: um Breve
populações humanas ao se estabelecerem na região Histórico
Neotropical já o fizeram com uma dieta diversificada, O litoral brasileiro foi ocupado, ao longo do
baseada na coleta de plantas e complementada por caça Holoceno recente, por populações de pescadores-
de animais de pequeno e médio porte. Essa estratégia coletores que deixaram como principais vestígios os sítios
econômica também parece ter caracterizado as primeiras arqueológicos conhecidos como “sambaquis”. Esses
populações na Amazônia (Da Silveira, 1994; Gnecco, sítios, que normalmente ocorrem agrupados na paisagem,
1994, 1999; Gnecco & Mora, 1997; Roosevelt et al., geralmente foram construídos na restinga (Scheel-Ybert,
1996). Kipnis (2002) sugeriu que, com o aumento gradual 2000), em locais onde o litoral é recortado, próximo a
da umidade em direção ao clima atual e com uma maior grandes corpos d’água (mar, lagoas, rios e baías) e na
estabilidade climática, recursos com maior retorno conjunção de vários compartimentos ecológicos
energético (animais de grande porte, como anta e porco- (restingas, estuários, mangues e florestas). Eles se
do-mato) tornaram-se mais abundantes e, caracterizam por uma plataforma que se destaca na
conseqüentemente, mais freqüentes na dieta das paisagem, onde são reunidos testemunhos de habitação,
sociedades pré-históricas durante a segunda metade do restos de lixo e sepulturas (Gaspar, 1992). A origem
Holoceno. dessas populações ainda não foi bem estabelecida. As
Estudos paleoambientais seriam capitais para o datações mais antigas aceitas por toda a comunidade
refinamento dos modelos apresentados. Uma vegetação científica provêm dos estados do Pará (7.090±80 A.P.)
sem a presença do mosaico de cerrado e floresta, e/ou e do Paraná (6.540±105 A.P.) (Gaspar, 1996). É possível
sem ciclos de expansão e contração de florestas, como que sítios mais antigos tenham existido, mas eles
sugerem alguns estudos para a Amazônia, implicaria a provavelmente foram destruídos pela subida do nível do

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Quaternário do Brasil

mar no início do Holoceno (Hurt, 1983/84; Gaspar, 1992). considerados quase que exclusivamente como “comedores
A partir de 5.000 anos A.P., vários setores da costa de moluscos”. Apenas nos últimos anos, a pesca começou
estavam colonizados e as populações estavam em plena a ser reconhecida como mais importante do que a coleta
expansão territorial (Gaspar, 1996). de moluscos em sua dieta (Figuti, 1993, 1996; Klökler,
Alguns arqueólogos postularam que mudanças 2000), mesmo quando os restos de conchas são
econômicas e, eventualmente, o desaparecimento dos aparentemente predominantes na estratigrafia do sítio. Já
pescadores-coletores teriam sido devidos a mudanças a coleta de vegetais, embora implicitamente reconhecida,
ambientais (Uchôa, 1981/82; Dias, 1987), mas essa é freqüentemente vista como uma atividade secundária, e
hipótese nunca foi demonstrada. Não há evidências sua contribuição à dieta considerada como praticamente
arqueológicas nem paleoambientais de mudanças negligenciável. O consumo de vegetais geralmente é
climáticas significativas para desencadear mudanças nas subestimado em favor de atividades que deixam vestígios
estratégias de subsistência ou até abandono da região. mais visíveis no sedimento arqueológico, como a coleta
Modelos mais atuais sugerem que a desestruturação do de moluscos, a caça ou a pesca. A importância do amido
sistema dos pescadores-coletores foi devida ao contato na alimentação humana também é subestimada. No entanto,
com grupos ceramistas, mais belicosos, que teriam note-se que a necessidade diária de carboidratos é da ordem
chegado à costa (Neves, 1988; Gaspar, 1992). As de 400-600 g por pessoa, enquanto a necessidade mínima
datações mais antigas conhecidas para os grupos de proteínas é de apenas 30 g diárias (Piperno & Pearsall,
ceramistas litorâneos são contemporâneas aos últimos 1998).
pescadores-coletores (≅1.000 A.P.).
Durante muito tempo, os sambaquis, interpretados 4.2. Paleoambiente e Paleoetnologia: Novas
como o resultado da acumulação dos restos alimentares Questões
(lixo) de caçadores-coletores nômades, foram A colaboração entre arqueologia e ciências afins
considerados como o fruto de ocupações estacionais tem levado os pesquisadores a se interrogar sobre novas
(Heredia et al., 1989; Kneip et al., 1991). O litoral era questões, gerando dados inéditos sobre o ambiente no
considerado, erroneamente, como um ambiente pobre qual viviam as populações pré-históricas, a
quanto a recursos alimentares e que, portanto, não poderia paleoetnologia dessas populações e sua relação com o
sustentar um assentamento permanente e de longa ambiente. Estudos mais recentes de várias disciplinas
duração. Atualmente, uma nova corrente da arqueologia têm indicado que a importância das plantas para essas
brasileira considera que as populações de pescadores- populações era muito maior do que se acreditava até
coletores do Holoceno eram sedentárias e tinham uma então (Neves & Wesolowski, 2002; Reinhard et al., no
organização sociocultural relativamente complexa. Os prelo; Scheel-Ybert, 2001a; Wesolowski, 2000). Apesar
sambaquis corresponderiam não somente a locais de de uma economia essencialmente baseada na pesca e
habitação e de enterramento dos mortos, mas também a na exploração de produtos marinhos, há indícios de que
“monumentos” destinados a marcar a paisagem (De os sambaquieiros praticavam manejo de vegetais,
Blasis et al., 1998). Sua construção não decorria de uma incluindo espécies produtoras de tubérculos e árvores
acumulação aleatória de lixo, mas era intencional. Os sítios frutíferas (Scheel-Ybert, 2001a).
eram localizados estrategicamente para a exploração de Anteriormente, o conhecimento sobre os
áreas ricas em peixes e moluscos, bem como de mangues sambaquieiros baseava-se essencialmente em restos de
e florestas. Sua distribuição espacial, sempre em grupos, animais e muito pouco era conhecido de sua relação
indica estabilidade territorial (Gaspar 1998). Os com os ecossistemas vegetais. A má conservação dos
agrupamentos de sítios provavelmente formavam restos botânicos nunca permitiu uma apreensão
espécies de aldeias (Gaspar, 1992). adequada da paleovegetação e, até recentemente, o
Especificidades locais e regionais dos sambaquis paleoambiente associado a esses sítios era inferido
freqüentemente conduziram os arqueólogos a considerar somente a partir de vestígios animais ou por comparação
que sítios diferentes, ou algumas vezes as diversas com estudos paleoecológicos regionais.
camadas de um mesmo sítio, eram os vestígios de grupos Os sítios arqueológicos, no entanto, contêm quase
culturais distintos (Kneip, 1980; Dias & Carvalho, 1983/ sempre uma grande quantidade de carvão, que representam
84). No entanto, a similaridade das indústrias é uma uma fonte inestimável de informações. A antracologia, que
característica recorrente em todos os sambaquis (Gaspar, é o estudo de restos de carvão coletado em solos ou em
1992), indicando que seus construtores faziam parte de sítios arqueológicos, permite reconstituições
um mesmo sistema sociocultural. paleoambientais e paleoclimáticas, além de fornecer
Os sambaquieiros foram por muito tempo informações sobre a exploração de madeiras pelas

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16. Arqueologia e Paleoambientes

populações pré-históricas (Scheel et al., 1996; Scheel- florestais. Isto é conseqüência da localização geográfica
Ybert, 2000, 2001a). Essa disciplina, complementar à de cada sambaqui. O Sambaqui do Forte está situado
palinologia, autoriza uma boa reconstituição da vegetação perto da Praia do Forte, no domínio fitossociológico da
lenhosa local. Sua validade para a reconstrução restinga, enquanto os outros dois sítios se situam na
paleoambiental agora está bem estabelecida, tanto em margem leste do Canal de Itajuru, sobre o maciço
regiões temperadas e mediterrâneas (Badal et al., 1994; cristalino coberto pela floresta.
Figueiral, 1995; Heinz, 1991; Heinz & Thiébault, 1998; Em Arraial do Cabo, o Sambaqui da Ponta da
Piqué i Huerta, 1999; Solari, 1990, 1993/94; Thiébault, Cabeça, que se situa no Morro do Itirinho, próximo à
1997; Vernet, 1990, 1992; Vernet & Thiébault, 1987) quanto Praia de Massambaba, apresenta predominância da
nos trópicos (Scheel-Ybert, 1998, 2000, 2001b; Scheel- restinga aberta desde cerca de 3.300 anos A.P. até depois
Ybert et al., 2003). As amostras de carvão apresentam, de 2.000 anos A.P., mas diversas outras formações
em geral, uma grande riqueza taxonômica, os resultados vegetais também existiam na região e são representadas
antracológicos são similares em sítios vizinhos, e há no espectro antracológico (Figura 16.3). Esse resultado
correspondência entre os espectros antracológicos, os também pode ser explicado pela localização geográfica
espectros palinológicos regionais e os tipos de vegetação do sítio, numa colina a 40 m de altitude, mas muito
atual. A lenha coletada pelos sambaquieiros, certamente perto do mar. Essa área é caracterizada por um clima
para fogueiras domésticas, provinha da madeira morta particularmente seco em relação às regiões vizinhas,
disponível ao redor do sítio e não era selecionada (Scheel- devido a um fenômeno de ressurgência centrado nesse
Ybert, 2000, 2001a). setor. Os resultados antracológicos demonstraram a
presença de mangue nas proximidades do sítio
4.3. Análises Paleoambientais (provavelmente nas margens da Lagoa de Araruama),
Estudos antracológicos foram realizados até o o que é muito interessante, uma vez que essa vegetação
momento em sete sambaquis do litoral sudeste do estado não existe mais na região.
do Rio de Janeiro —Sambaquis do Forte, Salinas As formações de restinga aberta eram
Peroano, Meio e Boca da Barra, no Município de Cabo predominantes também na região de Saquarema durante
Frio (22°53’S, 42°03’W), Sambaqui da Ponta da todo o período de ocupação dos Sambaquis da Beirada
Cabeça, no Município de Arraial do Cabo (22°57’S, e da Pontinha, ou seja, entre 4.300 e 3.800 anos A.P. e
42°14’W), Sambaquis da Beirada e da Pontinha, no de ≅2.300 a depois de 1.800 A.P., respectivamente
Município de Saquarema (22°55’S, 42°33’W) (Scheel- (Figura 16.3). A fraca contribuição de elementos
Ybert, 2000, 2001a)— e um sambaqui do litoral do florestais e de mangue nesses dois sambaquis não
Estado de Santa Catarina —Sambaqui Jabuticabeira-II, significa que essas formações eram raras, mas que
no Município de Jaguaruna (28°36’S, 48°57’W) estavam mais distantes e sua exploração pelas
(Scheel-Ybert, 2001b). populações que habitavam o local era menor.
Os sambaquieiros do litoral sul do estado do Rio O espectro antracológico de todos os sítios
de Janeiro ocuparam um ambiente caracterizado pela estudados é sensivelmente o mesmo ao longo de vários
interface de três associações vegetais: a restinga, o séculos de ocupação humana, o que indica que a
mangue e as formações florestais, como a mata seca, vegetação não sofreu alterações, nem de origem
característica da região de Cabo Frio, e a Mata Atlântica. climática, nem de origem antrópica, durante todo o
Na região de Cabo Frio, os sambaquis, ocupados desde Holoceno superior.
cerca de 5.500 A.P. até pelo menos 1.400 A.P., estavam
estabelecidos num ambiente de restinga, de mata seca e 4.4. Oscilações Climáticas
de mangue (Figura 16.3), formações vegetais que são as Variações significativas dos elementos de mangue
mesmas hoje existentes na região. Os pescadores- foram evidenciadas pela análise antracológica. A redução
coletores tinham acesso também à Mata Atlântica, situada da vegetação do mangue pode ter sido devida a um
mais para o interior das terras, mas o uso de lenha clima mais seco e a um aumento da salinidade na Lagoa
proveniente dessa formação era negligenciável. O de Araruama, confirmando a existência de pelo menos
Sambaqui do Meio foi estabelecido próximo à restinga, dois episódios úmidos (5.500-5.100 e 2.300-2.000 anos
mas, devido ao pequeno número de carvões encontrado A.P.) e de dois episódios secos (4.900/4.500-2.300 e
nesse sítio, uma reconstituição detalhada não pôde ser 2.000-1.400 A.P.) na região (Scheel-Ybert 2000).
feita. A restinga aberta é mais bem representada no Essa interpretação é corroborada por
Sambaqui do Forte, enquanto nos Sambaquis Salinas modificações na sedimentação lagunar, observadas em
Peroano e Boca da Barra predominam as formações diversos testemunhos de lagoas da mesma região, que

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Quaternário do Brasil

indicam a existência de um clima mais úmido entre 6.600 1992), o que pode ter acarretado numa expansão da
e 5.400 anos A.P., seguido por condições climáticas área de coleta de lenha.
semi-áridas que provocaram aumentos de salinidade a As variações observadas não podem ser
partir de 5.100 anos A.P., período em que ocorreram atribuídas a oscilações do nível do mar, pois os três
episódios de seca acentuada e alguns episódios um episódios transgressivos (5.100-3.900, 3.600-2.700 e
pouco mais úmidos (Tasayco-Ortega, 1996). após 2.500 anos A.P.) e os dois episódios regressivos
A comparação da curva de variação isotópica (3.900-3.600 e 2.700-2.500 anos A.P.) postulados para
dos carbonatos nos sedimentos (Tasayco-Ortega, 1996) a costa brasileira (Martin et al., 1979/80, 1997) não
e dos espectros antracológicos mostrou que as baixas estão em fase com a evolução do mangue. Pode-se
salinidades registradas antes de 5.100 e entre 2.300 e considerar que esses resultados refutam essa hipótese
2.000 anos A.P. correspondem a períodos nos quais o de Martin e colaboradores sobre as flutuações do nível
mangue estava bem desenvolvido, enquanto o período do mar, e corroboram propostas mais recentes que
de forte salinidade lagunar entre 5.100 e 2.300 anos indicam que o nível do mar abaixou regularmente desde
A.P. corresponde a uma forte diminuição do mangue 5.500 anos A.P., sem oscilações negativas significativas
nas margens do Canal de Itajuru (Figura 16.4). Logo, (Angulo & Lessa, 1997; Ybert et al., 2003).
um clima mais úmido existia na região até cerca de Existe uma idéia bem aceita de que os ambientes
5.000 anos A.P., seguido por um período seco que durou costeiros seriam extremamente sensíveis a mudanças
até 2.300 anos A.P. Um breve episódio úmido entre climáticas (Senna, 1990) e que a vegetação costeira
2.300 e 2.000 anos A.P. foi seguido por uma nova fase reagiria particularmente rápido a essas oscilações. Mas
seca, que se manteve pelo menos até o fim da ocupação apesar das oscilações climáticas registradas na região e
dos sambaquis naquela região. que afetaram a vegetação de mangue, nenhum indício
Em Arraial do Cabo, duas hipóteses não de modificação significativa do ecossistema vegetal de
mutuamente exclusivas podem explicar o aumento terra firme foi detectado nesse período.
significativo dos elementos de mangue pouco antes de
2.000 anos A.P. Ele pode ser devido a um aumento real 4.5. Outros Estudos
do mangue no ambiente, ou ser conseqüência de um Resultados similares foram obtidos a partir da
aumento populacional no sambaqui. De fato, a camada análise antracológica do Sambaqui Jabuticabeira II, no
arqueológica superior, onde ocorre o aumento dos estado de Santa Catarina. Nenhuma modificação
elementos de mangue, é considerada pelos arqueólogos significativa do ambiente vegetal foi observada nesse
como o apogeu da ocupação do sítio (Tenório et al., sítio, que estava localizado na restinga e foi ocupado

Figura 16.3. Diagramas antracológicos sintéticos dos sambaquis do Forte, Salinas Peroano, Boca da Barra, Ponta da
Cabeça, da Beirada, da Pontinha e Jabuticabeira-II.

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16. Arqueologia e Paleoambientes

entre 2.500 e 1.900 anos A.P. (Scheel-Ybert, 2001b). Paulo, o estudo palinológico de uma turfeira sob floresta
Estudos paleoecológicos realizados em diversas inundada não mostrou qualquer variação da vegetação
regiões do Brasil demonstraram que mudanças climáticas costeira que pudesse ser atribuída a variações climáticas
significativas ocorreram ao longo dos últimos milênios entre cerca de 4.300 e 1.000 anos A.P. (Bissa et al.,
(Absy et al., 1991; Behling, 1995, 1997; Ferraz-Vicentini 2000; Ybert et al., 2003).
& Salgado-Labouriau, 1996; Ledru, 1991; Ledru et al.,
1995; Servant et al., 1989; Soubiès, 1980; Vernet et al., 4.6. Estabilidade Paleoambiental e a
1994; Ybert et al., 1997, 2003), as quais acarretaram Sociedade Sambaquieira
alterações na vegetação em todas as regiões estudadas. É esperado que variações climáticas provoquem
Mas as reconstituições paleoambientais no litoral mudanças na vegetação, mas isto não ocorre
brasileiro, embora ainda relativamente raras, refletem um necessariamente. Os ecossistemas costeiros, e em
quadro diferente. No estado do Rio Grande do Sul, particular a vegetação de restinga, relacionada às
estudos palinológicos mostraram a existência de características geomorfológicas do substrato arenoso
oscilações climáticas na região costeira, mas essas foram dos cordões litorâneos, são fortemente condicionados
inferidas essencialmente a partir da alternância entre por fatores edáficos e pouco influenciados pelas
elementos marinhos, pantanosos e continentais nos oscilações climáticas. Outras formações vegetais
testemunhos lagunares —mas nenhuma modificação características do litoral brasileiro, especialmente as
significativa da vegetação continental foi registrada durante matas inundadas, também são essencialmente edáficas.
o Holoceno superior (Cordeiro & Lorscheitter, 1994; Presume-se, daí, que as formações litorâneas, para as
Neves & Lorscheitter, 1994, 1997). No estado de São quais o componente edáfico é determinante, são muito

Figura 16.4. Comparação dos histogramas e elementos de mangue dos sambaquis da região de Cabo Frio com a curva
de variação da composição isotópica dos carbonatos (d18O e d13C) da Lagoa de Araruama. Baixos valores de d18O
indicam uma influência predominante de águas pluviais; valores mais altos indicam um aumento de salinidade (Fonte:
Tasayco-Ortega, 1996).

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Quaternário do Brasil

menos afetadas por mudanças climáticas, e que o inadequações dos estudos se tornam aparentes.
registro desses eventos é atenuado na zona costeira. A arqueologia também tem um grande potencial
Por outro lado, a estabilidade do ambiente para gerar dados paleoambientais que podem ser
certamente teve conseqüências muito importantes para correlacionados com outros estudos, como no caso
as populações pré-históricas. As características dos estudos de antracologia dos sambaquis aqui
ambientais do entorno dos sítios nos quais essas apresentado. Esses estudos, ainda raros no Brasil, não
populações se estabeleceram (na confluência de diversos devem ser vistos como apenas mais uma fonte de
meios ecológicos, como o mar, as lagoas costeiras, os informações meramente paleoambientais, mas
estuários, as baías, os mangues, as restingas e as abordados em um contexto mais amplo, no qual a ação
florestas) fizeram com que elas tivessem à sua humana tem um papel fundamental na formação e na
disposição recursos abundantes e, de modo geral, transformação desse registro (Balée, 1998; Crumley,
bastante previsíveis. Isso, associado à estabilidade da 1994). Nessa perspectiva, esses estudos também geram
vegetação litorânea e à grande riqueza da restinga em informações quanto ao comportamento humano, e o
recursos vegetais durante todo o ano (recursos aspecto temporal desse registro possibilita uma visão
alimentares e madeira), permitiu a instalação de histórica das sociedades pré-históricas.
populações sedentárias com uma economia baseada na Estudos em antracologia, palinologia e outras
pesca, na coleta (de moluscos e vegetais), ciências ambientais são um novo aporte para a arqueologia
provavelmente no manejo de vegetais (Scheel-Ybert, brasileira, que pode vir a oferecer resultados promissores
2001a) e, em menor grau, na caça. no esclarecimento de questões referentes às relações entre
A estabilidade da vegetação de terra firme, cultura e meio ambiente da pré-história até a época atual.
associada aos recursos marinhos, provavelmente foi Essas informações interessam particularmente aos
um fator determinante na sedentarização dos arqueólogos, cujas pesquisas se voltam cada vez mais
pescadores-coletores construtores de sambaquis que para os aspectos socioculturais e ambientais dos sítios.
habitaram o litoral brasileiro, e na conservação de um Os estudos paleoambientais e arqueológicos no Brasil
sistema sociocultural que se manteve sem modificações estão apenas começando. Se, por um lado, os dados que
significativas durante mais de 6.000 anos. se têm ainda são muito pontuais, por outro lado, as
perspectivas são extremamente positivas. Os estudos do
5. ARQUEOLOGIA E ESTUDOS DO Quaternário brasileiro têm contribuído grandemente com
QUATERNÁRIO: UMA NOVA ABORDAGEM conhecimento regional e com questões teóricas mais
A reconstituição paleoambiental do final do abrangentes. A arqueologia e os estudos paleoambientais
Pleistoceno e do começo do Holoceno é um aspecto podem ter uma relação muito profícua que, se adotada
importante dos estudos arqueológicos sobre as primeiras sistematicamente, resultará numa compreensão mais
ocupações humanas do Brasil (Barbosa et al., 1994; abrangente da relação entre sociedade humana e ambiente
Barbosa & Velasco, 1994; Kern, 1982; Kipnis, 2002; no contexto do Quaternário brasileiro.
Prous, 1992; Schmitz, 1984, 1987), mas a grande maioria
dos estudos se baseia no modelo de Ab’Saber sem uma REFERÊNCIAS
visão crítica e sem atualizá-lo. Isso se deve, em boa parte, Ab’Saber, A.N. 1977. Espaços ocupados pela expansão dos
ao caráter descritivo da arqueologia brasileira, que acaba climas secos na América do Sul, por ocasião dos
acarretando na utilização dos dados paleoambientais como períodos glaciais quaternários. Paleoclimas, v.3, p.1-19.
mero “preenchimento” descritivo e não como fonte de Ab’Saber, A.N. 1982. The paleoclimate and paleoecology
informação qualificada que possa auxiliar na construção of Brazilian Amazonia. In: Prance, G.T. (Ed.). Biological
de um conhecimento mais detalhado sobre as sociedades diversification in the tropics. New York : Columbia
humanas. Como mencionado anteriormente, ao se utilizar University Press. p.41-59.
os estudos paleoambientais para auxiliar a geração de Ab’Saber, A.N. 1989. Paleoclimas quaternários e pré-
modelos, passa-se de meros usuários acríticos de dados história da América tropical. Dédalo, Publicações
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paleoambientais para produtores de informação que se
Absy, M.L.; Cleef, A.; Fournier, M.; Martin, L.; Servant,
insere em um contexto abrangente, onde os dados
M.; Siffeddine, A.; Silva, M.F.; Soubiès, F.; Suguio, K.;
paleoambientais e arqueológicos podem ser utilizados Turcq, B.; Van der Hammen, T. 1991. Mise en évidence
para testar modelos e refiná-los. Somente quando se de quatre phases d’ouverture de la forêt dense dans le
começa a utilizar os dados paleoambientais de uma sud-est de l’Amazonie au cours des 60.000 dernières
maneira mais analítica é que se têm condições de construir années. Première comparaison avec d’autres régions
uma perspectiva crítica, onde falhas, incongruências e tropicales. Comptes Rendus de l’Académie des

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362

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Capítulo 17

TECNÓGENO: REGISTROS DA AÇÃO


GEOLÓGICA DO HOMEM
Antonio Manoel dos Santos Oliveira
Christian Brannstrom
Marjorie Csekö Nolasco
Alex Ubiratan Goossens Peloggia
Maria Naíse de Oliveira Peixoto
Lylian Coltrinari

Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável - o Homem.


(Euclides da Cunha. Os Sertões, 1902)

RESUMO. Durante a década de 1990, foram desenvolvidas no Brasil as primeiras pesquisas em que temas geológicos
foram analisados segundo uma nova perspectiva de abordagem: o homem como agente geológico. A caracterização da
ação geológica humana geralmente resulta da comparação que pode ser feita entre os processos naturais, isto é, sem a
participação humana, e os processos antrópicos na transformação da Terra.
Conquanto os estudos sobre as diversas formas de uso do solo e seus impactos ambientais constituam exemplos de
estudos sobre o Tecnógeno, ainda poucos assumem a abordagem tecnogênica, podendo ser citadas pesquisas
apresentadas na forma de teses acadêmicas. Os resultados de algumas dessas teses são apresentadas de forma sucinta
neste capítulo. É feita uma discussão sobre o conceito do homem como agente geológico e sobre os diversos campos
de estudo existentes sobre o tema, apontando-se as relações existentes entre transformações ambientais e acontecimentos
sociais, políticos, econômicos e culturais. Finalmente, são apresentadas as aplicações decorrentes dessa forma de
abordagem das transformações atuais do meio físico-geológico e as novas perspectivas de pesquisas que, no futuro,
poderão configurar uma nova história geológica ambiental do Brasil.
Palavras-chave: Tecnógeno; Depósitos tecnogênicos; Agente geológico homem; Geologia de Engenharia.

ABSTRACT. During the 1990s, geological research in Brazil began to focus on studies under a new perspective: man as
geologic agent. Analysis of the geological effects of human actions is obtained by comparing natural processes
(without human intervention) and anthropogenic processes transforming the Earth. Although studies on land uses and
environmental impacts provide examples of the Technogene, few studies, mainly unpublished dissertations and theses,
have used an explicit technogenic focus. Some of these works are summarized here as case studies. A discussion on
humans as geological agents and on the relationship between environmental transformations and social, political,
economic, and cultural phenomena. Finally, it is discussed the perspective of man as a geologic agent and of future
research that might create a new geo-environmental history of Brazil.
Key-words: Technogene; Technogenic deposits; Humans as geologic agents; Engineering geology.

1. INTRODUÇÃO ambientes transformados pela agricultura, urbanização,


As primeiras pesquisas em que temas geológicos mineração e as mais diversas obras, como estradas,
foram analisados segundo uma abordagem que tem o barragens e reservatórios, portos etc.
homem como agente geológico foram desenvolvidas Amplia-se, assim, o objeto de trabalho da Geologia
no Brasil durante a década de 1990. Essa abordagem que, além das formações geológicas, testemunhos dos
considera que, assim como os ambientes geológicos ambientes naturais passados, passa a englobar também
da Terra podem ser associados aos agentes geológicos os depósitos dos ambientes transformados pelo homem
(vento, gelo, água etc.) responsáveis pelas suas —os depósitos tecnogênicos, testemunhos dos ambientes
principais características, os novos ambientes, criados antropizados, bem como seus processos geradores e
pelo homem em substituição aos ambientes passados modificadores das paisagens atuais. Não se trata de
conferem-lhe a qualidade de agente geológico. Trata- afirmar que as ações do homem, que provocam mudanças
se dos ambientes tecnogênicos, que compreendem os significativas no ambiente geológico, fossem antes

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Quaternário do Brasil

desconhecidas. Muitos estudos têm considerado as ações 2. ESTUDOS SOBRE A TRANSFORMAÇÃO DA


antrópicas sem adotar essa nova abordagem e alguns TERRA PELO HOMEM
permanecem mesmo limitados à descrição de impactos Em meados do século XIX, nos Estados Unidos,
de intervenções humanas como se o ambiente continuasse Marsh (1965 [1864]), um dos pioneiros dos estudos
o mesmo. sistemáticos da transformação da superfície da Terra, com
Foi somente nos anos de 1990 que os base em estudos de casos europeus, enfatizou que, na
fundamentos brasileiros da teoria do Tecnógeno história da humanidade, muitos dos impactos ambientais
passaram a ser construídos, destacando-se, do ponto resultaram de ações cujos efeitos ultrapassaram os âmbitos
de vista teórico e filosófico, os trabalhos de Rohde restritos e imediatos que eram esperados. A questão das
(1996) e Peloggia (1998a,b). Uma das principais raízes, modificações imprevistas do ambiente atraiu muitos
comum a esses novos estudos, corresponde ao pesquisadores e favoreceu o desenvolvimento de novas
pensamento de Ter-Stepanian (1988) que, tendo em áreas de estudo, como Ecologia Humana, Ecologia Cultural,
conta as profundas mudanças do ambiente provocadas História Ambiental, História Ecológica e Geografia Histórica
pelo que denomina “novo e inesperado agente Ambiental, que se consolidaram no contexto científico
geológico”, propõe que “o Holoceno seja considerado anglo-americano durante a primeira metade do século XX
a época de transição do Quaternário ou Pleistoceno, (Zimmerer, 1996).
para o Quinário ou Tecnógeno”. O autor explica que o Outra vertente dos estudos das transformações
começo da época da transição foi caracterizado pela da Terra pelo homem desenvolveu-se na Rússia, com
completa configuração quaternária da paisagem, há cerca raízes em Vernadsky (1998 [1926]), que enriqueceu a
de 10.000 anos, enquanto seu fim será marcado, no abordagem, discutindo os conceitos de Biosfera e de
futuro, pela completa configuração quinária. Em Noosfera e destacando como agentes geológicos as
resumo, afirma: “O Holoceno é o começo do diversas formas de vida e a humanidade.
Tecnógeno”. A Figura 17.1, que ilustra essa proposta, Em meados do século XX, foram publicados
mostra que o Holoceno tem início há cerca de 10.000 estudos de várias regiões do mundo por Thomas Jr.
anos, com o final da última glaciação, quando as (1956), levantando diversas causas para explicar os
condições ambientais, especialmente os processos impactos ambientais: a modernidade, com seus altos
geológicos superficiais, ainda não tinham sido níveis de consumo e urbanização, o crescimento da
substancialmente alterados pelas ações do homem. O população humana, a cultura e a ideologia ambiental.
final do Holoceno, segundo Ter-Stepanian (1988), Entre essas vertentes analíticas, destaca-se a análise de
corresponderá ao momento em que as condições problemas ambientais como resultado do crescimento
ambientais modificadas (tecnogênicas) serão da população, cujas raízes remontam ao pensamento
preponderantes na Terra. malthusiano (Thomas Malthus, 1766-1834).
O termo Antropógeno, proposto por Pavlov Já no final do século XX, pesquisadores de vários
(1922, apud Gerasimov, 1979) para substituir o países publicaram um conjunto de estudos com uma
termo Quaternário, faz com que os eventos elaboração mais sofisticada, interpretando as mudanças
ocorridos neste período seriam denominados ambientais como resultado de forças principais (driving
antropogênicos, mesmo aqueles não resultantes de forces), forças mitigadoras (mitigating forces) e o
ações humanas. Por essa razão, há preferência na comportamento humano (Turner II et al., 1990),
adoção do termo tecnogênico: destaca-se, assim, na distanciando-se das análises malthusianas, pois
transformação do ambiente, a ação da técnica, que consideraram a dinâmica da população como um fator
só surge na Terra com o homem. entre outros, como a tecnologia e a organização social. As
forças mitigadoras incluem a legislação ambiental, os ajustes
do mercado e a capacidade de a sociedade identificar os
problemas ambientais e alterar seu comportamento.
A insatisfação com o modelo analítico, que
apenas descreve as ações humanas e os impactos
ambientais decorrentes, levou Blaikie (1985), Blaikie &
Brookfield (1987) e Peet & Watts (1996) a enfatizarem
a Economia Política, vinculando as macroestruturas
Figura 17.1. Ilustração cronológica da proposta conceitual econômicas às ações individuais, numa abordagem
de Ter-Stepanian. Idades segundo IUGS (Fontes: Ter- conhecida como Ecologia Política. Por exemplo, Blaikie
Stepanian, 1988; IUGS, 1989, apud Salgado-Laboriau, 1994). (1985) mostra como a economia global pode ser

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17. Tecnógeno

vinculada, analiticamente, com a erosão de solo causada (1984) e Ter-Stepanian (1988), que aprofundaram o
por um lavrador, desde as modificações dos preços conceito do homem como agente geológico no campo
internacionais de insumos e mercadorias, afetados pelas da Geologia de Engenharia, disciplina que justamente tem
bolsas de valores e taxas de câmbio, que acabam por objetivo desenvolver e aplicar princípios, métodos e
afetando as políticas públicas dos países, até técnicas de Geologia direcionados à orientação de
comunidades rurais marginalizadas que, intensificando transformações adequadas do meio ambiente.
sua produção em solos frágeis, provocam erosão e Entrementes, com raízes científicas as mais
geração de sedimentos, que vão se acumular nos fundos diversas, estão convergindo várias áreas do
dos vales como depósitos tecnogênicos. Assim, as conhecimento para uma melhor compreensão das
decisões de um lavrador marginalizado podem ser transformações da Terra provocadas pela ação humana,
afetadas por vários fatores, tanto nacionais como como a Palinologia e a Paleoclimatologia, dentre outras,
internacionais, mas que acabam interferindo diretamente que se inserem no conjunto de áreas de estudo do
no uso do solo e no ambiente, de modo geral. Para Quaternário. Além disso, destacam-se atualmente os
Blaikie (1985), as causas das transformações ambientais estudos sobre as mudanças globais que envolvem
estão em questões como taxas de juros, custos de opções praticamente todas as áreas do conhecimento dedicadas
tecnológicas, subsídios oferecidos pelo Estado e a estudar as mudanças ambientais recentes, como o
hierarquias de poder no meio rural. aquecimento global. Os estudos interdisciplinares vêm
Enquanto a Ecologia Política está principalmente mostrando que os agentes de transformação,
voltada às questões atuais, a herança intelectual de Marsh inicialmente locais, acabam por engendrar efeitos
motivou o desenvolvimento de outras áreas: a História globais que, por sua vez, passam depois a atuar como
Ambiental e a História Ecológica ou Ecologia Histórica. importantes agentes de mudanças locais. Dessa maneira,
A História Ambiental é desenvolvida principalmente por as relações complexas de causa e efeito das
pesquisas em fontes escritas, que testemunham as transformações provocadas pelo homem em várias
atividades humanas, contemplando tanto a pesquisa sobre escalas de espaço e tempo sinalizam riscos ambientais
idéias e teorias ambientais (e.g. Pádua, 2002), quanto a futuros preocupantes (Lambin et al., 2001).
história de regiões particulares —como a região da Mata Hoje, desse modo, os estudos das
Atlântica (e.g., Dean, 1996 [1995])—, sempre tratando transformações ambientais provocadas pelo homem
de identificar as causas econômicas, políticas e culturais vêm sendo cada vez mais motivados não só pelo interesse
das transformações ambientais. Pádua (2002) identifica científico do conhecimento sobre o presente e o
no pensamento ambiental brasileiro, do final do século passado, mas pela preocupação com o futuro da própria
XVIII e início do XIX, uma corrente de idéias contrárias humanidade e da Terra.
ao modelo de uso dos recursos naturais. Para Dean
(1996), as causas para a destruição da Mata Atlântica 3. A AÇÃO GEOLÓGICA DO HOMEM
são as políticas públicas para a terra, a agricultura e a A caracterização da ação geológica do homem
energia, e também a ignorância acerca do patrimônio geralmente resulta da comparação que pode ser feita
ambiental brasileiro. entre os processos naturais (sem a participação do
Por outro lado, a História Ecológica preocupa- homem) e os processos antrópicos na transformação
se principalmente em medir variáveis ambientais, como da Terra. Com base em extensa lista de comparações,
a história do uso do solo pelo estudo de sedimentos elaborada por Ter-Stepanian (1988), alguns exemplos
(ver seção 5.3). Na América do Sul, por exemplo, podem ser apresentados (Tabela 17.1).
dezenas de estudos nos últimos 40 anos mostram que Uma questão importante a ser considerada é a
os povos indígenas tiveram um impacto significativo do tempo geológico. Apesar do período de existência
sobre a superfície: estradas ligavam cidades importantes, do homem sobre a Terra ser insignificante em relação à
especialmente na região andina; o fogo foi usado para história geológica, o determinante é sua relação com os
preparar terrenos para o cultivo, para a guerra e a caça; processos contemporâneos. No que diz respeito à
as terras pretas ocupam grandes áreas na região intensidade dos processos, tem sido extensamente
amazônica, embora ainda pouco conhecidas; campos demonstrado que seus efeitos freqüentemente superam
agrícolas elevados, drenados e irrigados foram os equivalentes naturais.
encontrados no altiplano boliviano, na sabana de Bogotá Lal (1988), por exemplo, estima que os sedimentos
e em regiões áridas (Lentz, 2000; Denevan, 2001). lançados pelos rios nos oceanos passaram de 10 bilhões
Da vertente russa, destacam-se autores como de toneladas por ano, antes da intervenção do homem,
Sergeev (1980, 1984), Chemekov (1983), Kowalski para um valor entre 25 e 50 bilhões após a introdução da

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Quaternário do Brasil

Tabela 17.1. Exemplos de processos tecnogênicos comparados aos naturais (Fonte: Ter-Stepanian, 1988).

Processos naturais Processos tecnogênicos


Intemperismo Moagem de rochas na mineração
Formação do relevo Modificações por construções e cortes
Denudação Perda de solo agrícola
Dinâmica fluvial Canalizações e retificações
Formação de cavernas Obras subterrâneas, metrôs e túneis
Subsidência dos terrenos por carstificação Subsidência por colapso de minas
Sismos naturais Sismos induzidos por grandes reservatórios

agricultura intensiva, pastagens e outros usos do solo. mineiros, industriais, urbanos, rurais etc. (Nolasco &
Esse incremento notável corresponde à erosão que tem Oliveira, 2000; Nolasco, 2002).
sido classificada como acelerada, antrópica ou atual, No que diz respeito à classificação (ordenação e
desencadeada pela ação humana, que se processa a taxas hierarquização dos tipos de depósitos), é ponto
(m3 ou t/km2/ano ou mm de denudação) muito superiores fundamental ter-se claro, na caracterização de um
às da erosão freqüentemente chamada de geológica ou depósito tecnogênico, enquanto registro geológico
natural. Essa erosão antrópica é a responsável pela gerado pela atividade humana, o conceito de depósito
formação de depósitos tecnogênicos, que constituem o correlativo, ou seja, que corresponde à determinada ação
principal objeto dos estudos que caracterizam a ação específica. Isto é, o depósito não existiria, ao menos
geológica do homem, à semelhança da abordagem naquela forma e expressão, sem uma ação que pode
geológica que estuda os depósitos naturais, ou seja, as ser, assim, determinada e especificada e, uma vez isto
formações geológicas, interpretando os ambientes feito, a caracterização do depósito decorre dela, mesmo
passados e seus agentes. que faltem atributos litológicos diferenciadores.
A erosão não é, no entanto, a única origem dos Peloggia (1999) propõe, quanto à classificação:
depósitos tecnogênicos, pois podem ser considerados 1) depósitos de primeira ordem ou geração, a
tecnogênicos os aterros ou bota-foras construídos pelo partir da sistemática geral proposta por Oliveira (1990),
homem e os depósitos de resíduos industriais e minerais. que diferencia depósitos construídos (resultantes da ação
Alguns autores consideram também tecnogênicos os humana direta; por exemplo, aterros), induzidos
depósitos modificados indiretamente, como os solos (resultantes de processos naturais modificados, por
contaminados por poluentes e os depósitos formados, exemplo assoreamento produzido por erosão antrópica)
por exemplo, no sopé da Serra do Mar, pelos e modificados (depósitos naturais preexistentes, mas
escorregamentos dos anos de 1970. Tais alterados, como solo contaminado); e
escorregamentos foram desencadeados após a perda da 2) de segunda ordem, depósitos remobilizados (por
cobertura vegetal, morta pelos poluentes emitidos pelo exemplo, depósitos de fundos de vale, formados por
Parque Industrial de Cubatão —ou seja, podem ser escorregamentos de aterros) e retrabalhados (propostos
considerados tecnogênicos, pois não teriam ocorrido sem por Nolasco, 1998, por exemplo aterros ravinados).
o concurso da ação humana. Verifica-se, portanto, que
há uma complexidade nas transformações provocadas Nolasco (2002) apresenta outra classificação
pelo homem como agente geológico, quando são para os depósitos tecnogênicos:
consideradas as múltiplas interações existentes na 1) diretos, depósitos construídos (realizados pelo
Noosfera (Chardin, 1995), que envolvem liames às vezes homem, como aterros) e induzidos (realizados pela ação
pouco nítidos ou distantes, processos que se manifestam humana com o uso planejado de outro agente, como
em curto, médio e longo prazos, e com abrangências são os depósitos resultantes de escorregamentos
locais, regionais e mesmo em todo o Planeta, como as provocados em minerações); e
mudanças globais produzidas pelo homem. 2) indiretos, resultantes da soma de ações do agente
Desse quadro complexo resulta grande homem, sem intencionalidade, com as de outros agentes
dificuldade para a classificação dos ambientes (por exemplo, leques de escorregamento de encosta em
específicos de formação dos depósitos tecnogênicos. áreas urbanas por acúmulo de lixo e peso de construções).
Pode-se, entretanto, simplificar a questão considerando-
se, inicialmente, os sistemas do ambiente sedimentar 4. ESTUDOS SOBRE O TECNÓGENO DO BRASIL
tecnogênico como aqueles identificados com as Conquanto os estudos sobre as diversas formas
principais atividades humanas: os sistemas sedimentares do uso do solo e os impactos decorrentes no meio físico

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17. Tecnógeno

constituam exemplos de estudos sobre o Tecnógeno, provocaram transformações menos intensas, permitindo
ainda são poucos os que assumem uma abordagem a persistência de rica cobertura vegetal (Monbeig, 1984
tecnogênica, podendo ser citadas pesquisas apresentadas [1952]). Os solos do Planalto são predominantemente
na forma de teses, como Oliveira (1994), Peloggia arenosos (75% da área), oriundos dos Arenitos Bauru,
(1996), Brannstrom (1998), Cunha (2000) e Nolasco cretácicos. Tais solos são representados por Latossolos
(2002). A seguir, são apresentados de forma sucinta os Vermelho-Amarelos, que predominam nos relevos mais
estudos de caso de cada um desses estudos, cuja suaves e nos topos de colinas, cujas vertentes passam
localização pode ser vista na Figura 17.2. a Argissolos (Podzólicos) Vermelho-Amarelos, que
predominam nos relevos mais acidentados, sendo
4.1. Alterações do Meio Físico pela Ocupação ambos muito suscetíveis à erosão. Além desses, ocorrem
do Oeste do Estado de São Paulo solos argilosos associados às ocorrências de basaltos
Depósitos tecnogênicos reconhecidos nos da Formação Serra Geral, juro-cretácica.
fundos dos vales do Oeste do estado de São Paulo Do impacto imediato da eliminação da cobertura
testemunham as transformações do meio físico desde vegetal, em cerca de 50 anos, até a formação dos
o início da ocupação do território, propiciando o depósitos tecnogênicos nos fundos dos vales,
desenvolvimento de pesquisas que buscam compreender decorrentes de erosão, o Planalto Ocidental passou por
as relações existentes entre a evolução do uso do solo e mudanças severas e importantes, cujos processos
essas transformações, bem como aplicar os resultados condicionam até hoje o uso do solo: desmatamento,
obtidos para orientar as escolhas das intervenções atuais alterações do balanço hídrico, alterações dos níveis
mais adequadas na região (Oliveira, 1994; Brannstrom, freáticos, alterações pedológicas e pedogenéticas,
1998) (ver seções 5.3 e 5.5). processos erosivos, formação dos depósitos
O Oeste do estado de São Paulo, identificado, tecnogênicos nas bacias hidrográficas de primeira e de
geomorfologicamente, como Planalto Ocidental, com segunda ordem, assoreamento de reservatórios etc.
cerca de 125.000 km2, só foi ocupado pelos paulistas a Na área de ocorrência de solos arenosos, os
partir da expansão da cultura do café, no final do século depósitos apresentam espessuras mais freqüentes de 1
XIX e início do século XX. Até então, o Planalto era a 2 m e ocorrem nos fundos dos vales, entalhados ou
habitado pelos povos indígenas, cujas culturas não (Brannstrom & Oliveira, 2000), conforme apresenta
a Figura 17.3. Quando não entalhados, ocorrem como
corpos de assoreamento extensos, formando planícies
aluvionares, sem um curso d’água definido, parcial ou
totalmente ou cobertas por taboa (Typha sp.), indicando
que as fontes de sedimentos continuam produtivas.
Quando entalhados, pode-se deduzir que as fontes de
sedimento cessaram sua produção e que o curso d’água
está retomando sua capacidade de transporte.
Os taludes marginais entalhados podem ser
examinados verificando-se que os depósitos apresentam,
em geral, estratificação plano-paralela, com camadas
arenosas, decimétricas, vermelhas e amarelas, intercaladas
a areno-argilosas, centimétricas, de cores mais escuras.
Nas camadas arenosas, friáveis e facilmente penetradas
por trado, pode ocorrer estratificação cruzada, bem como
a presença de artefatos (tijolos, telhas, madeira, vidro
etc.) que atestam sua origem recente. A base do depósito
é facilmente reconhecida pelo contraste com o solo
subjacente, em geral hidromórfico, com muita matéria
orgânica, acumulada pela antiga várzea soterrada. Ilustram
essas ocorrências de depósitos tecnogênicos do planalto
Ocidental Paulista as Figuras 17.4 e 17.5.
Nas áreas de ocorrência de solos argilosos, os
Figura 17.2. Mapa do Brasil com a localização dos estu- aluviões tecnogênicos apresentam espessuras geralmente
dos de caso apresentados. menores (80 a 120 cm). Na região de Assis (SP), os

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Quaternário do Brasil

depósitos saturados e cobertos por taboas foram provavelmente a primeira tentativa sistemática de estudo
pesquisados quanto ao seu conteúdo em argilas, revelando da geologia de uma área urbana tendo como diretriz a
a presença de caulinitas ou esmectitas, conforme os solos ação geológica do homem e os produtos dessa ação. O
da bacia, enquanto o solo hidromórfico soterrado apresenta tecnógeno urbano, dessa forma, foi caracterizado como
predomínio de esmectitas, indicando sua formação in situ. a expressão geológica específica de um processo muito
Datações realizadas por Brannstrom (1998) apontaram para mais amplo, a urbanização, refletido principalmente na
os depósitos as idades de 130 ± 40 anos A.P., 70 ± 40 criação de novos depósitos de encostas e na
anos A.P. e pós-0 A.P. (101,4 ± 0,5% moderno). transformação do ambiente sedimentar das várzeas.
Atualmente, nas bacias onde a erosão diminuiu de Quanto ao primeiro aspecto, evidencia-se o
intensidade, o que é mais freqüente nas áreas rurais do relacionamento da movimentação de materiais
Oeste paulista, os depósitos estão passando por uma fase geológicos nas encostas com o muitas vezes precário
de entalhamento e remobilização dos sedimentos mais processo de apropriação do relevo. Quanto às antigas
para jusante, quando os cursos d’água não se encontram planícies aluviais, o que se observa é a alteração completa
represados, conforme foi apresentado na Figura 17.3. do funcionamento fundamental do rio, em particular o
Entretanto, sob condições de uso inadequado do solo, caráter submersível da antiga planície de inundação e a
como nas expansões urbanas imprudentes, essa tendência substituição da aluviação holocênica pelo progressivo
é rompida e os entalhes são re-preenchidos por aterramento das planícies.
sedimentos produzidos por novas erosões. Há que se ressaltar que tal caracterização foi
realizada em um nível de escala correspondente aos
4.2. Geologia do Tecnógeno do Município de compartimentos de relevo de 4º e 5º nível taxonômico
São Paulo (Ross, 1992) e que, tomando uma escala mais
O estudo do Tecnógeno do município de São abrangente (correspondente à da Bacia Sedimentar de
Paulo (Peloggia, 1996; Peloggia, 1997) foi São Paulo, ou do Planalto Paulistano), a própria mancha

Figura 17.3. Formas de ocorrência de depósitos tecnogênicos de fundos de vale, formados pela erosão devida à
ocupação do Planalto Ocidental Paulista (SP): a) depósito em processo de formação (fontes de sedimentos ativas); b)
depósito sendo entalhado (fontes de sedimento desativadas).

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17. Tecnógeno

mudanças ambientais quaternárias ocorridas nos


compartimentos de morros e colinas embutidos entre
as serras do Mar e da Mantiqueira. Drenando as escarpas
dessas serras, no trecho compreendido entre as cidades
de Resende e Volta Redonda, na região limítrofe entre
os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, e atravessando
os compartimentos colinosos e os degraus de transição
entre eles, distribuem-se sistemas fluviais afluentes do
Rio Paraíba do Sul. Essas sub-bacias caracterizam-se
por graus diferenciados de estocagem de sedimentos
coluviais e aluviais de idade quaternária, dispostos em
contato erosivo sobre o embasamento cristalino alterado
Figura 17.4. Depósito tecnogênico com 250 cm de espes- ou sobre depósitos terciários relacionados ao
sura sobre solo hidromórfico. Córrego Pereira Jordão, preenchimento das bacias sedimentares que integram o
Andradina (SP) (Foto: A.M.S. Oliveira, 1988).
Rifte Continental do Sudeste do Brasil.
urbana adquire um estatuto tecnogênico diferenciado e Utilizando como ferramentas principais de
próprio de seu conjunto, análogo ao de grandes recifes reconstrução da história evolutiva recente a
de corais crescendo sobre seus próprios escombros individualização de unidades deposicionais limitadas por
(Peloggia, 1999), mas um recife de novo tipo, onde, ao descontinuidades, dentro de uma perspectiva que
invés de construções biogênicas de esqueletos calcários, enfatiza a relação genética direta entre o depósito e a
edificam-se estruturas feitas de materiais forma topográfica, foram reconhecidas várias fases de
tecnologicamente criados, transformados ou adaptados, encaixamento fluvial e remodelamento das encostas,
com rochas artificiais como o concreto. responsáveis pela configuração de padrões distintos de
Em termos estratigráficos, Peloggia (1998a) cabeceiras de drenagem em anfiteatro (Moura & Mello,
propõe a denominação Formação Várzea do Carmo para 1991; Moura et al., 1991a). Destaca-se, como principal
designar o conjunto de depósitos tecnogênicos que evento holocênico, o entulhamento generalizado dos
recobrem as principais planícies fluviais pré-atuais, hoje vales fluviais e reentrâncias de anfiteatros a partir de
planícies tecnogênicas, baseando-se: 1) na distinta sedimentos gerados por antigos sistemas de canais
composição litológica dos depósitos; 2) em sua erosivos (paleovoçorocas), sendo o esvaziamento total
mapeabilidade provada (e parcialmente efetuada); 3) em ou parcial dos fundos de vale e reentrâncias entulhados,
sua extensão lateral significativa; 4) em sua ocorrência assim como o re-afeiçoamento das encostas
associada a um compartimento de relevo definido; e 5) relacionados a fases mais recentes de re-encaixamento
na ocorrência de discordância estratigráfica com os da drenagem (Moura et al., 1991b).
depósitos mais antigos, holocênicos. Não se designou A intervenção drástica relacionada à eliminação
uma seção-tipo, tanto em função do modo de ocorrência da Mata Atlântica para introdução das plantações de
dos depósitos, como do caráter inconfundivelmente café no Vale do Paraíba —que tem início em meados
distintivo de seus materiais formadores. Essa discordância de 1790 nessa região, tornando-se a principal atividade
representa a sobreposição, em recobrimento muito econômica até o final do século XIX (Stein, 1970
regular, de depósitos tecnogênicos induzidos ou [1957])— é associada a depósitos coluviais encontrados
construídos sobre os depósitos da planície de inundação restritos aos segmentos basais da reentrância de
holocênica e baixos terraços fluviais quaternários, ou pelas cabeceiras em anfiteatro. Constituídos de materiais
coberturas de encostas posicionadas sobre as formações areno-argilosos, castanho-escuros, com grãos de
superficiais quaternárias ou, ainda, diretamente sobre quartzo extremamente mal selecionados, maciços, com
formações mais antigas. espessuras da ordem de 1 m, apresentam-se como o
horizonte A dos solos atuais (Moura & Mello, 1991;
4.3. Transformações Tecnogênicas no Vale do Ribeiro et al., 1996), dispostos em contato erosivo sobre
Rio Paraíba do Sul (RJ/SP) os depósitos coluviais subjacentes. São delimitados em
Na região do médio vale do Rio Paraíba do Sul, sua base por fragmentos de carvão alinhados, com idade
a individualização e a caracterização de depósitos radiocarbono 160 ± 60 anos A.P. (Mello et al., 1995),
tecnogênicos têm sido realizadas no bojo de um conjunto contemporânea a idades obtidas para troncos e carvões
de pesquisas geomorfológicas, estratigráficas, encontrados na porção média e superior de depósitos
pedológicas e palinológicas voltadas à investigação das aluviais dos baixos terraços fluviais (240 ± 50 anos A.P.

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Quaternário do Brasil

ambiental que caracterizam a dinâmica evolutiva dos


sistemas de drenagem nessa região, dando origem a
novos ciclos de sedimentação fluvial e deposição coluvial.

4.4. Depósitos da Vila Roriz na Planície de


Inundação do Ribeirão Anicuns, Goiânia (GO)
Cunha (2000) apresenta os impactos
socioambientais decorrentes da ocupação da planície
de inundação do Ribeirão Anicuns pela Vila Roriz, na
área urbana de Goiânia. Os impactos ambientais
abordados compreenderam a produção de sedimentos
e a alteração fisiográfica de parte do referido ribeirão.
O autor reconheceu a presença de depósitos
tecnogênicos induzidos com um volume da ordem de
2.906.000 m 3, enquanto os depósitos construídos
(aterros e bota-foras) somam 2.480.000 m3, atingindo
ambos uma espessura média em torno de 7 m. Cunha
(2000) demonstrou também ter havido profundas
metamorfoses no perfil do Ribeirão Anicuns em curto
intervalo de tempo (1975-1992), representadas por um
processo de derivação, ou meandramento, a uma taxa
de 4,2 até 6,8 m por ano, dependendo do trecho
considerado, mostrando o papel da ação antrópica.
Figura 17.5. Depósito tecnogênico, com cerca de 225 cm
Os estudos dos impactos sociais, abordados sob
de espessura, sobre horizonte A (mais escuro) de solo so- o ângulo da exclusão social e em relação à saúde da
terrado. Bacia do Mandaguari, Echaporã (SP) (Foto: C. população, sob o prisma da ocorrência de algumas
Brannstrom, 1997). parasitoses, convergiram para a interpretação da Vila
Roriz como um conglomerado de exclusão social em
e 130 ± 60 anos A.P., segundo Mello et al., 1995). condições degradantes no ecossistema da planície de
Considerando-se a idade obtida para a porção basal inundação (Cunha, 2000).
desses baixos terraços, 1.060 ± 70 anos A.P., verifica-
se a intensificação dos processos erosivos vinculados 4.5. Registros Geológicos Gerados pelo
à remoção da cobertura vegetal primitiva nas encostas, Garimpo nas Lavras Diamantinas (BA)
com conseqüente incremento do aporte sedimentar para Pesquisa desenvolvida por Nolasco (2002) nas
os cursos fluviais (Madeira et al., 1999). Lavras Diamantinas sobre depósitos recentes produzidos
Estudos palinológicos abarcando esses depósitos pelo garimpo, demais registros e processos
coluviais a aluviais, bem como a deposição polínica recente tecnogênicos demonstra a intensa ação do homem na
nas cabeceiras em anfiteatro e fundos de vale (Barros et transformação da região diamantífera da Chapada
al., 1993, 1999a,b; Costa et al., 1999a,b; Morais et al., Diamantina. As belas paisagens da Chapada,
1999), evidenciam a redução gradual das espécies aparentemente naturais, revelam-se profundamente
relacionadas à Mata Atlântica e o aumento de gramíneas e alteradas por essa ação em cerca de 70 a 80% da região.
plantas ruderais em direção ao topo, associando-se A atividade garimpeira deflagrou a colonização há
claramente às mudanças no uso e ocupação da terra. 160 anos, mantendo-se até pouco tempo dominante na
Incrementos significativos de gramíneas e compostas ação tecnogênica na região. O garimpo concentrou-se
relacionam-se à instalação e expansão das pastagens desde nos depósitos fluviais e nas encostas em fraturas
o final do ciclo cafeeiro, enquanto o aumento de plantas preenchidas, em manchas de latossolos com níveis
ruderais evidencia a fase final de abandono dos cultivos, grossos e em níveis alterados de blocos da Formação
anteriormente à introdução das pastagens. Tombador. Os processos garimpeiros realizaram erosão
Os registros apontados evidenciam, desse modo, tecnogênica removendo o solo e a capa sedimentar friável
a superimposição de ritmos e processos vinculados às e modificando o padrão fluvial.
atividades econômicas introduzidas desde o ciclo Os processos tecnogênicos erosivos geraram
cafeeiro, aos sucessivos episódios de instabilidade milhões de toneladas de sedimentos, transportados pelo

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17. Tecnógeno

garimpo ou induzidos por ele, formando cicatrizes e geológica holocênica e na solução de problemas ambientais.
depósitos sedimentares. As cicatrizes mais visíveis são as
boçorocas tecnogênicas, sendo a menos perceptível a 5.1. Depósitos Tecnogênicos: Testemunhos da
superfície rochosa exumada que marca a paisagem da região. História do Uso do Solo
Outros registros erosivos são lagoas, depressões, recuos Estudos sobre a forma de ocorrência e a
de encostas e ampliações de vales fluviais. Os depósitos composição de depósitos tecnogênicos permitem
tecnogênicos apresentam granulometria variável, caracterizar a história do uso do solo responsável por
composição predominantemente siliciclástica, alcançando sua gênese e pelas transformações sucessivas do meio
espessuras acima dos 10 m, podendo conter artefatos. Esses físico até os dias atuais. A possibilidade de aplicação
depósitos predominam em fundos de vales ou confluências desses estudos verifica-se nos depósitos que ocorrem
de rios e nas encostas e sopés das serras, por vezes nos fundos dos vales das drenagens de primeira e
associados a antigas construções ou ruínas. Apresentam segunda ordem, cujos cursos d’água não tiveram
marcante discordância basal, por vezes erosiva. capacidade suficiente para evacuá-los de imediato da
Os depósitos mais importantes são leques bacia. Esses depósitos resultam da história de uso do
subaéreos tecnogênicos, cujas estruturas sedimentares solo da bacia que se comporta como um sistema aberto,
são produzidas diretamente pelo trabalho garimpeiro ou configurando um modelo de processos de dinâmica do
fluxo de resíduos do garimpo: 1) no garimpo de dragas, meio físico onde o fluxo de matéria (sedimentos) se
denominados rabos de mangueira, são similares a leques faz das vertentes para os fundos dos vales.
turbidíticos; 2) nos garimpos tradicionais, chamados A forma plana dos fundos de vale constitui
rabos de corrida, ocorrem como leques aluviais. Ambos indicador da eventual presença de depósitos
encontram-se fundidos à paisagem, sendo de difícil tecnogênicos. Quando confirmados, em trechos de rios
detecção, especialmente o segundo. A Figura 17.6 sem barramentos, sua forma de ocorrência, entalhada
apresenta um depósito tecnogênico de rabo de mangueira. ou não, indica que os processos erosivos na bacia,
Há ainda os depósitos denominados montoeiras, responsáveis pela sua formação estão, respectivamente,
marcantes na paisagem, ocorrendo freqüentemente nas muito reduzidos ou permanecem ativos. Além da forma
margens de rios e em fraturas abertas e facilmente de ocorrência, várias características do seu conteúdo,
identificáveis, sendo conglomeráticos, dispostos em como estratificação, composição textural e palinológica,
forma de monte ou montes alinhados, formando linhas além da presença eventual de artefatos, constituem
simples ou curvas, às vezes paralelas entre si, com evidências de diferentes fases históricas do uso do solo
arquitetura interna organizada em padrão decrescente, na bacia, combinadas com os eventos de chuva do
geralmente incipiente, que garante a estabilidade vertical. período. Além do depósito, o horizonte de solos
A ação do garimpo em 160 anos, além dos soterrados constitui importante elemento para completar
registros tecnogênicos, alterou significativamente a a história do ambiente anterior à ação tecnogênica.
distribuição dos solos e o comportamento hidrológico,
engendrando uma nova paisagem. Onde, há cerca de 5.2. Equação de Interação Antrópica como
200-250 anos, era terra de Tapuias, domínio da Mata Ferramenta de Gestão
Atlântica, com rios volumosos e perenes formando as Carvalho & Prandini (1998) apresentam equações
nascentes do Paraguaçu, hoje, ocorrem extensas áreas de transformação do ambiente que aliam simplicidade à
de solos litólicos e afloramentos de rocha, sem condições consistência conceitual da transformação e da ação do
de reter e armazenar as águas de chuva, resultando em homem como agente geológico.
incremento notável do escoamento superficial, aumento Os autores expõem as equações básicas:
significativo da sedimentação fluvial, com conseqüente
alargamento dos fundos de vale. Como a ação do Ambiente Geológico + Nenhuma Intervenção → Ambiente Geológico (1)
Ambiente Geológico + Intervenção 1 → Ambiente Tecnogênico 1 (2)
garimpo atualmente é rara, entretanto, a paisagem Ambiente Tecnogênico 1 + Intervenção 2 → Ambiente Tecnogênico 2 (3)
modificada vai aos poucos estabelecendo um novo
equilíbrio. É possível constatar a recomposição da e apresentam um exemplo
vegetação e a formação de novos solos, ficando cada
vez mais difícil reconhecer a ação tecnogênica passada. Ambiente Geológico + Desmatamento → Voçoroca (2’)
Voçoroca + Reabilitação → Área Reabilitada (3’)
5. APLICAÇÕES
São apresentados, a seguir, exemplos de aplicação Carvalho (2002) propõe uma nova equação (4)
da abordagem tecnogênica na reconstituição da história prevendo a evolução do ambiente degradado (Ambiente

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Quaternário do Brasil

Tecnogênico 1) sem mais intervenção antrópica, na controláveis à luz das equações de interação.
direção de um novo ambiente geológico.
5.3. Produção de Sedimentos
Ambiente Tecnogênico 1 + Nenhuma Intervenção → Ambiente Geológico (4) A determinação da produção de sedimentos de
uma bacia é tradicionalmente realizada pela Hidrologia,
No âmbito de um processo de gestão ambiental, a partir de medidas realizadas em estações
o autor compara as equações (4) e (3), e discute a hidrossedimentométricas dos sedimentos transportados
questão da opção por uma ou outra, já que “nenhuma pelos cursos d’água. Entretanto, é conhecido o método
intervenção” também faz parte das alternativas. Ele avalia alternativo, baseado na ocorrência de depósitos de
ainda uma série de questões: permitir a evolução natural assoreamento em reservatórios, correlatos a essa
do ambiente mantido em configuração natural; permitir produção, da mesma forma como se faz na
a evolução natural, influenciada por intervenções do Sedimentologia, onde as taxas de sedimentação são
passado, de ambiente degradado; estabelecer avaliações calculadas com base no volume do depósito e no tempo
comparativas entre a desocupação total e um uso estimado para sua formação.
qualquer. Pesquisas nos Estados Unidos sobre os depósitos
Carvalho (2002) apresenta uma série de exemplos tecnogênicos (modern sedimentation ou post-settlement
de aplicação das equações em gestão ambiental de alluvium) têm sido realizadas com várias metodologias
atividades extrativas, construções viárias, pequenas (Trimble, 1998). Em muitos estudos, são calculadas as
centrais hidroelétricas e urbanização. Nesse último caso, perdas de camadas de solo e taxas de sedimentação,
imagina o efeito da construção de mais uma casa na principalmente na faixa leste (Piedmont) e o meio-oeste
área urbana e propõe a equação de interação: norte-americanos devido a práticas agrícolas, indicando
que entre 75 e 90% do material erodido nos últimos
Cidade 1 + Construção de Nova Casa → Cidade 2 (5) 200 anos ainda permanece na bacia hidrográfica de
origem (Knox, 2002). Uma das metas da pesquisa nos
O autor explicita o valor de Cidade 2: depósitos tecnogênicos é comparar a taxa de erosão de
Cidade 2 = Cidade 1 + Nova Casa + Efeitos Colaterais (5′) solo que produziu os depósitos com a taxa de erosão
original, antes da intervenção humana (Dearing, 1994;
apontando a oportunidade de, com essa casa, introduzir Knox, 2002). Por exemplo, Knox (2002) calcula, para
técnicas que anulem efeitos indesejáveis, por exemplo, algumas bacias no meio-oeste norte-americano, taxas
de incremento do escoamento superficial, e promovam históricas de sedimentação 50 a 150 vezes maiores que
melhores condições para o assentamento urbano. Ele as taxas antes do povoamento agrícola do século XIX.
conclui que as várias intervenções antrópicas O método adotado pelo Manual “Sedimentation
manifestam processos geológicos previsíveis e Engineering”, da American Society of Civil Engineers

Figura 17.6. Depósito tecnogênico de rabo de mangueira, formado por draga, entre 1987 e 1996, configurando um
depósito de leque, similar a depósitos turbidíticos. Garimpo do Riacho Cachorrinho (Foz no Rio São José), Lençóis (BA)
(Foto: M.C. Nolasco, 1997).

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17. Tecnógeno

(Vanoni, 1977), para determinações de produção de A primeira situação a ser distinguida é a alteração
sedimentos, baseado na prospecção de depósitos artificial do equilíbrio geomorfológico das encostas, com
tecnogênicos que ocorrem nos fundos dos vales, foi a conseqüente geração de escorregamentos induzidos,
proposto por Happ (1972). Durante seis anos, de 1935 envolvendo depósitos superficiais (como os colúvios)
a 1941, o método foi aplicado em extensa campanha ou maciços saprolíticos estruturados. A segunda é a
nos Estados Unidos pelo Departamento de Agricultura criação de depósitos de baixa estabilidade geotécnica.
para caracterizar os denominados accelerated valley Enquanto os colúvios e outros depósitos superficiais
deposits, para que fossem obtidas taxas históricas de são os “materiais básicos para os escorregamentos”
produção de sedimentos, visando prognosticar em encostas naturais de regiões tropicais, nas encostas
problemas de assoreamento de reservatórios. urbanas freqüentemente são coberturas tecnogênicas,
O mesmo método foi aplicado por Oliveira referidas geralmente como solos antrópicos,
(1994) em bacias de pequeno porte (de 20 a 30 km2) lançamentos de lixo ou, mais especificamente,
do Rio Capivara, afluente do Paranapanema, no estado coberturas remobilizadas (Peloggia, 1994).
de São Paulo. Com base na ocorrência de depósitos A terceira situação particular é a alteração do
tecnogênicos que ocorrem nos fundos dos vales, esse regime hídrico e do escoamento das águas superficiais
autor determinou taxas de 2.900 e de 600 m3/km2/ano, e subterrâneas. A alteração dos níveis freáticos tem sido
respectivamente para bacias com uso do solo urbano verificada como agente deflagrador de escorregamentos
(32,7 km2, período de 1935 a 1962) e agrícola (19,9 em maciços naturais e tecnogênicos, enquanto que a
km2, período de 1967 a 1991). De forma semelhante, impermeabilização superficial das bacias, intensificando
Nolasco (2002) estimou a produção de sedimentos pelo o escoamento pelos talvegues, vai associar-se às áreas
garimpo na Chapada Diamantina, chegando a valores de risco de baixada, sujeitas a serem atingidas pelo
entre 5 e 90.000 m3/dia, para o período de 160 anos de alagamento ou pelo processo de solapamento de
mineração. margens dos canais onde, com freqüência, os materiais
erodidos também são depósitos tecnogênicos.
5.4. Análise de Riscos Geológicos Urbanos
Os riscos geológicos podem ser entendidos 5.5. Transformação e Recuperação de Áreas
como situações em que se conjugam a possibilidade Degradadas
(ou probabilidade) de ocorrência de fenômenos A ocupação extensiva do território brasileiro,
destrutivos e a conseqüente geração de circunstâncias desde 1500, realizou-se continuamente e o deslocamento
de perigo. Nas cidades, todavia, as condições naturais da fronteira até hoje não foi completado, apesar do ritmo
dos maciços e dos processos superficiais encontram-s cada vez mais acelerado da expansão da economia. A
profundamente transformados pela ocupação intensa. área ocupada evoluiu mais significativamente a partir
Assim, a particularidade essencial da análise de riscos do fim do século XIX e início do século XX, com os
geológicos urbanos está justamente associada à análise fluxos de migração estrangeira para trabalhar na lavoura,
geológica sob o enfoque tecnogênico (pois as formas prosseguindo com o impulso definitivo da
de ocupação urbana e apropriação do relevo são, nessas industrialização, que veio com a primeira guerra mundial.
áreas, freqüentemente mais significativas que as O interior do estado de São Paulo, por exemplo, ainda
características naturais anteriores para a geração dessas no primeiro decênio do século XX, era desconhecido e
situações), e ao fato de que as situações de perigo se povoado “apenas por um pequeno número de índios e
referem notadamente à possibilidade de perda de vidas intrusos” (Waibel, 1955).
(Peloggia, 1998a). O quadro de ocupação do país, portanto, que
Nesse sentido, Zorzato & Peloggia (2000) representa a história das intervenções tecnogênicas
mostram que, no caso do Município de São Paulo, de dessa fase de colonização européia, é relativamente novo
acordo com dados registrados pela Secretaria da e os primeiros processos tecnogênicos deflagrados
Habitação e referentes ao período de 1989 a 2001, 63% podem ser identificados ainda ativos ou tendendo a atingir
dos acidentes geológicos (escorregamentos) em certo equilíbrio. Segundo Iwasa & Prandini (1980), por
encostas envolveram, ao menos parcialmente, depósitos exemplo, “a idade da maior parte das boçorocas de
tecnogênicos. No que diz respeito às situações de risco São Paulo e Noroeste do Paraná pode ser estimada em
quanto a escorregamentos cadastrados, 41% dos casos torno de 40 anos, coincidindo praticamente com o ápice
envolviam depósitos tecnogênicos. Nas baixadas, 25% da fase de colonização da área, com o desmatamento
das situações de risco de solapamento de margens de para o cultivo do café e a implantação de núcleos
córregos envolviam tais depósitos. urbanos.” Atualmente, verifica-se, nessas regiões,

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Quaternário do Brasil

importante atenuação dos processos de erosão linear, Por outro lado, nos depósitos arenosos entalhados, o
como as voçorocas (Oliveira, 1994), a ponto de as meandramento do canal provoca instabilidade da APP,
históricas erosões de Casa Branca serem oferecidas hoje impedindo sua recomposição vegetal. Esses casos
ao turismo (Folha de São Paulo, 30/8/2001). pedem a compreensão da dinâmica evolutiva dos
Os ciclos de ocupação, entretanto, superpõem- processos para a tomada acertada de decisões visando
se mesclando os efeitos, de maneira que os processos a recuperação ambiental dos fundos de vale
observados atualmente constituem herança complexa considerados.
dos processos desencadeados pelas sucessivas Estudos sobre o Tecnógeno, desse modo,
intervenções. Só a compreensão da história de cada favorecem a decisão sobre novas ações em áreas
ação tecnogênica ocorrida em uma dada área permite degradadas, desde ações de preservação para que seja
diagnosticar os efeitos, de maneira a avaliar a atingida uma nova situação de equilíbrio sem intervenção
necessidade de novas intervenções, dessa vez para humana até a definição de ações que venham a acelerar
recuperar as áreas que resultaram degradadas. Essa essa recuperação e mesmo ações de reabilitação da área
compreensão pode ser obtida por estudos geológicos para um novo tipo de uso.
sobre o Tecnógeno que, na intersecção entre os dados
históricos e seus efeitos no meio físico, ajudam a 6. PERSPECTIVAS
reconstituir a história ambiental. Os desafios que podem ser delineados pela
No exemplo de estudo de caso da Chapada prospecção de oportunidades futuras de aplicações da
Diamantina, na região das Lavras homônimas, abordagem tecnogênica constituem perspectivas de
apresentado na seção 4.5, Nolasco (2002) constata um desenvolvimento dos estudos sobre o Tecnógeno do
lento mas persistente processo espontâneo de Brasil.
revegetação e formação de novos solos nas áreas
intensamente garimpadas. O estudo detalhado da história 6.1. Novos Estudos de Caso
tecnogênica dessa região permitiu que Nolasco (2002) O estágio atual dos estudos no Brasil, com uma
indicasse uma série de ações visando reforçar as síntese na seção 4, indica um desenvolvimento recente
tendências de recuperação natural acima assinaladas: e descortina amplas perspectivas para novos estudos
enchimento com sedimentos de fraturas expostas em de caso que venham a contribuir para a fundamentação
afloramentos rochosos, exumadas pelo garimpo, para de uma história geotecnogênica ou geoambiental
auxiliar na retenção de água de chuva nas vertentes; brasileira. Nesse sentido, é interessante que os novos
interceptação e bloqueio de valas de adução garimpeira, estudos venham a complementar os já existentes,
com preenchimento e revegetação etc. abordando diferentes intervenções antrópicas da história
Por outro lado, algumas vezes, a dinâmica dos do Brasil, em diversas situações geográficas,
processos que respondem às sucessivas intervenções contemplando diferentes contextos geológicos. Dentro
altera elementos e parâmetros considerados nas políticas dessa perspectiva, podem ser listadas algumas áreas
públicas e na legislação ambiental, gerando questões para estudos de caso no Brasil:
importantes. É o caso das dificuldades legais de - Na mineração. Áreas históricas do ciclo do ouro e do
corrigirem-se voçorocas, tendo em vista a presença de diamante, como Ouro Preto (MG); e mais recentes,
surgências d’água (fontes ou olhos d’água) que, pelo como Serra Pelada (PA); as áreas de ferro, em Minas
Código Florestal, implicam numa área de preservação Gerais, e multiminerais, como Carajás na Amazônia.
permanente (APP), embora constituam importante fator - Na agricultura. O ciclo da cana no Nordeste, o avanço
de erosão interna dos solos da bacia. das fronteiras agrícolas nas regiões Sul, Sudeste e
É também o caso da formação de depósitos Centro-Oeste e, mais recentemente, sobre a Amazônia.
tecnogênicos nos fundos dos vales, que alteram os - Na urbanização. As diversas expansões urbanas
parâmetros de referência para a definição das APPs do importantes no território brasileiro.
Código Florestal. Isto é o que se verifica na Bacia do - Nas obras de infra-estrutura. As diversas intervenções
Médio Paranapanema no estado de São Paulo (16.763 de grande porte, como as estradas (rodo e ferroviárias),
km 2 ), onde depósitos tecnogênicos argilosos, as hidroelétricas, os portos etc.
apresentados na seção 4.1, formam extensos aluviões, - Na indústria. Os pólos industriais etc.
originados pela mecanização agrícola após 1970 e
impedem o plantio de mudas para recuperação de mata Para várias das áreas apontadas, no entanto,
ciliar. A alternativa de drenagem desses aluviões pode deve-se assinalar que há trabalhos que já deram
ter um custo elevado e provocar alterações indesejáveis. importantes passos na direção de pesquisas mais

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17. Tecnógeno

detalhadas, como, por exemplo, Sobreira & Fonseca Geoindicadores são medidas (magnitudes,
(2001), que relatam os impactos físicos e sociais de freqüências, taxas, tendências) de processos ou
antigas atividades de mineração em Ouro Preto (MG). fenômenos geológicos que ocorrem na superfície
terrestre, ou próximo a ela, sujeitos a alterações
6.2. Depósitos Tecnogênicos e Poluição significativas para a avaliação e compreensão das
Do ponto de vista conceitual, aterros sanitários, mudanças ambientais em períodos de 100 anos ou
depósitos de resíduos industriais ou urbanos, rejeitos menos. Os processos monitorados são
de mineração e solos contaminados, que constituem predominantemente abióticos e medem tanto as
importantes problemas ambientais, podem ser mudanças catastróficas quanto as graduais, mas
considerados depósitos tecnogênicos, construídos ou perceptíveis no espaço de uma vida humana (Berger,
modificados, conforme exposto na seção 3. Entretanto, 1996). Os geoindicadores foram projetados para uso
os depósitos tecnogênicos induzidos, por exemplo os na avaliação integrada de ambientes e ecossistemas em
relacionados à erosão, que se formam em fundos de todas as escalas, tanto das condições do ambiente e
vales, rios e reservatórios, contendo sedimentos das mudanças que nele acontecem quanto dos efeitos
poluídos, também constituem importante problema que essas modificações causam no ambiente e/ou em
ambiental, especialmente em intervenções que podem seus habitantes, além de suas implicações para o
implicar na remobilização desses poluentes, como em planejamento e a definição de políticas ambientais
serviços de dragagem, ou na disposição de sedimentos (Berger & Iams, 1996).
removidos ou, ainda, quando eventualmente destinados A Tabela 17.2 apresenta alguns exemplos de uma
ao reaproveitamento, como areia para construção. Um lista de 27 geoindicadores originalmente apresentados
dos principais exemplos brasileiros desse problema são por Berger (1996), que os associa a diversos parâmetros,
os sedimentos dos canais dos rios Pinheiros e Tietê, tais como significado, causa (natural ou humana),
sistematicamente dragados na Região Metropolitana de ambiente onde se aplica, método e freqüência de
São Paulo (Chaves et a.l., 1999). mensuração etc.
Nos Estados Unidos e na Europa, vários estudos
mostram a aplicação da análise de metais pesados na 6.4. Tecnógeno e Exclusão Social
interpretação de depósitos tecnogênicos (Rhoads & Estudos como o realizado por Cunha (2000) e
Cahill, 1999; Swennen & Van der Sluys, 1998). Nas brevemente apresentado na seção 4.3, enriquecem a
regiões agrícolas do Brasil, o uso de agrotóxicos, como linha de pesquisa das relações existentes entre a maior
DDT e arsênico de chumbo, entre 1920 e o início da freqüência das ocorrências de acidentes geológicos e
década de 1970, podem estar presentes nos depósitos as ocupações das populações de baixa renda. Conforme
tecnogênicos dos fundos de vale. Além dos possíveis observou Casseti (1991), a ocupação de diferentes
impactos ambientais, os contaminantes podem servir compartimentos geomorfológicos constitui um
para a datação dos depósitos tecnogênicos com mais referencial para a individualização de classes sociais.
precisão na sua cronologia recente, nos últimos 40 anos, As classes de menor poder aquisitivo, por falta de
por meio de medidas com base em elementos como opções, sujeitam-se a habitar áreas geologicamente
Césio-137 (137Cs), um isótopo radioativo, produzido e desfavoráveis, incrementando, com as formas de uso
lançado na atmosfera por bombas e acidentes nucleares, do solo que praticam, os riscos de acidentes. Tal como
e chumbo (210Pb) (Dearing, 1994; Nagle et al., 2000). é apontado para várias cidades brasileiras, a história de
ocupação da cidade de Recife, por exemplo, é a história
6.3. Geoindicadores de Transformações dos mocambos, escrita pela população pobre (Gusmão
Ambientais Filho, 1998). As áreas de encostas precariamente
O estado do ambiente, em qualquer tempo, reflete ocupadas sofrem os processos tecnogênicos, em geral
os efeitos das ações humanas e também a influência induzidos, de escorregamentos, envolvendo
dos processos naturais (Berger & Iams, 1996) que freqüentemente os próprios aterros e depósitos de lixo
causam mudanças, com ou sem a presença do homem. (depósitos tecnogênicos construídos), e os fundos dos
A história recente da evolução da Terra e da biosfera vales, inundações provocadas por enchentes mais
apresenta transformações ambientais que nem sempre freqüentes, conforme apresentado na seção 5.4.
são identificáveis como efeitos das ações humanas ou Essa dinâmica dos processos geológicos nas áreas
devidas aos processos naturais “de fundo”, a menos urbanas, que produz acidentes e deixa cicatrizes e depósitos
que sejam diretamente relacionadas com fontes de tecnogênicos correlatos, em geral é mais intensa nessas
degradação locais (Diniz, 1998). áreas ocupadas por populações de renda mais baixa do

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Quaternário do Brasil

que nas demais. Esse tipo de correlação indica que certos Anais... São Paulo : FFLCH-USP. p.153-156.
aspectos do Tecnógeno merecem ser aprofundados no Barros, M.A.; Barth, O.M.; Mello, C.L.; Moura, J.R.S.;
sentido da análise sociológica e política, verificando-se, Peixoto, M.N.O. 1999a. História recente da vegetação e o
por exemplo, a correlação entre as relações existentes entre uso da terra no médio vale do Rio Paraíba do Sul, Brasil:
os homens e entre eles e a natureza, o que configura um uma abordagem palinológica. Leandra, v.15, p.47-57.
Barros, M.A.; Barth, O.M.; Mello, C.L.; Moura, J.R.S.;
quadro explicativo complexo, porém necessário, dos vários
Peixoto, M.N.O. 1999b. Recent pollen deposition in
aspectos da degradação ambiental (do meio físico, biótico
Bananal region, middle valley of Paraíba do Sul river,
e da sociedade) que interagem numa dinâmica prejudicial Brazil. In: GEOVEG99 - IGU Meeting on Geomorphic
à vida humana. Assim, verifica-se que o entendimento Responses to Environmental (Vegetation) Changes,
das condições sociais e históricas da vida humana também Problems and Remedial Work. Rio de Janeiro, Brasil.
é necessário ao entendimento completo da própria ação Berger, A.R. 1996. Introduction to geoindicator checklist.
geológica humana. In: Berger, A.R. & Iams, W.J. (Eds.). Geoindicators:
assessing rapid environmental changes in Earth
6.5. História Geotecnogênica do Brasil systems. Rotterdam : A.A. Balkema. p.383-457.
O crescimento da pesquisa sobre o Tecnógeno Berger, A.R. & Iams, W.J. (Eds.). 1996. Geoindicators:
do Brasil estimula a elaboração de uma história assessing rapid environmental changes in Earth
geoambiental do país, desde a primeira ocupação humana systems. Rotterdam : A.A. Balkema. 466p.
Blaikie, P. 1985. The political economy of soil erosion in
do território, relatando as intervenções antrópicas e suas
developing countries. London : Longman.
conseqüências na transformação ambiental, até os dias
Blaikie, P. & Brookfield, H. 1987. Land degradation and
atuais. Metodologicamente, podem-se considerar dois society. New York : Routledge.
eixos de pesquisa a serem cruzados: o levantamento e Brannstrom, C. 1998. After the forest: environment, labor and
análise de casos significativos de mudanças ambientais, agro-commodity production in Southeastern Brazil. 771p.
locais ou regionais; e a análise das fases da história Thesis (PhD) - University of Wisconsin-Madison.
brasileira, especialmente a econômica e suas atividades Brannstrom, C. & Oliveira, A.M.S. 2000. Human
tecnológicas de uso dos recursos naturais e ocupação modification of streams valleys in the Western Plateau
do solo, conduzindo-a para a compreensão das causas of São Paulo, Brazil: implications for environmental
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Tabela 17.2. Alguns exemplos de geoindicadores: influências naturais x influências humanas (Fonte, Berger, 1996,
simplificado). * = muito influenciado; + = pode ser influenciado.
Influência
Geoindicador Natural Humana
Nível relativo do mar * +
Qualidade da água superficial * *
Nível da água subterrânea + *
Qualidade da água subterrânea + *
Morfologia dos canais fluviais * *
Colapso das vertentes (escorregamentos) * *
Erosão de solos e sedimentos * *
Acumulação e carga de sedimentos nos rios * *

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