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comunicativos espirituais
Luís Bittencourt∗
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manter a espiritualidade longe dos laborató- Como Prigogine, para fins operacionais
rios do saber estabelecido. entende-se Deus como um princípio auto-
Não há o que ocultar. Trata-se, na verdade, organizador do universo; em termos plotini-
de estabelecer um esforço metodológico no anos, o princípio intelectivo. Se Deus é isso,
sentido de criar ou aproximar conceitos que o princípio mesmo da intelecção, é incognis-
possam trazer à luz do dia o que vive à Luz cível. Não cabe uma aventura com esse ob-
do espírito. Ou, num sentido filosófico, recu- jetivo. No entanto, é possível tornar-se Um
perar idéias e conceitos que as ciências man- com esse princípio utilizando-se recursos no-
tiveram no limbo durante anos a fio em con- otrópicos disponibilizados pelas ciências em
seqüência de condições histórico-sociais. E geral e pelo que se convencionou chamar de
o próprio Lalande, na citação acima, fala em “ciências ocultas”.
“signos especiais”. Portanto, no mínimo te- Assim, de imediato afirma-se a existência
mos um fenômeno de interesse da Semiótica. de sujeito e objeto na prática da espiritua-
Antes de tudo, para ter-se uma hermenêu- lidade. Conseqüentemente, há também ob-
tica das ciências da espiritualidade é preciso, servação. Besana (1990, p.55) fala da difi-
como se diz, “deixar Deus de lado”. Ele con- culdade de conceituar observação em con-
tinuará presente, segundo o princípio da ima- dições normais da análise científica, porque
nência, mas não o Deus antropomórfico que “Todo processo cognitivo de natureza teoré-
conhecemos. Como diz Prigogine7 , tica, natural ou prática exige, para assegurar
a sua própria sobrevivência, uma base cons-
“Deus não é problema meu. Cada um de titutiva composta por um conjunto de fatos,
nós faz sua extrapolação. O máximo que de aquisições estáveis e seguras, cuja reco-
posso dizer é que o problema da exis- lha é tarefa da observação. Logo, a obser-
tência de Deus é diferente hoje do que vação surge como percepção atenta e consci-
era há algum tempo. Antes, parecia que ente de situações, fatos etc, pormenorizada-
você tinha de escolher entre duas certe- mente apreendidos e considerados”.
zas: a de Newton ou a da Bíblia. Essa Procura-se então definir a observação con-
oposição não era lógica, pois, mesmo em siderando sua pratica nas ciências e dis-
um universo autômato como o de New- ciplinas que pressupõem a existência de
ton, você precisaria de alguém que cri- objetos perfeitamente diferenciados do su-
asse este autômato. Mas se você en- jeito, como astronomia, ciências naturais etc.
tende o universo como sendo capaz de se Pratica-se também a observação quando o
auto-organizar, a pergunta se torna: esse objeto é um livro ou material resultante de
universo é possível devido à sua própria produção mental de outras pessoas. Outra
estrutura intrínseca ou porque alguém o forma de praticar-se a observação é traba-
programou? Acho que essa questão está lhar sobre objetos documentais, como rela-
muito além da nossa capacidade de en- tos, manuscritos, periódicos etc, relaciona-
tendimento”. dos a disciplinas como a história.
7
Ilya Prigogine, entrevista a Alessandro Greco, Todas essas áreas permitem a observação
Gazeta Mercantil, 12-13/06/1998. “do ponto de vista do esforço a desenvolver
para atribuir um significado e uma organiza-
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útil para a ciência e vice-versa, Weisenberg “(1) ocorrências em geral, assim como
afirmou que ações; logo (2) o que é o caso, se não é
uma ocorrência; logo (3) o que se sabe
“A filosofia profissional tem um valor ser o caso; logo (4) o que se sabe por
próprio, mas não tem muito valor para a observação, mais do que por influência;
ciência. Também acho que a maioria das logo (5) os dados reais da experiência,
descobertas na ciência, incluindo aquelas opostos ao que inferimos, ampliando um
revolucionárias como a mecânica quân- ou mais dos sentidos acima, (6) as coisas
tica e a relatividade, não é muito signifi- que realmente existem, tais como as pes-
cativa para a filosofia. (...) Talvez a única soas e instituições, aparentemente para
descoberta da ciência que tenha sido re- contrastá-las com ficções” (Sodré, 1994,
almente importante para a filosofia foi a p.17).
descoberta da própria ciência. O fato de
que era possível entender o universo de O conceito de fato, como diz Umberto
modo sistemático”.8 Eco, é aberto. Em nosso objeto de pesquisa,
por exemplo, o fato não pode mesmo ser a
Weisenberg é da linhagem de autores
coisa, uma vez que os fatos espirituais ou
como os pioneiros Fritjof Capra, David
psíquicos fazem parte de outro estado que
Bohm, Gregory Bateson, Ilya Prigogine,
não o material, embora englobem também
Marilyn Ferguson e muitos outros, entre es-
o material. Isso porque os fatos espirituais
tes pensadores como Gilles Deleuze e Pièrre
acontecem em dois “lugares” ou mundos dis-
Lévy, reintrodutores de conceitos que po-
tintos e interligados: o interno e o externo,
dem contribuir para o desenvolvimento de
sendo que este permeado por “substância”
um paradigma mais científico aos estudos
tida como material, o éter, plenum ou seja
dos fenômenos da espiritualidade.
lá que nome se dê a ele. Portanto, tal fato
associa-se, sobretudo, ao conceito imaterial
3 Espiritualidade, fato e que se tem dele.
realidade Se o conceito de fato gera tanta controvér-
sia, mais ainda a provoca o de verdade. O
A noção de fato também merece ser consi- conceito de verdade, como diz Sodré (1994,
derada, para tratar de fatos objetivos e sub- p.18), “deve ser entendido como adequação
jetivos. Citando Wittgenstein, sobre fato e do objeto ao sujeito”, isso porque “toda a
coisa, Sodré (1994, p.16) afirma que “o fato experiência contemporânea da verdade (...)
(entendido como representação ou ‘frase’) submete-se à prova de uma objetividade con-
não é o mesmo que ‘coisa’ ou objeto”. Witt- trolada (...) por um sujeito. A objetividade é
genstein afirma: “O mundo é a totalidade dos sempre correlata a um sujeito – é a certeza
fatos, não das coisas”(Ibidem, p.16). Olson que realmente a constitui”.
Kenneth Russel, citado por Sodré, faz o se- Como se trata de um conceito essencial,
guinte raciocínio para definir o fato, que in- enfatiza-se as observações de Sodré sobre
clui: verdade. Diz Sodré (1994, p.18): “entende-
8
Gazeta Mercantil, 6-7/03/99. se ‘verdade’ como uma adequação e por três
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ângulos diversos: (1) como concordância da Como se vê, Micheli pergunta mais do que
coisa com a realidade determinada (harmo- responde, embora seu recurso estilístico in-
nia entre a coisa e o que ela deve ser); (2) duza a uma resposta positiva às questões le-
como conhecimento, ou seja, como ajusta- vantadas.
mento entre o que o sujeito pensa e o que a Retornando a Sodré, o autor cita Schop-
coisa é, sendo o erro o contrário disso; (3) penhauer, para quem “a magia vem confir-
como sinceridade, isto é, como enunciação mar sua hipótese quanto à realidade única da
correta do que o sujeito pensa sobre a coisa, vontade (wille, em alemão), ‘núcleo de to-
sendo o contrário disso a mentira”. das as coisas’. (...) o wille schopenhaueriano
Assim, beirando o caminho do discurso, não é da ordem de um ‘querer’ consciente
podem ser considerados “verdadeiros”, por ou inteligente, e sim um modo de designar
exemplo, os fatos espirituais e a “hierarquia (voluntas vem de vis, que significa ‘força’)
oculta de seres evoluídos” que já passaram toda e qualquer força do mundo, seja ela
pela experiência humana e hoje “trabalham” consciente, inconsciente ou simplesmente fí-
para servir ao homem e levá-lo a percorrer o sica”(1994, p. 33).9 Diz ainda Sodré que
mesmo caminho? “A verdade dos fatos”, ex- “Os eventos ditos ‘ocultos’, na visão scho-
pressão que já foi muito comum na mídia, é penhaueriana, não podem ser avaliados pelo
que nosso empreendimento não envolve uma princípio da causalidade (que atua no mundo
“coisa” sobre a qual se pode construir um dos fenômenos), porque são ‘números’, coi-
discurso que dê conta de uma verdade. sas em si, que aparecem sob forma não fe-
Gianni Micheli (1990, p.93), sintetizando nomênica no mundo dos fenômenos” (1994,
concepções sobre o real, diz: p.34).
Fenômeno (phainomenon), portanto, é da
“O conceito de real desempenha um pa- ordem da causalidade. Se assim for consi-
pel importante na filosofia, cuja história é derado, muitos casos de parapsiquismo po-
percorrida na sua totalidade pela contro- dem ser explicados à luz da ciência tradi-
vérsia que diz respeito à definição do real cional, pelo menos no que diz respeito aos
e ao caráter da oposição entre o que é real seus efeitos observáveis (o entortar de garfos
e o que o não é. Se o real é idêntico ao e moedas10 , os fatos decorrentes da sincro-
ser, como se pode compreender esta iden- nicidade11 etc). Mesmo assim, tais fenôme-
tidade? Tudo o que é objeto da nossa per- nos avaliados pelo princípio da causalidade
cepção é real e, por conseguinte, o termo quase sempre deixam velados pressupostos
que se lhe opõe é o imaginário. Será que de manifestação. Que se manifestam, todos
o real se esgota no campo da percepção, vêem, mas de onde vem, por exemplo, o po-
enquanto tudo o que é abstrato entra no 9
A este propósito, uma dos princípios fundadores
campo da fantasia? Finalmente, não será
da vida, como visto neste trabalho, é a vontade ou o
verdade que o real se identifica com o ra- poder, associado também a um dos sete raios de atri-
cional, na medida em que a razão é juiz buto da vida humana.
10
do mundo sensível, como o é da experi- Cf. Sodré (1994).
11
ência?”. Cf. explicações junguianas e os trabalhos de Ku-
perman sobre o Tarot.
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