Você está na página 1de 16

Adriano Figueiró

As figuras com o símbolo ~ são apresentadas


em versão colorida entre as páginas 352 e 353.
BIOGEOGRAFIA
dinâmicas e transformações da natureza

_ .coleção

geogra fia
básicos em organização
Francisco Mendonça
Copyright © 2015 Oficina de Textos

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

CONSELHO EDITORIAL Cylon Gonçalves da Silva; Doris C. C. K. Kowaltowski;


José Galizia Tundisi; Luis Enrique Sánchez; Paulo Helene; o BRASIL CONTA COM UM DOS MAIS EXTENSOS e
Rozely Ferreira dos Santos; Teresa Gallotti Florenzano
sólidos sistemas de ensino escolar na América Latina,
apesar da tardia criação de escolas públicas e laicas
ORGANIZAÇÃODACOLEÇÃOBÁSICOSEM GEOGRAFIA Francisco de Assis Mendonça
no país e mesmo a despeito de inúmeros e complexos
problemas relacionados à gestão da educação escolar
CAPA E PROJETO GRÁFICO Malu Vallim
pública. No país também se encontra um dos únicos e
DIAGRAMAÇÃO Alexandre Babadobulos
PREPARAÇÃOFIGURAS Alexandre Babadobulos restantes sistemas públicos e gratuitos de ensino em
PREPARAÇÃODE TEXTOS Hélio Hideki Iraha todos os níveis da escolaridade, sendo que impera em
REVISÃO DE TEXTOS Thiago Garrido de Siqueira todo o continente a lógica liberalizante enquanto pers-
IMPRESSÃO E ACABAMENTO Vida & Consciência editora gráfica pectiva econômica segundo a qual o ensino tornou-se
praticamente um bem de consumo. Nesses contextos,
a lógica de mercado repercute-se negativamente na
relação ensino-aprendizagem e a qualidade do ensino
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) apresenta-se por demais comprometida. Não é esse o
caso da América do Norte nem tampouco da Inglaterra,
Figueiró, Adriano S. por exemplo, em que, mesmo sendo predominante-
Biogeografia : dinâmicas e transformações da
mente privada, a educação mantém boa qualidade. Mas
natureza / Adriano S. Figueiró. -- São Paulo:
Oficina de Textos, 2015. a acessibilidade ali evidencia importante segregação,
resultado da concentração da renda, que, mesmo bem
Bibliografia diferente da latino-americana, reserva a excelência
ISBN 978-85-7975-176-9
àqueles pertencentes à seleta uper-class.

1. Biogeografia 2. Biologia l. Título. Se os saltos de quantidade e relativa qualidade do


ensino universitário brasileiro são flagrantes nas duas
15-03414 CDD-578.09
últimas décadas, o mesmo não se pode dizer dos níveis
fundamental e médio, uma vez que ainda se registram níveis
índices para catálogo sistemático:
altamente críticos de rendimento escolar e de frequência de
1. Biogeografia 578.09
crianças e adolescentes nas escolas. As condições de traba-
lho de professores e funcionários dos estabelecimentos de
ensino e a situação de precariedade de muitos deles clamam
-:=-oc.os os direitos reservados à Editora Oficina de Textos
~ Cubatào, 959 por medidas urgentes para sua restauração e melhoria,
~ : ~ 13-043 São Paulo SP sobretudo quando se verifica, ano a ano, a colocação GC
_ _ 85-7933 (11) 3083-0849
~ :::êX1:o.com.br atend@ofitexto.com.br Brasil entre as seis ou sete mais importantes economias
76 I BIOGEOGRAFIA
2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I __

É possível associar a parapatria a dois processos distintos. No primeiro,


quando uma espécie, ao ampliar sua área de distribuição, encontra condições
ambientais diferentes daquelas existentes na área central da espécie, as muta-
ções podem favorecer alguns indivíduos localizados nessas áreas periféricas de
expansão com melhores chances de adaptação a essas novas condições do que
indivíduos que não foram afetados pelas mutações. Dessa forma, um processo
de diferenciação genética passa a ocorrer na periferia da área de distribuição
sem que necessariamente existam barreiras de isolamento.
Algumas especiações parapátricas já foram identificadas, por exemplo,
em espécies vegetais que se desenvolvem em solos contaminados por metais
pesados em áreas de mineração. Determinadas formas de mutação tornam os
indivíduos mais resistentes à contaminação do que seus ancestrais, fazendo
com que passem a ocupar áreas adjacentes onde os ancestrais não teriam
chance de sobreviver (Antonovics, 2006).
Não é incomum que entre a espécie original e a nova que está se formando
ocorra uma zona híbrida (Fig. 2.9), podendo os híbridos apresentar diferen-
tes graus de viabilidade genética e fertilidade. Essa zona híbrida pode, então,
tornar-se uma barreira ao fluxo gênico entre as duas espécies contíguas.
FIG.2.9 Algumas espécies de borboleta de cauda do gênera Papilio originados por especioção
Outra situação para o surgimento da parapatria está relacionada ao processo ~ porapátrica no América do Norte apresentam claramente uma zona de hibridismo.
de reprodução entre casais que se encontram na periferia da área de ocorrên- Note-se, por exemplo, o transição entre o área de Ocorrência do Papilio glaucus e o do
Papilio canadensis ou então entre o área do Papilio canadensis e o do Papilio rutulus.
cia da espécie, especialmente quando são considerados parceiros reprodutivos
Já os espécies garcia e alexiares demonstram claramente o processo de distribuição
potenciais apenas os indivíduos dentro de um certo raio de acasalamento. Muta- olopátrica anteriormente referido

ções que porventura derivarem daquele acasalamento terão pouca chance de Fonte: adaptado de Hybrid speciotion ... (s.d.).

ser transferidas para indivíduos que vivam fora desse raio de alcance, em dire-
Entre as causas que impediram que a conquista dos continentes ocorresse
ção à área mais central de ocorrência da espécie. Alguns autores consideram
em época anterior, já que o surgimento das primeiras bactérias deve ter ocor-
essa uma forma muito específica de parapatria, definindo-a como topopátrica
rido por volta de 3,5 a 3,8 bilhões a.a., estão a falta de oxigênio na atmosfera
(Gravilets; Li; Vose 2000).
(inexistindo proteção contra os raios ultravioleta), a alta velocidade dos ventos
(no início de sua formação, a Terra girava seis vezes mais rápido do que hoje,
2.2 (OEVOLUÇÃO DOS AMBIENTES E DOS SERES VIVOS
produzindo constantes tormentas de vento, que inviabilizavam a fixação de
Na história geológica da Terra, de 4,6 bilhões de anos, o aparecimento
qualquer forma de vida que porventura aparecesse) e o curto fotoperíodo (no
da vida pode ser considerado um fato bastante recente. A conquista dos
início da formação do planeta, devido à maior velocidade de rotação, o dia
continentes pelos seres vivos é um fato ainda mais recente, tendo ocorrido
durava apenas 4 horas; há 2 bilhões de anos, no Proterozoico, o dia estava um
apenas no início da era Paleozoica, por volta de 400 m.a.a. Se toda a histó-
pouco mais longo, com duração de 14 h 50'; no início do Cambriano, quando
ria do planeta fosse reduzida a uma única hora; mais de 56 minutos desse
surgiu uma grande quantidade de formas novas de vida, o dia já durava 21 h 19').
período se passariam até que os primeiros organismos começassem a viver.
De acordo com Versignassi e Termero (2009), ~ redução da velocidade de
inteiramente em áreas continentais (Fig. 2.10).
rotação da Terra, com o consequente aumento de duração do dia, está ligada à
. 2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I -9
78 I BIOGEOGRAFIA

atração gravitacional exercida pela Lua, surgida há aproximadamente 4 bilh~es velocidade de rotação da Terra, com o aumento do fotoperíodo, produziu uma

de anos pelo choque de um grande asteroide contra a Terra. Essa força gravlt~- verdadeira explosão da vida nos oceanos. Apareceram aí as formas primitivas

cional da Lua faz com que a rotação da Terra diminua aproximadamente dois da vida moderna, incluindo as trilobitas e outros seres vivos, representados por

milésimos de segundo por ano (Versignassi; Termero, 2009). Cientistas acredi- mais de 10.000 espécies.

tam, ainda segundo esses autores, que essa força pode fazer com que daqui a Pouco mais de 100 milhões de anos de vida oceânica se passaram até que

alguns bilhões de anos a duração do dia fique até 48 vezes maior do que a atual, a adaptação dos organismos a ambientes não aquáticos (desenvolvimento de

permitindo que o aumento do tempo de exposição à luz solar eleve a tempera- mecanismos de sustentação e disseminação) permitisse que as primeiras plan-
tas começassem a ocupar os continentes durante o Devoniano, por volta de 400
tura da Terra aos 400°C, como ocorre com o planeta Vênus.
m.a.a. O Quadro 2.1 sintetiza os principais acontecimentos da evolução da vida
Primeiro homem moderno (S9:S9,9) na escala geológica de tempo.
Eras do gelo (59:59.2)

Formação da crosta terrestre (00:01) Quadro 2.1 SíNTESE DOS PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS DA EVOLUÇÃO DA VIDA

Extinções do Mesozoico (59:09) NA TERRA NA ESCALA GEOLÓGICA DE TEMPO (EM MILHÕES DE ANOS
(fimdos dinossauras)-
Possivel inicio da vida (09:18) ATRÁS, M.A.A.)
Primeirospássaros{57:S9}--
Primeirosmamíferos (S7:07)_ Primeiras plantas com flores;
o '" .-

"ij
u
Cretáceo .,,'" 70 a 135
Primeiros dinossauros {S7:01} ._ llJ la v ~, " Últimos dinossauros
o ~E
INíCIO 00 ME50Z0lCO
Extinções do Paleozoico (56:48)
Rachas mais antigas
N
o jurássico ~~ ~m-_ 135 a 180 Primeiros pássaros
li!
preservadas (10:17)
QI ~ --- -z
Primeiros mamíferos;
::ã Triássico -' <
180 a 225
Primeira evidência fóssil
Primeiros dinossauros
(algas umcelulares)
(13:04) Permiano 225 a 270

Primeira bactéria Primeiras coníferas;


Primeiros peixes (53:25)
(17:37) Carbonífero 270 a 350 Primeiros répteis;
INiCIO DO PALEOZOICO
Primeira explosão de vida
Primeiros insetos
oceânica (52~
o Primeiras florestas;
u
Primeira água-viva (Sl:12) 'õ Devoniano .~] ~~ . 350 a 400 Primeiros anfíbios;

"~
N CI:,ü _
Primeiros organismos o
QI Primeiros peixes ósseos
multicelulares (41:45) / IV
~
Primeiras cêlulas
a. o.
Primeiras plantas terrestres;
5i1uriano 400 a 440
com núcleo (40:26) Peixes com mandíbulas
Primeiros vertebrados: peixes
4.6 bilhões de anos em 1 hora Ordoviciano 440 a 500
encouraçados e sem mandíbulas
Primeiros invertebrados:
FIG. 2.10 Ouando o história do planeta Terra é reduzida para a escola de uma hora. cons:g~e-~e ter Cambriano 500 a 600
primeiros animais com concha
uma dimensão mais precisa do longo tempo que este planeta passou sem ,a eXlste~c/O de
o
nenhuma forma de vida fora dos oceanos. O surgimento da vida na Terra e ~m fenomeno c
bastante novo na história geológico e o aparecimento do homem moderno e um '"•..
..Q
Mais de Primeiros organismos vivos:
acontecimento do último segundo dessa história E
600 algas e bactérias
u
,'"
Fonte: adaptado de University oi Kentucky (s.d.). 'QI

Q:
. na atmosfera (as algas primitivas, chamadas de
A •

O aumento d o oXlgemo
protoalgas, que deram início ao processo de fotossíntese, surgiram nos ocea- A transição da fauna exclusivamente oceânica para os continentes deu

nos há aproximadamente 2,8 bilhões de anos, fazendo com que, entre 500 e origem aos primeiros anfíbios, que passaram a viver nas zonas pantanosas

600 m.a.a., a atmosfera terrestre já apresentasse uma composição de 10% de próximas ao oceano. Com o início de uma era mais seca, algumas espécies de

O ainda assim bem menos do que os atuais 21%), associado à redução da peixes ósseos, como o Eusthenopteron (Fig. 2.11), passaram a usar as barbatanas
2'
80 I BIOGEOGRAFIA
2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I 8:

como apoio para se deslocar de uma poça de água à outra. Quase 100 milhões
Período Algas Plantas vasulares sem
de anos depois, o processo evolutivo dos anfíbios fez com que essas estrutu- sementes (fetos)

1
Tempo
ras ósseas das barbatanas levassem ao aparecimento das pernas dos primeiros (milhões de
anos atrás)
répteis primitivos, que passaram a se deslocar com maior facilidade, conquis-
tando o interior dos continentes.
As primeiras plantas terrestres
que passaram a ocupar os pânta- As primeiras plantas com flores
apareceram aproximadamente
nos salobros no Siluriano-Devoniano 130 milhões a.a,

ainda não dispunham de sistemas


mais especializados, como raízes ou
folhas verdadeiras. À medida que a
transição entre os ambientes marinho
e terrestre ia ficando mais evidente,
a complexidade dos vegetais que
FIG. 2.11 Durante o Devoniano (350 a 400 passaram a ocupar zonas pantano-
m.a.a.), a ocupação de áreas costeiras Evolução e diversificação
sas também aumentou bastante e dos grandes grupos de plantas
pantanasas passou a ser uma
alternativa para alguns peixes originaram-se dezenas de espécies
pulmonares dotados de barbatanas
vasculares que passaram a desen-
musculares apoiadas em ossos
fugirem da predação intensa que
volver folhas e raízes, produzindo,
ocorria nos oceanos. Aparecem aí consequentemente, as transforma-
os primeiros anfíbios. como FIG. Esquemo que ilustra o processo evolutivo e a diversif7cação das espécies na tronsição das
ções nas dietas dos animais (Fig. 2.12). 2.12
o Ichthyostega (f7gura de baixo). plantos aquáticos pora os continentes. no [mal do Siluriano e início do Devoniono
um dos primeiros vertebrados O aumento progressivo da
Fonte: adaptado de Encyclop<edia Britannica (s.ti.),
terrestres conhecidos. que vivia na cobertura vegetal nas áreas conti-
Croenlãndia há 375 milhões de anos. Sucessivos períodos de glaciação, com avanço de períodos mais áridos ao
nentais representou um crescimento
Animais como esses muita
na resistência contra o vento, o que final do Carbonífero, impulsionaram o surgimento dos primeiros tetrápodes
provavelmente se originaram de
espécies do gênero Eusthenopteron permitiu que plantas mais altas e amniotas, animais que não mais dependiam da água para sua reprodução. Sua
(f7gura de cima). tetrápode de vida
rígidas pudessem surgir, aumen- fecundação passou a ser interna e os embriões passaram a ser protegidos por
exclusivamente aquática que viveu há
aproximodamente 385 milhões de anos tando de tamanho ao longo do um ovo com casca e por um envoltório chamado âmnio, que conferia maior

Devoniano, até chegar ao desenvol- proteção contra a desidratação. Assim, os primeiros répteis puderam se disper-
sar mais amplamente ao longo das massas continentais do planeta.
vimento de florestas tropicais mais exuberantes, já no período Carbonífero.
De forma semelhante ao que aconteceu com os animais, também entre as
Provêm desse período os maiores depósitos de carvão do Hemisfério Norte,
plantas ocorreu uma grande evolução no final do Paleozoico, a fim de ocupar grada-
originados das florestas de samambaias gigantes, fetos arbóreos precursores
tivamente as áreas continentais do planeta. O sucesso desse empreendimento
das coníferas, que cobriam os continentes. Essas florestas eram povoadas de
entre as plantas deveu-se à aquisição de duas importantes estruturas: o grão de
um grande número de insetos, que serviam de alimento aos anfíbios. Mais de
pólen, capaz de ser levado pelo vento aos gametas femininos, modificados para
500 espécies de insetos, incluindo libélulas de mais de 60 cm de comprimento
recebê-lo, e uma semente mais elaborada. O aparecimento da semente é conside-
e baratas voadoras de até 30 em, tornaram-se conhecidas por meio de fósseis
rado o mais importante evento na evolução das plantas vasculares (Fig. 2.12).
encontrados em depósitos de carvão.
82 I BIOGEOGRAFIA 2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I E:;

Formada por um corpo central e coberta por uma ou duas camadas de Sementes e órgãos portadores de pólen nasciam em pinhas na ponta de peque-
revestimento e proteção, essa estrutura permitiu o surgimento de um novo nas hastes presas nas folhas.
grau evolutivo entre os vegetais, o das gimnospermas (gimnos = nua, sperma = Muitos novos grupos de tetrápodes também surgiram no Triássico: as
semente), assim chamadas porque ainda lhes faltava o fruto, estrutura de reco- tartarugas, os crocodilos, os pterossauros, os dinossauros, os ictiossauros,
brimento característica das angiospermas ou plantas com flores, que só iriam os plesiossauros e os primeiros mamíferos. Muitos fósseis desse período são
aparecer ao final do Mesozoico. encontrados no sul do Brasil, especialmente na área da Formação Santa Maria,
A passagem da era Paleozoica para a era Mesozoica foi marcada por uma incluindo dicinodontes (Dinodontosaurus) e cinodontes (Massetognathus). Parte
variação climática tão intensa que levou a uma enorme onda de extinções em desses registros fósseis ajudam a compreender a existência de uma grande
massa, chamada por Erwin (1993) de "a mãe de todas as extinções". Ao final do massa de terras anterior à deriva continental, já que as espécies apareciam
Carbonífero, a maior parte do planeta estava dominada por um clima muito amplamente distribuídas nos atuais continentes da América do Sul , África ,
frio decorrente de sucessivas glaciações. Todavia, enormes quantidades de Antártida e Austrália, além do subcontinente indiano, separado de Gondwana
dióxido de carbono liberadas por uma grande erupção vulcânica na região da há menos de 80 milhões de anos (Fig. 2.13).
Sibéria geraram um efeito estufa que elevou muito rapidamente a temperatura
da Terra, aumentando o nível dos mares e fazendo com que muitas espécies não
tivessem tempo de se adaptar às novas condições.
Some-se a isso o fato de que a ação da deriva continental encaminhava as
placas para a formação do supercontinente da Pangeia, fazendo com que acon- Evidências fósseis
do réptil terrestre
tecesse uma perda significativa das linhas de costa e dos ambientes marinhos do Triássico
Lystrosauras
rasos, habitat de grande parte das espécies da época. Acredita-se que 95% de
todas as espécies marinhas e 70% das espécies continentais tenham entrado em
extinção na passagem da era Paleozoica para a Mesozoica, o que abriu espaço
América do Sul
para o aparecimento dos primeiros dinossauros durante o período geológico
seguinte, o Triássico.
O Triássico foi um período em que a terra e os mares foram recolonizados,
depois da grande extinção permiana. Durante os 50 milhões de anos que durou
esse período, o supercontinente de Pangeia não se fragmentou, o que permitiu
às faunas terrestres uma grande dispersão, já que, devido à continuidade das
Restos fósseis do réptil
massas de terra, não havia muitas barreiras geográficas. Além disso, o clima Cynognathus do Período
Triássico
tornou-se uniforme, quente e seco. Restos fósseis do réptil de Fósseis de Glossopteris
água doce Mesosaurus, do encontrados em todos os
Essas condições climáticas ocasionaram grandes mudanças florísticas. Período Permiano continentes austrais
Na parte sul de Pangeia, a flora de Glossopteris do Permiano foi substituída pela ~------------------.~ ---------------------------
flora de Dicroidium, caracterizada por plantas com cutículas mais espessas. As FIG. 2.13 Evidências paleontalágicas da existência de Gandwana. Localizadas especialmente na sul
gimnospermas se desenvolveram em cicadáceas e ginkgos e, no fim do perí- do Brasil, fósseis de Clossopteris e de Mesosaurus, também encontrados em outras
continentes, demonstram que essas grandes massas de terra já estiveram interligadas
odo, surgiram as coníferas. Vale dizer que Glossopteris é um gênero extinto de
anteriormente, antes da deriva continental iniciada na final do Mesozaico
samambaias com sementes, que alcançavam de 4 ma 6 m de altura, semelhante
aos atuais xaxins (Dicksonia sellowiana). Elas possuíam um interior de madeira Nos mares, tubarões e peixes ósseos eram abundantes. Entre os invertebra-
mole que se assemelhava com as coníferas da família das atuais araucárias. dos, surgiram os corais escleractíneos, que são os atuais corais construtores de
84 I BIOGEOGRAFIA
'2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES

recifes e que se caracterizam por um exoesqueleto composto principalmente de


aragonita, ao contrário dos das ordens mais antigas, compostos de calcita.
Boxe 2.3 OS PARENTES MAIS PRÓXIMOS DOS DINOSSAUROS
Acima de tudo, a era Mesozoica destacou-se pelo grande predomínio dos
Sabe-se que os dinossauros se extinguiram da face da Terra há aproximadamente
répteis (entre os quais os dinossauros, em suas mais de 500 espécies), que se 6.5 milhões d.eanos. Mas, das espécies atualmente existentes, qual mais se apro-
distribuíam por quase toda a Pangeia no início do Triássico. xirna da genettca desses grandes répteis extintos)

A partir do ]urássico, o movimento das placas tectônicas que fragmentou


Embora.se seja tentado a pensar que os répteis atuais, como os jacarés, são os parentes vivos
Pangeia e desencadeou a separação de Gondwana e Laurásia trouxe conse-
mais proxrmos dos extintos dinossauros, uma pesquisa desenvolvida entre as universidades
quências extremamente importantes para os sistemas ecológicos do planeta. Harvard e Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, aponta que proteínas encontra-
Primeiramente, porque a mudança na posição dos continentes e das massas das ~m um fóssil de tiranossauro rex são mais semelhantes àquelas encontradas em aves do
que aquela.s encontradas em jacarés. Esses resultados foram obtidos com base na análise de
oceânicas alterou profundamente as características climáticas. Em segundo
uma proteína existente no colágeno extraído de um fêmur de tiranossauro de 68 milhões de
lugar, porque o deslocamento continental faz e desfaz barreiras à dispersão, anos, encontrado em 2003 nos Estados Unidos. Essa proteína foi comparada com o material
conectando e desconectando as biotas de diferentes regiões da Terra. coletado em 21 espécies atuais e comprovou-se que as aves, como galinhas e avestruzes, são
aparecimento de mares rasos e o deslocamento dos continentes em dire-
O de fa~o os parentes mais próximos desse gigantesco predador pré-histórico, o que confirmou,
em mvel molecular, as semelhanças anatõmicas já há muito identificadas por paleontólogos
ção às menores latitudes a partir da fragmentação da massa continental manteve
na comparação entre o esqueleto de aves e de saurídeos.
a temperatura bem acima das médias atuais, apesar da redução dos efeitos de
Fonte: baseado em Orsi (2008).
continentalidade, o que permitiu o crescimento cada vez maior e a disseminação
de diferentes espécies de dinossauros, numa evolução crescente de tamanho.
A deriva continental terminou por estimular grandes isolamentos repro- No final do Mesozoico surgiu
dutivos, com o aparecimento de intensos processos de especiação. Por sua vez, também um novo tipo de planta, as
a disjunção de inúmeras espécies que habitavam Gondwana resultou no apare- angiospermas (plantas com flores),
cimento de um grande número de espécies atuais vicariantes, como se pode que tiveram uma evolução explosiva
observar ao comparar a fauna da África e a do sul da Ásia. durante o Terciário e dominaram a
Com a evolução dos grandes répteis durante o]urássico, deu-se um aumento vegetação do planeta no Quaternário,
da competição por alimentos e da predação. Novamente aqui a seleção natural com cerca de 250.000 espécies.
entrou em campo para forçar o aparecimento dos primeiros répteis voadores, Também durante o Cretáceo surgiram
que se deslocavam de uma árvore à outra, voando por pequenas distâncias para os mamíferos já mais evoluídos, que,
fugir dos predadores. Essa linha evolutiva deu origem às aves, cujo ancestral sobrevivendo às ondas de extinção FIG. 2.14 Depois de terem aparecido nas

do final do Mesozoico, prevaleceram oceanos e ocupado os continentes,


mais antigo conhecido é o Archaeopteryx lithographica, uma protoave que vivia em a conquista das ares foi a última
ilhas de desertos tropicais há aproximadamente 150 milhões de anos (Fig.2.14). na superfície da Terra a partir do
etapa de expansão dos seres vivas na
Cenozoico. superfícíe da Terra. Répteis voadores
Isso ajuda a compreender o Boxe 2.3, que confirma que as galinhas atuais, e não
O surgimento das angiospermas evoluíram para as aves, cujo parente
os répteis, são os parentes vivos mais próximos dos dinossauros. fóssil mais antiga parece ser
As aves evoluíram e se diversificaram durante essa última era geológica. talvez tenha significado o primeiro o Archaeopteryx lithographica

Tanto quanto os mamíferos, elas dispõem de uma enorme vantagem competi- grande passo para desencadear a Fonte: adaptado de Abril Coleções (1996).

tiva sobre seus ancestrais dinossauros: a homeotermia endotérmica, ou seja, são extinção dos dinossauros e de milha-
animais de sangue quente. A produção de calor nas aves provém principalmente res de outras espécies ao final do Mesozoico. A redução significativa da área
de tremores dos músculos de voo, e a cobertura de penas realiza um isolamento de ~corrência de espécies forrageiras devido à competição pela expansão das
suficiente para retardar a perda de calor. anglOspermas pode ter diminuído muito o alimento disponível para os herbí __
86 I BIOGEOGRAFIA
·2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I B-

ros. Ao reduzir a população de herbívoros, reduz-se o alimento disponível para Além da grande extinção do fim do Paleozoico, já comentado anteriormente,
os carnívoros. e dessa extinção do Cretáceo, que determinou o fim da era dos dinossauros, os
A questão da alimentação é essencial para compreender o processo de cientistas apontam também três outras grandes ondas de extinção em massa
extinção dos dinossauros. Diferentemente dos mamíferos, que crescem até na história geológica da Terra: a primeira, no Ordoviciano (443 m.a.a.), levou
atingir o estado adulto, os dinossauros, tais quais os demais répteis, não deviam à extinção de aproximadamente 65% das espécies existentes (lembrando que
parar inteiramente de crescer, o que caracterizou o Iurássico como o período a vida ainda era exclusivamente marinha); a segunda, no Devoniano Superior
dos grandes animais, cuja alimentação farta era garantida por um clima sempre (359 m.a.a.), fez com que 76% das famílias de peixes existentes desaparecessem;
quente. O grande tamanho dos dinossauros lhes dava certa imunidade contra a terceira e maior extinção foi a já comentada, no final do Paleozoico (245 m.a.a.),
predadores e forças da natureza, como tempestades e inundações, mas lhes em que 96% de todas as espécies vivas foram extintas; a quarta ocorreu no início
trazia um grande problema também, considerando que quase todos os animais da era Mesozoica, mais especificamente no Triássico (200 m.a.a.), coincidindo
de grande porte precisam passar a maior parte do seu dia se alimentando. com o início da fragmentação da Pangeia; a quinta e última é essa a que se está
Acredita-se que um braquiossauro, por exemplo, um dinossauro de mais de fazendo referência, no final do Mesozoico (65 m.a.a.), embora alguns autores
15 m de altura e cujo peso poderia chegar a mais de 100 t, ingeria aproximada- defendam a teoria de que está em curso atualmente a sexta grande extinção
mente 2 t de coníferas por dia. As gimnospermas são ricas em óleos essenciais, em massa do planeta, uma vez que se estima que metade de todas as espécies
com efeitos purgativos que auxiliavam no processo de limpeza estomacal desses de seres vivos hoje existentes estará extinta em 100 anos (Leakey; Lewin, 1997).
animais. Com o grande avanço das angiospermas e a consequente redução da Após a deriva continental ter início, ao final do Triássico (200 m.a.a.), a
área de distribuição das coníferas, os grandes animais tiveram muita dificul- América do Sul permaneceu em profundo isolamento das demais áreas conti-
dade em se adaptar a essa mudança de dieta, com plantas sem óleos purgativos, nentais, conectando-se à América do Norte apenas durante o Plioceno (3 m.a.a.),
o que determinou uma redução significativa na população de herbívoros, provo- por meio da orogenia da América Central, com a formação do istmo do Panamá.
cando igual redução de alimentos para os carnívoros. Esse isolamento começou a ser parcialmente rompido há cerca de 30 milhões
Esse processo só se acentuou quando, há 65 milhões de anos, um grande de anos, com alguns intercâmbios primitivos com a África (especialmente com
meteoro de 12 km a 15 km de diâmetro se chocou contra a Terra, nas proxi- a vinda de algumas espécies de primatas e mamíferos roedores) que usavam o
midades da atual península de Yucatán, no México. Seguiu-se a esse impacto arquipélago de São Pedro e São Paulo como trampolim associado a fortes corren-
um longo período de escuridão global causado pela nuvem de finas partículas tes marítimas para oeste.
em suspensão na atmosfera. Esse período teria sido suficiente para cessar a
Durante todo esse período de isolamento, o continente sul-americano
atividade fotossintética, provocando o colapso das cadeias alimentares mari- desenvolveu uma enorme diversidade de fauna autóctone, especialmente a
nhas e terrestres. Junto da escuridão, as temperaturas caíram drasticamente, partir da extinção dos dinossauros, quando novos nichos se abriram para o
sobretudo no interior dos continentes, acompanhando uma possível mudança aparecimento de novas espécies. O grande apogeu dessa megafauna ocorreu
climática. Alguns autores defendem que várias outras grandes erupções vulcâ- justamente nos períodos glaciais pliopleistocênicos (entre 5 milhões de anos e
nicas provocadas pelo impacto do asteroide também contribuíram para manter 12.000 anos atrás). Entre as principais espécies que apareceram nesse período,
essa camada de partículas em suspensão por muito mais tempo. destacam-se a preguiça-gigante, as aves-do-terror (Phorusrhacos), os Thylacos-
O somatório de todas essas dinâmicas foi o responsável pela quinta grande milus (um tigre-dentes-de-sabre marsupial) e o gliptodonte (parente dos atuais
extinção em massa, ao final do Cretáceo, em que desapareceram da superfície tatus, porém do tamanho de um automóvel Fusca, com 2 t e 3 m de compri-
da Terra mais de 50% das espécies vivas, abrindo espaço para a posterior diver- mento), entre outros (Fig. 2.15).
sificação dos pequenos mamíferos e das aves, que passaram a ocupar o nicho Com o aparecimento do istmo do Panamá, teve início a fase do Grande
vago das espécies extintas, ao mesmo tempo que a deriva continental dese- Intercâmbio Biótico Americano (Giba), com espécies se deslocando da América
nhava os novos contornos e limites entre as áreas de distribuição. do Sul para o norte e vice-versa, embora com nítida predominância do segundo
88 I BIOGEOGRAFIA
2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I 9

caso sobre o primeiro. Essa preponderância da fauna nortista (de onde vieram,
17
por exemplo, os ancestrais dos camelídeos, o cavalo, a anta, entre outros) devia- interglacial
atual ""
-se ao fato de que a América do Norte nunca esteve totalmente isolada, graças
ao contato com a Ásia por meio do estreito de Bering. Isso gerou sempre muito 15 E
ru
mais pressão seletiva na América do Norte do que na América do Sul, em que a o
'O

quase ausência de entrada de novos imigrantes durante muitos milhões de anos


tornou as espécies menos preparadas para o intercâmbio e mais vulneráveis aos
invasores do norte ..
(A) Pixeltoo (Wikimedia). (8) Snowmanradio (Wikimedia) e (C) Biodiversity Heritage Library (Flickr)
./'
máxima do

800
• • •• • • • 200 •
Wisconsiano
••
9

500 400 Presente


Milhares de anos atrás

FIG. 2.16 Gráfico de variação da temperatura média da superfície do Terra nas últimos
800.000 anos, que demonstra o predomínio dos períodos glaciais sobre os períodos
quentes no Quoternário

Fonte: adaptado de Brawn e Lomolino (2006).


FIG. 2.15 Exemplares da megafauna pliopleistocênica que habitaram o América do Sul:
(A) gliptodonte, (B) ave-da-terror e (C) preguiça-gigante Desde o pico da glaciação mais recente (18.000 a.a.), chamada de Wiscon-
siano na América do Norte e de Würm na Europa, as temperaturas globais
Até o fim do Mesozoico, as mudanças climáticas na superfície da Terra apre- aumentaram aproximadamente 4,5 "C, e a maior parte desse aumento ocorreu
sentavam ciclos mais longos. Todavia, a partir do início do Cenozoico, mesmo em um período de apenas 4.000 anos. A última das chamadas pequenas idades do
com a posição dos continentes já muito próxima da atual, as mudanças climáti- gelo ocorreu entre 1650 e 1850 d.e., sucedendo um período mais quente da Idade
cas se tornaram muito mais intensas, com redução do tempo de duração de cada Média, entre 1100 e 1400 d.e.
ciclo. Essas reversões climáticas do Quaternário foram produzidas por mudan- Para além das mudanças produzidas pelo clima mais frio nos ciclos vege-
ças na interceptação e absorção da radiação solar pela superfície da Terra em tativos, as máximas glaciais interromperam os fluxos de monções, aridificando
decorrência de uma associação entre diferentes mudanças na sua órbita (excen- áreas anteriormente tropicais, além de produzirem um rebaixamento do nível
tricidade, obliquidade e precessão). do mar, que, só durante a última glaciaçâo, esteve aproximadamente 100 m
Houve um aumento da reflexão da luz solar (pelo albedo) durante a forma- abaixo do atual.

ção dos campos de gelo, com o consequente aumento das taxas de resfriamento Um rebaixamento em torno de 100 m a 160 m já foi suficiente para formar
e a aceleração da glaciação. Já o degelo glacial, como no período atual, parece ter pontes continentais entre áreas biogeográficas distintas, como no caso da
sido dirigido em parte por mudanças globais na concentração dos gases estufa, Beríngia, entre a Sibéria e a América do Norte; da plataforma de Sunda, que
especialmente o e02 e o metano. permitiu a passagem entre a Malásia e a Indonésia; e do mar de Arafura e do
Durante as máximas glaciais do Quaternário, a temperatura média do ar estreito de Bassa, que possibilitaram a ligação por terra entre a Nova Guiné a
ficava entre 4 "C e 8 "C mais baixa do que nos períodos interglaciais, tendo essa Austrália e a Tasmânia. '
temperatura prevalecido durante a maior parte do Pleistoceno, uma vez que A teoria mais antiga para explicar a origem do homem no continente ameri-
as interglaciações intermitentes correspondem a menos de 10% desse período cano é a de que foi justamente por uma dessas pontes de terra formadas nos
(Fig.2.16). períodos glaciais que entraram os primeiros caçadores, vindos da Ásia, entre
90 I BIOGEOGRAFIA ·2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I 9~

11.000 e 14.000 anos atrás. Apesar de essa ainda ser a teoria mais utilizada hoje interrompido, mantendo-se populações vegetais com processos adaptativos à
em dia, há uma grande quantidade de estudos nos últimos anos que contesta seca nos dois extremos desse corredor: no nordeste brasileiro, em que o clima
essas datas, dando a indicação de que a chegada do homem no continente semiárido ainda se mantém, e no extremo sul do Brasil, avançando pelo Uruguai e
americano pode ter acontecido em diferentes períodos e de diferentes formas. pelo nordeste da Argentina, em regiões onde a pouca disponibilidade de nutrien-
Pesquisas da arqueóloga Niede Guidon no Parque Nacional da Serra da Capi- tes do solo produz um efeito de seca fisiológica, mesmo que a disponibilidade de
vara já apontaram restos de uma fogueira de 48.000 anos atrás, por exemplo água no sistema seja adequada à sustentação de uma vegetação ombrófila.
(O primeiro ..., 2003). Há no mínimo cinco teorias que procuram estabelecer rotas Foi exatamente nessa época de
de entrada para o continente americano: partindo da Polinésia, diretamente da predomínio de ecossistemas savâni-
~A
África, da Austrália e do Japão. Uma explicação mais detalhada delas pode ser cos que a megafauna do continente
encontrada em Leveratto (2011). americano teve seu apogeu. Duas
Apesar de o homo sapiens ter surgido há pouco mais de 2 milhões de anos teorias explicam o desaparecimento
no continente africano, foi somente nos últimos 120.000 anos que os homens dessa fauna de grande parte do conti-
modernos encontraram condições de dispersão para avançar até o extremo nente americano, ao contrário da
leste da Ásia, chegando ao estreito de Bering e atravessando a pé os 85 km que África, em que os animais de grande
separam os continentes americano e asiático antes que o aumento das tempera- porte permanecem até os dias atuais.
turas produzisse a elevação do nível do mar e a submersão da ponte continental. A primeira delas atribui às mudan-
No caso brasileiro, as mudanças climáticas associadas com a máxima ças climáticas a responsabilidade pelo
- _,_o [ !
glacial
ecossistemas
provocaram expansão
terrestres
generalizada
de cobertura aberta,
das estepes,
em detrimento
savanas e outros
de ecossistemas
desaparecimento
vez que a redução
da megafauna,
dos ecos sistemas
uma ~~DI
fechados, especialmente as florestas tropicais úmidas. Em se tratando da região savânicos onde essa fauna se abrigava FIG. 2.17 Distribuição no Brasil de componentes

amazônica, esse recuo de florestas tropicais pode ter gerado intensos processos foi muito grande no atual período tropicais úmidos no período glacial
de Würm-Wisconsiano (13.000 a
de isolamento reprodutivo, dando origem aos refúgios ou santuários paleoecológi- interglacial, mais úmido. Ainda assim, 18.000 anos), representados por
cos da Amazônia (Ab'Sáber, 1977), tal como se observa na Fig. 2.17. Esses refúgios os grandes animais poderiam ter refúgios poleoecológicos floresta dos
e matas esporsos e em galeria.
sofreram o que Haffer (1982) chamou de vicariância cíelica (também denominada acompanhado o deslocamento desses
(A) Refúgios florestados, (B) possíveis
modelo de especiação explosiva). Segundo essa teoria, a grande biodiversidade ecos sistemas em direção ao sul, como regiões incluídos, (C) contorno da
atual das florestas tropicais está ligada a ciclos sucessivos de retração/refúgio, aconteceu com os animais africanos costa durante a regressão glacial
marinha e (O) outras formações
durante os períodos glaciais, e de expansão/disseminação, durante os períodos em direção ao norte, durante o último
florestais e matas em galeria
interglaciais. A cada período glacial de refúgio, com milhares de anos de isola- máximo interglacial, há aproximada-
Fonte: Ab'Sáber (1977).
mento reprodutivo, muitas espécies novas apareciam, disseminando-se para mente 7.500 anos (Fig. 2.18).
novas áreas no período interglacial seguinte antes de voltarem a se retrair e se A segunda teoria, introduzida por Paul Martin na década de 1960 (Ward,
especiar novamente no próximo período glacial. 1997), afirma que o grande isolamento dos animais tornou-os vulneráveis aos
Essa teoria ajuda a compreender a presença de espécies semiáridas no atual caçadores humanos, até então desconhecidos e cujos vestígios arqueológicos
bioma Pampa, uma vez que, durante esse último período glacial (de 100.000 a.a. coincidem com os períodos em que viveram os fósseis mais recentes da mega-
até 12.000 a.a.), com a retração das áreas de floresta tropical úmida, formou-se um fauna encontrados, atestando sua provável extinção entre 11.000 e 12.000 anos
grande corredor seco desde o nordeste do Brasil até a Argentina, por onde espé- atrás. Ao contrário do que ocorreu nos outros eventos de extinção em massa,
cies savânicas e semiáridas se deslocaram livremente. Com o retorno do período não há uma simultaneidade dos eventos de extinção nas diferentes partes i.::
úmido e a consequente expansão das áreas florestadas, esse corredor seco foi mundo nesse período. Ainda segundo essa teoria, na África, como os 03.'-'-.-----,:::....::
92 I BIOGEOGRAFIA 2' PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I 93

coevoluíram com os ancestrais humanos, acabaram desenvolvendo melhores Considerando que os parâmetros ambientais estão em permanente
estratégias de sobrevivência contra os caçadores. mudança na história geológica do planeta, pode-se concluir que a história
evolutiva também está em permanente dinâmica. Assim, o que é chamado de
Máximo glacial (18.000 anos) Máximo interglacial (7.500 anos) Hoje em dia
seco chuvoso coevolução não é apenas uma adaptação mútua na evolução presa-predador,
mas também uma adaptação mútua entre os seres vivos e o ambiente por eles
habitado e transformado. Portanto, a progressiva oxidação de uma atmosfera
originalmente composta de amônia (NH3), metano (CH4) e dióxido de enxofre
(S02) foi tão importante para as plantas saírem dos oceanos em direção aos
continentes quanto a intensificação da fotossíntese promovida por essa saída
foi importante para modificar as condições da atmosfera original, e assim
sucessivamente.
Assim como será visto no Capo 4, a coevolução representa um processo
_ Deserto extremo Floresta tropical caducifólia _ Floresta mediterrânea bastante conhecido nas mudanças físicas e/ou fisiológicas que se processam tanto
Semiárido • Floresta subcaducifólia _ Maquis nas presas como nos predadores, sempre como decorrência de um aprimoramento

Pradarias • Floresta ombrófila densa Savana da seleção natural. Considere-se, por exemplo, as interações que se processam
entre os morcegos (predadores) e as mariposas (presas). Como são caçadores notur-
FIG. 2.18 Variaçãa espacial das ecassistemas na cantinente africana nos últimas 20.000 anas. nos, os morcegos desenvolveram um sistema sonar para localizar suas presas no
Perceba-se que, na máxima interglacial atual (7.500 anos atrás), há um avanço dos
~ ecassistemas savánicas para o norte, em direção a áreas hoje ocupadas par vegetaçães
escuro. Em contrapartida, algumas espécies de mariposa desenvolveram alta
semiárídas e desértícas sensibilidade às frequências sonoras utilizadas pelos morcegos, o que permitiu
Fonte: Adams (1997). que elas escapassem dos seus predadores. Algumas espécies de morcego, então,
Tal qual a chegada dos homens ao continente americano, é muito provável conseguiram alterar a frequência de seus pulsos sonoros, permitindo uma maior
que a resposta correta não esteja em uma ou em outra teoria, mas em ambas, captura de presas. Para escaparem disso, algumas espécies de mariposa desen-
já que a mudança das condições ambientais impostas pelo retorno da umidade volveram outro sistema de ondas sonoras para bloquear o sonar dos morcegos.
pode ter levado a uma redução populacional de grandes animais, intensificada Por sua vez, algumas espécies de morcego, para se adaptarem a isso, desligaram
pela sobrecaça humana. seu sistema sonar e passaram a utilizar a frequência dos bloqueadores das mari-
Por tudo que foi discutido neste item, fica claro que o processo evolutivo, posas para localizá-Ias. Como se vê, tanto as presas como os predadores estão
responsável pela modificação das espécies ao longo do tempo, nada mais é do submetidos a uma dinâmica evolutiva crescente, decorrente da necessidade de
que um processo coevolutivo entre as mudanças do meio e os seres vivos. No fazer frente às mudanças dos outros, que é denominada coevolução.
presente caso, refere-se a um processo coevolutivo entre as condições ecológi-
cas do planeta e as espécies vivas. 2.3 GRANDES RECIÕES BIOCEOGRÁFICAS DO PLANETA
À medida que as condições ambientais do planeta vão se alterando, os Desde que as ideias evolucionistas de Darwin passaram a ser aceitas como
mecanismos de seleção natural são disparados para resselecionar característi- explicação do processo de diversificação da vida na Terra, ficou evidente
cas que sejam mais bem adaptadas às novas condições. Isso, por sua vez, altera que as diferenças entre faunas e floras de continentes distintos deveriam
profundamente a correlação de forças entre as espécies detentoras dessas ser resultado de histórias evolutivas diferenciadas.
características, que tendem a se expandir e dominar, e aquelas em que tais Hoje se compreende perfeitamente que a movimentação dos continentes
características não apareceram, que tendem a reduzir a sua área de ocorrência ao longo da história geológica como decorrência das dinâmicas de afastamento
até permanecerem em refúgio ou se extinguirem. e aproximação das placas tectônicas, associada às flutuações climá ·CêS ::.=
94 I BIOGEOGRAFIA 2. PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES

longo prazo, foi a responsável por processos evolutivos diferenciados em vários em vista as suas dificuldades de dispersão. Ao aperfeiçoar a proposta de Sclater,
pontos da superfície terrestre, o que levou a uma diferenciação significativa na Wallace propôs, em 1876, um mapa detalhado das seis regiões biogeográficas do
composição da fauna e da flora em cada uma das assim chamadas regiões bioge- planeta (Fig. 2.19), documento este que serviu como referência para os biogeó-
ográficas do planeta. grafos por mais de um século, permanecendo sem nenhuma modificação.
Na primeira metade do século XIX, todavia, não existia ainda a principal
chave para a compreensão desse fenômeno, que é a aceitação e o entendimento
da deriva continental, cuja teoria, central para a explicação do movimento dos
continentes, foi proposta pela primeira vez por Alfred Wegener em 1912 e só
completamente aceita a partir da metade do século XX.
A ocorrência fóssil da flora de Glossopteris na África, Austrália, Antártida, sul
da América do Sul e Índia, as semelhanças no recorte litorâneo das Américas,
da Europa e da África e a similitude de rochas e dinâmicas estratigráficas entre
esses continentes foram alguns dos elementos que levaram esse autor a propor,
por meio da teoria mencionada, que todos os continentes atuais foram original-
mente parte de um único supercontinente, chamado de Pangeia. No entanto,
como naquele momento ainda não havia nenhum mecanismo geológico conhe-
cido capaz de fragmentar e mover continentes inteiros, essa teoria precisou
esperar até a década de 1950 para que pudesse fazer sentido, com a descoberta
da movimentação das placas tectônicas.
FIG. 2.19 Mapa das seis regiões biageagráfrcas propasta par Wallace em 1876
Mesmo sem uma compreensão global dos mecanismos que promoveram tal
Fante: adaptado de Ritchisan (s.d.).
diferenciação, o botânico alemão Adolf Engler (1844-1930) propôs, em 1879, uma
primeira divisão ecológica do planeta levando em conta a distribuição de floras
regionais visivelmente distintas. Basicamente, ele dividia o mundo em quatro Holt et al. (2013) redividiram as seis regiões biogeográficas de Wallace em
grandes zonas: o domínio boreal extratropical, englobando a América do Norte, 11 regiões com base em informações mais detalhadas de distribuição de 20.000
a Europa e o continente asiático ao norte do Himalaia; o domínio paleotropical, espécies de aves, mamíferos e anfíbios (Fig. 2.20 e seções a seguir). Além da
englobando o continente africano do Saara para o sul, até as Índias Orientais; o localização de um número maior de espécies de que dispunha Wallace, a atua-
domínio sul-americano, englobando a América do Sul e a América Central, até o lização do mapa também levou em conta os registros de DNA dessas espécies, o
México; e o domínio do velho oceano, estendendo-se da costa chilena, passando que permitiu recompor relações de ancestralidade entre elas.
pelo extremo sul da África, pelas ilhas do Atlântico Sul e pelo Oceano Índico, até
a Austrália e parte da Nova Zelândia. 2.3.1 REGIÃO NEOTROPICAL

Da mesma forma que Engler, Philip Sclater propôs, em 1858, um esquema Compreende toda a América do Sul, com exceção de algumas regioes
para a divisão ecológica do planeta levando em conta a distribuição dos prin- do Equador, Colômbia e Venezuela, incluídas já na região panamenha. A
cipais grupos de aves, partindo do princípio de que todas as espécies haviam grande característica da região neotropical é o seu alto grau de endemismo
sido criadas dentro da área na qual são encontradas hoje em dia. Essa divisão (são mais de 3.000 espécies de aves e aproximadamente 1.500 espécies de
acabou sendo aceita e aprimorada por Alfred Russel Wallace, que incluiu dados répteis endêmicos) em razão do seu isolamento biogeográfico desde o início
de outras tantas espécies de vertebrados, incluindo mamíferos não voadores, os do Cretáceo até o Mioceno, quando a América do Sul se conectou à América
quais deveriam refletir as divisões naturais do planeta com mais precisão, tendo do Norte. Outra característica marcante dessa região refere-se à ausência
96 I BrOGEOGRAFlA
. 2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESP~C25

de fauna de grande porte por causa dos processos de extinção pleistocê- 2.3.3 REGIÃO NEÁRTICA
nica já referidos anteriormente. Os animais de maior porte encontrados
Essa região, que compreende toda a América do Norte, incluindo a grande
no Neotrópico são os camelídeos andinos (lhamas, guanacos, vicunhas), a
ilha da Groenlândia e excetuando o sul do México, tem uma fauna com
capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), a ema (Rhea sp.), o tamanduá-bandeira
alto grau de similaridade em relação à fauna asiático-europeia da região
(Myrmecophaga tridactyla) e a onça-pintada (Panthera onca). Entre os primatas,
paleártica, em parte devido às facilidades de comunicação entre as dife-
destacam-se os chamados macacos do Novo Mundo, que incluem 16 gêne-
rentes biotas durante grande parte do Cenozoico. Isso faz com que alguns
ros e 128 espécies diferentes de pequenos primatas, a maior parte deles
autores tratem essas duas áreas como o grande reino holártico. A presença
situada dentro da província amazônica, uma das duas províncias em que
de amplas pradarias na área central da América do Norte favoreceu a
é dividido o reino neotropical, sendo a outra chamada de sul-americana.
sobrevivência de animais de grande porte, especialmente os ungulados
(mamíferos com casco), dos quais se destacam os bisões-americanos (Bison
bison). Ao menos três das 13 espécies de lobo existentes no mundo também
são endêmicas dessa região. O gênero Castor também é endêmico do reino
holártico, com uma espécie na região neártica (Castor canadensis) e outra no
reino paleártico (Castor jiber).

Em razão do longo isolamento em relação à América do Sul e da distância


em relação à ponte continental com a Eurásia, a parte sul da região neártica
(províncias sonoriana e mississipiana) apresenta uma biota endêmica bastante
antiga, com endemismos que facilmente alcançam o nível de família. Ao mesmo
tempo, a influência da região neotropical em espécies mais jovens também é
FIG. 2.20 Mapa das 11 regiões biageográfrws proposto por Holt et 01. (2013) bastante marcante nessas províncias, como é o caso da presença dos mamífe-
Fonte: adaptado de Holt et 01. (2013). ros marsupiais, que são inexistentes na região paleártica. Na parte norte dessa
região (província canadense), o contato mais recente com a região paleártica,
2.3.2 REGIÃO PANAMENHA
por meio do estreito de Bering, faz com que o endemismo fique restrito ao nível
Anteriormente incluída dentro da região neotropical, essa região biogeográ- das espécies.
fica foi individualizada por causa da sua característica peculiar de zona de
transição entre as faunas sul-americana e norte-americana. Compreende 2.3.4 REGIÃO PALEÁRTICA
o noroeste do Peru, a costa oeste do Equador e Colômbia, toda a América
Essa é a mais extensa de todas as regiões biogeográficas, compreendendo
Central e o sul do México, incluindo a península de Yucatán. Muitas espé-
quase toda a Eurásia, com exceção da porção sul da Ásia, separada por barrei-
cies encontradas nessa região são descendentes daquelas que imigraram
ras físicas (desertos e cordilheiras) da parte centro-norte. Em seu conjunto,
durante o Grande Intercâmbio Biótico Americano, como o urso-de-ócu-
a flora da região paleártica se parece muito com a da neártica, fato que faz
los (Tremarctos ornatus), considerado a única espécie de urso existente na
com que grande parte dos fitogeógrafos trate essas duas regiões como uma
América do Sul e a segunda mais vulnerável à extinção entre os ursídeos,
única, a holártica, o que remonta ao longo tempo em que esses continentes
atrás apenas do panda-gigante da China, e a anta-da-montanha (Tapirus
ficaram unidos na Laurásia. Todavia, a província mediterrânea da região
pinchaque), a menor espécie do gênero Tapirus e a mais ameaçada pela caça.
paleártica demonstra relações bastante antigas com a região afrotropical,
Além disso, o isolamento produzido pela orogênese dos Andes e da Cordi-
possivelmente graças aos sistemas montanhosos da grande falha africana,
lheira Centro-Americana faz com que essa região seja detentora da maior
a qual pode ter permitido que alguns gêneros extratropicais vencessem as
diversidade de pássaros do planeta.
barreiras climáticas das latitudes tropicais tanto na flora quanto na fauna.
2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉC-=S
98 I BIOGEOGRAFlA
--

o inverso também é verdadeiro, por exemplo, com duas espécies de prima- zebras (Equus sp., com 13 espécies distribuídas em três subgêneros disti t
entre tantos outros. n os
tas da família Cercopithecidae, conhecida como macacos do Velho Mundo, cuja
origem ancestral remonta à região afrotropical. Das mais de 130 espécies que
compõem essa família, apenas o macaco-das-neves (Macaca fuscata), que vive 2.3.6 REGIÃO ORIENTAL

nas zonas montanhosas da ilha de Honshu (Japão), e o macaco-de-gibraltar IEssa


d região,
h" constituída pelo subcontinente . diiano e pela pemnsula
in - da
(Macaca sylvanus), que vive em zonas montanhosas da cadeia do Atlas (norte da P:l~~ol~:~~~;:u~oo~.seu~ ~imites norte e sul perfeitamente delimitados
África) e do estreito de Gibraltar (sul da Península Ibérica), aparecem na região .. ima ala e pelo Oceano Índico, respectivamente Por
sua v~z, os limites oriental e ocidental não estão bem definidos f . d
paleotropical, enquanto a região neártica, por exemplo, não registra nenhuma
frontel~as transicionais com a região afrotropical a oeste e corr: aa;e~_ o
espécie de primata.
Pode-se dizer que as diferenças entre as faunas neártica e paleártica são a~strallana a leste. Não há dúvida de que as ilhas de Sumatra, lava e BOer~::

mais claras que suas semelhanças. As semelhanças se manifestam com clareza t em um povoamento de' ongem pre d ominantemente asiática sobretudo

apenas nos limites próximos ao polo, em que a fauna é bastante pobre e se ;m alguns vertebrados (tigre, elefante, rinoceronte, crocodilos : serpentes)

destacam alguns grandes animais, como a rena (Rangifer tarandus), chamada na sso se deve ao fato de essas ilhas estarem sobre uma plataforma conti-

América do Norte de caribu (na Eurásia, essa espécie apresenta quatro subespé- nental de pouca profundidade, a plataforma de Sunda que est
d te o Plei ' eve emersa
uran e o P eistoceno, permitindo que mamíferos, répteis e aves de voos
cies distintas, enquanto na América do Norte são seis subespécies).
~urtos, ~omo as. galináceas, pudessem se disseminar livremente entre as
Ilhasf ate
d o estreito
. de Macáçar. A partir daí ' d eVI.d o a uma fossa tectonica A

2.3.5 REGIÃO AFROTROPICAL


Essa região envolve todo o continente africano ao sul do Saara, com exceção pr~ un a ~ssoclada ao Cinturão de Fogo do Pacífico, a linha de Wallace deli-
da ilha de Madagascar. Do ponto de vista florístico, essa região se carac- mita perfeitamente . o território c uja
. m
. fluencia da região oriental é limitada
A •

teriza por sua forte afinidade com a região oriental, devido à existência apenas aos
E ._ vegetais
_ e animais com alto poder de disse' mmaçao.
-

de comunicações terrestres, por meio do canal de Suez. Durante os perío- ssare~lao e o centro de origem de importantes plantas cultivadas como a
cana
di - d e-açucar ' a manga e o gengl 'b re, alem
- de ser o centro de origem e de
' .
dos úmidos do Terciário, as florestas tropicais da África e do sul da Ásia
iversidade dos ecossistemas de manguezais. maior
se expandiram até se conectarem, produzindo um grande intercâmbio
florístico entre essas regiões, o que se reflete atualmente pela presença de _ A grande diversidade de fauna e flora encontrada na região oriental se deve

várias famílias comuns. No entanto, em razão de todo o isolamento poste- nao apenas aos contatos transicionais para leste e oeste mas t b- ,
quantid d d _. _ ' am em a grande
rior decorrente da expansão das zonas áridas, a similaridade entre as duas 1 a
he . f' . e e espeCIes típicas de clima .
temperado e fno que se deslocaram do
áreas teve a sua expressão reduzida ao nível de família, já que existem A :I~_eno ~orte empur~adas pelas glaciações e se adaptaram ao clima tropical
apenas alguns poucos gêneros comuns e praticamente nenhuma espécie glao. onental pOSSUluma diferença faunística notável em relação à re . - .
~frotroplcal, em que a contribuição faunística holártica é m 't gl:O
de flora compartilhada. mexistente Anima' .. Ul o pequena, senao
Também na fauna essa proximidade com a região oriental é identificada, arte d . _ . d lS como ursos, javalis, tigres, lobos, búfalos e veados fazem
com a vicariância de fauna entre África e Ásia, enquanto as interações com a P o cenano o subcontinente indian
continente africano. o, por exemplo, mas não aparecem no
região neotropical são menos intensas e, sobretudo, mais antigas.
O grande destaque faunístico dessa região fica mesmo por conta da fauna de
grande porte que ocupa as áreas savânicas do continente, como o leão (Panthera 2.3.7 REGIÃO AUSTRALIANA

Isolada l' do restante dos continentes


há mais de 60 milhõoes d e anos a regiao
.-
leo), o elefante (com uma espécie savânica, o Loxodonta africana, e uma espécie
florestal, o Loxodonta cyclotis), a girafa (Giraffa camelopardalis, com nove subespé- austra iana está entre as áreas de maior nível de endemismo do mundo

cies), o rinoceronte (com dezenas de espécies de quatro gêneros diferentes) e as chegando a apresentar, em relação aos animais, endemismos em nível de
100 I BIOGEOGRAFIA
2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I z.o ;

subclasse, como é o caso dos prototérios, uma subclasse de mamíferos ovípa-


riores mais longos que as pernas e dedos compridos e possuem cérebro grande e
ros , com ovos semelhantes aos dos répteis e das aves. São os mamíferos
uma das mais altas relações entre peso do cérebro e peso corporal da natureza,
atuais mais primitivos e os únicos que possuem cloaca, sendo representados
o que os coloca entre os animais mais inteligentes existentes.
por duas espécies consideradas fósseis vivos: o ornitorrinco (Ornithorhynchus
Por sua vez, os prossímios (do grego pro, antes, e simia, macaco) represen-
anatinus) e a équidna (com três gêneros e aproximadamente oito espécies).
tam uma antiga subordem de pequenos primatas que se caracterizam por uma
Livres de uma predação mais intensa ao longo do tempo geológico por
cauda longa e um focinho proeminente. Bastante comuns no início do Cenozoico
causa do isolamento, os mamíferos australianos (monotremas e marsupiais)
nas florestas do norte da América, Ásia e Europa, esses animais praticamente
não evoluíram da mesma forma que em outras regiões biogeográficas, onde
desapareceram entre 30 e 40 m.a.a., quando evoluíram os primatas superiores,
a supremacia dos placentários é inegável. Todavia, ao introduzir mamíferos
permanecendo apenas em Madagascar e nas Filipinas. Em Madagascar, a preser-
placentários (raposas, lebres, cachorros) de forma artificial nessa região, os
vação deu-se pela sua separação do continente africano no início do Cenozoico
seres humanos produziram uma verdadeira hecatombe zoológica nos mamí-
(aproximadamente 68 m.a.a.) e pelo pouco desenvolvimento de mamíferos
feros primitivos e autóctones, levando muitas espécies ao desaparecimento e
predadores, o que permitiu sua conservação e inclusive a diversificação em
colocando outras tantas em risco de extinção.
outras formas, em espécies de diferentes hábitos, adaptações e tamanhos,
O isolamento da região australiana foi muito mais efetivo para o endemismo
incluindo formas gigantes, como o Megaladapis, ou lêmur-gigante.
de fauna, graças à maior capacidade de disseminação de espécies vegetais tanto
da região oriental quanto da região neotropical (via Antártida). Dois gêneros 2.3.9 REGIÃO SAARO-ARÁBICA
explorados comercialmente no mundo todo têm origem nessa região, as acácias
Representada pelo norte da África (incluindo as paisagens desérticas e
(Acacia sp., com mais de 500 espécies) e os eucaliptos (Eucalyptus sp., com mais
o Magreb africano), península arábica, península do Sinai e Baixa Meso-
de 700 espécies).
potâmia, essa região constitui uma zona de transição entre as regiões
afrotropical e oriental, na direção oeste-leste, e entre as regiões paleártica
2.3.8 REGIÃO MALGAXE
e afrotropical, na direção norte-sul. O predomínio dos ambientes áridos e
Essa pequena região é composta pela grande ilha de Madagascar e pelas
semiáridos garantiu para essa região uma grande quantidade de endemis-
ilhas e arquipélagos geologicamente recentes que a rodeiam: Mascarenhas,
mos adaptativos de flora, como a retama (Retama metam), a genista (Genista
Seychelles, Almirantes e Comores. O sucesso do enorme grau de endemismo
sahame) e a tamarix (Tamarix sp.). Já os endemismos de fauna são menos
da região malgaxe reside na associação entre um isolamento muito antigo,
expressivos, uma vez que a fauna tem maior capacidade de deslocamento
de mais de 60 milhões de anos, e uma grande diversidade de habitat em seu
em busca de condições mais favoráveis.
território (a ilha possui uma cordilheira montanhosa de direção sul-norte
que se eleva entre 1.500 m e 2.000 m de altitude, definindo ecos sistemas 2.3.10 REGIÃO SINO-JAPONESA
úmidos para leste e secos para oeste). A principal prova do antigo isolamento
Incluindo o Tibete e a Manchúria, essa região também representa uma zona
de Madagascar é justamente a inexistência de símios (macacos superiores),
transicional entre as regiões paleártica e oriental, abarcando uma grande
ao passo que se encontram na ilha espécies de prossímios (macacos infe-
quantidade de espécies, especialmente de flora, que, ao migrarem do norte
riores). Também estão ausentes os grandes carnívoros, os ruminantes, os
para o sul, foram se adaptando e evoluindo em ambiente montanhoso.
roedores, as serpentes venenosas, as rãs arborícolas e os sapos.
O termo símio é uma denominação genérica para aludir a todos os prima tas 2.3.11 REGIÃO OCEÂNICA
mais desenvolvidos e evolutivamente próximos ao homem: gorilas, chimpan-
Corresponde a uma grande área de transição entre as regiões australiana e
zés, bonobos e orangotangos (chamados de grandes símios), além dos gibões.
oriental, representada por um conjunto de ilhas a leste da linha de Wallace,
Todos possuem o corpo peludo, são desprovidos de cauda, têm membros supe-
em que se incluem Papua-Nova Guiné e o arquipélago da Melanésia. A:9E5C~
2 PROCESSOS DE ESPECIAÇÃO E PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES I
102 I BIOGEOGRAFIA

Espaço
da grande similaridade com a biota australiana, essa região desenvolveu
um grande número de endemismos ao longo da história em razão do seu
aspecto insular. Essa condição coloca as florestas tropicais de Nova Guiné
entre as três mais importantes do mundo graças à sua diversidade de espé-
cies, que pode chegar ao número de 30.000.

2.4CLASSIFICAÇÃO DAS ÁREAS DE DISTRIBUiÇÃO


Tal como já discutido no Capo1, o estudo dos seres vivos pode ser feito com Taxon 1 Taxon 2 Taxon 3

base em dois grandes enfoques: o corológico, que busca identificar as áreas


de distribuição de um determinado taxon na superfície da Terra, e o bioce-
nológico, que estuda a distribuição das biocenoses na superfície terrestre,
bem como suas características e relações.
Do ponto de vista corológico, quando se busca cartografar a área de ocorrên-
cia atual de uma determinada espécie na superfície da Terra, o mapa representa
o local ocupado pelo taxon no momento do mapeamento; considera-se, portanto, Taxon4 Taxon 5 Taxon 6

a referida área de distribuição como sendo algo estático. Todavia, a distribuição


FIG. 2.21 Representaçãa tridimensianal da variação da área de ocorrência de seis taxa diferentes
das diferentes espécies animais e vegetais na superfície da Terra apresenta uma ao longo do tempo. À medida que um taxon avança ou recua na espaça, a área de
grande variação no tempo e no espaço, refletindo sempre a história de busca ocorrência pode se fragmentar de diferentes maneiras, seja para buscar condições
favaráveis, seja para evitar condições desfavoráveis
dessas espécies pelas condições mais adequadas para viver e se reproduzir
Fante: adaptado de Furlan (2005).
(Fig. 2.21).Quando as condições ambientais, como clima, solo, disponibilidade
de alimento, baixa competição e ausência de doenças e predadores, são favo- Quando os limites da área de ocorrência não são tão bruscos, ou seja,
ráveis, a área de ocorrência do taxon tende a assumir uma dinâmica progressiva, quando não há nenhuma barreira física que impeça o avanço da espécie, o deslo-
expandindo sua área original. camento da área de ocorrência se dá por meio de ciclos de expansão e contração
Quando as condições ambientais são desfavoráveis, a área de ocorrência mais longos que, via de regra, acompanham as mudanças climáticas do planeta
tende a sofrer uma dinâmica regressiva, com uma retração da sua área original. (Fig.2.22).Assim, para espécies que vivem em condições de maior umidade, os
Após essa retração, o taxon pode tanto desaparecer, especialmente quando suas períodos interglaciais representam fases de expansão, com dispersão da espé-
características passam a ser superadas por outros taxa concorrentes mais bem cie. Já nos períodos glaciais, a espécie sofre retração, com sobrevivência em
adaptados, quanto se manter em refúgios ecológicos, quando, durante o processo refúgio e possibilidade de produção de especiação. Para as espécies que vivem
de retração, a área de ocorrência se fragmenta e algumas "ilhas" de condições em ambientes secos, a dinâmica é inversa.
ambientais favoráveis mantêm a continuidade do taxon em áreas limitadas. Diante do exposto, pode-se perceber que as escalas de tempo e de espaço
Quando em refúgio, ou no caso de a área de ocorrência ser delimitada apresentam uma profunda interação no que se refere às mudanças de compor-
por fronteiras bem definidas, além das quais as condições de sobrevivência tamento e adaptação dos taxa diante da intensidade de variação das condições
são muito pequenas, o taxon pode manter uma dinâmica de equilíbriodurante ambientais, com reflexo direto na sua área de ocorrência sobre a superfície
muito tempo, apresentando apenas algumas flutuações menores (pequenas da Terra. Haffer (1992)oferece um esquema bastante didático (Fig. 2.23) para
mudanças no tamanho da área em períodos de anos ou décadas), chamadas de compreender essa interação entre as escalas espacial e temporal como resposta
pulsações da área de ocorrência, relacionadas com variabilidades climáticas de a variações ambientais de diferentes magnitudes. Com base nesse esquema,
curto prazo.

Você também pode gostar